Castelo Rá-Tim-Bum - Epílogo
Castelo Rá-Tim-Bum - Epílogo
Castelo Rá-Tim-Bum - Epílogo
CASTELO
R-TIM-BUM
"Eplogo"
2013
Pg. 3
CABRAL, Tiago. "Castelo R-Tim-Bum Eplogo". Edio do Autor: Barra Mansa, RJ 2013. Este texto no possui fins comerciais, qualquer forma de comercializao do mesmo expressamente proibida! "Castelo R-Tim-Bum" criado por Cao Hamburger e Flvio de Souza. Todos os direitos reservados. Imagem de capa obtida em: http://catracalivre.com.br/sp/muito-mais-saopaulo/gratis/avenida-paulista-vai-ganhar-umafloresta-viva-na-quarta-feira/ Montagem de capa, edio e diagramao: Tiago Cabral Tiago Cabral psiclogo e escritor, autor do premiado conto "Um Sonho de Trs Noites" publicado pela Editora Draco, e do livro SARLACK: O Grande Drago Verde, alm de ser colunista no blog RPG Vale e co-fundador da KBgames. CONTATO: [email protected] TWITTER: @Wordmen http://tiagocabral.net/
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Eplogo (do grego eplogos - concluso, pelo latim epilogus) uma parte de um texto, no final de uma obra literria ou dramtica, que constitui a sua concluso ou remate.1 geralmente usada para dar a conhecer o desfecho dos acontecimentos relatados, o destino final das personagens da histria ou, em dissertaes, as ilaes finais de um conjunto de ideias apresentadas ou defendidas.2 o oposto do prlogo no discurso, podendo assumir a forma de um apndice. - WIKIPDIA.
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So Paulo - 12 de Outubro de 2013 Espero que esta carta chegue at vocs. Eu realmente espero. A vida nos levou por caminhos diferentes. As pessoas mudam, crescem, mas algumas coisas da infncia continuam guardadas nesse velho ba eterno que carregamos no peito chamado corao. Coisas que nunca sero arrancadas de l por mais que a rotina do dia a dia, que adormece nossas almas, tente cobrir tudo com aquela poeira da maturidade que nos obriga a esquecer desses momentos mgicos que passamos juntos. Eu confesso que havia me esquecido do nosso pequeno segredo. A quem estou querendo enganar? Nunca foi segredo, pois ele sempre esteve l para todo mundo pudesse que quisesse ver. Mas as pessoas apressadas, atarefadas, com seus coraes adormecidos no param pra perceber o que as cerca. Por mais que passem praticamente a vida inteira caminhando pelas mesmas caladas, indo aos mesmos lugares nunca prestam ateno no caminho. preciso esse esprito de criana pra fazer esse corao dormente despertar novamente a imaginao, e foi justamente uma criana que me fez reviver essas lembranas. Era um dia como qualquer outro. Eu no sei pra onde a vida levou vocs, mas hoje em dia me formei em qumica e trabalho num laboratrio aqui em So Paulo e tambm dou aulas. Alm disso, modstia a parte, sou casado com a mulher mais linda do mundo. Temos um filho, o Jnior. Ele est naquela idade da explorao, na idade da descoberta, a mesma idade que tnhamos. Vocs se lembram? A gente passava tardes e tardes descobrindo aonde as ruas do nosso bairro terminavam, o que havia atrs dos muros e sobretudo conhecendo lugares que nossos pais nos proibiam de ir. Eu tinha me esquecido, como isso pode acontecer? O esprito da descoberta abandonou meu corao e eu me confortei com a rotina, mas parece que o destino sempre prepara surpresas para nossas vidas. Naquela tarde eu tinha que levar o carro para o conserto, a minha sorte era que o mecnico era relativamente prximo a escola do Jnior. Ele um garotinho curioso, extremamente questionador. Ele fez questo de ir at a oficina comigo para saber como eram consertados os carros. Eu gosto de incentivar isso nele porque eu tambm era assim, vocs sabem. Decidi ento que depois da oficina a gente ia caminhar at a escola. Foi quando eu senti que aquela rua era familiar. Ns adultos prestamos muita ateno no fluxo de pessoas, no trnsito. Parece ser uma coisa condicionada. Jnior prestava ateno
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nos pssaros, nos pombos. Na forma como os fios estavam dispostos no poste. At que houve uma hora em que eu parei. Ele comeou a puxar o meu brao, dizendo que iramos chegar atrasados, mas eu estava parado ali diante daqueles portes gradeados e um pouco enferrujados. As rvores do terreno projetavam uma sombra fresca sobre o passeio cheio de folhas mortas que o vento varria. E ento eu voltei a ser criana de novo quando eu vi, de longe apenas, aquela escadaria. Olhei para cima e podia ver saltar sobre as copas das rvores a torre. O que foi, papai? Jnior perguntou observando o lugar. Isso um parque? A gente podia vir passear aqui uma hora. O que tem aqui? Percebi que estava sorrindo, peguei ele no colo. Aqui, Jnior, tem um castelo, um castelo mgico! Respondi. mesmo? No meio da cidade? E quem mora nele? Um velho amigo do papai. Nossa, pai, que legal! Voc tem um amigo que tem um castelo! A gente pode vir aqui um dia? Claro, Jnior. Agora vamos pra escola. No entanto, quando dei o primeiro passo, ainda sem desviar o olhar, como que movidos por uma magia os portes se abriram.
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1. Cruzar os portes daquele castelo era como atravessar um portal para um mundo mgico. No se ouviam os sons da cidade, o clima era mais ameno, e um vento fresco vindo das rvores cansadas tocava a nossa pele. Cada detalhe, cada mnimo detalhe da arquitetura daquele lugar no havia sofrido nenhuma mudana. Eu percebia que Jnior estava surpreso com o fato de termos entrado, mas sua curiosidade era maior do que a surpresa. Eu no conseguia contar quantas vezes j havia atravessado aquele caminho com meus amigos, sempre pronto para descobrir coisas novas dentro daquele castelo mgico. Meus ps sentiram vontade de subir a escada correndo em direo aquela porta, como eu fazia como era pequeno, mas meu esprito maduro os conteve. Porm meu filho, parecendo ler a minha mente, subiu a escadaria correndo at chegar ao portal multicolorido comeando a tatear os relevos da construo com admirao. Por fim puxou uma pequena corrente, que fez um monte de barulhos estranhos dentro da parede. Hei, moleque, tire a mo da. Bop! disse um porteiro metlico adiantando-se para fora de uma portinhola ao lado da grande porta. Jnior tomou um susto. Voc est atrasado disse ele olhando com seus redondos e grandes olhos de marionete para mim. Atrasado? Perguntei surpreso. Sim, a-tra-sado. Bip! Bop! Respondeu o porteiro girando a cabea sobre seu prprio pescoo. Voc conhece ele pai? Perguntou Jnior. Sim, conheo, filho respondi com um sorriso. Ele o porteiro do castelo. Ento, porteiro, deixa a gente entrar pediu Jnior. No sem cumprir um desafio! Respondeu o porteiro animado. Eu quase tinha me esquecido disso confessei. Ento diga, porteiro, j que somos esperados, qual a senha de hoje? Hum , comeou o porteiro. Vocs vo ter que fazer uma careta! Biprim! Essa fcil disse Jnior mostrando os dentes e apertando os olhos. A porta se abriu e ele passou, porm quando fui fazer o mesmo ela se fechou na minha cara. Hei! Eu disse.
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... A careta! O Jnior j fez a careta, porteiro. Me deixe entrar. Ne-ga-tivo. Meu filho j est l dentro. Alm do mais quantas vezes eu j entrei nesse castelo? Hein? Voc me conhece desde pequeno. No vamos nos ater a essas formalidades. O porteiro me lanou um olhar metalicamente reprovador. Voc mudou. Mesmo depois de tudo que viveu, voc cresceu! Disse o porteiro. Sim, o curso natural da vida. A gente cresce, fica mais alto, mais inteligente e ... Eu no estou falando disso disse o porteiro. Do que ento? Sabe, bip-bip, meu dever deixar que apenas pessoas que estejam preparadas para viver a magia deste castelo possam entrar. Prim! Alis, se voc tiver um corao j endurecido de um adulto talvez no seja nem capaz de ver o castelo, como acontece com a maioria. Bip-bop. E o que "fazer uma careta" tem a ver com isso? Por que to importante? Essa a questo, trim respondeu o porteiro. No importante. Bipbop. Isso , se voc conhece a magia, e as coisas innnn-crveis que podem acontecer quando voc simplesmente acredita nela, fazer uma careta para um porteiro mecnico no algo to importante, bip-bip, porque pessoas que sabem o que realmente importante no ligam de parecer bobas. Bop? Voc que est se mostrando intolerante demais ao no querer fazer esta careta. Tuin? E pessoas intolerantes, bip, so incapazes de compreender a magia que reside nesse castelo. Bop! E logo no po-dem en-trar! Dim? Quando dei por mim j estava de boca aberta, lngua pra fora, olhos retorcidas e cabea para o lado. Agora sim! Pift-Ploft-Istil a porta se abriu... Seja bem vindo de volta, Zequinha! BIP!
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2. O hall circular do castelo no havia mudado nada. Todos os estranhos objetos estavam l na mesma posio que eu havia visto da ltima vez. Jnior estava parado todo encolhido diante de uma rvore de caule grosso que possua um grande buraco no meio. O que foi, filho? Perguntei. Pai, tem uma cobra rosa ali! apenas a Celeste, Jnior. Ento ao ouvir isso a cobra se arrastou colocando sua cabea para fora timidamente. Esssse garoto me assssustou! Disse a cobra. Ol celeste, apenas o meu filho Jnior! Expliquei. Eu te "conheo" de algum lugar ela comeou. No era to alto, nem tinha essssa barba, nem tanto cabelo... Sou eu, celeste. O Zeca! Zequinha? Sim! Como voc cresceu! Disse a cobra. Jnior, diga oi para a celeste! Pedi. Oi Celeste... Disse Jnior. Como voc aprendeu a falar? Eu ssempre soube! J nasci com esse dom. Legal! Esse castelo muito legal! Voc ainda no viu nada! Eu disse. Celeste, aonde est o Nino? Ele no est aqui. Essta viajando junto com a Morgana. Mas j esto voltando hoje messsmo! Puxa, que pena. Queria muito que ele conhecesse o meu filho! Acho que voc precisaria conversar com o doutor Vtor primeiro! Explicou a Cobra. Por qu? A gente pode simplesmente voltar um dia em que ele esteja aqui. uma histria complicada... Disse a cobra com uma voz preocupada. Mass, mostre o castelo ao seu menino! Vtor disse que queria mesmo falar com voc. Ele deve estar chegando por a. Est bem, Celeste. Obrigado! E comeamos a caminhar em direo a cozinha .
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Quem Vtor? Perguntou Jnior. "Doutor" Vtor. Ele o dono do castelo. Ele mago, cientista, inventor... Foi ele quem fez todas as "traquitanas" desse castelo. Jnior riu. "Traquitana", essa palavra engraada, pai. Sim, o mesmo que bugiganga! Vamos tomar um copo de leite Eu disse me sentindo em casa, e logo abri a geladeira colorida, assim como o resto da moblia da cozinha, e dentro dela havia muita comida gostosa, assim como sempre foi. Mas retirei penas a jarra de leite e servi dois copos. Ouvimos um barulho estranho. Que barulho foi esse, pai? Nesse castelo vivem muitas criaturas mgicas. Esse barulho pode ser o "mau" correndo pelos encanamentos do castelo, ou mesmo o ratinho. Mas acho que ns veramos ele passando por aqui pilotando seu carrinho de controle remoto, quem sabe Tbio e Pernio aprontando algum experimento em algum lugar... Quero conhecer todos eles! Voc vai ter tempo pra isso, filho. Agora tome o seu leite. Tem um lugar que eu quero te mostrar. mesmo? Que lugar? O quarto do Nino. Pelo menos na minha poca era o quarto dos sonhos de todo menino. Ento terminamos de tomar o nosso leite e seguimos para a velha passagem secreta ao lado da rvore da celeste, bem sob as escadas. Bem, aqui! Eu disse. Mas no tem uma porta nem nada do tipo disse Jnior. uma passagem secreta! O quarto do Nino fica debaixo da escada! Olha! Como o Harry Potter! Ele deve ser muito f disse Jnior. Hehe, eu nunca tinha parado pra pensar nisso filho. Mas eu vinha aqui muito antes de existir a histria do Harry Potter. Como ns entramos? Perguntou Jnior. s se sentar nesse banquinho... Eu puxar o brao desse soldadinho de chumbo Eu disse me dando conta de qu aquele banco parecia muito menor do que eu me lembrava, tive que praticamente me deitar para poder passar para o outro lado.
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Uau! Disse Jnior observando o lugar escuro cheio de traquitanas que se moviam a todo tempo. As paredes eram estampadas com pginas de revistas em quadrinhos. Quanta coisa legal! Sim, filho. Nunca vi nenhum destes brinquedos na loja! Os pais do Nino devem ser muito ricos! Na verdade, eu acho que ele mesmo fez a maioria desses brinquedos. Expliquei. Os que no foram ele, certamente foram feitos pelo tio Vtor. Ele faz muitas coisas legais tambm. Sabe, a primeira vez que eu vim aqui o tio Vtor chegou voando num Chapu-Helicptero! Que legal! Disse Jnior. Mas os pais do Nino no compram brinquedos pra ele? Sabe, agora que voc falou, filho, eu acho que nunca vi os pais dele. Nossa! Por qu? Jnior perguntou. T a uma coisa que eu nunca pensei... Lembro de algum falar alguma coisa sobre uma viagem estelar ou coisa do tipo. Eles so astronautas? No jnior. Eles so bruxos. A famlia do Nino toda de bruxos! Como o Harry Potter? Sim, como o Harry Potter. O Nino mora aqui com o tio Vtor e a tia Morgana, que na verdade, a tia-av dele. Mas, pai, se o Nino ainda mora aqui isso significa que os pais dele ainda no voltaram, certo? verdade, filho. Estranho, no? Talvez o tempo passe diferente para os bruxos, afinal de contas o Nino tem 300 anos. Se eles ficarem uns 100 anos fora isso pode ser pra eles, quem sabe, como so 3 meses pra gente. Ouvi dizer que o tio Vtor tem mais de 3 mil anos e eu me lembro da festa que fizeram quando a tia Morgana fez 6! Eles so realmente velhos, hein pai! Disse Jnior sorrindo. Um bocado! Concordei. O tio Vtor vivia se gabando de como conheceu Leonardo Da Vince e outros caras importantes do passado. Impressionante! Mas eu fiquei curioso pra saber onde os pais do Nino esto. Disse Jnior. Sabe, eu tambm.
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Ento samos do quarto. Logo me adiantei para falar com a Celeste. Oi Zequinha Disse a cobra. Seu filho est gostando do casstelo? Hoje em dia Zeca, Celeste. Sou grande demais pra ser chamado de "Zequinha" Eu disse. Pra mim sempre vai ser Zequinha. De onde vem essa msica? Perguntou Jnior. Ah, so os passarinhos msicos! Ah, tambm tem umas fadas por aqui expliquei. Mas celeste, onde esto os pais do Nino? Sabe, eu nunca tinha parado pra perguntar sobre a famlia dele. O pai, a me e os dois irmos do Nino partiram para uma viagem galctica! Respondeu a Cobra. E quando voltam? Foi ento que o relgio comeou a tocar sinos e falar: Est na hora do doutor Vtor chegar! Disse o relgio. O doutor Vtor est chegando, o doutor Vtor Chegou! Ento as portas se abriram sozinhas e um homem de meia idade com bigodes enrolados usando uma cartola e carregando um grande guarda-chuvas se adiantou para dentro. Pequeno Zequinha! Ele disse. Temos muito o que conversar!
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3. Tomvamos ch eu e o doutor Vtor enquanto isso Jnior degustava um delicioso copo de chocolate quente enquanto conversava com o gato da biblioteca. Aquele lugar j foi palco de muitas aventuras da minha infncia, mas como tudo naquele castelo, parecia um pouco diferente e menor. Antes um mundo de descobertas, hoje apenas uma biblioteca cheia de livros velhos e bugigangas. Doutor Vitor se recostou na grande poltrona de couro fazendo com que ela rangesse e erguendo seu ereto dedo mindinho saboreou o ch quentinho. Imitei o gesto percebendo o gosto da erva-mate e os detalhes na xcara de porcelana que parecia ser cara e antiga. Ento, doutor comecei quebrando o silncio. Ele me olhava com aquele sorriso bobo de gente velha que sempre teve. Apesar de ter pousado a xcara na mesinha que havia ao lado da poltrona ele continuou com o dedo mindinho ereto ao lado do recipiente, meio que ensaiando o prximo gole. Sabia que hoje eu sou um doutor tambm? Um doutor em qumica! Que formidvel ele disse, e apanhou a xcara novamente. Estou precisando mesmo de um bom alquimista para fazer umas pedras filosofais, doutor Zequinha. No eu disse. Fiquei constrangido, havia me esquecido que os habitantes daquele castelo viviam num mundo diferente do meu. Eu no sei fazer essas coisas, doutor Vtor. Ora, que estranho disse ele erguendo aquelas sobrancelhas pontiagudas , achei que alquimia era um conhecimento bsico de qualquer cientista. Infelizmente no ensinam essas coisas aonde eu estudei, doutor respondi. Pedra filosofal? Disse Jnior erguendo as orelhas. O senhor disse pedra filosofal? Como aquela do Harry Potter? "Arri" quem? Perguntou o doutor Vtor. Meu pai disse que o senhor um bruxo, o senhor conhece o Harry Potter? Perguntou o meu filho. Me desculpe interrompi. Harry Potter um personagem de um livro de fico. Volte a brincar com o gato falante, Jnior.
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Pota? Perguntou o doutor Vtor ignorando completamente o que eu havia dito. Por acaso ele parente do grande Merlin? Eu conheci Merlin, sabia? Merlin? Acho que no respondeu Jnior pensativo. Mas o diretor da escola de magia onde ele estuda faz parte da ordem de Merlin. Filho tentei novamente. No perturbe o doutor Vitor com essas histrias. O Harry Potter no existe, ele como a fada sininho, do Peter Pan, por exemplo. Lembra? Peter Pan apenas um desenho animado. uma lenda, como o saci-perer, o lobisomem e... Quem disse que Peter Pan no existe? Disse tio Vtor me interrompendo. Pois eu j estive na terra do nunca e digo que o capito gancho foi muito injustiado na verso da histria que contam por essas bandas. Por "essas bandas" o senhor quer dizer o mundo real, certo? Perguntei ao doutor Vtor. Mas por que a terra do nunca no faria parte do mundo real? uma parte mgica do mundo real. E se o senhor, doutor Zequinha, fizesse uma visita ao Stio do Pica-Pau Amarelo certamente veria um saci. Alis, o que reside l bem simptico, apesar de serelepe. Sabia que ele esvaziou os pneus do meu Cadillac na ltima vez que estive l? Disse o doutor gargalhando. O senhor conhece o Harry Potter ento? Perguntou Jnior. Infelizmente no. De onde este Harry Potter? De Hogwarts! E onde fica isso? Nunca ouvi falar. Na Inglaterra, eu acredito respondi. Ah, sim. Inglaterra. Definitivamente uma terra com muitos bruxos e um bocado de mgica! Disse doutor Vitor com um ar de empolgao. Infelizmente eu no conheo esse tal de Potter, mas eu j ouvi falar nesta ordem de Merlin. Perai, o senhor est dizendo que o Harry Potter pode ser real? Perguntei. No vejo por que no seria. Respondeu o doutor Vtor tomando mais um gole de ch como se essa afirmao fosse a coisa mais bvia do mundo. Para algum que cresceu frequentando este castelo, doutor Zequinha, o senhor parece muito descrente. Afinal de contas, voc est falando diretamente com um bruxo e cientista. Eu tive que engolir essa seco, mas ainda tive que escutar mais ao dizer:
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Pra falar a verdade eu nunca entendi como pode algum ser mago e cientista. Ora, pois faz todo sentido, Zequinha respondeu o doutor Vitor dando uma suave gargalhada. A magia nos ajuda a acreditar naquilo que impossvel. Como um cientista ir descobrir algo que nunca foi pensado sem antes considerar o impossvel, o inimaginvel... O mgico? Um cientista que desconsidera o impossvel nunca far grandes inventos! Respirei fundo e recostei na cadeira. Seu ch vai esfriar disse o doutor Vitor. Ento eu tomei mais um gole e refleti sobre tudo aquilo que ele havia dito. E acreditei novamente que coisas mgicas podem acontecer, que a vida muito mais do que esse mundinho feito de rotinas e repeties em que os adultos vivem. O senhor poderia aceitar um aprendiz de alquimia eu disse empolgado. Ento talvez eu entenda mais sobre o mundo da magia! Esse o esprito! Disse doutor Vtor batendo palmas. Voc poderia vir aqui ao castelo uma vez por semana, e eu lhe ensino algumas coisas sobre esta arte antiga! Mas esse convite que te fiz me faz lembrar do assunto pelo qual voc est aqui hoje. Quando entrei aqui achei que estava neste castelo por puro acaso confessei. Mas voc sabe que nem mesmo a primeira vez que veio aqui foi por acaso explicou o doutor Vitor. verdade, agora me lembro eu disse. Foi o Nino, ele enfeitiou a minha bola e trouxe a gente pra c. Boa memria a sua. Disse ele. De fato parece que muito mais fcil lembrar das coisas de quando a gente criana do que das coisas de, sei l, semana passada. Isso porque a mgica da infncia algo inesquecvel Explicou o doutor. Gato, porque voc no leva o filho do Zequinha para conhecer o observatrio? Ento o gato da biblioteca e Jnior saram saltitantes pela porta. Observei a expresso do doutor Vitor, ele parecia agora um homem severo, prestes a falar de algo importante. Eu me lembro dele fazer essa cara quando a gente aprontava alguma coisa. Ento ele fez barulho ao praticamente chupar o resto do ch que ainda havia na xcara ainda com aquele dedo mindinho erguido a repousou
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sobre a mesinha ao lado da poltrona. Em seguida apoiou o cotovelo nos joelhos e me olhando no fundo dos olhos comeou a falar: Eu preciso lhe pedir um grande favor Zequinha. No me chamam mais de... Eu comecei, mas decidi definitivamente abandonar o adulto chato, professor de qumica que havia dentro de mim para poder escutar o que ele tinha a dizer. Mas diga, tio Vtor, o que eu posso fazer pra ajudar o senhor? uma coisa muito importante para mim e para minha famlia. Mas primeiro preciso dizer que vocs e seus amigos continuaro para sempre sendo bem-vindos nesse castelo! Ns temos muito apreo por vocs! Mas eu imploro para que nunca mais converse com o meu sobrinho Nino. Como assim? Eu disse, estava chocado com o pedido. Ele meu amigo! Como pode pedir uma coisa to absurda dessas? Por que no me chuta pra fora de uma vez e manda que eu nunca mais volte? assim que seremos bem-vindos aqui? Eu percebi que estava fazendo pirraa como uma criana. Entendo disse o tio Vitor apanhando novamente a xcara, mas percebendo com tristeza que j havia bebido todo o seu contedo. Voc tem todo o direito de ficar bravo, Zequinha. Mas eu vou lhe contar uma histria para que voc entenda a natureza do meu pedido.
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4. O doutor Vtor estalou os dedos e a biblioteca ficou enevoada. Eu conhecia aquela magia, era um "flashback". Eu j vi isso antes eu disse. Sim, vou lhe contar uma histria, Zequinha. Manda ver, tio Vitor! O homem limpou a garganta e comeou: Era uma vez um grande bruxa e cientista assim como eu, mas sua rea de especialidade era a astronomia. Seu nome era Ninotchka Astrobaldo Stradivarius. Ela era minha irm. Podamos ver uma bruxa de longos cabelos usando um vestido muito preto que fazia com que sua pele parecesse ainda mais plida. Ela olhava por um grande telescpio retorcido. O maior sonho de minha irm era fazer uma viagem espacial. Ela queria catalogar todos os cometas do sistema solar. Ento a biblioteca foi invadida por centenas de cometas. Nossa, isso ia demorar bastante, hein! Comentei. Ah sim. A previso era que demorasse dez anos. Eles partiram em 1990, tinham a ideia de voltar em 2000. Dez anos no espao! Que interessante! Sim, Zequinha. Eles tinham trs filhos pequenos quando partiram. Ns bruxos quando chegamos a uma certa idade aprendemos com nossos mestres ou por conta prpria a magia "para-tempo". Essa magia permite que o tempo passe a nossa volta, mas nunca dentro de ns. Esse o motivo pelo qual, como voc bem sabe, eu estou vivo h trs mil anos. Somente um bruxo muito poderoso pode matar outro bruxo que use essa magia. Alm disso somente quem fez este feitio pode desfaz-lo. Eu fiz o "para-tempo" em mim mesmo, por isso somente eu posso desfazer quando me sentir entediado ou quando achar que cumpri o meu papel nesta terra. Um grande corpo humano com desenhos e palavras mgicas a sua volta ocupava toda a sala nesse momento. Ento ele continuou para que seus filhos no vivessem sua infncia inteira no espao, minha irm Ninotchka conjurou o para-tempo nos meus trs sobrinhos, e partiram para sua viagem. No entanto, algo terrvel aconteceu. Uma grande falha no foguete mgico que eles tinham construdo fez com que fossem
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atingidos por um cometa que perseguiam. Ns procuramos por vrios meses por eles, e ainda procuramos at hoje, mas apenas um dos meus sobrinhos foi encontrado... Agora podamos ver o grande foguete que parecia ser feito de peas de ferro velho se desintegrando em cmera lenta e voando para longe no espao. Porm eu pude ver que um pequeno menino de cabelo tigelinha com um nico fio que ficava em p flutuava pelo espao. Ns nunca encontramos a nave... Mas encontramos o meu sobrinho: Antonino Stradivarius Victorius II. Nino eu disse ao ver o tio Vitor usando um capacete que mais parecia um aqurio ligado num tubo carregando seu sobrinho no colo. Sim, Zequinha, foi ento que o Nino veio morar com a gente. Ele disse se recostando na cadeira novamente. A nvoa sumiu e a biblioteca do castelo voltou ao normal. Que histria triste, tio Vtor eu disse. Mas por que o Nino nunca contou isso pra gente? Isso porque ele no se lembra. Explicou. O Nino no sabe que sua famlia est perdida no espao, e nem imagina que eles talvez nunca mais possam voltar... Ele tambm no sabe que nunca vai crescer. No vai crescer? Como assim? Assim como o Peter Pan, ou da mesma forma como eu nunca vou envelhecer (mais do que isso)... A magia "para-tempo" nunca vai deixar que Nino se desenvolva e cresa. Talvez ele seja criana por milhares de anos, at seus pais voltarem. Mas o senhor parece ser um bruxo to poderoso. No pode fazer essa magia desaparecer? Infelizmente no, Zequinha. Como eu te disse, somente o bruxo que fez essa magia pode desfaz-la! J tentamos de tudo para reverter isso, pode acreditar. Disse o tio Vtor com tristeza. Que chato! Eu disse. Mas no entendo, por que no quer que eu fale mais com o Nino? Pra no contar isso pra ele? Se era isso seria melhor no ter me contado, e eu poderia re-ver o meu amigo. No que voc no possa v-lo, Zeca comeou o doutor , que, se ele souber que voc cresceu isso pode ser um sofrimento muito grande, pois como voc sabe ele comear a fazer mais e mais perguntas sobre o que aconteceu... Voc quer mesmo que seu amigo passe por isso?
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No. Agora entendo porque me pediu isso eu disse com tristeza. No posso nem ao menos v-lo uma ltima vez? Claro que pode, eventualmente ir cruzar com ele durante suas aulas de alquimia, alm do mais ele ir entrar por essa porta... Agora. Pai! Berrou Jnior. Olha, encontrei um garoto no castelo! Ele disse que eu posso vir aqui todo dia. Ento ele entrou: usava as mesmas roupas cheias de estampas coloridas, o mesmo corte de cabelo e tinha um sorriso bobo estampado no rosto. Ol! Disse Nino. Tio Vtor! Esse meu novo amigo Jnior, ele pode vir aqui em casa brincar de vez em quando? ... Quem esse cara cabeludo? Esse, Nino, meu novo aprendiz de alquimia Jos Carlos disse o doutor Vtor colocando a mo sobre o meu ombro. Ele tambm o pai do Jnior! Pai, deixa, deixa! Disse Jnior. Claro que voc pode vir brincar com o Nino, mas hoje voc ainda tem que ir pra escola, estamos mais que atrasados se lembra? Puxa vida! Estamos mesmo! Ento Nino e o doutor Vtor nos acompanharam at a entrada do castelo. Aquela entrada que sempre ir ficar guardada na minha memria como o portal mgico que me levou ao incio de muitas aventuras. Nino tinha aquela expresso feliz e empolgada no rosto. Apertei a mo do doutor Vtor e quando percebi Nino estava me abraando. Abracei de volta, foi um abrao demorado, cheio de lembranas. Meus olhos ficaram midos. Em seguida ele tambm abraou o Jnior e olhou para mim novamente. Voc est chorando? Perguntou. No, que isso, Nino. Respondi. Acho que entrou um pouco de poeira nos meus olhos. Um silncio se fez. Bom... recomecei. Doutor Vtor me olhava agora com ternura. Desenhou um sorriso sob aquele bigode pontiagudo que o fez ficar ainda mais parecido com o Salvador Dal. Acho que agora o que resta s dizer "tchau", no ? Foi ento que Nino respondeu: Tchau, no. At amanh!