Os Novos Movimentos Sociais
Os Novos Movimentos Sociais
Os Novos Movimentos Sociais
concept) politics and theory from the traditional and social disputes paradigm. The conclusion that the social classes theory is not suitable for this analysis comes from our review of its variations and transformations. This theory hides these movements specific features and even shocks itself against its political requests. Finally we suggest a new sociologic perspective that wont impose its totalized theorical referencials to social movements, but takes their perspective as a new interpretation place. Keywords New social movements. Social classes. Conflict. Sociological theory.
Os chamados novos movimentos sociais englobam uma enorme diversidade de movimentos, como o feminista, o negro, o gay, o da antipsiquiatria, o estudantil, entre outros. Eles marcaram fortemente a segunda metade do sculo XX, atingindo seu pice em maio de 1968, na Europa e Estados Unidos, e chegando com maior intensidade ao Brasil na dcada de 1980. Esses diferentes movimentos levantaram questes e criaram problemas para os paradigmas tradicionais da sociologia. As transformaes extremamente significativas que trouxeram foram inteiramente inesperadas e no estavam previstas por quaisquer teorias. Assim, a sociologia foi obrigada a repensar seus conceitos, abandonando alguns e produzindo outros. Dentre eles, podemos destacar os conceitos de classe e de conflito, os quais sero aqui abordados a partir dos novos movimentos sociais, eixo central da discusso ora proposta. Algumas questes podem nos guiar no encaminhamento dessa discusso: a) O que h de novo nos novos movimentos sociais e como eles rompem com alguns paradigmas tradicionais da sociologia? b) As classes e o tipo de conflito a elas relacionado possibilitam uma compreenso satisfatria destes movimentos? c) Qual a forma mais adequada para abord-los? Ainda que extremamente inter-relacionadas, procuraremos responder a estas questes na ordem de sua apresentao.
140
1 O paradigma sociolgico tradicional e as inovaes dos novos movimentos sociais Comecemos, deste modo, por expor brevemente um paradigma tradicional das cincias sociais, referente ao tipo de unidade que caracteriza os agentes sociais e s formas assumidas pelo conflito entre eles. Segundo Laclau (1986, p. 41), as conceituaes tradicionais de conflitos sociais tm sido tipificadas por meio de trs caractersticas principais. A primeira diz respeito identidade do agente, que seria determinada atravs de categorias pertencentes estrutura social. O grupo seria concebido como uma unidade emprico-referencial, assumido a priori e tomado como um referente e princpio ao qual qualquer conflito poderia ser remetido. A segunda caracterstica determina o significado dos conflitos dentro de um esquema evolucionrio, teleolgico. Independentemente da conscientizao dos agentes, ela estaria ligada a um movimento intrnseco da Histria, tomado como objetivo. A terceira, por fim, vinculada s duas primeiras, tomaria a esfera poltica como um nvel preciso do social, um espao unificado. Nesta sociedade fechada nas dimenses sincrnica e diacrnica, enquanto a identidade dos agentes seria constituda em um determinado nvel por exemplo, o econmico , a presena deles no nvel poltico assumiria necessariamente a forma da representao de interesses. Os novos movimentos sociais vo trazer novos tipos de sujeitos e agentes, de conflitos e de espaos polticos onde se desenvolvem. Em primeiro lugar, a referncia estrutura mostra-se inteiramente insuficiente para a determinao da identidade dos agentes. As posies dos agentes sociais tornam-se autnomas; a autonomia passa a ser a base dos novos movimentos sociais. Por outro lado, a articulao entre as diferentes posies faz-se cada vez mais indeterminada. As diferenas e a heterogeneidade so afirmadas conscientemente, sem a preocupao da reconstruo da unidade em qualquer nvel simblico. Como afirma Paoli (1991, p. 109): A formao dos sujeitos (individuais ou coletivos) passa por lugares inesperados e configuraes inusitadas, assume uma pluralidade e uma individuao rebelde a definies e ao controle interpretativo. Auto-representase para aqum e para alm das racionalidades e sentidos j globalmente definidos. 141
Reivindicando o sentido de suas experincias tal como vivenciadas em prticas especficas de atribuio de significado, os agentes dos novos movimentos sociais constituem projetos cognitivos prprios. Sendo estes dificilmente redutveis a um conhecimento exterior a eles, os novos sujeitos iro questionar agudamente a razo cientfica, que passa a ser vista como altamente comprometida com os mecanismos de mera reproduo da vida social. Suas prticas desmancham constantemente esse tecido conceitual, como se esse contnuo desmanchar fosse uma das condies das prprias prticas. Assim, procuram criar um espao onde as determinaes conceituais e as regras racionais no tenham vigncia, onde seja possvel uma afirmao de si, de seu mundo, de suas diferenas e similitudes, de suas identidades e alteridades, que no toma o discurso institudo da sociedade e da sociologia como normas legtimas que determinem o dever e/ou o ser. esta autonomia auto-instituda de identidade na ao e no conflito que constitui uma das novidades dos novos movimentos sociais. Em segundo lugar, como conseqncia direta desse processo, o conhecimento da sociedade perde seu ponto central de referncia (seja ele um modo de produo determinado, ou um conjunto de valores morais ou religiosos unificados), o qual operava como uma instncia de totalizao de onde se podia deduzir ou encadear sistematicamente todos os fenmenos ou acontecimentos. O preo de sua manuteno a permanncia em um nvel de abstrao to elevado, que no pode mais dar conta da vida social. Os novos movimentos sociais no apontam para uma totalidade objetiva que unificaria seus projetos, reivindicaes, formas de luta e organizao. Seu carter sinuoso e imprevisvel, sua raiz subjetiva (a liberdade) no se enquadram em nenhuma regra positiva a priori. Deste modo, como explica Bruni (1988, p. 30):
Se quisermos dar um mnimo de flexibilidade ao objetivismo, teremos de pensar a sociedade como pluralidade de dimenses intercruzadas, dimenses que no possuem essncia prpria e fixa, mas que se fazem e desfazem ao sabor das mltiplas aes de sujeitos individuais e coletivos que assim se afirmam estritamente no momento da luta, mas que no mais constituem para a teoria uma figura plena, homognea, estruturada, racional e integrada.
142
Em terceiro lugar, este colapso da unidade sincrnica entre as diferentes posies do agente ocasionou uma crise na teoria diacrnica de estgios. Assim, da mesma forma que uma determinada posio de sujeito por exemplo, nas relaes de produo no fornece automaticamente nenhuma determinao necessria das outras posies, torna-se impossvel relacionar cada posio individual com uma sucesso racional e necessria de estgios (LACLAU, 1986, p. 42). Em quarto e ltimo lugar, pensar o poltico como um nvel social especfico, um espao fechado, uma instncia unificada, superior e neutra, que seja o interlocutor, rbitro e atendente de demandas, enfim, pensar o poltico como o lugar onde os interesses dos agentes sociais estariam representados, no mais possvel. Se a identidade dos agentes no mais concebida como constituda em um nvel determinado, a presena desses agentes em outros nveis tambm no pode mais ser concebida como uma representao de interesses (LACLAU, 1986). Os novos movimentos sociais colocam em cheque esta idia e prtica tradicional da poltica: a representao. Isto porque esta delegao do poder sentida como perda de poder, pois as garantias de atuao combativa do representante so precrias. Tambm porque o Estado no visto como rgo de resoluo geral dos conflitos, mas como lugar ritual de formalizao das demandas. Por fim, porque o que se exige no tanto atendimento de interesses, mas cumprimento de justia. Assim, o poltico deixa de ser um nvel do social, tornando-se uma dimenso presente ao longo de toda prtica social. Os novos movimentos sociais tm se caracterizado por uma crescente politizao da vida social. Cada movimento cria um espao prprio de intensa politizao, no em sua relao com o Estado, mas na luta por novos direitos. Multiplicam-se as expresses polticas de opresso, porque as expresses so diversas, constituem dados de experincia que deslocam continuamente a fronteira entre o poltico e o no poltico. A questo do poder espraia-se por todos os recantos do social. A vida cotidiana ser o espao onde a prtica dos novos movimentos sociais vai se dar. Ela passa a ser vista no como o lugar da rotina e do hbito, mas como a dimenso real e concreta onde efetivamente os sujeitos so sujeitados e onde se d a experincia concreta da dominao e da opresso. (BRUNI, 1988, p. 27). Assim, os novos movimentos sociais vo questionar o fundamento da legitimidade do Estado, apontando para a 143
A partir desse conjunto de aes mltiplas e pluridirecionais, a sociedade, pensada como entidade racional e inteligvel, um sistema estvel e conceitualmente entendvel de diferena, se esfacela. Em seu lugar teramos o social, que designaria o espao inteiramente cambiante e oscilante de um sem nmero de articulaes contingentes, lugar de uma pluralidade de dimenses intercruzadas e sempre em movimento. (BRUNI, 1988, p. 32). 2 Classes, conflito de classes e a (in)compreenso dos novos movimentos sociais Explicitando as novidades trazidas pelos novos movimentos sociais, respondemos primeira questo. Cumpre agora passar segunda: a anlise sociolgica por meio das classes e do conflito entre elas possibilita uma compreenso adequada desses movimentos? Para responder a esta questo, precisamos esclarecer o que so classes, as diferentes acepes do conceito e sua transformao (ainda que aqui no seja possvel uma exposio exaustiva e minuciosa). A palavra classe empregada em dois contextos tericos distintos. O primeiro o das teorias de estratificao social, onde classe uma varivel de gradao, sntese de um conjunto de atributos a variar ao longo de um continuum. Estas teorias tentam explicar as propriedades e os comportamentos dos indivduos por meio de variaes de status e poder. O segundo contexto o das teorias de classe propriamente ditas, onde a classe uma varivel de relao, categoria que agrupa sujeitos partilhando certas propriedades s 144
significativas quando relacionadas a outras propriedades que definem outros agrupamentos (GUIMARES, 1998). importante notar que as teorias de classe procuram explicar a ao coletiva dando nfase ordem econmica. Elas se dividem em duas correntes principais. A primeira, de inspirao weberiana, considera a posio de mercado dos indivduos como critrio principal de pertena social. Segundo Weber, a situao de classe a oportunidade tpica de uma oferta de bens, de condies de vida exteriores e experincias pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de bens ou habilidades em benefcio de renda de uma determinada ordem econmica. (WEBER, 1971, p. 212). Contudo, como est ligada ao momento decisivo que apresenta condio comum para a sorte individual, ao tipo de oportunidade no mercado, a situao de classe , em ltima anlise, situao de mercado (HIRANO, 1974). De orientao individualista tanto em termos metodolgicos como ontolgicos, sendo a ao coletiva um resultado casual, especfico e contingente das aes individuais, esta teoria no considera a classe como necessariamente central explicao sociolgica (GUIMARES, 1998). As classes so agregados sociais que no determinam necessariamente grupos sociais efetivos. Embora a identidade da situao de mercado crie a identidade dos interesses de classe, estes no bastam para fundamentar a unidade da classe como grupo social. A identidade leva a um comportamento idntico, a um agir de massa, que no supe uma ao ou organizao comuns. A classe s surge como base da ao coletiva quando se desenvolve um sentimento de comunidade de interesses ou de comunidade de destino, e esse sentimento fomenta a ao comum em defesa de tais interesses (CAVALLI, 1995, v. 1, p. 169-175). Nesse sentido, preciso notar a distino entre classe, status e partido ainda que relacionados , tal como proposta por Weber, e tambm que valores, como o prestgio social, so considerados bases mais comuns para a ao coletiva. A outra corrente, na qual nos deteremos mais, a de tradio marxista. Ela toma a posio dos indivduos na organizao da produo econmica como principal critrio de pertinncia; sua orientao sobretudo estruturalista e totalizante. Se para Weber a classe limitava-se ordem econmica, para Marx ela o corte atravs do qual possvel examinar a estrutura da sociedade 145
e sua dinmica, o elemento central na anlise das relaes entre o econmico, o poltico, o social e o cultural. O marxismo clssico procurou definir classes sobretudo quanto s posies na estrutura produtiva e de relaes sociais de produo. Tais diferenas fazem com que os interesses de uma classe sejam diversos e contrapostos aos de outra classe.
Os interesses de classe so considerados objetivos, no sentido de que so independentes tanto da percepo individual, quanto da percepo coletiva produzida mediante a interao de percepes individuais. [...] Nesse sentido, os interesses antecedem a formao das classes, constituindo-se mesmo no catalisador da sua organizao. (GUIMARES, 1998, p. 17-18).
Interesses de classe, todavia, s podem ser realizados e servir como base da ao coletiva quando os indivduos adquirem uma conscincia de classe, ou seja, quando os indivduos que compartilham posies estruturais semelhantes se tornam conscientes dos interesses que correspondem a estas posies, organizando-se consequentemente com a finalidade de exercerem uma ao poltica adequada a tais interesses. (GUIMARES, 1998, p. 18). Essa passagem do antagonismo econmico para o nvel poltico (poltica e economia so nveis diferentes, embora relacionados), da classe em si para a classe para si, feita por intermdio dos partidos polticos, sujeitos histricos por excelncia, que amalgamam as conscincias e forjam a capacidade de ao dos indivduos, transformando-os em classes. (GUIMARES, 1998, p. 18). Esta leitura feita pelo marxismo clssico, insatisfatria em vrios aspectos, parece corresponder justamente quele paradigma tradicional da sociologia descrito por Laclau. Como j foi demonstrado, esta forma reducionista e economicista de pensar as classes e a luta de classes totalmente insuficiente para descrever os conflitos sociais contemporneos (LACLAU, 1986, p. 46), ainda que possivelmente fosse mais adequada para pensar a realidade social do sculo XIX. Diversas foram as crticas a essa leitura dos marxistas clssicos: questionou-se a legitimidade do contedo da conscincia de classe, a relao causal simplificada entre base produtiva e superestrutura poltica e ideolgica, 146
o papel histrico da classe proletria, a passagem direta da percepo dos interesses de classe para a ao coletiva, a prpria idia de explorao, etc. Uma crtica importante foi a dos estruturalistas franceses ao reducionismo econmico dos clssicos. Eles procuravam alargar as condies objetivas onde as classes seriam constitudas, incluindo nesse mbito elementos polticos e ideolgicos. Identificando objetividade e estrutura, buscaram definir leis gerais que explicassem mudanas na estrutura de classe, matriz sobre a qual se constituiriam os elementos polticos de vontade e conscincia. Essas condies consubstanciaram as estratgias e as tticas de ao a poltica de formao de classe, o sistema de alianas, os objetivos partidrios. Eles mantiveram o pressuposto bsico de que o partido a classe, o sujeito objetivado. A anlise visava dotar o sujeito (pressuposto) de conscincia objetiva e no explicar os sujeitos (coletivos) realmente existentes. (GUIMARES, 1998, p. 19). Bruni (1988, p. 32) nota que esta explicao estruturalista, proposta por Althusser e sua escola, est intimamente relacionada com a crise do marxismo. Descartando o sujeito em nome de uma estrita cientificidade, deixou de ser um instrumento de luta pela emancipao do proletariado, transformando-se em uma teoria dogmtica indissocivel dos PCs autoritrios de origem stalinista. Estes possuiriam a viso correta do processo histricosocial, guiando de fora a classe operria incapaz de superar suas limitaes polticas e ideolgicas. A teoria, esse discurso sem sujeito, passa a falar por todos os sujeitos, pe-se como a nica fala autorizada e legtima, desqualificando justamente aqueles a quem se dirige e a quem pretende emancipar (BRUNI, 1988, p. 32), tornando-os objetos permanentes de um saber. Seu discurso racional e cientfico faz-se imperialista e cria uma hierarquia entre os prprios sujeitos: os homens do saber e os homens do no saber, atribuindo-se o privilgio da referncia suprema. No preciso dizer quo distante esta verso do marxismo est dos novos movimentos sociais. Estes no apenas no podem ser explicados por ela, como inclusive a ela se opem por intermdio de suas prticas. Foi assim que em maio de 1968 a crtica se dirigiu tambm s organizaes tradicionais de esquerda e ao discurso racionalista e cientfico, tentando esvaziar suas formas de poder. Desta maneira, como bem observa Bruni (1988), a dissoluo do althusserianismo deveu-se menos ao debate intelectual do que s novas 147
prticas polticas, sociais, culturais e individuais, que tornaram a sua maquinaria conceitual inteiramente desprovida de interesse. Por fim, damos destaque afirmao de Guimares de que no marxismo dos anos 1980 a teoria das classes assemelha-se, cada vez mais, a uma teoria da ao coletiva, perdendo suas preocupaes revolucionrias e essencialistas. Esta afirmao nos conduz diretamente ltima questo a que nos propomos responder: qual a forma mais adequada para tratar dos novos movimentos sociais? O caminho proposto pelas teorias da ao coletiva, onde os marxistas tentam encontrar lugar para sua teoria das classes, procura designar e homogeneizar as aes e os agentes dos movimentos sociais, buscando uma unidade suficiente para fund-los como objeto unificado. Surge assim a noo de movimentos sociais como categoria enunciada unificadamente pelo pensamento sociolgico, onde sujeitos muito diversos so colocados como equivalentes e tidos como exemplos de uma categoria mais ampla. Este procedimento constri um objeto (movimentos sociais, ao coletiva) para alm de seu acontecimento e/ou de sua forma sensvel, para alm de sua diversidade, em uma articulao ou totalizao cujos limites, afinal, possam harmonizar-se com o prprio conhecimento sociolgico (PAOLI, 1991). Conforme Paoli relata, essa tentativa, feita por variadas orientaes tericas e epistemolgicas,
[...] encontra dificuldades na construo de sua teoria, seja como modelo que contenha as caractersticas definidoras desta ao coletiva, seja como atribuio de funes e estrutura a estas caractersticas, seja at mesmo como tipo mdio orientador da observao, construdo pela comparao dos traos mais comuns dos diferentes movimentos sociais de novo tipo. Pois o fato de estes terem aparecido para a interpretao em sua temporalidade; de terem sido, desde o incio, investidos de um papel fundamental nos processos sociais contemporneos; e, sobretudo, de terem surgido no campo de um debate poltico e terico e portanto j carregados de sentido por aqueles que so seus agentes e seus intrpretes prope uma dificuldade crescente: como diluir os discursos especficos de identidade desses movimentos para se
148
chegar a uma teoria geral, com delimitada coerncia e objetividade suficientes para fundar um campo de anlise que fala, exatamente, das especificidades e indeterminaes dessas aes coletivas (afinal, no isso que lhes deu o atributo de novos movimentos sociais)? (PAOLI, 1991, p. 113).
A dificuldade, como expe Paoli, advm do modo como estes movimentos articulam a temporalidade, o discurso e a noo de sujeito. Esta forma de conhecer e avaliar o tema, portanto, dissolve aquilo que, no prprio modelo, caracteriza os movimentos sociais: o sentido de cada prtica coletiva ancorado na enunciao dos prprios sujeitos. H, assim, uma incompatibilidade entre estas duas abordagens, e dificilmente as prticas simblicas diversas podem ser descontextualizadas para se agregar em uma categoria unificada de interpretao. 3 Uma nova perspectiva de anlise para os diversos movimentos sociais Outra perspectiva de anlise pode, contudo, ser sugerida, pois enfrenta as diferenas simblicas sem reduzi-las a um termo nico. Ela dar-se-ia por meio de perspectivas especficas, nascidas direta ou indiretamente das prticas e identidades coletivas, em movimento, e no de uma teoria ou idia reguladora. Os estudos que partem de cada uma dessas aes e situaes apresentam uma vitalidade bem maior e parecem revelar-se como passveis de universalidade, podendo falar dos movimentos sociais e da prpria sociedade de modo mais adequado, analiticamente inclusive, do que uma teoria dos movimentos sociais (PAOLI, 1991, p. 117). Nesse sentido, pode-se compreender a influncia crescente que autores como Michel Foucault e Gilles Deleuze passaram a exercer sobre as cincias sociais europias, anglo-saxs e brasileira: o projeto genealgico de ambos buscou reconstituir, a partir da perspectiva desses movimentos, uma histria erudita dos diversos conflitos, respeitando sua especificidade, negando-se a uma totalizao terica e, principalmente, recusando-se a assumir o papel de porta-voz, representante ou guia das massas oprimidas. Inseridos no contexto dos conflitos de maio de 1968, tais autores fizeram de suas anlises histricas armas nas batalhas cotidianas contra as formas de sujeio e submisso, de 149
modo que aqueles que delas participavam pudessem encontrar eles mesmos seus projetos, tticas e alvos. (BRUNI, 1989; DELEUZE, 2004, p. 219-226; FOUCAULT, 1979, p. 68-78, 151 e 242, 1995, p. 224-235, 1999, p. 8-14). Apenas como observao final, preciso deixar claro que a insuficincia do paradigma das classes em explicar os chamados novos movimentos sociais e em oferecer um posicionamento poltico adequado diante dos conflitos que eles trazem no quer de modo algum dizer que o conceito de classe deva ser abolido, e muito menos que diversas contribuies do marxismo estejam superadas. Os conceitos de classe social, de luta de classes e anlises como a de Marx sobre a mercadoria ainda possuem grande interesse e inclusive centralidade para esclarecer questes importantes da sociedade contempornea. Todavia, no podem dar conta de todas as questes de nossos dias, e em funo disso no devem ser essencializados como princpios metafsicos de explicao geral at porque so historicamente constitudos, algo que seus formuladores reconheceram e reconhecem de bom grado. por isso que, diante dos chamados (impropriamente) novos movimentos sociais, necessrioo repensar terica e politicamente o modo de analis-los.
Referncias ALTHUSSER, L. 1970. Ideologia e aparelhos ideolgicos do Estado. Lisboa: Presena. BRUNI, J. C. 1988. H uma crise nas cincias sociais? In: MARQUES NETO, J. L.; LAHJERTA, M. (Orgs.). O pensamento em crise e as artimanhas do poder. So Paulo: Unesp. ______. 1989. Foucault: o silncio dos sujeitos. Tempo Social, So Paulo, v.1, n.1, p. 199-207. CAVALLI, A. 1995. Classe. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionrio de poltica. Braslia: Editora da UnB. v. 1, p. 169-175. 150
DELEUZE, G. 2004. Post-scriptum: sobre as sociedades de controle. In: ______. Conversaes 1972-1990. So Paulo: Editora 34. p. 219-226. DELEUZE, G.; FOUCAULT, M. 1979. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, M. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal. p. 69-78. FOUCAULT, M. 1999. Em defesa da sociedade: curso no Collge de France (1975-1976). So Paulo: Martins Fontes. ______. 1979. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal. ______. 1995. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetria filosfica: para alm do estruturalismo e da hermenutica. Rio de Janeiro: Forense Universitria. p. 231-249. GUIMARES, A. S. 1998. Um sonho de classe: trabalhadores e formao de classe na Bahia dos anos oitenta. So Paulo: Hucitec. HIRANO, S. 1974. Castas, estamentos e classes sociais: introduo ao pensamento de Marx e Weber. So Paulo: Alfa-Omega. LACLAU, E. 1986. Os novos movimentos sociais e a pluralidade do social. Revista Brasileira de Cincias Sociais, v. 1, n. 2, p. 41-47, out.. MARX, K. 1982. O capital: crtica da economia poltica. Livro primeiro: o processo de produo do capital. So Paulo: Difel. v. 1. ______.; ENGELS, F. 1989. Histria. So Paulo: tica. (Grandes Cientistas Sociais). PAOLI, M. C. 1991. As cincias sociais, os movimentos sociais e a questo do gnero. Novos Estudos Cebrap, So Paulo, n. 31, out. p. 107-119. WEBER, Max. 1969. Economa y sociedad. Mxico: Fondo de Cultura Econmica. 2 v. ______. 1971. Classe, status e partido. In: ______. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar. p. 211-228. 151
A revista Estudos de Sociologia do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco est aberta a contribuies.
Estudos de Sociologia