Ernesto Laclau-Novos Sujeitos 3

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OSNOVOSMOVIMENTOSSOCIAISEAPLURALIDADEDOSOCIAL

http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_02/rbcs02_04.htm;acessoem6/7/2008

ErnestoLaclau O objetivo desta nossa reunio tentarmos trazer alguns esclarecimentos sobre os novos movimentos sociais na Amrica Latina. Nossas preocupaes tm origem nos vrios debates contemporneos, onde sebusca uma determinao das dimenses eformas radicalmente novas assumidaspeloconflitosocial,nasltimasdcadas.Minhacontribuioparaestedebatenotem porobjetivonenhumaanlisedescritadosmovimentoscomoumtodo,nemdenenhumdelesem particular isto trabalho para os especialistas mais competentes do que eu neste campo especfico.Aoinvsdisso,procurareiexporalgumaspremissastericas,quepossibilitempensaro novoeoespecficodentrodestasnovasformasdelutaeresistncia. Aprimeiraquestoaoselidarcomosnovosmovimentossociaisaseguinte:sobqueaspectosso eles"novos"?Emnossatentativaderesposta,relacionaremosestecarterdemudana,acimade tudo,comaformapelaqualasnovaslutasocasionamumacrisedeumparadigmatradicionaldas Cincias Sociais, referente ao tipo de unidade que caracteriza os agentes sociais e s formas assumidas pelo conflito entre eles. As conceituaes tradicionais de conflitos sociais tm sido tipificadasatravsdetrscaractersticasprincipais:adeterminaodaidentidadedosagentesera feitaatravsdecategoriaspertencentesestruturasocial;otipodeconflitoeradeterminadoem termosdeumparadigmadiacrnicoevolucionrio;eapluralidadedeespaosdoconflitosocialera reduzida,namedidaemqueosconflitossepolitizavam,aumespaopolticounificado,ondea presena dos agentes era concebida como uma "representao de interesses". A primeira caracterstica relaciona a rea de emergncia de qualquer conflito com a unidade emprico referencial do grupo: as lutas so classificadas de lutas "camponesas", "burguesas", "pequeno burguesas"etc.Assimsendo,cadaumadessascategoriasdesigna,simultaneamente,oagentesocial comoreferenteeumprincpio,assumidoapriori,deunidadeentreasvriasposiesdoagente.A segunda caracterstica determina o significado de cada luta em termos de um esquema evolucionrio,teleolgico,atravsdoqualaquelesignificadotornase"objetivo":nodependeda conscientizao dos agentes e sim, de um movimento subjacente da Histria a transio da sociedadetradicionalparaasociedadedemassas,deacordocomalgumas conceituaes;ou a transiodofeudalismoparaocapitalismo,segundooutrasetc.Oterceiroaspectorepresentauma conseqncia inevitvel dos dois primeiros: na sociedade fechada, postulada pelas dimenses sincrnicaediacrnicadoparadigmasobanlise,aesferapolticaum"nvel"precisodosocial;se a identidade dos agentes sociais, ento, for constituda a um nvel diverso por exemplo, o econmico apresenadosmesmos aonvelpolticosomentepodeassumiraformade uma representaodeinteresses.Oquecaracterizaosnovosmovimentossociais,ento,que,atravs deles,rompeuseaunidadedestestrsaspectosdoparadigma.Porumlado,tornasecadavezmais impossvelidentificarogrupo,concebidocomoreferente,comumsistemaordenadoecoerentede "posiesdesujeitos".Vejamosoexemplodotrabalhadoroutrabalhadora.Serquehalguma relao estvelentresuaposionasrelaesdeproduoesuaposiocomoconsumidor(a), habitantedeumareaespecfica,participantedeumsistemapolticoetc.?Evidentemente,arelao entreestasdiferentesposiesestlongedeserbviaepermanente;aocontrrio,elaconstituio resultadodeconstruespolticascomplexas,baseadasnatotalidadedasrelaessociais,equeno podemdecorrerunilateralmentedasrelaesdeproduo.NosculoXIX,aprioridadedasrelaes de produo era devida longa jornada de trabalho nas fbricas e o acesso limitado dos 1

trabalhadoresaosbensdeconsumoeaumaparticipaosocialgeral,comoresultadodosbaixos salriosAtransformaodestascondiesnosculoXX,todavia,enfraqueceuoslaosentreas vrias identidades do trabalhador ou trabalhadora, enquanto produtor(a), consumidor(a), agente polticoetc.Osresultadostmsidodois:porumlado,asposiesdoagentesocialtornaramse autnomas eessaautonomiaqueestnabasedaespecificidadedosnovosmovimentossociais ; mas, por outrolado,otipo dearticulaoexistente entreestas diferentes posies tornase, continuamente, cada vez mais indeterminado. De qualquer forma, elas no podem ser automaticamente derivadas da unidade do grupo como referente. As categorias de "classe trabalhadora", "pequenoburgus", etc., adquirem um significado cada vez mais reduzido como formadeentendimentodaidentidadeglobaldosagentessociais.Oconceitode"lutasdeclasses", por exemplo, no correto nem incorreto ele , simplesmente, totalmente insuficiente para descreverosconflitossociaiscontemporneos. Em segundo lugar, este colapso da unidade sincrnica entre as diferentes posies do agente ocasionou uma crise na teoria diacrnica de "estgios": assim, da mesma forma que uma determinadaposiodesujeito noexemploacima,aposionasrelaesdeproduo no fornece automaticamente nenhuma determinao necessria das outras posies, tornase impossvelrelacionarcadaposioindividualcomumasucessoracionalenecessriadeestgios. Logodeincio,omarxismotevedelidarcomosfenmenosdesignadoscomo"desenvolvimento desigualecombinado",comacoexistnciacrescentede"elementos"queaprticapolticadeveria articular no presente e os quais, teoricamente, deveriam ter aparecido em fases sucessivas do desenvolvimento. Deforma semelhante, as assim chamadas teorias de "modernizao" foram rapidamenteforadasareconhecerainutilidade,dopontodevistadaanlisepoltica,emseatribuir cadaaspectodarealidadesocialeeconmicaaosestgiossucessivosdesociedade"tradicional"e "moderna", tendoem vista avariedadedecombinaes heterodoxas destas duas classificaes, resultantesdosfenmenosdedependnciaeconmicaesocial. Porltimo,seaidentidadedosagentessociaisnomaisconcebidacomoconstitudanumnico nvel da sociedade, a presena desses agentes em outros "nveis" tambm no pode mais ser concebida comouma "representaodeinteresses".O modelo de"representaode interesses" perdeassimsuavalidade.Porm,pelamesmarazo,opolticodeixadeserumnveldosocial, tornandoseumadimensopresente,emmaioroumenorescala,aolongodetodaaprticasocial.O polticoumadasformaspossveisdeexistnciasocial veremosadiantequaldelas.Osnovos movimentossociaistmsidocaracterizadosporumacrescentepolitizaodavidasocial(lembrem sedosloganfeminista:"ofatorpessoalfatorpoltico");mastambmprecisamenteesseponto quefezruiravisodopolticocomoumespaofechadoehomogneo. Neste ponto, poderia surgir a questo: no seria verdade que esta pluralidade do social e esta proliferaodeespaospolticosportrsdosnovosmovimentossociaissobasicamentetpicosdas sociedadesindustriaisavanadas,aopassoquearealidadesocialdoTerceiroMundo,comseunvel menor dediferenciao,podeaindaserapreendidaemtermosdascategorias mais clssicasde anlisessociolgicasedeclasses?Arespostaque,almdeste"nvelmenordediferenciao"ser um mito, as sociedades do Terceiro Mundo nunca puderam ser entendidas em termos de uma anlisergidadeclasses.Bastanosreferirmosaoeurocentrismo,noquala"universalizao"da referida anlise se baseou. Este via as categorias emergindo de distines entre os modos de produo,entreasclassessociaisousendo,categoriasquehaviamsidoconcebidascomoformas deseapreenderaexperinciaeuropiacomoconstantesdequalquerpossvelsociedade.Partindo desteponto,aanlisesociolgicaseguiuumcursomuitosimples:tudodependiadeumaestratgia 2

dereconhecimento,ondeaformaemsipelaqualasperguntaseramfeitasjpressuponhametadeda resposta.Umaperguntadotipo:"qualaestruturadeclassesdosetoragrriodopasXouZ?" pressupeoquepretendedemonstrar,ouseja,queasdivisesentreosagentessociaisdeveriamser tratadascomodivisesdeclasses.Damesmaforma,asquestessobrealocalizaoprecisado Estadocapitalistanombitodeumadeterminadaformaosocialsofreqentementetratadascomo seaquelaentidade oEstadocapitalista extrassetodasassuasdeterminaesessenciaisdeum nvel ontologicamente diferente do nvel onde suas variaes historicamente contingentes so constitudas.Umprocessosimilardereduoessencialistaestnabasedeperguntasdotipo:"Qual oaspectoassumidopelatransiodofeudalismoparaocapitalismonaquelepas?";ou"Arevoluo daqueleanofoi`a'revoluoburguesademocrtica?". Deveramostentarevitarestetipodeuniversalismoeurocntrico.Paratanto,devemos,inicialmente, retornarumpoucoeconsiderarasentidadesdotipo"classes","nveis"dosocialetc.,enquanto complexos,resultantesdaarticulaocontingentedeentidadesmenores.Precisamosdeterminaro statustericodestasentidadeseaespecificidadedaquelaconexoarticulatriaexistenteentreelas, laoaoqualjnosreferimos,sem,contudo,fornecerumconceitotericoadequadoparaomesmo. Posiesdesujeitos,articulao,hegemonia(1) Um dos avanos fundamentais nas Cincias Sociais, nestes ltimos anos, foi representado pela rupturacomacategoriade"sujeito",enquantounidaderacionaletransparentequetransmitisseum significadohomogneoparaocampototaldacondutadoindivduo,sendoafontedesuasaes.A psicanlise demonstra que, longe de se organizar em torno da transparncia de um ego, a personalidadeseestruturaemvriosnveis,foradaconscientizaoedaracionalidadedosagentes. Logoemseusprimrdios,omarxismofoiforadoareconheceraassimetriafundamentalentrea conscientizaoefetivadosagenteseaquedeveriatercorrespondidoaeles,deacordocomseus interesseshistricos emboraareaomarxistaaestadescoberta,aoinvsdeconduzirauma crtica do racionalismo implcito na noo de "interesses", tivesse sido, pelo contrrio, uma reafirmaodestesltimos,atravsdadistino"emsi/parasi". Esta remoo da centralidade do sujeito nas Cincias Sociais contemporneas acarretou uma inversodanooclssicadesubjetividade.Aoinvsdeencararosujeitocomoumafonteque forneceriaumsignificadoaomundo,vemoscadaposiode.sujeitoocupandolocaisdiferentesno interiordeuma.estrutura.Aestaestruturaouconjuntodeposiesdiferenciais,damosonomede discurso.Nohnenhumarelaoprvianecessriaentreosdiscursosqueformamotrabalhador, por exemplo, enquanto militante ou agente tcnico no local de trabalho, e os discursos que determinamsuaatitudecomrelaopoltica,violnciaracial,aosexismoeoutrasesferasnas quais o agente seja ativo. Tornase, portanto, impossvel falarse do agente social como se estivssemos lidando com uma entidade unificada e homognea. Ao invs, devemos abordar o agentesocialcomoumapluralidade,dependentedasvriasposiesdesujeito,atravsdasquaiso indivduoconstitudo,nombitodevriasformaesdiscursivas.Istonosforneceumachave tericaparaentendermosapeculiaridadedosnovosmovimentossociais:acaractersticacentral deles,porrazesquediscutiremosadiante,queumconjuntodeposiesdesujeitoanveldelocal de residncia, aparatos institucionais, vrias formas de subordinao cultural, racial e sexual, tornaramsepontosdeconflitoemobilizaopoltica.Aproliferaodestasnovasformasdeluta resulta da crescente autonomizao das esferas sociais nas sociedades contemporneas, autonomizao essa sobre a qual somente se pode obter uma noo terica de todas as suas implicaes,separtirmosdanoodosujeitocomoumagentedescentralizado,destotalizado. 3

Nesteponto,deveramosindicarostatustericoquepodeseratribudoaestasunidadesdeanlisea que denominamos "posies de sujeito" Elas certamente nos garantem o instrumental para pensarmosocarterespecficodevriassituaesquefugiramaoslimitesdaanlisesociolgica clssica. Assim, por exemplo, elas nos permitem ver que uma categoria corno a "classe trabalhadora" da experincia europia resultou de uma articulao entre algumas posies especficasdesujeitos,aonveldasrelaesdeproduo,eoutrasposiesaumnvelseparado,as quais, no obstante, se organizaram ao redor de um eixo central constitudo pelo anterior. A explicaoparaestefatoresidenosfatoreshistricosparticularesligadosaocarterespecficode cadasituao.Emoutroscontextoshistricos,asposiesdonveldasrelaesdeproduoirose articularcomasoutrasdeformasdiferentes,semquesejapossvelapriorigarantiracentralidadede nenhumadelas.Umproblema,porm,permaneceinsolvel:oquequegaranteaseparaoentre asdiferentesposiesdesujeito.Aresposta:nadanenhumadelasimuneaodasoutras.A diferenciao relacionase, certamente, com a impossibilidade de se estabelecer uma conexo necessriaeprviaentreelas;masistonosignificaainexistnciadeesforosconstantespara estabelecerentreelasconexesvariveisehistoricamentecontingentes.Aestetipodeconexo, estabelecendo entre vrias posies uma relao contingente e sem predeterminao, que chamamosdearticulao.Nohnenhumaligaonecessriaentreoracismoeamilitnciapor partedetrabalhadoresbrancos.Todavia,emdiferentesmomentos,haverdiscursosquetentaro fornecerumaarticulaoentreosdois,apartirdepontosdepartidapoliticamenteopostos os imigrantes podero ser descritos como estrangeiros que chegam para roubar os empregos dos cidadosbrancos,ou,ento,oracismopoderserdescritocomoumaideologiaquetentafomentar sentimentosdexenofobia,nointeressedoscapitalistas.Todaposiodesujeitoassimorganizada no mbito de uma estrutura discursiva essencialmente instvel, j que est sujeita a prticas articulatriasasquais,depontosdiferentesdepartida,asubvertemeatransformam.Seaconexo entreoantiracismoeomovimentodemilitnciadostrabalhadoresatingisseopontoondecadaum implicasse necessariamente no outro, eles teriam ambos se tornado parte de mesma formao discursivaenorepresentariammais,portanto,posiesdiferentesdesujeito,mas,sim,momentos diferenciaisdeumaposiounificadadesujeito.Nestecaso,nohaveriaespaoparanenhuma prticaarticulatria.Comonoistooqueocorre,jquearealidadesocialnuncaatingetalponto defechamento,asposiesdesujeitosempredenotamumcertograudeaberturaeambigidade (em termos tcnicos, elas sempre mantm, em alguma medida, o carter de "significantes flutuantes"). Esteltimopontodecisivo: no h nenhuma posio de sujeito cujas conexes com as outras posies possam ser permanentemente asseguradas; e, por conseqncia, no h nenhuma identidade social integralmente adquirida que no esteja sujeita, em maior ou menor escala, ao de prticas articulatrias. AascensoEuropadofascismonaOcidental,aofimdaPrimeiraGuerra,podeservistacomoum vastoprocessoderearticulao,quetransformouprofundamenteasidentidadessociaisefascinou analistas polticos compersuasesideolgicastotalmentediversas,poisfezruiraconfiana na permanncia,atribuda,pelaconcepodominantedeprogresso,sarticulaesbsicasdoEstado liberal.Deformasemelhante,aanlisedosnovosmovimentossociaiscontemporneosnodeve permitirquecaiamosnailusodequeelessejamnecessariamenteprogressistas.Seelesabremo potencialparaoprogressonosentidodeumasociedademaislivre,maisdemocrticaeigualitria, claroquehsomenteumpotencial.Aefetivaodessepotencialdependeremlargaescaladas 4

formas de articulaodefinidasentreasdiversas exigncias democrticas.Aabsorode parte destasexignciaspelosprojetospopulistasneoconservadores(porexemplo,Reagan,Thatcher)um exemplobviodemaisedeveriaservircomoadvertncia. Aanlisefeitaatagoramostranosumduplomovimentocomsinaisopostos.Porumlado,huma tendncianosentidodeautonomia,dapartedeposiesseparadasdesujeito;deoutrolado,existea tendnciaopostaemfixlas,atravsdeprticasarticulatrias,comomomentosdeumaestrutura discursivaunificada.Surgeentoaperguntainevitvel:"estesdoismomentossocontraditrios?". Nossarespostaspodeserafirmativa:levadosaextremos,algicadaautonomiaealgicada articulaosocontraditrias.Noobstante,nohcontradioemnossaposioterica,jque nohinconsistnciaemseafirmarqueosocialconstrudopelalimitaoparcialdosefeitosde lgicascontraditrias.Deveramosenfatizarasimplicaesdestaafirmao.Seriaumapremissa essencialistasuporsequetodaincompatibilidadeoucontradiosociaispudessemserreduzidasa ummomentonaoperaodeumalgicasubjacente,querestaurasseintegralmenteapositividadedo social como no caso da "astcia da razo" de Hegel precisamente a rejeio desta noo racionalistadosocialquenoslevaaversuapluralidadeeinstabilidadeoquesedemonstra,entre outrosfatores,pelapossibilidadedecontradio comoconstrutivasefundamentais.Emoutras palavras,osocial,emltimainstncia,notemfundamento.Asformasderacionalidadequeele apresentasosomenteaquelasresultantesdasconexescontingenteseprecriasestabelecidaspelas prticasarticulatrias.A"Sociedade",portanto,enquantoentidaderacionaleinteligvel,tornase impossvel.Osocialnopodenuncaserinteiramenteconstitudocomopositividade. Agora,entreosfatoresqueseunemparasubverterapositividadedosocial,humdeimportncia primordial: a presena do antagonismo. Quando prticas articulatrias operam num campo sucessivamente cruzado por projetos articulatrios antagonistas, ns as denominamos prticas hegemnicas.Oconceitodehegemoniasupeoconceitodeantagonismo,sobreoqualiremos agoranosconcentrar. Antagonismoeamultiplicaodosespaospolticos Oantagonismoenvolveapresenadanegatividadenosocial.Vejamosumexemplodediscurso polticoquebuscacriaradivisodoespaosocialemdoiscamposantagnicos:"osconservadores, os liberais e os socialdemocratas representam a mesma coisa frente aos interesses da classe trabalhadora". Este discursosubvertea positividadedosocial emsuas dimenses estreitamente ligadasInicialmente,apositividadedosocialnegada,namedidaemqueosistemadediferenas, no qual ele sebaseia sofreuma subverso conservadores, liberais e socialdemocratas como entidadespositivas,diferindoumadasoutras,sosubvertidaspelodiscursoemquesto,quando cadaumadestaspositividadesapresentadacomoequivalentesoutras.Emoutraspalavras,sob umacertaperspectiva,elessotodosamesmacoisa.Todavia,ocorreasubversodapositividade numsegundosentido.Seolharmosmaisatentamente,veremosquearelaodeoposioaos interessesdaclassetrabalhadoraquepossibilitaaequivalnciadetodasestasinstncias.Agora,esta relaodeoposionoacoexistnciadiferencialepositivaentreduasentidades,masofatode umadelasserpuramenteoinversonegativodaoutra.Adivisodoespaopolticoemdoiscampos impedeaambosdeseremconstitudosatravsdedeterminao,diferenaepositividade,jquea identidade de cada um definida como negao da outra. E assim, portanto, os momentos diferenciaisinternosdecadacamposoapresentadoscomoumacadeiadeequivalnciaqueconstri a oposio no outro campo. Por isso que o antagonismo impede que o social se torne uma "sociedade",ouseja,umsistemaestveleconceitualmenteentendveldediferena. 5

Estamos, assim, dizendo que o social somente pode ser constitudo e concebido como uma totalidade,atravsdaexpulsodeumcerto"excessodesignificado" ooutrocampo que construdo e representado como uma negatividade. Colocando a questo de uma outra forma, diramosqueumacertaordemsocialsomentepodeserconstitudacombasenumafronteiraquea separe do que seja radicalmente "o outro", oposto a esta ordem. Vejamos dois exemplos diametralmenteopostos,paraestaslgicassociaisopostasdeequivalnciaediferena,deformaque possamosalcanarumentendimentodanaturezaradicaldamudanaforjadanoimaginriopoltico pelaascensodosnovosmovimentossociais. Oprimeirocasoodomilitarismo.Aqui,algicadaequivalnciapermaneceimutvel.Todosos aspectosdaculturaurbana diferenasemvestimentas,hbitos,atmesmoacordapele so apresentadoscomoanegaodaculturadacomunidadecamponesa.Umtipodecomunidade radicalmenteexternoaooutro.Masestaexterioridade,emsi,implicanaafirmao,emprimeiro lugar,dequehsomenteumespaonoqualosantagonismossoconstitudose,emsegundolugar, queesteespao,longedeexigirumaconstruopolticacomplexa,representaumdadoprimrioe fixodeexperincia.Emoutraspalavras,adimensoquedefinimoscomohegemoniaearticulao ficaausente. Osegundoexemplo,diametralmenteoposto,odasprticaseideologiasquetmacompanhadoo estabelecimento do Welfare State. Aqui, o foco central de constituio do imaginrio social e polticoumhorizonteestabelecendoapossibilidadedeumaintegraoilimitada.Todaexigncia pode (potencialmente) ser satisfeita e, assim, ser considerada como uma diferena legtima no interiordosistema.Aqui,algicadadiferenaexpandidaparaumhorizontetendencialmente ilimitado.Oprojetoaconstruodeumasociedadesemfronteirasoudivisesinternas("ofimda ideologia",deDanielBell;osloganconservador"umanao").Nosmovimentosdedeslocamento destafronteirapolticainternaquedevemosbuscarascaractersticasmarcantesdaslutassociais contemporneas. O conjunto da experincia histrica e dos discursos polticos na Europa do sculo XIX foi dominadopelosdeslocamentosetransformaesdestafronteirainterna,destalinhaqueconstituia negatividadesocial.Noperodo17891848,alinhadivisorafoitraadapelaoposio"povo/Antigos Regimes".O"povo"representavaumaentidadepoderosanointeriordoimaginriopoltico um "mito",conformeSorelporqueorganizavaamassadeforasqueseopunhamordemdominante, num vasto sistema de equivalncias. Mesmo quando surgiu uma dificuldade crescente para se encararambososcamposcomomerossupostos(sequandoasfronteirasinternaspassaramaexigir, emcontrapartida,umesforocrescentedeconstruopoltica,podeseaindaafirmarque,nogeral, a linha separando os dois campos continuou aagir comomolduraestvelde significados, que possibilitaramaidentificaodosagentessociaiseseusantagonismos.Foiapartirdoinciode rupturadestamolduradesignificadosestveis,equandoaprodutividadesimblicadopovocomo agentedelutashistricascomeouafalhar,queomarxismotentouconceberafronteirainternado social em termos de um princpio divisor diverso: a diviso de classes. Agora, da maior importnciaentendermosque,paraomarxismo,estadiviso,queseconstituanaesferaeconmica, somente poderia se reproduzir sem alterao na esfera poltica num futuro distante, quando o desenvolvimentocapitalistahouvessesimplificadoaestruturasocialealutadeclassehouvesse atingidoseupontoculminante,comoscapitalistaseproletriossimplesmentepondoascartasna mesa. A no evoluo do capitalismo nesse sentido, bem como a complexidade crescente da estruturadeclassesnassociedadesindustriaisavanadas,tornaramadivisodeclasses,enquanto 6

princpioconstitutivodeumafronteirasocialinterna,cadavezmenoseficazemseusefeitosecada vezmaisdependentedeformascontingentesdeconstruopoltica.Definindosedeoutraforma,a partirdesteponto,polticasemarticulaoehegemoniatornouseimpossvel. Atransioparaestanovaformadepolticaimplicanumamudanadecisiva:atransformaodo papeldoimaginriopoltico.Assimdenominamosoconjuntodesignificadosque,nombitodeum determinado complexo ideolgicodiscursivo, operem como um horizonte, ou seja, como o m..mentodetotalizaoequivalentedevriasconfrontaeselutasparciais.Estehorizonteest sempre presente, mas seu papel na constituio dos significados polticos pode variar consideravelmente.Podemosindicarduassituaesextremas.Naprimeira,humadesproporo radicalentreasituaoefetivadedenominaoeapossibilidadedecombateraforadominantee,a este respeito, travar uma batalha eficaz de posio contra a mesma. Neste caso, o conflito exclusivamenteconcebidoevivenciadonumnvelimaginrio;afunodohorizontenopermitir atotalizaodeumamassadeconfrontaesparciaismas,aocontrrio,constituirosignificado primrio das mesmas. Mas pela prpria razo desse horizonte possuir essa funo constitutiva primria,osocialsomentepodeservivenciadoeconcebidocomoumatotalidade.Nosegundocaso, emcontraste,cadalutaparcialatingeoobjetivodeseconstituircomoumabatalhadeposiese, assimsendo,retiradesimesma,deseucarternicoediferencial,omundodesignificadosque permitemaconstituiodeumaidentidadesocialoupoltica:Omomentodetotalizaoento puramenteumhorizonteeseurelacionamentocomosantagonismosconcretostornaseinstvele assumeumacertaexterioridade. Diantedetalperspectiva,podemosformularadistinoentreaslutassociaisdossculosXIXeXX daseguinteforma.NosculoXIX,aslutassociaisnoconduziramtantoaumaproliferaode espaospolticoseaumapolitizaodecadaantagonismosocial,mas,aoinvsdisso,aconstruo deformasdepermitiroacessodestesantagonismosaumespaopolticorelativamenteunificado Nestesentido,houvesempreumadistnciaentreasreasdeemergnciadeantagonismosearea deconstruodopoltico.Comoresultado,apresenadessasreasdeemergncianessareade construotinhadeassumiraformadeumarelaoderepresentao.Osmomentosdecriseno sistemapolticoforammomentosemqueosnovosantagonismossociaisentraramemchoquedireto com os espaos polticos tradicionais (1830, 1848, 1871); mas, em qualquer caso, estas crises sempreforamcrisesdeummodelototaldesociedadeoquedenominamosdeimaginriopoltico unificado. Nas ltimas dcadas, em contraste, a multiplicao de pontos de .ruptura que tm acompanhado a crescente burocratizao da vida social e a "comodificao" das sociedades industriaisavanadastmacarretadoumaproliferaodeantagonismos;mascadaumdelestendea criarseuprprioespaoeapolitizarumareaespecficaderelaessociais.Lutasfeministas, ecolgicas,contraasinstituieseaslutasdosgruposmarginaisnoassumemgeralmenteaforma deantagonismoscujapolitizaodevesseconduzirrepresentaodecadaumdesses"interesses" numaesferapolticadiferenteeprconstituda.Aoinvsdisso,elasconduzemaumapolitizao diretadoespaonoqualcadaumadelasfoiconstituda.Istosomentesignificaqueomomentode totalizao, a dimenso do horizonte do imaginrio poltico, no mais constitudo como um "modelo total" da sociedade, mas se restringe a certas exigncias e certas relaes sociais especficas. O potencial radicalmente democrtico dos novos movimentos sociais reside precisamentenisto emsuasexignciasimplcitasdeumavisoindeterminadaeradicalmente abertadasociedade,namedidaemquecadaarranjosocial"global"representasomenteoresultado contingente de operaes de barganha entre uma pluralidade de espaos, e no uma categoria bsica,aqualdeterminariaosignificadoeoslimitesdecadaumdestesespaos.

EspaospolticosemovimentossociaisnaAmricaLatina Como devemos expandir as reflexes at aqui apresentadas para o processo de formao das sociedades latinoamericanas, para as formas especficas sob as quais o poltico foi nelas construdo?Jrelacionamosaformaodoimaginriopolticocomumaassimetriabsica:coma distnciaqueimpedeaestabilizaodequalquersistemadediferenasnaformadeumatotalidade completaepositiva,fechadaemsimesma,earelaodestemomentodeencerramentocoma dimenso totalizante de um horizonte, instituindo a diviso social e o antagonismo Sob esta perspectiva,podemosafirmarqueocampopolticonaAmricaLatinafoiconstrudo,noltimo sculo,aoredordeduasmatrizessucessivas,bsicasetotalizantes:liberalismoepopulismo.Ambos parecemestarsendoquestionadospelosmovimentossociaisdosltimosvinteanos,oqueapontano sentidodeumanovaexperinciadedemocracia.Concentraremosnossaanlisesobreestasduas matrizeshistricas,jqueacrisedeambascolocaemrelevoaespecificidadedanovasituao. Oimaginriopolticoliberalconcebiaassociedadeslatinoamericanascomosistemasdediferenas nosentidoanteriormenteindicado cujaexpansoiriaprogressivamentediminuiradistncia entreelas eas sociedadeseuropias.Aidiadediminuiodessadistnciaeraadimenso de horizonte,nabasedaconstituiodetodosossignificadospolticos.Todasasreformaspolticas, inovaestcnicas,transformaeseconmicasseriaminterpretadasluzdaideologiapositivista deprogresso comoumpassoadiante,nosentidodeumtipodesociedadequeexistiacompletae explicitamentesomentenaEuropacapitalistaliberal.Semestarefernciaaumarealidadeexternas sociedadeslatinoamericanas,aexperinciapolticaesocialdestasltimasficariasemsentido:esta arazopelaqualestadimensoimaginriatornouseachavefundamentaleomomentototalizaste dototaldaexperinciapoltica.Adivisosocialfoiconcebidacomoumafronteiraquereproduzia exatamenteostermosdestadimensoimaginria.Sarmiento eorestantedoliberalismolatino americano johaviadito:adivisofundamentalestavaentre"civilizao"e"barbrie".Dois sistemassimetricamenteopostosdeequivalnciadividiamoespaopolticoemdois. Estehorizontepolticoseorganizouemtornodasseguintesdimenses: 1.aexistnciadeumafronteirainternaentreanacionalidadedeummundopolticomodeladona Europaeaquele"setormarginal"constitudodoatrasonativodarealidadesociallatinoamericana: 2.omomentodeantagonismofoifornecidopelaexistnciadaquelafronteiradivisoraoqueestava almdelanopodiaserintegradocomodiferena,mastinhadeserdominadoedestrudo; 3.oavanoprogressivoda"civilizao"acabariaportomarolugardaquelemundomaisprimitivo destaforma,oidealdesociedadeshomogneas,ondealgicadadiferenaexerceriaumcontrole indivisvel,poderiaseratingido. Esteltimopontodecisivo:ohorizonteconstitutivodoimaginrioliberalencontrouseupontode encerramentoemsi,suadimensototalizante,numafuturareduodosocialaumapuralgicade diferenaenaejeodalgicadeequivalncia("asduasnaes")daesferapoltica.Osmovimentos deoposioqueemergiramnapocapodiamserlocalizadosemumdosdoisladosdafronteira polticaresultantedahegemoniadodiscursoliberal.Ouesteltimoeratotalmenterejeitado,eos movimentosseapresentavamcomocontratotalidades comonocasodomovimentodeCanudos, no Brasil ou eles eram construdos como antagonismos internos ao imaginrio liberal, sem questionaradicotomia"Civilizao/Barbrie" comonocasodosgruposanarquistasesocialistas 8

emergindo, geralmente organizados em torno de imigrantes europeus, nos centros urbanos. O imaginrioliberaleraassimumhorizontequeobjetivavaofechamentodosocial,aconstituio desteltimocomo"sociedade".importantelembrarmosqueoimaginriopopulistateveincioa partirdeumaaspiraotOtalizanteidntica.Adimensoimaginriadoliberalismodeixoudeser produtiva quando perdeuse a esperana na possibilidade de sua expanso ilimitada, em sua capacidadedeexpandirsuasfronteiraseabsorvertodososantagonismosnointeriordeumsistema homogneodediferenas.Quandoestadimensocapazdeexpansoentrouemcrise,afunoda fronteirasofreuumatransformao:oqueeramfronteirastornaramselimites.Osistemaliberalno eramaisencaradocomoumaferramentadeprogressoehomogeneizaosocial,mascomoum simplessistemadedominao.Estaabaseapartirdaqualopopulismoemergiucomoumanova matriz do imaginrio poltico. Duas caractersticas principais merecem ser comentadas. Primeiramente,enquantoopontodefechamentodoimaginrioliberaleraumhorizontefornecido por uma pura lgica de diferena, este horizonte, no caso do populismo, era constitudo pela afirmao da diviso social e pela lgica da equivalncia. A dimenso totalizante do social institudaatravsdeoposiesbsicasdotipo:"povo/oligarquia","nao/imperialismo"etc.Em segundolugar,estadimensoimaginriadefinepontoscruciaisemtornodosquaisonovohorizonte poltico se organiza: o lder, as Foras Armadas, ou o apelo do conhecimento tcnico e do desenvolvimento econmico. O populismo, em outras palavras, permanece um discurso da totalidadedosocial,quedefineumafronteiraentreasforassociaiscujarelaodeequivalncia constituiocampopopulareasoutrasforassociais,simetricamenteopostas,querepresentamo campodedominao. OfatoparticularmentenovoemarcantenosmovimentossociaisqueemergiramnaAmricaLatina durante os ltimos vinte anos que talvez pela primeira vez este momento totalizante se encontreausenteou,pelomenos,seriamentequestionado.Asmobilizaespopularesnomaisse baseiamnummodelodesociedadetotalounacristalizao,emtermosdeequivalnciadeumnico conflitoquedividaatotalidadedosocialemdoiscampos,masnumapluralidadedeexigncias concretas,conduzindoaumaproliferaodeespaospolticos.Estaadimensoque,assimme parece,amaisimportanteaseresclarecidaporns,duranteosdebates:emquemedidaasnovas mobilizaes rompem com um imaginrio totalizante ou, ao contrrio, em que medida elas permanecemaprisionadasnele?Esteproblemaenvolveumaquestodefundamentalimportncia paraofuturodademocracianaAmricaLatina:serqueaexperinciadeaberturadossistemas polticos,apsacrisedasditaduras,levaaumareproduodosespaospolticostradicionais,com basenumadicotomiaquereduzatodaaprticapolticaaumarelaoderepresentao?Ouserque a radicalizao de vrias lutas baseadas numa pluralidade de posies de sujeitos leva a uma proliferaodeespaos,reduzindoadistnciaentrerepresentanteerepresentado? NotasBiogrficas 1Asconsideraestericasaquiapresentadasencontramsedesenvolvidasem:Laclau&Mouffe. HegemonyandSocialistStrategy(1985).
TextoapresentadonoworkshoppromovidopeloCEDLA(CentrodeDocumentaoLatinoAmericano)deAmsterd, Holanda,emoutubrode1983,sobottulo"NovosMovimentosSociaiseEstadonaAmricaLatina". PublicadooriginalmentenarevistadoCEDLA,LatinAmericanStudies,n29,organizadoporDavidSlater. TraduzidodoinglspelaTradutec,SoPaulo.

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