Moniz Freire PDF
Moniz Freire PDF
Moniz Freire PDF
S DEZENOVE HORAS E QUARENTA E DOIS MINUTOS, A SENHORA DEPUTADA LUZIA TOLEDO, OCUPA A CADEIRA DA PRESIDNCIA. A SR. PRESIDENTA (LUZIA TOLEDO) Invocando a proteo de Deus, declaro aberta a sesso e procederei leitura de um versculo da Bblia. (A Senhora Presidenta Luzia Toledo l Gnesis 1:27) A SR. PRESIDENTA (LUZIA TOLEDO) - A Presidenta, de ofcio, dispensa a leitura da ata da sesso anterior. Informo a todos os presentes que esta sesso especial, para discutir e debater a independncia do Lbano e a imigrao srio-libanesa no Estado do Esprito Santo, conforme requerimento de autoria da Senhora Deputada Luzia Toledo, aprovado em Plenrio. (Pausa) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Convidamos para compor a Mesa o Governador do Estado do Esprito Santo no perodo de 1995 a 1998, Senhor Vitor Buaiz; o Senhor Cilmar Francischetto, representando o Arquivo Pblico; o Senhor Constanteen Helal, representando a Comunidade Sriolibanesa no Estado do Esprito Santo; e o Professor da Ufes, Senhor Estilaque Ferreira, nosso palestrante desta noite. (Pausa) (Tomam assento Mesa os referidos convidados) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Convido todos para, de p, ouvirmos a execuo do Hino Nacional do Lbano, e, em seguida, o Hino Nacional do Brasil. (Pausa) ( executado o Hino Nacional do Lbano e o do Brasil) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Neste momento far uso da palavra a Senhora Deputada Luzia Toledo, proponente desta sesso especial. A SR. PRESIDENTA (LUZIA TOLEDO) (Sem reviso da oradora) Boa noite. sempre um prazer trazer a esta Casa, do povo, um pouco da cultura. Hoje, o Estado do Esprito Santo abriga uma colnia to grande de srio-libaneses. Cumprimentamos o ex-governador, meu amigo, Senhor Vitor Buaiz, e o Senhor Cilmar Francischetto, a quem queremos parabenizar. Sabemos do trabalho que faz no Arquivo Pblico, buscando a raiz de todos os povos que vieram para este Estado to pequenino, mas que um bolso de raas. Temos praticamente todas as etnias, todas as raas no Esprito Santo. Portanto, essa sesso especial muito importante, principalmente para os telespectadores. Quem est em casa acompanhando os trabalhos, tenha certeza de que essas informaes que passamos so precisas e importantes. Quantas pessoas gostariam de estar presente, mas por vrios motivos no puderam. Nessa sesso especial teremos um palestrante e a fala do ex-governador Vitor Buaiz, que tanto honra a famlia Buaiz. Tanto assim que comeamos nossos trabalhos dessa sesso abrindo a galeria de fotos do Senhor Luiz Buaiz, que dessas pessoas incomuns, por quem somos apaixonados. E no somos somente ns, a unanimidade, porque um homem que realmente veio a esta terra para ajudar o prximo. Ajudou e ajuda como mdico, como poltico, um conselheiro, enfim. O Senhor Luiz Buaiz no pde comparecer abertura dessa mostra de fotos, mas esteve seu filho, Alexandre Buaiz Neto, que foi nosso colega na Cmara Municipal de Vitria, e o seu primo Alexandre Buaiz Sobrinho. Convidamos todos a vir Assembleia Legislativa ver as fotos do Senhor Luiz Buaiz. O Senhor Luiz Buaiz autografou no Salo Santiago, no Palcio Anchieta, um livro maravilhoso, de contedo fantstico sobre a sua vida, escrito pela historiadora Sandra Medeiros, que est presente e a quem parabenizo. Peo uma salva de palmas para Sandra, uma pessoa to simples, porque realmente o livro um documentrio sobre a vida do Senhor Luiz Buaiz. Fico muito feliz por ele ser to homenageado. (Palmas) Cumprimento o Senhor Constanteen Helal, um amigo querido, a quem tambm parabenizo, porque verdadeiramente um cidado comprometido com a cidadania, com a histria, com a cultura. Quero lhe abraar. E lhe abraando, abrao todos que esto nesta sesso. O Senhor Estilaque Ferreira ser nosso palestrante. Ficamos muito felizes, quando vemos um palestrante da Ufes, porque essa universidade mexe conosco. Especialmente porque nos formamos na Ufes e da qual temos
2 orgulho. uma universidade da qual todos tm prazer de falar. Cumprimentamos o Senhor Ronald Mansur, que, na verdade, um jornalista apaixonado pelo que faz. Ano passado nos ajudou muito e este ano tambm na realizao da sesso em comemorao imigrao libanesa. Agradecemos S. S.a e a seu filho. Agradecemos Senhora Marlene Webber que a nossa representante do Rotary International; Senhora Lea Patuzzo Helal, esposa do Senhor Constanteen Helal, enfim, a todos que esto presentes. Esta uma noite muito especial para ns, porque estamos comemorando a vinda dos nossos irmos libaneses para o Brasil. Dizemos irmo porque esse povo, de cultura to rica, culinria maravilhosa, uma tendncia singular para a matemtica e as cincias, chegou ao Brasil de braos abertos. E ns tambm os acolhemos com todo amor. Os primeiros registros da imigrao libanesa para o Brasil datam de 1870. No Esprito Santo as famlias libanesas conquistaram o respeito, a admirao, o amor do povo capixaba. No vou citar nomes, correria o risco de ser injusta e omitir um ou outro nome. Nenhum descendente de libans pode ser esquecido, todos so especiais. Nas sesses que esta Casa j realizou em comemorao imigrao libanesa, muitos foram homenageados. Hoje vamos homenagear mais, e isso tudo ainda muito pouco. grande e forte a influncia dos rabes na cultura brasileira. A literatura de cordel um bom exemplo. Influenciaram tambm a culinria, o vesturio, a arquitetura e at a maneira de falar. Os libaneses deram uma expressiva contribuio para o desenvolvimento socioeconmico de nosso Estado. Diferente dos imigrantes europeus, que buscaram na agricultura seu sustento, os libaneses se dedicaram ao comrcio e indstria. Ficamos felizes de falar isso porque ainda temos a famlia Fadlalah, que construiu Ibatiba. O comrcio era deles; o primeiro radinho que chegou cidade foi levado por essa famlia, que tambm abriu a primeira escola no Municpio. Hoje resgatamos a histria de Ibatiba, resgatamos a histria da famlia Fadlalah e vemos o nome do Senhor Salomo Jos Fadlalah em um museu, que foi construdo por meio de verba de emenda parlamentar. Isso mostrar a raiz de um povo que tanto contribuiu e contribui para o crescimento e desenvolvimento do nosso Estado. Toda histria desse povo maravilhoso precisa ser eternizada. preciso que a histria dos imigrantes seja contada, como fez a jornalista Sandra Medeiros, autora da obra Luiz Buaiz: biografia de um homem incomum. O fotgrafo da Casa, Senhor Antnio Carlos Sessa Neto, Tonico, que h anos registra os eventos que acontecem nesta Casa, prestigiou a noite de autgrafos do livro e registrou tudo com sua cmera. As fotografias daquela noite to especial, e algumas que mostram algumas passagens da vida do Doutor Luiz Buaiz, fazem parte de uma mostra que foi montada no trreo da Assembleia, perto do Cerimonial e que est disposio do povo capixaba. Abrimos hoje essa mostra porque importante manter vivo em nossa memria os passos dos muito imigrantes e descendentes que aportaram em terras capixabas. A vocs, saibam que muito nos honram com suas histrias de vida. A todos vocs, nosso muito obrigada. Agradecemos ao Ex-Governador Vitor Buaiz a vontade frrea de registrar, todos os anos, essa histria e trazer para o pblico exatamente como aconteceu essa imigrao to importante para o Estado do Esprito Santo. Parabenizamos S. E.x por isso. S trouxe cultura. Os Senhores viram que a cultura Srio-Libanesa est cimentada em todas as reas. Terminamos dizendo que estamos extremamente felizes, porque, mais uma vez, estamos homenageando nesta Casa de Leis aqueles que, na verdade, fizeram com que o Estado do Esprito Santo crescesse mais do que o Brasil e do que os demais Estados brasileiros, h dcadas, graas s imigraes para o Estado, principalmente a Srio-Libanesa. Muito obrigada. (Muito bem!) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Neste momento far o uso da palavra o palestrante Professor Estilaque Ferreira. O SR. ESTILAQUE FERREIRA (Sem reviso do orador) Boa noite a todos. Cumprimentamos, primeiramente, a Senhora Deputada Luzia Toledo, sempre atenta para a cultura, sempre estimulando o debate e a memria. Para ns, historiadores, sempre um motivo de satisfao saber que nossos parlamentares continuam tendo essa preocupao com a valorizao da cultura, com a memria; tendo essa viso da importncia da memria. Portanto, congratulamo-nos com S. Ex. por isso. Cumprimentamos tambm nosso ilustrssimo ex-governador Vitor Buaiz, digno representante dessa extraordinria colnia de Srio-Libaneses que o Estado do Esprito Santo inoculou e desenvolveu. Cumprimentamos nosso amigo Cilmar Francischetto, representante do Arquivo Pblico e o Senhor Constanteen Helal, representante da Colnia Srio-Libanesa. Enfim, cumprimentamos todos. Peo desculpa pela minha voz. Tenho tomado uma medicao muito forte nos ltimos meses e isso est me causando um transtorno na voz. No sei se os Senhores esto percebendo essa voz meio afnica. So muitos remdios que acabaram me prejudicando, inclusive foi por isso que fiz questo de permanecer sentado. Por esse mesmo motivo no me estenderei demasiadamente nessa palestra e tentarei ser bastante sinttico.
3 Aproveitaremos a ltima fala da Senhora Deputada Luzia Toledo a respeito do desenvolvimento do Estado do Esprito Santo mais recente que, segundo S. Ex., o Estado cresce a taxas sempre superiores s dos outros estados brasileiros. Hoje, vemos a situao do Estado do Esprito Santo com grande preocupao, dados os ltimos eventos relacionados exatamente sade da nossa economia. Vemos isso com muita preocupao; muita incerteza paira sobre o futuro do Estado do Esprito Santo. Simultaneamente fazemos essa comemorao justamente no dia em que a Sria e o Lbano vivem um momento muito especial e preocupante. Ns, todos os brasileiros, ficamos preocupados com essa situao, inclusive porque pode ter reflexos mundiais muito graves. A situao do mundo j no muito boa, sobretudo no plano econmico. Um agravamento da situao poltica no Oriente Mdio, hoje, pode trazer consequncias muito dramticas. Nosso Pas vem se recuperando e reorganizando sua economia nas ltimas dcadas. Toda a expectativa que temos de que o Pas continue nesse embalo e que continue resolvendo seus problemas, e um contexto internacional desfavorvel no nada bom para todos ns. Mesmo assim, nunca perdemos a expectativa e esperana de que as coisas melhorem. Senhora Deputada Luzia Toledo, V. Ex. falava que o Estado do Esprito Santo cresce a taxas superiores aos outros estados. Queramos comear e, talvez, at ficar um pouco nessa abordagem, j que V. Ex. enfatizou a importncia de nos lembrarmos da histria. O Senhor Vitor Buaiz est como um espadachim lutando para que no venhamos a perder essa memria. Lembramo-nos do nosso amigo Senhor Ronald Mansur que, tambm, est sempre batalhando por escarafunchar essas coisas, e lembrvamos a S.S., anteriormente, que tnhamos que pegar esses velhinhos e gravar a memria deles. Fazer grandes entrevistas com o pessoal do arquivo, Senhor Cilmar Francischetto, porque esses velhinhos, inevitavelmente, iro morrer e com eles se vai um recurso de memria extraordinrio. Depois que eles se forem, os mais jovens no iro se lembrar de nada. Com o beneplcito do Senhor Vitor Buaiz, no a partir de agora porque muita coisa j foi feita, deveramos fazer um movimento pelo resgaste dessa memria, uma coisa mais sistemtica que nos d essa segurana de que esse passado heroico dos srio-libaneses no ser esquecido. Com isso, Senhora Deputada Luzia Toledo, ainda pegando a fala de V. Ex., que comparou o crescimento do Estado do Esprito Santo com os outros estados, gostaramos, j que queremos resgatar essa memria, de nos lembrar de uma circunstncia que decisiva quando se trata de situar a presena dos srio-libaneses no Estado do Esprito Santo. Que a questo da origem deles no Estado e o posicionamento deles no comeo, naquelas dcadas em que chegaram a neste Estado. necessrio situar essa chegada, qual era o Estado do Esprito Santo, como se encontrava o Estado, o que os srio-libaneses pensaram do Estado e, finalmente, por que eles decidiram permanecer no Estado do Esprito Santo. V. Ex., inclusive, mencionou que os srio-libaneses comearam a chegar por volta de 1870. Na verdade, os registros histricos mais precisos indicam que foi por volta de 1880. V. Ex. compreende que isso muito difcil de ser precisado, ao contrrio dos italianos que chegaram normalmente em grandes levas e se dirigiam para colnias, assim, tambm, como foi o caso da colnia de Santa Isabel, fundada em 1847. Aquela foi uma imigrao que teve certa proteo oficial do Estado e do Governo, tanto do Governo Imperial quanto do Governo Provincial. Teve certo controle e foi uma imigrao controlada, relativamente organizada. Com isso, temos mais preciso de como e quando aconteceu. Mas a imigrao srio-libanesa no foi assim. Os srio-libaneses chegaram individualmente ou em pequenos grupos, no tinham proteo oficial, no tinham aprovao oficial e chegavam voluntariamente. Era uma postura pessoal, uma escolha pessoal, e chegavam imperceptivelmente. Portanto, os registros histricos so extremamente ralos e no temos dados muito precisos. O Senhor Ronald Mansur nos falava de seu av, que no sabe exatamente quando o av chegou, no tem dados muito precisos sobre isso, pois a famlia no conservou documentos. Isso sempre meio complicado. Porm, existem informaes bem precisas de imigrantes srio-libaneses chegando ao Estado do Esprito Santo por volta de 1880, 1882 e 1885. Como que eles viram o Estado do Esprito Santo? Como estava o Estado do Esprito Santo naquela altura? No era essa a situao que temos hoje. Como estava o Esprito Santo e como esse Estado foi visto? Trouxe um documento do ex-governador Muniz Freire, que foi uma pessoa muito importante na histria do Estado do Esprito Santo. S. Ex. foi um jovem deputado, talvez um dos mais jovens deputados da histria do Estado do Esprito Santo. No sei por que na galeria dos deputados no tem a foto desses deputados da era provincial, da era imperial, tendo em vista que eles tambm fazem parte da histria do Parlamento do Estado do Esprito Santo. certo que naquela poca ainda no tnhamos foto, mas de alguns deles temos, como, por exemplo, temos fotos de Muniz Freire. S para termos uma ideia, Muniz Freire foi deputado durante trs legislaturas, foi eleito pela primeira vez quando tinha vinte e um anos e foi um deputado extraordinrio, no s na esfera estadual, porque, depois, tambm foi eleito deputado federal; eleito governador por duas vezes, governou o Estado do Esprito Santo de 1892 a 1896 e de 1900 a 1904. Fez dois governos extraordinrios, foi o representante do Esprito Santo na Constituinte Republicana, teve uma participao extraordinria na Assembleia Constituinte. Muniz Freire Foi o autor da lei que
4 instituiu a eleio direta para Presidente da Repblica, vigente at hoje, um dos marcos da democracia brasileira; foi o autor do projeto que estabeleceu o voto secreto e a justia eleitoral. Quando deixou o Governo do Estado do Esprito Santo foi senador durante duas legislaturas e teve uma atuao extraordinria, tanto no plano nacional quanto no plano estadual. Foi Senhor Muniz Freire que pautou o Estado do Esprito Santo, que fez uma pauta desenvolvimentista para o Esprito Santo. E a forma como o Estado do Esprito Santo era visto por aqueles homens daquela poca no era nada parecido com a forma como visto hoje. Trouxe um documento, uma passagem de um discurso que Muniz Freire proferiu, justamente quando era deputado, em 1896, quando os filhos libaneses estavam chegando. Farei a leitura desse discurso na inteno de mostrar aos Senhores como o Estado do Esprito Santo era visto pelo ento Governador Muniz Freire, que um dos seus principais personagens, um dos personagens mais inteligentes pela forma como via este Estado; o homem que daria o rumo do Estado do Esprito Santo naquele momento da nossa histria. O discurso que ser lido de Muniz Freire de 1886, quando os primeiros filhos libaneses estavam chegando e, certamente, devem ter visto o Estado do Esprito Santo dessa maneira tambm. Muniz Freire disse assim: Ns somos uma pequena provncia, atrasada, despovoada, cheia de preconceitos, sem amorprprio, pobre de estmulos e de foras; entretanto, no h povo mais ordeiro nem mais hospitaleiro, no h solo mais rico nem mais delicioso. Aproveitar as grandes foras brutas desta natureza que ainda no teve lapidrios, transformar esse bloco rude em um ideal grandioso o que incumbe s correntes diretoras da opinio e dos governos, pondo em ao todos os elementos que dormem no fundo escuro do incerto e do desconhecido. Muniz Freire, 1886 Vejam s, Muniz Freire escreveu isso em 1886! Muniz Freire disse que ns ramos uma pequena provncia; pequena na extenso territorial, porque o Estado do Esprito Santo, naquela ocasio, tinha mais ou menos formalizado essa perda territorial representada em relao doao original da Capitania Hereditria. O territrio do Estado do Esprito Santo tinha mais ou menos sido reduzido a essa dimenso, com exceo daquela parte que ainda estava em litgio com o Estado da Bahia. Muniz Freire quem abre o litgio nessa parte Norte do Estado do Esprito Santo com a Bahia e isso ainda est em pauta hoje. Mas isso, uma pequena provncia, atrasada na viso de S. Ex.; atrasada, uma das mais atrasadas do Brasil; Despovoada! Esse aspecto interessante. Muniz Freire viu o Esprito Santo como uma provncia despovoada. V. S.s Sabem qual era a populao do Estado, naquela poca? Pouco mais de cento e cinquenta mil habitantes. O mesmo territrio e cento e cinquenta mil habitantes. Era uma provncia extremamente despovoada. A maior parte do territrio continuava praticamente indevassada. O Esprito Santo era uma floresta inteira. Ns, que somos ecologistas, hoje olhamos para trs com certo saudosismo. Mas a viso que aquelas pessoas tinham naquela poca no era essa. A viso que tinham era a de que foras brutas dessa natureza precisavam ser lapidadas, sob pena de o Esprito Santo no acontecer. O Estado do Esprito Santo precisava fazer alguma coisa com aquela natureza bruta. Podemos dizer hoje que fizemos mal. Talvez sim. Com certeza, fizemos alguma coisa de mal, mas aquilo era uma incontingncia implacvel que pesava sobre o Estado. O Esprito Santo precisava dominar aquilo, aquela natureza bruta; precisava lapidar aquilo, no tinha jeito. No ? Era uma situao de despovoamento insolvel. Ento, Muniz Freire se tornou grande estimulador da imigrao, que tinha comeado nos governos provinciais, com o apoio da Assembleia Legislativa, um dos acontecimentos que a historiografia capixaba tem dado pouco nfase. Venho, nos meus trabalhos, dando essa nfase, porque normalmente a imigrao para o Estado do Esprito Santo contada por essa historiografia como uma doao do Governo Imperial, do Imperador que chegou ao Brasil, em 1860. No discordo disso. Realmente, o Governo Imperial teve um papel decisivo na definio daquela poltica de imigrao para o Esprito Santo. Com certeza teve. Mas a Assembleia Legislativa do Esprito Santo e seus Deputados tiveram um papel no desprezvel na definio dessa poltica que partiu do Governo imperial, que no teria acontecido sem uma ativa interveno do Parlamento capixaba. O Parlamento capixaba teve um papel decisivo na definio de uma poltica imigrantista para o Esprito Santo, porque achava que isso era correto e que o Estado era mesmo um territrio despovoado que precisava, por isso, trazer imigrantes para c, no s estrangeiros, mas tambm nacionais. No se fazia essa excluso. A Assembleia Legislativa do Esprito Santo teve um papel extraordinrio na definio dessa poltica. Muniz Freire se empenhou to fortemente nisso. Para terem uma ideia, quando assumiu o Governo, Muniz
5 freire assinou contrato com empresas de navegao, para trazer imediatamente vinte mil imigrantes para o Esprito Santo. Essa imigrao deu problemas, um pouco mais tarde, ainda no seu Governo, porque trouxeram italianos, que chegaram pensando que a regio do Rio Doce era uma maravilha, um territrio maravilhoso, exuberantemente frtil. S que a regio do Rio Doce era extremamente selvagem ainda. No tinha praticamente nenhuma condio de receber pessoas. Ento, um grande lote de imigrantes italianos acabou indo para l sem o aconselhamento, contrariando a opinio do Governo de Muniz Freire. A chegada desses imigrantes coincidiu com a ocorrncia de uma grande enchente, que os atingiu. Logo a febre amarela atacou e um bom nmero de imigrantes morreu, pereceu na regio. Existia uma propaganda contra a imigrao para o Esprito Santo, e o Cnsul, naquela altura, aproveitou-se disso e fez um relatrio muito exagerado, na opinio de Muniz Freire. O Governo italiano acabou, por volta de 1895, 1896, bem no finalzinho do primeiro Governo de Muniz Freire, suspendendo a imigrao italiana para o Esprito Santo. Depois disso, nenhuma grande corrente imigratria organizada e oficial existiu para o Estado. Mesmo assim, para os Senhores terem uma ideia, nos quatro primeiros anos do Governo de Muniz Freire, vieram mais ou menos quinze mil imigrantes, o que significava cerca de um tero da imigrao total que veio para o Esprito Santo nos aproximadamente cinquenta anos que ela durou. Um tero dos italianos veio nesses dois ou trs anos do governo Muniz Freire. Cito esse fato para os senhores verem o esforo de S. Ex.. E bancou tudo isso com dinheiro do Estado do Esprito Santo. Aquela viso que se tinha desenvolvido a partir da Assembleia, pegou fundo, foi encarnada pela nossa representao poltica que tomou aquilo como um objetivo fundamental do Estado do Esprito Santo, de trazer a imigrao para este Estado. No vejo a historiografia reconhecer isso com muita frequncia, pelo contrrio; a imigrao normalmente atribuda a uma poltica do governo imperial e fica parecendo como se fosse algo que caiu do governo central, que fizeram uma avaliao... Mas, no foi isso. O Parlamento capixaba teve papel decisivo. O povo capixaba ainda era visto pelo Senhor Muniz Freire como um povo cheio de preconceitos. Aquela educao religiosa, deficiente, tradicional, de um povo acomodado... O capixaba era muito acomodado, como S. Ex. dizia, e sem amor-prprio. No havia identidade, autoestima. O Senhor Muniz Freire estava conclamando os capixabas a levantar a cabea, olhar para frente, para o futuro. Os senhores veem que o discurso dele um discurso de futuro: Vamos construir o Estado do Esprito Santo. Vamos melhorar a nossa identidade. Que resumo pode-se fazer? O Estado do Esprito Santo, poca em que os srio-libaneses esto chegando, era uma promessa. E os srio-libaneses fizeram essa aposta, compraram esse pacote, que no era um pacote j feito. O Estado do Esprito Santo era uma promessa. Esse Estado no era um dos mais desenvolvidos da Federao, mas uma natureza bruta. E os srio-libaneses compraram essa promessa. Fizeram essa aposta. Isso no dizer pouco da imigrao srio-libanesa. E com um detalhe: eles no vieram para trabalhar na agricultura. No que no fossem agricultores ou no conhecessem a agricultura. que os srio-libaneses faziam uma avaliao muito inteligente de que uma das grandes carncias do Brasil - e do Estado do Esprito Santo, em particular - era justamente o comrcio. Eles percebiam que esse territrio selvagem, sem estrada, sem abastecimento, sem cobertura nenhuma, com aquela populao imigrante que estava chegando e se espalhando, era um espao extraordinrio para sua atuao no campo comercial. Isso prometia, tinha futuro. E no era fcil imaginar isso. Era uma promessa e precisava ter muita coragem para fazer essa aposta. Para ir do Municpio de Vitria ao de Santa Isabel, tinha-se que atravessar uma mata perigosa, cheia de cobra, de ona, de salteadores. No era brincadeira ser um mascate no Estado do Esprito Santo e fazer o percurso dessas colnias espalhadas pelo interior. Os imigrantes que aqui chegavam faziam uma aposta pesada no Estado do Esprito Santo. por isso que eles viraram capixabas, porque apostaram pesado nesse Estado. E era uma avalio inteligente que faziam. O Senhor Muniz Freire era um visionrio, um poltico visionrio. Mas os imigrantes srio-libaneses no eram visionrios. Pelo contrrio, eram homens bem pragmticos que fizeram essa aposta no Estado do Esprito Santo avaliando as condies deste Estado: no, isso h condies de acontecer! Isso pode acontecer, vamos ficar nesse Estado mesmo. Ento, havia alternativas. O Estado de So Paulo, na mesma poca, estava explodindo. A Amaznia, outro grande centro de atrao dos srio-libaneses, estava explodindo com o ciclo da borracha. Milhares de srio-libaneses estavam indo para a Amaznia. O prprio Estado do Rio de Janeiro crescia muito e ali se formou uma grande colnia que deu origem Saara. Havia alternativas. Os srio-libaneses apostaram no Estado do Esprito Santo porque fizeram uma avaliao inteligente, prospectiva do futuro deste Estado. E fizeram essa aposta: vamos ficar no Estado do Esprito Santo, vamos construir esse lugar. E por isso se tornaram capixabas e no foram embora desse lugar. Sim, porque o trnsito era grande tambm. Citei os srio-libaneses que foram para a Amaznia, com o ciclo da borracha. E muito se enriqueceram. Mas, quando a borracha caiu, caram fora da Amaznia. Abandonaram a Amaznia. Muitos foram para So Paulo, a maioria. Mas quanto aos srio-libaneses que vieram para o Esprito Santo, a maioria ficou aqui. Espalharam-se, foram para essas vilas pequenas, que estavam todas nascendo... Quando estava chegando a esta Casa me encontrei com o Senhor Mansur, que falou: Ah, Professor, estou
6 com uma cpia que me entregou de um texto do Instituto Histrico, uma entrevista de um dos primeiros sriolibaneses que vieram para o Esprito Santo. Trata-se de um homem chamado Pedro Jos Aboudib, que deixou descendncia, vocs devem conhecer os Aboudib. O Senhor Pedro Jos Aboudib foi um dos primeiros a chegar ao Esprito Santo, em 1889, poca da Proclamao da Repblica, que se deu em 15 de novembro. Foi um dos primeiros a chegar ao Esprito Santo; tinha quatorze ou quinze anos na poca. Chegou praticamente sozinho. Estabeleceu-se, mascateou durante algum tempo, o que era tradicional, percebeu que Guarapari tinha jeito e apostou em Guarapari. L se estabeleceu e logo se casou com uma moa da terra e montou um comrcio que prosperou, mas acabou se envolvendo com um problema que era quase inevitvel quela altura: um problema poltico. Acabou se envolvendo na poltica local justo no momento que em Guarapari estava levantando o problema das areias monazticas. No sei se vocs j ouviram falar deste tema na histria do Esprito Santo, mas as areias monazticas foram um sonho dos capixabas. Em um dado momento chegamos a achar que iramos enriquecer com a explorao das areias monazticas. Isso atraiu o interesse de muita gente. Veio para o Estado a famlia Borges, que se estabeleceu em Guarapari nessa poca e se tornou uma famlia importante, que acabou entrando em atrito com o Senhor Pedro Jos Aboudib. O Senhor Aboudib comprou essa briga e acabou se dando mal, sendo forado a se trasladar para Anchieta. L abriu seu negcio e prosperou, tendo se tornado um grande comerciante de caf. Acabou se enveredando tambm pelo caf e trazendo parentes e amigos srio-libaneses para c. J em Aracruz, um homem chamado Aristides Guaran tinha feito uma experincia muito interessante. No sei se vocs j ouviram falar dele, que era um militar sergipano que tinha lutado na Guerra do Paraguai, quando perdeu um brao. At hoje no descobri porque veio ao Esprito Santo depois da guerra. Veio para este Estado j como Coronel do Exrcito. Tinha formao tcnica de engenheiro e era tambm um aventureiro. O nome da localidade Guaran em homenagem a S. S. e no ao refrigerante. O Senhor Guaran comprou boa parte daquelas terras de Aracruz e l montou a primeira usina de acar do Esprito Santo. Comprou um maquinrio moderno no Rio de Janeiro, trouxe para este Estado, montou um empreendimento extraordinrio quela altura e tocou esse negcio por algum tempo. O Senhor Guaran foi, inclusive, Deputado, por mais de uma legislatura, e foi um Deputado brilhante, diga-se de passagem. Mas, o negcio acabou no dando certo e o Senhor Pedro Jos Aboudib, de Anchieta, depois de algum tempo, comprou o maquinrio do Senhor Guaran, levou para Jabaquara, concertou tudo, instalou ali uma grande usina de acar e fez funcionar. E fez uma estrada de ferro de Jabaquara at Anchieta, com trinta e seis quilmetros. D para imaginar? Na dcada de 20, o sujeito fazer um empreendimento desses, uma usina de acar. O Estado do Esprito Santo no tinha mo de obra e trouxe nordestinos e parentes. No tinha acar, no tinha cana para fazer acar. No tinha mo de obra. O Senhor Aboudib tocou esse negcio, e d para os senhores imaginarem a trajetria desse sujeito que chegou neste Estado com quatorze anos e acabou bancando um empreendimento dessa natureza. Veja que esprito de empreendedor. Hoje usamos essa expresso: empreendedorismo. Este um exemplo de empreendedorismo. O Senhor Mansur me entregou a entrevista e qual foi a tese que defendi? Foi que os srio-libaneses apostaram no Estado do Esprito Santo quando ele ainda era nada. Estou dando o exemplo do Senhor Pedro Aboudib. Mas se vocs me perguntarem: o que ele tem haver com o Senhor Muniz Freire? Lerei a passagem e com ela acabarei. Disse S. S. no seu depoimento: Data da minha carreira poltica pois, a contragosto, fui eleito vereador municipal para o perodo de quatro anos. Reeleito para o perodo de 1900-1904, falou-me o Coronel Domingos Lima que eu deveria ser eleito Presidente da Cmara, de acordo com o desejo dos demais vereadores. Respondi-lhe categoricamente que no aceitaria essa investidura, pois no me sentia bem presidindo uma assemblia de brasileiros natos. (...) Alis, recomendo a leitura. O texto facilmente acessvel. Est numa revista dos estudos histricos e facilmente acessvel a entrevista do Senhor Pedro Jos Aboudib, um dos primeiros srio-libaneses, e um extraordinrio srio-libans, que se estabeleceu no Estado do Esprito Santo. (...) Alm disso, esse fato daria motivo explorao poltica da oposio, visando-o, como tambm ao chefe do partido Construtor, o preclaro presidente Moniz Freire. Recusando-se o Coronel Domingos Lima a aceitar minha sugesto, fui Vitria sem dizer-lhe a verdadeira finalidade da viagem. Em minha costumeira visita ao Presidente (...) Presidente como ele chamava o Governador naquela altura. Ainda era chamado de Presidente. (...) narrei-lhe o fato, pedindo-lhe que escrevesse ao velho coronel, dissuadindo-o de sua pretenso. Pousando uma das mos em meu ombro, disse-me Dr. Moniz: - Voc cada vez mais se eleva em meu conceito. O Domingos quer e eu tambm quero. E assim fui eleito presidente da Cmara.
7 Desde meu primeiro encontro com o Dr. Moniz Freire e consequente filiao ao partido Construtor, dediquei o mximo de meu esforo a essa causa que, para mim, se tornou sagrada dada a grande estima e admirao que me inspiravam as atitudes do grande esprito-santense.(...) Essa confisso, para mim, o que? a prova de que o Senhor Aboudib comprou o projeto visionrio do Senhor Muniz Freire, tornou-se amigo figadal, vamos dizer assim. E foi amigo de S. S. at ao ltimo momento da vida dele. Foi um dos ltimos amigos do Senhor Muniz Freire, que morreu, como vocs sabem, em grande descrdito poltico, mas no do seu amigo Pedro Jos Aboudib. At a ltima hora da morte do Senhor Muniz Freire, o Senhor Aboudib estava do lado de S. S. e sabia que era um amigo do corao, que essa amizade era profunda. Penso que tenho demonstrado a minha tese de que os srio-libaneses compraram a ideia do Estado do Esprito Santo, a ideia de construir este Estado, quando este Estado estava longe de ser um dos Estados mais evoludos da Federao. Concluo com essa frase: s podemos concluir, ento, que a participao dos srio-libaneses, na histria do Estado do Esprito Santo, ajudou a transformar este Estado desse quase nada que ele era, num desses grandes Estados que ele hoje. Estou certo ou no estou? Ou estou contando bravata sobre os srio-libaneses? O que vocs acham? (Muito bem!) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Neste momento far uso da palavra o Senhor Constanteen Helal, que est representando a Colnia Srio-Libanesa no Estado do Esprito Santo. O SR. CONSTANTEEN HELAL (Sem reviso do orador) - Senhora Presidenta Luzia Toledo, a quem agradeo a honra de participar desta Mesa ao lado do meu querido e eminente ex-Governador do Estado do Esprito Santo, Senhor Vitor Buaiz, para quem peo uma salva de palmas a todos. (Palmas) Foi um grande Governador. Senhora Presidenta Luzia Toledo, s tenho a agradecer a V. Ex. por esse honroso convite para homenagear a Colnia Srio-Libanesa, na pessoa do Doutor Luiz Buaiz, meu companheiro de Santa Casa. Fui o primeiro provedor da Santa Casa, quem a tirou da dificuldade. Quando assumi, em 1959, a Santa Casa estava na hora de fechar as portas, falida, devendo vinte milhes. Recebi, ento, uma comitiva de mdicos da Santa Casa, em minha loja, no dia 19 de dezembro de 1959, pedindo para eu assumir a provedoria da Santa Casa. Na ocasio, disse ao Doutor Evandro, de saudosa memria: Olha a loja como est? Como vou sair daqui? Ele me respondeu: Ou voc vai ou a Santa Casa fecha! Fiquei l durante quinze anos, paguei os vinte milhes que a Santa Casa devia e fundei a Emescam, em 1967. Hoje, uma universidade de que muito me orgulho, como tambm dizem orgulharem-se meus companheiros. Quero homenagear, neste momento, a famlia do Doutor Luiz Buaiz, o Senhor Alexandre Buaiz e demais membros. Transmito-lhe meus votos de pronto restabelecimento de sade, pois o prezo muito, e sua vida muito importante para ns. Doutor Luiz Buaiz, nesta hora em que a Senhora Presidenta Luzia Toledo homenageia o senhor, quero dedicar-lhe minha adaptao dos Salmos 1: Bem aventurado sois vs, Luiz Buaiz, que medita na Lei do Senhor dia e noite, que no anda na roda dos escarnecedores, nem dos malfeitores. Seu prazer est na Lei do Senhor, e na Lei Dele voc medita dia e noite. Voc como uma rvore plantada junto aos ribeiros dgua, que d seus frutos em tempo prprio, cujas folhas no murcham, e tudo quanto voc fizer prosperar. Deus o abenoe, Doutor Luiz Buaiz. Deus abenoe a famlia Buaiz, Deus abenoe esta Assembleia Legislativa, Deus abenoe a Senhora Presidenta Luzia Toledo. (Muito bem!) A SR. CERIMONIALISTA (ESPERANA ALLEMAND) Neste momento, far uso da palavra o ex-Governador do Estado do Esprito Santo, Senhor Vtor Buaiz. O SR. VITOR BUAIZ (Sem reviso do orador) - Cumprimento os componentes desta Mesa, primeiramente, a Senhora Presidenta Luzia Toledo, que mais uma vez acolhe a comunidade Srio-Libanesa para celebrar esta data magna do Lbano: 69 Anos da sua independncia. Depois de ter passado por ocupaes de vrios povos, muitos deles brbaros, de ter passado por guerras mais recentes, entretanto, seu povo conseguiu reconstruir o Lbano. Neste momento em que estamos vendo com grande preocupao a guerra civil que existe na Sria, em que milhares de pessoas so feridas ou mortas, a comunidade internacional no consegue interferir para que haja uma trgua, e que o atual presidente da Sria reconhea o equvoco que est cometendo com esta guerra entre irmos. Esta Assembleia Legislativa sempre acolheu os povos que imigraram para o Estado do Esprito Santo. O professor da universidade e acaba de nos oferecer uma aula de histria. Muitos de ns capixabas, aqui nascidos, no conhecamos. Precisamos estudar um pouco mais a histria do Esprito Santo porque essa perda da autoestima que Muniz Freire j diagnosticava no passado, at recentemente temos trabalhado incessantemente para criar a
8 identidade capixaba. Talvez seja porque tenhamos no Estado a maior diversidade tnica. Todas as etnias esto representadas no Esprito Santo, cada um trabalhando na sua rea de preferncia. Os srio-libaneses vieram para ocupar o comrcio. At recentemente, antes de a cidade crescer tanto, tnhamos um comrcio muito ativo e saudvel na Rua Jernimo Monteiro, na rua do comrcio, indo at a Vila Rubim. Os libaneses viviam como se estivessem na sua prpria terra. O Senhor Constanteen Helal uma testemunha ocular dessa histria. A famlia Helal at hoje continua no comrcio. Essa contribuio que a comunidade libanesa deu ao Esprito Santo, certamente responsvel pelo nosso crescimento econmico e pelas nossas relaes internacionais. Hoje, o comrcio externo uma das nossas maiores vocaes. A nossa Mata Atlntica infelizmente foi destruda para colocar em seu lugar o caf. A agricultura tambm uma vocao no nosso Estado. Somos um dos maiores produtores e exportadores brasileiros. A nossa raa esteve presente para dar o testemunho de que essa terra bem o acolhe; um povo que tem uma hospitalidade que invejada por outros estados brasileiros. Demos essa contribuio. Estamos diante da bandeira do Lbano, onde o smbolo maior o cedro. Diz o historiador que o cedro uma das rvores mais imponentes do mundo. J tomou grande parte do territrio do Oriente Mdio. Hoje, o Lbano est limitado a doze reservas, aproximadamente mil e setecentos hectares. O que so mil e setecentos hectares? Se formos fazer um comparativo, a reserva da Vale tem vinte e dois mil hectares. A destruio foi muito grande. Bem longe dos oitenta e um mil hectares que havia no Lbano. Comparando com o Esprito Santo, o litoral do Lbano tem duzentos quilmetros; o nosso Estado tem mais que o dobro: quatrocentos e dez quilmetros de litoral. O poema pico sumrio de Gilgamesh, de dois mil e quinhentos anos antes de Cristo, fala que a sombra do cedro boa, plena de delcias. O Antigo Testamento faz inmeras referncias a ele: Florescero os justos e levarse-o como o cedro do Lbano. Nos trs primeiros anos de vida alcana cinco centmetros de altura, mas possui um metro e meio de razes, ou seja, sua base firme e forte. Cresce uma mdia de vinte centmetros por ano, chegando a quarenta metros de altura. Vive centenas de anos. No depende tanto das condies extremas, climticas. Suas razes buscam gua nos lenis freticos. O cedro resiste gua e ao vento. Sua casca servia para aliviar dor de dente. Sua seiva tinha outros fins medicinais. Acredita-se que era utilizada na preservao das mmias do Egito. Retratado em sua bandeira, o cedro tornou-se o smbolo do Lbano e da capacidade humana de superar as dificuldades. O cedro representa a fortaleza do povo libans, de enfrentar dificuldades e as guerras que destruram grande parte do seu territrio, que emigrou para outros pases, principalmente para o Brasil. Populao do Lbano: trs milhes e meio de habitantes, emigraram dez milhes, sendo que sete milhes se encontram no Brasil que cresce. So Paulo, a base da imigrao Libanesa, tem tido uma contribuio to grande para o seu desenvolvimento que at os brasileiros invejam essa deciso dos libaneses de virem para c. Uma palavra do salmista: Cairo mil ao nosso lado e dez mil nossa direita..., mas ns no cairemos porque temos razes profundas. Quero projetar a sabedoria do nosso poeta maior Gibran Kahlil Gibran, nasceu em 1883 e morreu em 1931. Levou toda essa cultura libanesa do Oriente Mdio para os Estados Unidos, onde acabou falecendo. Mas se firmou como liderana na literatura, na poesia, nas artes porque tambm era pintor. Sua fama e influncia se derramaram por todo o mundo, suas reflexes e poesias foram traduzidas para mais de vinte idiomas. Seus desenhos e pinturas so expostos em grandes cidades do mundo inteiro. Lbano quer dizer branco, representando as montanhas nevadas daquele Pas. Dizem que, em certa ocasio, uma mulher que levava uma criana nos braos props a Gibran: Mestre, falemos dos filhos. E ele respondeu: seus filhos no so seus filhos, so os filhos e as filhas dos desejos que a vida tem de si mesma. Vem atravs de vocs, mas no so de vocs. E ainda que vivam com vocs, no lhes pertencem - isso porque a famlia libanesa muito unida, os pais querem segurar os filhos. Podem dar-lhes seu amor, mas no seus pensamentos porque eles tm seus prprios pensamentos. Podem abrigar seus corpos, mas no suas almas porque suas almas moram na casa do amanh e nem mesmo em sonhos lhes ser permitido visitar. Podem empenhar-se para ser como eles, mas no tentem fazer como vocs fizeram, porque a vida no anda para trs, nem se detm no ontem.
9 Vocs so o arco por meio do qual seus filhos so disparados como flechas vivas. O arqueiro v o alvo sobre o caminho do infinito e dobra o arco com toda a fora, a fim de que suas flechas partam velozes e para muito longe. Que o fato de estarem nas mos do arqueiro seja para suas felicidades, porque, assim como ele ama a flecha que dispara, ama tambm o arco que permanece firme. Por isto vocs tiveram a liberdade de amar e a oportunidade de viver e fazerem suas vidas. Deixem que seus filhos voem ss de seus ninhos para outros mundos. Eles os querero para sempre e tero tambm seus lares, nos quais, algum dia, ficaro ss, porm tero sido seus lares e seus filhos. Amem-nos com liberdade, no apaguem o fogo de suas vidas. Vivam e deixem viver, assim eles os querero sempre. Gibran Kahlil Gibran Esta a mensagem que gostaria de trazer a esta Casa. Finalizo, dizendo para o meu amigo, Senhor Cilmar Francischetto, que cada registro de entrada de imigrante feito pelo Arquivo Pblico Estadual toca perto do nosso corao, o carinho, a hospitalidade e o acolhimento do Esprito Santo. Seremos eternamente agradecidos ao trabalho que o senhor desenvolveu com sua equipe no arquivo pblico. Nos prximos anos queremos distribuir e homenagear todas as famlias que esto no Esprito Santo. Temos uma lista de quase quinhentas famlias libanesas, srias, que esto dando sua contribuio. Os pais partiram, mas seus filhos ficaram. Muito obrigado Assembleia Legislativa pelo acolhimento. A SR.a CERIMONIALISTA - (ESPERANA ALLEMAND) Convido para fazer uso da palavra a Senhora Deputada Luzia Toledo, para as consideraes finais. A SR.a PRESIDENTA (LUZIA TOLEDO) Parabenizamos, com certeza, o nosso palestrante que, pelo que percebemos, se deixssemos, iria noite adentro porque conhecimento no lhe falta. Agradecemos ao Professor Estilaque Ferreira, da Ufes, que nos deu uma aula, conforme disse nosso ex-governador, Senhor Vitor Buaiz. Como citamos anteriormente, que o Tonico, Senhor Antnio Carlos Sessa Neto, tem tudo, j nos trouxe a memria do Senador Muniz Freire. Jos de Melo Carvalho Muniz Freire nasceu em 13 de julho de 1861 e era natural de Vitria. Ele era advogado, jornalista e foi deputado provincial, foi vereador, deputado provincial novamente, governador, governador outra vez, senador, senador outra vez. Terminou o ltimo mandato em 1914 como senador. Ento, parabenizamos o Tonico que rapidamente nos trouxe essas notas. O SR. ESTILAQUE FERREIRA- Existe tambm uma biografia de Muniz Freire, de minha autoria, uma obra de seiscentas pginas que espero que vocs conheam e leiam. Alis, Senhora Deputada, quero lembrar tambm o seguinte: no ano passado tambm publiquei uma obra, que vale a pena mencionar, sobre o empresrio Amrico Buaiz, que faz parte dessa mesma coleo dos grandes nomes da memria do desenvolvimento do Esprito Santo. Passo, neste momento, s mos do Senhor Vitor Buaiz um exemplar. A SR.a PRESIDENTA (LUZIA TOLEDO) Parabenizamos nosso professor, nosso palestrante e dizer para S.S. que temos muito o que conversar porque deve saber muito da Rota Imperial. E como historiador, vou precisar do seu conhecimento, com certeza. O nosso amigo, Ronald Mansur, trouxe-nos um texto que lerei neste momento. Libaneses e Descentes: A Independncia. O dia 22 de novembro marcado como a data da Independncia do Lbano, mas apernas do ponto de vista formal. Na realidade a alma da coletividade libanesa sempre foi independente e livre. Quando ocupados por foras estrangeiras nossos antepassados sofreram e foram humilhados. Milhares e milhares de homens e mulheres saram de suas aldeias no Lbano e foram para todas as partes do mundo. O Brasil o pas que mais libaneses e libanesas recebeu. A natural facilidade no tratar as pessoas
10 e comunidades sempre foi uma caracterstica da nossa cultura e de nossa formao. Aqui os nossos brimos e brimas sempre mostraram gratido pelo acolhimento. A nossa participao na vida brasileira como um todo o indicador maior de nossa integrao. Os nossos brimos e brimas com suas mercadorias percorreram todo Brasil fazendo o trabalho do mascate, indo em busca dos seus clientes. Os conflitos na comunidade rabe no Oriente sempre causaram problemas oriundos de questes polticas, ideolgicas, econmicas e religiosas. No nosso caso a questo religiosa tem um peso maior. Mas temos de lutar para que as intolerncias sejam superadas. Lbano, minha alma veio de l. Ronald Mansur. Que bonito! Parabns, Senhor Ronald Mansur. Que bom que trouxe esse texto para que pudssemos encerrar esta sesso especial, falando com a alma, com o corao. muito bonito quem preserva, realmente, a histria. Finalizaremos a sesso agradecendo a todos, ao ex-governador Vitor Buaiz. Na verdade, essa sesso especial, hoje, foi em homenagem famlia Buaiz, porque homenageamos o Senhor Luiz Buaiz. Inclusive, compareceu a esta Casa de Leis o nosso amigo Alexandre Buaiz Neto e o Alexandre Buaiz Sobrinho, que filho do saudoso Doutor Amrico Buaiz. Agradecemos tambm ao Senhor Cilmar Francischetto. Pensvamos que o nosso ex-governador falaria sobre esse assunto. Mas queremos dizer para o povo, para os telespectadores, para a sociedade capixaba e para os srio-libaneses que esto assistindo a esta sesso especial em que estamos discutindo a cultura srio-libanesa, que o Senhor Cilmar Francischetto tem muito a nos falar. Inclusive, agradecemos pelo trabalho que realiza no Arquivo Pblico do Estado. Como disse o historiador Joo Eurpedes Franklin Leal, o nosso Arquivo Pblico um dos melhores do Brasil. E o Senhor Cilmar Francischetto faz seu trabalho com muito amor, muita determinao, muita obstinao. Quem realmente for da famlia srio-libanesa e quiser receber a certificao da sua famlia, os imigrantes, naturalmente, faam. Por exemplo, Senhor Vitor Buaiz, nosso ex-governador, recebeu a histria do pai, Senhor Jos Salim Buaiz. Na certificao traz toda a histria. um trabalho fantstico. Consta a idade com que chegou ao Estado, a profisso, sempre comerciante, o casamento, com quem se casou, onde se casou. Ele se casou em Recife, no Estado de Pernambuco. Pas, Lbano; regio, Beirute; provncia, Municpio Beirute. O dia em que embarcou, o dia em que chegou ao Estado do Esprito Santo, porto, que era via fluvial, pelo qual entrou em Vitria, Estado do Esprito Santo, colnia, municpio. um trabalho maravilhoso e vocs, que so descendentes de srio-libaneses, podem procurar pela famlia, porque sair a histria dos seus antecedentes, dos seus avs, como o Senhor Srgio Aboudib, que se tivesse presente, teria ouvido a histria de seu av, contada pelo nosso historiador Senhor Estilaque Ferreira. Emocionamo-nos muito com histria. No conseguimos viver sem buscar nossas razes. Achamos muito difcil. Portanto, o Senhor Srgio Aboudib, com certeza, se estivesse presente, ficaria feliz de ouvir a histria do seu av, o Senhor Pedro Jos Aboudib, que chegou ao Estado com quatorze anos de idade com essa determinao toda. Ano passado a famlia recebeu a homenagem e o Senhor Srgio Aboudib colocou em um quadro. Poderamos ficar falando muito tempo, mas precisamos ir embora. Agradecemos a todos que vieram, ao nosso Cerimonial em nome da Senhora Esperana Allemand e ao Senhor Srgio Sarkis Filho, que tambm descendente. Agradecemos ao pessoal do som, que ficam l atrs sem ningum ver, mas tomam conta de tudo. Agradecemos, tambm, aos nossos cinegrafistas, com muito carinho; aos jornalistas; aos nossos taqugrafos; nossos seguranas; ao garom; ao Senhor Antnio Carlos Sessa Neto, o Tonico, nosso fotgrafo; enfim, a todos. Foi uma sesso especial demorada, mas temos certeza de que foi uma das sesses que passaram mais informaes, e isso muito importante. Mesmo que tenha sido demorada, historiador no fala pouco, exgovernador tambm no. Ns, como poltica, menos ainda. Quem falou menos foi, exatamente, essa figura fantstica que no podemos deixar de convidar, o Senhor Constanteen Helal. Desejamos que S. S. venha sempre a todos os nossos eventos, sempre com esse humor maravilhoso. Encerraremos e agradecemos mais uma vez ao nosso ex-governador, Senhor Vitor Buaiz, que se empenhou com tanto carinho, e a Senhora Nelzely Gonalves Lima Sperandio, coitada; por ns ela j estaria em casa, pois no est bem de sade, mas quis ficar at o final. Muito obrigado pelo esforo e obrigado a todos meus companheiros de trabalho. Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente sesso. Antes, porm, convoco os Senhores Deputados para a prxima, ordinria, dia 27 de novembro de 2012, para a qual designo EXPEDIENTE: O que ocorrer.
11 ORDEM DO DIA: anunciada na centsima dcima terceira sesso ordinria, realizada dia 26 de novembro de 2012. Est encerrada a sesso. *Encerra-se a sesso s vinte e uma horas e dois minutos.