Corrosão e Conservação de Estátuas de Liga de Cobre

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N.

3 (2008)

CORROSO E CONSERVAO DE ESTTUAS DE LIGA DE COBRE


I. Rute Fontinha(1) e M. Manuela Salta(1)(*)
Artigo submetido em Maio de 2008 e aceite em Junho de 2008

RESUMO
As esculturas de exterior em liga de cobre, sem a aplicao de medidas de proteco, podem mostrar acelerao da degradao devido corroso, agravada pelo aumento da poluio atmosfrica associado ao desenvolvimento industrial e social do ltimo sculo. Da corroso resulta a alterao cromtica da superfcie das esttuas, com a formao de patinas de cor verde e preta, cujas caractersticas definem nveis de risco de degradao e, consequentemente, o tipo de interveno a que a escultura dever ser submetida para a sua conservao. Neste artigo abordam-se os processos de corroso mais comuns em esttuas de ligas de cobre expostas no exterior e descreve-se a formao, composio e estrutura das patinas resultantes dessa corroso. Referem-se ainda alguns aspectos sobre a conservao deste tipo de obras de arte. Palavras Chave: Corroso Atmosfrica, Esttuas, Ligas de Cobre, Patinas, Conservao

CORROSION AND CONSERVATION OF COPPER ALLOY STATUES


ABSTRACT
Copper alloy sculptures subjected to the atmospheric exposure without appropriate corrosion protective measures show accelerated degradation due to corrosion, enhanced by the rise in atmospheric pollution resulting from industrial and social development of the last century. Corrosion causes chromatic changes on surface with formation of black and green patinas, whose characteristics define levels of risk of degradation, therefore the type of conservation needed for its preservation. In this paper the atmospheric corrosion process of copper alloy statues is focused, describing patinas formation, constitution and structure. Additionally, some aspects related with conservation of this type of monument are referred. Keywords: Atmospheric Corrosion, Copper Alloy, Sculptures, Patinas, Conservation

1. INTRODUO
As ligas de cobre, principalmente os bronzes (liga de cobre e estanho) e os lates (liga de cobre e zinco), tm sido usadas desde a antiguidade no fabrico de esculturas e de outros elementos arquitectnicos, devido sua boa resistncia corroso. Apesar disso, a exposio no exterior de esculturas de liga de cobre, sem adequadas medidas de proteco contra a corroso, conduz progressivamente sua degradao, a qual, apesar de ocorrer duma forma lenta e atingir apenas uma camada muito superficial do metal, pode conduzir a significativas alteraes de cor, forma e textura das esculturas, produzindo variaes essenciais na percepo das suas formas, destruindo progressivamente a expresso artstica atribuda pelo seu escultor. Adicionalmente, o aumento da poluio atmosfrica, associada ao desenvolvimento industrial e social do ltimo sculo, veio acelerar os problemas de corroso nas esculturas e outros monumentos metlicos de liga de cobre. Considerando que a estas obras de arte esto normalmente associados valores histricos e culturais das sociedades, urge preserv-los para que perdurem ao longo das geraes. O primeiro sinal visvel da ocorrncia de processos de corroso mais acelerada nas esculturas em ligas de cobre a alterao cromtica do seu aspecto superficial em resultado da formao de patinas (camadas de produtos de corroso) de cor verde e preta. Esta alterao cromtica, alm de introduzir distores na plstica da escultura,
(1) (*)

produzindo efeitos de luz e sombra esteticamente indesejveis, est associada a diferentes nveis de risco de degradao. necessrio proceder a um estudo detalhado do estado de corroso da esttua de modo a conhecer a natureza e a intensidade da degradao existente e, com base nestes elementos, definir qual o tipo de interveno a que a escultura dever ser submetida, de modo a assegurar a sua conservao. Neste artigo abordam-se os processos de corroso mais comuns que se podem observar em esttuas de ligas de cobre expostas no exterior e descreve-se a formao, composio e estrutura das patinas resultantes dessa corroso, ilustrando-os com exemplos retirados de esttuas das cidades de Lisboa e do Porto com tempos de exposio no exterior que vo desde os 30 aos 220 anos que foram estudadas pelo Laboratrio Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Referem-se tambm alguns aspectos crticos da conservao deste tipo de monumentos.

2. CORROSO DE ESTTUAS DE LIGAS DE COBRE


A principal causa da degradao dos monumentos em ligas de cobre localizados no exterior a corroso. Para que este processo ocorra necessrio a formao de uma pelcula de gua sobre o metal (como a que resulta da condensao de humidade ou da ocorrncia de chuva). Esta pelcula conter vrias espcies dissolvidas (sais, anies, caties), dependendo do tipo de poluentes

Laboratrio Nacional de Engenharia Civil, Av. do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa A quem a correspondncia deve ser dirigida, e-mail: [email protected]

-87-

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

gasosos existentes e do tipo de partculas em suspenso na atmosfera. Assim, a ocorrncia e intensidade da corroso vai depender no s da natureza da liga (composio, microestrutura, rugosidade), como tambm da agressividade atmosfrica, para a qual contribuem factores climticos, a concentrao e o tipo de elementos poluentes gasosos atmosfricos e o teor e a composio das partculas em suspenso na atmosfera. Estes factores determinam o tipo e a extenso dos produtos de corroso formados, os quais por sua vez influenciam a velocidade a que se processa a corroso ao longo do tempo. Se estes produtos originarem a formao de camadas contnuas de compostos estveis e aderentes, estas conferem proteco liga, reduzindo a velocidade da corroso ao longo do tempo [1-2]. No caso das ligas de cobre, o seu bom desempenho que em geral se verifica em exposio atmosfrica, resulta da capacidade destas ligas ao se corroerem, formarem sua superfcie uma camada de produtos de corroso (patina) protectores constituda por xidos de cobre e em alguns casos carbonatos bsicos. Contudo, em ambientes urbanos ou industriais, e nos ambientes martimos, formam-se tambm outros compostos como sulfatos e cloretos de cobre, mais solveis e menos aderentes, que so menos protectores da corroso ou at podendo ser promotores da sua acelerao [1-2]. Uma outra causa frequente de degradao das esttuas metlicas deve-se ainda existncia, nalguns casos, de contacto entre metais diferentes, podendo ocorrer corroso galvnica do metal menos nobre. Isto acontece frequentemente quando o ao usado em elementos de reforo estrutural das esttuas de bronze, ou na ligao interior das diferentes chapas que constituem a esttua ou ainda como pequenos artefactos de adorno, sendo por vezes necessrio recorrer substituio destes elementos por se encontrarem em estado de corroso avanado, dado que o ferro menos nobre que o cobre e, portanto, corroer-se- preferencialmente. Os fenmenos de corroso galvnica tambm podem ocorrer em esttuas revestidas com uma pelcula de ouro, quando esta pelcula se comea a deteriorar, e neste caso, como o cobre menos nobre que o ouro, ele que sofre corroso acelerada [3]. Devido corroso ou em consequncia de deficincias no projecto e/ou na construo das esttuas podem ainda surgir fenmenos de fadiga do material, acelerados ou no pela corroso atmosfrica da liga, que iro ocasionar danos de natureza estrutural que podem colocar em risco a esttua mesmo que esta no se apresente muito corroda.

2.1 Formao e estrutura das patinas


A alterao da superfcie inicialmente brilhante das ligas de cobre quando expostas atmosfera comea por um rpido escurecimento com a formao de uma camada de xidos de cobre de tom castanho avermelhado, que ao longo do tempo se ir tornando gradualmente mais escura at atingir a cor preta, devido acumulao dos xidos e deposio de sujidade e poeiras em suspenso na atmosfera. Esta patina muito homognea e aderente, tem caractersticas protectoras e manter-se- durante muitos anos se o ambiente no for poludo. Ao fim de algum tempo a superfcie das esculturas em ligas de cobre, expostas em atmosferas hmidas poludas (onde esto presentes agentes agressivos atmosfricos, como os gases poluentes do tipo SOx (atmosferas urbanas e industriais) e os ies cloreto (nas atmosferas martimas)), sofrer alteraes em resultado da reaco dos compostos existentes na patina com estes agentes agressivos, em que se formam principalmente sulfatos e/ou cloretos de cobre, dando origem ao aparecimento de patinas de cor verde nas zonas da escultura onde mais fcil o acesso dos agentes agressivos. No complexo processo de formao das patinas est, em geral, envolvida a perda global de apenas algumas dezenas de micrmetros de metal em cada 100 anos de exposio. Embora estes valores paream pouco significativos para a perda de resistncia do metal, podem significar uma elevada perda dos traos artsticos numa escultura. De um modo geral, as patinas so inicialmente constitudas por uma camada fina de xidos castanho-avermelhados e evoluem para uma mistura de patinas pretas e verdes com tendncia para uma progressiva expanso desta ltima, sendo a rea coberta com patina verde tanto maior quanto mais antiga for a escultura e/ou mais poluda for a atmosfera. Nenhuma das fases reversvel, nem o metal perdido na formao das patinas pode ser reposto. Na mesma escultura, possvel a ocorrncia das diferentes fases em superfcies com diferentes tipos de exposio. As vrias fases do desenvolvimento das patinas naturais das ligas de cobre em ambiente atmosfrico podem ser esquematizadas de acordo com a Fig. 1. O maior perigo de perda de metal ocorre com o aparecimento das patinas verdes (fases a , Fig. 1). No caso extremo de um ambiente martimo de elevada salinidade a formao de patina verde pode dar-se de uma forma generalizada desde o incio da exposio.

Fig. 1 Fases do desenvolvimento das patinas naturais nas ligas de cobre em ambientes urbanos (Adaptado de [4]). -88-

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Em geral, quanto menor for o tempo de exposio, maior ser a rea coberta com patina preta em relao rea coberta com patina verde e ambas as patinas sero mais finas e aderentes Quanto mais antiga for a esttua e mais

poludo o ambiente, mais extensas sero as zonas cobertas com patina verde, que ser tambm mais espessa e menos aderente, principalmente quando se localiza nas superfcies verticais.

Fig. 2 Superfcie acastanhada brilhante. (Fase - , Fig. 1)[4].

b)

a)

c)

Fig. 3 a) Superfcies pretas e verdes. (Fase , Fig.1). [5] b) e c) Pormenores de uma superfcie verde (Fase - Fig. 1). As patinas pretas, apresentam por vezes um tom mais acastanhado e outras um tom ligeiramente esverdeado. So constitudas principalmente por cuprite (xido de cobre), produtos de deposio externa e podem ainda conter alguns cloretos bsicos de cobre. Frequentemente observa-se a presena de uma subcamada alaranjada, essencialmente de cuprite (Fig. 4), que protectora da corroso. A cor escura da camada exterior devida deposio e acumulao de partculas de sujidade sobre a cuprite, e o tom esverdeado resulta da mistura desta com os cloretos. Este tipo de patina geralmente lisa, fina e aderente. Nas zonas onde existe a corroso da liga muito reduzida, pelo que nestas zonas a superfcie estar mais prxima do original. -89-

a) b) Fig. 4 Patina preta lisa com subcamada laranja. a) Corte esquemtico; b) Aspecto visual da patina preta e subcamada alaranjada.

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Se a formao das patinas pretas ocorre naturalmente e de forma generalizada nas ligas de cobre expostas atmosfera, j a formao das patinas verdes iniciar-se- nas zonas onde a gua, nomeadamente da chuva, contendo os agentes agressivos (ex: anies sulfato) dissolvidos, condensa, goteja ou escorre. comum observar-se nas superfcies verticais cobertas com patina preta, a formao de patina verde ao longo das linhas de escorrimento de gua (Figs. 3 e 5). Para tal contribui a orientao, o grau de exposio e a textura da superfcie da escultura. No caso da esttua apresentada na Fig. 6, por exemplo, verifica-se que as patinas verdes se localizam preferencialmente nas zonas da escultura mais expostas chuva e ao vento, principalmente superfcies horizontais e superfcies inclinadas cuja orientao (face aos ventos dominantes) facilita o impacto da chuva e a deposio de poluentes e de partculas em suspenso na atmosfera (Fig. 6a), enquanto que as patinas pretas se localizam preferencialmente nas zonas mais abrigadas das chuvas, como recantos e superfcies cobertas, e tambm nas superfcies verticais do lado contrrio aos dos ventos dominantes (Fig. 6b). a)

Fig. 5 Formao de escorrimentos verdes sobre a patina preta. b)

Fig. 6 Esttua D. Jos I (1755) [6]. a) lado Sul/Oeste (ventos dominantes). b) lado Norte/Este. As patinas verdes, tm geralmente um tom verde claro amarelado ou um tom verde azulado (Figs. 3, 6). Correspondem s zonas da esttua onde a superfcie da liga se apresenta mais atacada e irregular. Por vezes existe uma subcamada laranja, mas frequente encontrar-se apenas a camada verde (Fig. 7a), que em ambiente urbano geralmente constituda por brocantite (sulfato bsico de cobre), podendo conter outros compostos, nomeadamente nas superfcies verticais orientadas na direco dos ventos dominantes. Nestas superfcies o ataque da liga no to intenso e pode ainda subsistir uma camada fina de patina preta/castanho ou de produtos laranja, o que indica a transformao progressiva dos xidos em brocantite por aco do SO2. Esta patina relativamente lisa, dura e aderente. Contudo, nas esttuas mais antigas, em algumas superfcies verticais, a patina verde apresenta-se muito espessa e macia, com zonas de desagregao, sendo facilmente removida por raspagem, Nestas zonas a patina tem um tom verde claro e contm inmeros pontos pretos. Os pontos pretos so ilhas remanescentes de uma patina preta previamente existente que, por condies particulares da liga, adquiriram um carcter catdico em relao s zonas circundantes que sofreram corroso preferencial. Sob a patina verde, ocorreu um desgaste profundo da liga, mais -90acentuado do que nas zonas onde se manteve a patina preta, que fina e aderente (Fig. 7b) e c)).

a)

Fig. 7 Patinas verdes. a) Patina verde claro contnua corte esquemtico. b) c) Patina verde com pontos pretos b) corte esquemtico; c) aspecto visual.

b)

c)

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Patina preta

Patina verde

Fig. 8 a) Zona coberta com patina preta. b) Formao das zonas andicas (patina verde) e catdicas (patina preta) numa rea onde h zonas de escorrimento de gua. c) Expanso das zonas andicas [3]. Segundo um mecanismo proposto em [1,3], a propagao das patinas verdes d-se do seguinte modo: formam-se inmeras clulas de corroso localizada, actuando as zonas da liga cobertas com patina verde como nodos, enquanto a patina preta confere um carcter catdico liga subjacente. Estabelecem-se clulas de concentrao diferencial as zonas verdes tm maior concentrao de agentes agressivos que as zonas pretas e a corroso prossegue para fora dos limites das zonas verdes, com a formao destas patinas tambm nas zonas de transio. Com o tempo, nas zonas mais expostas, d-se a expanso da patina verde, ficando apenas pequenas zonas catdicas remanescentes da patina preta, inseridas numa ampla rea andica de patina verde (Fig. 8). A corroso d-se quase exclusivamente nas zonas de patina verde. As patinas formadas em ambientes martimos (ou com forte influncia martima) contm um elevado teor de cloretos de cobre na sua composio e so mais porosas [4]. As patinas pretas adquirem um tom esverdeado, sendo menor a distino entre as diferentes zonas cobertas pelos dois tipos de patina (Fig. 9). Em algumas zonas de difcil acesso das chuvas, onde ocorre a deposio e acumulao de partculas arrastadas pelos ventos, principalmente em atmosferas contaminadas com cloretos, podem encontrar-se pelculas rugosas de produtos acinzentados, sob as quais existe uma camada fina de cor verde. A camada cinzenta pode ser macia e pulverulenta, ou pode destacar-se em placas, contendo normalmente quartzo, por vezes partculas calcrias ou outros produtos resultantes de deposio externa. No interior observam-se produtos de cor verde-vivo, geralmente constitudos por vrios tipos de cloretos de cobre (e eventualmente, sulfatos bsicos de cobre), existindo ataque localizado da liga na forma de picadas (Fig. 10). Por vezes observa-se tambm uma camada mais interior, junto da liga, de cor alaranjada ou castanha de cuprite. Nas superfcies das esttuas de ligas de cobre, expostas atmosfera, desenvolvem-se tambm outros fenmenos de

a)

b)

c)

Fig. 9 Esttua D. Joo VI (1966) [7]. Patinas formadas em ambiente martimo em que no se observam patinas pretas.

a)

b)

c)

Fig. 10 Patina cinzenta rugosa com interior verde-vivo. a) Corte esquemtico geral. b) Aspecto visual do destacamento em placas. c) Pormenor da seco transversal de uma das placas. -91-

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Fig. 11 Pelculas ferruginosas sobre a superfcie das esttuas [4,8]. corroso localizada em consequncia de heterogeneidades existentes na superfcie metlica ou de condies especiais de exposio. o caso da formao de manchas verdes em zonas com remendos na liga ou nas soldaduras (Fig. 11). Nestas ltimas podem surgir manchas de outras cores resultantes da corroso de outros metais como o chumbo, usado para preenchimento de defeitos ou de juntas na superfcie metlica. A formao de manchas ferruginosas poder indicar a corroso de elementos em ferro que possam existir no interior da esttua. Menos frequentemente, pode ainda ocorrer a formao de sobrecamadas nas esttuas, resultantes da deposio externa de poeiras ou outras partculas slidas em suspenso na atmosfera, como por exemplo: partculas ferrosas, que do origem formao de sobrecamadas castanho-ferruginosas (Fig. 11), estas nomeadamente em zonas prximas de catenrias. misturados com os outros compostos estveis destas patinas no representam grande risco de degradao da liga. No entanto, em situaes localizadas em que ocorre a formao de cloretos no bsicos como o caso do cloreto de cobre nantoquite CuCl, que muito solvel, existe normalmente corroso activa da liga nesses pontos e consequentemente um elevado risco de destruio acelerada do metal. As patinas que cobrem as ligas de cobre podem ainda conter na sua composio outros produtos como os sulfuretos, os nitratos e os compostos orgnicos de cobre, assim como produtos resultantes da corroso dos outros elementos da liga, como sejam os xidos e os hidrxidos de estanho, de zinco ou de chumbo. Para alm de compostos resultantes da corroso do cobre e dos outros elementos da liga, comum encontrarem-se quer nas patinas verdes, quer nas patinas pretas, mas principalmente nestas ltimas por serem menos solveis, outros produtos resultantes de deposio externa. O tipo de produtos que pode ser encontrado nas patinas formadas nas esttuas em ligas de cobre assim muito diversificado, dependendo de vrios factores (tipo de liga, clima, idade da esttua, tratamentos de superfcie, etc.), existindo na literatura especfica listagens mais ou menos exaustivas destes produtos [2,10-13]. Na Tabela 1 apresenta-se, de uma forma resumida, o tipo de patinas observados e os seus principais constituintes que foram detectados nas anlises efectuadas no mbito dos diagnsticos realizados em diversas esttuas portuguesas estudadas pelo LNEC [4-9]. Todas se localizavam em ambientes urbanos com alguma contaminao martima, mas uma delas estava particularmente sujeita influncia martima. A corroso atmosfrica foi a principal causa da degradao destes monumentos de ligas de cobre localizados no exterior, levando sua corroso generalizada com a formao de patinas pretas e verdes amplamente descritas. A presena de patinas de cor verde, distribudas de forma generalizada ou pontualmente em locais abrigados, indicia a ocorrncia de fenmenos de corroso mais acelerada e a eventual necessidade de efectuar trabalhos de conservao. As patinas, como se verificou in situ, podem ter uma estrutura complexa e composio variada, cujo conhecimento determinante para avaliar o grau de risco de corroso existente na esttua, pelo que a conservao das esculturas deve ser feita aps realizao do diagnstico do seu estado de corroso. Referem-se a seguir de uma forma muito sucinta alguns aspectos sobre a conservao de esttuas ou de outros objectos de arte em ligas de cobre. -92-

2.2 Composio qumica das patinas


Quanto composio qumica dos produtos que constituem as patinas das esttuas verifica-se que, de um modo geral, existe uma relao entre o tipo de compostos predominantes e a cor/aspecto da patina, assim como com a idade da escultura e a sua localizao. As patinas acastanhadas ou pretas so maioritariamente constitudas pelo xido de cobre (Cu2O) cuprite, composto estvel e aderente que confere uma boa proteco ao metal subjacente, justificando por isso, o melhor estado de conservao em que se encontra, na maioria dos casos, a liga nas zonas cobertas com este tipo de patinas. As patinas verdes formadas em ambiente urbano, de um modo geral, so constitudas por sulfatos bsicos de cobre, principalmente brocantite Cu4SO4(OH)6. Em ambientes mais poludos pode existir tambm antlerite Cu3SO4(OH)4 e calcantite CuSO4.5H2O. Os sulfatos bsicos brocantite e antlerite so compostos medianamente estveis e aderentes conferindo assim algum carcter protector a estas patinas, aco protectora que ser mais eficaz se ainda existir a subcamada de cuprite. A presena de calcantite, composto muito solvel, conduz degradao acelerada da liga. Em ambientes contaminados com cloretos, ocorre mais frequentemente a formao de cloretos bsicos de cobre, como o cloreto bsico hidratado Cu7Cl4(OH)10.H2O e atacamite Cu2Cl(OH)3, dispersos nas patinas verdes e pretas. Os cloretos bsicos

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Tabela 1 Tipos de patinas mais comuns e respectiva composio, observadas em vrias esttuas de ligas de cobre (bronzes e lates) em Portugal [4-9]
Tipo de patina Ambiente Mar. urbano Compostos identificados por XRD Observaes

Patina verde verde claro com pontos pretos verde acastanhado nas unies escorrimentos verdes Patina preta preto preto esverdeado castanho escuro

Urbano Urbanomartim.

Brocantite Cu4SO4(OH) 6 **a Brocantite

Cuprite Cu 2O CuSn(OH)6 * Cu 7Cl4(OH)10.H2O**b Atacamite Cu 2Cl(OH)3 Quartzo SiO2 Nantoquite CuCl ***, CuxSy***, SnO2 *** Cuprite Cu2 O ** Cu 7Cl4(OH)10.H2O Atacamite Cu 2Cl(OH)3 Quartzo SiO2 Nantoquite CuCl***, SnO2 *** Feldspatos*, CuC2 O4.H2O*

**a predominante (excepto no amb. Mar.-urbano) *apenas na mais antiga (>200 anos) **b predominante no amb. mar.-urbano. *** em pequenas quantidades **predominante *apenas na mais antiga (>200 anos) *** em pequenas quantidades **predominante

Manchas verdes (distribuio aleatria)

Cu7Cl4(OH)10.H2O** Atacamite Cu 2Cl(OH)3 Cuprite Cu 2O Quartzo SiO2 Antlerite Cu3SO3(OH)4*, CuS* Cu7Cl4(OH)10.H2O** Atacamite Cu 2Cl(OH)3 Nantoquite CuCl Cuprite Cu 2O, Quartzo SiO2 Gesso CaSO4.2H2O* Principalmente Cu2 O

*apenas numa esttua **predominante

Cinzento esverdeado rugoso com o interior verde-vivo Subcamada alaranjada Pontos esbranquiados Manchas ferruginosas

Produtos de cobre e produtos de chumbo (ex.: PbCO3) Produtos de cobre, produtos de ferro, compostos mistos (ex.:Pb(Fe,Cu)3(SO4)2(OH))

Pode existir as patinas Pode existirsob sob as patinas pretas verdes pretas eeverdes

*apenas numa esttua

Nas unies entre as chapas e em remendos da liga.

Indicam a possvel presena de uma armadura interna em ferro ou resultam de deposio externa.

3. CONSERVAO DE ESTTUAS DE LIGAS DE COBRE


A conservao de uma esttua deve ser antecedida do diagnstico do estado de corroso efectuado por um especialista na matria, de modo a avaliar o grau de proteco das patinas existentes, identificar zonas de corroso activa, juntas danificadas ou as eventuais alteraes da estabilidade estrutural do monumento que conduzam a deteriorao acelerada da esttua. Com base nestes elementos estabelecida a metodologia a adoptar na conservao da escultura em causa. Verifica-se frequentemente que a maior parte das esttuas em ligas de cobre, principalmente aquelas que se encontram em ambientes urbanos com pouca contaminao industrial ou martima, apesar de apresentarem grandes alteraes do seu aspecto cromtico superficial (patinas verdes e pretas) no esto -93-

muito corrodas, no requerendo por isso trabalhos de conservao/restauro profundos. No entanto, devido a diversos factores, podem surgir situaes de adiantado estado de degradao que, mesmo que sejam apenas localizadas, devem ser controladas logo que detectadas. Uma metodologia geral para a conservao das esttuas antigas em bronze envolve normalmente trs fases: Limpeza destinada reposio do aspecto esttico da escultura, eliminao de compostos corrosivos e nalguns casos, restituio do aspecto original da superfcie. Pode ser realizada a vrios nveis, dependendo da corroso e do aspecto final pretendido, desde a simples lavagem para remoo de poeiras e desengorduramento at utilizao de abrasivos ou produtos qumicos para remoo das patinas.

Corros. Prot. Mater., Vol. 27 N. 3 (2008)

Reparao destinada a repor zonas do metal ou do reforo estrutural, que desapareceram por corroso ou a repor o aspecto das patinas (repatinao) e a corrigir zonas com deficiente drenagem. Proteco destinada a reduzir os fenmenos de corroso na escultura, com aplicao de revestimentos transparentes, existindo uma grande variedade de produtos (ceras naturais e sintticas, lacas de resinas sintticas, silanos e siloxanos, etc.) e/ou inibidores de corroso, sendo actualmente o benzotriazol (BTA) o mais aplicado. Ao efectuar a conservao das esculturas deve ter-se em conta que as aces de limpeza e de restauro devem ser mnimas e que na proteco devem ser utilizados produtos com caractersticas adequadas aplicao em esculturas. Os produtos de corroso que constituem as patinas apenas devem ser removidos se o diagnstico da corroso e a avaliao esttica o indicar como necessrio, e neste caso apenas o suficiente para se atingir o resultado pretendido. A repatinao efectuada por cima da camada de produtos de corroso tem mostrado bons resultados e interfere muito pouco com o metal subjacente. A limpeza e a repatinao devem sempre ser efectuadas por profissionais especializados nesta rea da conservao. A aplicao de produtos de proteco contra a corroso (ceras, lacas e vernizes) deve ter em conta a sua durabilidade, reversibilidade e a necessidade de manuteno. necessrio no esquecer que todos os materiais necessitam de manuteno e muito mais se a eles esto associados valores artsticos e histricos. Esta manuteno pode significar simplesmente a sua lavagem regular com gua destilada, detergente neutro e escovas macias, sem jactos de alta presso. No devem ser usados detergentes custicos ou contendo abrasivos e os solventes orgnicos s devem ser usados quando absolutamente necessrio (por ex.: para a remoo de graffiti). Convm ainda referir que a existncia de planos de manuteno peridica das esculturas expostas no exterior, baseados em lavagens regulares com gua, eventualmente seguido da aplicao de uma cera, constitui uma opo normalmente eficaz e econmica de conservao destas esculturas. Esta metodologia tem sido usada em alguns pases e poder ser uma boa opo para monumentos com fcil acessibilidade. Alm dos mtodos de conservao aqui abordados, nalguns pases, particularmente do norte da Europa frequentemente adoptada a proteco das esttuas durante o perodo de inverno com coberturas, que as protegem da aco da chuva e das neves [14]. Noutros casos (Alemanha e Itlia), envolvendo esttuas ou outros objectos de arte com grande valor histrico tm tambm sido adoptados mtodos de proteco mais radicais que consistem na transferncia da esttua original para museus e a colocao de uma cpia, tambm em bronze ao qual foi aplicada uma proteco, no mesmo local no exterior (ex.: os painis de bronze da Porta do Paraso do Baptistrio em Florena) [15]. Cada monumento um caso, tem de ser observado e efectuado o diagnstico da corroso, e s depois seleccionado o tratamento de conservao a aplicar, que depender do estado especfico de corroso e dos objectivos definidos para o aspecto visual final que o monumento em causa deve apresentar. -94-

REFERNCIAS
[1] J. PHRINGER, B. JOHNSON (Performance of Utility Bronzes in Public from Information Processing to a Variant of Preservation Strategy), in Wiener Berichte ber Naturwissenschaft in Der Kunst, Doppelband 4/5 1987/88, Wien, 64 (1988). H. STRANDBERG, (Perspectives on Bronze Sculpture Conservation Modeling Copper and Bronze Corrosion), Doctoral dissertation in Environmental Science, Gteborg University (1997). M. LEONI, (Elementi di Metallurgia Applicata al Restauro delle Opere dArte), Opus Libri, Firenze (1984). I. R. FONTINHA e M. SALTA (Diagnstico da corroso na Esttua de D. Pedro IV no Porto), Relatrio LNEC, N. 302/96NQ/DMC, LNEC, Lisboa (1996). M. SALTA e I. R. FONTINHA (Diagnstico da Corroso nas Esttuas Metlicas do Monumento ao Duque de Saldanha em Lisboa), Relatrio LNEC, N. 309/98-NQ, LNEC, Lisboa (1998). M. SALTA e I. R. FONTINHA (Diagnstico da Esttua de D. Jos I em Lisboa), Relatrio LNEC, N. 313/98 -NQ, LNEC, Lisboa (1998). I. R. FONTINHA e M. SALTA (Diagnstico da corroso na Esttua de D. Joo VI no Porto), Relatrio LNEC, N. 303/96-NQ/DMC, LNEC, Lisboa (1996). I. R. FONTINHA e M. SALTA (Diagnstico da corroso no Monumento a Jlio Dinis no Porto), Relatrio LNEC, N. 304/96-NQ/DMC, LNEC, Lisboa (1996). M. SALTA e I. R. FONTINHA (Corroso das Esttuas de Bronze do Monumento ao Marqus de Pombal), Relatrio N. 266/98DMC, LNEC, Lisboa (1998). L. S. SELWYN et al., Stud. Conserv., 41, 205 (1996). T. E. GRAEDEL et al., Corros. Sci., 27, 639 (1987). I. FONSECA (Corroso Atmosfrica do Cobre) in Corroso Atmosfrica Mapas de Portugal, (M. Elisabete M. Almeida e Mrio S. G. Ferreira, ed.), INETI, Lisboa (1998). A. KRTSCHMER, I. O. WALLINDER and C. LEYGRAF, Corros. Sci., 44, 425 (2002). K. E. HOLM et. al., (New conservation methods for outdoor bronze sculptures - Contribution from the National Museum of Denmark and the Danish Technological Institute) in Protection and conservation of European cultural Heritage, Research report No 3, EUR 16637 EN (1996). P. FIORENTINO et al., Stud. Conserv., 27, 145 (1982). J. ASHURST, N. ASHURST, G. WALLIS, D. TONER (Metals) in Practical Building Conservation: English Heritage technical handbook ) Vol. 4, Jonh & Nicola Ashurst, Gower Technical Press, Hants (1989).

[2]

[3] [4] [5]

[6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14]

[15] [16]

[17] H. STRANDBERG L. G. JOHANSSON, J. ROSVAL (Outdoor Bronze Sculptures A Conservation View on the Examination of the State of Preservation), in ICOM Committee for Conservation Working group B14, Vol.II Metals, 894 (1996). [18] M. SALTA e I. R. FONTINHA (Recomendaes sobre a conservao de esculturas urbanas de ligas de cobre), Relatrio LNEC, N. 61/2001 NQ, LNEC, Lisboa (2001).

Você também pode gostar