Eugênio Pacceli Areias Do Prado 0

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

EUGNIO PACCELI AREIAS DO PRADO

BRASLIA: CONSTRUO MODERNIZANTE DA IMAGEM DO PODER

VITRIA 2007

EUGNIO PACCELI AREIAS DO PRADO

BRASLIA: CONSTRUO MODERNIZANTE DA IMAGEM DO PODER

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria do Centro de Cincias Humanas e Naturais da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Histria, na rea de concentrao Histria Social das relaes polticas. Orientador: Prof. Dr. Valter Pires Pereira Histria - UFES. Co-orientadora: Profa. Dra. Renata Hermanny de Almeida - Arquitetura UFES.

Vitria 2007
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Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

P896b

Prado, Eugnio Pacceli Areias do, 1963Braslia : construo modernizante da imagem do poder / Eugnio Pacceli Areias do Prado. 2007. 163 f. : il. Orientador: Valter Pires Pereira. Co-Orientadora: Renata Hermanny de Almeida. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais. 1. Manchete (Revista). 2. O Cruzeiro (Revista). 3. Nacionalismo. 4. Modernismo. 5. Braslia (DF). I. Pereira, Valter Pires. II. Almeida, Renata Hermanny de. III. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. IV. Ttulo. CDU: 93/99

EUGNIO PACCELI AREIAS DO PRADO

BRASLIA: CONSTRUO MODERNIZANTE DA IMAGEM DO PODER

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria do Centro de Cincias Humanas e Naturais da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Histria, na rea de concentrao Histria Social das Relaes Polticas.

Aprovado em____de_____________de 2007.

COMISSO EXAMINADORA

Prof. Dr. Valter Pires Pereira Universidade Federal do Esprito Santo Orientador ______________________________________________________ Profa Dra. Renata Hermanny de Almeida Universidade Federal do Esprito Santo Co-orientadora

Profa. Dra. Maria da Penha Smazaro Siqueira Universidade Federal do Esprito Santo

______________________________________________________ Prof. Dr. Percival Tirapeli Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho - UNESP

Para Suemi, Jlia e Yan, que acompanharam e dividiram comigo o prazer e as dificuldades da elaborao deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Agradeo em primeiro lugar a meus pais (in memorian), por terem, no longnquo ano de 1959, se aventurado em uma jornada em direo ao Planalto Central, carregando a tiracolo seus quinze filhos. Ali eu nasceria em 1963 e, apesar da epopia no ter sido exatamente um sucesso, quarenta anos depois me inspirou a estudar aquele perodo da Histria, procurando entender as idias e os ideais que motivavam os brasileiros a agir naquele tempo. Agradeo muito especialmente minha esposa Suemi, pelos conselhos, ajuda efetiva e pacincia, sem os quais esse trabalho no teria se realizado. Ao orientador, Prof. Dr. Valter Pires, pela sua ateno e dedicao ao meu trabalho. co-orientadora Profa Dra Renata Hermanny, pelo conjunto de sugetes, apoio e discusses. s instituies: Biblioteca da Escola de Comunicao e Artes da USP; Memorial JK, em Braslia; Biblioteca do Senado Federal; Biblioteca Central da UFES; Biblioteca Florestan Fernandes da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP. Ao convnio FAPES/FUNCITEC, pela bolsa de estudos concedida. Ao Programa de Ps-Graduao em Histria, professores e funcionrios, pela oportunidade e condies oferecidas para o desenvolvimento deste trabalho.

RESUMO

Tomando o perodo do governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961, so trabalhados os temas, Braslia e o nacional-desenvolvimentismo, como parte de um processo modernizante das conjunturas social, poltica, cultural e econmica do Brasil. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliogrfico crtico sobre o nacionalismo, o modernismo, nacionaldesenvolvimentismo, a histria das idias sobre a mudana da capital federal no Brasil e sobre os projetos das capitais no mundo e no Brasil antecedentes ao projeto de Braslia. Investigou-se a simbologia de poder expressa graficamente nos planos urbanos das capitais para se determinar similaridades e diferenas e as relaes entre os contextos histricos, polticos e estticos. As posies de duas mdias impressas semanais, as revistas O Cruzeiro e Manchete, foram investigadas atravs da anlise das reportagens e fotografias sobre aqueles temas, buscando determinar seu possvel engajamento na divulgao do discurso oficial. A partir da hiptese de Braslia ter simbolizado todo o projeto nacionaldesenvolvimentista, investigou-se o papel das revistas no processo de formao de consenso social sobre a viabilidade de sua construo, visto que, em janeiro de 1958, apenas 21% dos brasileiros era favorvel mudana da Capital, passando para 74%, em maro de 1960. Demonstrou-se que Braslia o resultado de uma imbricao de trs componentes: o pensamento nacionalista, a ideologia nacional-desenvolvimentista e a esttica modernista. A interpretao de Braslia como apenas uma cidade modernista um reducionismo, j que seu plano urbano rene tradio e modernidade. Foi disgnosticado um claro engajamento da mdia impressa tanto na divulgao do projeto de Braslia e da ideologia nacional-desenvolvimentista, quanto no estabelecimento de uma simbologia prpria daquele contexto scioeconmico, poltico e cultural brasileiro.

Palavras-chave: Braslia. Nacional-desenvolvimentismo. Revista Manchete. O Cruzeiro. Fotografia. Modernismo.

ABSTRACT
Taking the period of Juscelino Kubtscheck government, from 1956 to 1961, the themes Braslia and national-development are worked on as part of the economic, cultural, politic and social modernizing process in Brazil. To accomplish this task a critical bibliographical survey is presented about nationalism, modernism, national-development, the history surrounding the ideas about Brazils Federal Capital change and the projects of capitals in the world and in Brazil that were accomplished before Brasilias project. The symbolization of the power graphically expressed in the capitals urban plans was investigated to determine similarities and differences among them and the relations with historic-politicalaesthetical contexts. The position of two weekly printed media, the magazines O Cruzeiro and Manchete, were investigated, though the analysis of the articles and the photographs about those themes, to determinate their possible engagement in the popularization of the official speech. Starting from the hypotheses that Braslia was the symbol for the whole national-development project, we investigated the role of those printed media in the process of shaping a social consensus about the building and changing of the capital, since just 21% of the population was pro-Brasilia in January, 1958 while this percentage rose to 74% in March, 1960. It is shown that Braslia is the result of the intertwining of those three components: the nationalistic thought, the national-development ideology and the modernist aesthetic. The interpretation of Brasilia as only a modernist city is an oversimplification since it unites tradition and modernism in its urban plan. There was a clearly engagement of the printed media both in the showing off of the Brasilia project and the National-development ideology as in the establishment of a specific symbolization for that Brazilian socio-economical and cultural situation. Key words: Brasilia. National-development. Revista Manchete. O Cruzeiro. Photograph. Modernism.

LISTA DE ILUSTRAES
Captulo 1 Figura 1 - Esboo de Le Corbusier para a sede do Ministrio da Educao e Sade..............30 Figura 2 - Parque Guinle............................................................................................................................33 Figura 3 - Proposta de Plano Piloto de Henrique E. Mindlin e Giancarlo Palanti................35 Figura 4 - Plano de Vilanova Artigas, Carlos Cascaldi e Paulo de Camargo.......................36 Figura 5 - Plano da construtora Construtcnica S/A. Autores: Milton C. Ghiraldini, Clvis Felippe Olga, Nestor Lindenberg e Wilson M. Fina.............................................................36 Figura 6 - Plano de Rino Levi e Roberto Cerqueira Csar...................................................37 Figura 7 - Plano dos irmos Marcelo e Maurcio Roberto....................................................38 Figura 8 - Plano de Baruch Milman, Joo H. Rocha e Ney F. Gonalves............................39 Figura 9 - Plano Piloto de Braslia - Lcio Costa.................................................................40 Grfico 1 Resultados alcanados pelo Plano e Metas........................................................46 Captulo 2 Figura 1 - Lcio Costa - Plano Piloto de Braslia, com anlise grfica...............................58 Figura 2 - Madri Expanso da cidade quando vila, em 1560, e como corte, at o ano de 1600, com anlise grfica......................................................................................................61 Figura 3 - Andr Le Ntre Projeto dos jardins do palcio de Versalhes, com anlise grfica....................................................................................................................................63 Figura 4 - Versalhes 1680, com anlise grfica................................................................64 Figura 5 - Pierre L'Enfant e Andrew Ellicott. Washington, com anlise grfica.................69 Figura 6 - Mapa atual de Washington..................................................................................69 Figura 7 - Georges Eugne Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. Plano indicando as novas ruas e os novos bairros de Paris..................................................................................70 Figura 8 - Georges Eugne Haussmann, Plano para Paris reas demolidas....................71 Figura 9 - Plano de Canberra, com anlise grfica..............................................................75 9

Figura 10 - Le Corbusier, 1951- Plano para Chandrigarh....................................................76 Figura 11 - Belo Horizonte-Trecho projetado por Aaro Reis.............................................80 Figura 12 - Goinia - Trecho projetado por Atlio Correia Lima.........................................82 Captulo 3 Figura 1 - Revista Manchete Proposta neoclassicista para Braslia...............................102

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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Captulo 1 Fotografia 1 - Ministrio da Educao e Sade Lcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe fachada norte e detalhes dos Brise-soleil..............................................................................31 Captulo 2 Fotografia 1 - Charles Marville, fotgrafo; Louis Dsir Blanquart-Evrard, impressor, Paris, 1851-1855- A reforma de Paris..................................................................................73 Fotografia 2 - Le Corbusier -1951. Capitlio de Chandigarh..............................................77 Captulo 3 Fotografia 1 - O Cruzeiro, 21/02/1959, p.32-3, JK Presidente alado..............................98 Fotografia 2 - Revista Manchete, 26/05/1956, p.6-7, JK despacha nas nuvens..............103 Fotografia 3 - Revista Manchete, 30/03/1957, p.34 a 38 O Brasil ter petrleo para dar e vender.............................................................................................................................104 Fotografia 4 - Revista Manchete, 02/02/1957, p.60 a 65, O seu carro vem a................106 Fotografia 5 - Revista Manchete, 11/05/1957 p. 8 a 10, Braslia, segunda primeira missa..................................................................................................................................107 . Fotografia 6 - Revista Manchete, 13/02/1960, p. 6 a 13, Caravana da Integrao........109 Fotografia 7 - Revista Manchete, 13/02/1960, p. 6 a 13, Caravana da Integrao........110 Fotografia 8 - Revista Manchete, 16/04/1960, p. 66 a 77, Todos os caminhos levam a Braslia..............................................................................................................................111 Fotografia 9 - Revista Manchete, 13/02/1960, p.4, Juscelino Kubitschek e Adolpho Bloch em editorial..........................................................................................................................112 Fotografia 10 - O Cruzeiro, 11/02/1956, p.106 a 108, JK em busca de riqueza para o Brasil.................................................................................................................................125 Fotografia 11 - O Cruzeiro, 02/02/1957, p.74 a 79, JK de fevereiro a janeiro...............126 Fotografia 12 - O Cruzeiro, 18/05/1957, p.48-9, Braslia quer dizer amanh...............128 Fotografia 13 - O Cruzeiro, 26/07/1958, p.59-60, Margot chega ao futuro...................130

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Fotografia 14 - O Cruzeiro, 07/06/1958, p.110 a 115, Ensino em Minas: nota zero......132 Fotografia 15 - O Cruzeiro, 11/10/1958, p.60 a 64, Gigantes de ao abrem a rota BelmBraslia..............................................................................................................................133 Fotografia 16 - O Cruzeiro, 25/07/1959, p.84-5, O Rio quer mudar para Braslia........134 Fotografia 17 - O Cruzeiro, 28/05/1960, p.134 a 145, Conhea Braslia por dentro.....136

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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Mdia dos espaos ocupados pela fotografia nas matrias sobre JK, nacionaldesenvolvimentismo e Braslia nas revistas Manchete e O Cruzeiro nos anos 1956 a 1960.......................................................................................................................................97 Tabela 2 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1956...................................................................................................113 Tabela 3 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1957...................................................................................................113 Tabela 4 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1958...................................................................................................114 Tabela 5 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1959...................................................................................................114 Tabela 6 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1960...................................................................................................115 Tabela 7 - Total geral das matrias positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no perodo 1956 a 1960............................................................................................................115 Tabela 8 - Ocorrncias da imagem de JK, de elementos simblicos do nacionaldesenvolvimentismo e de Braslia na revista Manchete no perodo de 1956 a 1960..........117 Tabela 9 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1956.....................................................................................................138 Tabela 10 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1957.....................................................................................................139 Tabela 11 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1958.....................................................................................................139 Tabela 12 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1959.....................................................................................................140 Tabela 13 - Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1960.....................................................................................................140 Tabela 14 - Total geral das matrias positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no perodo 1956 a 1960............................................................................................................141

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Tabela 15 - Tabela 15 Ocorrncias da imagem de JK, de elementos simblicos do nacional-desenvolvimentismo e de Braslia na revista O Cruzeiro no perodo de 1956 a 1960.....................................................................................................................................142

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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................16 1 -MODERNISNO, NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO, NACIONALISMO:

BRASLIA......................................................................................................................26 1.1 MODERNISMO.................................................................................................26 1.2 NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO........................................................42 1.2.1 - DIAGNSTICO DA REALIDADE SCIOPOLTICA E ECONMICA BRASILEIRA........................................................................................................44 1.2.2 - PLANEJAMENTO QUANTO S FORMAS DE ENFRENTAMENTO DOS PROBLEMAS ENCONTRADOS...............................................................44 1.2.3 - IMPLEMENTAO DO PLANO............................................................45 1.3 NACIONALISMO..............................................................................................49

-TRADIO

MODERNIDADE

NO

PLANO

PILOTO

DE

BRASLIA......................................................................................................................57

-BRASLIA

NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO

NAS

REVISTAS

MANCHETE E O CRUZEIRO........................................................................................86 3.1 METODOLOGIA..............................................................................................91 3.2 O ESPAO FOTOGRFICO NAS REVISTAS MANCHETE E O CRUZEIRO.........................................................................................................95 3.3 REVISTA MANCHETE.....................................................................................100 3.4 REVISTA O CRUZEIRO.................................................................................121

CONCLUSO....................................................................................................................146 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................150 ANEXO A - RELAO DE REPORTAGENS - MANCHETE.......................................156

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ANEXO B - RELAO DE REPORTAGENS - O CRUZEIRO.....................................160

INTRODUO

Para lembrar os centenrios de nascimento de Juscelino Kubitschek e Lcio Costa em 2002, muitos trabalhos acadmicos1 e artsticos foram lanados no Brasil no perodo, alguns deles para render-lhes homenagens, outros para repensar aquele momento de efervescncia poltica e econmica da nossa Histria, concomitante ao perodo da construo de Braslia. Tomando o perodo do Governo JK 1956 a 1961 procuramos identificar a concepo do projeto urbano de Braslia quanto sua simbologia de poder e seu nexo com o discurso poltico contemporneo identificado com a ideologia nacional-desenvolvimentista. Esta, por sua vez, teria se aliado esttica Modernista, em termos da concepo do espao urbano da nova capital, objetivando construir um outro imaginrio de nao ligado, segundo o discurso oficial, ao desenvolvimento econmico pela industrializao, interiorizao desse desenvolvimento e insero do Brasil no rol das grandes potncias mundiais. Procuramos comprovar estas hipteses atravs da anlise dos discursos e/ou proposies dos vrios atores que concorreram para o processo poltico-esttico que viabilizou a construo da nova capital, assim como, quisemos investigar, como se deu o processo de divulgao e convencimento da opinio pblica em relao viabilidade e efetividade dos projetos nacional-desenvolvimentista e de Braslia. Para entendermos o processo, analisamos dois dos mais importantes veculos da mdia impressa nacional da poca, as revistas Manchete2 e O Cruzeiro3 , na busca de determinar seu papel quanto

Em levantamento recente, identificamos 96 trabalhos editados entre os anos 2000 a 2006 relacionados Braslia e aos personagens envolvidos na obra. Entre eles identificamos 80 livros, 10 dissertaes de Mestrado e teses de Doutorado e tambm 6 artigos de peridicos. Deste total 39 trabalhos versavam sobre Braslia, sua histria, aspectos scio-polticoeconmicos, urbanismo e arquitetura; 16 eram sobre Lcio Costa, sua vida, obra, concepes arquitetnicas e urbansticas; 18 eram sobre Oscar Niemeyer, tambm enfocando sua vida e obra; e finalmente, 23 trabalhos eram sobre JK, sua trajetria poltica, sobre a conjuntura econmica e poltica do Brasil dos anos 50, sobre a concepo desenvolvimentista de seu governo e sobre o Plano de Metas. 2 A revista Manchete era uma publicao da Editora Bloch S/A, de propriedade de Adolpho Bloch, amigo de Juscelino Kubtischek. Comeou a circular em 1952, com diagramao moderna e atrativa, surgindo como alternativa O Cruzeiro, ento o maior semanrio nacional. Para ver mais: SANTOS, Pedro Augusto Gomes. A Classe Mdia vai ao Paraso: JK em Manchete. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 3 O Cruzeiro era uma publicao dos Dirios Associados, de propriedade de Assis Chateaubriand, o personagem mais importante da imprensa brasileira na primeira metade do sculo XX, sendo responsvel pela implantao da televiso no

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exposio do projeto governista em geral, bem como, quanto divulgao do projeto Braslia, em particular. Ao iniciarmos o estudo do fenmeno Braslia, a metfora que melhor ilustrava o que sentimos a da Esfinge com seu vaticnio: decfra-me ou te devoro. Pela multiplicidade de abordagens possveis ao tema, que podem envolver concepes histricas, estticas, filosficas, polticas e geogrficas, a sensao era de que quando estvamos prestes a fechar um conceito que nos oferecesse uma compreenso totalizante do evento, desafiadoramente ele nos escapava. Se esvanecia, pois olhando o fenmeno por outro ngulo encontrvamos o seu contrrio, tambm plausvel. Defrontamo-nos com um discurso com mltiplas significaes, mesmo dentro de cada uma de suas dimenses constitutivas. Apesar disso, no desistimos de perseguir uma compreenso mais abrangente do fenmeno. Ilustram a perplexidade sentida por ns as inmeras analogias, feitas com relao Braslia, durante ou mesmo aps sua construo. Aos favorveis construo da nova capital brasileira parecia bastante interessante compara-la a Washington:
Como cidade que cumpre uma funo bem determinada uma funo que bem cumpriu nos cento e cinqenta anos de sua histria - que foi construda com um objetivo preciso e dentro de um plano predeterminado, Washington possui uma distino e mesmo uma dignidade evidente que ningum poder negar. por isso muito provvel que venha a ser o grande modelo que procuramos emular [...] Na construo de nossa futura capital teremos sobre os americanos a vantagem de um territrio unificado, senhor de suas fronteiras definitivas [...] Teremos tambm a possibilidade de aproveitar todos os progressos da cincia e da tcnica modernas, com os quais LEnfant nunca poderia sonhar. E construiremos a nossa metrpole do planalto central quando um novo estilo arquitetnico que constitui a expresso plstica primordial da civilizao universalista do futuro parece brotar em nosso solo com admirvel pujana e originalidade. Que nossos governantes tenham a viso de um Washington e de um Jefferson, tudo que agora precisamos esperar!4

J os contrrios construo de Braslia preferiam sua comparao Versalhes do absolutismo monrquico:


[...] os governos despticos, os sombrios governos das minorias sempre se esconderam para governar, sempre fugiram do contato com o povo para no lhes sofrer o influxo, para no lhes receber a crtica atuante [...]. Por outro lado, tambm os governos gozadores, os governos orgacos, os governos, digamos, dos precursores de boates que eram os dos Petit Trianon,
Brasil em 1949 atravs da criao da TV Tupi. O Cruzeiro comeou a ser publicado em 1928 e no auge de sua histria, na dcada de quarenta e incio dos anos cinqenta, chegou a uma tiragem de 800.000 exemplares semanais. 4 Penna, 1958, p. 9-11 e 221-2, apud Vesentini, 1996, p.21.

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tambm se escondiam na sua versalhesca sede administrativa para fugir ao povo e dizer aos que reclamavam po que se alimentassem de brioches5.

Ou numa verso mais atual:


De fato, apesar das enormes diferenas entre a Frana de fins do sculo XVII e do sculo XVIII com o Brasil de desde o final da dcada de 1950, podem-se identificar aspectos genricos em comum sob vrios ngulos: o governar como atributo inerente de uma elite, que, portanto, no deve sujeitar-se s injunes da massa; o relativo isolamento (em especial aps 1964, no caso de Braslia) dos governantes ou da corte na Capital, que constitui um mundo parte com suas festas luxuosas, mordomias, corrupo, etc.; a arquitetura monumental e rigorosamente controlada (descontadas as diferenas entre o estilo Barroco e o Moderno) diferindo do crescimento catico ou espontneo da maioria das demais cidades [...]6.

Parece-nos, no entanto, que essas analogias tanto elogiosas quanto depreciativas tinham um carter predominantemente ideolgico7, escamoteando muitos aspectos do projeto, para ficar apenas com a parte que interessava, que melhor servia ou se amoldava, tanto s crticas quanto aos elogios, dependendo do grupo do qual partia o julgamento. Ao mesmo tempo, numa poca em que as lideranas polticas tinham sua atuao fortemente concentrada em reas urbanas, em sua maior parte localizadas no litoral brasileiro, parece contraditrio que quisessem usar Braslia como forma de isolamento no planalto, inevitavelmente se distanciando tambm de suas bases eleitorais, com um custo poltico, a curto e mdio prazo, bastante incerto. Para ns, numa perspectiva consonante com a de Pierre Bourdieu (1989, p.11) quando define os sistemas simblicos em geral, no caso brasileiro, o sistema simblico

Lacerda, Carlos. Discurso parlamentar. Anais da Cmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Servio Grfico do IBGE, v. XXII, ago. 1957, p. 733 apud Moreira, 1998, p. 212-3.
6

Vesentini, 1996, p.23.

Na definio proposta por Mario Stoppino no Dicionrio de Poltica, coordenado por Norberto Bobbio, ideologia tem dois significados: um fraco e um forte. O fraco designa um sistema de crenas polticas, um conjunto de idias e valores usados por um determinado grupo com a finalidade de orientar comportamentos. Por outro lado, o significado forte aquele que, a partir de Marx, refere-se ideologia como uma distoro do conhecimento. E neste sentido que a usamos acima, pois, tanto o grupo favorvel quanto o grupo contrrio ao projeto Braslia exploravam imagens exacerbadas e distorcidas da nova capital, atendendo mais a interesses particulares do que contribuindo para a discusso do projeto em si. Para ver mais: -Konder, Leandro. A questo da Ideologia. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. Neste trabalho o autor oferece um levantamento das discusses e definies de vrios pensadores a cerca de ideologia. Entre eles Marx, Gramsci, Althusser, Lukcs, Adorno e Horkheimer.

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resultante do nacional-desenvolvimentismo cumpriu importante funo de legitimao e consentimento em relao ao poder. Durante o governo JK, o sistema simblico, usado como instrumento estruturado e estruturante de comunicao, assumiu o poder de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a viso de mundo e o prprio mundo (Ibidem, p.14). Ao mesmo tempo, sua legitimidade foi conseguida pela construo da prpria crena da legitimidade, ou seja, no foi identificada como arbitrria e, neste sentido, se tornou fundamental o papel desempenhado pela mdia impressa, ao conferir credibilidade ao programa nacionaldesenvolvimentista quando divulgava semanalmente reportagens sobre as obras em andamento no perodo. Propusemo-nos a identificar se existem no plano urbano de Braslia, elementos simblicos relacionados ao poder oriundos das experincias urbansticas anteriores e incorporados ao projeto. Ao mesmo tempo, investigamos se os elementos simblicos prprios do perodo nacional-desenvolvimentista8 iriam configurar, durante o governo JK, um sistema simblico de poder e de nao consonante com o discurso fundador9 da nova capital. Abordaremos o discurso fundador de Braslia em relao s trs vertentes que, consideramos, foram fundamentais para a conformao final do projeto: - O nacional-desenvolvimentismo. - O nacionalismo.
8

Para ns, esses elementos seriam: a indstria, produtos industrializados, estradas, carros, avies, navios, pontes, cincia, hbitos de consumo, produtos culturais e concepes estticas.
9

Por discursos fundadores entendemos o conjunto de idias usadas para justificar a mudana e/ou construo de uma nova Capital. No caso de Braslia o discurso fundador teve pelo menos trs vertentes: uma que via a nova Capital como uma imposio histrica, demandada desde a Inconfidncia Mineira, passando pela Independncia do pas com Jos Bonifcio j escolhendo o nome Braslia para uma futura Capital interiorizada. Chegou at a Repblica, onde, j na constituio de 1891, constava no artigo 3 o estabelecimento de uma rea no Planalto Central, onde futuramente se instalaria a Capital Federal. (Moreira, 1998, p.25). Outra vertente era poltica, representada pela figura de JK, que elegeu Braslia como smbolo de seu programa nacionaldesenvolvimentista (o Plano de Metas). Para JK Braslia representava a ruptura com um passado de atraso econmico do Brasil em relao s outras naes e, ao mesmo tempo, seria o marco desbravador do oeste brasileiro, fazendo chegar at ali o desenvolvimento econmico integrando-o nao. (Kubitschek, Juscelino. Por que constru Braslia. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A., 1975). Havia ainda o discurso dos projetistas que, no caso de Lcio Costa, baseava-se, entre outras influncias, nos princpios formulados por Le Corbusier na Carta de Atenas, ou seja, Braslia seria uma cidade voltada para o trabalho, para a circulao, para o cultivo da mente e do corpo e para o lazer. Lcio Costa trabalhou com trs escalas distintas em seu projeto urbanstico: Escala coletiva ou monumental, escala cotidiana ou residencial e a escala concentrada ou gregria. (Costa, 1995, p.283-302).

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- O modernismo urbano-arquitetnico. Na combinao desses trs elementos identificamos a base do projeto ideolgico, poltico, administrativo e esttico que gerou a idia de se efetivar a mudana da capital, assim como norteou seu projeto. Para a Professora Mirian Limoeiro Cardoso (1978, p.85) a ideologia do desenvolvimento creditava o subdesenvolvimento brasileiro pobreza, que por sua vez convivia com uma riqueza latente. Por conta disso o discurso de JK se concentrou na necessidade do desenvolvimento, na formulao de uma poltica que deflagrasse a acelerao do crescimento econmico. A prosperidade seria conseguida atravs da industrializao, que, para JK, deveria se concentrar, por parte do Estado, na indstria de base: siderurgia, metalurgia, produo de cimento e fertilizantes, mecnica pesada e a de qumica de base (Lafer, 2002). iniciativa privada caberia a produo de bens de consumo durveis e no-durveis como automveis, eletrodomsticos, mveis, vesturio, etc. Ancorado nas idias do ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros10, que contava em seus quadros com intelectuais de renome como Nelson Werneck Sodr, Hlio Jaguaribe, Roland Corbisier e Cndido Mendes, o governo JK formulou o programa nacional-desenvolvimentista, do qual o Plano de Metas tornou-se a sntese. Uma questo que destacamos aqui que a ideologia nacional-desenvolvimentista trouxe tona o debate econmico sob o vis do nacionalismo, principalmente na forma de questionamentos sobre quais meios de financiamento a nao lanaria mo para viabilizar seu desenvolvimento: poupana interna ou investimentos estrangeiros? Hlio Jaguaribe (1958, p.11), discorrendo sobre a celeuma provocada pelas discusses sobre qual modelo de desenvolvimento o Brasil deveria seguir, diagnosticava:

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O ISEB foi criado em 14/07/1955 com o Decreto 7.608 assinado pelo Presidente Joo Caf Filho e extinto em 13/04/1964 pelo decreto 53.884, assinado por Paschoal Ranieri Mazzili, provisoriamente na Presidncia aps a deposio do Presidente Joo Goulart. O ISEB objetivava estruturar um pensamento autenticamente brasileiro. Para isso seria utilizado um projeto terico-ideolgico totalizante com contribuies da Sociologia, Histria, Poltica, Economia e Filosofia. A produo ideolgica do ISEB no almejava um puro exerccio do pensar, abstrato, queriam sim forjar uma ideologia exigida pela nao que iria conscientiza-la de seu subdesenvolvimento e mostrar o caminho para a superao deste estgio via desenvolvimento. (Toledo, 1978, p.17) Para ver mais: -Sodr, Nelson Werneck. Histria da Histria Nova.Petrpolis: Vozes, 1986. Neste trabalho, Werneck Sodr narra sua trajetria dentro do ISEB, assim como as conjunturas polticas quando de sua criao, funcionamento e posterior extino) -Toledo, Caio Navarro. ISEB: Fbrica de Ideologias. So Paulo: tica, 1978.

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[...] o nacionalismo constitui a mais importante linha divisria de todos os debates que se travam no congresso, na imprensa e no prprio mbito do governo e da administrao. [...] As duas grandes posies polticas em que se divide a opinio pblica brasileira, cortando transversalmente todas as estruturas sociais, so a do nacionalismo e a do entreguismo. [...] O nacionalismo brasileiro constitui uma ideologia vaga, sem formulao terica e carregada de contradies.

Jaguaribe caracterizou o nacionalismo brasileiro do perodo JK mais como negao de certas polticas do que pela afirmao de outras, levando-o a se confundir com reivindicaes especficas. Tnhamos nacionalistas tanto na extrema direita, passadistas e fascistas, quanto na extrema esquerda, no PCB. Alguns defendendo a nacionalizao da produo enquanto outros defendiam a iniciativa privada. (Ibidem,p.12) Em relao ao ISEB a Professora Vnia Maria Losada Moreira (1998, p.138), conclui que:
[...] o papel do ISEB era viabilizar a tomada de conscincia indispensvel ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro, por meio da formulao e da veiculao da ideologia do desenvolvimento nacional. Do ponto de vista isebiano o Brasil no era ainda uma nao, pois no se desenvolvia a partir de seus prprios interesses e necessidades, ou, para usarmos a categoria do instituto, no se desenvolvia sob o impulso de interesses endgenos. A caracterstica central do processo histrico brasileiro, desde a fase colonial, residia, ao contrrio, no seu atrelamento aos interesses e necessidades de outros paises. Em outras palavras, a economia agrria voltou-se para o mercado externo, impedindo o desenvolvimento autocentrado do pas em todos os sentidos, desde o econmico at o cultural.

Influenciado pelo diagnstico do ISEB e pressionado pelo embate quanto ao modelo de desenvolvimento pretendido, para o governo JK, era imperativo tentar construir o consenso em torno de seu programa, dialogar com a sociedade e mais especificamente com a vertente nacionalista mais radical, oferecendo uma alternativa econmico-

desenvolvimentista que apontasse para a unidade nacional, que valorizasse nossas riquezas naturais e apontasse um futuro scioeconmico promissor nao. Naquele momento do diagnstico poltico-estrutural, a esttica modernista entrou na frmula governista, com a responsabilidade de apontar aquele futuro e representar o grande salto desenvolvimentista pretendido pelos formuladores do governo JK e que seria, segundo o discurso oficial, simbolizado por Braslia. Em relao, especificamente ao plano urbano da nova capital, para efeito deste trabalho, procedemos uma comparao objetiva entre os modelos urbansticos do passado e 21

de Braslia, com o objetivo de identificar se existem no Plano Piloto elementos simblicos de poder persistentes, herdados dos modelos anteriores. Longe de querermos igualar conceitualmente coisas e pocas to diferentes quanto Versalhes do absolutismo monrquico e Braslia do perodo de JK, procuramos fazer um mergulho no smbolo Braslia, destacando seus elementos constitutivos e suas especificidades, visualizando graficamente as persistncias e as inovaes. Isto, para traar uma genealogia da idia de construo de cidades capitais nas pocas Moderna e Contempornea, como forma de identificar o desenvolvimento dos modelos urbansticos e caracterizar os smbolos de poder implcitos em cada um deles. Neste sentido, Versalhes e Washington iro aparecer em nossa anlise, mas do ponto de vista do plano urbanstico, sua localizao no territrio e configurao grfica. Procuraremos identificar no desenho das cidades quais aspectos ou detalhes dos modelos persistiram e foram incorporados aos planos urbanos posteriores e, especificamente, ao projeto de Braslia. Segundo Lcio Costa (1995, p.282), para a concepo do Plano Piloto, recebeu influncias as mais variadas, includos a elementos urbansticos de Paris, no eixo monumental; dos plats circundantes dos palcios chineses, na terraplenagem do plano piloto; das auto-estradas e viadutos-modelo americanos, na malha viria sem cruzamentos; dos grandes gramados ingleses, no paisagismo; e at mesmo da luminosidade da cidade colonial mineira de Diamantina. Portanto, a parte que nos interessa daqueles modelos urbanos das cidades capitais a que concerne aos smbolos de poder: onde aparecem, em que formatos, suas dimenses material e simblica e seus possveis significados. Isto porque, percebemos que a linguagem imagtica daquelas cidades capitais e de Braslia guardam alguns traos em comum, traos que remetem s formas de exerccio do poder poltico, organizao da sociedade onde esto inseridas e mais do que isso, ao imaginrio de nao que estas sociedades queriam construir ao se lanarem na empreitada de erigir uma nova capital. importante lembrarmos que, j em sua passagem como interventor em Belo Horizonte (1940-1945), JK imprimiu sua marca na administrao municipal, no s pela abertura de novas avenidas, como tambm pela construo do novo bairro da Pampulha. Ali, a Igreja, a Casa de Bailes e o Cassino foram projetados por Oscar Niemeyer em linhas

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inusitadamente modernistas para a poca e lugar, o que os colocou no centro de extensas polmicas com a oposio e Igreja mineiras. Portanto, a idia de JK de unir a esttica modernista com uma imagem de administrao progressista e dinmica j tinha um precedente (Simes, 2000, p.42 e 88). Sua administrao municipal acabou por credencilo a candidato ao governo de Minas Gerais nas eleies de 1950. Vencida a eleio ao Governo estadual, JK fundamentou sua administrao no binmio: Energia e Transportes (Ibidem, p.45), o que j deixava clara sua inteno de construir uma imagem poltica ligada ao desenvolvimento pela industrializao, motivo final das obras de infra-estrutura implementadas em seu governo estadual, tornando-se tambm trampolim para sua candidatura a Presidente da Repblica na eleio seguinte. Aps a vitria eleitoral e a grave crise sucessria ao governo federal em 1955, com o golpe preventivo chefiado pelo General Lott em 11 de novembro, garantindo a posse de JK em janeiro de 1956, ficou claro haver fissuras profundas intra-grupos e entre os grupos polticos e militares. Alm de um programa de governo estabelecido - o Plano de Metas para JK era imperativo tentar criar o consenso em torno das diretrizes poltico-econmicas de seu programa. Se o equilbrio poltico-militar era precrio, a conquista do apoio popular era imperativa. Para isso JK precisou contar com uma grande base de comunicao de massa que veiculasse a ordem nacional-desenvolvimentista e com isso conseguisse a adeso almejada ao projeto. No desconhecendo a importncia dos demais meios de comunicao como o rdio, a televiso, os jornais e os cine-jornais, escolhemos os dois veculos de mdia impressa mais importantes no perodo, voltados para a classe mdia urbana as revistas Manchete e O Cruzeiro e procuramos verificar as apropriaes do discurso nacionaldesenvolvimentista feitas por essas mdias naquele perodo. Lembremos que a televiso estava dando seus primeiros passos no Brasil naqueles anos, enquanto as revistas semanais, com circulao nacional, representavam um papel preponderante na informao e formao da opinio pblica. Discutimos, portanto, o papel exercido por essas revistas, apontando nas imagens relacionadas aos temas Braslia e nacional-desenvolvimentismo, os elementos utilizados na construo da dimenso simblica, tanto da ideologia nacional-desenvolvimentista como da nova capital federal. Isto porque, longe de vermos as reportagens estampadas nas pginas

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de Manchete e O Cruzeiro como simples matrias informativas do processo de desenvolvimento industrial e mudana da capital, queremos saber se houve um engajamento no prprio processo, se assumiram um papel de porta-vozes do governo JK em busca de legitimidade e adeso popular ao projeto governista. Questionamos se as imagens veiculadas tinham uma dimenso somente ilustrativa, ou serviam a um propsito afinado com intenes propagandsticas das aes do governo. Nessas imagens, to importante quanto o que mostrado, tambm o que no mostrado fundamental. Por que a escolha de determinados ngulos e enquadramentos e no outros? Como esto colocados os personagens nessas representaes e que atmosfera sensorial transmitida? Neste momento, nosso trabalho versa prioritariamente sobre representao, simbologia e imaginrio, onde a representao a relao simblica entre o signo e o que ele se refere. Neste sentido o signo pode assumir o lugar do representado pelo recurso do imaginrio. Neste processo se d a comunicao pela linguagem simblica, estabelecida pela capacidade imaginria do simbolismo e pela funo simblica das imagens. Quando essa linguagem simblica reconhecida, assimilada e utilizada coletivamente, norteando prticas, sensaes e desejos, podemos identificar a existncia de um imaginrio social (Capelati, Dutra, 2002, p.228-9). Por outro lado, existe uma conjugao entre poder e representao, com o poder tendendo a se apropriar da faculdade da representao de si mesmo, produzindo sua prpria representao, seja por linguagem ou imagem. Ao mesmo tempo, o dispositivo da representao produz seu prprio poder, produz-se como poder (Ibidem, p.229-30). Neste ponto, para ns, entraram as contribuies da mdia ao projeto poltico e simblico formulado por JK: criar/influenciar/divulgar o imaginrio social de nao e de poder, afinado com o discurso nacional-desenvolvimentista. Ao procedermos leitura das fotografias veiculadas por Manchete e O Cruzeiro, em busca de suas significaes para alm da semelhana com o real, tomamos a imagem como um signo, colocado na categoria de representao. Por sua vez, o signo compe-se de trs dimenses interdependentes: o cone - que mantm uma relao de semelhana com o seu referente; o ndice onde h uma relao de contiguidade fsica com o que representa; e o smbolo que representa as relaes de conveno com o referente, ou seja, estabelecido arbitrariamente. De uma forma geral, no existiriam signos puros, compostos s por um dos

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elementos constitutivos descritos acima e sim, signos onde um desses elementos dominante, determinando ento a sua caracterstica principal. A imagem, a partir da conjugao desses elementos, vista como uma linguagem, portadora de uma mensagem visual e ferramenta de expresso e de comunicao (Joly, 1996, p.27-36-55). Uma imagem sempre ser uma mensagem visual para um outro e sempre estar adaptada ao repertrio cultural deste outro para que seja possvel sua percepo/assimilao/compreeno. Determinar este outro, ou seja, para quem se destina a mensagem uma necessidade fundamental para se chegar funo desta mensagem. Para ns, nesse momento fecha-se um crculo, onde, o que comeou com um determinado grupo chegando ao poder, mesmo que de forma minoritria (JK obteve 33,8% dos votos vlidos na eleio de 1955), mas que, de posse de um determinado projeto de poder, passa a buscar a hegemonia do espao poltico atravs do convencimento do outro, que, para ns, eram todos os que, nas interaes poltico-sociais, de alguma forma legitimaram o projeto poltico nacional-desenvolvimentista. Este, s se tornou vivel, por encontrar ressonncia no imaginrio de poder e expectativas de futuro presentes na nao brasileira. Ao mesmo tempo em que, muitas dessas expectativas foram gestadas e incutidas nesse outro, pelo prprio programa nacional-desenvolvimentista.

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Captulo 1 Modernismo, nacionalismo, nacionaldesenvolvimentismo: Braslia


O conjunto de elementos que nomeia este captulo, a nosso ver, foi decisivo e deu os contornos queles anos do governo JK e ao projeto Braslia. Se descartssemos qualquer um desses componentes constitutivos do conjunto, teramos dificuldade para um entendimento totalizante, tanto do perodo histrico quanto da obra urbanstica. Considerados isoladamente ou de maneira articulada, cada um desses componentes apresentou preponderncias nas decises polticas, econmicas, sociais e estticas referentes ao projeto da nova capital. O que seria o nacional-desenvolvimentismo de JK sem a composio esttica urbano-arquitetnica, que lhe complementou a imagem de modernidade? Que outras alternativas visuais e estticas serviriam melhor, tanto imagem do administrador dinmico e progressista, quanto imagem de um Brasil moderno e desenvolvido? Procurando entender estas imbricaes, passaremos a analisar cada um dos termos acima, buscando dimensionar sua exata medida e significados quando utilizados aqui.

1.1 Modernismo
Deparamo-nos, a princpio, com um primeiro problema conceitual: na arquitetura e nas artes plsticas, usa-se o termo Moderno para nomear as concepes formuladas a partir da virada do sculo XIX para o sculo XX, enquanto, na dimenso Histrica, o termo refere-se a um intervalo do processo histrico, tal como Histria Moderna e Histria Contempornea. Perante essas diferenas conceituais, destacamos que o termo modernismo aqui aplicado em sua concepo esttica, inaugurada a partir do incio do sculo XX. Jacques Le Goff (1994, p.179) nos oferece uma definio para modernismo: Termo que marca o endurecimento, pela passagem doutrina, de tendncias modernas at ento difusas.

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Le Goff, com isso, estabelece uma relao de continuidade do modernismo em relao ao moderno, ao mesmo tempo em que define aquele, como sntese ou como a cristalizao de conceitos pr-existentes, mas que careciam de sistematizao. Por sua vez, a Idade Moderna ou modernidade estaria ligada s idias de progresso e renovao por meio da cincia, da experimentao e da tcnica, em oposio ao obscurantismo e misticismo medieval (Sampaio, 1977, p.58). J para Giddens (1991, p.11), a modernidade refere-se a um estilo, costume de vida ou organizao social que emergiram na Europa a partir do sculo XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influncia. Como variante do termo modernidade temos modernizao, como processo de atualizao histrica. Est intrinsecamente ligada ao, a um processo de transformao da realidade, das formas de pensar e tambm das condies tcnicas de execuo de tarefas. Neste sentido, ao iniciarmos a anlise do modernismo urbano-arquitetnico brasileiro, percebemos que ele se concretizou e se desenvolveu sob a influncia de inmeros fatores pertinentes poca, compreendida entre os anos de 1920 a 1960, coincidentes com as tentativas de inserir o pas, de fato, na modernidade. Foram fatores determinantes: 1-A disposio poltica para promover a modernizao do pas, evidenciada pelas polticas (ainda tmidas) de substituio das importaes pelo incremento de um parque industrial concentrado principalmente em So Paulo no incio do sculo XX.

2-A disponibilidade de meios tcnicos que oferecessem soluo aos problemas construtivos inerentes esttica arquitetural modernista, caracterizada pela funcionalidade e limpeza de linhas.

3-As influncias ideolgicas socialistas, concomitantes com a Revoluo Russa que, entre outras coisas, preconizavam uma nova organizao do espao urbano e, consequentemente, alteraes substanciais na interao deste espao com o homem. Exemplo prtico da influncia ideolgica na arquitetura modernista a construo dos edifcios sobre pilotis, com o intuito de socializar o espao 27

compreendido pelo terreno sob ele, ou seja, tornar pblico o uso de um espao que, de outra forma, seria de uso privado.

4-A emergncia do pensamento racionalista e planificador em relao s estruturas scioeconmicas dos pases latino-americanos, evidenciada pela criao da CEPAL (Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe), pela ONU em 1948, com sede em Santiago, no Chile. E, internamente, pela criao da Comisso Mista Brasil-Estados Unidos em 1950; do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) e tambm pela criao do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) em 1955 (Santos, 2002, pp.27-8).

Por seu lado, o modernismo urbano-arquitetnico brasileiro guarda importantes diferenas em relao quele modernismo da Semana de Arte Moderna de 1922. A maior diferena a internacionalizao das concepes estticas urbano-arquitetnicas promovidas no Brasil, simultaneamente ao que ocorria na Europa. Essas concepes romperam com a tradio neoclssica, vigente desde fins do sculo XVIII, rompendo tambm, no Brasil, com a esttica neocolonial, aderindo esttica funcionalista. Este internacionalismo diagnosticado pela professora Aracy Amaral (1977, pp.52-3) j nas construes de residncias em estilo Art-noveau11 do final do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX. Ao mesmo tempo, ele est relacionado a um pensar moderno que se traduziu em uma busca de novos comportamentos e novas aspiraes para uma sociedade que se queria progressista. Neste sentido, Belo Horizonte (1893), Goinia (1932) e Braslia (1960) seriam, em diferentes ocasies, exemplos de mentalidades modernizantes, dos quais trataremos no prximo captulo.

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A Art-noveau, enfatizando o fazer artesanal em todas as etapas do desenvolvimento e fabricao de produtos (dos talheres, mveis e artefatos decorativos at toda uma casa), se contrapunha objetivamente ao fazer industrial e produo em massa. Inspirados pelas idias de Willian Morris, arquiteto e Designer ingls, muitos adeptos da Arte Nova almejavam (...) libertar o homem da escravido industrial (Arajo, 1977, p.71).

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J Lcio Costa (1995, p.115), em seu texto Razes da nova arquitetura 12, faz uma crtica a esta interpretao do internacionalismo como fenmeno recente e eminentemente modernista na arquitetura brasileira e mundial:
Nada se pode, com efeito, imaginar de to absolutamente internacional como esta estranha maonaria que supersticiosamente de Viena a Washington, de Paris a Londres ou Buenos Aires -, com insistncia desconcertante, repetiu, at ontem, as mesmas colunatas, os mesmos frontes, e as mesmas cpulas, indefectveis. Assim, o internacionalismo da nova arquitetura nada tem de excepcional, nem de particularmente judaico [...] apenas respeita um costume secularmente estabelecido. mesmo neste ponto, rigorosamente tradicional. (grifos do

autor) De fato, muito da produo artstica brasileira daquela poca ecoou idias e concepes desenvolvidas justamente pela vanguarda francesa do incio do sculo XX. O que estava em xeque para os modernistas no era exatamente a origem de determinadas concepes estticas, mas sim, o carter retrgrado ou estagnado que elas pudessem representar. O modernismo inaugurou um fazer esttico com concepes internacionais, ao mesmo tempo em que enfatizava uma temtica nacional. E isto aconteceu no s nas artes plsticas, com as influncias recebidas por Tarcila do Amaral, Anita Malfati, Portinari e outros, do Cubismo, do Fauvismo e do Expressionismo, como tambm na arquitetura. Neste caso, um nome foi de extrema importncia s novas formulaes dos arquitetos modernistas brasileiros, principalmente em relao a Lcio Costa: Le Corbusier. Na visita que fez ao Rio de Janeiro em 1935, aps Lcio Costa recorrer pessoalmente ao Presidente Getlio Vargas para que este permitisse sua colaborao no projeto da nova sede do Ministrio da Educao e Sade, Le Corbusier no se ateve apenas aos planos para este edifcio. Proferiu palestras e esboou tambm o plano para a futura cidade universitria da Universidade do Brasil, embora no tenha sido levado a efeito. (Costa, 1995, p.135) Em relao a prdios pblicos, esse perodo marcou o incio da histria do modernismo urbano-arquitetnico brasileiro, com a contratao, em 1936, do escritrio de

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Trabalho realizado por Lcio Costa em 1934 como proposta de programa para um curso de ps-graduao na Universidade do Distrito Federal criada por Ansio Teixeira, com a participao de Mrio de Andrade, Gilberto Freire, Prudente de Morais Neto, Sergio Buarque de Holanda, Portinari, Celso Antnio e outros. (Costa, 1995, p. 108)

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Lcio Costa para a elaborao do projeto do prdio do Ministrio da Educao e Sade no Rio de Janeiro. Aquele seria o primeiro edifcio pblico em linhas absolutamente modernistas do Brasil, e nele j se notava a forte influncia dos postulados dos CIAM(s) Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizados anualmente na Europa, a partir de 1928. No projeto da sede do Ministrio, sobre um risco original de Le Corbusier (Figura 1), Lcio Costa e Oscar Niemeyer, ento seu funcionrio no escritrio de arquitetura, redefiniram as linhas imaginadas pelo arquiteto francs, concebendo um edifcio em linhas verticais.

Fig.1-Esboo de Le Corbusier para a sede do Ministrio da Educao e Sade. (apud Costa, 1995, p.122)

Le Corbusier havia imaginado uma construo mais horizontal em um terreno alongado beira mar. O Ministrio vetou o terreno imaginado, mas disponibilizou outro, com dimenses diferentes, onde foi erguido o edifcio reformulado por Lcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe13. Manteve-se a concepo do edifcio sobre pilotis, uma absoluta inovao para os padres da arquitetura brasileira naquele momento. Sua fachada sul totalmente envidraada, enquanto a fachada norte dominada pelos brise-soleil, uma
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Participaram tambm do projeto os arquitetos Carlos Leo, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira e Ernany Vasconcelos. (Costa, 1995, p.136)

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inveno de Le Corbusier, que procura otimizar a ventilao ao mesmo tempo que possibilita o controle da entrada de luz solar. (Fotografia 1)

Fotografia 1 - Ministrio da Educao e Sade Lcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe - fachada norte e detalhes dos Brise-soleil. (Apud Costa, 1995, p.127)

Por outro lado, a aparente aceitao tcita das concepes modernistas como alternativa esttica urbano-arquitetnica no Brasil, para alguns crticos (Sampaio, 1977, p.64; Arajo, 1977, p.72-3) se deveu a nossa posio perifrica em relao ao que ocorria de fato nos plos geradores daquelas idias. Segundo esses autores, mesmo nos CIAM, no havia qualquer consenso quanto validade de determinados conceitos e, principalmente, sobre a possibilidade de uma generalizao dos mesmos para diferentes realidades. Para 31

eles, no Brasil, chegou apenas a propaganda14 do modernismo, ideologizada e ufanista, bastante distante do panorama da arquitetura e urbanismo internacionais. Apesar disto, ou talvez at mesmo por causa de nossa posio perifrica, sem um vnculo estreito com as fontes geradoras das idias, a produo arquitetnica modernista brasileira assumiu um carter personalista, ou seja, autoral nas suas concepes, com forte apelo para solues plasticamente inovadoras, principalmente pela figura de Oscar Niemeyer, se firmando nos cenrios nacional e internacional, tornando o Brasil um importante plo criativo. O que enseja pensarmos que no se tratou exatamente de uma aceitao tcita, mas sim de uma assimilao e transmutao do que foi assimilado, justificando por isso a projeo mundial conseguida poca por aqueles projetos e personalidades. Aps a sede do Ministrio da Educao e Sade vieram: com parceria entre Lcio Costa e Niemeyer, o Pavilho do Brasil na Feira Mundial de Nova York, em 1939; com autoria de Niemeyer, em 1940, o Grande Hotel de Ouro Preto e, em 1942, o Parque da Pampulha em Belo Horizonte,. Em 1940, no Rio de Janeiro, Lcio Costa j havia projetado o residencial Parque Guinle (Figura 2), considerado, por ele prprio, como fonte de inspirao para a concepo das Super-Quadras residenciais de Braslia (Costa, 1995, p.206). Lcio Costa (Ibidem, p.212) define o Parque Guinle como o primeiro conjunto residencial construdo no Brasil, destinado alta burguesia. Ali, j aparece o conceito de adensamento das unidades de habitao em uma parte do terreno (conceito modernista),
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So considerados por estes autores como propaganda Modernista os livros: -Os pioneiros do desenho moderno: de William Morris a Walter Gropius, de Nikolaus Pevsner, editado em 1936, onde o autor estabelece uma continuidade equivocada entre os trabalhos de ambos. Isto porque, se Morris era contrrio produo em massa e priorizava o fazer manual e design exclusivo, Gropuis j dependia sistematicamente de materiais industrializados e da capacidade de replicao destes. (Arajo, 1977, p.72-75) -Espao, tempo e arquitetura, de Sigfrid Giedion, 1940. Neste livro feita uma apologia das construes em ao e concreto armado como sinnimos da era da mquina, da mecanizao e da modernidade. (Ibidem) -O Estilo Internacional, de Hithcock e Johnson , publicado a partir de uma exposio de fotografias realizada no MoMa (Museu de Arte Moderna de Nova York) em 1932. As fotografias tinham como tema inmeras obras da arquitetura moderna realizadas em diferentes pases, mas j na escolha das obras que fariam parte da exposio foram excludas as que, mesmo modernistas, no atendessem a determinados critrios estabelecidos pelo museu. Com isso, a exposio e posteriormente o livro, passaram uma falsa idia de unidade e consenso esttico entre os diferentes locais e mesmo entre os profissionais. (Ibidem) -A divulgao por Le Corbusier da Carta de Atenas em 1933, que, teoricamente, seria resultado das deliberaes do IV CIAM, mas que constatou-se depois, tinha muito de seu prprio punho. Alm disso, Le Corbusier excluiu do texto todas as manifestaes discordantes dos princpios defendidos ali e que haviam aparecido nas plenrias. (Ibidem)

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liberando o restante para reas verdes e lazer. Os edifcios esto sobre pilotis onde, ainda segundo Costa, pela primeira vez se conseguiu deixar o pavimento trreo totalmente vazado. Houve a delimitao dos edifcios em sete pavimentos, o que os deixa muito parecidos com alguns dos blocos residenciais de Braslia. E ainda com uma particularidade:
...o propsito de fazer reviver, nas plantas dos apartamentos, uma caracterstica da casa brasileira tradicional: as duas varandas, a social e a caseira dois espaos, um frente, para receber, outro aos fundos, ligado sala de jantar, aos quartos e ao servio (Ibidem)

Fig.2 Lcio Costa - Parque Guinle (apud Costa, 1995, pp.206-7)

No ambiente poltico-cultural da segunda metade dos anos 1950, com a chegada de Juscelino Kubitscheck Presidncia da Repblica, j nos primeiros meses de seu governo, foi dado o primeiro passo para se efetivar o projeto de transferncia da capital federal para o Planalto Central. Em 19 de setembro de 1956, foi sancionada a lei que criou a NOVACAP Companhia Urbanizadora da Nova Capital. J no dia seguinte, foi publicado no Dirio Oficial da Unio o edital do Concurso Nacional do Plano Piloto de Braslia (Carpintero, 1998, p. 61). Apresentados at o dia 11 de maro de 1957, os 26 projetos inscritos foram julgados por uma banca examinadora composta por: Israel Pinheiro, presidente da NOVACAP e da banca; Oscar Niemeyer, diretor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da NOVACAP; Luiz Hildebrando Horta Barbosa, representante do Clube de 33

Engenharia; Paulo Antunes Ribeiro, representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil, bem como Sir William Holford (Inglaterra), Andr Sive (Frana) e Stamo Papadaki (Estados Unidos), arquitetos estrangeiros convidados para o evento. (Braga, 1999, p.45) Como o edital15 no fazia grandes exigncias quanto ao detalhamento dos projetos, a banca julgadora terminou por definir o concurso como uma concorrncia de idias e no de detalhes (Ibidem, p.47). Para Carpintero (1998, pp. 65-6), no so as poucas exigncias do edital que chamam a ateno, mas sim suas omisses. Ele destaca pelo menos duas que, a seu ver, afetaram diretamente as propostas apresentadas: 1- A falta de estimativa da quantidade de habitantes que o Plano Piloto abrigaria, sobre a qual seriam calculadas as densidades populacionais e os servios necessrios para atend-las; 2- A omisso quanto concepo organizacional do governo, implicando na falta de estimativas sobre as reparties pblicas que seriam alocadas em cada local e sobre quantos funcionrios deveriam abrigar.

Alm dessas omisses, havia outra tambm fundamental: o edital dizia que a construo dos edifcios extrapolava a abrangncia do concurso e esta seria objeto de deliberaes posteriores. (grifo nosso) De fato, sabe-se que toda a parte arquitetnica j estava de antemo conferida por JK a Oscar Niemeyer, que, mesmo antes do resultado do concurso para o Plano Piloto j trabalhava nos projetos. Comprovam este fato as declaraes do prprio JK (1975, p.76) ao discorrer sobre as comemoraes de seu primeiro ano de governo:
E, de fato, tudo ali se desenvolvia a contento. O palcio presidencial e o hotel de turismo j mostravam as colunas de cimento armado. Cerca de 80 quilmetros de estradas haviam sido abertas no cerrado, e por elas transitavam, dia e noite, caminhes carregados de material. (grifos nossos)

Nesta declarao, JK se refere ao dia em que foi rezada a primeira missa em Braslia (03/05/1957), portanto, 46 dias aps a divulgao do resultado do concurso. Tempo por demais exguo para se conceber o projeto, terraplenagem, alicerces e tudo o mais
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O edital, em termos gerais, exigia que as propostas para o Plano Piloto contivessem o traado bsico da cidade, indicando os principais elementos da estrutura urbana, a localizao e a interligao dos diversos setores, centros, instalaes e servios, distribuio de espaos livres e vias de comunicao, [...] alm de um relatrio justificativo (apud Carpintero, 1998, p. 62)

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envolvido na construo do Palcio da Alvorada, que j naquela data, segundo JK, apresentava suas primeiras colunas erguidas. A adeso de novos profissionais s concepes urbano-arquitetnicas modernistas se refletiu nos trabalhos inscritos no concurso para o Plano Piloto, como podemos perceber pelos trabalhos premiados, apresentados a seguir. Todos os trabalhos, alm da planta bsica da cidade, foram acompanhados de um memorial descritivo do projeto e estudos relativos ao local, assim como de explicaes quanto localizao de cada setor ou funo de cada parte da cidade. Em quarto lugar no concurso, foram reunidos e premiados trs projetos inscritos: o de autoria de Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti (Figura 3); o de Carlos Cascaldi, e Joo Vilanova Artigas (Figura 4); e o de autoria da construtora Construtcnica (Figura 5), exemplificados abaixo:

Fig.3 Plano de Henrique E. Mindlin e Giancarlo Palanti (apud Carpintero, 1998, p.107)

Em relao ao projeto acima, a banca examinadora fez as seguintes consideraes, entre outras:
-As unidades de habitao ficariam disformes na prtica, e no se acomodariam muito bem no local; mas o sistema virio bastante simples.

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-A disposio arquitetnica detalhada dos Ministrios, assim como as embaixadas dando para a artria central, no so to interessantes como em outros projetos. (apud Braga, 1999,p.112)

Fig.4 Plano de Vilanova Artigas, Carlos Cascaldi e Paulo de Camargo (apud Braga,

1999, p.114)

J em relao ao plano de Artigas, Cascaldi e Camargo (Figura 4), a banca fez outras crticas:
-Zonas residenciais demasiado uniformes. -M circulao das residncias para a sede do governo. -Onde esto as embaixadas e consulados? (Ibidem, p. 127)

Fig.5 Plano da construtora Construtcnica S/A. Autores: Milton C. Ghiraldini, Clvis Felippe Olga, Nestor Lindenberg e Wilson M. Fina (apud Carpintero, 1998, p.109)

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O plano da Construtcnica S/A (Figura 5), recebeu o seguinte julgamento:


-No tem carter de uma capital. -Enorme extenso de estradas alm da trama central; difceis, porm, as ligaes cruzadas no centro. -Simplificao exagerada das zonas, sendo trs centrais e as restantes todas do mesmo tipo de baixa densidade de habitao. (Ibidem, p. 139)

Em terceiro lugar, foram reunidos e premiados, dois outros projetos: o de Rino Levi, Roberto Cerqueira Csar e L.R. Carvalho Franco (Figura 6); e o plano dos irmos arquitetos Marcelo e Maurcio Roberto (Figura 7).

Fig. 6 Plano de Rino Levi e Roberto Cerqueira Csar (apud Braga, 1999, p.87)

Quanto ao projeto acima, h algumas particularidades que destacamos. Essas torres que vemos na maquete teriam nada menos que trezentos metros de altura e abrigariam 16.000 pessoas cada, segundo o clculo dos projetistas. Foram chamadas por eles de superblocos. Esse ponto foi considerado um problema pelos jurados, que deram o seguinte veredicto:
-Altura desnecessria; resistncia aos ventos; troca de elevadores; concentrao desaconselhvel. -Pistas de alta velocidade atravs dos edifcios. -Do ponto de vista plstico, so os edifcios residenciais que do feio capital, no os edifcios governamentais. (Ibidem, p. 85)

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Fig.7 - Plano dos irmos Marcelo e Maurcio Roberto (apud Carpintero, 1998, p.92)

O plano dos irmos Roberto mereceu alguns elogios, mas teve o mesmo fim dos concorrentes anteriores. Para a banca examinadora:
-O estudo para a utilizao da terra o melhor e mais completo de todo o concurso. -Embora seja um plano para a cidade do bem-estar, desumano a ponto de serem controladas e restringidas todas as posies e circulaes. -[...] no plano para uma capital nacional. (apud Braga, 1999, p.100)

Em segundo lugar (Figura 8), foi premiado o plano de Boruch Nilmann, Joo Henrique Rocha e Ney Fontes Gonalves. A banca elencou alguns pontos negativos, suficientes para no conferir-lhe o primeiro prmio:

-Centro comercial isolado. -Todos os hotis junto ao centro de transporte. -No utilizao da parte mais elevada do terreno. -Inmeras vias sem desenvolvimento periferial. (Ibidem, p. 75)

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Fig.8 Plano de Baruch Milman, Joo H. Rocha e Ney F. Gonalves (apud Carpintero, 1998, p.88)

E, finalmente, o vencedor do certame, o projeto de Lcio Costa (Figura 9). Apesar de algumas crticas do jri, como as abaixo:
-Demasiado espao entre o centro governamental e o lago. -O aeroporto talvez tenha que ser mais afastado. -No especificao do tipo de estradas regionais, especialmente com relao a possveis cidades satlites. (apud Braga, 1999, p.63)

A proposta de Plano Piloto de Lcio Costa reunia, segundo os julgadores, o conjunto de elementos fundamentais para estruturar uma capital federal. Para eles, o plano era:
-O nico plano para uma capital administrativa do Brasil. -Seus elementos podem prontamente ser apreendidos: o plano claro, direto e fundamentalmente simples. -O plano estar concludo em dez anos, embora a cidade continue a crescer. -Um centro conduz a outro, de modo que o plano pode ser facilmente compreendido. -Tem o esprito do sculo XX: novo; livre e aberto; disciplinado sem ser rgido. -Inmeros projetos apresentados poderiam ser descritos como demasiadamente desenvolvidos; o de nmero 22 (nmero de inscrio de Lcio Costa), ao contrrio, parece sumrio. Na realidade, porm, explica tudo o que preciso saber nesta fase; e omite tudo o que sem propsito. (Ibidem, p. 63-4)

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Fig.9 Plano Piloto de Braslia - Lcio Costa (apud Costa, 1995, p.278)

Ao colocarmos acima exemplos das propostas premiadas no concurso do Plano Piloto, quisemos realar alguns traos de afinidade entre eles, ao mesmo tempo, para que pudssemos visualizar quais idias estticas dominavam as mentes dos arquitetos e urbanistas brasileiros naquele momento. A presena do contorno do lago Parano em todos os planos se deu por imposio do edital, que previa sua construo naquele local, a partir do represamento do rio Parano. Este fato, como se nota, em muito influenciou na prpria conformao do que seria o permetro do Plano Piloto, pois a curvatura do lago acabou por definir um arqueamento correspondente em pelo menos quatro dos sete planos premiados. Num primeiro olhar, percebemos em todos os planos um distanciamento da concepo tradicional de cidade. Notamos que buscavam certa reinveno do stio urbano em relao organizao espacial e seu relacionamento com o ambiente, com alguns planos desconhecendo essa interao e outros se adaptando ao que determinava o stio. Ao mesmo tempo, identificamos em todos uma forte nfase na funo de circulao, pois na

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totalidade est bem marcada a rede viria, compondo um verdadeiro organismo, articulado e interconectado. Notamos tambm a presena de variados graus de racionalismo nas plantas, partindo desde a rigidez geomtrica e cartesiana, como no caso dos planos de Artigas, Milman e Construtcnica, at uma geometria lrica, com curvas suaves e assimetrias, como no caso dos planos dos irmos Roberto, Mindlin e Lcio Costa. O racionalismo geomtrico, neste caso, estava intrinsecamente ligado ao carter funcional que se queria dar a uma capital administrativa, funo primordial conferida a Braslia. Funcionalidade que era das principais caractersticas da arquitetura e urbanismo modernistas, tornando-se um elemento primordial na anlise da comisso julgadora que, dentre os projetos premiados, conferiu o primeiro lugar ao de Lcio Costa. Neste sentido, podemos nos perguntar, qual foi o pecado dos planos no vencedores do concurso? Aparentemente, seus formuladores no deram a nfase que a comisso julgadora, ou o prprio governo, almejavam para o espao do poder em uma capital federal. Naqueles projetos, no havia uma definio grfica clara de onde estariam localizados os espaos institucionais representativos. No h linhas ou elementos que realcem os poderes da Repblica, quanto disposio nuclear de uns espaos em relao aos outros. Percebe-se apenas que h uma Praa Cvica em algum ponto central dos planos, sem sua expresso simblica grfica intrnseca. Ao fazer uma extensa anlise sobre os projetos concorrentes no concurso, exceto em relao ao Plano de Lcio Costa, Capintero (1998, p.110), chega ao seguinte entendimento:
O carter funcional, contudo, comparece em todos, e est como que entranhado na cultura brasileira. Todos definem, de um modo mais ou menos direto, zonas especficas, - e talvez no fosse mesmo possvel pensar uma cidade, quela poca, sem usar tal recurso. Todos, entretanto, apontam para as mesmas razes positivistas do inicio do sculo XIX, uns pela via racionalista, formal ou funcional, outros pelas vias orgnicas.

Especificamente sobre o plano de Lcio Costa, Carpintero (1998, p.153) conclui:


O projeto de Lcio Costa, vencedor do concurso, explorou, mais que qualquer outro os elementos da morfologia do terreno, a monumentalidade do stio e o esprito do lugar. Respondeu com preciso s necessidades, explcitas ou no, do edital. Evidenciou assim sua base substancialmente racional.

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Para ns, naquele momento pelo qual passava o Brasil, havia um verdadeiro imperativo, racional ou no, em aliar as demandas por desenvolvimento econmico, poltico e social esttica modernista. Isto porque, se esta nova esttica, tal como outras, no oferecia todas as condies para solucionar os graves problemas urbano-arquitetnicos e sociais recorrentes no Brasil, ela, por outro lado, servia perfeitamente para negar um passado poltico e econmico que se queria morto e esquecido; ao mesmo tempo, apontava para um futuro em que, segundo a propaganda oficial, estariam garantidos o desenvolvimento e a ascenso do Brasil como nao socialmente justa e alinhada com as outras grandes naes do planeta. A esttica modernista ento se tornou a porta-voz, em termos simblicos, daquele misto de criador e criatura representados pelo nacional-desenvolvimentismo e as demandas por crescimento econmico emergentes na sociedade e, na busca de uma materialidade representativa para aqueles sentimentos e aspiraes, Braslia veio simbolizar e amalgamar todas as energias envolvidas naquele processo.

1.2 Nacional-desenvolvimentismo
Na concepo Gramsciana, um grupo pode chegar hegemonia poltica de duas formas: pelo domnio ou pela direo intelectual e moral. Um grupo domina quando chega ao poder pela fora, liquidando os adversrios. Quando se torna hegemnico pela persuaso e consegue a adeso por meios ideolgicos, este grupo exerce uma direo intelectual e moral em relao aos outros. Para que possa exercer o poder, este grupo - classe dominante ou frao de classe, deve conseguir aliados nos outros grupos, tendo como objetivo principal a formao de uma vontade coletiva. Esta, por sua vez agruparia, no plano ideolgico, vrias camadas ou classes sociais distintas, mas unidas em torno de um projeto comum. (Cardoso, 1978, p.72-73) Nesta perspectiva, em relao ao governo JK, podemos questionar em que medida houve esta unio heterognica dos vrios segmentos sociais no perodo. E se houve, quais foram os meios utilizados para consegui-la naquela conjuntura bastante conturbada, tanto poltica quanto social, da segunda metade dos anos cinqenta. O iderio desenvolvimentista apontava a pobreza como a maior responsvel por nossa posio de inferioridade perante as outras naes (Ibidem, p.194). Ao mesmo tempo 42

tambm imputava pobreza a responsabilidade pela gerao do clima de intranqilidade e enfrentamento poltico, pelo qual passava o Brasil na poca. JK repetia com freqncia: preciso apaziguar o Brasil (JK, 1958, p.301). Apaziguar com desenvolvimento econmico, para garantir a soberania (Cardoso, 1978, p.100). No entendimento de JK (1957, p.33), depender de recursos externos para garantir o desenvolvimento econmico no agredia em nada nossa soberania:
Necessitamos de capitais geradores de capitais produtivos, de investimentos que venham dinamizar o ativo de nosso pas. [...] Os capitais que vierem ajudar-nos nessa conquista devem ser considerados amigos. No h capital colonizador a no ser nas colnias. Num pas como o nosso, o que colonizador a ausncia de investimentos, ausncia de emprego de capitais, [...] acreditar na possibilidade de sermos escravizados por influncias do dinheiro estrangeiro o mesmo que concluir pela nossa fragilidade, pela nossa anemia completa e irremedivel, ofensa nossa personalidade nacional e ao nosso carter de povo formado.

Weffort (1968, apud Laffer, 2002, p.46) aponta a convergncia de interesses implcita no Plano de Metas do governo JK como o elemento que possibilitou uma poltica de compromisso e de conciliao:
[...] por um lado as novas massas, politicamente relevantes, outorgavam, atravs do voto, legitimidade ao regime e a conciliao entre as elites, e estas, por sua vez, se comprometiam a ampliar as oportunidades de emprego, garantindo assim a legitimidade de seu mando.

Por outro lado, Celso Lafer (2002, p.47), interpreta a eleio de JK em 1955 como a emergncia do populismo16 no Brasil. Populismo este que, devido a acrscimos na participao poltica, que Lafer mede pelo aumento do nmero de eleitores votantes nas sucessivas eleies brasileiras, gerou um tipo diferente de poltica de massas. Em contraste com a era Vargas, ainda segundo Lafer, onde a participao poltica estava reservada s elites, este aumento na participao e incorporao de mais camadas sociais na vida scioeconmica brasileira, gerou na massa mobilizada condies de reivindicar por aumento de oportunidades de trabalho, o que foi considerado pela elite industrial e exportadora como compatvel com seus interesses, pois mais trabalho geraria mais produo, mais consumidores e mais riqueza. A expanso industrial atenderia s massas, alm de mais oportunidades de trabalho, com o provimento de bens de consumo demandados pela classe mdia urbana.
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Entendido como uma forma de controle sobre as massas, ao mesmo tempo em que visa satisfazer suas demandas imediatas. (Gomes, 2000, p.546)

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A opo do governo JK pelo desenvolvimento scio-econmico foi resultado ento da interao entre as demandas vindas da sociedade e a busca de apoio pelo governo no enfrentamento s presses do sistema poltico. Atender a muitas das demandas dos novos setores sociais inseridos tornou-se condio primordial para o bom funcionamento do regime. O projeto de desenvolvimento idealizado pelo grupo de JK implicou trs momentos distintos e sucessivos em sua campanha e posterior governo: 1.2.1 Diagnstico da realidade sciopoltica e econmica brasileira. O diagnstico de JK era de que o Brasil sofria de uma crise de crescimento e no de estagnao (JK, 1956). Para ele o Brasil no deveria mais manter-se, como numa sina hereditria, a ser apenas um grande produtor de bens primrios. Urgia atender a um potencial mercado consumidor interno e a industrializao seria a via mais apropriada, pois ofereceria os empregos na qualidade e quantidade necessrios a um pas populoso como o Brasil, alm de satisfazer as demandas de consumo por produtos manufaturados. 1.2.2 Planejamento quanto s formas de enfrentamento dos problemas encontrados. Inicialmente importante destacarmos que o planejamento das aes econmicoestruturais do Estado no foi uma criao do governo JK. Ainda no governo Dutra foi criada, em dezembro 1950, a Comisso Mista Brasil-EUA para o Desenvolvimento Econmico, e em seguida, no governo Vargas, que assumiu em janeiro de 1951, iniciou seus trabalhos presidida pelo Ministro da Fazenda Horcio Lafer. Desta Comisso saram 41 projetos visando o desenvolvimento econmico brasileiro. JK, ento governador de Minas Gerais, ao priorizar a realizao de metas nos setores de energia e transportes, recebeu forte apoio Federal, materializado por investimentos no estado, o que o aproximou dos membros da Comisso Mista e o fez vislumbrar as possibilidades de seguir futuramente o mesmo programa no mbito federal. (CPDOC-FGV, A Era JK).

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J em campanha presidncia, JK chamou Lucas Lopes, presidente da CEMIG (Centrais Eltricas de Minas Gerais) e Roberto Campos, ambos ex-membros da Comisso Mista Brasil-EUA, para idealizar o programa que receberia o nome de Plano de Metas, no qual constavam 30 metas nos vrios setores da economia onde, a partir do diagnstico elaborado, constatou-se a existncia de gargalos e entraves para o desenvolvimento econmico do pas (Ibidem). As metas abrangeriam: - Energia (metas 1 a 5), com 43% dos investimentos totais previstos no plano. - Transporte (metas 6 a 12), com 29,6% dos investimentos. - Alimentao (metas 13 a 18). - Indstria de Base (metas 19 a 29). - Educao (meta 30). - Construo de Braslia (meta 31), foi acrescentada ao Plano de Metas por JK durante a campanha eleitoral de 1955. 1.2.3 Implementao do plano. JK no s aproveitou os quadros da antiga Comisso Mista Brasil-EUA no planejamento econmico de sua estratgia de governo, como os trouxe para dirigir os Grupos de Trabalho (GTs) setoriais. Estes foram responsveis pela implementao das metas afins, como o GEIA (Grupo Executivo da Indstria Automobilstica), responsvel por todas as aes estruturais que atrassem as montadoras multinacionais para estabelecer seus parques de produo no Brasil. Como primeira medida visando implementao do Plano de Metas, JK criou o Conselho de Desenvolvimento atravs do decreto 38.744, de 01 de fevereiro de 1956, nomeando para sua diretoria membros do gabinete ministerial, alm de representantes de rgos especficos da administrao pblica federal. Esta seria uma estratgia conciliatria de JK que no queria confrontar-se com o sistema clientelista vigente na poltica brasileira. JK articulou para que o Conselho de Desenvolvimento legitimasse as decises dos GTs, que representavam uma verdadeira administrao paralela ao governo federal (Ibidem, p.61).

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Detalhando mais cada um dos pontos desenvolvidos pelo Plano de Metas podemos verificar em que medida houve xito ou no em sua implementao. O grfico abaixo (Grfico 1), corresponde transposio dos dados quanto aos resultados obtidos em cada rea abrangida pelo Plano de Metas. Os valores quantitativos, em toneladas, quilmetros, barris de petrleo, sacas de produtos agrcolas, etc., constam do livro de Celso Lafer, JK e o programa de metas (1956-1961). Processo de planejamento e sistema poltico no Brasil, onde, a partir de dados do IBGE, o autor detalha cada uma das reas da economia, no incio e ao final do governo JK.
200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0
En er En gia er el gi a trica nu Pe cl tr ea l e C r Fe o a rro P (pr rv vi etr od o a u Fe s (e leo o R rro qu (re ) od v ip f ov ias am ino) ia en ( c Ro s (p ons tos do av tru ) vi i m as en o (c ta ) on st o) ru M ar o) in P ha or M to er s ca Ar nt m e az en Trig M o a ec Fr me an ig nto iza o Ma rfic o o t da ad s ag our os r Fe icul rti tur liz a Si ante de s M ru et r aI S Alu gia n m o- n fe io rro Ci sos m en Pa p e to l l c e a Ex ce lis p lu In ort d a B los st o orr e ria d a au e M cha Co tom in ns ob rio i M tru lst ec ica n o n ica av pe al sa Br da as li a

Grfico 1 Valores atingidos em porcentagem (%), para cada meta estabelecida no Plano de Metas.

porcentagem

No grfico acima, na coluna de porcentagem, o nmero 100 representa o objetivo inicial, ou a meta a tingir, em cada setor da economia contemplado pelo Plano de Metas. Alguns dados chamam a ateno pelo sucesso alcanado, superando em muito a meta estabelecida e, outros, impressionam pela ausncia de resultados. O setor de papel e celulose, por exemplo, praticamente atingiu o dobro da expectativa, seguido pela mecnica pesada, que atingiu 150% da projeo inicial. A 46

construo de rodovias, a indstria automobilstica e a marinha mercante, tambm superaram em muito as metas iniciais. O fiasco, em termos de resultado, ficou para a energia nuclear. Quando se previa a construo de uma usina atmica para produo de energia eltrica, contentou-se, ao final, apenas com a instalao de um reator experimental na USP Universidade de So Paulo. Outras reas, como a produo de trigo, com 25% da meta atingida e implantao de frigorficos, com 12% do que se pretendia atingir, representaram setores onde o nacionaldesenvolvimentismo no conseguiu estabelecer seus preceitos de produo em escala e rpida obteno de resultados. Porm, em geral, notamos que muitas metas se mantiveram entre os 60 e os 80% de resultados atingidos, lembrando que em muitas reas partiu-se do zero, pois no havia absolutamente nada ou muito pouco implantado naquele setor at o advento do Plano de Metas como, por exemplo, na indstria petrolfera e Braslia. Em relao ltima meta, nas palavras de JK:
Braslia ser a chave de um processo de desenvolvimento que transformar o arquiplago econmico que o Brasil em um continente econmico integrado.

(JK, 1961, p.109)

Ao escolher Braslia como meta-sntese de seu Plano de Metas, JK queria revestila de uma grandeza simblica que pairasse sobre todas as outras metas contidas no plano, onde quer que estas estivessem sendo implementadas. JK almejava que Braslia fosse a parte visvel, palpvel, que desse a medida do sucesso da implementao do Plano de Metas, que pelo seu carter difuso, com intervenes em vrias reas, em diferentes pontos do territrio nacional, causava dificuldade de visualizao quanto a sua efetividade. Braslia, por outro lado, ajudada pela oposio, contrria sua construo, estava diariamente nas mdias impressa e radiofnica, o que bem ou mal dava uma medida exata do progresso das obras. Uma das maiores crticas da oposio com relao construo de Braslia era com relao a seus custos, estimados entre Cr$250 milhes e Cr$300 milhes (preos de 1961), ou 2 a 3% do PNB (Produto Nacional Bruto) durante o perodo (Lafer, 2002). Aliado ao problema dos custos criticava-se tambm a forma pela qual eles eram cobertos, em sua maior parte pela emisso de moeda, estratgia consensualmente

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inflacionria segundo os economistas. E, de fato, a inflao aumentou substancialmente no perodo, passando dos 13,1% em 1955 para 30,9% em 1960. Por outro lado, diante das opes disponveis na poca para financiar a construo de Braslia, a opo de JK pela inflao seria:
[...] uma sada milagrosa para contemporizar uma situao na qual as elites e as massas participavam de um jogo sofisticado e no-violento, em que todos obtinham vitrias ilusrias (aumento de preos e salrios), evitando-se, portanto, o conflito aberto. (Lafer, 2002, p.87)

Outra opo seria fazer uma reforma fiscal completa visando conseguir estabilidade monetria, o que, certamente, implicaria aumentar a carga fiscal das elites, dificultando em muito a manuteno do apoio poltico dado ao governo, inviabilizando a poltica conciliatria promovida por JK, que o havia levado ao poder. Outro dado dramtico daquele momento era o dficit na balana comercial brasileira, que s no primeiro semestre de 1956 chegou a Cr$1.024.569,00 (Um bilho e vinte e quatro milhes de cruzeiros) (IBGE, 1956, p.244), e mesmo com o plano de industrializao, chegou a Cr$51.000.000,00 (cinqenta e um bilhes de cruzeiros) em 1959 (IBGE, 1960, p.186-7). Esses dados demonstram uma demanda interna por produtos industrializados importados extremamente aquecida que, concomitante com as outras demandas sociais exigiram um enfrentamento que, para JK, se resolvia com a industrializao a qualquer preo. E, provavelmente, JK tinha em mente todas essas implicaes ao adotar uma poltica diametralmente oposta de conteno de despesas. Optou pela emisso de moeda, preferindo incrementar os ndices de inflao a comprometer seu projeto poltico, o que, para ele, inevitavelmente ocorreria caso escolhesse o caminho da austeridade econmica e fiscal. Por sua vez, norteando grande parte das opes feitas poca, desde as concepes estticas e as formulaes de governo, at as crticas suscitadas por ambas, estava o pensamento nacionalista, nosso prximo objeto.

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1.3 Nacionalismo
So nacionalistas, no Brasil, correntes de extrema direita, ligadas, no passado, aos movimentos de propenso fascista, e correntes de extrema esquerda, como o partido comunista. So nacionalistas os defensores da nacionalizao dos meios de produo e os partidrios da iniciativa privada. (Jaguaribe, 1958, p.12)

A constatao de Hlio Jaguaribe, alm de explicitar o carter extremamente contraditrio das correntes nacionalistas naquela segunda metade dos anos 1950, tambm ilustra o momento histrico pelo qual passava o Brasil. Para ns, um processo agudo de construo e afirmao da nacionalidade. Pode-se argumentar que este um processo permanente no caso de uma nao, e que o nacionalismo se confunde mesmo com o aparecimento desta. Concordamos com isso, mas nossa hiptese de que existem fases agudas deste processo, onde, a partir do diagnstico de que a nao apresenta deficincias econmicas, sociais e polticas, determinados grupos se digladiam por estabelecer a sua concepo de nao, a sua soluo para os problemas e, se possvel, em detrimento das concepes de outros grupos. Por outro lado, Jaguaribe, indiretamente, desvenda uma das principais caractersticas do nacionalismo, ou seja, que ele independe da filiao ideolgica a que pertena o cidado. Ser nacionalista no uma prerrogativa desta ou daquela corrente ideolgica, deste ou daquele partido poltico, desta ou daquela classe. Para alguns autores, um pensamento nacionalista mais exacerbado seria conseqncia de determinada conjuntura histrica, principalmente de momentos em que se vislumbram possveis rupturas, transformaes ou acmulo de demandas sociais reprimidas. Este parece ser exatamente o panorama que encontrvamos no Brasil dos anos 1950. Desde a Primeira Repblica, o Brasil vinha passando por um processo de incorporao de caractersticas urbano-industriais numa sociedade eminentemente agrria e tradicional, implicando em uma inverso na concentrao demogrfica: a populao urbana passou de 30%, em 1940, para 70%, em 1980. (Carpintero, 1998, p.49). Gellner (2000, p.109) v nesta conjuntura de transio, em especial, o favorecimento para o aparecimento do nacionalismo, quando diz que (...) este se manifesta

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em sua forma mais aguda no no fim, mas em alguns dos pontos de transio entre os dois tipos societrios, rural e industrializado. Nesta mesma linha de pensamento, Partha Chatterjee (2000, p.125), estabelece a ligao entre o aparecimento do nacionalismo nestes pontos de transio da sociedade com o aparecimento de novos conceitos culturais afinados com os novos tempos. Ao analisar o contexto cultural, quando do aparecimento do nacionalismo no Oriente, este autor nos oferece um quadro bastante prximo e comparvel ao que encontrvamos no Brasil durante seu processo de industrializao:
o nacionalismo do tipo oriental, tem sido acompanhado de um esforo de reequipar culturalmente a nao para transform-la. Porm no pode faz-lo simplesmente imitando uma cultura estranha porque ento a nao perderia sua identidade distintiva. A busca, portanto, por uma regenerao da cultura nacional, adaptada aos requerimentos do progresso, porm retendo ao mesmo tempo sua peculiaridade. Mas este intento profundamente contraditrio: ao mesmo tempo imitativo e hostil aos modelos que imita [...]. (grifos do autor)

Com isso notamos que, tambm no caso brasileiro, esta proximidade ou interdependncia entre industrializao, nacionalismo e novos conceitos estticos (em nosso caso, traduzidos pelo modernismo), no foram mera coincidncia, e sim, fruto de uma conjuntura de transformaes, que muito nortearam os comportamentos naquele momento. Dentre estes comportamentos, o nacionalista esteve envolvido em grande parte das aes que, de alguma forma, delimitassem ou estabelecessem parmetros, fossem estes estticos, polticos, sociais ou econmicos. O pensamento nacionalista se engajou na formulao do projeto constitutivo e no discurso fundador da nao, alm de, no decorrer do tempo, ter sido o responsvel pela aglutinao de foras para sua manuteno e defesa (Jaguaribe, 1958, p.21). Durante o governo JK, o tema do desenvolvimento pela rpida industrializao foi o grande motivador do embate poltico-ideolgico verificado. Isto porque, industrializar-se com a presteza que o Plano de Metas preconizava exigia a existncia ou a gerao de capitais para investimentos que estavam muito alm de nossas capacidades, tpicas de um pas exportador de produtos primrios, sem grande valor agregado.

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A soluo imaginada pela equipe econmica de JK foi desenvolver polticas para atrair o capital estrangeiro, para que este fizesse os investimentos internamente. Mas esta estratgia esbarrou em um outro componente da ideologia nacionalista: a percepo da fronteira, ou seja, do todo que nos une, ao mesmo tempo em que nos diferencia das demais naes. JK (1975, p.358-9) justifica sua opo por recorrer ao FMI, quando discorre sobre a crise do mercado de caf17, que poca de seu governo afetava negativamente a balana comercial brasileira, reduzindo substancialmente a entrada de divisas na economia:
A recesso econmica em pases compradores afetou, com freqncia, nossas oportunidades de mercado e, em face disso, deixou de ser satisfatrio o resultado geral. Contudo, tendo em vista a necessidade de se promover, sem tardana, o desenvolvimento nacional, o governo voltou-se para o exterior em busca de recursos financeiros com vistas concluso das obras em andamento.

Ao mesmo tempo em que recorria ao FMI, o governo brasileiro editava a Instruo 113, atravs da SUMOC (Superintendncia da Moeda e do Crdito), estabelecendo tratamento preferencial e benefcios ao capital estrangeiro que aportasse no Brasil para investimentos diretos. Para os nacionalistas mais radicais, a presena deste capital no Brasil significava perda de soberania, uma agresso nacionalidade. Com isso, os favorveis entrada do capital estrangeiro foram tachados por eles de entreguistas. No tardou a reao dos Deputados da Frente Parlamentar Nacionalista18, como no caso de Adail Barreto: [...]somos contra o capital colonizador, venha ele de onde vier [...], e do colaborador da Revista Brasiliense19 Elias Chaves Neto:
Por mais paradoxal que parea, a possibilidade de poderem as naes imperialistas aplicar os seus capitais, hoje empatados em armamentos [...], em pases que deles necessitam para o seu desenvolvimento, surge como condio de paz no mundo. Para tanto seria, porm, necessrio a formulao de novos mtodos econmicos em que a ajuda de pases capitalistas altamente evoludos aos demais, se processem sob a forma de governo a governo ou da venda financiada, a longo prazo, da maquinaria necessria industrializao daquelas
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Entre 1951 e 1955 o preo da saca de caf esteve, em mdia, cotado em 68 dlares, caindo para 51 dlares a partir de 1956, 25% a menos. A queda no preo se explica pela prpria expanso da produo brasileira que girava em torno de 12,5 milhes de sacas na safra de 1956/57 e saltou para 27 milhes de sacas na safra 1958/59 (IBGE, Anurio Estatstico, 1951 a 1960). 18 A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), criada por iniciativa da Ala Moa do PSD (Partido Social Democrtico), congregava polticos progressistas de diferentes legendas do congresso Nacional. (Moreira, 1998, p.147) 19 Revista editada entre outubro de 1955 e fevereiro de 1964. Congregou expoentes do pensamento econmico nacionalista, tais como: Caio Prado Jr., Elias Chaves Neto, Heitor Ferreira Lima, Everaldo Dias, Paulo Dantas, Rui Guerra, Paulo Alves Pinto, lvaro Farias e Florestan Fernandes. (Moreira, 1998, p.146)

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naes e no sob a forma tradicional de aplicao direta de capitais estrangeiros de um pas em outro, precisamente aquele tipo de transao que caracteriza o imperialismo e responsvel pelo subdesenvolvimento do mundo. (apud

Moreira, 1998, p.149) A construo de Braslia, por seu lado, no ficou margem desta discusso envolvendo capital estrangeiro, nacionalismo econmico, desenvolvimento e criao de uma identidade nacional. Roland Corbisier (Ibidem, p.139), diretor executivo do ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros, discorrendo sobre o significado da construo de Braslia, enfatiza que esta representava:
(...) a prova eloqente de que no estamos mais condenados a traduzir, imitar ou copiar apenas, mas que j nos tornamos capazes de afirmar o nosso gnio, a nossa fora criadora. Afirmando esse gnio e essa capacidade, Braslia nos liberta e contemplando-a, leve e monumental, moderna e brasileira, funcional e lrica, ns nos encontramos e nos reconhecemos.

Mas a opinio acima estava longe de ser unnime. A construo de Braslia suscitou uma diviso no iderio nacionalista. Com o grupo de Corbisier e do ISEB, estavam os que no admitiam solues que envolvessem ruptura no tecido social, interpretando Braslia como o trampolim para a modernizao da economia e a viabilizao do desenvolvimento ampliando o mercado consumidor e de trabalho. (Ibidem, p.161-2) Outro grupo, formado pelos radicais nacionalistas, clamava por reformas estruturais profundas e, para eles, Braslia no seria nada mais do que o comeo do processo de reorganizao nacional, do qual faria parte fundamental a reforma agrria e a reforma eleitoral. Neste grupo se encontravam os intelectuais da Revista Brasiliense. E, ainda, outro grupo de nacionalistas econmicos, interpretava Braslia como um truque para mascarar o carter entreguista do plano de metas e tinha por objetivo impedir a reforma agrria (Ibidem, p.162). Por outro lado, percebemos que, paralelamente s discusses acaloradas envolvendo o nacionalismo econmico, se dava um outro processo muito mais silencioso e subliminar, que veio contribuir em muito para a construo no ambiente social das demandas sobre as quais o nacional-desenvolvimentismo iria trabalhar em suas propostas. Referimo-nos colonizao cultural pela qual passava o Brasil e o mundo, a partir dos anos 1930, e mais fortemente no ps Segunda Guerra Mundial, com a disseminao da cultura americana pelo cinema e outros meios de comunicao.

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Especificamente sobre o cinema, alm de parte da indstria do entretenimento, as produes serviam a vrios propsitos. Um deles, o de abrir mercados aos produtos industrializados americanos e indiretamente propagar o american way of life. Com o decorrer do tempo, a esses objetivos se juntou um efeito colateral: a constatao de que nos tornvamos cada vez mais dependentes e sem perspectiva de alavancarmos nosso desenvolvimento se se mantivesse o modelo de pas eminentemente exportador de matrias primas e importador de produtos industrializados. E, como decorrncia, o questionamento do porque no poderamos produzir esses bens diretamente aqui. Os nmeros de nossa balana comercial no perodo mostram o desequilbrio decorrente de se comprar produtos com alto valor agregado e exportar materiais primrios. No ano de 1957 o dficit da balana comercial brasileira foi de US$ 92.200.000 e, j em maro de 1958, portanto com apenas trs meses do exerccio, estava em US$ 50.000.000 (Moniz, 1973, p. 380). Esses nmeros negativos, em muito, foram resultado do impacto da queda do preo do caf no mercado internacional. Apenas em relao s exportaes brasileiras para os E.U.A., o montante arrecadado caiu de US$ 84.600.000, em janeiro de 1957, para US$ 53.400.000, em janeiro de 1958 (Ibidem). Ao mesmo tempo, e por dcadas, os carros que trafegavam em nossas ruas e a gasolina consumida eram americanos, bem como a msica que ouvamos nas vitrolas e nos rdios, tambm americanos, tal como os demais produtos industrializados. Nossos cinemas, em grande parte, estavam tomados tambm pela produo hollywoodiana, com algumas tentativas de se produzir em grande escala no Brasil, como por exemplo, pela Companhia Cinematogrfica Vera Cruz, mas que acabou por ser engolida pelo concorrente extraordinariamente mais forte. Porm, o mais importante para ns que, embutidos naquelas produes, estava uma quantidade considervel de propaganda indireta de uma srie de produtos, do cigarro ao liquidificador e refrigerador, dos carros ao status de viajar por via area, dos produtos de beleza femininos moda. Todos vendendo a idia das facilidades da vida moderna, amparada numa quantidade interminvel de eletrodomsticos e produtos industrializados em geral. E, com uma particularidade, em geral, no se divulgava uma marca em

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especfico, mas sim o produto, ou seja, interessava criar a demanda por hbitos de consumo. (Mello; Novais, 2000, p.564) A este respeito, a ttulo de ilustrao, gostaramos de citar duas cenas antolgicas de filmes, onde aparecem claramente essa prtica: a primeira, do filme O Pecado Mora ao Lado20, produo de 1955, onde, o personagem principal, aps descrever as qualidades da vida com ar condicionado em todos os ambientes da casa, faz questo de levar sua vizinha, interpretada por Marilyn Monroe, at a cozinha e mostrar-lhe alguns aparelhos eletrodomsticos enfatizando a praticidade de seu uso. A atmosfera de

propaganda/casualidade, seduo/ingenuidade e demonstrao explcita do americam way of life uma constante. Em outra produo, Gata em Teto de Zinco Quente21, de 1958, foi criada uma cena especificamente para que se pudesse demonstrar as qualidades da meiacala feminina transparente. Ao chegar casa dos sogros, a personagem interpretada por Elizabeth Taylor tem suas meias sujas com sorvete, arremessado por uma sobrinha malcriada. Em seu quarto, enquanto dialoga com o marido, interpretado por Paul Newman, ela passa pelo menos trs minutos da cena retirando as meias sujas, escolhendo outras, as manipulando para vestir e, ao final, a cmera d um close-up nas pernas da atriz para reforar o resultado do produto em relao pele. Esse processo no passou despercebido da intelectualidade brasileira. J nos anos 1930, Noel Rosa, na letra de seu samba No Tem Traduo, fazia a crtica do processo de colonizao cultural pelo qual passava o Brasil, como podemos verificar abaixo:
O cinema falado o grande culpado da transformao dessa gente que pensa que um barraco prende mais que o xadrez. L no morro, se eu fizer uma falseta a Risoleta desiste logo do francs e do ingls. Amor l no morro amor pra chuchu. As rimas do samba no so I love you. Mais tarde o malandro deixou de sambar dando pinote na gafieira danando o fox-trote. Essa gente hoje em dia que tem a mania de exibio no entende que o samba no tem traduo no idioma francs. Tudo aquilo que o malandro pronuncia com voz macia brasileiro, j passou de portugus.
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Ttulo original: The Seven Year Itch. Direo: Billy Wilder, com Marilyn Monroe e Tom Ewell. Este interpreta um homem casado que, aps a esposa viajar para a praia com o filho, fica sozinho em casa, em Manhatan. Sobre seu apartamento mora uma jovem (Marilyn), que veio trabalhar na metrpole como modelo fotogrfico. Ao conhec-la, imediatamente se encanta e elabora diferentes estratgias para conquista-la.
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Ttulo original: Cat on a Hot Tin Roof. Direo: Richard Brooks, com Elizabeth Taylor e Paul Newman. O filme discute as relaes inter-pessoais em uma rica famlia sulista americana plantadora de algodo. Seus conflitos inerentes, envolvendo interesse, lealdade, hipocrisia, falsidades e verdades.

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A gria que o nosso morro criou bem cedo, a cidade aceitou e usou. E esse negcio de al, al boy, al Johnny, s pode ser conversa de telefone".

A letra de Noel expressa preocupaes lingsticas e culturais, ao diagnosticar mudanas comportamentais relacionadas com a assimilao da cultura estrangeira. Noel antev tambm a mudana de nossos paradigmas culturais, que at ali estavam atrelados cultura francesa e a partir de ento passaram a tomar a Amrica como modelo. Fornece-nos, ao mesmo tempo, uma pista quanto violncia do processo que estava em curso e a nossa fragilidade para enfrentar o problema. Esse processo, relacionado abertura de mercado aos produtos culturais e materiais americanos, chamamos de criao de demanda. Se num primeiro momento visava conquistar os consumidores brasileiros, com o tempo, pode ter incutido nestes, indiretamente, a receptividade s sedutoras idias desenvolvimentistas que prometiam trazer aquele mundo de fartura e praticidade para o alcance de suas mos. E com ele, segundo a propaganda oficial desenvolvimentista, todas as conseqncias positivas como o aumento de empregos, melhoria na formao educacional, especializao da mo de obra e oportunidades de crescimento da nao. Porm, aquelas escolhas feitas por JK e equipe, quanto ao modelo de desenvolvimento a ser implantado no Brasil, ao incrementarem o ritmo do desenvolvimento e industrializao do pas no curto prazo, geraram conseqncias negativas que permaneceram, mesmo aps o fim de seu governo. Aquela excessiva liberalidade quanto ao capital internacional que entrava, no exigindo, por exemplo, um compromisso das empresas no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias nacionais, nos tornou meros fabricantes de produtos de patentes estrangeiras, o que manteve o fluxo de capitais que saiam do Brasil, porm, a partir dal, como pagamento de royalties. A baixa percentagem22 do PIB (Produto Interno Bruto) que investimos, mesmo hoje, em cincia e tecnologia, demonstra nossa insistncia na manuteno daquele modelo. Finalmente, aps tentarmos estabelecer as imbricaes entre os trs elementos de nossa frmula: modernismo, desenvolvimentismo e nacionalismo, conclumos que, no que concerne ao projeto nacional-desenvolvimentista, ele passou ao largo de posturas
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Em 2004 o Brasil investiu 1,37% do PIB em Cincia e Tecnologia. Especificamente em pesquisa e desenvolvimento foram 0,93% do PIB. (apud PIB: 2001 a 2004, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE)

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econmicas mais radicais ao recorrer ao capital estrangeiro como financiador do desenvolvimento. Ao mesmo tempo restringiu sua pregao nacionalista ao mbito geral do desenvolvimento pela industrializao e pela efetiva posse do territrio nacional simbolizada pela marcha para oeste, materializada pela construo de Braslia. Ao fazer esta opo, JK, imediatamente, relacionou Braslia ao novo conceito de nao que queria para o Brasil, ou seja, uma nao integrada, articulada espacial, econmica e socialmente, tanto no mbito interno quanto externo. Para JK, Braslia veio tambm satisfazer a busca por algo que simbolizasse o salto pretendido, algo que representasse o lema cinqenta anos em cinco. Para este papel ela se prestou perfeitamente. Porm, entre a escolha de um smbolo, feita por JK, e a efetiva percepo do significado do smbolo pela populao, demandou um processo de divulgao e convencimento, no qual a mdia teve papel preponderante. Fazer um mergulho no smbolo representado por Braslia, em busca de suas especificidades e significados, assim como investigar a forma como foi apresentado populao, ser o objeto dos prximos captulos.

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Captulo 2 Tradio e Modernidade no Plano Piloto de Braslia


Cidades planejadas so quase to antigas como as cidades em geral. Wolf Schneider

No h sociedade poltica sem um local mesmo provisrio que sedie a cpula do Estado, onde se exera o governo. Este local [...] representa um aspecto visvel, material, espacial enfim, das relaes e imbricaes entre o Estado e a sociedade onde ele existe. Jos W. Vesentini

Ao iniciarmos este captulo o que no nos faltava eram questionamentos: o que representou Braslia no contexto sciopoltico e cultural brasileiro da segunda metade dos anos cinqenta? O que ela procurava afirmar e o que pretendia negar da realidade brasileira daquele momento? As solues urbansticas ali apresentadas foram simples cpias ou foram incorporaes e transformaes de modelos urbanos oriundos de outras experincias nacionais e estrangeiras? E finalmente, em relao ao poder propriamente dito, qual era a simbologia que Braslia pretendia construir? Para responder a estas perguntas percebemos que, alm de lanarmos nosso olhar sobre a conjuntura especfica do perodo do governo JK 1956 a 1961 precisaramos fazer um levantamento da simbologia de poder inerente a uma capital. Para isso, teramos que investigar o significado de cada elemento constitutivo do Plano Piloto e fazer sua aproximao s cidades capitais construdas nos perodos Moderno e Contemporneo, que pudessem ter fornecido modelos urbansticos dos quais, de alguma forma, o projeto de Braslia tivesse herdado elementos. Elementos esses que remetessem simbologia urbana de poder, sendo este precisamente o objeto deste captulo. Para isso procedemos a anlise dos discursos fundadores das cidades capitais, assim como de suas plantas, localizando eixos norteadores do projeto, preferncias quanto ao desenho das quadras, localizao do Centro Cvico em relao ao restante da cidade, monumentalidade dos espaos e forma dos acessos s sedes do poder. Identificamos que tradicionalmente esses acessos, em cidades capitais construdas para esse fim, fornecem

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dicas grficas, ou seja, apontam para a sede do poder como que indicando espacialmente sua localizao. No Plano Piloto de Braslia, esta disposio grfica no se deu de forma diferente, como veremos na Figura 1, abaixo:

Cruzamento do eixo monumental com eixo rodovirio

120 oeste 60

Praa dos Trs Poderes leste

Congresso Nacional

Fig. 1 Lcio Costa - Plano Piloto de Braslia (apud Costa, 1995, p.278)

Procedendo a leitura do grfico que conseguimos a partir do Plano Piloto podemos identificar alguns elementos constitutivos relacionados com a sede do poder, ao mesmo tempo em que estabelecem uma estrutura por sobre a qual o plano se organiza:

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1) O plano est orientado no sentido leste-oeste sobre uma grande cruz representada pelo cruzamento dos eixos rodovirio (haste verde menor) e monumental (haste verde maior). 2) Na extremidade leste do eixo monumental fica a Praa dos Trs Poderes (tringulo negro no Plano Piloto), onde os poderes da Repblica: Executivo, Legislativo e Judicirio foram organizados formando um tringulo eqiltero (trs lados iguais), com cada sede de poder ocupando um vrtice do mesmo. 3) Exatamente de um dos vrtices desse tringulo, sobre o Congresso Nacional, partem dois conjuntos de linhas (alaranjadas no grfico), que formam por sua vez dois grandes ngulos, um voltado para oeste, dando a inclinao das Asas Sul e Norte, medindo 120, e outro, voltado para leste formando dois lados da Praa dos Trs Poderes, medindo 60. Um dado fundamental que precisamos destacar o fato desses dois ngulos estarem unidos no vrtice sobre o Congresso, pois esta informao ser muito oportuna em nossa anlise dos projetos de capitais, antecessores ao Plano Piloto de Braslia. Ao mesmo tempo em que destacamos esses elementos grficos estruturais e simblicos acima, estabelecemos categorias gerais em relao Braslia, com o intuito de fazer uma aproximao desta s cidades capitais que a precederam, escolhidas por ns de acordo com as semelhanas entre as finalidades de sua construo, que seriam: 1 abrigar a sede do poder; 2 deslocar-se das aglomeraes urbanas pr-existentes; 3 interiorizar a ocupao espacial do territrio; 4 unir centralidade geogrfica centralizao poltica; 5 propor solues urbanas afinadas com o urbanismo modernista.

De imediato percebemos que nenhuma outra cidade capital precedente Braslia atenderia integralmente a essas categorias. Ao mesmo tempo, vimos que no so raros os exemplos na Histria de cidades construdas especificamente para serem sedes de governo. No entanto, para entendermos cada uma delas, necessitvamos contextualiza-las, pois suas caractersticas urbano-arquitetnicas e as motivaes para sua construo guardavam estreita ligao com seu tempo. Estas caractersticas e motivaes podiam assumir tanto

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contornos estratgico-militares, como direcionamentos polticos, econmicos, estticos ou religiosos e, mais importante, tm um contedo simblico intrnseco. Em relao queles elementos grficos presentes no Plano Piloto e s categorias que definimos em relao Braslia, nos propusemos fazer um apanhado histrico da idia da construo de cidades capitais na busca de uma possvel tradio urbanstica na qual, segundo Benvolo (1994, p. 112), a capital brasileira se inseriria. Perguntamos-nos onde, quando e como aqueles elementos urbansticos apareceram, fossem eles grficos, conceituais ou simblicos. Trataremos ento das persistncias simblicas nesses modelos urbanos, mantendo o entendimento de que as cidades guardam diferenas fundamentais entre si. Diferenas essas estreitamente relacionadas com a poca de sua construo, as motivaes para esta ter se dado, ou mesmo os objetivos polticos, econmicos e sociais que se queriam atingir com as obras. Porm, uma coisa no podemos negar: o criador, o artista, o projetista, sempre trabalha sobre um referencial terico, tcnico e cultural herdado de seus antecessores. Por mais diluda que esteja essa herana em uma produo contempornea, ela deixa determinados traos, os quais nos esforaremos para realar no caso do Plano Piloto de Braslia. Para explicitarmos as diferenas entre a cidade moderna e a cidade antiga ou medieval, destacamos, num primeiro momento, como contraponto em termos de concepo, a cidade de Madri, construda no sculo XVI por Felipe II, no mesmo local onde havia a Villa del Manzanares, tendo sido alada a capital em 1561. Em relao nossas categorias, Madri atende as de nmero 1 e 4, pois sua construo deveu-se s pretenses do Rei por centralizar geograficamente o poder, mantendo o controle eqidistante sobre as provncias circundantes Galcia, Mrcia, Andaluzia e Catalunha (Vesentini,1996, p.15). Porm, em relao aos elementos grficos apontando para o poder que destacamos no Plano Piloto de Braslia, no identificamos nenhuma aproximao possvel, pelas razes que descrevemos a seguir. Analisando a planta da cidade (Figura 2), podemos perceber uma evoluo centrfuga, onde a parte mais escura representa a vila existente antes da corte se instalar,

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seguida de um acrscimo concomitante reforma do castelo de Alczar23. Toda esta parte envolta pelo anel alaranjado, que representa o crescimento verificado do ano de 1561 at o ano de 1600, a partir da transformao da cidade em capital. Notamos que, em Madri, no perodo demonstrado pela Figura 2, houve uma manuteno do modelo urbano medieval (Tran, 1992, pp.144-5), com a expanso da cidade obedecendo a um padro pr-existente na Villa del Manzanares. Este modelo consistia em uma massa construtiva bastante compacta, subdividida por estreitas vias de acesso e circulao formando quadras com desenho bastante irregular. Por outro lado, o crescimento centrfugo em relao ao castelo de Alczar, norteou a distribuio das sadas e entradas para a cidade de forma radial, em todas as direes, seguindo um padro aleatrio pr-existente, sem nenhuma conotao de indicao do local onde se exercia o poder Real de ento. (vide tracejado em preto sobre a Figura 2)

Fig.2- Madri Expanso da cidade quando vila, em 1560, e como corte, at o ano de 1600. (Disponvel em www.madridhistorico.com/ imagenes/seccion5_his)

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Datando do perodo da dominao moura terminada no sc.XI, havia no local uma fortificao e tambm o Palcio de Alczar, pois a regio funcionava como um posto avanado para a defesa de Toledo. J em 1536, Carlos I, que fazia visitas espordicas regio, ordenara importantes reformas no Palcio que o ampliou e deu feies renascentistas fachada, acrescentando ainda duas novas torres. Em 1567, Felipe II ordenou a construo de uma nova muralha j incorporando o crescimento urbano verificado aps a instalao da corte. (Tern, 1992, pp. 129-30 e 140-2)

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Portanto, a Madri dos anos 1561 a 1600 vai nos servir mais como anttese cidade da Idade Moderna, que surgiu como negao da concepo urbana medieval, do que como modelo representativo para as experincias urbanas posteriores. Sempre que nos referirmos cidade antiga, ser esse modelo que teremos em mente. Mas a escolha de Madri para iniciarmos nossa anlise no foi fortuita. Ela representa um ponto de transio na evoluo da concepo urbanstica. Naquele perodo estava em curso uma alterao importante na viso que o homem fazia do mundo: a vida intra-muros medieval havia forjado uma concepo fechada e limitada dos horizontes, tanto terrenos quanto celeste, ficando em xeque ante as novas descobertas cientficas, geogrficas e questionamentos filosficos emergentes na poca. Exemplos da ampliao dos horizontes intelectuais, morais e filosficos daquele perodo so: o tratado astronmico de Coprnico de 1543; as idias sobre o infinito, universo e mundo de Giordano Bruno de 1585 e o Nuncius sidereus de Galileo de 1610 (Benvolo, 1994, p.9). Naquele contexto houve uma expressiva ampliao dos limites do conhecimento, com importante impacto sobre a idia que o homem fazia do infinito: de expresso da vida religiosa ou metafsica, o infinito tornou-se parte do mundo tangvel, passvel de ser investigado. A perspectiva renascentista24, que havia aparecido em meados do sculo XV, para resolver problemas formais e tcnicos dos projetos arquitetnicos e da representao pictrica, teve sua utilizao ampliada e passou a ser considerada quando da reforma ou concepo de novos conjuntos urbanos. Neste sentido, a perspectiva passou a ser usada com a finalidade de representar fisicamente o infinito. Tentava-se, atravs da perspectiva, partir do que era material e terreno, apontar para dimenses simblicas intocveis, transcendentes. Paulatinamente o urbanismo se libertou da realidade confinada por muros e precisou desenvolver solues para grandes espaos abertos e grandes dimenses arquitetnicas. Se at o incio do sculo XVI, na concepo do espao urbano, trabalhava-se com dimenses no superiores aos 300 metros, a partir dali passou-se a trabalhar com o quilmetro ou at

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Sua inveno creditada ao arquiteto florentino Filippo Brunelleschi (1377-1446), que formulou a equao determinando o fenmeno tico onde os objetos parecem diminuir a medida que nos afastamos deles. Quando representada no desenho, d a iluso de profundidade ou tridimencionalidade. (Gombrich, 1995, p. 227-229).

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mesmo vrios quilmetros (Ibidem, p.11). Relegando as reformas urbanas ao segundo plano, ganhou fora entre os governantes, arquitetos e urbanistas a opo por novas construes, fora dos centros j implantados, onde o uso de perspectivas monumentais25 no enfrentaria limites e barreiras representadas pelas construes j estabelecidas. Segundo Benvolo (1994, p.79), este processo se deu por dois motivos: a) administrativo e financeiro, pois apesar da concentrao de renda nas cortes absolutistas, os recursos eram escassos, caso se almejasse reformar toda uma cidade como Paris, por exemplo; b) grandiloqente e emotivo, pois visava a exaltao hiperblica do poder real atravs da criao de espaos cnicos grandiosos e suntuosos, to grandes quanto as prprias cidades j existentes, porm, com custo muito menor. E ainda mais, com essa prtica tinha-se todo o controle sobre a planificao e resultado final do projeto. Assim, na Frana, com o intuito de fugir de uma situao urbana catica enfrentada por Paris, ainda naquele momento uma cidade concebida nos moldes medievais, Luis XIV mandou construir o palcio de Versalhes. Edificado entre os anos de 1663 a 1680, na periferia da capital, em local apartado de aglomeraes urbanas pr-existentes, Versalhes est em consonncia com nossas categorias 1 e 2 acima, contendo determinados elementos grficos, como veremos a seguir (Figuras 3 e 4). Com projeto dos arquitetos Louis le Vau26 e Jules Hardouin-Mansar27 e paisagismo de Andr Le Ntre28, Versalhes substituiu Paris como sede administrativa do governo passando tambm a ser a residncia do Rei. O historiador de arte Ernst Gombrich (1995, p.447) enfatiza a dimenso simblica de Versalhes:

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importante diferenciarmos aqui os conceitos de monumentalidade e grandiosidade. Um monumento arquitetnico ou urbanstico tem a caracterstica de incorporar determinados valores ou ideologia e os transmitir atravs dos tempos, revelando muito sobre uma determinada poca e lugar. (Leite, 1991, p.20) A simples grandiosidade pode ser desprovida de qualquer significao alm de si mesma. 26 Louis Le Vau (1612-1671), arquiteto. Construiu tambm parte do Louvre e as Tulherias. Foi o encarregado da primeira etapa das obras de Versalhes, tendo como auxiliar o pintor Charles Le Brun (1619-1690), responsvel pela decorao interna do palcio.
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Jules Hardouin-Mansart (1646-1708), arquiteto. Com a morte de Le Vau, o substituiu como arquiteto na construo de Versalhes, sendo responsvel pelos projetos do salo dos espelhos e da capela real.
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Andr Le Ntre (1613-1700), paisagista que criou os jardins francesa, caracterizados pelas perspectivas a perder de vista, pelos lagos e repuxos.

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No foi somente a Igreja Catlica que descobriu o poder da arte para impressionar e dominar pela emoo. Os reis e prncipes da Europa seiscentista estavam igualmente ansiosos por exibir seu poderio e assim aumentar a sua ascendncia sobre a mente de seus sditos. Tambm queriam parecer de uma espcie diferente, guindadas por direito divino acima do homem comum. Isso se aplica de maneira especial ao mais poderoso governante da segunda metade do sculo XVII, Luis XIV da Frana, em cujo programa poltico a exibio e esplendor da realeza foram deliberadamente usados. [...] o palcio de Versalhes converteu-se no prprio smbolo de seu imenso poder.

Palcio 30

60 oeste 60 leste

Grande Canal

30 Fonte de Apolo Fig.3- Andr Le Ntre Projeto dos jardins do palcio de Versalhes (Disponvel em www.ndsu.nodak.edu/.../ versailles_plan1.jpg)

leste

Fonte de Apolo

oeste

Fig. 4 -Versalhes 1680 (Disponvel em www. witcombe.sbc.edu/.../ versaillesgardensview.jpg).

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A anlise que fazemos do palcio de Versalhes se justifica por ele ter passado a ser chamado de Cidade Capital. Concordamos que uma denominao um tanto problemtica pelo fato de Paris ter continuado a concentrar as tramitaes burocrticas e os processos administrativos de rotina, o volume da papelada, segundo Tocqueville (Vesentini, 1996, p.16). Porm, de fato, o Palcio concentrou as decises polticas mais importantes daquele momento na Frana. O trabalho paisagstico em Versalhes comeou em 1663 com Andr Le Ntre tendo que adaptar uma regio pantanosa para receber as alamedas, os canais, os espelhos dgua, os jardins, os terraos e finalmente o palcio. Para efeito de nossa anlise, o elemento mais importante que destacamos no projeto o prprio jardim de Le Ntre. Para alm da monumentalidade e suntuosidade da arquitetura palaciana, para ns, foram os jardins que criaram a cena simblica onde habitaria o poder. Trabalhando com a dimenso material, com os elementos cnicos elencados acima, Le Ntre criou a iluso de que a perspectiva apontava para o infinito, para algum ponto alm dos limites terrenos, apesar do ponto de fuga estar a apenas alguns quilmetros. A perspectiva oeste do Palcio comea com a Fonte de Apolo, Deus do sol, e culmina com o grande canal, espelho dgua em cruz, smbolo do infinito que reflete o espao csmico. Orientado no eixo leste-oeste, ou seja, na trajetria seguida pelo sol, todo o projeto e principalmente o espelho dgua permanece iluminado durante todo o dia, representando o quanto era benfico o governo do Luis XIV (Steenbergen, Reh, 2001, p.199). A gua, muito utilizada como recurso cnico em Versalhes, que contava com 1400 fontes, desempenhava um papel simblico fundamental de nascimento e origem da vida (Ibidem, p. 221). Na Figura 3 podemos perceber uma rea localizada entre os vrtices de dois grandes ngulos (em amarelo em nosso grfico), ali fica o palcio, ali vivia o Rei, para o qual convergiam todas as expectativas de grandeza da nao e do qual emanava todo o poder sentido por seus sditos. Do Rei, dependia a construo diria da imagem de unidade territorial, poderio econmico, poder blico e segurana do Estado. Para ns, foi impressionante perceber ou perscrutar sobre a simbologia desses dois grandes ngulos. Percebemos que h um efeito telescpico entre eles. O ngulo da direita, voltado para leste

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(Paris), construdo com exatos 60, numa representao simblica daquela estrutura hierrquica e cultural, como que capta todas as influncias e emanaes que partem da sociedade francesa, j bastante estruturada e hierarquizada e s canaliza para o palcio, e por que no dizer, para o Rei. Dali, este as remete para oeste, passando pela fonte de Apolo, numa imagem de divinizao das decises do Rei, legitimando a expanso das potencialidades econmicas e das fronteiras terrestres. Lembremos da postura francamente expansionista que Luis XIV imprimiu ao seu reinado. No queremos dizer com isso que houve influncia do desenho dos jardins na prtica poltica, e sim ao contrrio, era como se a estrutura grfica representasse, ilustrasse a prtica poltica. O ngulo voltado para oeste (em amarelo na Figura 3), tem exatos 120 e trs inserido um outro ngulo de 60 (em laranja), ambos abarcando o grande canal. Partindo da Fonte de Apolo e apontando para o Palcio, esses ngulos estabelecem uma ligao direta entre o Deus Sol e o habitante do palcio, o Rei Sol. Mas o elemento mais importante que destacamos no projeto, o fato do Palcio estar colocado entre as duas formaes geomtricas, leste e oeste. Ele paira entre os ngulos, numa imagem que, para ns, a representao do poder absoluto do Rei. Neste ponto, o projeto foi totalmente coerente com a estrutura poltico-administrativa da poca e, com isso, nos fornece dicas grficas daquela conjuntura. Versalhes seria, para ns, um exemplo marcante daquela tradio urbanstica aventada por Benvolo. Destacamos que os elementos simblicos grficos em seu plano, ao se remeterem sede do poder, de alguma forma deixaram persistncias, sendo incorporados em outras experincias urbansticas, como veremos a seguir. A herana simblico-urbanstica de Versalhes reaparecer em seguida, numa outra conjuntura poltica, do outro lado do Atlntico. Em 1791, pouco mais de um sculo depois da construo do palcio na Frana, o Presidente George Washington, escolheu um local neutro para construir-se a Federal City, a futura capital americana, a fim de manter-se fora da influncia de um nico estado federado29.

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Em homenagem ao lder da independncia, a Capital foi denominada Washington em 1800, um ano aps seu falecimento.

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Segundo Jos William Vesentini (1996, p.16), a concepo urbanstica de Washington:


[...] est indissociavelmente ligada a uma certa concepo bastante datada de federalismo e democracia, [...] que simbolizava uma busca do novo, a fundao de uma nova Repblica em oposio ao mundo antigo, [...] no imaginrio social da nao norte-americana houve e talvez ainda haja a forte presena de um lema impresso em toda nota de Dlar Novus Ordo Saeclorum - uma nova ordem do mundo.

Com projeto de Pierre LEnfant30 e Andrew Ellicott, a construo comeou pela Casa Branca em 1792, seguida pelo Capitlio no ano seguinte. Para ns, Washington atende as categorias 1 e 2, inaugurando um modelo urbano que muito iria influenciar os engenheiros brasileiros do sculo XIX, principalmente os construtores de Belo Horizonte, como veremos mais adiante. Ao mesmo tempo, ao fazermos a anlise dos elementos grficos existentes na planta da cidade, percebemos de imediato aquelas persistncias das quais falamos anteriormente. Elementos do modelo anterior so incorporados ao novo projeto e, aliados a outros elementos, criam um novo conceito de espao urbano. O que primeiro nos chama a ateno na planta de Washington (Figura 5) sua ordenao no sentido leste-oeste, seguindo a mesma orientao que verificamos em Versalhes e Braslia. Outro elemento que se destaca a malha viria ortogonal com uma superposio de diagonais mais largas, configurando artrias principais para circulao. Este desenho um reflexo direto do racionalismo iluminista aplicado ao urbanismo. Notamos tambm, que a Praa Cvica, composta do lado oeste pelo Capitlio e pela Casa Branca, e pelo lado leste pelo Capitlio, Suprema Corte e Biblioteca do Congresso, est inserida em dois tringulos (Figura 6). O tringulo do lado leste tem seu vrtice sobre o Capitlio medindo 60, e o do lado oeste, tambm partindo do mesmo ponto, mede 40. Seu
30

Pierre Charles L'Enfant (1754-1825). Arquiteto e engenheiro francs naturalizado americano, nasceu em Paris. Estudou na Royal Academy of Painting and Sculpture de Londres (1771-1776), onde cursou pintura e arquitetura. Foi para a Amrica para servir como voluntrio na American Revolutionary Army, l permaneceu trabalhando como arquiteto e urbanista. Foi contratado por George Washington, primeiro presidente norte-americano (1789-1797), para projetar a capital do pas. Antes de concluir seu trabalho foi demitido pelo Presidente e a construo da cidade foi terminada pelos engenheiros Andrew Ellicott e Benjamin Banneker. O Distrito de Columbia foi inaugurado como capital permanente dos Estados Unidos da Amrica em 1800, no governo de John Adams, segundo presidente norte-americano (1797-1801).

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terceiro vrtice (ao sul) era inexistente na planta original (Figura 5). Este s foi materializado em 1902, com a construo do Jefferson Memorial (Figura 6), edificado em um aterro do rio Potomak (Benvolo, 1994, p.93). Porm, o importante para ns no conjunto o fato dos dois tringulos estarem unidos no vrtice sobre o Capitlio, sede do Legislativo Federal e casa de representao poltica de toda a nao. Percebemos que neste dado h uma sofisticao e adaptao daquele modelo absolutista de Versalhes a uma nova realidade, onde o foco est no poder conferido pelo povo a seus representantes. Em termos formais, so os mesmos elementos, passados por uma reviso e atualizao histrica para representar um momento sciopoltico e filosfico especfico. Ainda na Praa Cvica, se ligarmos o Capitlio ao Lincoln Memorial (leste-oeste) e a Casa Branca ao Jefferson Memorial (norte-sul), conseguiremos a formao em cruz, em torno da qual se estruturou o Plano para a capital americana. Assim como em Versalhes, aparece tambm como elemento cnico principal: a gua, na forma de um grande espelho dgua que se estende por toda a metade leste-oeste, em frente ao Lincoln Memorial. Uma particularidade que destacamos em nossa anlise o tringulo formado pelo Capitlio, Suprema Corte e Biblioteca do Congresso. Temos ali apenas dois poderes da Repblica: o Legislativo e o Judicirio. Compondo a formao temos a sede ou, a guardi do conhecimento: a biblioteca. O terceiro poder, o Executivo, com sede na Casa Branca, ficou apartado, integrando outra formao triangular unido a um dos patriarcas da independncia americana: o monumento a Jefferson, ao sul. Todo o conjunto parece nos falar sobre a autonomia administrativa conferida aos estados e Presidncia, presentes no federalismo americano, onde, tanto o chefe do Executivo quanto os Governadores de Estado e Assemblias Legislativas, tm prerrogativas importantes para legislar. Nesse sentido, mais uma vez encontramos coerncia entre a simbologia grfica presente no plano e aquela conjuntura poltica vivida nos Estados Unidos na virada dos sculos XVIII para o XIX.

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40

oeste

60

leste

Capitlio

Fig.5- Pierre L'Enfant e Andrew Ellicott. Plano para Washington (disponvel em www.63.251.54.141/images/ PlanofWashingtonDC1792.jpg).

Espelho Dgua

Aterro do Rio Potomac

Fig.6Mapa atual de Washington (disponvel em http://www.lonelyplanet.com/mapshells/north_america/washington_dc/washington_dc.htm).

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No decorrer do sculo XIX, foram incorporados mais alguns elementos a esta tradio urbano-simblica que estamos analisando. Trata-se de questionamentos relativos ao prprio conceito de cidade que se queria construir. Questes essas, motivadas pela crise urbana provocada pela Revoluo Industrial, que suscitaram o desenvolvimento de possveis solues s disfunes diagnosticadas pelos urbanistas. Um caso exemplar, neste sentido, o de Paris, ao retomar o status de capital da Frana. Alm das alteraes urbanas promovidas por Napoleo, as mudanas mais radicais se deram apenas em meados do sculo XIX, com a reurbanizao promovida durante a gesto do Baro Georges Eugne Haussmann frente prefeitura da cidade (1851-1870). Para ns, a importncia de Paris no est exatamente em padres grficos existentes na planta que remetam simbologia do poder, apesar de estarem presentes na monumentalidade do eixo principal (Champs Eliss). A importncia est no conjunto de conceitos que nortearam o modelo das alteraes urbanas que influenciaram concepes de cidades capitais construdas posteriormente.

Arco do Triunfo

Figura 7 Georges Eugne Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. Plano indicando as novas ruas e os novos bairros. (apud BENEVOLO, Leonardo. A histria da cidade. So Paulo, Perspectiva, 1983, p.592).

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Partes demolidas

Figura 8 Georges Eugne Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. (apud BENEVOLO, Leonardo. A histria da cidade. So Paulo, Perspectiva, 1983, p.591).

O modelo, implementado pelos engenheiros auxiliares de Haussmann Eugne Belgrand e Jean Charles Alphand (Figuras 7 e 8) baseou-se principalmente no conceito de fluxos de circulao e nas malhas que os organizavam, um componente tcnico surpreendente por sua relativa indiferena arquitetura (Picon, 2001, p.67). Bernard Lepetit (2001, p. 41-2), ao analisar as alteraes urbanas sofridas por Paris durante o sculo XIX, s credita a dois fatores: 1- Ao diagnstico de que na cidade antiga havia uma disfuno urbana, com bairros numa situao deplorvel, evidenciada pelos relatrios sanitrios de 1820 e reforada pela epidemia de clera de 1832 (Ibidem, p.59).

2- Com a Revoluo Industrial e o fim do absolutismo monrquico, as cidades


mudaram seu status: as mudanas polticas democratizantes aliadas s dinmicas de mercado produo e consumo - influenciaram alteraes na estrutura organizacional do espao urbano oriundo da poca do absolutismo; as necessidades de circulao e intercomunicao entre as cidades repercutiram na reengenharia das malhas virias31. (Ibidem, p.60)

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Para isso, tratou-se de organizar a localizao de determinados edifcios e equipamentos urbanos de acordo com sua destinao parques, teatros, administrao pblica, escolas, etc., isto para melhor gerenciar o fluxo de usurios que se dirigissem a eles, otimizando o uso e impedindo aglomeraes. O arranjo funcional foi transferido da arquitetura para o urbanismo (Lepetit, 2001, p.60).

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Ainda sobre a situao urbana da cidade antiga, Picon (2001, p.76) escreveu:
A herana medieval tambm sinnimo de ruas escuras, de centros onde se amontoa uma populao miservel, sem falar nas dificuldades de circulao provocadas pelas massas urbanas compactas que justificam os gestos de racionalizao dos administradores locais [...].

Na busca da cura s disfunes diagnosticadas, os engenheiros e arquitetos, entusiastas da indstria, das estradas de ferro, da arquitetura metlica, do equilbrio entre razo e sentimento, cincia e arte, tcnica e inspirao potica, foram buscar inspirao no Sansimonismo32 (Picon, 2001, p.84). Ligavam a transformao de Paris reorganizao de toda a Frana. Paris se tornaria uma cidade de movimento e fluxos, uma cidade de redes rede viria, rede de gua e esgotos, rede de parques e passeios pblicos (Ibidem, p.86). O problema da falta de coincidncia entre o centro geogrfico e o centro econmico e poltico do pas foi superado pela construo de novas vias de acesso e da estrada de ferro de Orlans, que, segundo Michel Chevalier, tornou a posio de Paris mais central (Lepetit, 2001, p.44). Lepetit completa:
nfase dada formao do sentimento moral individual (do Iluminismo), substituiu-se um ideal de conciliao que passa pela disponibilizao de um mnimo de recursos para diferentes classes. Os parques, os squares, as avenidas arborizadas da Paris Haussmanniana, essa natureza domesticada qual os higienistas atribuem virtudes curativas [...], so alguns destes recursos (Ibidem, p.86).

Em um perodo onde ainda no existia o pensamento culturalista, a continuidade de determinados stios urbanos no era considerada relevante, sendo tomados mais como entraves reurbanizao do que monumentos dignos de preservao. Suas memrias esto presentes apenas em pinturas ou fotografias, como as de Charles Marville (Fotografia 1), feitas durante a gesto de Haussmann, onde aparecem, numa mesma imagem, a velha cidade sendo demolida e a nova cidade que est por vir. Segundo Salgueiro (2001, p. 159):

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Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825), formulou uma teoria onde a sociedade deveria organizar-se como indstria, destacando a necessidade da aliana entre os industriais e os cientistas positivos, como os fisiologistas, fsicos, gemetras e principalmente os engenheiros de pontes e estradas, visando a reorganizao do corpo poltico. Esta aliana fundaria um novo modo de gesto, orientada no mais para o governo dos homens mas para a administrao das coisas. Saint-Simon configura o sistema industrial como organismo rede e o organismo social teria como princpio a hierarquia de funes. Em seu pensamento, as redes, quer fossem materiais ou imateriais, de transportes, bancria ou de smbolos, so o arqutipo de organizao. (Mattelart, 2002, p.34 e 35)

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[...] nessa representao, a lgica do efeito visual do conjunto e de suas partes conta mais do que a memria de um passado considerado obsoleto, cuja imagem deve ser apagada..

Tratava-se de higienizar, aerar, dotar a cidade de fluidez, que ela funcionasse como uma mquina azeitada, tendo como premissa utpica que as alteraes urbanas seriam capazes de promover alteraes no tecido social. Aqueles homens estavam convencidos que o fato urbano tinha uma dimenso fundamentalmente social (Lepetit, 2001, p.43). A partir deste perodo, j no sculo XX, veremos que essas formulaes tericas teriam grande influncia sobre o desenvolvimento da arquitetura modernista, ento em perodo embrionrio.

Fotografia 1 - Charles Marville, fotgrafo; Louis Dsir Blanquart-Evrard, impressor, Paris, 1851-1855 Salt print 9 9/16 x 14 1/16 84.XM.505.36 (Disponvel em www.getty.edu/art/collections/ objects/o68627.html).

Congregados numa associao profissional, o CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna arquitetos e urbanistas que comungavam dos mesmos ideais desempenharam importante papel nos rumos seguidos pelo design urbano a partir de 1928, ano da primeira reunio do grupo. Para os CIAM, a nova urbanstica no poderia 73

reduzir-se melhoria tcnica da urbanstica corrente, mas construir uma alternativa com inspirao ideolgica e poltica distinta (Lamas, 1992, p.337). A partir de 1933, com a redao da Carta de Atenas, o nome de Le Corbusier33 emergiu do grupo, passando a exercer grande influncia na arquitetura e urbanismo modernistas. Nascia naquele momento o planejamento urbano sob a tica funcionalista: Habitar, trabalhar, cultuar o corpo e o esprito e circular. Porm, com uma preocupao plstica importante, aliada a uma recusa configurao da cidade tradicional. Se contrapondo cidade antiga, a cidade modernista subdividida em zonas, atendendo s funes defendidas pela Carta de Atenas. So criados os sistemas: de trabalho, de habitao, de lazer e de circulao. Cada um deles com alto grau de autonomia em relao aos outros, projetados inclusive em plantas separadas (Ibidem, p. 303). Nessa autonomia de sistemas est a maior diferena entre a cidade modernista e a cidade tradicional, onde h um conjunto de espaos pblicos que promove o entrelaamento dos vrios sistemas constitutivos. Por outro lado, a crtica e recusa do modelo tradicional de cidade levou o urbanismo modernista a admitir a destruio da memria urbana, promovendo, em alguns casos, sua renovao integral. A utopia modernista pressupunha uma questionvel adeso social, que no ocorreu, e nesse sentido pode ser considerada autoritria, quando imps seus preceitos determinadas conjunturas sem a devida consulta sobre sua aceitao. (Ibidem, p. 356) Ainda em nosso levantamento de exemplos da construo de cidades capitais antecedentes Braslia temos Canberra, na Austrlia, construda em 1913, j com a finalidade de ser a sede poltico-administrativa do pas (Figura 9). Como Washington, foi tambm construda num local neutro que no privilegiasse as duas cidades mais importantes do pas naquele momento - Sydney e Melbourne ficando ento a meio caminho, entre as duas.

Le Corbusier (1887-1965), apelido do arquiteto suo naturalizado francs Charles-Edouard Jeanneret. Com a exposio intitulada O arquiteto do sculo, em 1987 a Tate Gallery, de Londres, homenageou o centenrio de nascimento de Le Corbusier. Foi o reconhecimento pelo trabalho que influenciou o pensamento urbano-arquitetnico modernista das Amricas ao Japo. Toda uma gerao seguiu seus preceitos funcionalistas: planta livre; sistemas independentes; apologia de edifcios altos; crena na civilizao maquinicista e tecnolgica; defesa dos grandes blocos habitacionais e de sua colocao livre no solo, fugindo das simetrias (Lamas, 1992, p.317-8).
33

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A cidade est centrada numa colina onde se localiza o Capitlio, edificado apenas em 1988, de onde parte uma formao de artrias em estrela que promovem a integrao com o restante da cidade, organizado em ncleos, em funo do relevo acidentado (Benvolo, 1991, p. 110). Temos em Canberra uma outra simbologia de poder em relao s cidades que j estudamos: nela, se mantm as linhas convergentes para a sede do poder, mas estas esto aliadas perspectiva ascendente, em funo de sua localizao no alto de uma colina, de onde emanam as decises polticas soberanas.

60 Capitlio

Fig. 9 - Plano de Canberra (Disponvel em www.kheper.net/.../ images/Griffins_design.jpg)

Como podemos ver na ilustrao acima, em relao ao centro cvico, Camberra segue aquele modelo j desenvolvido em Washington, com a sede do poder legislativo tambm ocupando o vrtice de dois ngulos, sendo que, ambos medem 60. O restante da cidade segue outro modelo urbanstico, bastante diferente do racionalismo geomtrico da

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capital americana. Camberra, por seu lado, j apresenta alguns sinais da setorizao de funes, que o urbanismo e arquitetura modernistas iriam priorizar em seus projetos nas dcadas seguintes. Notemos que a cidade possui algumas artrias que levam a ncleos residenciais autnomos, organizados de forma circular, formato que seria amplamente utilizado nos conjuntos residenciais das ampliaes urbanas levadas a efeito nas periferias das grandes cidades, no decorrer do sculo XX. Outro exemplo de cidade capital bastante prximo de Braslia, em termos de concepo, mas bastante diferente quando observamos o resultado final do plano urbano Chandigarh, na ndia. Construda em 1951, para ser a capital do Estado de Punjab, foi projetada pelo arquiteto e urbanista Le Corbusier, seguindo os princpios bsicos oriundos da Carta de Atenas, descritos por ns acima. (Gorovitz, 1985, p.29) Le Corbusier no se preocupou em integrar o centro cvico ao corpo da cidade cidade, por no considerar aquele um fator participante do tecido urbano. Por isso, o Capitlio, que congrega num nico volume as duas assemblias Assembly Chamber e Council Chamber foi construdo apartado do plano urbano (Ibidem, p.30). Em relao s nossas categorias, Chandigarh atende as de nmero 1, 2 e 5, pois, foi construda longe de aglomeraes urbanas pr-existentes, especificamente para ser sede do poder e, em sua concepo, seguiu os ditames da arquitetura e urbanismo modernistas (Figura 10 e Fotografia 2).

Capitlio

Fig.10 -Le Corbusier, 1951- Plano para Chandrigarh (apud Gorovitz, 1985)

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Fotografia 2 Le Corbusier-1951. Detalhe do Capitlio de Chandigarh (Disponvel em www.aba.net/bin/ city-machine.chandigarh.jpg)

Seja pelo racionalismo geomtrico que visualizamos na planta, evidenciado pelo traado quadriculado, seja pelo espao reservado no projeto para um futuro crescimento da cidade, caracterizado pelo grande retngulo curvo, abaixo do plano urbano, fica evidente que Le Corbusier manteve neste projeto sua rejeio ao modelo da cidade tradicional. Ao mesmo tempo, no prdio do Capitlio, seguiu linhas de uma geometria e distanciamento do naturalismo que no deixam de causar um estranhamento num primeiro olhar. Apesar da contemporaneidade com o projeto de Braslia, ao contrrio desta, Chandigarh parece assumir uma posio propositalmente a-histrica, negando assimilar qualquer elemento urbano simblico de poder que remetesse a modelos do passado. Portanto, se Madri nos serviu como contraponto aos modelos de cidade moderna que sucederam, Chandigarh, representa uma ruptura na tradio urbanstica que, para ns, Lcio Costa no queria promover ao conceber Braslia. Voltando nosso olhar, agora para o Brasil, descobrimos que tambm temos uma pequena tradio na construo de cidades capitais. Precedente Braslia, houve a construo em 1852 da cidade de Teresina, no Piau, efetivada pelo Presidente da Provncia, Jos Antnio Saraiva. Homenageando a Imperatriz Dona Teresa Cristina, Saraiva deu nome cidade (antigamente grafada Theresina) e, pessoalmente, desenhou seu traado urbano, ligando os rios Poti e Parnaba com ruas paralelas no sentido leste-oeste e 77

suas perpendiculares no sentido norte-sul, utilizando o consagrado formato do tabuleiro de xadrez, comum desde os primrdios do aparecimento das cidades. Mas, alm do fato de ter sido construda para ser capital, para efeito de nosso trabalho, no encontramos no plano urbano de Teresina outras simbologias remetendo sede do poder que pudssemos ressaltar e demonstrar aqui. Diferente do que encontramos em Minas Gerais na ltima dcada do sculo XIX. Com a proclamao da Repblica e a implantao do federalismo no Brasil, pela constituio republicana de 1891, ganhou fora no Estado a idia de construir-se uma nova capital, ligada s representaes mentais de recomeo e regenerao (Salgueiro, 2001, p.136). A capital mineira de ento, Ouro Preto, assim como a Paris do sculo XVIII, era tida pelos mudancistas como arcaica, [...] sem horizontes, sem espao, sem ar e sem luz (Ibidem, p.144). Ouro Preto, que na poca da minerao, por razes de segurana, foi plantada no fim de caminhos, para os engenheiros e sanitaristas do sculo XIX, era totalmente incompatvel com uma capital moderna para a qual preconizavam a promoo da unio geogrfica do Estado. Sua ambio era ainda maior, atravs do Plano Geral de Ligao, aqueles profissionais queriam efetivar, do norte ao sul do pas, uma rede que permitisse a mobilidade territorial, absolutamente inexistente na poca (Ibidem, p. 147 e148). Sendo assim, Belo Horizonte atende nossas categorias 1, 2, e 4, pois: foi construda para ser capital; apartada de centros j existentes; e objetivava centralizar territorialmente a administrao pblica. Em relao nova capital mineira interessante notar uma coincidncia histrica e, ao mesmo tempo, questionarmos se foi mero acaso a futura defesa, por parte de Juscelino Kubitschek, da mudana da capital federal. O fato de JK ter sido prefeito (interventor) da capital mineira (1940-45) seria um fator condicionante para sua postura mudancista em relao Braslia anos depois? Este um fato difcil de comprovar, mas, possivelmente, plantou certa disponibilidade, uma abertura idia mudancista. Belo Horizonte teve as caractersticas almejadas para a nova capital descritas no Relatrio de estudo das localidades indicadas para a nova capital, produzido pela comisso construtora da cidade. O documento foi analisado por Heliana Angotti Salgueiro (2001), e comparado com os escritos dos pensadores franceses do sculo XIX, seguidores

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de Saint-Simon: Charles Fourier, Jean Reynard e Michel Chevalier, todos bastante difundidos na Escola Politcnica do Rio de Janeiro, de onde saram os engenheiros responsveis pela construo da nova capital mineira. Com esta comparao, Salgueiro procurou identificar o modelo de representao de cidade apropriado pelos brasileiros, estabelecendo pontos de contato entre aqueles pensadores chamados de utopistas e nossos engenheiros construtores. Projetada em 1893, pelo engenheiro agrimensor paraense Aaro Reis34 e pelo engenheiro e arquiteto Jos de Magalhes35, Belo Horizonte foi mandada construir pelo Presidente do Estado de Minas Gerais, Afonso Pena, sendo inaugurada por seu sucessor, Bias Fortes, em 1897 (Carpintero, 1998, p. 32). Segundo Salgueiro (2001, p.140), quando um modelo transplantado para um outro contexto, ele sempre passa por transformaes, adaptaes muitas vezes contraditrias e fragmentadas, e, para entend-lo, devemos entender as diferenas no espao-tempo prprias historicidade das situaes e trajetria de vida de seus atores. Neste sentido interessante notar que um mesmo modelo terico no gera, necessariamente, uma planta igual de cidade, como podemos perceber no caso da Paris de Haussmann e da Belo Horizonte de Reis. Se Haussmann optou por reformar a cidade criando uma malha de ruas em ngulos agudos (Figura 7), Reis preferiu construir uma nova cidade, com uma ordenao quadriculada e algumas diagonais superpostas (Figura 11). Provavelmente esta diferena, em muito, pode ter sido determinada pelo fato de uma das cidades ter resultado

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Aaro Reis diplomou-se em 1873 em Cincias Fsicas e Matemticas e, em 1874, em Engenharia Civil. Profissionalmente dedicou-se tanto a atividades didticas quanto a funes administrativas no setor de obras pblicas. Publicou obras tcnicas e cientficas, para a instruo pblica e obras sobre economia poltica onde aparecia a retrica do progresso e da civilizao, to caractersticas do sculo XIX. Organizou e compilou os discursos sobre o plano geral sobre a combinao dos rios navegveis com as vias frreas no Brasil, realizados durante o Primeiro Congresso das Estradas de Ferro do Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 1882, sendo publicado pelo Clube de Engenharia em 1884. Nos discursos aparece como modelo o estudo de Michel Chevalier sobre a mesma questo na Frana, datado de 1845. (Salgueiro, 2001,p.137-8)
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Jos de Magalhes diplomou-se em Cincias Fsicas e Matemticas e posteriormente, em 1874, obteve o ttulo de engenheiro gegrafo pela Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Viveu em Paris de 1876 a 1880, onde freqentou a cole Naionale et Spciale de Dessin et de Mathmatiques, o atelier de arquitetura de Honor Daumet e a second classe da cole des Beaux-Arts. Voltando ao Rio de Janeiro se destacou como representante da arquitetura progressista. (Salgueiro, 2001, p.138) Para ver mais: Salgueiro, Heliana A. Engenheiro Aaro Reis: O Progresso como Misso. Belo Horizonte: Coleo Centenrio, Centro de Estudos Histricos e Culturais, Fundao Joo Pinheiro/CREA-MG, 1997.

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de uma reforma e a outra ter sido totalmente planejada e construda em um terreno desimpedido. Segundo Yves Bruand36 (1981, apud Carpintero, 1998, p. 35):
A concepo de Aaro Reis oferecia uma mistura de tradies americana e europia do sculo XIX em matria de urbanismo; o engenheiro brasileiro tomou emprestado o tabuleiro de xadrez da primeira, mas corrigiu-o por meio de amplas artrias oblquas, de estrelas, de perspectivas monumentais que provinha diretamente do velho mundo e onde aparecia mais de uma vez a influncia de Haussmann. Portanto o plano de Belo Horizonte era uma tentativa de sntese original e uma experincia interessante. O objetivo criar uma cidade ordenada, arejada, no isenta de uma certa grandeza natural foi atingido [...]

Palcio Do governo

Fig.11 Belo Horizonte-Trecho projetado por Aaro Reis (apud Carpintero, 1998)

A partir da analise do racionalismo geomtrico de Aaro Reis, Carpintero (1998, p. 36) o aproxima dos fundamentos politcnicos do positivismo, corrente de pensamento com forte influncia no Brasil do final do sculo XIX. Podemos perceber no projeto de Aaro Reis as semelhanas com o plano de Washington, com o centro cvico envolvido pelo corpo da cidade e o uso de duas malhas quadriculadas de tamanhos diferentes que se superpem
36

BRUAN, Yves. A Arquitetura Contempornea no Brasil. So Paulo: Perspectiva, 1981, p.348-9.

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diagonalmente.

Como em Washington, a Praa Cvica est no vrtice de um grande

tringulo, mas o que mais chama a ateno realmente o racionalismo da planta, que mesmo numa regio acidentada como aquela, Reis imps o traado quadriculado, abstraindo das limitaes geogrficas. Ao mesmo tempo, o Palcio do Governo est no vrtice de um grande ngulo, aqui, de 90. Com isso, o foco foi tirado do Poder Legislativo, presente em Washington, e posicionado sobre o Executivo, talvez enfatizando as preferncias histricas por um Poder Executivo forte no Brasil. No caso de Belo Horizonte, o Relatrio da comisso de construo uniu utopia e cientificismo para analisar cada local e escolher o mais apropriado, que fosse belo e til, que fosse salubre e significasse uma centralidade territorial, que tivesse bom clima e condies de drenagem fcil, que tivesse gua potvel abundante e dispusesse de materiais a serem usados na construo (Salgueiro,2001,p.143). No Relatrio, a centralidade aparece aliada idia de rede, articulando cidade e territrio, com a capital polarizando e organizando o sistema de trocas comerciais, exatamente como preconizavam os princpios da economia poltica francesa de meados do sculo XIX com o conceito Sansimonista da gravitao poltica, onde a capital seria o ponto de equilbrio e de coeso entre cidades cujas diversidades geoeconmicas pareciam conduzir ao separatismo (Ibidem, p.147148). E interessante ressaltar que os construtores de Belo Horizonte j explicitavam em seu discurso fundador, que apesar da cidade sediar a capital de um Estado da Federao, eles j almejavam que ela promovesse a integrao nacional. Este discurso foi depois, para Braslia, um dos carros-chefe da argumentao em prol da mudana da capital federal. Aps Belo Horizonte, ainda tivemos no Brasil a construo de Goinia (Figura 12), construda no mandato do governador Pedro Ludovico, com obras iniciadas em 1933 e projeto do arquiteto Atlio Correia Lima, que foi buscar, segundo ele prprio, inspirao em Versalhes, Karlshure e Washington (Carpintero, 1998, p.37). Haveria ento em Goinia, segundo o autor do projeto, uma mescla do modelo Barroco de Versalhes com o modelo racionalista americano. Para Carpintero (1998, p.39), no projeto de Goinia, diferentemente de Belo Horizonte, aparece predominantemente uma concepo de organizao do espao urbano,

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mais ligada ao perodo barroco, ilustrado acima por Versalhes. Segundo este autor, so perceptveis as linhas que convergem para a praa cvica, para a sede do poder, aludindo a uma tendncia centralista, concepo tpica do Barroco e do absolutismo seiscentista francs:
[...] as aluses a Versalhes deixam claras as alegorias barrocas de monumentalidade e poder. (Carpintero, 1998, p.40)

Palcio Do Governo

Fig.12 Goinia - Trecho projetado por Atlio Correia Lima (apud Carpintero, 1998)

Para ns, por outro lado, tanto Versalhes quanto Washington tm muita coisa em comum em termos de insero do centro de poder no desenho urbanstico. Em ambas, as linhas apontam para o local, o identificando prontamente. Em Washington h o acrscimo do quadriculado racionalista em sua malha viria, que, quando comparadas a Goinia, percebemos uma mescla de elementos. Na planta da cidade (Figura 12), temos a Praa Cvica (Palcio do Governo) no vrtice de dois grandes ngulos e, sua volta, uma malha quadriculada entrecortada por diagonais amplas para circulao. Ao mesmo tempo no h

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uma preocupao com simetria rgida no desenho, como podemos notar tambm em alguns pontos dos jardins de Versalhes. Portanto, no era exatamente uma novidade para o Brasil, a construo de novas capitais. Ao se decidir pela construo de Braslia, encontraram-se as duas pontas de uma histria. Visualizamos as reminiscncias e o fim de uma tradio urbanstica, da qual Braslia foi a ltima representante (Benvolo, 1994, p.112-3). Quando olhamos especificamente para o eixo monumental de Braslia (Figura 1), vamos encontrar, assim como em Versalhes, Washington, Canberra, Belo Horizonte e Goinia, ngulos agudos apontando para o Centro Cvico. Em Braslia, eles formam a Praa dos Trs Poderes de um lado, e d as inclinaes das Asas Norte e Sul, de outro. Percebemos ento que Lcio Costa se apropriou daquela soluo urbanstica e simblica, mas com uma significao totalmente diversa em relao a Versalhes, ao mesmo tempo, inovadora em relao a Washington e s outras cidades. Se em Versalhes os ngulos remetiam centralizao do poder em uma nica mo, em Braslia, o tringulo equiltero da Praa dos Trs Poderes serviu para reforar a necessidade de equilbrio entre o Legislativo, o Executivo e o Judicirio. Com isso, Lcio Costa promoveu uma sofisticao daquela configurao que apareceu no Centro Cvico de Washington, onde, em consonncia com sua configurao poltico-administrativa, no houve a preocupao de unir os poderes numa nica forma geomtrica. Em Braslia, alm do tringulo representado pela praa dos trs poderes, com base voltada para leste, Lcio Costa colocou tambm todo o Plano Piloto em um grande tringulo eqiltero, com a base voltada para o oeste. Ou seja, encontramos novamente aquele efeito telescpico presente na diagramao dos jardins de Versalhes. No Brasil, do leste, onde se concentrava a maior parte da populao brasileira, partiam todas as formulaes polticas, econmicas e culturais naquele momento. Catalisadas em Braslia, seriam remetidas para oeste, exatamente o horizonte que se apresentava desconhecido e inabitado no Brasil. Segundo o discurso fundador de Braslia, em sua vertente poltica, era esse um dos objetivos primordiais de todo o projeto, ou seja, interiorizar o desenvolvimento. Partindo do congresso, ainda na direo oeste, saem duas linhas em ngulo de 120, idntico ao ngulo que comea na fonte de Apolo em Versalhes. Em

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Braslia essas linhas do a inclinao das Asas Norte e Sul. Se em Versalhes temos o Grande Canal em formato de cruz, estruturando a perspectiva oeste, em Braslia, temos os eixos rodovirios norte-sul e o Eixo Monumental leste-oeste formando o grande cruzeiro que estrutura o Plano Piloto. Lcio Costa (1957), em seu Relatrio do Plano Piloto, declara:
[...] a presente soluo nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz.

O fundamental nesta declarao de Lcio Costa a ligao estabelecida por ele entre a construo de Braslia e a tomada de posse do territrio, dando ainda uma dimenso religiosa ao ato, com a analogia ao sinal da cruz. Em ambos os casos emprestando certa legitimidade ao discurso fundador de Braslia em sua verso poltica, que justificava a construo da nova capital pela necessidade da interiorizao do desenvolvimento econmico e social. Lanando mo do uso da perspectiva panormica monumental, Lcio Costa a tratou de forma, ao mesmo tempo, inovadora e tradicional. Isto porque, se em linhas gerais existem os eixos monumental e rodovirio, estruturando o Plano Piloto, este tambm se inscreve totalmente em um tringulo eqiltero, sugerindo uma perfeita simetria. Ao mesmo tempo, a conformao geral da cidade no se assemelha a nenhuma outra experincia urbanstica levada a efeito no mundo. O formato de aeronave satisfez prontamente, em termos simblicos, as demandas do discurso governista por rpido desenvolvimento econmico ao sugerir e at representar o vo que se queria dar, saltando etapas, para o Brasil chegar o mais rpido possvel condio de pas desenvolvido, os cinqenta anos em cinco almejados por JK. Por outro lado, a idia de unio entre as centralidades poltica e geogrfica, presente em Braslia, nos remete tanto longnqua Madri, quanto aos tericos urbanistas do sculo XIX. No mesmo sentido, a preocupao de a centralidade promover a integrao e articulao do territrio, retoma o conceito de redes de comunicao e transporte, evidenciado pela nfase dada pelo nacional-desenvolvimentismo construo de estradas.

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Finalmente, aps este longo histrico sobre a construo de cidades capitais, percebemos que definir Braslia simplesmente como uma cidade modernista, limita drasticamente sua compreenso. Seu plano evidencia uma unio sistemtica entre tradio e modernidade. Para os projetistas, principalmente Lcio Costa, Braslia representava uma reverncia ao passado, uma coerncia histrica com a tradio da simbologia de poder presente nas grandes capitais do mundo. Ao mesmo tempo, Lcio Costa promoveu uma atualizao e sofisticao daqueles modelos, configurando um projeto extremamente criativo e inovador para os padres de cidade da poca. Isso tudo, com o acrscimo do que havia de mais moderno em termos tcnicos construtivos e na concepo arquitetnica, a cargo de Oscar Niemeyer. J para os formuladores do discurso oficial, Braslia apontava o futuro da nao, que se queria de crescimento econmico e industrializao macia. E para o pblico em geral, como Braslia foi apresentada na poca? Que caractersticas foram realadas ou suprimidas em sua divulgao? Este nosso objeto no prximo captulo: perscrutar atravs do estudo da mdia impressa no perodo do governo JK, como se deu esse processo.

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Captulo 3 Braslia e o nacional-desenvolvimentismo em Manchete e O Cruzeiro

A inspirao para este captulo nasceu no momento em que tivemos conhecimento de pesquisas de opinio pblica, a respeito de Braslia, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica (IBOPE), nos anos de 1958 a 1960. Esses dados constam do livro Braslia: A Construo da Nacionalidade (1998, p. 68 a 93), resultado da tese de doutorado da Professora Vnia Maria Losada Moreira, defendida no Departamento de Histria da Universidade de So Paulo. No perodo citado foram feitas trs pesquisas de opinio em grandes centros urbanos como, Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Santos, Campinas e Fortaleza: a primeira em janeiro, a segunda em dezembro de 1958 e a terceira em maro de 1960, prxima da inaugurao da nova capital. Chamou-nos a ateno a mudana ocorrida na opinio pblica no perodo. Em janeiro de 1958, as opinies favorveis representavam apenas 21% das respostas, enquanto 58,6% eram contrrias ao projeto mudancista; na segunda pesquisa, aparece um equilbrio: 30,8% opinou por uma mudana gradual; 29,3% opinou por uma mudana rpida e 27,5% permaneceram contrrios. Notamos, neste caso, uma tendncia ao apoio nova capital, variando apenas em relao ao prazo, se deveria ser uma mudana rpida ou gradual. Mas, em maro de 1960, s vsperas da inaugurao, o IBOPE registrou um considervel crescimento da opinio favorvel mudana da Capital, equivalente a 74%, contra 24% de opinies contrrias. A partir desses dados nos perguntamos o que teria contribudo para essa progressiva simpatia que a opinio pblica passou a nutrir por Braslia. Conclumos que s uma ampla campanha de divulgao do projeto mudancista, atravs da mdia, poderia operar uma alterao como aquela nos humores da sociedade. Em seguida, passamos a pesquisar os veculos de comunicao, com abrangncia nacional, que se engajaram naquela divulgao. Identificamos as revistas Manchete e O 86

Cruzeiro como dois dos mais importantes veculos da mdia impressa, no perodo, e, ao tomarmos contato com algumas reportagens, percebemos uma forte presena dos temas relacionados ao nacional-desenvolvimentismo e Braslia. Isto nos levou a buscar os nmeros das revistas editados naquele perodo (1956 a 1960) na tentativa de quantificar e qualificar a cobertura dada ao assunto. Em nossa hiptese, aventamos que, se houve uma campanha de construo de um consenso favorvel mudana da capital, aliada a uma sedimentao dos ideais do nacional-desenvolvimentismo, esta teria que ser veiculada por aquelas revistas, com grande penetrao na classe mdia urbana brasileira. Ao mesmo tempo, na hiptese das revistas terem se engajado na campanha por estabelecer os ideais do nacional-desenvolvimentismo como hegemnicos na sociedade, propusemo-nos a investigar o carter simblico da construo daquele consenso. Por serem mdias fortemente visuais, nos debruamos sobre a produo iconogrfica e textual veiculadas por ambas, na tentativa de desvendar ali uma coerncia de discurso, uma linearidade de argumentos e um trabalho organizado e sistemtico com elementos simblicos imagticos, que objetivassem estruturar e divulgar aos leitores a ideologia nacional-desenvolvimentista e o projeto Braslia como seu smbolo maior. Reforando nossa primeira intuio, contribuiu a constatao de que, se somssemos a tiragem de O Cruzeiro, com, em mdia, 600.000 exemplares, com a tiragem da Revista Manchete, com 250.000 exemplares semanais e estimssemos que cada exemplar poderia ser lido por, pelo menos, quatro pessoas de uma famlia, clientes de barbearias e sales de beleza, consultrios mdicos ou dentrios, recepes de escritorios etc., chegaramos a um nmero semanal de 3.400.000 leitores. Nmero este, por exemplo, superior aos votos que elegeram Juscelino Kubitschek Presidente da Repblica em 1955, quando obteve pouco mais de 3.077.000 votos, ou 33,8% dos votos vlidos. Os nmeros acima ganham importncia quando olhamos os dados do analfabetismo no Brasil, no perodo. No senso de 1950 foi constatado que, da populao acima de 15 anos de idade, 50,5% eram analfabetos, representando em termos eleitorais, algo em torno de 15.272.632 pessoas impossibilitadas de votar (IBGE, senso de 1950, apud Ferraro, 2002). Com isso percebemos que as revistas Manchete e O Cruzeiro, semanalmente, atingiam um quarto da populao apta a votar.

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Ao mesmo tempo nos questionamos se no estaramos superestimando o papel da mdia na sociedade. Alguns autores nos responderiam negativamente, como Wattenberg (1998, apud Miguel, 2004, p. 7-12), ao diagnosticar o papel mediador que a mdia passou a desempenhar, entre a elite poltica e os cidados, notadamente a partir da segunda metade do sculo XX. A mdia passou a ocupar os espaos de esquemas polticos tradicionais, restringindo a atuao dos partidos. Os meios de comunicao de massa estariam respondendo tanto pela mobilizao de camadas da populao, quanto atendendo a algumas de suas demandas. Ao mesmo tempo, a mdia:
[...] fornece os esquemas narrativos que permitem interpretar os acontecimentos37. Na verdade, ela privilegia alguns desses esquemas, em detrimento de outros. O controle sobre a agenda e sobre a visibilidade dos diversos enquadramentos, que alicera a centralidade dos meios de comunicao no processo poltico contemporneo, no passa despercebido dos agentes polticos, que hoje, em grande medida, orientam suas aes para o impacto presumvel na mdia (Ibidem, p.8).

A partir disso, esclarecemos que, no queremos imputar Manchete e O Cruzeiro toda a responsabilidade por aquela virada na posio da opinio pblica. Possivelmente, tiveram papel importante na somatria de opinies favorveis ao programa polticoadministrativo nacional-desenvolvimentista. Sendo vlida a hiptese de que o nacional-desenvolvimentismo divulgou a imagem de Braslia como seu smbolo maior, as imbricaes entre ambos apareceriam nas pginas das revistas, fornecendo indcios do papel destes veculos no intrincado jogo de interesses polticos e econmicos. Ao mesmo tempo, na dcada de 1950, a imprensa brasileira passava por um momento de transio, semelhante ao que ocorria em outros pases, diagnosticado por Habermas como transformao de um jornalismo literrio em outro, definido por ele como jornalismo empresarial (apud Lattman-Weltman, 1996, p.157-8). O jornalismo literrio se caracterizava pela emergncia propagandstica de idias, opinies e personalidades, ficando o lucro em segundo plano. Ou seja, era um jornalismo de engajamento, com forte componente ideolgico e comprometimento dos

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Citando: GOFFMAN, Erving, 1986. Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience. Boston Northeastern University,1986. (apud Luis Felipe Miguel. Dossi: Mdia e poltica Revista de Sociologia e Poltica. Curitiba, Nr 22, p. 7-12, jun. 2004).

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veculos com determinados grupos. Este modelo teria vigorado at o incio dos anos 1950, e nele, imperava o talento redacional, a verve e a paixo com que eram abordados os temas polticos e/ou literrios (Ibidem, p.159). A partir dali surgiria o jornalismo empresarial, resultado de modificaes das redaes, decorrente de avanos tcnicos na velocidade da transmisso das notcias e na qualidade nos servios grficos. No caso de Manchete e O Cruzeiro, talvez por estarmos trabalhando com um recorte temporal concomitante com o quadro de transformaes pelas quais passava a imprensa brasileira, identificamos um carter hbrido em ambas. Se, por um lado, elas apresentavam um apuro tcnico nas reportagens, com importante espao reservado s imagens, com diagramao dinmica, no linear, favorecendo o aspecto visual e esttico, por outro, estavam presentes em seus textos e imagens, o ufanismo nacionalista, a verve literria e o personalismo jornalstico, caractersticos do perodo imediatamente anterior. Ao mesmo tempo, o processo de modernizao da imprensa encarado como resultante do crescimento econmico e da redemocratizao do pas, incrementando a proximidade entre a mdia, o meio poltico e a sociedade. Efeito possvel graas ao aumento de leitores das mdias impressas, atingindo, conseqentemente, mais eleitores e maior interesse do meio poltico, que buscava mais votos. Com isso, dada a sua abrangncia nacional e a grande visibilidade proporcionada pela cobertura foto-jornalstica dos eventos, as revistas ilustradas seriam as mdias por excelncia, caso assumissem o papel de divulgao e criao da ideologia nacionaldesenvolvimentista. Para isso, a fotografia seria essencial para a conquista de coraes e mentes, como primeiro foco de atrao e primeira porta de entrada do leitor no discurso, como um instrumento de seduo complementado pelos argumentos do texto. Considerando ideologia como representao de interesses particulares, veiculados como coletivos, luz da definio de Bourdier (2000, p.10,11), a ideologia nacionaldesenvolvimentista teria se incorporado produo simblica daquelas mdias para efeito de construo e representao da identidade coletiva. Tendo isto ocorrido, a ideologia se confundiria ou se mescloaria com os interesses de um determinado grupo, que lutava por se impor sobre os outros, fosse atravs de conflitos simblicos do cotidiano, entre os

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indivduos, fosse atravs de uma luta travada entre especialistas da produo simblica, cujo ofcio transmitir e/ou criar uma viso de mundo objetivando torna-la hegemnica. Por outro lado, Bourdier (Ibdem, p.85-6) exclui o cinismo da construo desse plano simblico arbitrrio quando diz:
[...] ningum pode lucrar com o jogo, nem mesmo os que o dominam, sem se envolver no jogo, sem se deixar levar por ele: significa isso que no haveria jogo sem a crena no jogo e sem as vontades, as intenes, as aspiraes que do vida aos agentes [...]

Ou seja, para Bourdier, os especialistas da produo simblica teriam que acreditar, incorporar aqueles valores para, a partir da, serem convincentes na sua transmisso. Para ns, os editores, os fotgrafos e os articulistas das revistas Manchete e O Cruzeiro, compuseram esta categoria de especialistas que funcionaram como propagadores e criadores da ideologia do grupo poltico-econmico emergente poca. Isto porque, ao abordarem nas publicaes determinados temas relacionados ao nacional-

desenvolvimentismo, estes especialistas acabaram por estabelecer tambm um conjunto de imagens representativas destes mesmos temas, criando um repertrio simblico relacionado ao pretendido futuro da nao, presente no discurso oficial. Ao mesmo tempo, estabelecer um conjunto de imagens simblicas para o nacionaldesenvolvimentismo, que o traduzisse como uma fora modernizante da imagem e do espao fsico do poder poltico, implicava em incutir nas mentes dos leitores das revistas uma mudana de paradigma de nao e de modelo de desenvolvimento. Este processo, por sua vez, demandou educar aqueles leitores para o entendimento do novo cdigo. Neste sentido, familiarizar os brasileiros com cones da sociedade industrial e novos hbitos de consumo, nos parece ter sido um dos objetivos acessrios daquelas publicaes. Como exemplo deste processo, podemos citar a nfase com que aparecem nas revistas, naquele perodo, reportagens sobre a construo de estradas. Nelas, a imagem predominante, quando o plano prximo, a de mquinas derrubando rvores, rasgando a floresta, definida pelos jornalistas como uma barreira ao desenvolvimento, como um territrio a ser desbravado, conquistado pelos novos bandeirantes que dariam posse da totalidade do territrio aos brasileiros. Quando a fotografia era area, distncia, a imagem predominante a do claro linear no meio da floresta rumo ao infinito, ao interior do Brasil. Nossa primeira impresso foi a de que aquelas imagens sugeriam ou apontavam um norte,

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mostravam o rumo para onde deveria seguir o pas. Numa clara aluso idia bsica, segundo o discurso oficial, das motivaes para a construo de Braslia, ou seja, de marchar rumo ao oeste, integrando a nao at ali desarticulada pela impossibilidade de mobilidade espacial e pela fixao histrica da colonizao, em sua maior parte, no litoral. Ao mesmo tempo, a prpria imagem da mquina promovendo aquela conquista sugere a fora da indstria sobre a natureza. Sugere a mudana da matriz econmica que sustentava o pas at aquele momento, basicamente exportador de matrias primas e alimentos, diagnosticada pelos tericos do nacional-desenvolvimentismo como ultrapassada e incapaz de gerar a riqueza necessria para alavancar o crescimento econmico e social do pas. Os homens representados naquelas imagens, trabalhadores que implementavam aquelas obras, eram apresentados como heris, como re-descobridores e re-colonizadores do Brasil, capazes de enfrentar todo tipo de perigos, doenas e condies desfavorveis em nome do objetivo pretendido: integrar o territrio e levar o desenvolvimento ao Oeste. No decorrer deste trabalho, iremos abordar e ilustrar detalhadamente esses temas. A seguir apresentamos o mtodo que utilizamos para trabalhar o material recolhido.

3.1 - Metodologia Tivemos acesso s publicaes na coleo de peridicos da biblioteca da Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo (ECA), onde fizemos o registro fotogrfico das reportagens relacionadas aos nossos temas, utilizando uma cmera digital Sony Cyber-shot 4.1 mega pixels. A coleo de peridicos, apesar de cobrir todo o perodo estudado por ns, tem algumas falhas de nmeros em ambas revistas, mas de forma pontual, no comprometendo o todo da amostra. Em princpio, imaginvamos trabalhar neste captulo apenas com a iconografia relacionada Braslia, mas percebemos que significaria uma grande perda para o trabalho no incorporar a iconografia do conjunto de temas relacionados ao nacionaldesenvolvimentismo. Isto porque, notamos, entre Braslia e o nacional-desenvolvimentismo havia uma simbiose vital, com um representando o outro em muitas ocasies. O sucesso de Braslia, naquele momento, significaria o sucesso do projeto nacional-desenvolvimentista, ambos sendo trabalhados por aquelas mdias como um bloco uno, interdependente. Sempre

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que encontramos uma reportagem mais abrangente sobre as realizaes do governo, invariavelmente ela terminava com Braslia, onde era divulgado o andamento de sua construo. Mais do que o resultado de uma sensao que tivemos ao manusear o material das revistas, procuramos traar critrios objetivos para comprovar nossa hiptese, analisando as reportagens e fotografias, buscando elementos que nos fornecessem pistas quanto ao papel daquelas mdias naquele cenrio poltico, social e econmico. Ao mesmo tempo, analisando nas revistas as imbricaes entre texto e imagem, fizemos um julgamento de valor em relao ao contedo das reportagens, pois queramos quantificar o percentual de reportagens positivas (favorveis), negativas (crticas) e mistas (que apresentassem ambas as caractersticas) em relao ao Presidente, ao programa nacional-desenvolvimentista e Braslia. Para isto, os ttulos das reportagens contriburam em muito, pois, exatamente pelo carter complementar entre texto e imagem no foto-jornalismo, ambos mantinham, freqentemente, uma estreita coerncia. Portanto, se o ttulo j enunciava uma crtica, espervamos encontrar imagens nada positivas, sendo que raras vezes fomos enganados por essa primeira impresso. Pode parecer uma postura simplista de nossa parte, considerar o primeiro olhar ao folhearmos as matrias, mas achamos bastante importante leva-lo em conta, pois, para ns, esta seria uma postura parecida com a do leitor que, captaria e formaria, num primeiro olhar, uma impresso daquela mensagem. Toda a simbologia ali presente criaria uma primeira sensao, fosse ela de empatia ou antipatia em relao ao tema ou maneira como este foi trabalhado na reportagem. Nosso segundo passo, e tambm do leitor, seria se inteirar atravs do texto se aquela primeira percepo se confirmara ou no e, a partir disso, num terceiro momento, criar um conceito prprio sobre o assunto, discordando ou concordando com a postura da publicao. Em princpio, fizemos um julgamento do carter das matrias, se positivas, negativas ou mistas, a partir dos seguintes critrios:

1-

O ttulo da reportagem: neste caso, a presena do ufanismo nacionalista, atravs de palavras assertivas como, por exemplo, em: O Brasil ter

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petrleo para dar e vender (Manchete, 30/03/1957, p.34 a 38), ou JK, libertador (Manchete, 25/07/1957, p.5), nos sugeriam um enfoque amplamente favorvel e amplificador, seja das realizaes do governo, seja da personalidade ou evento que se queria divulgar. Por outro lado, ttulos sugerindo suspeio ou com palavras negativas como em: Braslia, nem tudo legal (Manchete, 20/12/1958, p.46-7), ou Desconfiana, desalento e apreenso (Manchete, 04/01/1958, p.16), nos davam uma pista de que viriam crticas e questionamentos em relao s posturas e/ou personagens polticas. Consideramos matrias de carter misto as que continham argumentao com ambos os sentidos. Para isso, precisamos confrontar o ttulo, a fotografia e os termos utilizados no texto.

2-

A sensao transmitida pela fotografia: em nossa anlise, quando se tratava de fotografias de pessoas, suas expresses faciais e gestos formavam o conjunto mais importante na definio do carter positivo ou negativo da fotografia e consequentemente da matria jornalstica. Pessoas sorridentes e relaxadas, em p ou sentadas, com membros repousados ou gestos amplos nos forneciam pistas da atmosfera amistosa e positiva que dominaria a reportagem. Ao contrrio disso, se encontrvamos fisionomias sisudas, rostos crispados, demonstrando raiva, fria, acompanhados de gestos agudos, dedos em riste, espervamos consonncia com um texto agressivo e bastante crtico ao personagem ou tema tratado. Havia ainda o problema das fotografias cujos temas eram objetos. Mesmo neste caso o fotgrafo conseguia equalizar o contedo da imagem com a mensagem do texto. Exemplo disso eram as reportagens sobre a indstria petrolfera, onde eram abundantes as fotografias de torres de produo de petrleo e dutos condutores do leo em refinarias. Um dos recursos usados nas fotografias dessas matrias, frequentemente positivas em relao ao tema, consistia em fotografar aqueles elementos com enquadramentos de baixo para cima, criando uma perspectiva

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ascendente, indicando crescimento e tambm realando o tamanho dos objetos, tornando-os maiores do que seriam na realidade, em uma forma visual de ufanismo.

3-

Os argumentos do texto: neste caso, usamos os mesmos critrios utilizados na anlise dos ttulos das reportagens, identificando termos crticos ou elogiosos, argumentos favorveis ou contrrios ao tema, diagnsticos e/ou proposies ou embates ideolgicos.

Ao final, atravs da combinao desses trs tpicos, que podamos chegar a uma concluso sobre o carter da matria jornalstica. Frequentemente chegamos facilmente a uma definio, devido exatamente coerncia apresentada entre ttulo, texto e fotografias. Na etapa seguinte de nossa anlise, tratamos de quantificar e qualificar nossa amostra de imagens. Para isso, estabelecemos determinadas categorias em relao s fotografias veiculadas pelas revistas. Dividimos as imagens em trs grupos distintos onde, em cada um deles, quantificamos os elementos presentes nas fotografias, assim como a maneira como estavam representados:

categoria 1 - JK - nesta, quantificamos o nmero de ocorrncias da imagem de Juscelino Kubitschek nas reportagens e tambm investigarmos o carter formal das fotografias, analisando seus elementos constitutivos, tais como: fotografia individual/close-up; individual/corpo inteiro; sentado; em p; em p/em movimento; sorrindo; srio; assustado; surpreso; acompanhado de familiares, polticos, militares, religiosos, artistas, esportistas, empresrios, jornalistas e populares; a bordo de aeronaves, carros, navios; e finalmente, se eram fotografias externas ou internas;

categoria 2 - nacional-desenvolvimentismo - baseada no Plano de Metas, tabulamos o nmero de fotografias relacionadas ao

desenvolvimento econmico e industrial veiculadas naquele perodo; ao

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mesmo tempo, quantificamos os elementos presentes nas imagens, tais como: indstria - instalaes industriais onde aparecem fotos areas ou ilustraes da planta industrial; equipamentos industriais - mquinas e parte interna de indstrias; produtos industriais - eletrodomsticos, carros, telefone, mveis, etc; estradas; mquinas de terraplenagem; transporte navios, aeronaves, caminhes e automveis; petrleo - torres de produo; indstria petroqumica - dutos de refinaria e finalmente, siderurgia - fotografias de autos-fornos e metal incandescente;

categoria 3 - Braslia - tabulamos o nmero de ocorrncias fotogrficas subdividindo a cidade de acordo com suas partes constitutivas, quantificando cada uma delas: Palcio da Alvorada; Palcio do Planalto; Congresso Nacional; Palcio do Itamaraty; Supremo Tribunal Federal; Igreja Nossa Senhora de Ftima; Catedral; Eixo Monumental; Eixos Rodovirios; Rodoviria; Lago Parano; Super-Quadras; Sistema virio e fotografias do cerrado, tiradas antes ou durante as obras, onde aparece a paisagem do entorno de Braslia, sugerindo a dimenso do projeto e o espao onde estava inserido.

A partir da quantificao, utilizando os critrios descritos acima, organizamos tabelas relativas a cada revista, em cada ano pesquisado e em cada categoria descrita, as quais apresentamos e analisamos nos tpicos seguintes.

3.2 - O espao fotogrfico em Manchete e O Cruzeiro

O foto-jornalismo, j incorporado pelas revistas ilustradas, consolidou-se naquele contexto modernizante dos anos 1950, e ampliou substancialmente o espao ocupado pela imagem nas mdias impressas. A fotografia, com isso, assumiu o papel de sntese do texto, ao mesmo tempo em que era legitimada pela crena de que representava o espelho da vida real. (Andrade, 1990, p.315).

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Por outro lado, se esta crena representa o senso comum, o ato de fotografar, de fato, implica em escolhas que, reunidas, estruturam um discurso. Seja em relao escolha do tema, enquadramento, incidncia da luz, composio, equilbrio, foco, planos e cores, o fotgrafo, ao fixar uma imagem no tempo e no espao, cria uma narrativa. Neste sentido, o fotgrafo um cronista do seu tempo e, no ato de fotografar compe mensagens que transmitem significados captados e recriados em representaes e comportamentos aceitos como vlidos. (Ibidem, p.314). Por sua vez, o fotgrafo, no momento da escolha, est condicionado por duas variveis: a) a cultura, que molda os comportamentos e imagens socialmente aceitas em uma determinada poca; b) a ideologia, que determinada pelo grupo no qual o fotgrafo est inserido e comprometido, assim como pelo conjunto de crenas s quais o fotgrafo se apega. Como resultado desta dupla construo, a fotografia, incorporando significados emprestados da cultura, ao mesmo tempo, propaga um discurso estruturado pela ideologia. Com isso, aquele espelho da vida real, supostamente representado nas revistas ilustradas, matizado pelo fotgrafo e, com o suporte do texto, faz com que a mensagem atinja seu maior objetivo: levar o leitor a uma tomada de posio, tal a fora e coerncia entre a mensagem visual e o texto escrito. (Ibidem, p.314) Especificamente em relao ao espao que a fotografia ocupava em Manchete e O Cruzeiro, no encontramos um padro rgido em relao s imagens, seja quanto ao seu formato (retangular ou quadrado), tamanho (pequeno, mdio e grande), ou mesmo em relao orientao das mesmas (horizontal ou vertical). Em geral, as pginas, simples ou duplas, dependendo do tamanho da reportagem, eram divididas em 2, 3, 4 ou 5 partes, com as fotografias ocupando espaos correspondentes a mltiplos destas. Isto nos possibilitou estimar o espao fotogrfico em termos de porcentagem do espao total da reportagem. Importante dizer que nos concentramos na primeira pgina ou capa das reportagens para efeito deste levantamento estatstico do espao fotogrfico. Com isso, quando o espao da capa da reportagem estava dividido ao meio e uma das partes era ocupada por uma ou mais fotografias, consideramos como 50% do espao. Se dividido em trs, e a(s) foto(s) ocupava(m) uma das partes, consideramos como 33%, ou 66%, se

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ocupassem dois teros do espao. Houve casos em que consideramos 100% do espao ocupado pela(s) fotografia(s), ou seja, ela(s) tomava(m) toda a pgina, fosse ela simples ou dupla. O texto, neste caso, vinha superposto foto, normalmente realado com negrito e tipos maiores que o convencional. As capas das reportagens, fossem elas em folha simples ou dupla, no continham publicidade, que normalmente apareciam nas pginas seguintes, entrecortando o texto e compartilhando o espao com fotografias referentes ao tema. A partir da, estabelecemos uma mdia do espao fotogrfico nas matrias coletadas em cada revista, em cada ano analisado, de 1956 a 1960. Nos ANEXOS A e B desta dissertao esto relacionadas todas as reportagens analisadas.
Tabela 1 Mdia anual dos espaos fotogrficos componentes das matrias sobre JK, nacionaldesenvolvimentismo e Braslia em Manchete e O Cruzeiro, nos anos 1956 a 1960. 1956 Manchete O Cruzeiro 58,15% 45,85% 1957 65,52% 50,52% 1958 74,27% 59,18% 1959 64,02% 46,53% 1960 71,09% 61,87%

Na Tabela 1, percebemos que a revista Manchete manteve uma mdia de espao fotogrfico nas capas das reportagens constantemente superior O Cruzeiro. Isto pode dever-se ao fato de O Cruzeiro ter reinado sozinho, no mercado editorial de revistas semanais ilustradas de abrangncia nacional, desde 1928. Em 1952, quando foi fundada a revista Manchete, ela veio para disputar o mesmo nicho de mercado onde estava sedimentada a primeira. Com isso, ao priorizar o espao fotogrfico, Manchete parece ter optado pela estratgia de se diferenciar da concorrente, oferecendo algo a mais ao leitor, no caso, mais imagens, na tentativa de conquist-lo. Apesar da diferena a menor do espao fotogrfico em O Cruzeiro, gostaramos de destacar a qualidade de suas fotografias. Como veremos no detalhamento de algumas reportagens, os profissionais de O Cruzeiro acrescentavam em suas representaes uma carga significativa de simbolismo, um componente a mais que enriquecia o discurso ideolgico, fazendo com que as imagens ganhassem amplos significados. No que no encontremos tambm em Manchete esta preocupao, mas em O Cruzeiro, a maestria e domnio do simblico demonstrados por seus profissionais saltam aos olhos.

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A matria, JK Presidente alado (21/02/1959, p.32-3), ilustrada pela Fotografia 1, nos d um exemplo da competncia dos profissionais de O Cruzeiro. A reportagem trata da adaptao feita no Palcio do Catete para possibilitar o pouso de helicpteros em sua cobertura, por ser esse o meio de transporte freqentemente usado por JK em seus deslocamentos pelo Rio de Janeiro. Porm, ao tratar de um tema aparentemente banal, o profissional da revista revestiu a imagem do Presidente de uma densidade simblica tal, que nos faz gastar algum tempo observando-a, procura de todos os seus possveis significados.

Fotografia 1 - O Cruzeiro, 21/02/1959, JK Presidente alado, p.32-3. Fotografia original: Flvio Damm. (Tamanho reduzido)

As asas, s costas de Juscelino so de uma das sete guias de bronze que encimam o Palcio do Catete. A postura serena, mas firme do Presidente, com olhar fixo no horizonte e a cabea levemente voltada para sua direita, mesma direo para onde est voltada a cabea da guia, cria uma harmonia sincrnica entre ambos. Alm disso, todo o conjunto, JK e guia, formam um tringulo invertido, com a base em cima (nas asas) e o vrtice nas pernas de JK, estrutura usada pela pintura desde o Renascimento, quando o artista queria conferir 98

harmonia, simetria, estabilidade e equilbrio s formas representadas (Gombrich, 1995, p.298). Ao mesmo tempo, ao ambientar esta representao em um lugar alto, com vista das cercanias mais baixas, o fotgrafo refora a possibilidade do vo literal, mas no erraramos se lssemos a imagem como uma aluso tambm a outros vos ideolgicos, polticos e econmicos. No texto, aps descrever as motivaes para aquela adaptao do Catete ao pouso do helicptero presidencial, o autor finaliza dizendo: JK nasceu para voar. Esta frase veio ento confirmar nossa primeira sensao de que a imagem tratava de analogias aos vos, quaisquer que quisssemos imaginar. Ao mesmo tempo, o reprter, ao afirmar que JK nasceu para voar, confere ao Presidente as qualidades dos pssaros, invejados por muitos humanos, por serem livres, independentes, donos de seus destinos. Voltando Tabela 1, destacamos os anos de 1958 e 1960, como anos expressivamente visuais em ambas as revistas. Muito dessa emergncia da imagem em relao ao texto se deveu ao balano de dois anos de governo JK, feito em 1958 por ambas as revistas, quando j havia uma agenda constante de inauguraes de obras iniciadas em 1956. Nessas reportagens, a informao visual assumiu o primeiro plano, como que tentando conferir a maior credibilidade possvel s informaes veiculadas pelos textos. Daquelas inauguraes, a de maior importncia simblica para JK, foi a do Palcio da Alvorada, em 30 de junho de 1958, um dia aps a vitria da seleo brasileira de futebol na copa da Sucia. Segundo Juscelino (1975, p. 147):
Constava do programa de solenidades a entrega das credenciais do novo embaixador de Portugal o primeiro diplomata a faz-lo em Braslia. [...] Braslia ainda era um canteiro de obras e, nessas condies, para que o ato se revestisse da solenidade que desejava emprestar-lhe, seria conveniente esperar por uma oportunidade especial. E essa, segundo meus clculos, seria a da inaugurao do Palcio da Alvorada.

A partir daquele dia, o Palcio da Alvorada ilustraria todas as reportagens a respeito de Braslia e tambm muitos anncios publicitrios dos mais diferentes produtos, os quais no levamos em considerao ao computarmos os espaos fotogrficos nas revistas. J o ano de 1960 foi especialmente visual, em relao cobertura jornalstica de nossos temas, por se tratar do ltimo ano do governo JK, quando as revistas fizeram um grande balano do Plano de Metas e seu estgio de implantao, nas mais diferentes reas. Com isso, novamente a mensagem visual ampliou seu carter legitimador das informaes

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veiculadas. Houve ento nas reportagens, uma abundncia de fotografias representando temas como: Braslia, economia, petrleo, estradas, energia, navegao, siderurgia, etc. Com isso, reunindo nas mesmas pginas empreendimentos que se desenrolavam nas mais diferentes localidades, a impresso passada pelas revistas era a de que o nacionaldesenvolvimentismo estava, de fato, construindo uma unidade nacional, ao mesmo tempo em que mudava o perfil econmico do Brasil, inserindo o pas, segundo o discurso governista, na ordem econmica mundial, industrializada e progressista. Por outro lado, para efeito de nosso estudo e compreenso do carter das mensagens, tanto textuais quanto imagticas, era importante que caracterizssemos os autores e editores das mesmas. Ou seja, quem eram, a que grupos estavam ligados e que idias defendiam os profissionais daquelas revistas. Neste sentido, a proximidade entre os atores do processo miditico, personagens representados e cronistas, poderia representar um problema para a propalada iseno que a mdia constantemente reivindica. Para fazer essa caracterizao daqueles atores do processo, analisaremos as revistas de forma particular, tentando visualizar no conjunto das reportagens, como cada uma delas se posicionou em relao s categorias que descrevemos acima.

3.3 Revista Manchete A Revista Manchete era editada pela Bloch Editores S/A, de propriedade de Adolpho Bloch, amigo pessoal de Juscelino e defensor das idias desenvolvimentistas desde a passagem de JK pelo governo de Minas Gerais, entre 1951 e 1955. (Santos, 2002, p.43) A cobertura do governo JK pela Manchete, comeou antes da posse, em 07 de janeiro de 1956 (p.16-7), com a reportagem O ministrio de Juscelino, onde se especula sobre os nomes mais cotados para os principais ministrios, trazendo estampadas fotografias dos mesmos. Prosseguiu no nmero seguinte, de 14 de janeiro de 1956, em matria intitulada Juscelino toma caf com Ike (p. 6 a 9) com a cobertura da viagem de JK ao exterior, quando visitou os Estados Unidos e Europa. Da reportagem sobre a visita aos Estados Unidos, uma das fotografias, que domina a metade direita da pgina dupla, chamou nossa ateno. Foi tirada no momento em que Richard Nixon, ento Vice-Presidente americano, ajudava JK a colocar um sobretudo. A

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reportagem e a imagem que a ilustra, esto impregnadas de um clima de camaradagem, simpatia e hospitalidade, compreensveis naquele momento de mtuo estudo de intenes. Da Europa, veio a reportagem: As quatro rainhas do mundo recebem Juscelino (21/01/1956, p.6 a 9), fartamente ilustrada com os encontros entre o Presidente eleito e as rainhas de Luxemburgo, Holanda, Inglaterra e Blgica, alm da cobertura de sua visita Frana, Itlia, Espanha e Vaticano. J a posse de Juscelino e Joo Goulart mereceu a capa da edio de 04 de fevereiro de 1956, onde a matria principal foi: Posse festiva de Juscelino e Jango (p.4 a 10), com grande cobertura fotogrfica e vrias cenas externas, onde aparece a grande concentrao de populares reunidos em frente aos Palcios Tiradentes e Catete, no Rio de Janeiro. Aps os meses iniciais do governo, quando a presena de Juscelino foi uma constante nas pginas da revista, foi publicada em 19 de maio de 1956 a primeira reportagem abordando o tema da mudana da capital para o Centro-Oeste, um ms aps o envio ao Congresso da mensagem presidencial criando a NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), sendo que a lei, que a criaria de fato, s seria sancionada em 19 de setembro daquele ano. interessante notar que, na matria: Nova capital: s falta mudar (p.64 a 66), no se toca no nome da futura capital, sugerindo que ele ainda no estava decidido pelas instncias governamentais, pois, por vrias vezes, o termo usado pela reportagem para design-la apenas nova capital federal. Ao mesmo tempo, alm do ttulo da reportagem, que sugere uma pressa e aodamento ainda maior que a de Juscelino em relao mudana da capital, o que mais nos chamou a ateno foi sua ilustrao, representando uma proposta de capital criada pelo arquiteto Raul Pena Firme, pelo Professor Roberto Lacombe e pelo engenheiro Jos de Oliveira Reis, como podemos ver na Figura 1.

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Fig.1 Revista Manchete, 19/05/1956, Nova capital: s falta mudar, p.64 a 66.

Se levada a srio a proposta acima, teramos realmente uma Washington tupiniquim. A referncia ao Congresso americano bastante clara na ilustrao, assim como o estilo neoclssico que domina as fachadas e colunatas dos prdios imaginados, e at mesmo a formao triangular da praa em frente ao Capitlio. Por outro lado, a matria trs uma informao relevante em relao ao processo de mudana e construo da nova capital: h uma nota sugerindo que o Presidente iria convidar urbanistas estrangeiros para elaborar o plano geral da capital, mas reservaria a parte arquitetnica para brasileiros, ou seja, o concurso para se escolher o Plano Piloto ainda no havia sido pensado, porm, aparentemente, Niemeyer j estava nos planos de JK. Uma semana depois da reportagem acima, em 26 de maio de 1956, aparece em Manchete a primeira referncia relacionada ao estilo JK de governar. Prxima em contedo daquela reportagem de O Cruzeiro que citamos: JK Presidente alado. Na revista Manchete a reportagem recebeu o ttulo: JK despacha nas nuvens, onde, ocupando 75% da pgina dupla da matria, foram colocadas doze fotografias do Presidente sentado em uma poltrona de avio. Destas, nove o apresentam em poses meditativas ou com ar preocupado e trs, as ltimas, apresentam o Presidente numa gargalhada franca, espontnea (Fotografia 2).

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Fotografia 2 Revista Manchete, 26/05/1956, p.6-7, JK despacha nas nuvens. Fotografias de Hlio Santos. (tamanho reduzido)

No texto, cujo autor no identificado, a nfase dada ao dinamismo e mobilidade, que seriam, segundo a revista, caractersticas essenciais do Presidente:
JK no pra. A sua presena no interior de Gois, na Amaznia, ou no extremo sul, j notcia rotineira [...]. Os que o acompanharam no governo de Minas sabem que o estilo JK este mesmo, oposto ao do presidente-burocrata, encarcerado em seu gabinete, preso a uma entulhada de processos.

A impresso de um engajamento, de uma parceria entre mdia e governo no se restringiu apenas a ns, como veremos a seguir. Em 30 de maro de 1957 (p. 4), esclarecendo a linha editorial da revista, aps ser questionado por cartas de leitores, Nahum Sirotsky, ento Redator-Chefe de Manchete, escreve:
Em verdade, MANCHETE (sic) no est ligada a grupos, nem comprometida com faces. No somos entreguistas nem antiamericanistas, no favorecemos Jnio Quadros nem Ademar, no somos a favor nem contra o governo; gostamos de dizer que somos uma revista independente. [...] No dizemos que nossas reportagens sejam total e absolutamente objetivas. que, afinal de contas, somos humanos, e, por mais que nos esforcemos, algo de nossas filosofias de vida, de nossas tendncias polticas, de nossas reaes pessoais surge no que escrevemos.

Notemos que, sintomaticamente, Sirotsky sequer toca no nome de Juscelino. Referese genericamente a no ser a favor ou contra o governo, no nomeando seu mandatrio,

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talvez para no entrar em contradio com a expressiva presena de JK nas pginas seguintes. Na mesma data, outra matria (p.34 a 38,) ilustra bem aqueles pontos que consideramos na metodologia, com relao ao julgamento que conferimos s reportagens, se positivas, negativas ou mistas (Fotografia 3).

:
Fotografia 3 Revista Manchete, 30/03/1957 O Brasil ter petrleo para dar e vender, p.34 a 38. Texto de La Peri e Philip Daou. (tamanho reduzido)

A imagem acima ocupa toda a pgina direita, ou 50% da capa da reportagem em pgina dupla. No sorriso franco do trabalhador da indstria petrolfera brasileira (ao menos isso que a reportagem tenta nos fazer crer), no charuto que carrega na boca e no gigante de ao que serve de segundo plano fotografia, tudo inspira crescimento, bem-aventurana, otimismo e certeza no futuro. A perspectiva ascendente do trabalhador, se mesclando com a

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da torre de petrleo, unida postura e expressividade do personagem conferem imagem uma atmosfera alegre e otimista. O ttulo da matria vem confirmar essa sensao e garante: O Brasil ter petrleo para dar e vender. Logo abaixo vem o subttulo: Bahia: em 54, 2.400 barris. Bahia: em 57, mais de 40 mil. Ou seja, segundo a matria, tnhamos uma preocupao a menos, o Brasil no teria problema com escassez de petrleo no futuro. Ao iniciar, o texto faz uma revelao auspiciosa aos leitores: Confirmadas as perspectivas, dentro de sete anos o Brasil poder ser auto-suficiente em petrleo. Desde que iniciamos este captulo, era esse ponto que gostaramos de realar, ou seja, a verdadeira criao que a imprensa pode levar a efeito, quando imbuda deste fim. Imaginemos o que significou uma matria como esta para o leitor que sempre ouviu falar que um dos maiores problemas do Brasil, at ali, era a falta de autonomia econmica e energtica, essenciais para o desenvolvimento. A reportagem d a entender que a partir daqueles dias, a sonhada autonomia seria conquistada de um momento para outro, atravs do petrleo. E o mais impressionante, decorridos apenas um ano e trs meses do governo JK. Para ns, essa reportagem ajuda a esclarecer a postura de Manchete, indicando que o consenso em torno do nacional-desenvolvimentismo estava em pleno processo de construo. Ao mesmo tempo, essa construo implicou no estabelecimento, por parte das revistas, de um repertrio simblico prprio para o nacional-desenvolvimentismo, ou seja, elas trataram de reforar a presena nas reportagens de determinadas personalidades, objetos, posturas, hbitos, conceitos de consumo, equipamentos e situaes, prprios de uma sociedade industrial e desenvolvida. Esses elementos, sendo estabelecidos como smbolos daquele momento poltico, econmico e social, assumiriam a caracterstica inerente aos smbolos, ou seja, poderiam substituir, representar nas mentes dos brasileiros, a ideologia nacional-desenvolvimentista e remeter o leitor das revistas quele conjunto de valores defendidos por aquele grupo poltico-econmico. Em 02 de fevereiro de 1957, a revista Manchete abordou um dos temas centrais do programa nacional-desenvolvimentista, com a matria: O seu carro vem a, cuja capa apresentamos abaixo (Fotografia 4):

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Fotografia 4 Revista Manchete, 02/02/1957, O seu carro vem a, p.60 a 65. (autores no identificados)

O automvel aparece como um bem vivel a curto prazo, a uma grande quantidade de brasileiros. O ttulo da matria afirma: O seu carro vem a. Para confirmar isso, apresenta uma srie de trs fotografias onde o carro j est inclusive sendo montado. Alm da previso otimista oferecida pela revista, configuramos o prprio ambiente retratado como positivo em relao ao nacional-desenvolvimentismo. Nas imagens aparecem sete trabalhadores da indstria automobilstica em plena labuta, algo que at alguns anos antes, inexistia no pas. No decorrer da reportagem, h a previso de que em 1960, 70% do peso de cada veculo fabricado, seria composto de peas de fabricao nacional. Ou seja, novas perspectivas de emprego com a expanso do parque industrial. O que refora aquela idia de mudana de paradigma econmico para o Brasil que o nacional-desenvolvimentismo queria implantar. Sobre Braslia, uma reportagem intrigante da revista Manchete foi: Deus tambm quer a mudana da capital (02/06/1956, p.70 a 73), onde o reprter Joel Silveira narra a profecia de Dom Bosco a quem, em 1893, Deus disse numa viso: Entre os paralelos 15 e 20 [...] haver a terra prometida, de onde correr leite e mel. Ser uma riqueza inconcebvel. Ou seja, construo simblica ligada s vertentes polticas e econmicas, a 106

revista agregava mais uma: a legitimao da mudana da capital pelo sagrado, atravs da religio. Esta estratgia se repetiu na edio de 11 de maio de 1957, p. 8 a 10 (Fotografia 5), quando a revista cobriu a primeira missa campal no local onde seria erguida a futura capital, realizada no dia 03 anterior daquele ms. A matria levou o ttulo: Braslia: segunda primeira missa. Nesta, percebemos j pelo ttulo a qualificao da construo de Braslia como um re-descobrimento do Brasil.

Fotografia 5 Revista Manchete, 11/05/1957, Braslia: segunda primeira missa, p. 8 a 10. Fotografias de Gervsio Batista e Flvio Roiter. (tamanho reduzido)

Para isso o cenrio foi montado a carter, com a presena de muitos polticos, empresrios, populares e representantes de vrias tribos indgenas da regio Centro Oeste e Norte, trazidos em avies da FAB. Um dos subttulos da reportagem anuncia: Como na primeira missa no faltaram os ndios, apresentando uma fotografia das mais expressivas em relao a um dos preceitos do nacional-desenvolvimentismo: a integrao nacional, fosse ela fsica e territorial, fosse ela cultural e populacional. (Fotografia 5) 107

Impossvel saber se a moa de Goinia est usando o cocar indgena ou se, num truque, o fotgrafo se postou de forma a rebater a silhueta da moa no ornamento, colocado um pouco mais atrs. De qualquer forma, ele conseguiu como resultado uma mescla simblica entre o Brasil do sudeste e o Brasil do Centro Oeste. Entre o Brasil civilizado e o Brasil selvagem, entre o Brasil costeiro e o Brasil do interior. E, apesar de ilustrar uma reportagem sobre uma missa, a legenda da fotografia caracteriza o evento como uma festa. Este mais um exemplo dos elementos que nos levaram a sugerir que as revistas estariam engajadas num trabalho de construo de uma simbologia imagtica para o nacionaldesenvolvimentismo. Ainda sobre a cobertura da revista Manchete sobre Braslia, destacamos os adjetivos usados frequentemente para defini-la: Capital de Amanh (28/12/1957, p.66-7), Braslia - Cana, paralelo 20 (12/07/1958, p.70-6), A capital da esperana (19/09/1959, p.20 a 37). Deste conjunto de reportagens cujo tema era a nova capital, destacamos a editada em 13 de fevereiro de 1960, intitulada Segunda descoberta do Brasil (Fotografias 6 e 7). Nesta, destacada a caravana da integrao, composta por vrios grupos de pessoas que partiram de vrias partes do pas a bordo de carros produzidos pela, recm-implantada, indstria automobilstica brasileira rumo Braslia, transitando por estradas recm construdas. Esta reportagem representa uma sntese do programa nacional-

desenvolvimentista, retratando grupos de brasileiros chegando a uma regio anteriormente desabitada do pas, por meio de automveis nacionais, atravs de caminhos antes inexistentes, rumo a uma novssima capital, smbolo do futuro. Ou seja, o discurso poderia ser lido como: tomamos posse do territrio, integramos a nao, desenvolvemos a indstria e cumprimos a promessa de dar ao Brasil uma capital que represente sua grandeza e destino progressista. A imagem abaixo ilustra bem esta mensagem:

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Fotografia 6 Revista Manchete, 13/02/1960, Segunda descoberta do Brasil, p. 6 a 13. Fotografia de Ivo Barreto e reportagem de Carlos Botelho. (tamanho reduzido)

Para a formao do sentido da mensagem visual, o texto assume um papel fundamental:


o Brasil que acorda de repente, do Sul, Norte, Leste e Oeste, os novos bandeirantes partiram em veculos nacionais para o encontro histrico na capital do Brasil de amanh. A Caravana da Integrao, para usar a denominao oficial, marcou para sempre o governo do Sr. Juscelino Kubitschek. As estradas cortam a selva virgem com decidida vontade de unir os destinos da nao.

Como contraponto quela imagem da primeira missa rezada em Braslia, onde o cerrado era a paisagem dominante, agora a revista apresentava o resultado concreto da ocupao: a cidade j estruturada, com uma imensa responsabilidade pela frente. Como capa, a reportagem apresenta a imagem a seguir:

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Fotografia 7 Revista Manchete, 13/02/1960, Segunda descoberta do Brasil, p. 6 a 13. Fotografia de Ivo Barreto e reportagem de Carlos Botelho. (tamanho reduzido)

Braslia, no discurso incorporado pela revista, cabia o papel de reinveno do Brasil. Cabia nova capital, tanto a responsabilidade por promover a integrao territorial, quanto por alavancar o desenvolvimento econmico e social. Outra reportagem, que reproduzimos em parte, abaixo, nos d a dimenso dessa responsabilidade conferida nova capital. A matria intitulada Todos os caminhos levam a Braslia (Manchete, 16/04/1960, p.66 a 77, Fotografia 8), define os objetivos da construo:
No bastava edificar Braslia no corao do Planalto Central, segundo as arrojadas concepes de Lcio Costa e Oscar Niemeyer, para que a obra de interiorizao da capital da Repblica produzisse os seus impactos revolucionrios no destino da nao. A cidade-modelo, feita com material da melhor experincia tcnica e do maior interesse humano, teria que nascer fisicamente incorporada unidade brasileira, como j o era pelos vnculos espirituais de uma deciso manifestada atravs de dois sculos de clamor nacional. Se no estivesse ligada organicamente, por artrias e nervos, a todo o corpo do pas, Braslia no poderia cumprir suas funes essenciais de comando da vida administrativa da Repblica, de instrumento ao mesmo tempo instigador

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da nossa descompensada economia e centro irradiador de progresso na vastido interior inexplorada. Por isso, com os planos de localizao e construo da cidade, se cuidou simultaneamente do seu sistema de acesso e comunicaes, bastando para tanto acelerar projetos j estabelecidos em programas nacionais especficos. Hoje, quando trs anos apenas separam a realidade de Braslia do que era s uma conveno no mapa, um ideal de vrias geraes de patriotas e uma paisagem solitria nas entranhas do pas, a Capital da Esperana se inaugura perfeitamente integrada ao territrio e nas funes da Repblica, atravs das rodovias e ferrovias, pela navegao area, pelas linhas telegrficas, pelo telefone e pelas ondas do rdio, por todos os meios enfim, que aproximam os brasileiros, de Norte a Sul, para o destino comum. Todos os caminhos levam a Braslia.

O texto acima a transcrio dos dois pargrafos inseridos na capa da reportagem:

Fotografia 8 Manchete, 16/04/1960, Todos os caminhos levam a Braslia, p. 66 a 77. Reportagem de Pedro Gomes e fotografias de Jder Neves e Nicolau Drei. (tamanho reduzido)

Confirmando nossas expectativas em relao adeso da revista Manchete ao projeto nacional-desenvolvimentista e, como contraponto quela declarao de Nahum Sirotsky, de 1957, h outro editorial, de 13/02/1960, agora assinado por Justino Martins, ento Redator-Chefe (Fotografia 9). O editorial inicia com os seguintes termos:

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Vale a pena ser otimista neste pas: a ltima edio de MANCHETE (sic), contendo uma reportagem especial sobre as grandes realizaes de JK e sua repercusso no futuro do Brasil, esgotou-se em apenas quatro horas. Foram 250 mil exemplares que os leitores consumiram em So Paulo e no Rio, sem contar as remessas normais para o interior do pas. (grifos nossos)

Fotografia 9 Revista Manchete, 13/02/1960, p.4 Editorial. Juscelino Kubitschek e Adolpho Bloch.

A Frase de JK, que serve de legenda fotografia acima, um agradecimento s 43 pginas do nmero anterior da revista Manchete (06/02/1960), onde foram abordados todos os temas relacionados ao Plano e Metas e seus estgios de implantao em todo o territrio nacional. Nas dezenas de pginas fartamente ilustradas daquele nmero, a revista mostrou as rodovias Belm-Braslia, Rio-Belo Horizonte, BR 116 (So Paulo-Curitiba), a condio dos portos e aeroportos, da indstria siderrgica, da Petrobrs, da indstria automobilstica, das hidreltricas Furnas e Trs Marias e, por final, com grande nfase, um panorama geral sobre Braslia e o sucesso de sua implantao. Ou seja, aquela independncia aventada por Sirotsky em 1957, parece ter se transformado em adeso incondicional ao projeto desenvolvimentista em 1960. Para traduzir a postura da revista em nmeros, apresentamos abaixo, nas Tabelas 2 a 7, os resultados da quantificao que procedemos em relao s reportagens sobre o nacional-desenvolvimentismo e Braslia em Manchete.

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Tabela 2 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1956. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos Siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 5 14 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 22 Positiva 4 11 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 18 Negativa 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Mista 1 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4

Tabela 3 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1957. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos Siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 4 13 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 23 Positiva 3 11 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1 19 Negativa 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Mista 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 4

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Tabela 4 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1958. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos Siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 7 10 0 2 0 0 2 1 1 0 0 0 0 6 29 Positiva 5 9 0 2 0 0 1 1 1 0 0 0 0 4 23 Negativa 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2 4 Mista 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

Tabela 5 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1959. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 12 8 5 3 1 0 0 0 0 0 0 0 1 4 34 Positiva 9 8 4 3 1 0 0 0 0 0 0 0 1 1 27 Negativa 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 Mista 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 4

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Tabela 6 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no ano de 1960. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 12 8 4 2 3 1 0 0 0 1 0 1 1 0 33 Positiva 12 6 4 2 3 1 0 0 0 1 0 1 1 0 31 Negativa 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Mista 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

Tabela 7 Total geral das matrias positivas, negativas ou mistas na revista Manchete no perodo 1956 a 1960. Perodo Positivas Negativas Mistas Total geral 1956 a 1960 118 7 16 141

A partir dos dados acima, constatamos a avassaladora maioria das reportagens favorveis a JK, ao nacional-desenvolvimentismo e Braslia presentes em Manchete. As reportagens absolutamente crticas representaram apenas 4,9% do total pesquisado. Se somadas s de carter misto, que em si tambm continham um componente crtico, chegaramos a 16,4% de matrias negativas, contra 83,6% de matrias claramente favorveis, seja em relao ao nacional-desenvolvimentismo e seus temas afins, seja em relao Braslia. De qualquer forma, o pequeno nmero de reportagens negativas no desprezvel quando observamos em que temas esto concentradas: Braslia e economia. A concentrao nestes dois temas se explica pelo fato de ter aparecido nas pginas da revista o debate que se travava no meio poltico e econmico sobre o carter inflacionrio da construo de

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Braslia, financiada em grande parte pela emisso de moeda pelo Banco Central. Neste sentido, Braslia, para muitos crticos, era a causa da inflao ascendente no perodo, o que, no raro, suscitava propostas de paralisao das obras. Concomitantes a isto, apareceram tambm na revista os debates sobre as fontes de financiamento do projeto nacionaldesenvolvimentista, se por capital nacional ou estrangeiro, se pblico ou privado. Ao mesmo tempo, outro nmero importante observado nas tabelas o da presena de Juscelino na revista. Do total pesquisado, identificamos 53 reportagens com JK como personagem principal. Sistematicamente usando um evento como pano de fundo, fosse uma inaugurao, palestra, cerimnia oficial ou reunio de entidades civis, a revista sempre apresentava o nome de Juscelino no ttulo da matria e sua imagem em primeiro plano na fotografia. Com isso, no era o Presidente da Repblica que inaugurava uma fbrica ou exposio. Para Manchete era: JK realizar, o clero vigiar (09/06/1956, p.48); JK na Amaznia: regime consolidado (12/01/1957, p.4); JK recebe os artistas (23/03/1957, p.5); JK na Remington Rand: Prossigam sua tarefa! (09/11/1957, p.36-7); JK entrou na era supersnica (30/11/1957, p.14 a 17). Estes so apenas alguns exemplos dos ttulos utilizados pela revista. Consultando o ANEXO A desta dissertao, onde consta a relao de reportagens pesquisadas, ficar ainda mais clara, observando-se seus ttulos, a grande presena de JK em Manchete. O segundo tema mais freqente em nossa amostra da revista Manchete foi Braslia, com 40 ocorrncias. A partir daquela primeira matria publicada, praticamente concomitante ao envio da mensagem presidencial ao Congresso Nacional, criando a NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), Braslia foi, paulatinamente, ganhando espao na revista, em ritmo proporcional ao avano das obras. Com isso, no perodo de 1956 a 1960, 28,4% das 141 pesquisadas, versavam sobre a nova capital, acompanhando desde o momento em que s havia o cerrado a fotografar no Planalto Central, at a inaugurao de Braslia em 21 de abril de 1960. Apresentamos abaixo, na Tabelas 8, os resultados da tabulao das categorias criadas em relao s fotografias analisadas: Braslia, nacional-desenvolvimentismo e JK, comentando em seguida as ocorrncias mais significativas.

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Tabela 8 Ocorrncias da imagem de JK, de elementos simblicos do nacional-desenvolvimentismo e de Braslia na revista Manchete no perodo de 1956 a 1960.
Categorias JK (n*=91) Subcategorias c o m p a n h i a sozinho/CloseUp sozinho/corpo inteiro Com a famlia com militares com polticos com religiosos com empresrios com artistas com esportistas com populares com jornalistas Sorrindo Srio preocupado Surpreso Postura Sentado ao telefone em p em p/em movimento agachado Localiza-o em automvel em aeronave em navio Ambientao foto externa foto interna freqncia 15 9 7 13 41 6 6 2 2 19 6 44 42 5 0 34 2 48 7 1 4 7 1 34 57 % 16,5 9,9 7,7 14,3 45,1 6,6 6,6 2,2 2,2 20,9 6,6 48,4 46,2 5,5 0,0 37,4 2,2 52,7 7,7 1,1 4,4 7,7 1,1 37,4 62,6 Nacional-desenvolvimentismo (n*=60) subcategorias indstrias trabalhadores na indstria Mquinas industriais Produtos industriais eletrodomsticos transporte comunicao telefonia estradas ferrovias hidroeltricas energia atmica Mquinas de terraplanagem automveis petroqumica aeronaves navios Abastecimento de gua petrleo produo petrleo refino minerao siderurgia agricultura educao portos aeroportos freqncia 25 10 8 19 2 9 1 11 1 5 1 3 17 3 7 3 1 1 5 4 0 3 0 0 0 % 41,7 16,7 13,3 31,7 3,3 15,0 1,7 18,3 1,7 8,3 1,7 5,0 28,3 5,0 11,7 5,0 1,7 1,7 8,3 6,7 0,0 5,0 0,0 0,0 0,0 Braslia (n*=29) subcategorias cerrado Palcio da Alvorada Palcio do Planalto Congresso Supremo Tribunal Federal Catedral Hotel Turismo Capela Nossa Sra. de Ftima Lago Parano Eixo Monumental Eixos Rodovirios Esplanada dos Ministrios Rodoviria Sistema virio Super Quadras freqncia 6 11 4 8 1 2 0 4 2 2 2 9 1 2 2 % 20,7 37,9 13,8 27,6 3,4 6,9 0,0 13,8 6,9 6,9 6,9 31,0 3,4 6,9 6,9

expresso facial

* n representa o nmero de fotografias analisadas em cada categoria.

Esclarecemos, num primeiro momento, que as subcategorias na Tabela 8 so superpostas, ou seja, uma mesma fotografia pode ter gerado duas ou mais delas. Por

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exemplo, em uma imagem, Juscelino poderia estar acompanhado de militares, polticos e tambm de religiosos, suscitando a contagem de uma ocorrncia para cada uma dessas subcategorias. Ou, se o foco era o nacional-desenvolvimentismo, na fotografia poderia ocorrer a imagem de uma estrada, de um automvel e de uma mquina de terraplenagem, tambm contados cada um como uma ocorrncia. Ou seja, no caso de JK, por exemplo, no podemos somar as porcentagens das ocorrncias da subcategoria companhia, esperando obter o resultado 100% pois, com a superposio teremos um nmero de ocorrncias maior que o nmero de fotografias. Ao mesmo tempo, uma fotografia pode ter suscitado registro em duas ou at mesmo nas trs categorias, dependendo dos elementos constitutivos da imagem. Ao mesmo tempo, percebemos na Tabela 8, a discrepncia entre o nmero de ocorrncias de imagens de Braslia e suas subcategorias e as imagens de JK e do nacionaldesenvolvimentismo. Isto de deve principalmente ao fato de a construo de Braslia s ter apresentado algum elemento visvel, concreto, em finais de 1957, com o Palcio da Alvorada em fase de acabamento. Portanto, aquelas subcategorias nas quais dividimos a capital, ficaram com quase dois anos a menos de cobertura jornalstica imagtica em relao aos outros temas do nacional-desenvolvimentismo e JK. Por outro lado, o dado marcante para ns na Tabela 8 a presena majoritria de imagens de JK nas pginas de Manchete. Ao mesmo tempo alertamos que, mesmo com essa presena constante em nossa amostra, a freqncia da imagem de JK ainda est subestimada. Isso decorre do fato de, ao coletarmos o material para a pesquisa termos descartado as reportagens que, mesmo tendo o registro da imagem do Presidente, no tinham qualquer ligao com os temas por ns trabalhados. Essas matrias cobriam eventos sociais como casamentos, bailes de gala, carnaval, etc. O dado que aponta o Presidente preferencialmente acompanhado de polticos no nos causou estranheza, devido ao prprio ofcio poltico e grande cobertura dispensada pela revista s inauguraes de obras pblicas e privadas, normalmente prestigiada por muitos polticos eleitos e pretendentes a se eleger. Por outro lado, se somarmos as subcategorias sozinho/close-up com sozinho/corpo inteiro, a imagem de JK como tema central da fotografia assume a segunda posio em nmero de ocorrncias naquela

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categoria, o que, para ns, refora o carter personalista da cobertura jornalstica da revista Manchete. Ao mesmo tempo, o fato de os militares figurarem na quarta posio, aps a companhia de populares, demonstra o carter civil do governo, mas, por outro lado, confere alada militar alguma importncia no processo poltico daquele momento. Seja como reconhecimento pela garantia dada pela corporao posse de Juscelino, com o golpe preventivo do Marechal Lott em novembro de 1955, seja como forma de manter a imagem da presidncia a uma distncia segura em relao aos militares, a revista parece ter usado uma estratgia de conferir certo destaque presena militar, mas com o cuidado de no exagera-la. Notamos uma preferncia da revista Manchete em representar Juscelino em p (52% das ocorrncias) e, contrariamente ao que imaginvamos, com um empate tcnico entre as expresses sorrindo e srio. Este dado desmentiu a percepo que tnhamos de que a revista se esforava por construir uma imagem do Presidente calcada na simpatia, expansividade e, se assim fosse, ilustrada por uma maioria de expresses sorridentes. Por fim, realamos a preferncia da revista por retratar Juscelino em ambiente fechado, com 62,6% contra 37,4% de fotografias externas. J em relao categoria desenvolvimentismo, percebemos uma total coerncia entre a Tabela 8 e o programa nacional-desenvolvimentista. Isto porque, se olharmos as subcategorias de maior ocorrncia teremos as imagens de indstrias em primeiro lugar, seguida de produtos industriais, automveis, estradas e transporte. Esses dados demonstram a nfase da revista e o empenho do governo na implantao da indstria automobilstica no Brasil. O automvel aparece ali como uma espcie de vedete que o programa nacionaldesenvolvimentista prometia tornar acessvel a muitos. Ao mesmo tempo, a questo da integrao do territrio nacional foi presena constante no discurso oficial e a construo do cruzeiro rodovirio, segundo Juscelino, seria o caminho para promov-la, o que explica o ndice de 33,3% de ocorrncias, resultante da somatria das subcategorias transporte e estradas. Por outro lado, na Tabela 8, nos chama a ateno as ausncias, ou seja, subcategorias nas quais no encontramos nenhuma ocorrncia, apesar destas fazerem parte do Plano de Metas, como, por exemplo, a educao. Nenhuma ocorrncia nesta rea

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confirma os resultados nada animadores na rea, conferindo-lhe pouca visibilidade, ou seja, a educao no era ou no se tornou prioridade naquele momento, sequer para a mdia. Por fim, temos a categoria Braslia e nela impera absoluto o Palcio da Alvorada. Talvez por ser a primeira obra concluda ou, devido a suas linhas extremamente harmnicas, mesclando sofisticao e simplicidade, o Palcio da Alvorada tornou-se presena obrigatria em qualquer matria sobre a construo de Braslia. Ao descartarmos os anncios publicitrios com sua imagem, diminumos em muito sua visibilidade em nossa amostra, mas podemos dizer que ele estava presente na maioria absoluta das propagandas que tivessem Braslia como ponto de referncia para significar modernidade de algum produto. Mas, de fato, a publicidade no representava necessariamente a poltica editorial das empresas jornalsticas nem dependia de sua vontade publica-la, por isso sua excluso. Na segunda colocao, quando se tratava de ilustrar as matrias sobre Braslia em Manchete, aparecem, num empate tcnico, a Esplanada dos Ministrios e o Congresso Nacional. Fato para ns bastante importante, pois, se por um lado, era onde as obras estavam mais aceleradas, com a inaugurao da capital se avizinhando, por outro, reforavam a imagem das instituies que abrigariam o poder poltico e a administrao federal a partir daquele momento. Neste sentido, significou uma mudana considervel na imagem das sedes de poder e administrao que, at ento, estavam aliadas a espaos urbanos restritos, confinados entre outros prdios e convivendo com o caos presente nas grandes cidades ou capitais. Nestas, os edifcios pblicos, de uma forma geral, remontavam ao estilo neoclssico, com estruturas pesadas, fachadas com colunatas e escadarias imponentes. Em Braslia, ao contrrio, pelas imagens da revista, o que imperava era o vazio, com grandes espaos entre as construes. Era a limpeza de linhas dos edifcios, o racionalismo do sistema virio e o inusitado desenho das formas arquitetnicas. Em suma, uma mudana radical, se considerarmos apenas o aspecto visvel da cidade, em relao ao modelo de capital e de espaos relacionados ao poder existentes at ento no Brasil. Num certo sentido, estava sendo realizada pela revista uma espcie de reeducao esttico-simblica em relao ao que seria o ambiente do poder a partir dali.

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3.4 Revista O Cruzeiro

Em relao O Cruzeiro, identificar sua postura ideolgico-editorial foi uma tarefa um tanto mais complexa se comparada com Manchete. Como em relao a Adolpho Bloch, havia tambm uma grande proximidade entre JK e Assis Chateaubriand, dono dos Dirios Associados, editor de O Cruzeiro. Na biografia do jornalista e empresrio intitulada Chat, O Rei do Brasil, escrita por Fernando Morais, encontramos alguns desses pontos de contato entre ambos. Morais (1994, p. 547), transcreve um trecho de artigo escrito por Chateaubriand, publicado no Dirio da Noite e Dirio de So Paulo em 19/06/1953, onde se l: O governador Juscelino salvou-me a vida. Tenho obrigao, a partir desta data, de t-lo eternamente como meu amo e senhor. Com esta declarao, Chateaubriand creditava a JK o fato de ter escapado de um grave acidente areo que vitimou todos os passageiros de uma aeronave que se aproximava do aeroporto de Congonhas, em So Paulo. Chateaubriand era um dos passageiros daquele vo vindo da Europa com escala em Recife. Ali, foi retirado da aeronave pelo Governador do Estado de Pernambuco, Etelvino Lins, que queria discutir com o jornalista o apoio que os Dirios Associados dariam possvel candidatura de Juscelino Kubitschek Presidncia da Repblica. A conversa se alongou e Chateaubriand perdeu aquele vo fatdico, retornando a So Paulo s no dia seguinte, quando tomou conhecimento da dimenso do desastre ocorrido, o que o motivou a escrever a declarao acima. Mas a ligao entre ambos no se limitou apenas quele acaso. Reafirmando os laos entre ambos, houve tambm a promessa feita por JK, j durante a campanha Presidncia, de entregar a embaixada brasileira na Inglaterra Chateaubriand, caso vencesse a disputa eleitoral. Esta dvida o jornalista, ento Senador pelo Estado do Maranho, cobrou com afinco e no esmoreceu at que fosse nomeado Embaixador, entregando suas credenciais Rainha da Inglaterra em 22 de novembro de 1957 (Ibidem, p. 604). Mas os fatos acima no teriam tanta relevncia no fosse um outro acontecimento. O que era realmente caro Chateaubriand naqueles anos finais da dcada de 1950 eram o MASP (Museu de Arte de So Paulo) e seu acervo, para os quais dedicava grande parte de

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sua energia e fortuna. E foram exatamente esses bens que Chateaubriand esteve muito prximo de perder, quando a justia americana arrestou toda uma exposio que o museu organizara em Nova York em 1957. A exposio, que j havia passado pela Europa, visava divulgar o acervo do MASP e obter reconhecimento por parte de especialistas internacionais da legitimidade das obras, ento muito questionada no Brasil. Meses antes, todos os quadros haviam sido dados como garantia a um emprstimo feito por Chateaubriand junto ao banco americano Guaranty Trust Company of New York . Como a dvida no foi paga, o banco a executou judicialmente, conseguindo que os quadros fossem confiscados assim que adentraram nos Estados Unidos. No Brasil, Chateaubriand, mobilizou o Presidente da Repblica e seu Ministro da Fazenda Jos Maria Alkmin, na busca de uma soluo ao problema. Aps muita relutncia, o governo brasileiro, atravs da Caixa Econmica Federal, realizou um emprstimo Associao Museu de Arte de So Paulo no valor de Cr$ 39.539.992,10 ou US$ 2 milhes de dlares da poca, imediatamente depositados, no dia 02 de dezembro de 1957, no banco Guaranty, quitando o dbito. Em sua obra, Fernando Morais apresenta cpias dos recibos de depsito bancrio da quantia emprestada ao MASP e do repasse da mesma ao banco americano. (Ibidem, p.593) Ainda segundo o autor da biografia, essa dvida com a Caixa Econmica Federal tambm nunca foi paga, sendo quitada em 1971, trs anos aps a morte de Chateaubriand, com recursos oriundos da loteria federal, por ordem do ex-Ministro da Educao do Governo Mdici, Jarbas Passarinho. (Ibidem, p. 594) Porm, apesar dessa proximidade entre Chateaubriand e JK, no identificamos uma adeso incondicional e irrestrita de O Cruzeiro aos preceitos do nacional-

desenvolvimentismo. Como veremos nos quadros estatsticos mais adiante, havia uma parcela importante da revista reservada s crticas ao governo e s suas realizaes ou omisses. Em um mesmo nmero encontramos matrias ufanistas e francamente positivas em relao a alguma atuao governamental, seguida de outra matria ou artigo bastante crtico em relao ao Presidente e sua equipe ou, mais incisivamente, em relao prpria pessoa de Juscelino Kubitsheck. Neste caso, as crticas vinham rotineiramente atravs do jornalista David Nasser, principal articulista de O Cruzeiro que, no raro, se dizia um bom amigo de JK. Porm,

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com freqncia bem maior, tecia comentrios bastante agressivos e depreciativos quanto atuao do Presidente. Exemplo dessa prtica so os artigos: Simpatia no governa (15/06/1957, p.16-7), A vaca de mil tetas (28/11/1958, p.82-3) e Man fogueteiro (11/04/1959, p.16-7). Todas os textos centrados na figura do Presidente e, como podemos perceber pelos ttulos, nada elogiosos. No artigo de 1957, o tom de Nasser era conciliatrio, conselheiro:
-No permita Juscelino, que a subservincia, endemia nacional, deforme a triste realidade brasileira aos seus olhos. No so seus amigos esses amigos que lhe pintam um quadro cor-de-rosa. [...] Por isso, desperte, Presidente. Um pouco menos de simpatia. Um pouco mais de bom-senso ou ento seremos apenas escravos de um sonho, vtimas de um erro, filhos de Braslia.

Em 1958, Nasser demonstrava certo ressentimento em funo da pouca receptividade do governo em relao a suas crticas:
O denodo, o entusiasmo juvenil, o quase fanatismo com que o senhor Juscelino Kubitschek de Oliveira defende as realizaes iniciadas pelo seu governo, quase transforma os seus crticos em adversrios dessas realizaes. [...] Ou se pela coisa a jato e de qualquer jeito, ou se do contra. [...] Um pouquinho de freio no faz mal a ningum, seja ele um patriarca bblico ou um mineiro desaforado.

J em 1959, o jornalista parecia estar inconformado com o rumo do governo JK e o comparava a um fabricante de iluses:
[...] Inventor e fabricante de fogos de artifcio, o Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira faz-me lembrar o Man Fogueteiro da minha infncia. [...] Reconhecemos que muitas das acusaes que fazemos, nestes dias do seu governo, ao atual Presidente, cairo algumas. Talvez poucas. Talvez muitas. Talvez todas. No so infalveis as crticas do jornalista, como no o so o procedimento de um governo, mesmo um governo assim, libertino nas finanas e avarento para os crditos legtimos. -Voc no sabe soltar os sonhos que fabrica Juscelino Kubitschek de Oliveira. -Voc no sabe soltar os fogos que fabrica meu pobre Man Fogueteiro.

Um pouco antes, na edio de 28 de fevereiro de 1959 (p.110-1), no artigo O patro de meu patro, Nasser narra uma conversa sua com Chateaubriand, quando este lhe disse:
- Voc me faz passar cada vergonha, meu filho. [...] Meu jaguno louco, voc est inteiramente enganado a respeito do homem: Juscelino ser um grande Presidente. [...] Sei que o seu pblico, o pblico da revista, gosta da imparcialidade, da crtica, da franqueza. Mas lembre-se de que Juscelino, dentre todos, ainda o melhor.

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Entretanto, a posio hegemnica de O Cruzeiro, ou, a palavra final sobre o assunto simpatia ou antipatia pelo governo JK foi dada por Assis Chateaubriand apenas na edio de 27 de fevereiro de 1960, (p.102), em um artigo onde se l:
H oito anos, que, neste Pas como em Minas Gerais, Juscelino Kubitschek realiza uma obra imperial.[...] A nao s idealiza vnculos com Juscelino Kubitschek. com ele que est o seu romance. [...] A riqueza que acumulou para o Brasil, num sem nmero de novas iniciativas, transforma-o num prodgio regenerador de uma democracia, a qual ficou sem tempo para conspirar. Seu governo febril, excitador de feixes de energia de todo tamanho, tem sido uma segura mquina revolucionria, porque destinada a matar as revolues. [...] Braslia era um anelo de suicidas, tal a grandeza dos problemas que ela juntava e a extenso das solues que ela desafiava. Para a maioria da Nao, a nova capital no passava de uma aventura trgica. Entretanto, o governo para ela se vai mudar a 21 de abril.

Com isso, nossa impresso a de que havia duas posturas distintas na revista, uma responsvel por enaltecer e outra por criticar o Governo JK. Se, por um lado, poderamos interpretar essa prtica como um exerccio de independncia jornalstica dentro de um veculo de comunicao, por outro, ela revela a replicao de uma estratgia sempre cultivada pelas empresas jornalsticas de propriedade de Assis Chateaubriand, ou seja, criticar, mas sempre deixando uma porta aberta para negociao futura, caso os criticados chegassem ao poder . Ou, por outro lado, elogiar, mas sempre deixando marcada a posio de que as coisas poderiam mudar. Dependendo das negociaes dos interesses entre os Dirios Associados e o governo ou empresas, o espao do elogio poderia desaparecer e o espao das crticas poderia crescer substancialmente. Esta postura de O Cruzeiro, mesmo que em outra circunstncia, descrita por Samuel Wainer38 em sua autobiografia, quando relata um dilogo que manteve com Chateaubriand a respeito da cobertura que a revista faria da campanha de Getlio Vargas Presidncia em 1950, quando seu patro, poca, sentenciou:

[...] o senhor pode dar total cobertura a Vargas [...]. O Senhor faz a campanha de Getlio e eu mando o Marroquim (Murilo Marroquim) sustentar a oposio a ele. Assim estaremos bem com qualquer lado que ganhar.

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WAINER, Samuel. Minha razo de viver Memrias de um reprter. Rio de Janeiro: Editora Record, 1987. (apud MORAIS, 1994, p.513).

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Nossa amostra da presena de JK em O Cruzeiro, j Presidente eleito, comea com a cobertura da revista sua viagem internacional, realizada dias antes de assumir a presidncia, porm, s publicada em 11 de fevereiro de 1956 (fotografia 10):

Fotografia 10 O Cruzeiro, 11/02/1956, J.K. em busca de riqueza para o Brasil, p.106 a 108. Reportagem de Eugnio H. Silva e lvares da Silva. (tamanho reduzido)

Na reportagem, aps apresentar o Presidente acompanhado por doze chefes de Estado e de governo, entre eles os Presidentes dos Estados Unidos, Alemanha, Itlia, Espanha e Portugal, alm do Papa Pio XII, O Cruzeiro, com a foto direita na pgina dupla, d o tom do que seria um dos carros-chefe do programa nacionaldesenvolvimentista: o esforo por instalar no Brasil a indstria automobilstica. Na fotografia, Juscelino acompanha o Presidente da Mercedes-Bens, Fritz Koenecke (ao volante), em um teste de uma espcie de Jeep fabricado pela empresa, na Alemanha. O ttulo da matria: J.K. em busca de riqueza para o Brasil, estabelece a ligao entre o sentido do texto e o sentido da imagem, criando uma sincronia lgica entre o processo de industrializao e a obteno da riqueza. Ao ilustrar a reportagem com um produto industrializado, experimentado pelo Presidente, que tinha como objetivo produzi-lo no Brasil, a revista comea a reforar a mudana de paradigma econmico que se queria levar a efeito a partir dali, o qual tentaremos explicitar em seguida.

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Essa matria, ao mesmo tempo, inaugura em O Cruzeiro uma predileo que Juscelino demonstraria em ser fotografado a bordo de veculos, fossem eles carros, avies, helicpteros, navios ou mquinas de terraplenagem. A sugesto de mobilidade, dinamismo, novos mtodos administrativos, em resumo, a busca por representar a modernidade ou a modernizao das atitudes, para ns, foi uma preocupao constante dos responsveis pela criao/divulgao da imagem do governo JK, os especialistas, a quem nos referimos anteriormente. Em 02 de fevereiro de 1957 (Fotografia 11), tivemos mais um exemplo da divulgao e construo da imagem dinmica do Presidente. Em matria intitulada: JK de fevereiro a janeiro (p.74 a 79), O Cruzeiro faz um balano das viagens de JK em seu primeiro ano de administrao:
Juscelino cobriu quase todo o territrio nacional, percorrendo 186.000 quilmetros 630 horas de vo [...] visitando todos os Estados do Brasil e despachando os processos com seus auxiliares no prprio avio. [...] A oposio condena as viagens, mas as populaes visitadas gostam.

Fotografia 11 O Cruzeiro, 02/02/1957, JK de fevereiro a janeiro, p.74 a 79. Reportagem de Wilson Aguiar e fotografias de Ildalcio Wanderley. (tamanho reduzido)

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Aps apresentar um mapa do Brasil com um desenho superposto de todos os trajetos que o Presidente teria percorrido naquele primeiro ano de governo, tanto por terra: de carro ou de trem, quanto por mar e ar, a revista finaliza a matria com a fotografia de JK acima. No pequeno texto superposto fotografia, na parte superior direita, h uma declarao de Juscelino ao jornalista: Enquanto eles reclamam, eu trabalho para o Brasil, uma referncia direta s crticas da oposio s suas constantes viagens. Ao mesmo tempo, temos reunidas na imagem uma srie de elementos simblicos: a tecnologia, representada pela fuselagem do avio; o gesto confiante do brao estendido para o alto; o sorriso franco, transmitindo segurana e confiana; os papis na mo esquerda do Presidente, remetendo ao trabalho; a figura alada, smbolo da PanAir, pintada na escada de acesso ao avio, reforando a idia de dinamismo e velocidade e, finalmente, o ngulo em que foi tirada a fotografia. Ao ser tomada de baixo para cima, criou-se na imagem aquela perspectiva ascendente a que nos referimos anteriormente. Recurso usado para ampliar as dimenses dos objetos ou pessoas, assim como amplificar a dimenso simblica do retratado, conferindo a ele maior importncia, colocando o expectador em uma posio de reverncia. Trs meses depois, em 18 de maio de 1957, O Cruzeiro trouxe tambm uma reportagem sobre a missa rezada em Braslia no dia 3 anterior do mesmo ms. Se em Manchete a matria recebeu o ttulo Braslia: Segunda primeira missa, em O Cruzeiro foi nomeada A primeira missa em Braslia ergue-se a cruz no planalto (p.132 a 135). A cerimnia, realizada na presena da imagem de Nossa Senhora Aparecida, levada ao Planalto pelo avio presidencial, foi celebrada pelo Arcebispo de So Paulo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, que declarou, dirigindo-se a Juscelino:
Vossa Excelncia acertou no diagnstico e na teraputica dos males da nacionalidade. Descobriu a etiologia dos males do Brasil, ou seja, a ectopia do corao; isto , cardioptose, ou deslocamento do corao para baixo. E vossa Excelncia deliberou a realizar a cardiamastrofia ou transposio do corao para o seu lugar fisiolgico normal.

Com jarges prprios dos mdicos, profisso inicial de Juscelino, Dom Carlos se coloca no papel de legitimador do projeto mudancista. Define a situao geopoltica brasileira at aquele momento como anmala, com sua capital deslocada do seu local de

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direito e diagnostica que a construo de Braslia iria reparar aquele defeito, alm de apontar Juscelino como o responsvel pela providencial cura. Naquela mesma data (18/05/1957, p.48-9), aparece em O Cruzeiro a primeira referncia ao concurso para o Plano Piloto, vencido por Lcio Costa, trazendo tambm uma fotografia da maquete do Palcio da Alvorada (Fotografia 12), j em construo. Sob o ttulo: Braslia quer dizer amanh, o reprter especula sobre os significados da nova capital:
Com apenas 20 cruzeiros (preo de um lpis e 16 folhas de papel), o urbanista brasileiro Lcio Costa venceu o concurso para o Plano Piloto de Braslia, em que alguns concorrentes gastaram mais de cem mil cruzeiros. Braslia quer dizer amanh. a cidade do futuro, a Shangri-la de alguns idealistas, que se intitulam mudancistas, a Pasrgada dos sonhos do Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, Presidente da Repblica. [...] a volta do esprito portugus de penetrao que, na nossa histria, fez as Bandeiras, o desbravamento dos sertes, a marcha para Oeste. (grifos do autor)

Fotografia 12 O Cruzeiro, 18/05/1957, Braslia quer dizer amanh, p.48-9. (autores no identificadostamanho reduzido).

O texto nos remete, em parte, quela discusso que desenvolvemos no captulo II quando analisamos a tradio e a modernidade de Braslia. O jornalista acrescenta aqui

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mais um dado legitimador do projeto mudancista: Braslia representaria a retomada de uma prtica ancestral de nossos colonizadores, a conquista do territrio. Para ele, ao decidirmos mudar a capital para o interior, estvamos sendo coerentes com a tradio geopoltica dos descobridores do Brasil. Ao mesmo tempo, refora o bordo insistentemente repetido pelo discurso governista: Braslia, cidade do futuro, demonstrando a proximidade e empatia entre os discursos da mdia e do nacional-desenvolvimentismo. O slogan cinqenta anos em cinco ganhava com Braslia, auxiliado pela mdia, a sua dimenso simblico-material. Notemos tambm, na Fotografia 12, o contraste entre as imagens usadas para ilustrar a reportagem. Seguindo o sentido da esquerda para a direita (sentido em que ns ocidentais estamos acostumados a ler mensagens textuais ou visuais) temos, bem pequena, no canto esquerdo superior da matria, a imagem do barraco de lona e madeira usado para a celebrao da primeira missa em Braslia. Clicada de longe, esta fotografia d uma idia da dimenso do cerrado brasileiro, com suas rvores retorcidas, capim seco e um imenso cu dominando a paisagem. Nota-se tambm uma grande quantidade de pessoas assistindo celebrao. Seguindo com o olhar para a direita, nos deparamos com da pgina dupla dominada pela fotografia da maquete do Palcio da Alvorada. Houve na diagramao das fotografias uma inteno de representar a passagem do tempo e da transformao pela qual a regio iria passar. O discurso poderia ser lido com o seguinte sentido: o que foi at agora e o que ser depois. Vamos transformar uma paisagem inspita e ressequida em um osis de modernidade, e isso, contando com nossos prprios talentos. Naquele momento j se sabia que seriam Lcio Costa e Oscar Niemeyer os responsveis pelos projetos urbano e arquitetnico, respectivamente. Um ano e dois meses aps essa reportagem, a revista O Cruzeiro editou outra matria, confirmando seu vaticnio anterior de que Braslia significava o amanh. Aproveitando a visita da famosa bailarina inglesa Margot Fonteyn cidade em construo, estampou em suas pginas a manchete: Margot chega ao futuro (26/07/1958, p.59-60), seguida da fotografia, abaixo (Fotografia 13):

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Fotografia 13 O Cruzeiro, 26/07/1958, Margot chega ao futuro, p.59-60. Reportagem de Antnio Rudge.

Na Fotografia 13, temos o Palcio da Alvorada, j concludo, com a bailarina posando sua frente, ao lado do espelho dgua. Notemos que Margot no est posando em qualquer lugar, com qualquer postura. Foi escolhido um ponto exato para posicion-la, em uma linha de perfeita continuidade com uma das colunas do palcio. No satisfeito apenas com a linearidade do conjunto, o fotgrafo orientou a bailarina a dobrar levemente seu brao esquerdo, de modo a reproduzir com ele, uma forma prxima da curvatura da base da coluna em segundo plano. O mesmo foi feito com sua perna esquerda. Se atentarmos para a fotografia, perceberemos que a bailarina est em movimento giratrio, com os ps voltados para o palcio, o tronco girando levemente e o rosto voltado para a cmera. Todo o movimento objetivando ampliar a base de seu vestido, criando assim uma forma muito prxima das colunas logo atrs. Ocorre, visualmente, uma fuso entre primeiro e segundo planos, entre bailarina e palcio. A nosso ver, seria um discurso de legitimao da obra arquitetnica, calcada na credibilidade e fama adquirida pela conceituada bailarina. A

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legenda da fotografia pode provocar alguma estranheza, se lida com os olhos de hoje, mas confirma nossas impresses: Scheheraza visita o Palcio das Mil e Uma Noites em Braslia. Beleza inglesa com cheiro de bugrinha, numa paisagem de Niemeyer. Perguntamo-nos, o que seria o tal cheiro de bugrinha, mas no chegamos a uma concluso. O importante para ns, na legenda, a comparao do Palcio da Alvorada ao Palcio das Mil e Uma Noites e a identificao de Niemeyer como autor da paisagem. Ou seja, estava montado um cenrio idlico, de sonhos, inusitado e criado por um brasileiro. Por outro lado, se, de uma forma geral, as matrias citadas acima, mostram que o governo Juscelino vinha sendo tratado com certa simpatia por O Cruzeiro, com as crticas partindo apenas dos artigos de David Nasser, em 15 de fevereiro de 1958, a revista abordou um assunto delicado para JK, devido ausncia de resultados expressivos na rea: educao. Com a reportagem: Retrato sem retoque do ensino no Brasil (p.38 a 43), a revista apresentou estatsticas de matriculados, de analfabetos, de crianas fora da escola e concluiu que o ensino no Brasil vivia um verdadeiro colapso, por falta de vagas, material humano e de ensino. Ilustrou a reportagem com uma fotografia de forte apelo emocional, onde aparecia uma criana deitada em uma calada acompanhada de dois cachorros viralatas. Ao lado, outra fotografia, esta do edifcio do Ministrio da Educao, no Rio de Janeiro, o mesmo que apresentamos no captulo I, seguida da legenda: O Brasil se orgulha do arrojado edifcio do Ministrio da Educao. Mas o Brasil no pode se orgulhar da situao em que est o seu problema educacional. Cinco milhes de crianas no tm escola. Algum tempo depois a revista iria insistir no tema, mas com uma interessante particularizao, sairia do mbito nacional e abordaria o problema em um Estado em particular: Minas Gerais, o qual Juscelino governara at 1955. Com o ttulo: Ensino em Minas Gerais: nota zero (07/06/1958, p.110 a 115), a revista apresenta a situao de calamidade do ensino em Minas, ilustrando a reportagem com uma fotografia ocupando 100% da capa da matria (Fotografia 14), onde os alunos aparecem sentados no cho de um recinto escolar. S esto sentadas em cadeiras a professora e uma aluna, dos mais de trinta ali presentes.

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Fotografia 14 O Cruzeiro, 07/06/1958, Ensino em Minas Gerais: nota zero, p.110 a 115. Reportagem de Jos Franco e Eugnio Silva. (tamanho reduzido)

A mudana de foco, operada pela revista, saindo do plano federal e partindo para a esfera estadual, teria algum objetivo implcito? Queria atingir a figura do Presidente mostrando nao o descaso pela educao em sua administrao em Minas Gerais, o que explicaria os pfios resultados conseguidos na rea educacional no mbito nacional? Ou seria um alerta ao governo federal sobre um problema real que demandava mais empenho poltico para sua soluo? No tivemos como acessar objetivamente qual seria a finalidade da revista com essas duas matrias, talvez tivessem um pouco de cada uma das motivaes que especulamos acima. De qualquer forma, O Cruzeiro se restringiu a essas duas matrias em relao ao assunto, no voltando a abord-lo. Pouco tempo depois, em 11 de outubro de 1958, retorna em O Cruzeiro o ufanismo nacional-desenvolvimentista, reforando o discurso da importncia da marcha para o Oeste. Trata-se da reportagem Gigantes de ao abrem a rota Belm-Braslia (p.60 a 64):

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Fotografia 15 O Cruzeiro, 11/10/1958, Gigantes de ao abrem a rota Belm-Braslia, p.60 a 64. Texto de Arlindo Silva e fotografias de Ubiratan de Lemos. (tamanho reduzido)

Vejamos a complementariedade entre texto e imagem na Fotografia 15, na qual um auxilia o outro na formao do sentido da mensagem. O pequeno texto, que vem superposto imagem, no canto esquerdo inferior, informa:
A selva amaznica, que desafiava o progresso desde os tempos do Gro-Par, est sendo afinal dominada pela mquina e pelo homem. Centenas de quilmetros de modernas rodovias cortam a floresta bruta, transmitindo o fluxo da civilizao ao hinterland caboclo, escravizado pelo mono-extrativismo da borracha. Um punhado de homens est mudando a fisionomia da Amaznia para integr-la na unidade geogrfica e econmica do pas. (grifo do autor)

Alm da sincronia de significados entre o texto e imagem, quando lemos que a floresta est sendo afinal dominada pela mquina, e vemos os tratores derrubando a mata, ressaltamos na matria um conjunto de valores que a revista afirmava: 1- A floresta representava um entrave ao desenvolvimento; 2- A mquina e o homem estavam dominando a floresta; 3- As estradas levavam civilizao ao interior; 4- O mono-extrativismo escravizava o homem;

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5- A regio deveria mudar seu perfil econmico e geogrfico para integrar-se nao; 6- O nacional-desenvolvimentismo estava operando a mudana.

Ou seja, nesse conjunto de valores aliados imagem veiculada, estavam tambm embutidos elementos do discurso oficial, que justificava a transferncia da capital para o Centro-Oeste como forma de se efetivar a posse do territrio e, a partir dali, promover a integrao nacional e levar o desenvolvimento a todas as regies do Brasil. Se a matria acima tinha uma abrangncia nacional, sem explicitar exatamente qual era seu pblico alvo, havia as reportagens que visavam um determinado segmento ou regio do pas. Uma delas visava exatamente o Rio de Janeiro, onde ainda havia resistncia com relao mudana da capital, e de onde partiam as crticas mais exacerbadas. O Cruzeiro, talvez tentando convencer os mais reticentes, trouxe, em 25 de julho de 1959 (p.84-5), a matria: Rio quer mudar para Braslia (Fotografia 16), onde apresenta resultados de pesquisa do IBOPE sobre a aceitao da mudana, feitas especificamente na, ainda, capital federal.

Fotografia 16 O Cruzeiro, 25/07/1959, Rio quer mudar para Braslia, p.84-5. Autor no identificado. (tamanho reduzido)

O ttulo da reportagem categrico. Porm, ao olharmos o resultado da pesquisa, notamos que no h uma posio to enftica dos entrevistados, pelo menos, no ainda naquele momento. O percentual dos favorveis mudana rpida, por achar a construo

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de Braslia uma obra fundamental, chegava aos 34% das respostas. Porm, o nmero dos que queriam uma mudana gradual, sem pressa, pois no consideravam Braslia uma obra essencial, atingia 48% das respostas. Ou seja, havia uma tendncia ao apoio mudana da capital, no uma adeso assertiva. porta do helicptero, na Fotografia 16, aparece a Miss Distrito Federal, Vera Regina Ribeiro, em visita nova capital. Mais uma vez O Cruzeiro usa um elemento simblico, desta vez, representante do Rio de Janeiro, para dar legitimidade Braslia. importante lembrar a verdadeira mania nacional que eram os concursos de Miss naqueles anos. Na maior parte das edies, tanto de O Cruzeiro, quanto em Manchete, havia uma reportagem sobre o assunto, recheada de fotografias das ganhadoras por Estado. Quando uma delas se tornava vencedora do concurso nacional, se transformava instantaneamente em uma celebridade, reverenciada por vrias semanas, em muitas matrias. Em reportagem publicada em 28 de maio de 1960, intitulada Conhea Braslia por dentro (p.134 a 145), enfatizamos mais uma vez o diferencial simblico que os profissionais de O Cruzeiro conferiam s suas representaes (Fotografia 17). Poderia parecer um truque fotogrfico banal, porm, a carga simblica que ele carrega e transmite ao espectador no pode ser desprezada. O primeiro elemento a destacar a prpria moa. Para posar, no foi escolhido um homem jovem, nem uma criana, nem uma mulher ou homem de idade avanada. Foi escolhida uma bonita jovem para apresentar aos leitores uma cidade jovem. A jovem, neste caso, pode representar o lado feminino da natureza, com potencial para fazer nascer, criar o novo a partir dela mesma. O pequeno texto, no canto inferior direito da fotografia leva o ttulo: Braslia, a bem nascida. Lembremos das responsabilidades conferidas, pelo discurso oficial e pela mdia, como vimos acima, ao projeto Braslia: desenvolver, apossar-se do territrio, integrar, gerar crescimento. O gesto da moa, com os braos estendidos, pode ser interpretado de duas formas diferentes, ambas extremamente amistosas. Por um lado, ela pode estar oferecendo a cpula invertida da Cmara dos Deputados aos visitantes e leitores, manifestando orgulho pela sua cidade; e, por outro, seu gesto franco e carinhoso, sugere a possibilidade de o visitante ganhar um grande abrao de boas vindas, ao chegar capital. Seu gesto inspira receptividade.

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Fotografia 17 O Cruzeiro, 28/05/1960, Conhea Braslia por dentro, p.134 a 145. Reportagem de Ubiratan de Lemos e fotografias de Ildalcio Wanderley. (tamanho reduzido)

Ao mesmo tempo, sua expresso de extremo bem-estar, com a cabea e o corpo levemente jogados para trs, os olhos semi-serrados, apontados para o infinito cu do Centro-Oeste, contaminados por um sorriso cativante e acolhedor. Em suma, tudo na imagem diz: bem vindos. O ttulo complementa o sentido da imagem ao tambm convidar: Conhea Braslia por dentro, ou seja, a casa sua, entre e fique a vontade. Na mesma reportagem, a revista apresenta os pontos de vista de vrios deputados a respeito de Braslia, aps o primeiro ms de moradia e trabalho na nova capital: -Adauto Lcio Cardoso (UDN): Braslia um monumento do desatino de JK. -Mario Martins (UDN): Apelo para que JK no fuja para a Europa. Que ele fique em Braslia, sofrendo conosco. -Meneses Crtes (UDN): pena que a mudana tenha sido simblica. Aguardo o inqurito contra a NOVACAP. -Joo Agripino (UDN): Braslia custa a fome e a misria dos humildes, vtimas da inflao.

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-Jos Bonifcio (UDN): A cmara no est funcionando bem. Dos seus 700 funcionrios, s 200 podem ser instalados debaixo das cuias de Niemeyer. E os anexos no esto prontos. -Nlson Carneiro (PSD): Braslia um estmulo ao interior, que no pode continuar como penitenciria agrcola. -Etelvino Lins (PSD): Braslia livrou os brasileiros de um complexo de inferioridade. -San Tiago Dantas (PTB): A rotina, a esterilidade, a protelao esto em cheque com o que j se sente ser o esprito de Braslia. -Armando Carneiro (PSD): Com toda falta de conforto, Braslia merece o melhor sentimento de brasilidade. -Adalberto Vale (PSD): Braslia um poema de cimento, alm de ser a segunda etapa do descobrimento do Brasil.

A revista finaliza a matria expondo seu prprio ponto de vista:


Assim Braslia no palco do comadrismo poltico-partidrio. Para uns, o abismo sem fundo das finanas nacionais; para outros, o encontro marcado com um destino histrico. Mas navegando em mar calmo ou revolto, ela brilha no planalto, como a vedeta da federao. Socilogos de vista longa dizem que a Histria do Brasil recebeu, com Braslia, um captulo novo. Ela dividir o Brasil de ontem e de hoje. E continuar, sem dvida, capital, terceira e ltima. (O Cruzeiro, 28/05/1960, p.145. Ubiratan de Lemos)

Com isso, interpretamos a posio da revista como favorvel Braslia, concordando com o discurso governista de que a nova capital representaria uma mudana de paradigmas, tanto de nao como de modelo de desenvolvimento e de ocupao territorial. Por outro lado, o embate poltico-ideolgico no Congresso Nacional, em torno da nova capital, estava longe de um fim, como vimos pelas declaraes dos polticos apresentadas acima. Este um dado dos mais instigantes, que nos levou a estudar o fenmeno Braslia. Como pode um evento suscitar tantas leituras e interpretaes, as mais dspares possveis? Para uns, representava a desgraa, para outros a bonana. Para uns o desatino, para outros a viso de futuro. Para uns a fome, para outros, um poema. Todas essas vises

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conflitantes conferem uma riqueza e, por que no dizer, beleza ao evento que nos tocou profundamente e nos levou a querer desvendar suas facetas. Em seguida, iniciamos a anlise do material coletado relativo O Cruzeiro, na tentativa de traduzir em nmeros suas preferncias editoriais em relao a JK, ao nacionaldesenvolvimentismo e Braslia. Para isso, elaboramos as Tabelas 9 a 14, abaixo, onde traamos o quadro estatstico quantitativo das matrias editadas entre os anos de 1956 a 1960, nos mesmos moldes da anlise que fizemos anteriormente com revista Manchete, seguindo aqueles mesmos critrios para julgamento do carter das matrias. Em seguida discutiremos alguns de seus pontos principais.

Tabela 9 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1956. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos Siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 0 5 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 7 Positiva 0 4 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 6 Negativa 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Mista 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1

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Tabela 10 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1957. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos Siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 3 9 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 0 2 17 Positiva 3 4 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 0 0 10 Negativa 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 Mista 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 6

Tabela 11 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1958. Temas Nmero de ocorrncias 1 4 2 2 0 0 2 1 1 0 0 0 0 3 2 18 Positiva Negativa Mista

Braslia JK Estradas automveis hidroeltricas ferrovias fbricas em geral abastecimento energia atmica Indstria naval aeroportos siderurgia petrleo economia educao Total de matrias

1 1 1 2 0 0 2 1 1 0 0 0 0 1 0 10

0 2 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 7

0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1

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Tabela 12 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1959. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 4 16 3 3 2 0 1 0 0 1 1 0 0 1 32 Positiva 4 6 2 3 2 0 1 0 0 1 1 0 0 0 20 Negativa 0 6 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 7 Mista 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 5

Tabela 13 Quantificao das reportagens positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no ano de 1960. Temas Braslia JK Estradas Automveis Hidroeltricas Ferrovias Fbricas em geral Abastecimento Energia atmica Indstria naval Aeroportos siderurgia Petrleo Economia Total de matrias Nmero de ocorrncias 11 13 3 2 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 31 Positiva 9 12 3 2 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 28 Negativa 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 Mista 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

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Tabela 14 Total geral das matrias positivas, negativas ou mistas na revista O Cruzeiro no perodo 1956 a 1960. perodo Positivas Negativas Mistas Total geral 1956 a 1960 74 16 15 105

De acordo com os nmeros acima, podemos fazer uma primeira constatao: O Cruzeiro foi bem mais econmico, se comparado com Manchete, em relao cobertura jornalstica que conferiu ao nacional-desenvolvimentismo e Braslia. Porm, apesar da amostra menor, o espao destinado a uma posio crtica maior. Seguindo o raciocnio de que as reportagens de carter misto contm uma parcela crtica importante, ao levantarem problemas e descompassos na implementao do Plano de Metas, podemos som-las s reportagens negativas. Com isso podemos ter uma idia da relao de foras entre crtica e apoio dispensados pela revista ao programa governista. Realizando o clculo, chegamos a 31 ocorrncias ou 29,5% de matrias com conotao crtica na revista O Cruzeiro. No se trata de uma maioria, mas, por outro lado, marca claramente uma posio da revista em relao ao governo JK. Os temas onde esto concentradas as reportagens crticas demonstram alguns aspectos em relao postura editorial de O Cruzeiro. Elas esto, preferencialmente, nos temas JK, fustigado semanalmente pelo articulista David Nasser, e economia, onde a revista oferecia espao aos crticos do programa nacional-desenvolvimentista,

principalmente s vozes polticas nacionalistas mais radicais, contrrias entrada do capital externo na economia brasileira e construo de Braslia, citados no primeiro captulo desta dissertao. Ao mesmo tempo, Juscelino Kubitschek mantm em O Cruzeiro, assim como aconteceu em Manchete, uma hegemonia em termos de espao ocupado, com 47 ocorrncias, que correspondem a 44,7% do total de reportagens, centradas na figura institucional do Presidente da Repblica ou em sua vida pessoal e familiar. Vejamos abaixo, um quadro representativo da freqncia do aparecimento de imagens relacionadas aos nossos temas nas pginas de O Cruzeiro. Assim como fizemos com a revista Manchete, trazemos na Tabela 15, a tabulao das ocorrncias de imagens nas categorias JK, nacional-desenvolvimentismo e Braslia, no perodo de 1956 a 1960.

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Tabela 15 Ocorrncias da imagem de JK, de elementos simblicos do nacional-desenvolvimentismo e de Braslia na revista O Cruzeiro no perodo de 1956 a 1960.
JK (n*=63) freqncia subcategorias c sozinho/Close16 o Up m sozinho/corpo 6 p inteiro a com famlia 2 n h com militares 6 i a com polticos 25 Categorias nacional-desenvolvimentismo (n*=37) % subcategorias freqncia 9 24,3 indstrias Braslia (n*=24) subcategorias freqncia 2 cerrado

% 25,4 9,5 3,2 9,5 39,7

% 8,3 25,0 4,2 29,2 4,2

trabalhadores na indstria mquinas industriais produtos industriais eletrodomsticos

6 5 11 0

16,2 13,5 29,7 0,0

Palcio da Alvorada Palcio do Planalto Congresso Supremo Tribunal Federal Catedral Hotel Turismo Capela Nossa Sra. de Ftima Lago Parano Eixo Monumental Eixos Rodovirios Esplanada dos Ministrios Rodoviria Sistema virio Super Quadras

6 1 7 1

com religiosos com empresrios com artistas

3 8 2

4,8 12,7 3,2

transporte comunicao telefonia estradas

11 0 10

29,7 0,0 27,0

2 0 2

8,3 0,0 8,3

com esportistas com populares com jornalistas sorrindo

1 11 5 33

1,6 17,5 7,9 52,4

ferrovias hidroeltricas energia atmica mquinas de terraplanagem automveis petroqumica aeronaves navios abastecimento de gua petrleo produo petrleo refino minerao siderurgia agricultura educao portos aeroportos

0 3 1 6

0,0 8,1 2,7 16,2

0 1 3 3

0,0 4,2 12,5 8,3

expresso facial

srio preocupado surpreso Postura sentado ao telefone em p em p/em movimento agachado em automvel em aeronave em navio foto externa foto interna

16 3 2 19 1 37 0 2 6 1 2 22 40

25,4 4,8 3,2 30,2 1,6 58,7 0,0 3,2 9,5 1,6 3,2 38,1 65,1

7 1 3 5 2 0 0 1 2 1 2 0 1

18,9 2,7 8,1 13,5 5,4 0,0 0,0 2,7 5,4 2,7 5,4 0,0 2,7

0 3 1

0,0 12,5 4,2

localizao

Ambientao

* n representa o nmero de fotografias analisadas em cada categoria.

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Analisando as ocorrncias em O Cruzeiro, podemos notar determinadas preferncias em relao aos temas mais freqentes e maneira de apresent-los. Assim como em Manchete, O Cruzeiro demonstrou uma preferncia em representar Juscelino sozinho e em close-up. Porm, ao somarmos as subcategorias sozinho/close-up, com sozinho/corpo inteiro, chegaremos a 34,9% do total das imagens da categoria JK, referentes exclusivamente ao Presidente. Nmero bastante superior aos 26,4% registrados em Manchete. Como companhia, tambm aqui, JK tem, prioritariamente, polticos ao seu lado, seguido pelos nmeros de populares, empresrios e militares. Outro dado relevante o referente expresso facial predominante. O Cruzeiro demonstra uma preferncia em representar o Presidente sorrindo, com 52,4% das ocorrncias, contra 25,4% de expresses srias. A diferena para os 100% refere-se soma das subcategorias preocupado, surpreso e outras expresses, as quais no conseguimos definir. Em relao postura de JK, assim como em Manchete, O Cruzeiro tambm mostrou uma preferncia por represent-lo em p, com 58,7% das ocorrncias. Da mesma forma ocorre com as subcategorias foto externa e foto interna, com a preferncia recaindo em fotos internas, com 65,1% da amostra. Tambm aqui, a diferena pra os 100% deve-se s fotografias que no conseguimos definir, se internas ou externas. Se, em Manchete, JK est a bordo de aeronaves em 7,7% das ocorrncias, em O Cruzeiro, a preferncia recai sobre a representao do personagem em automveis, com 9,5% dos casos. J em relao ao nacional-desenvolvimentismo, realamos, num primeiro momento as ausncias. A no ocorrncia de imagens quanto produo e refino de petrleo nas reportagens que analisamos, definimos como uma das mais importantes. O fato, talvez tenha ligao com a posio anti-estatizante de Chateaubriand, devido ao seu histrico vnculo com a iniciativa privada, tendo inclusive advogado para multinacionais em seu incio de carreira como bacharel de direito, ao chegar ao Rio de Janeiro. Nos anos 1920 representou a holding Brazilian Traction, controladora da Light & Power do Brasil, e tambm a Itabira Iron Ore Company, esta de propriedade de Percival Farquhar, o empresrio construtor da ferrovia Madeira-Mamor. (Morais, 1994, p.122-3) Ao mesmo tempo, notamos uma nfase da revista em relao s imagens com as subcategorias estradas e transporte. Ambas somadas obteremos 56,7% das ocorrncias na categoria nacional-desenvolvimentismo, demonstrando uma preocupao da publicao

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com aqueles temas, reforados tambm com a presena das imagens de mquinas de terraplenagem, com 16,2% das ocorrncias. Aquele discurso do governo e da mdia, que explicitamos acima, sobre o papel das estradas como promotoras da unidade nacional, refletiu-se no conjunto de imagens veiculadas pela revista, realando seu peso relativo. Na categoria Braslia, o Congresso Nacional aparece em primeiro lugar, com maior nmero de ocorrncias. Seguido muito prximo do Palcio da Alvorada, com as outras ocorrncias pulverizadas nas diferentes subcategorias. Portanto, O Cruzeiro parece enfatizar em sua cobertura sobre Braslia, o carter civil do governo e a importncia da casa sede da representao popular: o Congresso Nacional. A segunda colocao do Palcio da Alvorada em nmero de ocorrncias pode ter ligao com a importncia conferida figura do Presidente da Repblica. Neste caso, no se trata da sede do Poder Executivo, mas sim da residncia do Presidente, o que confere uma conotao personalista cobertura jornalstica da revista, muito ligada figura de Juscelino. Gostaramos muito de ilustrar este trabalho com todas as imagens que coletamos, pois, percebemos agora, o quo importante foi termos visualizado toda a srie histrica das publicaes. Talvez, apenas a visualizao de todo o conjunto das fontes possa operar, em outras pessoas, a formao de uma convico como a que desenvolvemos. De qualquer forma, esperamos que, a partir dos exemplos com que ilustramos nosso trabalho, e das anlises de freqncia em que cada tema apareceu nas revistas, tenhamos conseguido contribuir para uma compreenso ampla do papel das revistas Manchete e O Cruzeiro, ante a construo/divulgao da simbologia nacional-desenvolvimentista. Espervamos, verdade, encontrar uma presena maior de Braslia no material iconogrfico das revistas, mas, ao mesmo tempo, no imaginvamos que a presena de Juscelino fosse to proeminente. Ao final, confirmou-se nossa percepo de que o pacote nacional-desenvolvimentista foi trabalhado de forma articulada e sistemtica por aquelas mdias. Deixamo-nos influenciar pelo discurso oficial, de que Braslia representava todo o programa, como meta-sntese e, se assim fosse, pela nossa lgica, ela teria proeminncia imagtica nas pginas de Manchete e O Cruzeiro. Por outro lado, sua presena no desprezvel de forma alguma. Se no tem o maior peso em nossa amostra, no significa que

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no tenha servido ao propsito de representar o xito do projeto nacionaldesenvolvimentista, como sugeria o discurso oficial. Pela anlise de freqncia de ocorrncias, se quisssemos dizer que houve uma imagem que simbolizou aquele perodo e fez a concatenao dos vrios tentculos do programa nacional-desenvolvimentista, essa imagem seria a de JK. Prova maior dessa penetrao de sua imagem na sociedade, com grande contribuio das revistas Manchete e O Cruzeiro, so os ndices de aprovao popular, ao final de seu governo: somando os percentuais dos julgamentos do governo JK, notamos que os conceitos bom e timo alcanavam 57%, e quando acrescidos do julgamento regular atingiam 88% de opinies favorveis sua administrao, em janeiro de 1961, por ocasio da posse do novo Presidente da Repblica, Jnio da Silva Quadros. (IBOPE, 1961, apud Moreira, 1998, p.87)

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Concluso
Aps o amplo panorama que traamos, tentando reconstruir o perodo da mudana da capital federal para Braslia, atravs de um apanhado das idias e ideologias emergentes e concorrentes naquela conjuntura, podemos sedimentar alguns entendimentos a respeito de todo o processo de, primeiro se querer mudar a capital, e depois, de mud-la de fato. Pelo carter difuso da idia mudancista ao longo da Histria, no podemos dizer que ela tenha sido uma prioridade da sociedade brasileira, em qualquer tempo. Mesmo o fato de a mudana ter sido contemplada na Constituio republicana de 1891, no significou que a idia fosse, em absoluto, um consenso ou mesmo que tivesse algum grupo articulado, tanto poltica quanto economicamente, que quisesse lev-la adiante. Prova disso foram as dcadas em que a futura capital no passou de um retngulo desenhado nos mapas do Brasil. Portanto, o discurso nacinal-desenvolvimentista, que tentava legitimar a mudana da capital usando o argumento de que era uma imposio histrica, como se o assunto tivesse uma emergncia na sociedade brasileira, desde a independncia, no passava disso: uma tentativa de legitimao do projeto, por meio de uma viso linear e compartimentada da prpria Histria. Naqueles anos, de 1956 a 1960, aconteceu um fenmeno interessante em relao criao de demanda na sociedade pela aprovao da mudana da capital federal e construo de Braslia: o processo de criao se deu concomitantemente prpria construo, fato para ns comprovado por aqueles baixos ndices de aprovao da mudana da capital aferidos pelo IBOPE, ainda em 1958, j com a obra em andamento. A rejeio construo e mudana era grande, mas com o decorrer do processo, com o auxlio e simpatia ao projeto por parte das revistas Manchete e O Cruzeiro, e provavelmente por outras mdias, a demanda foi sendo criada na sociedade, ao mesmo tempo em que era satisfeita pelo andamento das obras. Ao final, com a inaugurao, os ndices de ampla aprovao Braslia, segundo as pesquisas realizadas na poca, demonstram a efetividade e o sucesso da campanha em torno da sedimentao da imagem da nova capital como legtima, como que satisfazendo anseios sociais pela mudana.

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Aos projetistas, principalmente na figura de Oscar Niemeyer e Lcio Costa, aquela oportunidade significou um momento mpar em suas carreiras e, o seria tambm, para qualquer arquiteto e urbanista de qualquer parte do mundo. Poucos at ali tiveram a possibilidade de erguer toda uma cidade a partir do nada, com autonomia para seguir os conceitos que melhor lhes aprouvesse, como vimos no segundo captulo. As crticas que os projetistas receberam e recebem, a nosso ver, consignam queles profissionais, uma capacidade de planejamento e um poder de antecipao do futuro, que absolutamente, eles no tinham. Exemplo disto a crtica feita pelo arquiteto americano James Holston (1993, pg.105), em A Cidade Modernista uma crtica de Braslia e sua utopia:
Embora Braslia tivesse sido concebida com vistas criao de uma sociedade modernizada, foi uma sociedade inteiramente diferente a que a construiu e ocupou. Na diferena entre as duas reside a contradio bsica com a qual comea a histria da cidade construda. Essa histria constitui um abrasileiramento da cidade, uma contrabrincadeira, pode-se dizer, brincadeira de Lcio Costa no seu plano piloto, j que o dinamismo da sociedade brasileira inequivocadamente destruiu as esperanas utpicas que o plano continha.

O diagnstico de Holston correto quando diz que havia uma diferena bsica entre a sociedade que construiu Braslia e a sociedade que ela queria representar. Porm, devemos nos ater ao fato de que, o discurso de que Braslia representaria um Brasil modernizado, industrializado, rico e politicamente avanado era do governo, no dos projetistas. Foram usados conceitos socializantes nas concepes urbana e arquitetnica da capital, verdade, aquelas relacionadas aos fundamentos da Carta de Atenas, descritas na introduo e primeiro captulo, porm, no h depoimentos por parte de Lcio Costa ou Oscar Niemeyer dizendo que quisessem mudar a sociedade brasileira a partir das concepes utilizadas em Braslia. Onde Holston enxerga um problema, na verdade reside uma qualidade. Foi importante para a legitimao da nova capital a sua ocupao por aquela sociedade real, brasileira, que a construiu. Querer que Braslia se mantivesse pura em suas concepes, isolada, apartada do resto da sociedade, conferiria uma onipotncia inimaginvel aos projetistas. Para isso, at que limites eles teriam que planejar para impedir a ocupao desordenada do entorno do Plano Piloto?

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O que Holston chama de contrabrincadeira brincadeira de Lcio Costa, no passa de um choque de realidade, de uma adequao da cidade conjuntura scioeconmica brasileira que, infelizmente, estava longe de ser a de um pas com igualdade de oportunidades, riqueza e modernidade. Por outro lado, como tentamos demonstrar no primeiro captulo, havia uma emergncia do pensamento racionalista e funcionalista na comunidade profissional da arquitetura e urbanismo brasileiros da poca. Como vimos, grande parte dos projetos premiados do Plano Piloto tinham a preocupao de setorizar a cidade de acordo com suas funes, alguns at exageradamente, deixando a capital mais com o aspecto de uma colnia em Marte, do que de uma cidade. Em todos os planos concorrentes houve uma grande nfase na circulao, com a malha viria bem marcada e racionalizada. Com isso, todos pressupunham uma cidade adaptada burocracia federal, com salrios acima da mdia nacional e condies de adquirir e se deslocar em seus prprios veculos. Em qualquer dos planos, as distncias seriam enormes, assim como o so no projeto de Lcio Costa, ou seja, Braslia no foi uma cidade planejada para o pedestre. Para haver condies de mobilidade confortvel e generalizada a todas as camadas sociais, demandaria a implantao de um sistema de transporte pblico racionalizado e eficiente, coisa que no aconteceu, o que, de qualquer modo, fugia s prerrogativas dos projetistas. Finalizando, interpretamos o evento Braslia como o resultado de uma conjuntura muito especfica, pela qual passava o Brasil naqueles anos. Havamos sado de uma crise poltica que culminou com a prpria morte de Getlio Vargas, em agosto de 1954. Ao mesmo tempo, o perfil de Juscelino Kubitschek, j consolidado na poca como o de um administrador dinmico e comprometido com o crescimento econmico do pas, coincidia com as tendncias de planejamento e planificao, influentes no Brasil e na Amrica Latina naquele perodo. Nesse sentido, identificamos uma coerncia intrnseca entre o discurso nacionaldesenvolvimentista e a esttica urbano-arquitetnica modernista, que pregava a racionalizao e a planificao, tanto do espao urbano, quanto da habitao. Com isso, a simbiose entre as aspiraes poltico-econmicas e a esttica modernista, com esta representando aquelas perante a nao, configurou um processo bastante lgico e quase

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automtico. Como vimos, caso o plano de Lcio Costa no fosse o escolhido, outro o seria dentre aqueles concorrentes estruturados a partir de semelhantes princpios conceituais modernizantes. Por sua vez, a arquitetura que o ocuparia seria invariavelmente a de Oscar Niemeyer, j de antemo escolhido por Juscelino como o arquiteto oficial. Portanto, a aparncia de cidade modernista emergiria, de uma forma ou de outra. Podemos questionar se aquelas previses e anseios suscitados por Braslia tornaramse realidade. Provavelmente, alguns diriam que sim, a maioria poderia dizer que no. Porm, no podemos negar que, a partir daqueles anos, ao caminho trilhado pelo Brasil, em termos econmicos, sociais, culturais e administrativos, foram acrescentadas novas e enriquecedoras perspectivas prticas e simblicas. Naquela conjuntura de liberdade e efervescncia intelectual foram gestados o Cinema Novo e a Bossa Nova, que colocaram o Brasil no mapa cultural mundial. Braslia, por sua vez, alm de proporcionar uma elevao da auto-estima dos brasileiros, mostrou sua capacidade de trabalho e criatividade para propor solues na adversidade. Onde tudo parecia apontar para o desastre e malogro inexorveis, conseguiu-se aglutinar e motivar foras que trabalharam por uma causa comum: construir a capital. Mas essa motivao no se restringiu apenas quele evento, ela contaminou muitas camadas sociais, oferecendo o impulso necessrio para que buscassem novas oportunidades de crescimento e insero econmica e social. Nem os eventos polticos e socias que vieram aps a inaugurao de Braslia, nos anos seguintes, tiveram a capacidade e fora para desviar o pas do rumo apontado pelo nacional-desenvolvimentismo, ou seja, a nica alternativa para o Brasil era crescer economicamente, se industrializar, gerar empregos e se inserir na ordem econmica mundial.

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ANEXO A Relao de reportagens analisadas da revista Manchete.


07/01/1956 O ministrio de Juscelino, p.16-7.

14/01/1956 - Juscelino toma caf com Ike, p.6 a 9. 21/01/1956 - As 4 rainhas do mundo recebem Juscelino, p.6 a 9. 04/02/1956 - Posse festiva de Juscelino e Jango, p.4 a 10. 11/02/1956 - O Presidente Juscelino imprensa, p.29 a 41. 11/02/1956 - O primeiro ministrio de JK, p.29 a 41. 18/02/1956 - Como vai o governo? JK visto pela oposio e situao, p.26. 03/03/1956 - Juscelino e a situao nacional, p.8. 14/04/1956 - Juscelino e Jnio: novo J-J?, p.7. 14/04/1956 - Como vai o governo? JK visto pela oposio e situao, p.16. 28/04/1956 - JK rompe a cortina do petrleo, p.8 a 10. 19/05/1956 - Nova capital: s falta mudar, p.64-5. 26/05/1956 - JK despacha nas nuvens, p.6-7. 02/06/1956 - JK abre o jogo (de boliche), p.8. 02/06/1956 - Deus tambm quer a mudana da capital, p.70 a 73. 09/06/1956 - JK realizar, o clero vigiar, p.48. 01/09/1956 - Manchete viu de perto o QG secreto de JK, p.67 a 69. 29/09/1956 - JK a 100 Km para trs Marias, p.46-7. 03/10/1956 - O mar vai engolir Copacabana, p.34 a 36. 20/10/1956 - Na nova capital, Lott se rende a uma flor, p.20-1 27/10/1956 - Braslia, p.2. 08/12/1956 - Carros DKW feitos em So Paulo, p.4. 15/12/1956 - O Professor JK foi ver como vai Braslia, p.4. 12/01/1957 JK na Amaznia: regime consolidado, p.4.

02/02/1957 - O seu carro vem a, p.60 a 65. 02/02/1957 - Venci porque nunca tive medo, p.10 a 15. 02/02/1957 - Caminho na estrada e dinheiro no bolso, p.60 a 65. 09/02/1957 - No vale a pena dever pouco, p.32 a 34. 09/02/1957 - A marinha sorri a Juscelino, p.5.

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16/02/1957 - Braslia sem palcios e sem favelas, p.38-9. 23/02/1957 - Presidente do conselho municipal de Paris, p.4. 16/03/1957 - JK e o corao artificial, p.5. 30/03/1957 - O Brasil ter petrleo para dar e vender, p.34 a 38. 11/05/1957 - Braslia: segunda primeira missa, p.8 a 10. 25/05/1957 - JK, libertador, p.5. 08/06/1957 - JK e o cinema: protetor, p.8. 06/07/1957 - JK teleguiado em Fernando de Noronha, p.9. 10/08/1957 - Estatismo ou livre empresa, p.36 a 41. 23/08/1957 - JK recebe os artistas, p.5. 21/09/1957 - A cidade ideal e Marcelo Roberto, p.78-9. 28/09/1957 - JK abre a maior mostra de arte do sculo: a Bienal, p.12 a 15. 02/11/1957 - A fome de petrleo do nordeste vai ter uma resposta: Mataripe, p.4 a 9. 09/11/1957 - JK na Remington: Prossigam sua tarefa!, p.36-7. 16/11/1957 - O governo janta em famlia sem casaca e sem protocolo, p.62-3. 30/11/1957 - JK entra na era supersnica, p.14 a 17. 28/12/1957 - Na capital de amanh, as saudades de ontem, p.66-7. 04/01/1958 - Desconfiana, desalento e apreenso, p.16-7. 04/01/1958 - Otimismo, progresso e esperana, p.18-9. 11/01/1958 - Coluna Umas e Outras (JK gargalhando-s fotografias com legenda), p.50-1. 01/02/1958 - JK sopra duas velinhas no bolo da legalidade, p.12 a 17. 08/02/1958 - Reator paulista produz tomos para paz poltica, p.20-1. 08/02/1958 - Pampulha cheia (de gente). JK paga promessa, p.21-2. 29/03/1958 - Jos Moraes morreu e Juscelino levou flor, p.16. 07/06/1958 - Indstria (nacional) de carros engrena a primeira: no vai parar, p.21. 07/06/1958 - JK ok?, p.18 a 21. 28/06/1958 - Ike e JK no eixo Washington-Rio, p.83 a 87. 28/06/1958 - Kubitschek: uma famlia muito feliz, p.24 a 31. 28/06/1958 - Mquinas de costura do Brasil para o mundo, p.21. 05/07/1958 - A meta que JK esqueceu, p.12. 12/07/1958 - Automvel brasileiro: maioridade aos 5 anos, p.86 a 89.

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12/07/1958 - Cana, paralelo 20, p.70 a 76. 19/07/1958 - JK, o torcedor nmero 1 vibrou com a rapaziada, p.68-9. 19/07/1958 - Os primos pobres de cana, p.30 a 36. 19/07/1958 - "Premiere" de Braslia, p.16-7. 23/08/1958 - Cartas de JK: interesse do Brasil na coeso das foras continentais, p.29. 23/08/1958 - Dulles veio para ajudar, p.26 a 28. 06/09/1958 - O maior tnel contnuo, p.86. 13/09/1958 - O criador diante da criatura, p.90 a 94. 20/09/1958 - O mistrio da nona manso (sobre o ISEB), p.72 a 76. 04/10/1958 - JK liberou Machado de Assis, p.76 a 80. 25/10/1958 - JK vai danar a segunda valsa de pai de debutante, p.34. 29/11/1958 - Braslia demonstra que o impossvel acontece, p.22 a 26. 06/12/1958 - Agitao bate porta de JK, p.8 a 15. 20/12/1958 - Braslia: nem tudo legal, p.66 a 68. 27/12/1958 - JK deu ordem e a "guerra" comeou, p.34 a 36. 24/01/1959 - JK preside cerimnia na S: o batismo dos sinos. 31/01/1959 - A morte do pioneiro, p.25. 31/01/1959 - Belm-Braslia, p.42 a 51. 31/01/1959 - Braslia quer o GP do municipal, p.15-6. 07/02/1959 - Terra mar e ar nas metas de JK, p.6 a 11. 14/03/1959 - Comida no luxo: JK manda conter, p.6 a 11. 21/03/1959 - O Sr. JK e a meta po, p.21. 25/04/1959 - Belm-Braslia povoada, p.18-9. 25/04/1959 - Kubitschek enfrenta um arroz amargo, p.21 a 24. 30/05/1959 - Primeiro posto de gasolina em Braslia, p.13. 30/05/1959 - Mais cinco anos para JK, p.66 a 69. 06/06/1959 - JK e Sukarno: Braslia, p.14. 13/06/1959 - Revoluo de Trs Marias, p.11 a 18. 20/06/1959 - Belo Horizonte-Braslia, p.64 a 67. 04/07/1959 - Juscelino fala e o Brasil anda, p.68 a 72. 04/07/1959 - Batalha do petrleo, p.45 a 52.

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18/07/1959 - Interromper Braslia seria agir contra o Brasil, p.18. 18/07/1959 - Nacionalismo, entreguismo, patriotismo, p.41. 25/07/1959 - Os automveis assombram o Brasil, p.87. 25/07/1959 - JK e Maria Ester Bueno-Capa 08/08/1959 - Braslia em ltima instncia, p.42 a 44. 15/08/1959 - Marlene e JK entenderam-se em francs, p.5. 15/08/1959 - Tempestade em copo d'gua, p.78 a 80. 15/08/1959 - Em 1970 um veculo para cada 16 pessoas, p.90 a 92. 05/09/1959 - JK no Rotary de So Paulo, p.77. 19/09/1959 - Conversa com o leitor: Braslia, p.3. 19/09/1959 - A capital da esperana, p.20 a 37. 19/09/1959 - Ditadura urbanstica em ao, p.14 a 17. 14/11/1959 - JK ao Time: "Em vinte anos o Brasil ser a quarta potncia", p.39. 21/11/1959 - Por que denunciei Braslia, p.70-1. 05/12/1959 - Braslia no caminho da f, p.42-3. 05/12/1959 - Franceses debatem Braslia, p.99-100. 12/12/1959 - Israel, ditador da NOVACAP, p.32 a 34. 19/12/1959 - Volkswagen 100% brasileiro para o Brasil, p.14 a 17. 02/01/1960 - Perfil de 1959: Presidente Juscelino Kubitshek de Oliveira, p.62-3. 16/01/1960 - Para Juscelino s um fato importante: Braslia-1960, p.67. 23/01/1960 - JK recebe Ike, p.28 a 31. 23/01/1960 - Braslia festeja Israel Pinheiro, p.46-7. 23/01/1960 - O lado humano da operao mudana, p.66 a 68. 30/01/1960 - Bereta nacional de ouro para JK, p.28. 06/02/1960 - Conversa com o leitor-Braslia, p.3. 06/02/1960 - JK presta contas, p.6-7. 06/02/1960 - JK no esqueceu o Rio, p.8-9. 06/02/1960 - "Braslia - Capital da Esperana", p.20 a 37 06/02/1960 - 38 bilhes para as ferrovias, p.39. 06/02/1960 - Ampliao de Volta Redonda, p.40. 06/02/1960 - Trs Marias: 7 Guanabaras, p.42-3.

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06/02/1960 - Furnas: 1.200.000 Kw de capacidade final, p.44-5. 06/02/1960 - Rio-Belo Horizonte-So Paulo, p.48-9. 06/02/1960 - 18 mil operrios constroem Fortaleza-So Paulo, p.50-1. 06/02/1960 - Rodovia da integrao nacional, p. 73. 06/02/1960 - A Petrobrs intocvel, p. 33. 13/02/1960 - Segunda descoberta do Brasil, p.6 a 13. 20/02/1960 - Brasil de JK, p.16 a 29. 20/02/1960 - A indstria automobilstica nacional deu provas de eficincia, p.30-1. 27/02/1960 - JK: a estrela sobe, p.86-7. 27/02/1960 - Navio ao mar ainda este ano, p.82 a 85. 05/03/1960 - Encontro marcado em Braslia, p.54 a 56. 02/04/1960 - O Brasil no pode parar: Furnas, p.34. 02/04/1960 - Vou-me embora para Braslia, p.24 a 29. 09/04/1960 - Conversa com o leitor: Braslia, p.3. 09/04/1960 - Um provinciano por decreto, p.34. 16/04/1960 - Todos os caminhos levam a Braslia, p.66 a 77. 16/04/1960 - A p para Braslia, p.14 a 16. 23/04/1960 - Braslia na zona zero, p.24 a 27. 30/04/1960 - Nova era Braslia, p.8 a 25. 30/04/1960 - Brasil capital Braslia, p.42 a 45. 14/05/1960 - Lcio Costa, o idealizador de Braslia, p.88-9.

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ANEXO B Relao de reportagens analisadas da revista O Cruzeiro.


28/01/1956 - A batalha que Juscelino Ganhou, p.140-1. 11/02/1956 - J.K. em busca de riqueza para o Brasil, p.106 a 108. 19/05/1956 - O regime no est ameaado, p.12-3. 30/06/1956 - Em Campina Grande o encontro dos Bispos, p. 118 a 122. 10/11/1956 - Culpa de JK: Minas d choque, p. 12 a 14. 15/12/1956 - Fortalecimento do poder civil do Presidente, p.148-9. 15/12/1956 - O Brasil compra navios, p.78. 26/01/1957 - Novos tesouros do Museu de arte de So Paulo no Palcio das Laranjeiras, p.50 a 65 26/01/1957 - A Amaznia no mais inferno, p.88 a 98. 02/02/1957 - JK de fevereiro a janeiro, p.74 a 79. 09/02/1957 - Bolsa de seguros, p.12-3 09/02/1957 - Custo de vida e nacionalismo, focos da nova crise poltica, p.116-7. 16/02/1957 - JK na festa dos estudantes, p.32. 15/02/1957 - A situao deixou de ser militar para ser econmica, p.118-9. 02/03/1957 - JK no "Vera Cruz", p.88 09/03/1957 - Por que JK apia a "Ala moa", p.118-9. 18/05/1957 - Ergue-se a cruz no planalto, p.133 a 135. 18/05/1957 - Nossa Senhora da Aparecida mudou-se para Braslia, p.132. 18/05/1957 - Braslia quer dizer amanh, p.48-9. 15/06/1957 - Simpatia no governa, p.16-7. 29/06/1957 - Um brinquedo caro, p.16-7. 16/11/1957 - A primeira mquina de escrever brasileira, p.14-5. 07/12/1957 - Um fato em foco - JK e filha em show areo, p.121. 08/02/1958 - O Brasil entra na era atmica, p.14 a 18. 15/02/1958 - Retrato sem retoque do ensino no Brasil, p.38 a 43. 18/05/1958 - O caf uma garantia para o bem-estar da humanidade, p.37-8. 24/05/1958 - A culpa sempre do maquinista, p. 104-5. 07/06/1958 - Ensino em Minas Gerais: nota zero, p.110 a 115. 28/06/1958 - Minas: Mais leite em p para milhes de crianas, p.88 a 90. 161

05/07/1958 - Reforma poltica visando as "metas", p.76-7. 26/07/1958 - Braos abertos aos investimentos, p.116-7. 26/07/1958 - Margot chega ao futuro, p.59-60. 23/08/1958 - O Brasil ensina a Dulles o caminho da Amrica Latina,p.28 a 34. 20/09/1958 - Gronchi retribui visita a JK, p.20 a 29. 11/10/1958 - Gigantes de ao abrem a rota Belm-Braslia, p.60 a 64. 01/11/1958 - Produzimos, finalmente, todo o estanho de que precisamos, p.78 a 83. 29/11/1958 - A vaca das mil tetas, p.82-3. 20/12/1958 - Da gua nasceu uma esttua, p.46 a 48. 20/12/1958 - Esperana do serto esquecido, p.102 a 105. 10/01/1959 - Comeou a era naval no Brasil, p.10-1. 17/01/1959 - Juiz de fora j pode voar, p.36 a 39. 24/01/1959 - Transporte, uma vergonha nacional, p.32 a 36. 14/02/1959 - Inauguradas novas instalaes da Ford, p.52-3. 21/02/1959 - O plstico hoje uma indstria pesada, p.74 a 77. 21/02/1959 - JK Presidente alado, p.32-3. 21/02/1959 - Lamento de um Joo-ningum, p.58-9. 28/02/1959 - O patro do meu patro, p.110-1. 07/03/1959 - Nossa Senhora da selva abenoa a Belm-Braslia, p.36 a 41. 14/03/1959 - A alegria de palhao, p.89-90. 07/03/1959 - Secretrio de JK no tem hora, p.36-7. 07/03/1959 - Um fato em foco: Operao Nordeste, p.105. 07/03/1959 - Promissria vencida, p.110-1. 07/03/1959 - Presso sobre JK: candidato j, p.36-7. 04/04/1959 - So Jos dos Campos: o gigante muda o passo, p.44 a 49. 11/04/1959 - Como vejo o governo Kubitschek, p.104. 11/04/1959 - Man fogueteiro, p.16-7. 09/05/1959 - BR-2: estrada da integrao nacional, p.66 a 69. 13/06/1959 - Braslia ganha miss de olhos cor do mar, p.88 a 98. 13/06/1959 - Um fato em foco: JK e miss Braslia, p.18. 25/07/1959 - A barragem de Camargos, p.56 a 60.

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25/07/1959 - Uma estrela nasceu com Maria Ester, p.120-1. 25/07/1959 - Rio quer mudar para Braslia, p.84-5. 01/08/1959 - 10 maneiras de evitar o indesejvel, p.4-5. 06/09/1959 - A Condessa e o Presidente, p.122-3. 19/10/1959 - JK convidou Miss Universo a visitar Braslia, p.8-9. 07/11/1959 - Furnas: Brasil de amanh, p.46 a 51. 21/11/1959 - Falta algum no Juqueri, p.4-5. 21/11/1959 - Misso cumprida, p.82-3. 05/12/1959 - Isto Braslia, p.62 a 71. 27/02/1960 - Vov vai para Braslia, p.8-9. 27/02/1960 - Veculos nacionais na rota do Brasil novo, p.36 a 37. 27/02/1960 - De Belm a Braslia com trao em 2 rodas, p.96 a 99. 27/02/1960 - Sobre a carnia de Kubitshek, a carne seca de Jnio Quadros, p.102. 27/02/1960 - Pioneiros da Belm-Braslia, p.34 a 35. 02/04/1960 - JK no quer ficar, p.88 a 93. 23/04/1960 - Goinia e Braslia, p.45. 07/05/1960 - O futuro j tem capital: Braslia, p.58 a 79. 07/05/1960 - Editorial: Braslia, p.3. 07/05/1960 - Brasil ouviu JK, p.80. 07/05/1960 - Brasil e Braslia nasceram sob a mesma cruz, p.58. 07/05/1960 - Braslia: um pontap no pessimismo, p.60. 07/05/1960 - Braslia: volta ao mundo em 24 horas, p 62 07/05/1960 - Cabea de Juscelino faz o Brasil pensar certo, p.64 07/05/1960 - Braslia a luta pelo oeste, p.108-9. 14/05/1960 - Braslia foi crise na sucesso, p.106-7. 21/05/1960 - Braslia: maioridade chegou cedo, p.38 a 43. 21/05/1960 - Kubitschek em Toledo, p.104-5. 28/05/1960 - Conhea Braslia por dentro, p.134 a 145. 18/06/1960 - Ritmo JK na trilha de Rondon, p.84 a 89. 23/07/1960 - Acre-Braslia: ltima rvore, p.17. 27/08/1960 - Monumento a JK em Braslia.

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27/08/1960 - JK conquistou Portugal, p.6 a 18. 03/09/1960 - O Henriquinho marchou para leste, p.35 a 42. 01/10/1960 - JK sai intacto da campanha, p.36. 05/11/1960 - Funcionrios invadem edifcios em Braslia, p. 137. 28/11/1960 - Navio ao mar: indstria naval renasceu, p.128-9. 28/11/1960 - Monlevade: novo passo para a emancipao econmica nacional, p.128-9.

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