Crítica Às Universidades Corporativas
Crítica Às Universidades Corporativas
Crítica Às Universidades Corporativas
m.br GT: Poltica de Educao Superior / n.11 Agncia Financiadora: Sem Financiamento
Recebi, h algum tempo atrs, o convite de uma multinacional para montar uma universidade corporativa, em convnio com a universidade pblica qual estou vinculada. A solicitao me veio por intermdio de um dos assessores da reitoria de minha universidade de origem e, confesso, pegou-me de surpresa. Apesar de ser pesquisadora da rea de poltica da educao superior, no sabia exatamente o que era uma universidade corporativa.
Procurei, ento, esclarecimento sobre o assunto em livros, artigos e em sites na internet. Aps obter as informaes necessrias, recusei o convite e, conseqentemente, um acrscimo considervel na minha remunerao mensal. Os dados que consegui levantar e os motivos de minha recusa encontram-se neste trabalho, que tem por objetivo divulgar a pesquisa desenvolvida a respeito das universidades corporativas, e esclarecer aos professores-pesquisadores quais so os fundamentos deste tipo de educao superior que vem se multiplicando no Brasil e no mundo e, cada vez mais, buscando parceria com nossas universidades acadmicas. Com isso, acredito estar contribuindo para aprofundar estudos a respeito das novas formas de educao superior que vm sendo implantadas em nosso pas e, conseqentemente, subsidiando algumas discusses a respeito do tema, no Grupo de Trabalho de Poltica da Educao Superior da ANPEd.
Meu passo inicial foi procurar saber exatamente o que era uma universidade corporativa. A primeira constatao a que cheguei, deixou-me ainda mais intrigada: a universidade corporativa no uma universidade, e sim a nova denominao dos chamados Centros de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos de grandes empresas. Mas, se no uma universidade, porque chamada como tal? O termo atribudo a Jeanne Meister, presidente da Corporate University Xchage, empresa americana de consultoria em educao corporativa. Meister, citada por todos os autores que tive oportunidade de consultar, define desta forma universidade corporativa:
um guarda-chuva estratgico para o desenvolvimento e a educao de funcionrios, clientes e fornecedores, buscando otimizar as estratgias organizacionais, alm de um laboratrio de aprendizagem para a organizao de um plo permanente (Meister, 1999, p.8).
Para Meister (op.cit.), o conhecimento e as qualificaes das pessoas s so adequadas durante um perodo, que pode ir de 12 a 18 meses, depois do qual precisamos reabastec-las para competir na economia global do conhecimento (p.8). A autora defende, ento, a interferncia direta das empresas nas instituies educacionais formais, com o intuito de impor contedos e prticas mais conectadas s necessidades do mercado que, segundo ela, exigem atualizao constante dos conhecimentos. Afirma que as empresas mais bem sucedidas trouxeram a escola para dentro delas, em vez de esperar que essas instituies educativas tornassem seus currculos mais relevantes para as necessidades empresariais. Para ela, o diferencial decisivo de competitividade reside no nvel de capacitao (...) de seus funcionrios, fornecedores principais, clientes, e at mesmo membros das comunidades onde atuam (p.15).
Como se pode notar, a principal orientadora das universidades corporativas defende que as empresas interfiram diretamente nos currculos das instituies educacionais, que devero formar seus alunos para atender ao mercado. Faz crticas severas s universidades acadmicas, mas, por outro lado, afirma que a chave do sucesso das empresas est na educao e a importncia de se trazer a escola para dentro das empresas.
Quanto ao fato de assumir a denominao de universidade sem ser uma instituio acadmica com as caractersticas inerentes ao nome, ou seja, instituio pluridisciplinar, que oferece ensino, pesquisa e extenso de forma indissocivel, Meister (op.cit.) credita ao nome a fora e a nobreza necessrias conquista de adeptos, uma vez que serve como demonstrao de que a empresa que a implanta tem um efetivo interesse em tornar-se um plo de educao permanente de hoje (p.2). como se mandasse a mensagem de que uma empresa sria, preocupada com a educao e, portanto, digna de ser valorizada no mercado.
Fundamentadas nas idias de Meister, muitas universidades corporativas foram criadas nos Estados Unidos, e vm servindo de modelo para outros pases, dentre eles o Brasil. Em nosso pas, a influncia americana marcante e a proposio dessas instituies serem plos de educao permanente, como aponta Meister, j se tornou realidade em vrios estados brasileiros. Vamos, portanto, olhar mais de perto quais so as principais preocupaes das empresas, ao criarem uma universidade corporativa, tomando por base o texto de Quartiero e Cerny (2005).
As empresas, ao criarem universidades corporativas, esto preocupadas em desenvolver pesquisas e aes para obter respostas para as suas atividades-fim, ou seja, esto procurando treinamento e desenvolvimento para seus profissionais nos assuntos de seu interesse operacional e estratgico. Por outro lado, no poderamos deixar de analisar que este contexto de educao permanente gera uma populao de clientes que cresce continuamente: os adultos profissionais/alunos. Nesse sentido surge um grande mercado para as universidades corporativas, consrcios educacionais,
universidades virtuais e empresas de treinamento especializado. A educao do aluno adulto torna-se um grande e diversificado negcio (p. 34-35)
Essa , sem dvida, uma idia muito restrita e direcionada de educao permanente que no se coaduna com aquela defendida pela universidade acadmica, que se apia no trip ensino-pesquisa-extenso e na referncia da sociedade como um todo, para traar os objetivos e linhas poltico-pedaggicas que nortearo suas atividades. Educao permanente para a universidade acadmica, principalmente a pblica, envolve ampliao da cidadania, crescimento do indivduo na sociedade, novos horizontes individuais e profissionais, , pois, uma educao que tem por objetivo o crescimento do individual e no a melhoria da qualificao exigida para uma determinada empresa, de acordo com as exigncias do mercado. Em sntese, a educao permanente na universidade acadmica vista como uma aprendizagem para a vida toda, enquanto que a da universidade corporativa atende a uma determinada necessidade, em espao e tempo limitados, ou seja, quando o indivduo sai (ou mandado embora) da empresa,
4 ou ainda, quando mudam as diretrizes do mercado, aquele conhecimento tende a cair em desuso.
A universidade corporativa , ento, um espao educacional dentro de uma empresa e por ela gerenciado, com o objetivo de institucionalizar uma cultura de aprendizagem contnua, que vise proporcionar a aquisio de novas competncias vinculadas s estratgias empresariais, com o propsito de assegurar vantagens competitivas permanentes s empresas. De acordo com tericos como Meister (1999), Senge (1996) e Stuart (1998), a universidade acadmica incapaz de proporcionar a formao exigida pelo mundo do trabalho em constante reestruturao e a universidade corporativa a grande sada para os problemas educacionais da atualidade.
Algumas delas, como a IBM Global Campus, prescindem de espaos fsicos porque utilizam fortemente a educao a distncia em todas as suas variveis. So os chamados ambientes virtuais de aprendizagem. Outras j apresentam uma estrutura fsica e organizacional muito prxima das universidades acadmicas, como se estivessem buscando, dessa forma, a legitimidade. De uma forma ou de outra, ter uma universidade corporativa atualmente d status empresa, por esse motivo muitas j foram criadas, e outras esto prestes a colocar em prtica suas pretenses. O site do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior Portal de Educao Corporativa informa a existncia de 89 destas instituies, atualmente, no Brasil (Brasil, 2007).
A educao a distncia uma das grandes armas de divulgao e consolidao das propostas das universidades corporativas, que vm formando parcerias em estreita colaborao com as universidades tradicionais, visando a instituio de novos modelos educacionais, voltados exclusivamente para o mercado. O mercado vai ditar as regras, o contedo e a tica de cada curso. Sai de cena, portanto, a busca por uma sociedade mais justa e igualitria e o fortalecimento de seus princpios ticos e morais, para entrar em pauta os valores mercadolgicos e a tica da competitividade, que busca o sucesso a qualquer preo. Se, no Brasil, essa idia de educao ainda pode nos causar alguma surpresa, vale destacar que a proposta no nova. Nos Estados Unidos, a primeira universidade corporativa foi criada no ano de 1955 - a Cotronville - ligada empresa General Electric. Porm, foi somente a partir da dcada de 1990 que elas ganharam fora
5 naquele pas e passaram de 400 para 2000. No Brasil, a primeira empresa a ter um campus da universidade corporativa foi a Accor, criada em 1992, em Campinas, So Paulo. Foi a segunda a nascer (depois da sede francesa), das atuais 15 Universidades Corporativas da empresa existentes no mundo. Em 2002, a Accor fez parceria com o Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais e criou seu programa de ps graduao lato sensu, reconhecido pelo Ministrio da Educao.
Quartiero e Cerny (2005.) discutem o movimento da relao entre trabalho e educao que vem propiciando a consolidao deste modelo educacional, isto , as novas configuraes assumidas pelo mundo da produo e suas repercusses sobre a formao humana. As autoras destacam as mutaes no processo de acumulao do capital, ocorridas a partir da dcada de 1970, que levaram ao esgotamento histrico das tcnicas tayloristas e fordistas como suporte dos ganhos de produtividade. Em sntese, se na dcada de 1960 os mercados eram regidos pela oferta de produtos, em 1970 passaram a ser regidos pela demanda, o que gerou novas formas de concorrncia, novos equipamentos e um novo tipo de trabalhador. A soluo tecnolgica encontrada foi o equipamento programvel, que se transformou na base do equipamento industrial automatizado que se instalou no mundo da produo, inaugurando um novo paradigma, batizado por Coriat (1988) como integrado e flexvel.
Esse paradigma que, de incio, era restrito aos equipamentos, paulatinamente foi se estendendo para a forma de organizao e gerenciamento das empresas, principalmente por meio de programas de qualidade total, programas esses que foram, em grande parte, direcionados ao setor educacional (Quartiero & Cerny, 2005). No Brasil, pode-se citar como exemplos de adeptos de programas de qualidade total, Vicente Campos Falconi (1991), que defende sua aplicao nas empresas e Cosete Ramos (1992), que faz uma adaptao desses programas ao setor educacional.
Aos poucos, a importncia do envolvimento do trabalhador em processos educativos vai sendo inserida nos discursos do empresariado e ganhando fora nos pronunciamentos governamentais, intensificando a discusso sobre o papel da educao nas novas sociedades do conhecimento e da informao. Os interesses polticos, sociais e econmicos da primeira so bem analisados por Apple (1986). J a segunda est pautada, de acordo com Quartiero e Cerny (2005, p. 28), em trs grandes
6 acontecimentos: a agudizao da reestruturao tecnolgica, organizacional e gerencial do mundo do trabalho; a expanso da internet via rede word wide web (www); e um movimento de reformas educacionais que perpassa a maioria dos pases.
Os fatos expostos acima, de estreita relao, direcionaram propostas para a rea de educao no interior das empresas, que impulsionaram a criao de novas universidades corporativas, principalmente a partir da dcada de 1990. O pensamento prevalente era de que o trabalhador, agora, deveria apresentar uma srie de novos atributos, ou seja, uma srie de competncias que favorecessem a nova organizao descentralizada do trabalho e a integrao de tarefas, caractersticas bsicas do novo processo de produo.
Essas idias acabaram por descambar no campo da educao formal, inspirando Reformas Educacionais que tendem a valorizar a educao como o motor para o desenvolvimento scio-econmico das naes, visando a competio internacional e a aquisio de empregos. Em relao a este ltimo, cabe destacar a grande contradio desse novo paradigma produtivo que, se por um lado pode melhorar a qualidade de vida das populaes, por outro tende a reduzir drasticamente os postos de trabalho (Gitahy, 1992).
No entanto, neste novo contexto, o desemprego passa a ser culpa dos indivduos que no quiseram ou no souberam estudar, ou, ainda, dos poderes pblicos que no ofereceram populao a educao necessria ao desenvolvimento do pas. Nunca culpa das empresas ou dos empresrios que, agora, aparecem como aqueles que podem salvar a educao brasileira, propondo novas formas educacionais justamente no setor que considerado, internacionalmente, o mais lucrativo a educao superior.
Depois de inteirar-me a respeito das universidades corporativas, uma pergunta passou pela minha cabea: Por que me fizeram o convite de elaborar e viabilizar uma
7 instituio com essas caractersticas, para atuar de forma integrada a uma universidade acadmica? A leitura do livro coordenado por Marisa Eboli (2000), forneceu-me alguns indicadores.
O mais importante deles, que aquelas que so consideradas pelas revistas especializadas como as melhores experincias de universidades corporativas, esto relacionadas s empresas que realizaram parcerias com universidades acadmicas. Isso significa que apoiar-se na competncia formativa da universidade acadmica passou a ser um fator de sucesso para a universidade corporativa.
So dois os motivos principais para que isso acontea. Em primeiro lugar, porque as universidades acadmicas tm a competncia de agregar valor aos programas das empresas. O segundo motivo que as universidades corporativas, sozinhas, no tm seus cursos reconhecidos pelo Ministrio da Educao e precisam da parceria com as universidades acadmicas para obterem esse reconhecimento (boli, 2000, p.27).
No que diz respeito agregao de valor, foi fcil constatar que as empresas, apesar de criarem as universidades corporativas a partir de seus programas de Treinamento e Desenvolvimento (T&D), querem a todo custo dissoci-los destes, para passar uma imagem de inovao, compromisso social e preocupao com seus empregados. Porm, em grande parte dos casos, somente efetuada a troca de nomenclatura, de T&D para Universidade Corporativa (UC). O fato apontado por muitos autores, dentre eles Grisci & Dengo (2005):
A denominao UC est basicamente associada aos programas de T&D das empresas, agregando-se a ela um sentido de divulgao mercadolgica que gera ganhos de imagem externa e
reconhecimento pelo mercado. O emprego do neologismo Universidade Corporativa passa a idia de que a empresa utiliza prticas inovadoras de T&D (p. 69-70).
Entretanto no basta tentar utilizar prticas inovadoras, preciso que o pblico externo acredite nisso. Para que isso acontea o caminho mais fcil o estabelecimento de parceria com uma instituio acadmica j reconhecida e consagrada socialmente. As
8 UCs mais referenciadas pelo mercado, geralmente, tm parcerias com as melhores faculdades no obstante a mdia se voltar mas para a UC e fazer crticas s universidades tradicionais (Grisci & Dengo, 2005, p. 71). Em muitos casos, aps o estabelecimento da parceria, o passo seguinte tentar desqualificar a universidade acadmica, para demonstrar o quanto a empresa pode fazer por ela, a fim de torn-la mais moderna e eficiente.
A escolha da instituio acadmica fundamental para consecuo dos objetivos da empresa, pois se a iniciativa no der certo, pode ferir seriamente sua imagem, uma vez que as universidades corporativas so, para as empresas, importantes instrumentos de marketing. Esta preocupao acaba direcionando a busca de parceria, principalmente, com as universidades pblicas. Segundo Schwartzman (2002), os professores das universidades pblicas so responsveis por mais de 85% das pesquisas realizadas no pas, e estas instituies agregam 90% dos doutores-pesquisadores registrados nos Grupos de Pesquisa do CNPq. Isso significa que, com elas, o risco pode ser bem menor e o reconhecimento social consideravelmente maior.
O fato das universidades corporativas no terem seus cursos reconhecidos pelo Ministrio da Educao e precisarem do aval de uma instituio acadmica, tambm me pareceu ser consideravelmente significativo para o convite. Ter um membro do corpo docente da comunidade acadmica de uma universidade pblica pode facilitar muito a elaborao e aprovao de grades curriculares, programas de disciplinas e listagem de bibliografia teoricamente consistente. Se a pessoa convidada atuar na rea de educao e conhecer mais de perto a poltica de educao superior e a legislao a ela pertinente, a facilidade se torna ainda maior.
Pelos motivos acima explicitados, podemos encontrar hoje, no Brasil, vrios exemplos de empresas que estabeleceram parcerias com universidades pblicas para criar suas universidades corporativas. Destacamos dois deles, que nos pareceram mais significativos: As Universidades corporativas da Sadia, e do Metr/SP.
A Sadia oferece um MBA de gesto empresarial, reconhecido pelo MEC, em parceria com a Unicamp. O curso oferecido aos executivos-chave da empresa e, de acordo com Margareth Chiamarelli, reitora da Universidade Corporativa, foi criado com o
9 intuito de desenvolver neles a viso da empresa como um todo, em relao ao mercado, concorrncia, s oportunidades no ambiente nacional e internacional (Semerene, 2007).
AUniMetr, Universidade Corporativa do Metr, montada em 1999, estabeleceu convnio com Universidade de So Paulo (USP), no ano de 2004, e hoje oferece MBA aos seus funcionrios. O professor Guilherme Ary Plonski, da faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP (FEA-USP), presente ao Seminrio de Educao Corporativa, ocorrido entre 20 e 22 de maro do presente ano, na cidade de So Paulo, afirmou: "Entendemos a importncia da inovao, no s em prol do lucro, mas tambm para o desenvolvimento sustentvel e em prol do meio-ambiente" e, ainda, que "O nosso desafio formar gestores para as Universidades Corporativas e conseguir equilibrar dois mundos aparentemente diferentes (empresa e academia)" (Semerene, 2007).
Existem outras universidades corporativas que estabelecem convnios com vrias instituies educacionais. o caso, por exemplo, da Universidade Embratel que parceira das Faculdades Ibmec, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em alguns de seus programas (Fujita, 2004). Estes so somente alguns exemplos das muitas universidades corporativas j instaladas. Vrios outros podem ser confirmados com um simples acesso aos portais das empresas.
Analisando agora o lado da universidade pblica, me foram apresentadas algumas vantagens que minha instituio teria com o estabelecimento do convnio. No que diz respeito aos recursos materiais, a expectativa era que alguns laboratrios seriam equipados, e novos computadores e demais recursos tecnolgicos seriam adquiridos. Alm disso, os professores e tcnicos administrativos que trabalhassem nos novos cursos teriam uma remunerao complementar, via Fundao de Apoio. A instituio ampliaria consideravelmente o nmero de alunos a custos reduzidos e em tempo menor, pois o curso no seria limitado ao espao fsico do campus universitrio, graas utilizao do ensino a distncia que contaria com vdeo-conferncias e e-learning.
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Diante de todos os argumentos apresentados pela empresa e pela universidade, aps pesquisar o assunto, cheguei a algumas constataes que me fizeram tomar a deciso de no aceitar o convite.
Analisando os modelos de universidade corporativa aos quais tive acesso, verifiquei que eles esto ainda muito distantes da proposta fundamentada por Meister (1999), sua principal terica. Em muitos casos, os funcionrios das empresas, apesar de estarem desenvolvendo um curso no interior de uma universidade corporativa, somente recebem a certificao a que fazem jus, depois que apresentarem um projeto de negcio possvel de ser executado dentro da empresa, auferindo-lhe ganhos em algum setor. A avaliao desses projetos feito por pessoas indicadas pela prpria empresa. Grisci & Dengo (2005, p. 57), fizeram a mesma constatao em seus estudos e afirmaram que o fato demonstra, claramente, o equvoco de caracterizao do modelo de UC, pois essa certificao um detalhe menor.
O grande guarda-chuva citado por Meister (1999), estratgico para o desenvolvimento e a educao de funcionrios, clientes e fornecedores, foi reduzido a cursos para funcionrios executivos. As modernas tecnologias a servio de uma nova estratgia tecnolgica de ensino-aprendizagem tambm no foram evidenciadas na grande maioria dos cursos.
A universidade corporativa assume, ento, o conceito abstrato de uma instituio idealizada no meio empresarial, que no leva em considerao as relaes sociais mediadoras existentes entre ela e o mundo do trabalho. regida por princpios pragmticos e tecnicistas, tipicamente pertencentes s perspectivas empresariais, orientadas, portanto, segundo racionalidades coesas aos processos econmicos de valorizao do capital.
O valor desta nova instituio, que cresce quantitativamente em nossa sociedade, desafiado pela ideologia do seu valor econmico e de marketing. A gesto da educao e a organizao dos processos de ensino-aprendizagem passam a ser submetidos a novas
11 formas de racionalidade, impregnadas pelo pragmatismo e economicismo, que estreitam os vnculos entre escola e mercadoria e entre educao e mercado.
Uma incurso na histria do Brasil nos indica, porm, que esse movimento no to recente, pois decorre da poltica econmica adotada nas ltimas dcadas, que acabou direcionando as relaes interinstitucionais, mais especificamente, no caso do tema em tela, as relaes entre as empresas e as universidades pblicas. Foi durante a dcada de 1990, quando a Amrica Latina adotou mais fortemente a poltica neoliberal que essas relaes tomaram corpo.
Cabe destacar a ao nesse sentido empreendida por Fernando Collor de Mello, em seu curto, mas conturbado governo. Suas palavras de ordem eram modernidade e competncia e a poltica neoliberal foi assumida integralmente. Mesmo aps sua deposio pelo processo de impeachment, foi esta a linha ideolgica que permaneceu promovendo as reformas do Estado e do setor produtivo. As reformas direcionaram aes que levaram ao desmonte do setor pblico em geral, com demisses e privatizaes. Segundo seus defensores, era a reestruturao produtiva do Brasil, que vinha aliada a uma poltica industrial e de comrcio exterior voltada para a integrao das empresas brasileiras, de forma competitiva, no mercado mundial. Sentindo-se ameaadas, as empresas nacionais reagiram, buscando a chamada modernizao tecnolgica. Para alcan-la, o caminho que se apresentava como de menor custo era o da parceria com as universidades pblica (Guimares et al, 2005).
Aliado a isso, a reduo do repasse de verbas, por parte do governo, para as universidades pblicas, principalmente para o desenvolvimento e pesquisas e manuteno de laboratrios, vem promovendo transformaes radicais nas funes e estruturas tradicionais das universidades. Essas transformaes ampliaram
significativamente as possibilidades de parceria com as empresas, que passaram a ser incentivadas pelo governo e vistas no interior das universidades pblicas, por muitos pesquisadores, como a soluo mais vivel para sua crescente crise financeira.
No entanto, no se pode deixar de considerar que existem pontos de conflito que acarretam dificuldades neste relacionamento, devido a ideologias, objetivos, metas, culturas e tipos de formao muito diferentes nas duas instituies. Um deles referente
12 aos prazos, pois os processos investigativos dentro da instituio acadmica alcanam seus objetivos a longo prazo, enquanto que as empresas querem resultados imediatos. Outro ponto conflitante, apontado por Guimares et al (2005), diz respeito propriedade intelectual e comercial dos produtos da pesquisa e publicao de resultados. Por vezes, convnios com empresas estrangeiras que evolvem altos custos, culminam com a transferncia de tecnologia do Brasil para outros pases, com forte prejuzo para o povo brasileiro.
Tambm o papel diferenciado da universidade pblica e da empresa para a sociedade brasileira, no pode ser perdido de vista. As universidades pblicas tm um compromisso primeiro com a sociedade que as mantm. Esse compromisso envolve a identificao e anlise de problemas concretos a serem estudados, comprometidos e vinculados realidade local, a fim de que possa nela atuar, operar e trabalhar pela transformao social. Sua prioridade, portanto, deve ser de produzir conhecimento a partir de sua realidade mais prxima e no de uma realidade cultural distanciada (Freire, 2001). As empresas, por sua vez, esto inseridas integralmente em propostas polticas que priorizam aes voltadas aos interesses do capital e no aos interesses sociais. Esse, por si s, j seria um grande diferencial impeditivo de uma parceria o conflito de interesses.
Porm, atualmente, como os papis j no esto to delimitados em algumas instituies, fica difcil a visibilidade das perdas e ganhos, num primeiro olhar. Por esse motivo, vamos tentar apontar alguns deles. As empresas ganham em buscar a instituio acadmica para formar seus executivos, agregam valor aos seus programas, divulgam uma imagem de modernidade dentro e fora do pas. As universidades pblicas perdem a autonomia na conduo da pesquisa e extenso, o direito propriedade intelectual, e na transformao de seus professores-pesquisadores em empresrios da pesquisa (Velho, 1996). A sociedade perde pela transferncia de tecnologia para o exterior, pela psgraduao e extenso pagas dentro das universidades pblicas, pela produo de conhecimento cientfico e tecnolgico a servio do mercado e no dos interesses sociais.
No cmputo geral, uma parceria muito mais interessante para as empresas do que para as universidades pblicas. Ela amplamente defendida pelos rgos governamentais porque significa que o financiamento das pesquisas nas universidades pblicas pode ser
13 suprido, em parte, pelas empresas e garante instituio universitria a autonomia de buscar novas fontes de financiamento.
No acredito nesse tipo de autonomia e sim na autonomia de gesto financeira dos recursos que o governo obrigado, constitucionalmente, a repassar s universidades para fazer frente s suas despesas. Acredito na importncia da universidade pblica, gratuita, de qualidade comprovada e socialmente referenciada que, de tanto ser repetido por sindicalistas do movimento docente, pode parecer, para muitos, um chavo vazio de significado, mas que agora est mais atual que nunca. Acredito na universidade como instituio social que aspira universalidade e, portanto, como afirma Chau (2001), tem a sociedade como seu princpio e sua referncia normativa e valorativa (p. 187).
Pelas minhas crenas e convices polticas, apesar das presses, eu disse no. Espero que minha experincia possa servir de referncia para futuras decises de outros educadores brasileiros. Que sirva, pelo menos, para fomentar a discusso, pois somente podemos ser conscientemente contrrios ou favorveis, quilo que conhecemos.
14 Referncias Bibliogrficas
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