A Crônica de Akakor - Karl Brugger

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A Crônica de Akakor

KARL BRUGGER

Prefácio
de
ERICH VON DANIKEN

Tradução
de
BERTHA MENDES

LIVRARIA BERTRAND

PREFÁCIO DE ERICH VON DANIKEN

O s cientistas não são os únicos que enriquecem ao explorar o desconhecido. Karl


Brugger, nascido em 1942, depois de completar os seus estudos de história e
sociologia contemporânea, foi para a América do Sul como jornalista e obteve
informações acerca de Akakor. Desde 1974 que Brugger é correspondente das estações de
rádio e televisão da Alemanha Ocidental. Atualmente, é considerado um especialista em
assuntos que dizem respeito aos Índios.
Em 1972, Brugger encontrou Tatunca Nara, filho de um chefe índio, em
Manaus, na confluência do rio Solimões com o rio Negro, isto é, no início do Amazonas.
Tatunca Nara é chefe dos índios Ugha Mongulala, Dacca e Haisha.
Brugger, investigador escrupuloso, ouviu a história inacreditável mas
verdadeira que o mestiço lhe contou. Depois de ter verificado tudo conscienciosamente,
decidiu publicar a crônica que tinha registrado no gravador.
Como estou habituado ao fantástico e sempre preparado para o extraordinário,
não me emociono facilmente, mas devo confessar que me senti invulgarmente
impressionado com A Crônica de Akakor tal como me relatou Brugger. Abre uma dimensão
que obriga os céticos a verificar que o inconcebível é muitas vezes possível.
Incidentalmente, A Crônica de Akakor foca precisamente o quadro que é familiar aos
mitologistas de todo o mundo. Os deuses vieram “do céu”, instruíram os primeiros
humanos, deixaram atrás de si alguns misteriosos instrumentos e desapareceram
novamente no “céu”. Os desastres devastadores descritos por Tatunca Nara podem ser
relacionados até ao mínimo pormenor com Os Mundos em Colisão, de Immanuel
Velikovsky, as suas extraordinárias descrições de uma catástrofe mundial e mesmo as
referências às datas são simplesmente espantosas. Igualmente, a afirmação de que certas
partes da América do Sul são cortadas por passagens subterrâneas não pode chocar
nenhum conhecedor do assunto. Num outro livro referi-me ter visto as tais estruturas
subterrâneas com os meus próprios olhos, A Crônica de Akakor dá resposta a muito do
que é apenas aflorado noutros trabalhos sobre assuntos semelhantes
INTRODUÇÃO

A Amazônia começa em Santa Maria de Belém, a cento e vinte quilômetros da


costa do Atlântico. Em 1616, quando duzentos portugueses, sob a chefia de Francisco
Castelo Branco, tomaram posse deste território em nome de Sua Majestade o Rei de
Portugal e Espanha, o seu cronista descreveu-o como uma doce e convidativa zona de
terreno com árvores gigantescas. Presentemente, Belém é uma grande cidade, com arranha-
céus, de tráfego intenso e uma população de seiscentos e trinta e três mil habitantes. É o
ponto de partida da civilização branca na sua conquista das florestas virgens da Amazônia.
Contudo, através de quatrocentos anos, a cidade tem conseguido preservar traços do seu
passado heróico e místico. Palácios de estilo colonial dilapidados e edifícios de azulejos
com enormes portões de ferro são testemunhas de uma era famosa, quando a descoberta do
processo de vulcanização da borracha elevou Belém ao nível de uma metrópole européia. O
mercado de dois andares na área do porto também data desta época.Aqui quase tudo pode
ser comprado: peixe do Amazonas ou do oceano, perfumados frutos tropicais; ervas
medicinais, raízes, bulbos e flores; dentes de crocodilo, que dizem ter propriedades
afrodisíacas, e rosários feitos de terracota
Santa Maria de Belém é uma cidade de contrastes.
No centro, ruas ruidosas de tráfego, mas o mundo selvagem da ilha de Marajó,
outrora povoada por uma das populações altamente civilizadas que tentaram conquistar a
Amazônia, fica apenas a duas horas de viagem, rio acima, na margem oposta. De acordo
com a história tradicional, os Marajoaras chegaram à ilha mais ou menos em 1100, quando
a sua civilização estava no apogeu, mas na altura em que os exploradores europeus
chegaram, este povo já tinha desaparecido. Tudo o que ele resta são belas cerâmicas,
figuras estilizadas traduzindo dor, alegria e sonhos. Parecem contar uma história, Mas qual?
Até à ilha de Marajó, o Amazonas é uma confusa rede de canais, afluentes e
lagoas. O rio estende-se por uma distância de seis mil quilômetros: nasce no Peru e atinge
os rápidos colombianos, mudando de nome em cada país que atravessa – de Apurimac a
Ucayali e Marañon, e de Marañon a Solimões. Para além da ilha de Marajó, o Amazonas
tem um caudal maior que qualquer outro rio do mundo.
Um grande barco a motor, único meio de transporte na Amazônia, leva três dias
para fazer a travessia de Belém à Santarém, a localidade mais próxima. É impossível
compreender o grande rio sem ter experimentado estes barcos a motor, que incorporam a
noção de tempo, vida e distância na Amazônia. Podem fazer-se cento e cinqüenta
quilômetros por dia (não por hora) rio abaixo; nestes barcos o tempo passa-se a comer, a
beber, a sonhar e a amar.
Santarém fica situada na margem direita do Amazonas, na embocadura do rio
Tapajós. Uma população de trezentos e cinqüenta mil habitantes atravessa uma época
próspera, pois a cidade é terminal da Transamazônica e atrai garimpeiros, contrabandistas e
aventureiros. Uma das mais antigas civilizações da Amazônia floresceu aqui, o povo do
Tapajós, provavelmente a maior tribo da selva índia. O historiador Heriarte afirmou que, se
fosse necessário, tinham possibilidade de alinhar cinqüenta mil arqueiros para uma batalha.
Mesmo considerando este número um exagero, sabe-se que os Tapajós foram
suficientemente numerosos para fornecer ao mercado de escravos portugueses durante
oitenta anos. Esta orgulhosa tribo não nos legou senão espécimes arqueológicos... e o rio
que tem o seu nome.
Rios, cidades e lendas da Amazônia sucedem-se de Santarém a Manaus.
Presume-se que o aventureiro espanhol Francisco Orellana combateu os habitantes da
Amazônia na foz do rio Nhamundá. O lago Iacy, “Espelho da Lua”, situa-se na margem
direita do rio, junto à povoação de Faro. De acordo com a lenda, as Amazonas desciam até
o lago, vinda das montanhas que o rodeavam, quando havia lua cheia, para encontrarem os
apaixonados que as esperavam. Mergulhavam em busca de pedras estranhas, que, debaixo
de água, podiam ser amassadas como pão, mas que em terra adquiriam dureza. As
Amazonas chamavam a estas pedras muiraquitã e davam-nas aos seus apaixonados. Os
cientistas consideram-nas “milagres arqueológicos”: duras como o diamante, têm formas
artificiais, se bem que a evidência tenha provado que os Tapajós não tinham ferramentas
para trabalhar esta espécie de material.
O verdadeiro rio Amazonas nasce na confluência do rio Solimões com o rio
Negro. De barco, leva-se vinte minutos para chegar a Manaus, que não tem qualquer
estrada de comunicação com a costa. Foi aqui que encontrei Tatunca Nara, a 3 de Março de
1972. M., que comandava o contingente da selva brasileira em Manaus, tinha sido o
encarregado de me proporcionar este encontro. Foi no Bar Graças a Deus que encontrei
pela primeira vez o chefe índio. Era alto, tinha um longo cabelo escuro e um rosto
delicadamente modelado. Os seus olhos, castanhos, pequenos e cheios de suspeita, eram
característicos dos mestiços. Tatunca Nara vestia um desbotado uniforme tropical, que, tal
como mais tarde me explicou, lhe fora dado pelos oficiais. O seu largo cinto de couro com
fivela de prata era impressionante. Os primeiros minutos da nossa conversa foram difíceis.
Com certa relutância, Tatunca Nara contou, em mau alemão, as suas impressões da cidade
branca, com a sua imensa população, o trânsito das ruas, os elevados edifícios e o
insuportável barulho. Só quando venceu a sua reserva e as suas suspeitas iniciais me contou
a história mais extraordinária que jamais ouvi. Tatunca Nara falou-me da tribo dos Ugha
Mongulala, um povo que há quinze mil anos foi “o eleito dos Deuses”. Descreveu duas
grandes catástrofes que haviam devastado a Terra e referiu-se ao príncipe Lhasa, um filho
dos Deuses, que governou no Sul do continente americano, às suas relações com o Egito, à
origem dos Incas, à chegada dos Bárbaros e à aliança dos índios com dois mil soldados
alemães. Falou de gigantescas cidades de pedra e instalações subterrâneas dos divinos
antepassados. E contou-me que todos estes fatos tinham sido registrados num documento
chamado A Crônica de Akakor.
A mais longa parte da sua história referia-se às lutas dos índios contra os
brancos, contra os espanhóis e portugueses plantadores de borracha, colonos, aventureiros e
soldados do Peru. Empurraram os Ugha Mongulala, de quem pretendia ser o príncipe, cada
vez mais para os Andes, até mesmo nas instalações subterrâneas. Apelava agora para os
seus maiores inimigos, os brancos, pedindo auxílio perante a iminente extinção do seu
povo. Antes de falar comigo, Tatunca Nara conversara com altas personalidades brasileiras
do Serviço de Proteção aos Índios, mas sem qualquer êxito. Esta, no entanto, era a sua
história. Ia dar crédito ou não? No úmido calor do Bar Graças a Deus foi-me revelado um
estranho mundo que, se existisse, tornavam reais as lendas maia e inca.
O segundo e o terceiro encontro com Tatunca Nara foram no meu quarto de
hotel com ar condicionado. Num monólogo que durou horas, só interrompido para mudar a
fita no gravador, ele contou a história dos Ugha Mongulala, as Tribos Escolhidas Aliadas,
do ano zero até 12.453 (de 10.481 a. C. até 1972, de acordo com o calendário da civilização
branca). Mas o meu entusiasmo inicial tinha desaparecido. A história parecia-me
excessivamente extraordinária: uma outra lenda da floresta, fruto do calor tropical e do
místico efeito da selva impenetrável. Quando Tatunca Nara acabou a sua narrativa eu tinha
doze gravações de um fantástico conto de fadas.
A história de Tatunca Nara só começou a parecer plausível quando, numa outra
vez, encontrei um amigo, o oficial brasileiro M. Era membro do serviço secreto e fazia
parte do “segundo departamento”. M. conhecia Tatunca Nara já havia quatro anos e
confirmou, pelo menos, o fim das suas aventuras. O chefe indio salvara a vida de doze
oficiais brasileiros cujo avião caíra na província do Acre e devolveu-os à civilização. As
tribos índias de Yaminauá e Kaxinauá reverenciavam Tatunca Nara como chefe, muito
embora não lhes pertencesse. Estes fatos foram documentados nos arquivos do serviço
secreto brasileiro. Decidi investigar ainda mais a história de Tatunca Nara.
As minhas buscas no Rio de Janeiro, Brasília, Manaus e Rio Branco tiveram
resultados extraordinários. A história de Tatunca Nara está documentada em jornais e
começa em 1968, quando um chefe índio branco é mencionado por ter salvo a vida de doze
oficiais brasileiros obtendo a sua libertação dos índios Haisha e levando-os para Manaus.
Devido ao auxílio que prestou aos oficiais, Tatunca Nara foi recompensado com uma
carteira de trabalho e um documento de identidade. De acordo com o que dizem as
testemunhas, o misterioso chefe índio fala uma mau alemão, compreende só algumas
palavras em português, mas é fluente em algumas línguas índias faladas no alto Amazonas.
Poucas semanas depois da sua chegada a Manaus, Tatunca Nara desapareceu subitamente,
sem deixar rastro.
Em 1969, surgiram grandes lutas entre as tribos de índios selvagens e os colonos
brancos da fronteira do Peru na província de Madre de Dios, uma região miserável e
esquecida na encosta oriental dos Andes. A velha história da Amazônia revivia: a revolta
dos oprimidos contra os opressores, seguidos da vitória dos brancos, sempre vitoriosos. O
chefe dos índios, que, de acordo com os relatos da imprensa do Peru, era conhecido por
Tatunca (“grande serpente-d’água”), fugiu para território brasileiro após derrota. Com o
propósito de evitar a continuação dos ataques, o Governo do Peru pediu ao Brasil a sua
extradição, mas as autoridades brasileiras recusaram-se a cooperar.
A luta de fronteira da província de Madre de Dios acalmou aos poucos durante
os anos de 1970 e 1971. As tribos índias selvagens fugiram para as quase inacessíveis
florestas perto da nascente do rio Yaku. Aparentemente, Tatunca Nara desaparecera. O Peru
fechou a fronteira com o Brasil e iniciou a invasão sistemática da floresta virgem. De
acordo com testemunhas oculares, os índios do Peru partilharam da sorte dos seus irmãos
brasileiros: foram assassinados ou morreram de doenças características da civilização
branca.
Em 1972, Tatunca Nara voltou à civilização branca, e na cidade brasileira de Rio
Branco relacionou-se com o bispo católico Grotti. Juntos pediram alimentos para os índios
do rio Yaku nas igrejas da capital do Acre. Desde que a província do Acre tinha sido
considerada “livre de índios” nem ao bispo foi concedido qualquer auxílio do Estado. Três
meses mais tarde, monsenhor Grotti morria na queda misteriosa de um avião.
Mas Tatunca Nara não desistiu. Com o auxílio dos doze oficiais cuja vida
salvara, entrou em contato com serviço secreto brasileiro. Apelou também para o Serviço
de Proteção aos Índios do Brasil (a atual FUNAI) e contou a N., secretário da Embaixada
da Alemanha Ocidental em Brasília, a história dos dois mil soldados alemães que
desembarcaram no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e que ainda estavam vivos
em Akakor, a capital do seu povo. N. não acreditou na história e recusou o acesso de
Tatunca Nara à embaixada. A FUNAI só concordou em cooperar depois de muitos
pormenores da história de Tatunca Nara acerca das tribos índias da Amazônia serem
confirmados, durante o Verão de 1972. O Serviço organizou então uma expedição para
estabelecer contato com os misteriosos Ugha Mongulala e deu instruções a Tatunca Nara
para fazer os preparativos necessários. No entanto, estes planos foram interrompidos devido
à resistência das autoridades da província do Acre. Devido a instruções pessoais do
governador Wanderlei Dantas, Tatunca Nara foi preso. Pouco antes da sua extradição para o
Peru, os oficiais seus amigos libertaram-no da prisão de Rio Branco e tornaram a leva-lo
para Manaus. E aqui me tornei a encontrar com Tatunca Nara.
O encontro seguinte teve uma seqüência diferente. Eu tinha verificado a sua
história e comparado a fita gravada com o material dos arquivos e relatórios de
historiadores contemporâneos. Alguns pontos podiam ser explicados, mas eu ainda pensava
que muita coisa era inteiramente inacreditável, como por exemplo, as instalações
subterrâneas e o desembarque dos dois mil soldados alemães. Mas era improvável que tudo
isto fosse inventado: as datas do oficial M. e as da história de Tatunca Nara coincidiam.
No decorrer deste encontro, Tatunca Nara repetiu a história mais uma vez.
Indicou num mapa a aproximada localização de Akakor, descreveu a rota dos soldados
alemães de Marselha até o rio Purus e referiu-se a vários dos seus chefes. Desenhou vários
símbolos dos deuses que presumivelmente apareciam na Crônica de Akakor. Voltava
constantemente a estes misteriosos antepassados cuja memória ficara para sempre intacta
no seu povo. Comecei a acreditar numa história cuja incredibilidade se tornava um desafio.
Quando Tatunca Nara sugeriu que o acompanhasse a Akakor, aceitei.
Tatunca Nara, o fotógrafo brasileiro J. e eu partimos de Manaus a 25 de
Setembro de 1972. Pretendíamos alcançar a parte superior do rio Purus num barco que
alugáramos. Levávamos também uma canoa com motor de popa e utiliza-la-íamos para
alcançar a região afluente do rio Yaku, na fronteira entre o Brasil e o Peru, e depois
continuaríamos a pé pelas colinas dos Andes até Akakor. O tempo destinado à expedição
era seis semanas, contando nós, regressar nos princípios de Novembro.
O nosso carregamento era constituído por redes, mosquiteiros, utensílio de
cozinha, alimentos, as habituais roupas para a selva e remédios. Como armas levávamos
uma Winchester 44, dois revólveres, uma espingarda de caça e grandes machados.
Levávamos também equipamento para filmar, dois gravadores e máquinas fotográficas.
Os primeiros dias foram inteiramente diferentes daquilo que esperávamos: não
apareceram nem mosquitos, nem cobras-d’água, nem piranhas. O rio Purus era como um
lago que não tivesse margens. Avistávamos a selva no horizonte, com os seus mistérios
oculto atrás de uma muralha verde.
A primeira cidade que alcançamos foi Sena Madureira,última povoação antes de
se entrar nas inexploradas regiões fronteiriças entre o Brasil e Peru. Era típica de toda a
Amazônia: estradas de argila suja, cabanas desmanteladas e um cheiro desagradável de
água estagnada. Oito entre dez habitantes sofriam de beribéri, eram leprosos ou tinham
malária. Uma má nutrição crônica deixara o povo num estado de triste resignação.
Rodeadas pela brutalidade da selva e isoladas da civilização, as pessoas dependiam
sobretudo da aguardente de cana, seu único meio de escapar a uma infeliz realidade. Num
bar, dizemos adeus à civilização e encontramos um homem que presumivelmente conhece a
parte superior do rio Purus. À procura de ouro, esteve cativo dos índios Haisha, uma tribo
semi-civilizada da vizinha região do rio Yaku. O que ele nos conta é desencorajante: fala-
nos em rituais canibalescos e setas envenenadas.
A cinco de Outubro, na cachoeira Inglesa, trocamos o barco pela nossa canoa, e
de agora em diante dependemos de Tatunca Nara. Os mapas mostram muito
deficientemente o curso do rio Yaku. As tribos índias que vivem nesta região não têm
qualquer contato com a civilização branca. J. e eu tínhamos ambos uma sensação
desagradável: haverá na realidade um local chamado Akakor? Podíamos confiar em
Tatunca Nara? Mas a aventura provava ser mais forte que a nossa ansiedade.
Doze dias depois de deixarmos Manaus, a paisagem começa a modificar-se. O
rio até esse ponto parecia um mar acastanhado, sem praias. Agora navegávamos entre cipós,
sob árvores inclinadas. Depois de uma curva do rio encontramos um grupo de prospectores
que construíram uma fábrica primitiva na margem do rio e peneiravam uma areia grossa.
Aceitamos o seu convite para ali passar a noite e escutamos as suas estranhas histórias de
índios de cabelos pintados de azul encarnado que usavam setas envenenadas...
A viagem transforma-se em expedição contra as nossas próprias dúvidas.
Estamos a uns escassos dez dias da nossa suposta meta. A dieta monótona, o esforço físico
e o receio do desconhecido influíram poderosamente sobre nós. O que em Manaus parecia
uma fantástica aventura tornou-se agora num pesadelo, Basicamente, pensávamos que
gostaríamos de voltar e esquecer tudo acerca de Akakor, antes de ser demasiado tarde.
Ainda não encontramos índios. As primeiras montanhas dos Andes cobertas de
neve surgem no horizonte: atrás de nós estende-se o verde-mar das terras baixas da
Amazônia. Tatunca Nara prepara-se para voltar para seu povo. Numa estranha cerimônia,
pinta o corpo: na cara traços vermelhos, e no peito e nas pernas riscas amarelo-escuras.
Prende o cabelo atrás com uma tira de couro, que é decorada com os estranhos símbolos
dos Ugha Mongulala.
A 13 de Outubro não temos possibilidade de regresso. Depois de uma perigosa
passagem sobre as corredeiras, a canoa é apanhada por um redemoinho e vira-se. O nosso
equipamento fotográfico, que vinha em caixas, perde-se na densa floresta das margens;
metade dos nossos alimentos e remédios perderam-se também. Nesta situação
desesperadora decidimos desistir da expedição e voltar para Manaus. Tatunca Nara reage
com irritação: está impaciente e desapontado. Na manhã seguinte, J. e eu deixamos o nosso
último acampamento. Tatunca Nara, com as pinturas de guerra do seu povo, usando só um
pano a cobrir-lhe os rins, toma a estrada que o levará à sua tribo.
Este foi o meu último contato com o chefe dos Ugha Mongulala. Depois do meu
regresso ao Rio de Janeiro, em Outubro de 1972, tentei esquecer Tatunca Nara, Akakor e os
Deuses. Só no Verão de 1973 a recordação voltou: o Brasil principiara a sistemática invasão
da Amazônia. Doze mil trabalhadores construíam duas estradas através da ainda não
explorada selva, numa distância de sete mil quilômetros. Trinta mil índios tomaram os
bulldozers por antas gigantes e fugiram para a selva. Começara o último ataque a
Amazônia.
E com isto recordava as velhas lendas, tão fascinantes e míticas como antes. Em
Abril de 1973, a FUNAI descobriu uma tribo de índios brancos na parte superior do rio
Xingu, que Tatunca Nara me mencionara um ano antes. Em Maio, durante trabalhos de
reconhecimento no Pico da Neblina, os guardas de fronteira brasileiros estabeleceram
contato com índios que eram chefiados por mulheres. Estes também tinham sido descritos
por Tatunca Nara. E finalmente, em Junho de 1973, várias tribos índias foram avistadas na
região do Acre, que antes havia sido considerada “livre de índios”.
Akakor existe realmente? Talvez não seja exatamente da maneira como Tatunca
Nara a descreveu, mas a cidade é, sem dúvida alguma, real. Depois de tornar a ouvir as
gravações de Tatunca Nara decidi escrever a sua história “com boas palavras e numa escrita
clara”, como dizem os Índios. Este livro, A Crônica de Akakor, tem cinco partes. “O Livro
do Jaguar” relaciona-se com a colonização da Terra pelos Deuses e vai até o período da
segunda catástrofe mundial. “O Livro da Águia” compreende o tempo entre 6.000 e 11.000
(do seu calendário) e descreve a chegadas dos Bárbaros. O terceiro livro, “O Livro da
Formiga”, fala-nos de luta contra os colonizadores portugueses e espanhóis depois de
desembarcarem no Peru e no Brasil. O quarto e último livro, “O Livro da Serpente-
d’Água”, descreve a chegada de dois mil soldados alemães a Akakor e a sua integração no
povo dos Ugha Mongulala; também prediz uma terceira grande catástrofe. Na quinta parte,
o “Apêndice”, fiz o sumário dos resultados das minhas pesquisas nos arquivos brasileiros e
alemães.
A maior parte deste livro, a atual Crônica de Akakor, segue justamente a
narrativa de Tatunca Nara. Tentei torná-la tão literária quanto possível, mesmo quando os
fatos parecem contradizer a historiografia tradicional. Fiz o mesmo com os mapas e
desenhos baseados nas datas fornecidas por Tatunca Nara. Os escritos foram feitos por
Tatunca Nara em Manaus. Todas as subseções estão precedidas por um curto sumário da
história tradicional, para dar ao leitor uma base de comparação, mas restringem-se aos
acontecimentos mais importantes da história da América do Sul. A tábua cronológica, no
fim do livro, fornece a justaposição do calendário de Akakor com o da história tradicional.
Noutro quadro refiro-me aos nomes prováveis dados pela civilização branca às várias tribos
referidas no texto.
As citações da Crônica de Akakor impressas como suplemento foram ditas por
Tatunca Nara, que as sabia de cor. Segundo ele, a crônica atual foi escrita em madeira, em
pele e mais tarde também em pergaminho, e está guardada por sacerdotes no Templo do
Sol, a maior herança dos Ugha Mongulala. O bispo Grotti foi o único homem branco a vê-
la e trouxe com ele vários excertos. Depois da sua misteriosa morte, os documentos
desapareceram. Tatunca Nara pensa que o bispo os escondeu ou que estão guardados nos
arquivos do Vaticano.
Verifiquei o mais cuidadosamente possível todas as informações da
“Introdução” e do “Apêndice” no que diz respeito à sua veracidade. As citações dos
historiadores contemporâneos vêm de fontes materiais espanholas e traduzi-as eu próprio.
Só acrescentei as minhas próprias considerações no “Apêndice”, para auxiliar o leitor a
compreende-las melhor. Por esta razão não me baseei nas teorias que dizem respeito a
astronautas ou a seres divinos como possíveis antecessores da civilização humana. A ênfase
deste livro diz respeito à história e à civilização dos Ugha Mongulala, em contraste com a
dos Bárbaros Brancos.
Akakor existiu realmente? Há uma história escrita dos Ugha Mongulala? As
minhas próprias dúvidas obrigaram-me a dividir este livro em duas partes. Na Crônica de
Akakor só incluí os relatos de Tatunca Nara. O “Apêndice” contem o material que fui
buscar nas respectivas origens. A minha contribuição não é muita, comparada com a
história de um povo misterioso, com os Primitivos Mestres, leis divinas, instalações
subterrâneas e muitas outras coisas. Esta é uma história que pode ter tido origem numa
lenda, mas que, no entanto, pode ser confirmada. E o leitor deve ele próprio decidir se isto é
um relato inteligentemente inventado, baseado em passos de escritos inadequadamente
históricos, ou um pedaço de história verdadeira relatada “com boas palavras e numa escrita
clara”.
O LIVRO DO JAGUAR

Este é o jaguar
Poderoso é seu salto
E forte as suas patas.
É o senhor das florestas.
Todos os animais são seus súditos.
Não tolera resistência.
Destrói o desobediente
E devora-lhe a carne
I- I- O REINO DOS DEUSES

600.000 A. C. – 10.481 A. C.

O início da história da humanidade é uma questão contestada. De acordo com a


Bíblia, Deus criou o mundo em seis dias para a sua própria honra e para a honra da
humanidade. Então ele moldou o homem do pó e deu-lhe o sopro da vida. Mas de acordo
com o Popol Vuh, o Livro do Maia, o homem só surgiu na quarta criação divina, depois de
três mundos anteriores terem sido destruídos por medonhas catástrofes. A historiografia
tradicional coloca o início da história da humanidade em 600.000 a. C., e os primeiros
humanos não conheciam ferramentas nem o uso do fogo. Segue-se, cerca de 80.000 a. C., o
homem de Neandertal, que avançara extraordinariamente e conhecia o uso do fogo, tendo
desenvolvido ritos funerários. A Pré-História, a primitiva história do homem, começa em
50.000 a. C.; de acordo com achados arqueológicos, tem sido dividida em Idade da Pedra,
do Bronze e do Ferro. Durante a Idade da Pedra, o homem era caçador e pastor; caçava o
mamute, cavalos selvagens e rangíferos. Com a lenta regressão da camada de gelo,
gradualmente foi seguindo os animais que se dirigiam para o norte: a agricultura e os
animais domésticos eram-lhe ainda desconhecidos. No entanto, as suas pinturas nas paredes
dos abrigos são evidência de uma arte surpreendentemente sofisticada, baseada nos ritos de
caça mágico-religiosa. Está assente que cerca de 25.000 a. C. as primeiras tribos da Ásia
Central atravessaram o estreito de Bering em direção à América.

OS MESTRES ESTRANGEIROS DE SCHWERTA

A Crônica de Akakor, a história escrita do meu povo, começa na hora zero,


quando os Deuses nos deixaram. Nessa época, Ina, o primeiro príncipe dos Ugha
Mongulala, resolveu que tudo quanto acontecesse fosse narrado com boas palavras e numa
escrita clara. E assim, A Crônica de Akakor é testemunha perante a História do mais antigo
povo do mundo, desde o início, a hora zero, quando os Primitivos Mestres nos deixaram,
até ao momento atual, quando os Bárbaros Brancos estão a tentar destruir o nosso povo.
Explica o testamento dos Antigos Pais – o seu saber e a sua prudência. E descreve a origem
do tempo, quando o meu povo era o único do continente e o Grande Rio ainda corria de um
e de outro lado, quando o país era ainda plano e suave como o lombo de um cordeiro. Tudo
isto está escrito na crônica, a história do meu povo, desde a partida dos Deuses, a hora zero,
que corresponde ao ano de 10.481 a. C. de acordo com o calendário dos Bárbaros Brancos.

Esta é a história. Esta é a história dos Servidores Escolhidos. No início era o caos. Os
homens viviam como animais, sem razão, sem conhecimento, sem leis, e sem
trabalhar o solo, sem se vestirem, nem sequer cobrindo a sua nudez. Não conheciam
nada dos segredos da natureza. Viviam em grupos de dois e três, como o acaso os
juntava, em cavernas ou nas fendas das rochas. Caminhavam com os pés e as mãos
até a chegada dos Deuses. Eles trouxeram a luz.

Não sabemos quando tudo isto aconteceu. Donde vieram esses seres estranhos é
um tênue conhecimento. Um denso mistério envolve a origem dos Primitivos Mestres, que
nem sequer o conhecimento dos sacerdotes consegue esclarecer. De acordo com a tradição,
a época deve ter sido 3.000 anos antes da hora zero (13.481 a. C., segundo o calendário dos
Bárbaros Brancos). De repente, navios brilhantes, dourados, apareceram no céu. Enormes
línguas de fogo iluminaram a planície. A terra tremeu e o trovão ecoou sobre as colinas. O
homem baixou a cabeça em sinal de veneração, perante as poderosas e estranhas criaturas
que vinham tomar posse da Terra.
Estes estranhos indivíduos disseram que a sua pátria se chamava Schwerta, um
mundo muito distante, na profundeza do universo, onde viviam os seus antepassados e
donde eles tinham vindo com a intenção de espalhar conhecimento pelos outros mundos.
Os nossos sacerdotes dizem que era um poderoso império constituído por muitos planetas e
com inúmeros grãos de pó na estrada. Também dizem que ambos os mundos, o dos
Primitivos Mestres e a própria Terra, se encontravam de seis mil em seis mil anos. Então os
Deuses voltam.
Com a chegada dos estranhos visitantes ao nosso mundo começou a Idade do
Ouro. Cento e Trinta famílias dos Antigos Pais vieram para a Terra para libertar o homem
da escuridão. E os Deuses reconheceram-nos como seus irmãos. Instalaram as tribos
errantes; deram-lhes bons quinhões de todos os comestíveis. Trabalharam diligentemente
para ensinar ao homem as suas leis, mesmo quando o seu ensino encontrava oposição. Por
todo este labor, e por causa de tudo quanto sofreram pela humanidade e por quanto nos
trouxeram e nos esclareceram, nós veneramo-los como os iniciadores da nossa luz. E os
nossos artistas mais hábeis reproduziram imagens dos Deuses que testemunham através de
toda a eternidade a sua verdadeira grandeza e maravilhoso poder. E assim a imagem dos
Primitivos Mestres ficou descrita até aos nossos dias.
Aparentemente, esses oriundos de Schwerta não eram diferentes do homem.
Tinham uns corpos graciosos e pele branca. O seu rosto nobre era emoldurado por uma
cabeleira de um preto azulado. Uma barba espessa cobria-lhes o lábio superior e o queixo.
Tal como os homens, os Antigos Pais eram seres vulneráveis, com carne e sangue. Mas o
sinal que os distinguia decisivamente dos homens era terem seis dedos nas mãos e nos pés,
característica da sua origem divina.

Quem pode aprender a penetrar os atos dos Deuses? Quem pode aprender a
compreender os seus feitos? Seguramente, eram poderosos e incompreensíveis para os
vulgares mortais. Conheciam o curso das estrelas e as leis da natureza. Na realidade,
eram-lhes familiares as mais altas leis do universo. Cento e trinta famílias dos Antigos
Pais vieram para a Terra e trouxeram a luz.
AS TRIBOS ESCOLHIDAS

A memória dos nossos mais antigos antepassados torna-me assombrado e triste.


O meu coração pesa-me porque agora estamos sós, abandonados pelos nossos Primitivos
Mestres. Devemos-lhe a nossa força e tudo quanto sabemos. Antes de estes estranhos
vierem de Schwerta, os homens vagueavam como crianças que perderam o lar, cujos
corações não albergavam amor. Juntavam raízes, bulbos e frutos selvagens; viviam em
cavernas e buracos cavados no solo; e tinham disputas com os vizinhos por causa das peças
caçadas. Depois vieram os Deuses e estabeleceram uma nova ordem no mundo. Ensinaram
aos homens a cultivar a terra e a criar animais. Ensinaram-lhes a tecer e distribuíram lares
permanentes às famílias e aos clãs. E foi assim que as tribos se desenvolveram.

Este foi o início da luz, da vida e das tribos. Os Deuses juntaram os homens.
Deliberaram, consideraram e fizeram reuniões. Depois tomaram decisões. E entre o
povo escolheram os criados que deviam viver com eles, servos a quem legaram todo o
seu saber.

Com as famílias escolhidas os Deuses fundaram uma nova tribo, a que deram o
nome de Ugha Mongulala, que na língua dos Bárbaros Brancos significa “Tribos
Escolhidas Aliadas”. Como penhor dos seus eternos acordos, ligaram-se aos servos.
Portanto, os Ugha Mongulala parecem-se com os seus divinos antepassados mesmo ainda
hoje. São altos; o rosto é caracterizado por maçãs salientes, um nariz bem delineado e olhos
em forma de amêndoa. Tanto os homens como as mulheres têm um espesso cabelo preto-
azulado. A única diferença eram os cinco dedos dos mortais, tanto nas mãos como nos pés.
Os Ugha Mongulala são o único povo de pele branca do continente.
Se bem que os Primitivos Mestres guardassem muitos segredos, a história do
meu povo também explica a história dos Deuses. Os estranhos vindos de Schwerta
fundaram um poderoso império. Com o seu conhecimento, a sua superior sabedoria e os
seus misteriosos utensílios, foi-lhes fácil modificar a Terra de acordo com as suas próprias
idéias. Dividiram o país e construíram estradas e canais. Semearam plantas até então
desconhecidas pelo homem. Ensinaram aos nossos antepassados que um animal não é só
presa de caça, mas que também pode constituir uma posse valiosa e indispensável contra a
fome. Pacientemente, partilharam o conhecimento necessário, de modo que o homem
pudesse entrar na posse dos segredos da natureza.
Baseados nesta sabedoria, os Ugha Mongulala sobreviveram durante milênios,
apesar das horríveis catástrofes e das terríveis guerras. Como os Servos Escolhidos dos
Primitivos Mestres, determinaram a história da humanidade durante 12.453 anos, tal como
foi escrito na Crônica de Akakor:

A linhagem dos Servos Escolhidos não desapareceu. Os chamados Ugha Mongulala


sobreviveram. Muitos dos seus filhos podem ter morrido em guerras devastadoras;
medonhas catástrofes deram-se nos seus domínios. Mas a força dos Servos Escolhidos
permaneceu intacta. Eram os senhores. Eram os descendentes dos Deuses.

O IMPÉRIO DE PEDRA
A Crônica de Akakor, a história escrita do povo dos Ugha Mongulala. Só
começa depois da partida dos Primitivos Mestres, no ano zero. Nesta altura, Ina, o primeiro
príncipe dos Ugha Mongulala, ordenou que todos os acontecimentos fossem registrados
com boas palavras e numa escrita clara, e com a devida veneração pelos Primitivos
Mestres. Mas a história dos Servos Escolhidos remonta a mais tarde, à Idade do Ouro,
quando os Antigos Pais ainda governavam o Império. Desta época muito poucos
testemunhos se têm conservado. Os Deuses devem ter estabelecido um poderoso império,
onde a todas as tribos foram distribuídas tarefas. Os Ugha Mongulala atingiram o seu mais
elevado grau. Era povo de grande sabedoria, o que o tornava superior a todos os outros. No
ano zero, os Deuses legaram as suas cidades e templos às Tribos Escolhidas. Duraram doze
mil anos.
Poucos Bárbaros Brancos têm visto estes monumentos ou a cidade de Akakor,
capital do meu povo. Alguns soldados espanhóis capturados pelos Ugha Mongulala
conseguiram fugir servindo-se de passagens subterrâneas. Aventureiros e colonos brancos
que descobriram a nossa capital têm sido presos pelo meu povo.
Akakor, capital do domínio, foi construída há catorze mil anos pelos nossos
antepassados, guiados pelos Primitivos Mestres. O nome também foi dado por eles: Aka
significa “fortaleza” e Kor significa “dois”. Akakor é a segunda fortaleza. Os nossos
sacerdotes também falam na primeira fortaleza, Akanis. Erguia-se num estreito istmo na
região que é hoje o México, no local em que os dois oceanos se encontram. Akahim, a
terceira fortaleza, só é mencionada na crônica anterior ao ano 7.315. A sua historia está
intimamente ligada à de Akakor.
A nossa capital ergue-se num vale, nas montanhas, entre dois países: Peru e
Brasil. Está protegida em três lados por rochas escarpadas. Para leste, uma planície que
desce gradualmente alcança a selva de cipós da grande região da floresta. Toda a cidade é
rodeada por uma alta muralha de pedra com treze entradas. Estas são tão estreitas que só
dão entrada a uma pessoa de cada vez. A planície a leste é guardada por vigias de pedra
onde guerreiros escolhidos estão sempre vigilantes, por causa dos inimigos.
Akakor é traçada em retângulos. Duas ruas principais cruzadas dividem a cidade
em quatro partes, correspondendo aos quatro pontos universais dos nossos Deuses. O
Grande Templo do Sol e um portal de pedra cortado de um só bloco erguem-se numa vasta
praça, ao centro. O templo está voltado a leste, para o sol-nascente, e é decorado com
imagens dos nossos Primitivos Mestres. As criaturas divinas usam um bastão encimado
pela cabeça de um jaguar. A figura está coroada por um toucado de ornamentos animais. Os
trajes são enfeitados com desenhos semelhantes. Uma escrita estranha, que só pode ser
interpretada pelos nossos sacerdotes, fala da fundação da cidade. Todas as cidades de pedra
que foram construídas pelos nossos Primitivos Mestres têm um portal semelhante.
O mais impressionante edifício de Akakor é o Grande Templo do Sol. As suas
paredes exteriores não têm enfeites e são feitas com pedras engenhosamente cortadas. O
telhado do Templo é aberto de modo que os raios do sol-nascente podem alcançar um
espelho dourado que data da época dos Primitivos Mestres e está montado na frente.
Figuras de pedra de tamanho natural erguem-se de ambos os lados da entrada do templo. As
paredes interiores estão cobertas de relevos. Numa grande arca de pedra embutida na
parede fronteira do templo estão escritas as leis dos nossos Primitivos Mestres.
Contíguas ao Grande Templo do Sol, erguem-se às instalações dos sacerdotes e
dos seus criados, o palácio do príncipe e os aposentos dos guerreiros. Estes edifícios têm
forma retangular e são feitos de blocos de pedra esculpidos. Os telhados são de uma espessa
camada de relva assente em estacas de bambu.
Na época do reino dos nossos Primitivos Mestres, outras vinte e seis cidades de
pedra rodeavam Akakor, e são todas mencionadas na crônica. As maiores eram Humbaya e
Patite, na região onde hoje se estende a Bolívia, Emim, na parte baixa do Grande Rio, e
Cadira, nas montanhas da atual Venezuela. Mas todas elas foram completamente destruídas
na primeira Grande Catástrofe, treze anos após a partidas dos Deuses.
Além destas poderosas cidades, os Antigos Pais, também ergueram três
complexos sagrados: Salazere, na parte superior do Grande Rio, Tiahuanaco, no Grande
Lago e Manoa, no elevado planalto do sul. Estas eram as residências terrenas dos
Primitivos Mestres e terreno proibido para os Ugha Mongulala. No centro, elevava-se uma
gigantesca pirâmide, e uma vasta escadaria erguia-se até a plataforma, onde os Deuses
celebravam cerimônias que hoje nos são desconhecidas. O edifício principal era rodeado
por pirâmides menores interligadas por colunas, e mais adiante, em colinas criadas
artificialmente, erguiam-se outros edifícios, decorados com placas brilhantes. À luz do sol-
nascente, contam os sacerdotes, as cidades dos Deuses pareciam estar em chamas.
Irradiavam uma luz misteriosa que brilhava nas montanhas cobertas de neve.

Dos recintos do templo sagrado, só vi Salazere com os meus próprios olhos.


Fica a uma distância de oito dias de viagem da cidade que os Bárbaros Brancos chamam
Manaus, num afluente do Grande Rio. Os seus palácios e templos ficaram completamente
cobertos pela selva de cipós. Só o topo da grande pirâmide ainda se ergue acima da floresta,
coberto por uma densa mata de arbustos e árvores. Mesmo os iniciados têm dificuldade em
chegar ao local onde moravam os Deuses.O território da Tribo que Vive nas Árvores está
rodeado por profundos pântanos. Depois do primeiro contato desta tribo com os Bárbaros
Brancos, ela retirou-se para as florestas inacessíveis que rodeiam Salazere. Ali, as pessoas
vivem nas árvores como macacos, matando quem ouse invadir a sua comunidade. Só
consegui alcançar os arredores do templo por esta tribo ser, há milhares de anos, aliada dos
Ugha Mongulala, e ainda hoje respeitam os sinais secretos de reconhecimento. Estes sinais
estão gravados numa pedra na parte superior da plataforma da pirâmide. Embora possamos
copiá-los, perdemos toda a compreensão do seu significado. O cercado do templo também
se mantém um mistério para o meu povo. Os edifícios são testemunho de um elevado
conhecimento, incompreensível para os humanos Para os Deuses, as pirâmides eram não só
moradias, mas também símbolos de vida e de morte. Eram sinais do Sol, da luz e da Vida.
Os Primitivos Mestres ensinaram-nos que há um lugar entre a vida e a morte, entre a vida e
o nada, que está sujeito a um tempo diferente. Para eles, a pirâmide era o elo com a segunda
vida.

AS MORADIAS SUBTERRÂNEAS

Grande era o conhecimento dos Primitivos Mestres e grande era a sua sabedoria. A
sua visão alcançou as colinas, planícies, florestas, mares e vales. Eram seres
milagrosos. Conheciam o futuro. A verdade fora-lhes revelada. Perspicazes, eram
capazes de grandes decisões. Ergueram Akanis, Akakor e Akahim. Na verdade, os
seus trabalhos eram poderosos, como o eram os métodos que usavam para os criar: a
maneira como determinaram os quatro cantos do universo e os seus quatro lados. Os
senhores do cosmo, seres do céu e da terra, criaram quatro cantos e quatro lados do
universo.

Akakor agora está em ruínas. A grande entrada de pedra está destruída. Cipós
crescem no Grande Templo do Sol. Por minha ordem, e de acordo com o Supremo
Conselho e os sacerdotes, os guerreiros Ugha Mongulala destruíram a nossa capital há três
anos. A cidade teria traído a nossa presença perante os Bárbaros Brancos e, assim, nós
abandonamos Akakor. O meu povo fugiu para os abrigos subterrâneos. A última dádiva dos
Deuses. Temos treze cidades, profundamente ocultas nas montanhas que se chamam Andes.
O seu plano corresponde à constelação de Schwerta, a pátria dos Antigos Pais. A Baixa
Akakor fica no centro. A cidade fica assentada numa caverna gigantesca feita pelo homem.
As casas, ordenadas em círculo e contornadas por uma muralha decorativa, têm no centro o
Grande Templo do Sol. Tal como na parte superior de Akakor, a cidade está dividida por
duas ruas em cruz, que correspondem aos quatro cantos e aos quatro lados do universo.
Todas as estradas lhes são paralelas. O maior edifício é o Grande Templo do Sol, com torres
que sobem além dos edifícios onde estão instalados os sacerdotes e os seus criados, do
palácio do príncipe, das instalações dos guerreiros e das mais modestas casas do povo. No
interior do templo há doze entradas para os túneis que ligam a Baixa Akakor com outras
cidades subterrâneas. Têm paredes inclinadas e um teto liso. Os túneis são suficientemente
largos para comportar cinco homens lado a lado. Qualquer das outras cidades fica a grande
distância de Akakor.
Doze das cidades – Akakor, Budo, Kish, Boda, Gudi, Tanum, Sanga, Rino, Kos,
Amam, Tata e Sikon – são iluminadas artificialmente. A luz altera-se de acordo com o
brilho do Sol. Só Mu, a décima terceira e a menor das cidades, tem altas colunas, que
atingem a superfície. Um enorme espelho de prata espalha a luz do Sol sobre toda a cidade.
Todas as cidades subterrâneas são cruzadas por canais que trazem água das montanhas.
Pequenos afluentes fornecem edifícios individuais e casas. As entradas na superfície estão
cuidadosamente disfarçadas. Em caso de emergência, os subterrâneos podem ser desligados
do mundo exterior por grandes rochas móveis que servem de portões.
Nada sabemos da construção da Baixa Akakor. A sua história perdeu-se na
escuridão do mais remoto passado. Mesmo os soldados alemães que viveram com o meu
povo não conseguiram esclarecer este mistério. Durante anos mediram os subterrâneos dos
Deuses, exploraram o sistema de túneis e procuraram o sistema de respiro, mas sem terem o
mínimo êxito. Os nossos Primitivos Mestres construíram as habitações subterrâneas de
acordo com os seus próprios planos e leis, que nos são desconhecidos.
Daqui governavam o seu vasto império, um império de 362.000.000 de
indivíduos, tal como se afirma na Crônica de Akakor:

E os Deuses governaram Akakor. Governaram sobre os homens e sobre a Terra.


Tinham navios mais rápidos que o vôo das aves, navios que atingiam os pontos a que
se destinavam sem velas nem remos, tanto de dia como de noite. Tinham pedras
mágicas por onde viam a distância, de modo que podiam ver cidades, rios, colinas, e
lagos. Tudo quanto acontecia na Terra e no Céu se refletiam nessas pedras. Mas as
habitações subterrâneas eram as mais maravilhosas. E os Deuses deram-nas aos seus
Servos Escolhidos como última dádiva. Para os Primitivos Mestres são do mesmo
sangue e têm o mesmo pai.

Durante milhares de anos, as habitações subterrâneas protegeram os Ugha


Mongulala dos seus inimigos e suportaram duas catástrofes. Os ataques das tribos
selvagens não tinham êxito contra os seus portões. No interior, os últimos homens da minha
raça esperam a vinda dos Bárbaros Brancos, que avançam pelo Grande Rio, num número
infinito, tal como formigas. Os nossos sacerdotes profetizaram que em última análise
descobrirão Akakor e que nela encontrarão a sua própria imagem. Então o circulo fechar-
se-á.

II - A HORA ZERO

10.481 A. C. – 10.468 A. C.
O velho épico hindu Mahabharata conta como os Deuses e os Titãs lutaram para
ter o domínio da Terra. De acordo com Platão, o lendário império da Atlântida atingiu o seu
ponto mais elevado neste período. O cientista germano-boliviano Posnansky acredita na
existência de um enorme império na região da cidade boliviana, agora em ruínas, de
Tiahuanaco. Segundo a opinião de alguns historiadores e etnólogos, as principais divisões
raciais do Homo sapiens da última época glacial desenvolveram-se cerca de 13.000 a. C.:
Mongóis na Ásia, Negros na África e Caucasianos na Europa. As principais fixações no
continente europeu encontram-se nas regiões costeiras. As descobertas arqueológicas de
Altamira e da Amazônia confirmam pela primeira vez a existência de humanos no
continente sul-americano.

A PARTIDA DOS PRIMITIVOS MESTRES

A história do meu povo, registrada na Crônica de Akakor, aproxima-se do seu


fim. Os sacerdotes afirmam que dentro em pouco se passará o tempo; pouco mais temos
que alguns meses. Então o destino dos Ugha Mongulala será cumprido. E quando vejo o
desespero e a miséria do meu povo não posso deixar de acreditar nestas profecias. Os
Bárbaros Brancos estão penetrando cada vez mais no nosso território. Vieram do leste e do
oeste como um fogo assoprado por um forte vento e espalharam um manto de escuridão
sobre o país, para o poderem dominar. Mas se os Bárbaros Brancos pensassem, chegariam à
conclusão de que não podemos apoderar-nos do que não nos pertence. Então
compreenderiam que os Deuses nos deram uma grande mansão para a partilharmos e a
gozarmos. Mas os Bárbaros Brancos querem ter tudo só para si. Os seus corações são
duros, não se comovem, mesmo quando realizam as mais terríveis ações. Assim, nós, os
Índios, temos de nos afastar, e ter esperança de que os nossos Primitivos Mestres possam
um dia voltar, tal como está escrito , com boas palavras e numa escrita clara:

No dia em que os Deuses abandonaram a Terra chamaram Ina. Deixaram a sua


herança ao servo de maior confiança: “Ina, vamo-nos embora para os nossos lares.
Ensinamos-te sabedoria e demos-te bons conselhos. Voltamos para junto dos que são
iguais a nós. Vamos para casa. O nosso trabalho está feito. Os nossos dias de viver
aqui, acabados. Conserva-nos na tua memória e não nos esqueças. Porque somos
irmãos do mesmo sangue e temos o mesmo pai. Voltaremos quando estiverdes
ameaçados. Mas agora fique com as Tribos Escolhidas. Levem-nas para as moradias
subterrâneas, para as proteger da catástrofe que se aproxima”. Estas foram as suas
palavras. Isso foi o que eles disseram quando se despediram. E Ina viu como os
navios os levavam para o céu, com fogo e trovões. Desapareceram por cima das
montanhas de Akakor, e só Ina os viu partir. Mas os Deuses deixaram atrás de si um
rastro de sabedoria e bom senso. Eram considerados e venerados como se fossem
sagrados. Eram um sinal dos Antigos Pais. E Ina reuniu os mais velhos do seu povo
num Conselho e disseram-lhes quais tinham sido as últimas instruções dos Deuses. E
ordenou uma nova contagem do tempo para comemorar a partida dos Primitivos
Mestres. Esta é a história escrita dos Servos Escolhidos, A Crônica de Akakor.
Na hora zero (10.481 a. C., segundo o calendário dos Bárbaros Brancos) os
Deuses deixaram a Terra. Deram o sinal de um novo capítulo na história do meu povo. Mas
nessa época nem sequer Ina, seu mais leal servo e primeiro príncipe dos Ugha Mongulala,
previa os terríveis acontecimentos que se sucederiam. O Povo Escolhido estava angustiado
com a partida dos Primitivos Mestres e atormentado pelo desalento e pela angústia.

Só a imagem dos Deuses ficou nos corações dos Servos Escolhidos. Com olhos
ardentes, perscrutavam o céu, mas os navios dourados não voltavam. Os céus
mantinham-se vazios – nem a mínima brisa, nem qualquer som. O céu conservava-se
desabitado.

A LINGUAGEM DOS DEUSES

Na língua dos Bárbaros Brancos, Ugha significa “aliado”, “partidário”; Mongu


significa “escolhido”, “exaltado”, e Lala significa “tribos”. Os Ugha Mongulala são as
Tribos Escolhidas Aliadas. Uma nova era iniciou-se para eles depois da partida dos
Primitivos Mestres. Os Deuses superiores já não governam o seu império, cujos limites
ficavam a muitas luas de distância. Os Ugha Mongulala governavam entre dois oceanos, ao
longo do Grande Rio, até as baixas colinas do norte, e mais além, na extensão das planícies
do sul. Os 2.000.000 que compreendem as Tribos Escolhidas governaram um império de
362.000.000 de pessoas, desde que os Primitivos Mestres dominaram as outras tribos no
decorrer dos séculos. Os Ugha Mongulala governaram vinte e seis cidades, muitas
fortificações poderosas e as habitações subterrâneas dos Deuses. Só três complexos de
templos – Salazere, Manoa e Tiahuanaco – ficavam de fora da sua jurisdição, por explícitas
instruções dos Antigos Pais. Ina, o primeiro príncipe dos Ugha Mongulala, tinha a seu
cargo enormes tarefas.
Conheço poucos pormenores acerca do período que se seguiu à partida dos
Primitivos Mestres. A primeira Grande Catástrofe estende-se como um véu sobre os
acontecimentos dos primeiros treze anos da história do meu povo. De acordo com os
sacerdotes, Ina governou o maior império que jamais existiu. Este era chefiado pelos Ugha
Mongulala, que faziam com que as suas leis fossem obedecidas. Os seus guerreiros
protegiam as fronteiras dos ataques das tribos selvagens. 362.000.000 de aliados prestavam-
lhes vassalagem, mas depois da primeira Grande Catástrofe revoltaram-se contra as leis dos
Ugha Mongulala. Rejeitaram os legados dos Deuses e dentro em pouco esqueciam a sua
língua e a sua escrita. Degeneraram.
O quíchua, como os Bárbaros Brancos chamam à nossa língua, consta de
simples e boas palavras, que são suficientes para descrever todos os mistérios da natureza.
Nem sequer os Incas conhecem a escrita dos Deuses. Há mil e quatrocentos símbolos, que
têm diferentes significados, segundo a sua seqüência. Os sinais mais importantes traduzem
a vida e a morte, representadas pelo pão e pela água. Todos os inícios da crônica começam
e acabam com estes símbolos. Depois da chegada dos soldados alemães, em 1942, de
acordo com o calendário dos Bárbaros Brancos, os sacerdotes começaram a registrar os
acontecimentos também na escrita das Tribos Aliadas. Língua, serviço da comunidade,
veneração pelas pessoas idosas e respeito pelo príncipe são as coisas mais importantes
documentadas anteriormente a primeira Grande Catástrofe. São evidência de fato, nos dez
mil anos da sua história, o meu povo ter só uma finalidade: preservar o legado dos
Primitivos Mestres.

SINAIS LUMINOSOS NO CÉU

Houve estranhos sinais no céu. A penumbra cobriu a face da Terra. O Sol ainda
brilhava, mas havia uma névoa cinzenta, grande e intensa, que começava a esconder a
luz do dia. Estranhos sinais viam-se no céu. As estrelas eram como tristes pedras.
Uma neblina venenosa cobria as colinas. Um fogo malcheiroso pendurava-se nas
árvores. Um Sol vermelho. Um caminho cruzado sobrepunha-se. Negro, vermelho,
todos os quatro cantos do mundo estavam vermelhos.

A primeira Grande Catástrofe alterou a vida do meu povo e a face do mundo.


Ninguém pode imaginar o que aconteceu naquela época, treze anos depois da partida dos
Primitivos Mestres. A catástrofe foi enorme, e a nossa crônica relata-a com terror:

Os Servos Escolhidos ficaram temerosos e aterrorizados. Já não viam o Sol, a Lua ou


as estrelas. A confusão e a escuridão reinavam por toda à parte. Estranhas imagens
passavam sobre as suas cabeças. Do céu caia resina, e ao entardecer os homens
desesperavam em busca de comida. Matavam os seus próprios irmãos. Esqueceram o
testamento dos Deuses. Começara a era do sangue.

O que aconteceu nesta época, quando os Deuses nos deixaram? Quem foi o
responsável que fez regredir o meu povo ao abatimento durante seis mil anos? Uma vez
mais, os nossos sacerdotes podem interpretar os acontecimentos devastadores. Dizem que
no período antes da hora zero existiu também outra nação de deuses que eram hostis aos
nossos Primitivos Mestres. De acordo com as imagens do Grande Templo do Sol de
Akakor, as estranhas criaturas pareciam-se com humanos. Tinham muito cabelo e uma pele
avermelhada. Tal como os homens, tinham cinco dedos nas mãos e nos pés. Mas dos
ombros saiam-lhes cabeças de serpentes, tigres, falcões e outros animais. Os nossos
sacerdotes dizem que estes deuses também governaram um enorme império. Também
possuíam o conhecimento que os tornava superiores aos homens e iguais aos Primitivos
Mestres. As duas raças de deuses que estão representadas nas imagens do Grande Templo
do Sol de Akakor começaram a guerrear-se. Queimaram o mundo com calor solar, e cada
um tentou tirar ao outro o seu poderio. Iniciou-se uma tremenda guerra entre os planetas e
esta guerra levou o meu povo à perdição. No entanto, pela primeira vez, a providência dos
Deuses salvou os Ugha Mongulala . Recordando as últimas palavras dos nossos Primeiros
Mestres, que anunciavam a catástrofe, Ina comandou a retirada para as moradias
subterrâneas.

Reuniram-se os mais velhos do povo. Obedeceram às ordens de Ina. “Como


poderemos nos proteger? Os sinais estão cheios de ameaças”, diziam eles. “Vamos
seguir as ordens dos Deuses e albergar-nos nos abrigos subterrâneos. As nossas idéias
não serão suficientes para toda uma nação? Nenhum de nós deve faltar”. Foi assim
que eles falaram. Foi assim que eles decidiram. E a multidão reuniu-se. Atravessaram
as águas. Desceram as ravinas e cruzaram-nas. Chegaram ao fim, onde as quatro
estradas se cruzam, na moradia dos Primitivos Mestres, protegidos no interior das
montanhas.

Isto é uma história contada pela Crônica de Akakor. E assim se cumpriu a


ordem de Ina. Com confiança na promessa dos Primitivos Mestres, o povo de Ugha
Mongulala mudou-se para a Baixa Akakor, para se proteger da iminente catástrofe. Aqui
ficaram eles até a Terra se aquietar, tal como uma ave se esconde atrás de uma rocha
quando a tempestade se aproxima. Os Ugha Mongulala estavam salvos da catástrofe porque
haviam confiado nos Antigos Pais.

A PRIMEIRA GRANDE CATÁSTROFE

O ano 13 (10.468 a. C., segundo o calendário dos Bárbaros Brancos) é um ano


fatídico na história do meu povo. Depois de se terem refugiado nos subterrâneos, a Terra foi
atingida pela maior catástrofe de que há memória. Excedeu mesmo a segunda Grande
Catástrofe, seis mil anos mais tarde, quando as águas do Grande Rio inundaram a região. A
primeira Grande Catástrofe destruiu o império dos nossos Primitivos Mestres e matou
milhares de pessoas.

Isto é o relato de como os homens morreram. O que aconteceu à Terra? Quem a fez
tremer? Quem fez dançar as estrelas? Quem fez as águas brotarem das rochas?
Numerosos eram os flagelos que atingiam os homem. Estava sujeito a várias
calamidades. Estava terrivelmente frio e um vento gelado soprava sobre a Terra.
Estava excessivamente quente e a própria respiração das pessoas queimava-as.
Homens e animais fugiam em pânico. Desesperados, corriam de um lado para o outro.
Tentavam trepar nas árvores, mas as árvores repeliam-nos. Tentavam alcançar as
cavernas. Contudo, estas abatim-se e sepultavam-nos. O chão tornava-se teto, e o teto
desaparecia nas profundidades. O som e a fúria dos Deuses não se acalmavam. Até os
abrigos subterrâneos começaram a tremer.

A primeira referência da forma do continente antes da primeira Grande


Catástrofe reporta-se à partida dos Primitivos Mestres. Depois desse tempo, diferia
consideravelmente da sua forma atual. Era muito mais fria e a chuva caía regularmente. Os
períodos de seca e de chuva eram mais distintos uns dos outros. Ainda não havia grandes
florestas. O Grande Rio era menor e desaguava em ambos os oceanos. Os afluentes
ligavam-no ao lago gigante, onde os Deuses erigiram o templo de Tiahuanaco, na costa sul.
A primeira Grande Catástrofe remodelou a face da Terra. O curso dos rios foi
alterado e a altura das montanhas e a força do Sol modificaram-se. Os continentes ficaram
inundados. As águas do grande Lago voltaram ao oceano. O Grande Rio foi cortado por
uma nova montanha e agora corre apressadamente para leste. Enormes florestas surgiram
nas suas margens. Um calor úmido espalhou-se pelas regiões orientais do império. A oeste,
onde se ergueram montanhas gigantescas, as pessoas gelavam no tremendo frio das
altitudes. A Grande Catástrofe causara tremendas devastações, tal como fora predito pelos
Primitivos Mestres.
E a mesma coisa acontecerá na futura catástrofe, que os nossos sacerdotes
calcularam de acordo com a rota das estrelas. Porque a história da humanidade cumpre-se
segundo rotas preestabelecidas: tudo se repete, tudo volta num ciclo que dura seis mil anos.
Os nossos Primitivos Mestres ensinaram-nos esta lei. Passaram-se seis mil anos desde a
última Grande Catástrofe e seis mil anos se passaram desde que os nossos Primitivos
Mestres nos deixaram pela segunda vez. Mais uma vez apareceram nos céus sinais
ominosos. Os animais fogem em pânico. Surgem guerras. As leis são desrespeitadas.
Enquanto os Bárbaros Brancos, por pura arrogância, destroem o elo entre a natureza e o
homem, aproxima-se o cumprimento do destinado. Eles sabem-no e esperam com
resignação. Porque acreditam no legado dos seus Primitivos Mestres. Com a imagem dos
Deuses no coração, seguem-lhes as pegadas. Seguem os que são do mesmo sangue e tem o
mesmo pai.

III- A ERA DA ESCURIDÃO

10.468 A. C. – 3.166 A. C.

O cientista germano-boliviano Posnansky calcula que Tiahuanaco foi destruída


cerca de 10.000 a. C. Os geólogos referem-se às extraordinárias modificações de clima que
podem ter sido causadas pela deslocação do eixo da Terra. A Época Neolítica, que começou
por volta de 5.000 a. C., viu importantes inovações culturais, acrescentadas por
transformações econômicas de longo alcance: a transição para a agricultura e para os
sistemas econômicos produtivos. O homem neolítico cultivava cereais selvagens e criava
carneiros, cabras e porcos. Instalaram-se grandes famílias em aldeias e mais tarde em
cidades fortificadas. Entre 8.000 e 6.000 a. C., Jericó foi considerada como estágio
preliminar das altas civilizações urbanas, embora os egiptólogos suspeitem de uma cultura
mais antiga no vale do Nilo. Descobertas arqueológicas em Eridu e Uruk referem-se aos
primeiros edifícios sagrados. Encontraram-se as primitivas placas de argila. Palavras e
sinais fonéticos substituíram a primitiva escrita pictórica. Em todas as civilizações se
observa um considerável cuidado com os mortos. Vários dilúvios e catastróficas erupções
vulcânicas, provavelmente cerca de 3.000 a. C., são descritos na Bíblia como o Grande
Dilúvio. A América do Sul continua a ser colonizada por vagas de imigrantes vindos da
Ásia.

O COLAPSO DO IMPÉRIO

Verdadeiramente, os Bárbaros Brancos são um povo poderoso. Governam o céu


e a terra e são ao mesmo tempo ave, verme e cavalo. Pensam que estão vendo a luz, mas,
no entanto, vivem na escuridão e no mal. E o pior é que negam o seu próprio Deus e lutam
eles próprios serem deuses e para nos fazer acreditar que governam o mundo. Mas os
Deuses são ainda maiores e mais poderosos que todos os Bárbaros Brancos juntos. Ainda
são eles que decidem quem, entre nós, deve morrer e quando. Tranqüilidade, sol, água e
fogo servem-nos primeiro. Porque os Deuses não permitem que descubram os seus
segredos. Os nossos sacerdotes dizem que farão um julgamento que libertará os Bárbaros
Brancos do fardo dos seus erros. Cairá uma chuva contínua que, lavando, tirará toda a
escuridão dos seus corações. As águas subirão cada vez mais e lavarão a maldade e a
ambição do poder e da riqueza. Tal como acontecera já há mil anos, tudo isto foi registrado
na crônica com boas palavras e numa escrita clara:

Três luas passaram e três vezes três luas. Então as águas dividiram-se. A Terra
acalmou de novo. As correntes seguiram diferentes cursos. Perderam-se por entre as
colinas. Altas montanhas se ergueram em direção ao Sol. A Terra modificou-se
quando os Servos Escolhidos deixaram as moradias subterrâneas, e grande foi a sua
mágoa. Ergueram o rosto para o céu. Os seus olhos procuraram as planícies, os rios e
os lagos. A verdade era terrível; a destruição medonha. E Ina reuniu o Conselho dos
Velhos. As Tribos Escolhidas juntaram dádivas: jóias, mel das abelhas e incenso. E
sacrificaram-nos para fazer com que os Deuses voltassem à Terra. Mas o céu
manteve-se vazio. A era do jaguar começara: época de sangue quando tudo foi
destruído. Assim foi separado o elo entre os Primitivos Mestres e os seus servos. E
principiou uma nova vida.

Os anos de sangue, o período entre o ano 13 e o ano 7315, é a mais escura época
na história do meu povo. A Crônica de Akakor não se refere a estes acontecimentos.
Durante milhares de anos não há registros de qualquer espécie. A transmissão oral também
é pobre e entremeada com escuras profecias.

Foi uma época medonha. O selvagem jaguar veio e devorou carne humana.
Esmigalhou os ossos dos Servos Escolhidos. Arrancou as cabeças dos seus servos. A
escuridão envolveu a Terra.

Depois da primeira Grande Catástrofe, o império ficou numa situação


desesperadora. As moradias subterrâneas agüentaram os terríveis desmoronamentos e
nenhuma das treze cidades foi destruída, mas muitas das vias que ligavam os limites do
império ficaram bloqueadas. A sua misteriosa luz extinguira-se como uma vela assoprada
pelo vento. As vinte e seis cidades foram destruídas por uma tremenda inundação. Os
recintos dos templos sagrados de Salazere, Tiahuanaco e Manoa ficaram em ruínas,
destruídos pela terrível fúria dos Deuses. As patrulhas enviadas trouxeram a notícia de que
muito pouco das Tribos Aliadas haviam sobrevivido à catástrofe. Obrigados pela fome,
abandonaram as suas velhas instalações e penetraram no território dos Ugha Mongulala,
trazendo atrás de si a morte e a perdição. Desespero, desânimo e miséria espalharam-se por
todo o império. Travaram-se renhidos combates nas últimas regiões férteis. O domínio das
Tribos Escolhidas chegara ao fim.

Este foi o início do inglório fim do império. Os homens haviam perdido a razão.
Andavam nos campos com as mãos pelo chão. Tremiam de medo e terror. Estavam
abatidos. Tinham o espírito confuso. Atacavam-se uns aos outros como animais.
Matavam o seu vizinho e comiam-lhe a carne. Na verdade, foram épocas horríveis.
O terrível período entre a primeira e a segunda Grande Catástrofe, de 10.468
a.C. a 3.166 a. C., segundo o calendário dos Bárbaros Brancos, trouxe o meu povo até a
beira da extinção. Tribos degeneradas que haviam sido aliadas dos Ugha Mongulala antes
da primeira Grande Catástrofe fundaram os seus próprios impérios. Derrotaram os exércitos
dos Ugha Mongulala e fizeram-nos recuar até as portas de Akakor no nosso ano de 4.130.

As tribos dos Degenerados formaram uma aliança. Disseram: “Como podemos nós
tratar com os nossos primitivos chefes? Na verdade, eles ainda são poderosos”. De
modo que se reuniram em conselho. “Façamos uma emboscada e matemo-los. Não
somos mais numerosos? Não somos mais que suficientes para os vencer?” E todas a
tribos se armaram. Juntaram-se em grande número. A massa dos seus guerreiros
estendeu-se mais longe do que os olhos podiam alcançar. Queriam tomar Akakor de
assalto. Marcharam em formação para matar o príncipe Uma. Mas os Servos
Escolhidos tinham-se preparado Mantiveram-se no cume da montanha. O nome da
montanha era Akai. Todas as Tribos Escolhidas se haviam reunido junto de Uma
quando os Degenerados se aproximaram. Vinham gritando, com arcos e setas.
Cantavam canções de guerra. Berravam e assobiavam metendo os dedos na boca. E
assim precipitavam-se contra Akakor.

Neste ponto A Crônica de Akakor é imprecisa. Os nossos sacerdotes contam que


os Ugha Mongulala perderam a batalha e Uma morreu. Os sobreviventes retiraram para as
suas habitações subterrâneas. A derrota na montanha de Akai representa o ponto mais baixo
da infelicidade do meu povo. Tal como os Bárbaros Brancos, que negam os Deuses e se
consideram para além das leis, os Ugha Mongulala arrastaram-se cada vez mais na
humilhação. Confundidos com este incompreensível acontecimento, começaram a adorar
árvores e rochas, até mesmo a sacrificar animais e seres humanos. Cometeram então o mais
vergonhoso crime dos dez mil anos da história do meu povo.
E eis como aconteceu. Quando Uma foi morto na batalha contra as Tribos
Degeneradas, o grande-sacerdote recusou que o seu filho Hanan entrasse nos secretos
recintos dos Deuses e sem o respeito devido aos Antigos Pais, começou a governar o povo
como considerou melhor. Estávamos no ponto máximo da era do sangue, época em que era
chefe o selvagem jaguar.
Porque sofreu o meu povo estes crimes? Porque é que os mais velhos toleraram
a má conduta do grande-sacerdote? Só há uma explicação. Depois da partida dos Deuses, só
certas pessoas tinham consciência da sabedoria dos Primitivos Mestres. Os sacerdotes já
não transmitiam os seus conhecimentos. Ensinavam a história dos Antigos Pais só aos de
grande confiança. O seu poder tornava-se maior à medida que desaparecia o seu sagrado
legado. Dentro em pouco só eles se sentiam responsáveis pelos acontecimentos da terra e
do céu. Durante milhares de anos, os sacerdotes governaram onipotentes os Ugha
Mongulala. Isto é o que contam os nossos antepassados. E deve ser verdade, porque só a
verdade se mantém através do tempo na memória do homem.

A SEGUNDA GRANDE CATÁSTROFE


Terrível é a história. Terrível é a verdade. Os Servos Escolhidos ainda viviam nas
habitações dos Deuses – seis, mil anos. O sagrado legado havia sido esquecido. A sua
escrita tornara-se ilegível. Os seus servos tinham traído o combinado com os Deuses.
Viviam para além de todas as fronteiras como animais da floresta Andavam com as
mãos e os pés no chão. Cometiam-se crimes à luz do dia. E os Deuses sentiam-se com
estas atitudes. Os seus corações enchiam-se de tristeza devido à maldade do homem.
E disseram: “Castigaremos o povo. Arrancá-lo-emos da terra - homens e gado, vermes
e pássaros do céu – porque desprezaram o nosso legado”. E os Deuses começaram a
destruir o povo. Enviaram uma poderosa estrela, cuja cauda vermelha cobria todo o
céu. E enviaram fogo mais vivo que um milhar de sóis. O grande julgamento
começou. Durante treze luas caiu chuva. As águas do oceano subiram. Os rios corriam
às avessas. O Grande Rio transformou-se num imenso lago. E o povo foi destruído.
Todos morreram afogados no terrível dilúvio

Os Ugha Mongulala sobreviveram à segunda Grande Catástrofe da história da


humanidade. Protegidos nas habitações subterrâneas dos seus Primitivos Mestres,
observando a destruição da Terra com temor. Enquanto os Servos Escolhidos sabiam que
estavam inocentes da primeira Grande Catástrofe, agora se acusavam como responsáveis
pelo segundo terrível acontecimento. Surgiram lutas e querelas. Rompeu uma guerra civil
na Baixa Akakor, que levaria o meu povo à extinção se não tivesse acontecido o que desde
há muito era previsto pelos sacerdotes. Quando a necessidade era premente, os Primitivos
Mestres voltaram.
E o seu regresso abre um novo capítulo na história dos Ugha Mongulala, o
segundo livro da Crônica de Akakor. O primeiro livro acaba com os feitos de Madus, um
corajoso guerreiro dos Ugha Mongulala, que, mesmo nos momentos mais difíceis, não
perdera a fé no legado dos Deuses, tal como se escreve na crônica.

Madus atreveu-se a seguir a estrada que leva à superfície da Terra. Sem recear nem
tempestades nem água, ele continua o seu caminho. Olha com tristeza o país
devastado. Não via nem pessoas nem plantas – só animais e aves assustadas que
voavam sobre o infinito lençol de água, até que cansadas caíam. Isto viu Madus. E
ficava ao mesmo tempo triste e irritado. Arrancou tocos de árvores do solo inundado.
Juntou madeira flutuante. Construiu uma jangada para auxiliar os animais. Arranjou
um casal de cada dois jaguares, duas serpentes, duas antas e dois falcões. E as águas
que subiam elevavam mais a jangada para as montanhas, no cume do monte Akai, a
montanha de destino das Tribos Escolhidas. Aqui, Madus deixou os animais irem para
a terra e os pássaros voarem. E quando, depois de treze luas, as águas baixaram e o
sol desfez as nuvens, voltou para Akakor e narrou o fim da terrível era do sangue.
O LIVRO DA ÁGUIA

Esta é a águia.
Poderosas são as suas asas
E poderosas as suas garras.
Os seus olhos
Olham imperiosamente sobre a Terra.
Está acima do homem.
Não pode ser
Nem vencida nem morta.
Durante treze dias ergue-se no céu,
E durante treze dias
Voa ao encontro do sol-nascente.
É verdadeiramente sublime.

I – O REGRESSO DOS DEUSES

3.166 A. C. – 2.981 A. C.

O calendário maia começa em 3.113 a. C. e termina em 24 de Dezembro de


2.011 d. C. A historiografia tradicional coloca o início dos acontecimentos históricos cerca
de 3.000 a. C. O período que vai até às migrações germânicas (375 d. C .) é antiguidade,
começando com o aparecimento de altas civilizações nos oásis do Baixo Nilo e entre o
Eufrates e o Tigre, onde o homem se desenvolve na existência histórica. Os pontos altos da
história oriental são marcados por grandes impérios que governavam empregando a força
agressiva dos monarcas. A vida espiritual limitava-se à religião organizada. O Oriente é o
berço da escrita, do serviço civil e de uma tecnologia espantosamente eficiente. Entretanto,
o homem da Europa e da Ásia conserva-se no nível neolítico. Sugerem-se datas diferentes
para o início das civilizações americanas. O explorador inglês Niven assegura que os
primeiros estabelecimentos urbanos dos antepassados astecas foram fundados cerca de
3.500 a. C.Na opinião do arqueólogo peruano Daniel Ruiz, a misteriosa cidade em ruínas de
Machu Picchu, nos Andes, foi fundada antes da catástrofe universal que na Bíblia é descrita
como o Dilúvio. A historiografia tradicional rejeita ambas as datas.

LHASA, O EXALTADO FILHO DOS DEUSES


A Crônica de Akakor, a história escrita do meu povo desde a hora zero até o ano
12.453, é o nosso maior tesouro. Contém toda a sabedoria dos Ugha Mongulala, escrita na
velha língua dos nossos Antigos Pais, Registra o legado dos Primitivos Mestres, que
moldaram a vida do meu povo durante mais de dez mil anos. Contém os segredos das
Tribos Escolhidas e também corrige a história dos Bárbaros Brancos. Porque A Crônica de
Akakor descreve o erguer e o declínio de um povo escolhido pelos Deuses até ao fim do
mundo, quando, depois de uma terceira catástrofe, for destruído o povo. Assim está escrito,
assim foi registrado, com boas palavras e numa escrita clara.

A penumbra ainda envolve a face da Terra. O Sol e a Lua estavam velados. Então as
naves apareceram no céu, poderosas e douradas. Grande foi a alegria dos Servos
Escolhidos. Os Primitivos Mestres estavam de volta. Desceram à Terra com rostos
brilhantes. E o Povo Escolhido trouxe as suas dádivas: penas das grandes aves da
floresta, mel das abelhas, incenso e frutos. Os Servos Escolhidos colocaram estas
dádivas aos pés dos Deuses e dançaram com o rosto voltado para leste, para o sol-
nascente. Dançavam com lágrimas de alegria nos olhos, porque os Primitivos Mestres
tinham voltado. E os animais regozijavam-se também. Todos, desde o mais humilde,
se ergueram nos vales e olharam espantados para os Antigos Pais. Mas não restava
muita gente. Os Deuses haviam morto a maioria como castigo da sua maneira de
proceder. Poucos estavam ainda vivos para saudar os Primitivos Mestres com todo o
respeito.

No ano de 7.315 (3.166 a. C.) os Deuses, que tão ansiosamente tinham sido
esperados pelo meu povo, voltaram à Terra. Os Primitivos Mestres das Tribos Escolhidas
voltaram a Akakor e retomaram o poder. Mas só alguns navios alcançaram a nossa capital e
os Deuses ficaram com os Ugha Mongulala só durante três meses. Depois, novamente
abandonaram a terra. Só os irmãos Lhasa e Samon não voltaram para a pátria dos Antigos
Pais. Lhasa instalou-se em Akakor; Samon dirigiu-se para leste e fundou o seu próprio
império.
Lhasa, o Exaltado Filho dos Deuses, tomou o poder de um império devastado.
Dos 362.000.000 que tinham vivido na Era do Ouro, só 20.000.000 sobreviveram à
segunda Grande Catástrofe. Povoados e cidades estavam em ruínas. Hordas de tribos
degeneradas cruzavam as fronteiras. A guerra alastrava por todo o país. O legado dos
Deuses fora esquecido. Lhasa reconstruiu o velho império. Como proteção contra as tribos
inimigas que avançavam, mandou construir grandes fortalezas. Por sua ordem, os Ugha
Mongulala ergueram altas muralhas ao longo do Grande Rio e fortificaram-nas com largas
paliçadas de madeira. Aos guerreiros escolhidos foi dada a tarefa de guardar a nova
fronteira e avisar Akakor da aproximação das tribos inimigas. No sul do país chamado
Bolívia, Lhasa ergueu as bases de Mano, Samoa e Kin. Eram constituídas por treze
edifícios rodeados de muralhas segundo os moldes dos complexos templos dos nossos
Antigos Pais. Uma pirâmide com uma escadaria na frente, um telhado inclinado e duas
salas abobadadas, uma no interior, outra no exterior, dominavam a área circundante. Lhasa
instalou as Tribos Aliadas na vizinhança das três fortalezas. Estava sob o comando do
príncipe de Akakor e sujeitas à obediência de guerra.
Por milhares de anos, havia uma nação que confinava com a fronteira oeste do
império e com a qual os Ugha Mongulala sempre mantiveram uma especial amizade. Esta
nação, os Incas, conheciam a língua e a escrita dos Primitivos Mestres. Os seus sacerdotes
também sabiam do legado dos Deuses, No fim da segunda Grande Catástrofe, esta tribo
mudou-se para as montanhas do Peru e fundou o seu próprio império. Lhasa, preocupado
com a segurança de Akakor, mandou edificar uma fortaleza na fronteira oeste e deu ordens
para a edificação de Machu Picchu, uma nova cidade de templos num grande vale dos
Andes.

O suor perlava as testa dos carregadores. As montanhas estavam tintas de vermelho


com o seu sangue. Assim, chamaram à montanha a “montanha do Sangue”. Mas
Lhasa não lhes deu alívio. A nação dos Servos Escolhidos penitenciou-se da traição
dos seus antepassados. E assim se passavam os dias. O Sol nascia e punha-se. Vinham
as chuvas e o frio. Os lamentos dos Servos Escolhidos ressoavam no ar. Com prantos
entoavam cânticos aos seus sofrimentos.

A edificação da cidade sagrada de Machu Picchu é um dos grandes


acontecimentos da história do meu povo. Os pormenores da sua construção estão ocultos
por muitos segredos eternamente escondidos na alcantilada montanha da Lua, que protege
Machu Picchu. De acordo com as histórias dos sacerdotes, os trabalhadores cortavam as
pedras das rochas para as casas dos guerreiros e para as habitações dos padres e seus
criados. Um exército de operários transportava blocos de granito dos vales distantes das
encostas ocidentais dos Andes para o palácio de Lhasa. E os sacerdotes também contam que
duas gerações não foram suficientes para completar a cidade e que os lamentos dos Ugha
Mongulala se tornavam mais insistentes à medida que o tempo passava. As Tribos
Escolhidas começaram a revoltar-se e a amaldiçoar os Antigos Pais. Parecia estar iminente
uma revolta contra Lhasa, o Exaltado Filho dos Deuses. Então ouviu-se um estrondo no céu
e o dia transformou-se em escuridão. O desespero dos Deuses explodiu com o ribombar do
trovão e terríveis relâmpagos. E, enquanto caía uma chuva pesada, os chefes dos
descontentes eram transformados em pedra – pedras vivas com pernas. Lhasa ordenou que
fossem levados para as montanhas e metidos nas paredes das escadas de Machu Picchu. Foi
desta maneira que os rebeldes foram castigados. Levaram a cidade santa sobre os seus
ombros, presos eternamente dentro das suas pedras.
Machu Picchu é uma cidade santa. Os seus templos são dedicados ao Sol , à
Lua, à Terra, ao mar e aos animais. Após quatro gerações terem completado a cidade, Lhasa
mudou-se daqui e levou o império a um período de florescimento e prestígio.

Sob o governo de Lhasa o número de guerreiros aumentou. Sentiam-se fortes. Não


tinham preocupações nem de país nem de família. Só tinham interesse pelas armas.
Protegidos pelos Deuses, verificavam as posições dos inimigos. Saíam com as
instruções de Lhasa, porque o Exaltado Filho dos Deuses era realmente um grande
príncipe. Não podia nem ser derrotado nem morto. Lhasa era um dos deuses. Durante
treze dias subiu ao céu. Durante treze dias caminhou para encontrar o sol-nascente.
Durante treze dias tomou a forma de um pássaro e foi realmente um pássaro. Durante
treze dias transformou-se em águia. Estava verdadeiramente exaltado. Todos se
curvavam perante o seu aspecto. A sua força alcançou os limites do Céu e as
fronteiras da Terra. E as tribos inclinaram-se perante o divino mestre.

Lhasa foi o decisivo inovador do império dos Ugha Mongulala. Durante os


trezentos anos do seu governo instituiu as bases de um poderoso império. Depois voltou
para junto dos Deuses. Reuniu os mais velhos do seu povo e os sacerdotes e ditaram-lhes
leis. Ordenou que o povo vivesse de acordo com legado dos Deuses e que obedecesse às
suas ordens. Então Lhasa voltou-se para leste e curvou-se perante o sol–nascente. Antes de
os seus raios atingirem a cidade santa subiu à montanha da Lua, que se ergue sobre Machu
Picchu, no seu disco voador e para sempre se separou dos humanos. Isto é o que os
sacerdotes contam acerca da misteriosa partida do Exaltado Filho dos Deuses. Lhasa, o
único príncipe das Tribos Escolhidas que veio das estrelas.

SAMON E O IMPÉRIO DO LESTE


Lhasa esteve muitas vezes ausente com o seu disco voador. Visitou o seu irmão
Samon. Voou para o grande Império do Leste. E levou consigo um estranho barco que
podia passar sobre a água e sobre as montanhas.

A Crônica de Akakor não diz muito acerca do império de Samon, o irmão de


Lhasa, que desceu à Terra com os Deuses no ano de 7.315. De acordo com a história escrita
do meu povo, instalou-se num grande rio para além do oceano do Leste. Escolheu tribos
nômades e ensinou-lhes os seus conhecimentos e sabedoria. Sob a sua chefia, cultivaram
campos e edificaram poderosas cidades de pedra. Um forte império, que era a imagem de
Akakor, desenvolveu-se e foi-se construindo de acordo com o legado dos Deuses, que
também determinaram as vidas dos Ugha Mongulala.
Lhasa, o príncipe de Akakor, visitava regularmente o irmão no seu império e
ficava como ele nas magníficas cidades da margem do Grande Rio. Para fortalecer o elo
entre as duas nações, ordenou a construção de Ofir, uma poderosa cidade fluvial na
embocadura do Grande Rio, no ano de 7.425 (3.056 a. C.). Durante quase mil anos, navios
do império de Samon deixavam aqui as suas valiosas cargas. Em troca de ouro e prata
trouxeram pergaminhos com escritos na língua dos nossos Antigos Pais e trouxeram
madeiras raras, os mais belos tecidos e pedras verdes, que o meu povo desconhecia. Dentro
em pouco Ofir tornou-se uma das mais ricas cidades do império e alvo das selvagens tribos
do Leste. Precipitaram –se contra a cidade em ataques repetidos, assaltaram barcos nos
portos e interromperam as comunicações com o interior. Quando o império se desintegrou,
mil anos depois da partida de Lhasa, conseguiram conquistar Ofir, depois de uma grande
campanha. Saquearam a cidade e incendiaram-na. Os Ugha Mongulala cederam as
províncias banhadas pelo oceano a leste e retiraram-se para o interior do país. E foram
cortadas as ligações com o império de Samon.
O meu povo recorda o império de Samon e as dádivas a Lhasa – os pergaminhos
escritos e as pedras verdes. Os nossos sacerdotes preservam-nos no complexo subterrâneo
do templo de Akakor, onde estão guardados o disco voador e a estranha nave, que pode
passar sobre as montanhas e água. O disco voador tem a cor brilhante do ouro e é feito de
um metal desconhecido. Tem a forma de um cilindro de argila e a altura e a largura de dois
homens um sobre o outro. No disco há espaço para duas pessoas. Não tem nem velas nem
remos. Mas os nossos sacerdotes dizem que Lhasa podia voar mais depressa com ele do que
a águia mais forte e podia atravessar as nuvens tão ligeiro como uma folha levada pelo
vento. A estranha nave é também misteriosa. Sete longas pernas transportam um grande
vaso chapeado de prata. Três pernas dirigem-se para a frente, três para a retaguarda.
Assemelham-se a hastes de bambu e são móveis; terminam em rodas tão grandes como a
vitória-régia.
Estes são os últimos vestígios do glorioso império de Lhasa e Samon. Desde
então muita água correu sob as pontes. O primitivamente poderoso império, cento e trinta
famílias dos Deuses que vieram para a Terra, falhou e os homens vivem sem esperança.
Mas os Deuses voltarão, Voltarão para auxiliar os seus irmãos, os Ugha Mongulala, que são
do mesmo sangue e provêm do mesmo pai, tal como está escrito na crônica:

Isto é o que Lhasa predisse. E assim acontecerá. Novos elos de sangue desenvolver-
se-ão entre os impérios de Lhasa e Samon. A aliança entre os seus povos será
renovada e os seus descendentes encontrar-se-ão de novo. Então os Primitivos
Mestres voltarão.
AKAHIM, A TERCEIRA FORTALEZA

Conhecemos Akahim, a terceira fortaleza. Desde o tempo de Lhasa. Esta cidade


de pedra fica nas montanhas, na fronteira norte entre os países chamados Venezuela e
Brasil. Não sabemos quem construiu Akahim e só temos uma idéia vaga de quando a cidade
foi erigida. Só é referida na crônica depois do regresso dos Primitivos Mestres, no ano
7.315. Desde então, Akakor e Akahim foram ligadas em íntima amizade.
Eu próprio visitei várias vezes a nação irmã das Tribos Escolhidas. Assemelha-
se a Akakor, tendo o seu portal de pedra, o Templo do Sol e os edifícios para os príncipes e
os sacerdotes. O caminho para a cidade é marcado por pedra cortada na forma de um dedo
estendido. A entrada atual está oculta por uma grande catarata. As águas precipitam-se
numa profundidade de trezentos metros. Posso revelar estes segredos porque há
quatrocentos anos que Akahim jaz em ruínas. Depois das terríveis guerras contra os
Bárbaros Brancos, o povo de Akahim destruiu casas e templos que ficavam à superfície e
retirou-se para as moradias subterrâneas. Essas habitações são desenhadas como a
constelações dos Deuses e têm comunicação entre si por meio de túneis de forma
trapezóide. Presentemente só quatro edifícios são ainda habitados; os nove restantes estão
vazios. A primitivamente tão poderosa Akahim alberga hoje somente cinco mil almas.
Akahim e Akakor estão ligadas por um corredor subterrâneo e um enorme
mecanismo de espelho. O túnel começa no Grande Templo do Sol de Akakor, continua sob
o leito do Grande Rio e termina no coração de Akahim. O mecanismo de espelho vai de
Akai, junto dos Andes, até as montanhas de Roraima, tal como lhes chamam os Bárbaros
Brancos. Consta de espelhos de prata da altura de um homem montados em grandes
andaimes de bronze. Todos os meses os sacerdotes transmitem os acontecimentos mais
importantes na secreta linguagem dos sinais. Deste modo, a nação irmã de Akahim soube
pela primeira vez da chegada dos Bárbaros Brancos ao país chamado Peru.
A segunda e a terceira fortaleza são os últimos restos do outrora poderoso
campo dos nossos Primitivos Mestres. Foram testemunhas de um elevado conhecimento, de
uma extraordinária sabedoria e dos segredos dos Deuses, que legaram aos Ugha Mongulala
com a finalidade de preservar a herança, tal como está escrito na crônica, com boas
palavras e numa escrita clara:

Esta é a nossa mais elevada lei. Conservareis o nosso legado. Conservá-lo-eis onde
quer que fordes, onde quer que puderdes construir as vossas cabanas, onde quer que
encontrardes um novo lar. Não fareis de acordo com a vossa vontade, mas seguireis a
vontade dos Deuses. Ouvireis as suas palavras com reverência e gratidão. Porque
grande e infinito é o seu saber.

II – O IMPÉRIO DE LHASA
2.982 A. C. – 2.470 A. C.

O cultivo dos vales do Nilo, do Eufrates e do Tigre, iniciaram o


desenvolvimento das mais velhas civilizações do Oriente. Cerca de 3.000 a. C., o velho
Reino, fundado pelo rei Menes, estabeleceu-se no Egito. Tinha uma administração central e
um serviço de estado civil admiravelmente estruturado. O Faraó e a Grande Casa têm
absoluto poder para governar como divina reencarnação. A sua mais importante ação oficial
é a construção de um gigantesco túmulo de pedra, a pirâmide. As estátuas e os relevos
mágicos das câmaras funerárias são evidência tanto do alto nível do material como da
cultura espiritual. A bem desenvolvida escrita hieroglífica, aperfeiçoada pelos sacerdotes,
descreve a glória do império. Cerca de 2.500 a. C., os Sumérios avançaram na Babilônia.
Em 2.350, o rei semita Sargon fundou o primeiro grande império conhecido na História. As
únicas datas sobre o desenvolvimento histórico no continente americano são fornecidas
pelo historiador espanhol Fernando Montesinos, que situa o início da dinastia dos Reis do
Sol incas no terceiro milênio a. C.

A NOVA ORDEM

Durante muito tempo não havia mais que terra e montanhas. Isto foi o que os
Deuses nos ensinaram. Esta é a lei da natureza. O meu povo também está sujeito a esta lei.
É suficientemente forte para confiar na mais elevada lei do mundo. Mas que sentido tem
para nós a vida se não combatermos? Que sentido haverá se os Bárbaros Brancos nos
quiserem eliminar? Roubaram-nos as nossas terras e perseguiram homens e animais. O
gado selvagem desaparece depressa. Há só alguns jaguares, que ainda há poucos anos eram
muito abundantes. Uma vez extintos, teremos de morrer de fome. Seremos obrigados a
render-nos aos Bárbaros Brancos. Mas nem sequer isso os satisfará. Querem que vivamos
segundo os seus costumes e leis. No entanto, somos homens livres, pertencemos ao Sol e à
Luz. Não desejam encher o nosso coração com falsas esperanças. Não queremos ser como
os Bárbaros Brancos, que podem ser felizes e alegres mesmo quando os seus irmãos estão
infelizes e tristes. Portanto, não temos outra alternativa senão pegar na Seta Dourada, lutar
e morrer tal como Lhasa nos ensinou, Lhasa o Exaltado Filho dos Deuses, que veio para
fundar um novo império e proteger os Ugha Mongulala da destruição.

Lhasa deixou atrás de si poder e glória. Havia decisões e governo. Filhos nasceram.
Muitas coisas aconteceram. E o Povo Escolhido tornou-se mais famoso quando
reconstruiu Akakor com cimento e cal. Mas os Servos Escolhidos não trabalhavam.
Não construíam nem fortalezas nem habitações. Deixavam isso às Tribos Escravas.
Não tinham necessidade de pedir, de ordenar ou de usar violência. Todos obedeciam
com prazer aos novos senhores. O império expandia-se. O poder dos Servos
Escolhidos era grande. As suas leis eram válidas nos quatro cantos do império.

Lhasa restaurou a fama dos Ugha Mongulala. Os limites eram tranqüilos e


seguros. As tribos inimigas haviam sido derrotadas. As Tribos Aliadas estavam sujeitas ao
serviço militar, tal como o Exaltado Filho dos Deuses tinha ordenado. Mas Lhasa não só
restabeleceu o exterior poder do império; também renovou a ordem interior do reino, Lhasa
dividiu os Ugha Mongulala em grupos e classes e pela primeira vez se assentou a herança
dos Deuses em leis escritas. Durante milhares de anos estes governaram a vida do meu
povo. Só se completaram depois da chegada de dois mil soldados alemães, muitos séculos
mais tarde.

“Temos de dividir as nossas tarefas”. Assim falou e resolveu Lhasa. E assim se


renovaram as fileiras e se distinguiram as classes. O príncipe, o grande-sacerdote e os
mais velhos do povo – todos os títulos e dignitários foram de novo designados. Esta
foi a origem de todas as categorias e classes. Esta foi a nova ordem do Exaltado Filho
dos Deuses, que determinou a vida dos Ugha Mongulala.

De acordo com a lei escrita de Lhasa, o príncipe é o chefe dos Ugha Mongulala.
É o mais elevado servo dos Deuses, descendente dos Primitivos Mestres e governador das
Tribos Escolhidas. O povo chama-lhe o Exaltado porque o escolheram para administrar o
império. Não foi eleito. O ofício de príncipe é hereditário e passa de pai para filho, a quem
é atribuído o legado dos Deuses, concedido pelos sacerdotes desde a idade de onze anos em
diante. Instruíram-no na história das Tribos Escolhidas e prepararam-no para a sua futura
tarefa com exercícios físicos e espirituais.
Depois da morte do príncipe, o seu filho primogênito é chamado perante os mais
velhos. Deve provar-lhes que está destinado a ser o mais alto servo dos Primitivos Mestres.
Depois de ter passado o exame, o grande-sacerdote manda-o para a secreta região das
moradias subterrâneas. Aqui deve ficar durante treze dias e conversar com os Deuses. Se
estes pensarem que ele merece herdar o seu legado, os mais velhos oferecer-lhe-ão as novas
regras de governo do povo. Se os Deuses o rejeitarem e ele não voltar depois de treze dias
das regiões subterrâneas, os sacerdotes determinam, com o auxílio das estrelas, o correto
herdeiro. Calculam o nascimento de uma criança do sexo masculino com seis anos de
antecedência. O eleito desta época é levado para Akakor e preparado para o seu futuro
cargo.
E esta é a maneira como o príncipe governa as Tribos Escolhidas: ele é o
supremo chefe e o maior administrador do império. Os guerreiros de Ugha Mongulala estão
sob as suas ordens. Os exércitos das Tribos Aliadas devem-lhe obediência. Só ele decide da
paz e da guerra. Designa os mais elevados dignatários civis e os chefes militares. As
veneráveis leis de Lhasa só podem ser alteradas com a sua aprovação. Por ser legítimo
descendente dos Deuses, o príncipe está acima da lei dos homens e destinado a invalidar
por três vezes o Conselho dosVelhos.
Três mil dos melhores guerreiros, selecionados nas melhores famílias, estavam
sob as ordens diretas do príncipe. Eram os únicos autorizados a entrar nas moradias
subterrâneas, onde moravam os Deuses, levando armas. Aos guerreiros regulares não era
permitido faze-lo, sob castigo de exílio. Mas a posição do príncipe não é baseada no seu
poder pessoal. Assenta na sua sabedoria, na sua perspicácia, no seu conhecimento, o legado
dos Deuses, como está escrito na Crônica de Akakor:

Assim falou e resolveu Lhasa. Porque Lhasa era sensato. Conhecia as fraqueza dos
humanos. Com as suas leis dominou a sua ambição. Determinou o futuro e o bem-
estar das Tribos Escolhidas.
A VIDA DA COMUNIDADE

Os Bárbaros Brancos só pensam no seu próprio bem estar e distinguem


estritamente entre o que é meu e teu. Sempre que virdes qualquer coisa do seu mundo –
uma peça de fruta, uma árvore, água, um montículo de terra -, há sempre alguém que clama
que lhe pertence. Na língua dos Ugha Mongulala meu e teu são uma palavra apenas e
significam a mesma coisa. O meu povo não tem posses nem propriedades pessoais. A terra
pertence a todos igualmente. Os servos civis do príncipe distribuem um bocado de terreno
fértil a cada família, dependendo o seu tamanho do número dos seus membros. Muitas
famílias associam-se no estabelecimento da comunidade, e juntos cultivam e colhem o que
semeiam. Um terço da colheita pertence ao príncipe, o segundo terço aos sacerdotes, e o
último terço fica para a comunidade.
A maioria dos Ugha Mongulala passa toda a sua vida na aldeia. Gozam da
proteção do príncipe, que é ao mesmo tempo seu servo. Fazem o seu trabalho nos campos
sob a direção de funcionários. O trabalho começa no fim da estação seca, quando se inicia a
preparação das sementeiras. O duro solo dos campos torna-se solto com a cava, e a semente
é lançada à terra. O sacerdote da comunidade sacrifica então frutos escolhidos da última
colheita no templo da aldeia e pede a bênção dos Deuses. Durante a subseqüente estação
das chuvas, as mulheres estão ocupadas, tecendo e tingindo tecidos, enquanto os homens
passam o tempo caçando. Com um arco e uma longa lança de bambu seguem a pista do
jaguar, da anta e do javali. A sua presa é cortada em pedaços: a carne é untada com mel e
enterrada fundo no chão, para ficar armazenada. Desta maneira mantém-se fresca até a
próxima estação seca. As peles dos animais são curtidas e trabalhadas pelas mulheres, em
sandálias e botas. Na época das colheitas, as famílias, com cestos e jarros, saem para os
campos para colher os frutos. Cereais e batatas são guardados em grande armazéns e mais
tarde levados par Akakor, de acordo com o que está prescrito quanto à divisão dos bens.
Depois do avanço dos Bárbaros Brancos, o fértil solo dos vales dos Andes e as
regiões superiores do Grande Rio tornaram-se estéreis. Assim, o meu povo começou a
construir plataformas nas encostas e nas colinas, que são irrigados por um denso sistema de
canais. Muralhas protetoras, inteligentemente escalonadas, evitam que o solo fértil seja
arrastado. Todas as grandes edificações têm enormes cisternas e canais subterrâneos para
levar água aos campos. É assim que o meu povo cultiva os alimentos nas planícies e nas
montanhas, tal como Lhasa ordenou e da maneira como está escrito na crônica:

Agora falaremos sobre o que aconteceu nos campos onde os Servos Escolhidos se
reuniram. Juntaram os frutos da terra. Conjuntamente cultivavam cereais e batatas,
mel das abelhas e resina. Porque o produto pertence a todos e o solo também é
propriedade de todos. Eis como Lhasa organizou tudo de modo que não houvesse
diferenças nem fome. E a terra assegurava abundância. O povo sentia-se feliz com a
fartura e a vida. Havia comida mais que suficiente nas ilhas, nas planícies e nas
floretas, ao longo dos rios e na imensidão das lianas.

O meu povo fez muitos objetos maravilhosamente trabalhados que serviam para
uso cotidiano. As mulheres tecem os melhores tecidos da lã do carneiro da montanha.
Utilizam a seiva de vegetais e de árvores desconhecidas dos Bárbaros Brancos para tingir
tecidos e poder transformá-los em simples mas belas texturas. Nas planícies e nas florestas
do Grande Rio usamos só tangas seguras por um cinto de lã colorida. Defendemo-nos do
frio das montanhas com um casaco feito de lã rústica. Os enfeites são usados unicamente
em festas especiais. As mulheres enfeitam o cabelo com fios coloridos, correspondentes às
cores respectivas das povoações da comunidade. Os homens pintam-se com as quatro cores
da tribo dos Ugha Mongulala: branco, azul, vermelho e amarelo. Só as classes superiores -
oficiais, sacerdotes e os membros do Grande Conselho – usam um tufo de penas de cor.
Como distinção particular da sua situação social, o príncipe e os mais idosos do povo usam
no peito tatuagens.
Como acontece com todos os que vivem junto ao Grande Rio, as necessidades
diárias dos Ugha Mongulala são modestas. A sua alimentação básica é constituída de
batatas, cereais, e também tubérculos e raízes de várias plantas. As batatas são assadas; a
carne, frita ao ar livre ou na entrada da casa. Bebemos água e sumo de cereais fermentados
em todas as nossas refeições. Servimo-nos com colheres de pau e de facas de bronze para
comer. Não há mesas nem cadeiras nas cabanas de pedra retangulares. Às refeições a
família ajoelha-se no chão de argila e de noite dorme sobre os bancos de pedra cortada. Só
com os soldados alemães o meu povo aprendeu a utilidade dos colchões cheios de erva.
Enfiam-se ganchos de bronze no interior das paredes das casas e, durante a noite, os tecidos
de lã ficam pendurados à entrada. A comida é guardada em grandes bilhas de barro, feito
com a terra vermelha das montanhas. Com grandes cordas, descem-se até ao interior de
vulcões extintos, para poderem secar, e depois decoram-se com belos desenhos, que
representam cenas da história dos Ugha Mongulala. Mas não se podem comparar com os
objetos dos nossos Primitivos Mestres. Não temos as ferramentas que eles tinham, que,
como por magia, suspendiam as pedras mais pesadas, arremessavam raios ou derretiam
rochas. Os Deuses não nos divulgaram estes segredos. Nos seus legados só estão refletidas
as leis da natureza. Mas a natureza não conhece a passagem do tempo, nem
desenvolvimento, nem progresso. O eterno círculo da vida determina todos os seres –
plantas, animais e humanos – tal como está escrito na Crônica de Akakor:

Tudo existe e passa. Assim falam os Deuses. E assim o ensinaram às Tribos


Escolhidas. Todos os homens estão sujeitos às suas leis, porque há uma íntima relação
entre o céu em cima e a terra em baixo.

O meu povo submeteu-se à vontade dos Deuses. Isto é óbvio em todos os


aspectos da vida e também no seio da família. Cada um dos Ugha Mongulala tem de
cumprir os seus deveres para com a comunidade. Inicia a sua própria família com a idade
de dezoito anos. Se um jovem gosta de uma rapariga, vive com ela durante três meses em
casa dos pais. Durante este período de prova não é autorizada qualquer intimidade. Se ele
ainda quiser casar com ela depois dos três meses terem passado, o sacerdote proclama o seu
casamento. Como sinal de lealdade mútua, trocam sandálias na presença de todos os
membros da comunidade.
De acordo com as leis de Lhasa, cada família só pode ter dois filhos. Depois, o
grande-sacerdote dá à mulher um remédio que a torna estéril. Deste modo, o Exaltado Filho
dos Deuses, na sua sabedoria, evitou a miséria e a fome. O meu povo não acredita no
divórcio. Se o homem e a mulher insistem, podem voltar a viver separadamente, mas sob a
pena de serem exilados se tornarem a casar. Para quem conhece só um homem ou uma
mulher a vida pode ser verdadeiramente feliz.
“Cometeste um triste feito. Que a desgraça te envolva. Oh!, que os Deuses te tivessem
mostrado a luz! Que fizeste? Porque desrespeitaste as leis dos Antigos Pais? És
culpado”. Assim o grande-sacerdote falou a Hama. E Hama, que desprezara sua
mulher e chamara para junto de si uma rapariga, admitiu o delito. O seu coração foi
dominado pela angústia e pelo terror. Chorou lágrimas amargas. Mas o grande-
sacerdote não se comoveu. “Nem a morte nem a prisão te estão destinadas. Infringiste
a nossa lei mais sagrada. Mandar-te-ei para o exílio. Esta é a nossa decisão”. E Hama,
que renegara a mulher, foi expulso. Viveu para além das fronteiras como um corrupto.
Ninguém mais cuidou da sua cabana. Ele vagueava pelas montanhas. Comia casca de
árvores e liquens, os liquens amargos que crescem nas rochas. Não sabia o que fosse
boa comida. E nunca tinha consigo qualquer mulher.

A GLÓRIA DOS DEUSES

Cento e trinta famílias dos Deuses vieram para a Terra e selecionaram as tribos.
Fizeram dos Ugha Mongulala seus Servos Escolhidos e depois da sua partida legaram-lhes
o seu enorme império. Com a primeira Grande Catástrofe o império dos Deuses
desintegrou-se. As Tribos Aliadas abandonavam os seus antigos territórios e viviam de
acordo com as suas próprias leis. Então Lhasa restabeleceu o império na sua primitiva
glória e poder. Dominou os Degenerados, que se haviam revoltado contra Akakor, e
integrou muitas tribos selvagens no novo império em desenvolvimento. Para salvaguardar a
unidade obrigou-os a falar a língua dos Ugha Mongulala e a escolher novos nomes. Deu
nomes às Tribos Aliadas das províncias e da região de Akakor: Tribo que Vive na Água,
Tribo dos Comedores de Serpentes, Tribo dos Vagabundos, Tribo dos Comedores de
Refugo, Tribo dos Demônios do Terror, Tribo dos Maus Espíritos. Também atribuiu nomes
aos povos que viviam nas florestas das margens do Grande Rio: Tribo dos Corações
Negros, Tribo das Grandes Vozes, Tribo onde Cai a Chuva, Tribo que Vive nas Árvores,
Tribo dos Matadores de Antas, Tribo das Caras Torcidas e Tribo da Glória Crescente. As
tribos selvagens fora do império eram excluídas desta honra.
Quando da chegada dos Bárbaros Brancos, há quinhentos anos, a velha ordem
de Lhasa foi destruída. A maioria das Tribos Aliada traiu o ensino dos Antigos Pais e
começaram a adorar o sinal-da-cruz. Presentemente, só os Ugha Mongulala vivem de
acordo com o legado dos Deuses. As nossas crenças diferem fundamentalmente da falsa fé
dos Bárbaros Brancos, que adoram a propriedade, a riqueza e o poder e consideram que não
é grande sacrifício conseguir um pouco mais que o seu vizinho. Mas o testamento dos
nossos deuses ensina-nos como viver e como morrer. Indica-nos o caminho de uma vida
para além da morte. Ensina-nos como o corpo é criado, como morre e como é
constantemente transformado em comida. Por esta razão não pode representar a nossa vida
real. Os nossos sentidos dependem do nosso corpo e são levados por ele como a chama de
uma vela. Quando a vela se extingue, os sentimentos também se extinguem. Portanto,
também não podem representar a nossa vida real. Porque tanto o nosso corpo como os
nossos sentidos estão sujeitos ao tempo; o seu caráter consiste nas mudanças. E a morte é a
mudança total. A nossa herança ensina-nos que a morte destrói qualquer coisa que de fato
podemos dispensar. O verdadeiro Eu, cerne dos humanos, da vida, está fora do tempo. É
imortal. Depois da morte do corpo volta para donde veio. Tal como a chama usa a vela, o
Eu serve-se do homem para manifestar a vida. Depois da morte, regressa ao nada, ao início
do tempo, ao primeiro começo do mundo. O homem faz parte de um grande e
incompreensível acontecimento cósmico que decorre vagarosamente e é governado por
uma lei eterna. Os nossos Primitivos Mestres conheciam essa lei.
Deste modo, os Deuses ensinaram-nos o segredo da segunda vida. Mostraram-
nos que a morte do corpo é insignificante e que só a imortalidade conta, desligada do tempo
e da matéria. Nas cerimônias do Grande Templo do Sol agradecemos a luz de um novo dia
e sacrificamos mel das abelhas, incenso e frutos escolhidos, como está escrito na crônica:

E agora falaremos do templo que tem o nome de “Grande Templo do Sol”. Chama-se
assim em honra dos Deuses. Aqui se reúnem o príncipe e os sacerdotes. O povo
queimava incenso. O príncipe queimava as penas azuis da ave da floresta – como
sinais para os Deuses. Deste modo, os Servos Escolhidos prestavam homenagem aos
seus Antigos Pais, que são do mesmo sangue e têm o mesmo pai.

Os conhecimentos dos nossos Primitivos Mestres eram vastos. Sabiam qual era
o curso do Sol e dividiram o ano. Os nomes que deram aos treze meses foram Unaga,
Mena, Lano, Ceros, Mens, Laime, Gisho, Manga, Klemnu, Tin, Meinos, Denama e Ilashi.
Duas luas de vinte dias são seguidas por uma lua dupla. Cinco dias extraordinários no fim
do ano são dedicados à veneração dos nossos Deuses. Então, celebramos o nosso mais
sagrado feriado, o solstício, quando começa a renovação da natureza. Os Ugha Mongulala
reúnem-se nas montanhas ao redor de Akakor e saúdam o Ano Novo. O grande-sacerdote
inclina-se perante o disco de ouro no Grande Templo do Sol e profetiza o futuro imediato,
tal como prescrevem as leis dos Deuses.
O legado dos Antigos Pais rege a vida dos Ugha Mongulala desde que nascem
até que morrem. Freqüentam escolas de sacerdotes desde os seis até aos dezoito anos de
idade. Aí aprendem as leis da comunidade, do bem-estar, da caça aos animais selvagens e
do cultivo da terra. As raparigas aprendem a tecer, a cozinhar e a trabalhar no campo. Mas a
tarefa mais importante das escolas dos sacerdotes é a revelação e a explicação do legado. O
jovem Ugha Mongulala aprende os sinais sagrados dos Deuses e como viver e morrer. Aos
dezoito anos, o rapaz tem de fazer uma prova de coragem. Cada jovem tem de lutar contra
um animal selvagem do Grande Rio, porque só quem enfrenta a morte pode compreender a
vida. Só então se torna digno de ser aceito pela comunidade dos Servos Escolhidos. É
autorizado a escolher um nome e a iniciar uma família. Após a sua morte, a família corta-
lhe a cabeça e queima o corpo. O sacerdote mostra a cabeça ao sol-nascente, como sinal de
que aquele que partiu cumpriu todos os seus deveres para com a comunidade. Depois a
cabeça é conservada num dos nichos do Grande Templo do Sol, tal como está narrado na
crônica, com boas palavras e numa escrita clara:

Assim, os vivos sacrificavam-se pelos mortos. Juntavam-se no Grande Templo do Sol.


Os pranteadores ficavam em frente dos olhos dos Deuses. Ofereciam resina e ervas
mágicas. E o grande-sacerdote falava: “Agradecemos verdadeiramente aos Deuses.
Eles deram-nos duas vidas. Excelente é a sua ordem no céu e na terra.”
III – APOTEOSE E DECLÍNIO DO IMPÉRIO

2.470 A. C. – 1.421 A. C.

No Egito, o Velho Reino terminou cerca de 2.150 a. C. Aproximadamente na


mesma altura, a Babilônia foi destruída, devido a invasão das tribos da montanha. O
império de Sumer e Akkad estabeleceu-se cerca de 2.000 a. C. A unidade política durante o
governo do rei Hammurabi atingiu ainda um mais elevado nível de arte e civilização. O seu
código forneceu as bases das subseqüentes leis do Império Romano. Iniciadas cerca de
2.000 a. C., as tribos indo-germânicas começaram a espalhar-se pela Europa. Todas as
estruturas de estado do Velho Mundo tiveram uma nova imagem devido aos carros de
combate. Enquanto o poderoso Novo Reino egípcio de Thotmés estendia as suas relações
internacionais até Creta, a idade do Bronze florescia na Europa e levava ao
desenvolvimento das civilizações mais diferenciadas. No Novo Mundo, a documentação
dos acontecimentos históricos começa com as nações Chavin, no Peru, cerca de 900 a. C.
Até esta data nada se sabia sobre os índios da Amazônia.

O IMPÉRIO NA MAIS ELEVADA FORMA DO SEU PODER

Os territórios do meu povo são vastos. Esta terra, primitivamente, só era


habitada pelos Ugha Mongulala e tribos selvagens, entre as quais muitas nações poderosas
do Grande Rio. Uma após outra, as tribos são extintas pelos Bárbaros Brancos. Se a
comunidade se defendia, os homens eram assassinados e as mulheres e as crianças eram
tratadas como animais. Isto está escrito na nossa crônica e não na dos Bárbaros Brancos.
Estes contaram a história erradamente. Afirmaram muitas coisas que não são verdadeiras.
Só se referiram aos seus feitos heróicos e à estupidez dos “selvagens”. Os Bárbaros
Brancos estão mentindo constantemente, enganando-se uns aos outros. Quebrando todas as
leis da natureza, acreditam que criarão um mundo novo e melhor. Porém, segundo o legado
dos nossos Deuses, a Terra foi criada com o auxílio do Sol. O Mundo, a Terra e o meu povo
pertencem-se. Estão inseparavelmente ligados, tal como Lhasa nos ensinou e está escrito na
Crônica de Akakor:

Os Servos Escolhidos não governaram de mão leve. Não esbanjaram sacrifícios. Eles
próprios os comeram e beberam. Alcançaram grande poder e receberam grandes
tributos: ouro, prata, mel das abelhas, frutos e carne. Isto eram tributos das tribos
escravas. Tudo isto aconteceu antes do príncipe, governador de Akakor.

No oitavo milênio (2.500 a. C.) o império de Akakor atingiu o seu mais alto
grau. Dois milhões de guerreiros dominavam as planícies do Grande Rio, as vastas regiões
de florestas de Mato Grosso e as férteis planícies das encostas orientais dos Andes.
Duzentos e quarenta e três milhões de pessoas viviam de acordo com as leis do Exaltado
Filho dos Deuses, Lhasa. Mas, na altura de o império atingir o seu máximo, começou a
declinar. Primeiro, apareceram alterações que tornaram a colocar Akakor na defensiva das
tribos selvagens, que agora atingiam os milhares. Dificilmente a terra produzia alimento
para tanta gente. Levados pela fome, repetidamente invadiram os territórios do império. E
as Tribos Aliadas igualmente se revoltaram contra o domínio dos Ugha Mongulala.
Surgiram novas nações, que Akakor teve dificuldade em vencer.

Por ordem do alto comando saíram para a região do Grande Lago, nas montanhas, e
também ocuparam os terrenos circunvizinhos. Eram batedores e guerreiros
acompanhados pelo mensageiro com a Seta Dourada. Tinham sido enviados para
observar os inimigos de Akakor e derrotá-los. Juntos, os guerreiros das Tribos
Escolhidas foram para a guerra. As Tribos Aliadas fizeram muitos prisioneiros e
rejeitaram o legado dos Deuses. Tinham criado as suas próprias leis. Viviam de
acordo com as suas regras. Mas os guerreiros dos Servos Escolhidos eram corajosos.
Derrotaram o inimigo e deixaram-no sangrar.

Durante milhares de anos, os exércitos dos Ugha Mongulala tinham sido


superiores aos dos guerreiros das tribos rebeldes, porque eram cuidadosamente treinados e
iam para o campo de batalha de acordo com planos legados por Lhasa Cem mil guerreiros
estavam sob as ordens do comandante-chefe, o Chefe de Cem Mil Homens. Dez mil
homens eram chefiados por um capitão ou um Chefe de Dez Mil Homens. Os Chefes de
Mil Homens e os Chefes de Cem Homens iam à frente do exército e davam sinal de ataque.
Depois de uma batalha vitoriosa, fizeram prisioneiros e dividiram o saque. Se a luta parecia
perdida, os Ugha Mongulala retiravam-se a coberto da escuridão e preparavam as suas
posições. Só em casos muito raros o príncipe acompanhava o exército. Batedores
escolhidos mantinham-no em contato com os guerreiros, de modo a poder dar-lhes
assistência, mas com o seu palácio guardado, para qualquer caso de emergência. Quando os
Bárbaros Brancos vieram, o meu povo abandonou esta ordem de batalha. Mesmo um
enorme exército não poderia resistir às setas invisíveis deste novo inimigo. A época das
grandes campanhas havia passado.
Hoje, temos simplesmente um exército de dez mil guerreiros, todos treinados
para combate individual. Estão agrupados em partes iguais e sob o comando de cinco dos
mais altos comandantes e cinco dos mais altos sacerdotes. Cada guerreiro está equipado
com arco e seta, uma comprida lança pontiaguda, uma funda e uma faca de bronze. Tem um
escudo de grossas tranças de bambu, que lhe serve de proteção contras as setas do inimigo.
O exército é acompanhado por grande número de batedores. Os chefes determinam a
duração do ataque, de acordo com as suas informações. A declaração de guerra é decidida
pelo príncipe. É ele também que envia o batedor com a Seta Dourada, como sinal de
batalha iminente.
A maior campanha antes da chegada dos Godos deu-se cerca de 8.500. De
acordo com o que contam os sacerdotes, tribos selvagens dos limites norte do império
aliaram-se com a Tribo dos Vagabundos. Assassinando e roubando, avançaram até ao
Grande Rio. A Tribo das Grandes Vozes fugiu em pânico. Maid, o legítimo governador das
Tribos Escolhidas, declarou então guerra às tribos inimigas.
Como um poderoso exército de toda a parte do império se começasse a
organizar, os Ugha Mongulala iniciaram as necessárias preparações militares. Fizeram
arcos, setas, fundas e lanças de bambu nos vales e florestas banhados pelo Grande Rio.
Tanto de noite como de dia os caçadores partiam para trazer a caça necessária para os
guerreiros. As mulheres teciam panos de guerra para os seus homens e cantavam canções
sobre os feitos heróicos dos grandes príncipes. Todo o reino de Maid foi dominado por um
grande desejo de combater. Seja como for, é isto que os sacerdotes contam. Finalmente,
depois de seis meses, quando um exército de trezentos mil homens estava reunido, Maid, o
príncipe, chamou os mais velhos e os sacerdotes. Vestindo a toga brilhante de ouro de
Lhasa e com o bastão azul, vermelho e amarelo, com penas pretas, mandou chamar o
batedor da Seta Dourada. Quando este chegou, todos os presentes fizeram uma profunda
vênia. Maid deu-lhe pão e água, sinais de vida e de morte. Espalhou-se a alegria por entre
as tribos dos Servos Escolhidos, gritos de entusiasmo que alcançaram os quatro cantos do
mundo e espalharam o medo e o terror entre as tribos inimigas.
Depois começou a grande marcha para a fronteira norte. Durante dois meses, os
tambores ressoaram e fizeram tremer a terra. E os sacerdotes contam também que no fim do
segundo mês as Tribos Escolhidas encontraram o exército inimigo.Gritando os seus brados
de guerra, os guerreiros precipitaram-se uns contra os outros. Os arqueiros lançaram as suas
setas e desbarataram a vanguarda do inimigo. Eram seguidos por tropas de lanceiros que
tentaram vencer a principal força que resistia. A batalha cedeu na noite seguinte, pois, de
acordo com o legado dos Deuses, nenhum guerreiro pode entrar na segunda vida se morrer
durante as horas de escuridão. Contudo, na manhã seguinte o combate foi retomado com
intensidade dobrada. Os Ugha Mongulala venceram a Tribo dos Vagabundos num poderoso
ataque. Os seus chefes renderam-se implorando perdão. Mas Maid não os escutou, e
nenhum foi poupado. Tanto a tristeza como a alegria se espalharam ao mesmo tempo por
todo o império.

OS POVOS DEGENERADOS

Durante o oitavo e o nono milênio, os Ugha Mongulala empreenderam várias


campanhas contra as tribos rebeldes. Maid derrotou a Tribo dos Vagabundos e repeliu o
ataque das tribos selvagens da zona baixa do Grande Rio. Nimaia edificou as três fortalezas
de Mano, Samoa e Kin, no país chamado Bolívia, e construiu fortes posições defensivas na
vizinhança dos recintos do destruído templo de Mano. Outros chefes travaram outras
batalhas: Anau combateu contra a Tribo dos Comedores de Serpente e a dos Corações
Negros. Ton castigou os Matadores de Antas pela sua desobediência e mandou os batedores
até às costas do oceano leste. Kohab, um descendente do Exaltado Filho dos Deuses, Lhasa,
particularmente heróico, derrotou a Tribo das Caras Torcidas numa sangrenta batalha que
durou três dias, na parte superior do rio Negro, e estendeu o seu império até ao país
chamado Colômbia. Muda construiu um segundo cinto de defesa em volta de Akakor e
armazéns subterrâneos nos vales dos Andes.
Mas foi o príncipe Maid que teve de suportar a guerra mais violenta. Trata-se da
luta contra a Tribo que Vive na Água, que fundara o seu próprio império nas montanhas do
Peru depois da segunda Grande Catástrofe. No decorrer de oitocentos anos, os seus chefes
dominaram numerosos povos selvagens e avançaram até Machu Picchu. A fim de evitar que
tribo atacasse Akakor, o Alto Conselho decidiu submetê-lo. Numa guerra com pesadas
baixas, que durou três anos e em que os Ugha Mongulala sofreram muitas derrotas
humilhantes, Maid finalmente venceu a Tribo que Vive na Água e fez prisioneiro o seu
chefe. O perigo que vinha do oeste parecia ter sido vencido.
Como acabará isto? Cada vez mais, as pessoas fazem as suas próprias leis e esquecem
o legado dos Deuses, vivem como animais. Grande é o número dos Servos
Escolhidos, mas inúmeros são os Degenerados. Eles devastam os nossos campos e
matam os nossos filhos. São imperiosos e muitos são os povos que dominaram.

As tribos rebeldes citadas na crônica pertencem aos Degenerados. Lhasa


integrara-os no império de Akakor e ensinaram-lhes o legado dos Deuses. No decorrer dos
milênios fugiram à soberania dos Ugha Mongulala e esqueceram o ensino dos Antigos Pais.
Viviam como tribos selvagens em cabanas de palha ou casas feitas de canas com feitio
retangular, bastante grandes para toda a comunidade tribal. As suas instalações eram
cercadas por uma alta barreira de madeira. Não usavam roupas. Não conheciam o tear. Mas
são peritos em trabalhar as penas que usam na cabeça. Os Degenerados cultivam a terra
depois de queimarem a floresta. Plantam mandioca, trigo e batatas. Para eles a caça é tão
importante como o cultivo da terra. Os seus arcos e setas são semelhantes aos nossos, mas
menores e mais leves. Adotam o mesmo veneno que os Ugha Mongulala. Em combate
usam a lança com a ponta de pedra afiada.
O meu povo venera o legado dos Deuses, e as Tribos Degeneradas adoram três
diferentes divindades: o Sol, a Lua e um deus do Amor. Para eles, o Sol é a mãe de toda a
vida da Terra. A Lua é a mãe de todas as plantas e animais. O deus do Amor protege a tribo
e é responsável pela fertilidade dos povos. Se uma tribo acredita que é infeliz, o sacerdote
mágico afasta os maus espíritos. Os Degenerados também sabem do essencial Eu, que se
solta do corpo no momento da morte e inicia uma segunda vida. Acreditam que esta
segunda vida se realiza nas moradias subterrâneas dos Primitivos Mestres.

VIRACOCHA, O FILHO DO SOL

Os Bárbaros Brancos acreditam que possuem o mais elevado conhecimento. E,


na verdade, fazem muitas coisas que nunca compreenderemos e que, para nós, são
mistério.Mas o verdadeiro elevado conhecimento dos humanos há muito que desapareceu.
O conhecimento dos Bárbaros Brancos é simplesmente um reaprender e redescobrir dos
segredos dos Deuses, que moldaram a vida de todos os povos da Terra. Os Servos
Escolhidos têm lealmente preservado o legado dos Deuses, e o seu conhecimento é
conseqüente maior. As Tribos Degeneradas dificilmente recordam a época dos seus
antepassados e vivem na escuridão. O legado dos Deuses nunca foi revelado aos Bárbaros
Brancos ou às tribos selvagens, que, tal como animais, vagueiam pelo país.

Só um povo à parte dos Ugha Mongulala conhece as leis dos Deuses. São os
Incas, nação irmã das Tribos Escolhidas. A sua história começa no ano 7.951 (2.530 a. C.).
Neste ano, Viracocha, o segundo filho do príncipe Sinkaia, ergueu-se contra o legado dos
Deuses. Fugiu para a Tribo que vive na Água e fundou o seu próprio império.

E, homens poderosos em magia, os sacerdotes se juntaram. Sabiam sobre futuras


guerras. Tudo lhes era revelado: sabiam se a guerra e a discórdia tinham acabado. Na
verdade, o seu conhecimento era poderoso. E desde que previra a traição de
Viracocha, o segundo filho de Sinkaia, castigaram-se e jejuaram no Grande Templo
do Sol de Akakor. Só comiam três espécies de fruta e pequenos bolos de trigo. Era na
verdade um grande jejum, para vergonha de Viracocha, que não tinha fé. Nenhuma
mulher se lhes juntou. Durante muitos dias ficaram sozinhos no templo, perscrutando
o futuro, sacrificando incenso e sangue. Era assim que passavam o seu tempo desde a
madrugada ao entardecer e ainda as suas noites. Rezavam com corações exaltados,
pelo perdão para o descrente filho de Sinkaia.

As orações dos sacerdotes não conseguiram comover o coração do segundo


filho de Sinkaia. Embora não fosse autorizado a ocupar o cargo do príncipe, reclamou a
soberania sobre o povo dos Ugha Mongulala. Revoltou-se contra o legado dos Deuses e
infringiu as leis de Lhasa. Para manter a paz no reino.o Alto Conselho levou Viracocha a
julgamento. Na Grande Sala do Trono os mais velhos do povo consideraram-no culpado. O
seu julgamento foi a pena maior e mais dura, e foi enviado para o exílio.

Viracocha, o filho do Sol, como mais tarde chamou a si próprio, foi o único
descendente de Lhasa que infringiu as leis dos Deuses e teve de pagar o seu crime com o
exílio. Esse foi o maior castigo do meu povo até a chegadas dos soldados alemães, que
insistiram na introdução da pena de morte. Para crimes menores, tal como a violência ou
desobediência, os culpados devem justificar-se publicamente. A preguiça é considerada
uma fratura das leis da comunidade e é punida com um período de serviço nas mais
perigosas fronteiras. A embriaguez é somente um crime se o acusado não cumpriu com os
seus deveres por causa dela. O mais hediondo crime é o roubo, visto o meu povo possuir
tudo em comum e a propriedade individual não ter significado. Tal como os adúlteros, os
assassinos, os rebeldes e os ladrões são também enviados para o exílio.

Viracocha, o Degenerado, não só infringiu o legado dos Deuses como também


ignorou a decisão do Alto Conselho. Em vez de viver sozinho na montanha, como é
prescrito pelas leis do meu povo, fugiu para a Tribo que Vive na Água. Levou a tribo para
um vale da montanha, nos Andes, e construiu Cuzco, a cidade dos quatro cantos do mundo,
como lhe chamou. Uma nação irmã nascera, o povo dos Incas, os filhos do Sol. O seu
império ergueu-se rápido e poderoso. Sob a chefia de Viracocha e dos seus descendentes,
conquistaram muitos países e submeteram inúmeras tribos selvagens. Os seus guerreiros
conquistaram as costas ocidentais do oceano e avançaram profundamente na selva de cipós
do Grande Rio. Juntaram enorme fortuna na capital do império e introduziram novas leis
contra o legado dos Deuses. Os Incas até desenvolveram a sua própria escrita. Consta de
cordas multicoloridas atadas em nós. Cada nó e cada corda tem um significado definido.
Várias cordas atadas representam uma mensagem. Deste modo desenvolveram o seu
império, fundado na idolatria e na opressão, e não levou muito tempo a montarem uma
campanha de destruição contra os Ugha Mongulala.

Mas estava escrito que os descendentes de Viracocha rejeitariam o legado dos


Deuses. Quando o seu poder atingiu o máximo, cumpriu-se o predito pelos nossos
sacerdotes. Eclodiu uma cruel guerra fratricida que abalou o império nas suas próprias
bases. E a destruição foi completada com a chegada dos Bárbaros Brancos.
IV – OS GUERREIROS DO LESTE

1.421 A. C. – 1.400 D. C.

Com o colapso dos grandes impérios, o velho mundo oriental desintegrou-se em


pequenos estados.Israel foi fundado cerca de 1.000 a. C. Ao mesmo tempo, despertava na
Grécia uma grande civilização e, mais tarde, uma outra florescia em Roma, à beira do
Tibre. Presume-se que o nascimento de Jesus tenha sido em Belém em 7 a. C. Depois da
divisão do Império Romano, os Ostrogodos, chefiados pelo seu rei, Teodorico, o Grande,
fundaram na Itália o seu próprio império. Em 552, na batalha do monte Vesúvio, o general
romano Narses derrotou inteiramente Teja, o último rei dos Bárbaros. Nada se sabe acerca
dos sobreviventes desta raça. A história dos Vikings fez-se no mesmo período. O ousado
povo marinheiro ocupou a costa oeste da França e da Inglaterra e estabeleceu uma base na
Groenlândia. De acordo com informações não confirmadas, até alcançou a costa leste da
América do Norte. A Idade Média européia inicia-se no ano de 900. Nesta época
começavam na América as histórias dos Astecas, dos Maias e dos Incas. As tribos dos
Astecas e dos Incas, com a sua estrutura de classes, desenvolveram uma pura civilização
neolítica exemplificada pelos hieróglifos e pelo calendário maia. No entanto, a mais forte
característica dos Incas foi a expansão do seu império, que alcançou o apogeu no princípio
do século XV, sob a chefia de Huayana Capac.
A CHEGADA DOS GUERREIROS ESTRANGEIROS

Os Bárbaros Brancos são cruéis. Incendeiam florestas, e quando estas ardem


pode-se ver os animais cercados pelo fogo, que correm tentando escapar às chamas, mas
que, no entanto morrem queimados. A mesma coisa acontece-nos a nós. Desde que os
Bárbaros Brancos vieram para o nosso país, tem havido uma guerra contínua. Mas os Ugha
Mongulala nunca foram os primeiros a apontar a seta. Os Bárbaros Brancos enviaram os
primeiros guerreiros, e o segundo, e o terceiro. Só então mandamos o nosso batedor com a
Seta Dourada. Mas os nossos sacrifícios foram em vão. Os Bárbaros Brancos penetraram
mais ainda no nosso terreno, devastando tudo como um tornado. Dominaram as Tribos
Aliadas e obrigaram-nas a seguir os seus costumes, que eram ditados por espíritos
mesquinhos. Mas o homem nascera livre nas montanhas, na planície e no Grande Rio, onde
o vento sopra liberto e nada escurece a luz do Sol, onde pode viver em liberdade e respirar
livremente, mesmo durante as batalhas, e o caos pode vir, tal como está escrito na Crônica
de Akakor:

A discórdia e a inveja surgiram de toda a parte. E os homens discutiam acerca de suas


irmãs e pela sua presa. Os festivais da comunidade degeneraram em ébrias orgias. Os
Servos Escolhidos revoltaram-se uns contra os outros e atiraram uns aos outros ossos
e crânios dos seus mortos. As Tribos Aliadas abandonaram as tradicionais pousadas e
seguiram novos caminhos, onde se instalaram. Contra a vontade do Alto Conselho de
Akakor, edificaram numerosas cidades. Cada um dos seus novos chefes comandava o
seu próprio exército.
No meio do décimo primeiro milênio, o império dos Ugha Mongulala
ultrapassara o seu zênite. O exemplar reino de Lhasa tremeu com a revolta das Tribos
Aliadas. Grandes exércitos de tribos selvagens dominaram as fortalezas da fronteira em
Mato Grosso e na Bolívia. Em Akakor aumentava a tensão entre o Alto Conselho e os
sacerdotes. A falsa fé e a idolatria ameaçavam o legado dos Primitivos Mestres. Só a tripla
divisão do poder introduzida por Lhasa evitou o colapso do império. O povo dos Ugha
Mongulala beneficiou com a sua ordem e com as suas leis, mas não conseguiu evitar uma
lenta desagregação do império, que foi mais tarde acelerada pelos acontecimentos da
fronteira ocidental.
Aí os Incas haviam travado ferozes batalhas e subjugado muitas tribos.
Conquistaram as estradas de acesso aos estreitos do norte e avançaram pelas encostas
orientais dos Andes para destruir a cidade-templo de Tiahuanaco. Pela primeira vez desde o
regresso dos Deuses, hordas hostis penetraram até às muralhas de Akakor. Mas então
aconteceu o que na nossa crônica é descrito com as seguintes palavras:

Agora falamos dos guerreiros do Leste. E falaremos também da chegada dos


Bárbaros. Era assim que se chamavam a eles próprios. E aqui está a sua história.. Já
tinham decorrido trezentas e sessenta e quatro gerações desde a partida dos Deuses,
desde o começo da luz, da vida e da tribo. Já cento e quatro príncipes tinham sucedido
a Lhasa. Os corações dos Servos Escolhidos estavam tristes. O clã de Viracocha
seguira para Cuzco. Aí construiu as suas cabanas. Aí erigiu templos aos seus deuses e
pregou o ódio e a guerra. Esse era o seu alimento diário desde a madrugada ao
entardecer e durante a noite. Então, uma estranha mensagem chegou a Akakor.
Guerreiros estrangeiros subiam o Grande Rio – homens valentes, tão fortes como o
gato-selvagem e tão corajosos como o jaguar. As mulheres e os filhos
acompanhavam-nos. Iam em busca dos seus deuses. E assim os Bárbaros alcançaram
o império das Tribos Escolhidas.

A chegada de guerreiros estrangeiros que a si próprios se chamavam Bárbaros é


um dos grandes mistérios da história do meu povo. Os Ugha Mongulala tinham
provavelmente sido informados, desde o tempo de Lhasa, da existência de um grande
império para além do oceano que ficava a leste, e que fora governado por Samon. Mas
desde a destruição da cidade de Ofir, no sétimo milênio, a ligação tinha sido cortada. Até a
chegada dos Bárbaros, os sacerdotes acreditavam que o império de Samon tinha
desaparecido. Os guerreiros estrangeiros vindos do leste trouxeram uma mensagem
inteiramente diferente. Havia muitas tribos e nações poderosas para além do oceano
oriental. De acordo com a história dos Bárbaros, também provinham de seres divinos. Uma
velha família principesca viera dos céus e tinha-lhes ensinado tudo acerca da vida e da
morte. Muitos milhares de anos mais tarde, os Bárbaros foram obrigados pela fome e pelas
tribos inimigas a vaguear em terra alheia. E aqui se cumpriu o seu destino.

Este é o nome do príncipe dos Bárbaros. Eles chamaram-lhe o Caçador Selvagem.


Tinha grande sabedoria e muito espírito. Era um profeta de boa vontade e realizara
feitos heróicos. Salvou-os da destruição. Porque os valentes guerreiros foram batidos;
pareciam condenados à perdição na montanha que vomitava fogo. Concluiu uma
aliança com os ousados marinheiros do Norte. E o seu povo continuou em busca dos
Deuses. Os Bárbaros procuravam pelos quatro cantos do mundo, no Extremo Azul do
Mundo e no Extremo Vermelho do Mundo. Cruzaram a infinidade dos oceanos. E
depois de trinta luas fundaram uma nova pátria, e o país dos Servos Escolhidos.

A ALIANÇA ENTRE DUAS NAÇÕES

A chegada dos Bárbaros no ano de 11.051 (570 d. C.) teve um decisivo


significado para os Ugha Mongulala. Akakor conseguiu o apoio de um grupo de
experimentados guerreiros, infinitamente superior ao das tribos rebeldes. Durante séculos, o
Alto Conselho e os sacerdotes estavam afastados da luta pelo poder. O Povo Escolhido
ganhara a sua confiança no legado dos Antigos Pais. Uma vez mais, a profecia dos Deuses
provava ser verdadeira. Na hora da direta necessidade eles enviaram auxílio, como está
escrito na Crônica de Akakor:

Assim, os Bárbaros alcançaram o império das Tribos Escolhidas. E assim se


estabeleceram em Akakor. Agora existiam dois clãs, mas um só espírito. Não era nem
de discórdia nem de combate. A paz reinava entre eles. Não havia nem violência nem
disputa. Os seus corações eram tranqüilos. Não conheciam nem ciúme nem inveja.

A aliança entre os Bárbaros e os Ugha Mongulala foi selada pela troca de


dádivas. O Alto Conselho concedeu habitações e terra fértil aos recém-chegados. Os
Bárbaros presentearam o meu povo com novas sementes e uma espécie de enxadas puxadas
por animais. Ensinaram-lhes outras formas de cultivar o solo e mostraram aos artífices
como construir melhores teares. Mas a sua melhor dádiva foi o segredo de produzir um
duro metal negro que era desconhecido do meu povo e a que os Bárbaros Brancos chamam
ferro. Até a chegada dos Bárbaros nós só tínhamos trabalhado ouro, prata e bronze. O ouro
e a prata vinham da região da destruída cidade-templo de Tiahuanaco. Operários escolhidos
arrastavam redes nos rios em que se encontravam pedras onde havia ouro e prata. Os
sacerdotes conseguiam o bronze em grandes queimadores de carvão voltados para leste.
Mas o seu calor não era suficiente para fundir o castanho minério do ferro. Ora os Bárbaros
construíram fornalhas de pedra. Buracos abertos a distâncias regulares asseguravam a
ventilação e o aumento de calor. Guiados pelos novos aliados, os operários começaram a
fazer grandes facas e aguçadas pontas de lança, que eram superiores às das outras tribos.
Fizeram peças de vestuário trabalhadas com ferro para os dirigentes e para os Chefes de
Dez Mil Homens. Durante mil anos os nossos chefes foram para a guerra com essas armas.
Depois vieram os Bárbaros Brancos com as armas de fogo, contra as quais não tínhamos
proteção.
A armadura de ferro, as velas negras e as coloridas cabeças de dragão dos navios
dos Bárbaros foram guardadas até agora no Grande Templo do Sol. Segundo o desenho dos
nossos sacerdotes, os navios podiam transportar sessenta homens e eram movidos por um
meio de uma vela de fino tecido que estava ligada a um elevado mastro. Mais de mil
guerreiros alcançaram Akakor transportados em quarenta navios.Restabeleceram o
desintegrado império e tornaram-no forte e poderoso, tal como está narrado na crônica, com
boas palavras e numa escrita clara:
Assim, a grandeza e o poder dos Servos Escolhidos aumentou. A fama dos seus filhos
e a glória dos seus guerreiros cresceu. Aliados aos guerreiros do ferro, derrotaram os
seus inimigos. Construíram um poderoso império. Governaram em muitas terras. O
seu poder alcançou os quatro cantos do mundo.

A CAMPANHA DO NORTE

Apesar da sua derrota na montanha que vomita fogo, os Bárbaros continuaram a


ser uma nação de guerreiros. Pouco depois da sua chegada começaram a defender os Ugha
Mongulala na sua luta contra as tribos rebeldes. Com as novas armas de ferro fizeram
recuar a Tribo das Grandes Vozes para a estéril região de lianas na parte baixa do rio
Vermelho. Dominaram a Tribo da Glória Crescente e a Tribo onde Cai a Chuva, que tinha
cessado de pagar tributo, e destruíram inúmeras tribos selvagens. No princípio do sétimo
século, no cálculo dos Bárbaros Brancos, os guerreiros Ugha Mongulala mais uma vez
avançaram até ao coração da grande floresta no sul do império e até à parte baixa do
Grande Rio. O velho império de Lhasa parecia ressurgir do passado.

Assim principiou a Grande Guerra. Os exércitos dos Servos Escolhidos avançaram.


Atacaram a Tribo das Grandes Vozes. Esmagaram a sua arrogância. Os arqueiros e
fundeiros subiram as paliçadas. Arrombaram as portas das povoações do inimigo.
Mataram mais adversários do que os que se podiam contar, e um grande saque caiu-
lhes nas mãos. Eis a lista: flautas de osso e chavelhos de concha, preciosos enfeites de
penas dos Grandes Pássaros da Floresta, peles de jaguar e escravos. Capturaram tudo.
As Tribos Escolhidas ganharam uma força que não possuíam há milhares de anos.

Segundo A Crônica de Akakor, os exércitos aliados dos Ugha Mongulala e os


Bárbaros combateram nos quatro cantos do império e obrigaram as Tribos Degeneradas a
pôr-se em fuga. Era a época do castigo e da retribuição da sua traição ao legado dos
Primitivos Mestres. Só na fronteira oeste de Akakor se puseram à defesa. Fiel à ordem dos
Antigos Pais de nunca combater contra os seus próprios irmãos, o Alto Conselho limitou-se
a mandar erigir um alto paredão contra os Incas. Durante treze anos, trinta mil aliados
trabalharam na larga muralha de pedra, com os seus suportes e defesas. Torres de vigia
quadradas, feitas de gigantescos silhares, foram colocadas a seis horas de distância, a passo.
Eram armazéns de armas e mantimentos e também casernas. Estradas pavimentadas
ligavam as fortalezas com Akakor.
Uma grande campanha para o norte foi o maior feito militar no décimo primeiro
milênio. Quando da sua chegada, os Bárbaros tinham-se referido a um povo de pele
castanha que usava penas. Viviam para além dos estreitos do Norte e haviam comerciado
com os seus antepassados. Desde essa época os sacerdotes começaram a descobrir no céu
sinais ominosos e o Alto Conselho receava um iminente ataque de nações desconhecidas. O
Conselho decidiu organizar um grande exército e enviá-lo para a fronteira mais
setentrional. Deste modo, um milhão de guerreiros Ugha Mongulala e das Tribos Aliadas
partiram no ano 11.126 (645 d. C.), tal como está escrito na crônica:
E o príncipe assim falou à assembléia reunida: “Partam para esse país. Nada receiem.
Se houver inimigos, combatam-nos, matem-nos. E mantenham-nos informados para
vos podermos ajudar”. Estas foram as suas palavras. E a força gigantesca partiu. E
todos marcharam: batedores, arqueiros, fundeiros e lanceiros. Passaram para além das
colinas. E também ocuparam as praias dos oceanos. E, por ordem do príncipe,
continuaram a avançar. Marcharam para o norte e construíram poderosas cidades para
mostrar a força das Tribos Escolhidas.

A maior campanha da história das Tribos Escolhidas terminou sem qualquer


resultado concreto. Poucas luas depois da partida do exército, as comunicações foram
subitamente cortadas. As últimas informações a chegar a Akakor referiam-se a uma
tremenda catástrofe. O país para além das fronteiras era agora um mar de chamas. Os
guerreiros sobreviventes fugiram para o norte e juntaram-se a um povo estranho. Só mil
anos mais tarde, quando os Bárbaros Brancos avançaram no Peru, os receios do Alto
Conselho foram confirmados: estranhos guerreiros vieram do norte e destruíram o império
Inca. E com a sua chegada o poderoso e tranqüilo império dos Ugha Mongulala e dos
Bárbaros desapareceu também.

UM MILÊNIO DE PAZ

O império tranqüilo durou mil anos, desde 11.051 a 12.012 (570 – 1531 d. C.).
Neste período, só duas tribos tinham força e prestígio: os Ugha Mongulala, a nação das
Tribos Escolhidas e os Incas, os filhos do Sol. Haviam divido o país entre eles e viviam em
paz. Os descendentes de Viracocha, o Degenerado, governaram um enorme império desde
Cuzco. Em Akakor, o legítimo sucessor dos nossos Antigos Pais governava de acordo com
o legado dos Deuses.

Os Servos Escolhidos conheceram a felicidade. Viveram em paz. Na verdade, o seu


império era grande. Ninguém os podia prejudicar. Ninguém os podia derrotar; a sua
força crescia constantemente. Tudo começou com a chegada dos Bárbaros. Tanto as
maiores como as mais pequenas tribos ficaram transidas de medo; receavam os
guerreiros de ferro. Dispunham-se a servir as Tribos Escolhidas e trouxeram muitas
dádivas. Mas os sacerdotes voltaram a face para o céu. Deram graças pelos seus fortes
aliados. Sacrificaram incenso e mel das abelhas. E rezaram assim aos Deuses: “Dai-
nos filhas e filhos. Protegei o nosso povo do mal e do pecado. Protegei-o da lascívia;
não os deixei tropeçar quando sobe e quando desce. Defendei-nos os caminhos e as
estradas. Que nenhuma infelicidade e nenhum mal aconteçam a esta aliança. Preservai
a unidade nos quatro cantos e nos quatro lados da Terra, para que a paz e a felicidade
possam governar no império das Tribos Escolhidas”.

E os Deuses prestaram atenção às orações dos sacerdotes e abençoaram a união


entre a nação dos Bárbaros e dos Ugha Mongulala. Os guerreiros estrangeiros que haviam
cruzado o oceano nos seus navios com dragões de boa vontade se submeteram ao legado
dos Deuses. Aprenderam a nossa língua e a nossa escrita, e dentro em pouco fundiram-se na
nossa nação. Os seus chefes ocuparam importantes cargos na administração do império. Os
seus generais tornaram-se o terror das tribos inimigas. Os seus sacerdotes chegaram mesmo
a renunciar ao seu falso credo, que tinham trazido escrito num grande e pesado livro
encadernado em ferro. Este livro, a que os soldados alemães chamavam “Bíblia”, está
escrito com sinais ininteligíveis para o meu povo. Contem gravuras da vida dos Bárbaros
no seu próprio país e também fala num poderoso Deus, que veio à Terra em sinal-da-cruz
para libertar os homens do obscurantismo. Mil anos mais tarde os Bárbaros traçaram a sua
origem divina com o mesmo sinal. Em seu nome e em sua honra destruíram o império dos
Incas e deram a morte a milhões de pessoas. Mas até a sua chegada, que está descrita na
terceira parte da Crônica de Akakor, os Ugha Mongulala e os Bárbaros viveram
tranqüilamente unidos, de acordo com o legado dos Antigos Pais. Faziam os sacrifícios
prescritos, honravam os Deuses e recordavam o muito distante período em que na Terra não
havia nem homens nem o Grande Rio, como está escrito na crônica:

Foi há muitos, muitos anos, quando o Sol e a Lua se queriam casar. Mas ninguém
podia uní-los. Porque o amor do Sol era feito de fogo e poderia incendiar a Terra. E as
lágrimas da Lua eram muitas, tantas que teriam inundado a Terra. Assim, ninguém os
uniu e os Sol e a Lua separaram-se. O Sol seguiu um caminho e a Lua seguiu outro.
Mas a Lua chorou durante todo o dia e toda a noite. E as lágrimas do seu amor
inundaram a Terra e aumentaram o mar. E o mar zangou-se e as suas águas, que
cresceram durante seis luas e desceram durante outras seis luas, repeliram as lágrimas.
Assim, a Lua deixou-as cair na Terra e com elas criou o Grande Rio.

O LIVRO DA FORMIGA

Esta é a formiga.
Infatigável no seu trabalho,
Não conhece desfalecimento.
Constrói grandes colinas.
Estabelece poderosas comunidades.
O seu número é incontável.
Destrói tudo.
Arranca a carne dos ossos
Do jaguar abatido.
I – OS BÁRBAROS BRANCOS NO IMPÉRIO DOS INCAS

1.492 – 1.534

A transição da Idade Média para a Era Moderna foi caracterizada pelas


descobertas dos Portugueses e dos Espanhóis. Levaram as nações do Ocidente da Europa
através do oceano. Ousados navegadores já haviam descoberto as ilhas do Atlântico na
primeira metade do século quinze, e em 1.492 Cristóvão Colombo descobriu a América.
Fez quatro viagens ao Novo Mundo e fundou a primeira colônia espanhola no Haiti. Em
1.500, o navegador português Cabral descobriu o Brasil. Em 1.519, Cortez partiu para a
conquista do México. O rei asteca Montezuma II capitulou ao fim de três anos de luta e foi
assassinado pelos espanhóis. Zelosos missionários cristãos destruíram a velha civilização
mexicana. Em 1.531. Pizarro começou a conquista do Peru. O poderoso império dos Incas,
que enfraquecera devido a uma guerra civil, foi derrotado depois de três anos de luta contra
as tropas espanholas, muito mais bem armadas. O seu rei do Sol, Ataualpa, que fora traído e
capturado, é estrangulado em 1.533. Apenas alguns restos desta civilização altamente
desenvolvida, tal como arquitetura, escrita de nós e objetos de ouro, sobreviveram a esta
destruição. A população inca, que os escritores contemporâneos calculam ter atingido dez
milhões, foi reduzida para três milhões dentro de poucos anos. O valor dos lingotes de ouro
do Peru transportados pelos espanhóis totalizou cerca de cinco mil milhões de dólares em
moeda atual.

A CHEGADA DOS BÁRBAROS BRANCOS

Tudo está incluído na Crônica de Akakor, narrado com boas palavras e numa
escrita clara. Mas eu estou a contá-lo quando o tempo já está no fim. Estou a expor o Livro
da Sabedoria e a vida do meu povo de acordo com o legado dos Deuses, para fazer um
relato sobre o passado e o futuro. Porque os Ugha Mongulala estão condenados à perdição.
Cada vez morrem mais árvores com a raiz apodrecida. Os guerreiros mortos pelas setas
invisíveis dos Bárbaros Brancos são cada vez mais numerosos. Um interminável rio de
sangue passa através das florestas para o Grande Rio e até as próprias ruínas de Akakor.
Desde que os Bárbaros Brancos avançaram no país a depressão dominou o meu povo, tal
como está escrito na crônica:
Estranhas notícias chegaram ao Alto Comando acerca de estrangeiros de barbas e de
poderosos navios que deslizam silencioso sobre as águas, com mastros que chegam ao
céu. Chegaram novas sobre estrangeiros brancos, fortes e poderosos como deuses.
Eram como os nossos Antigos Pais. E o Alto conselho ordenou que se acendessem
fogueiras de alegria, pensando nos Primitivos Mestres. E ofereceram sacrifícios aos
Deuses, que por fim, haviam voltado. E as alegres notícias eram propagadas de
homem para homem. As novidades espalharam-se de tribo em tribo; os tambores
soavam dia e noite. e toda a nação chorava de alegria. Porque se cumprira a profecia.
Os Deuses estavam voltando.
No inicio do ano 12.013 (1.532 d. C.) tais pensamentos ainda eram considerados
sacrílegos. Parecia que a profecia dos Antigos Pais se podia cumprir. Seis mil anos depois
da sua última visita à terra, voltavam tal como haviam prometido. Por isso, a alegria do
Povo Escolhido era grande. Surgia uma nova era, o regresso aos dias em que os Ugha
Mongulala governavam o mundo, a norte, sul, oeste e leste. Quem não partilhavam do
júbilo geral eram os sacerdotes. Duvidavam da notícia do regresso dos Deuses, embora a
data correspondesse ao que haviam predito. Há doze mil anos os Antigos Pais haviam
abandonado a Terra. Seis mil anos tinham passado desde a morte de Lhasa. Mas os
sacerdotes, que tudo sabem, que vêem o futuro e para quem nada é oculto, observavam no
céu sinais ominosos. Dentro em pouco verificou-se que era um erro cruel a notícia do
regresso dos nossos Primitivos Mestres. Os estrangeiros não vinham com boas intenções,
para assumir o poder com generosidade e sabedoria. Em vez de felicidade e paz interior,
trouxeram lágrimas, carnificina e violência. Numa fúria de ódio e ambição, os estrangeiros
destruíram o império da nação nossa irmã, os Incas. Queimaram cidades e aldeias e
mataram homens, mulheres e crianças. Os Bárbaros Brancos, como ainda hoje lhes
chamamos, desprezaram o legado dos Antigos Pais. Erigiram templos com a cruz e
sacrificaram milhões de homens em sua honra. Uma grande estrela aproximou-se da Terra e
espalhou uma triste luz sobre as planícies e montanhas. O Sol também mudara, tal como
está escrito na Crônica:

“Desgraça sobre nós. Os sinais indicam desastre. O Sol não é brilhante e amarelo, mas
vermelho como sangue espesso”. Assim falaram os sacerdotes. “Os estrangeiros não
trazem paz. Não confiam no legado dos Antigos Pais. Os seus pensamentos são feitos
de sangue. Espalharam sangue sobre todo o império”.

O desastre que os nossos sacerdotes haviam predito incidiu primeiro sobre os


Incas. Rompeu uma guerra civil no seu império. Os dois filhos de Huayana Capac lutaram
pelo cargo de príncipe. Na sangrenta batalha nos campos em redor de Cuzco, o primogênito
Huascar foi derrotado pelo seu irmão mais novo, Ataualpa. O vencedor e o seu exército
avançaram para a capital e começaram um reino sangrento de terror. Ataualpa teria
destruído os partidários do seu infeliz irmão se os estrangeiros não tivessem desembarcado
nas costas do oceano ocidental. Esta chegada evitou a sua última vitória.

Poderosos navios alcançaram a costa. Vinham silenciosamente, cortando a água. E


homens com barbas desembarcaram com armas eficazes e estranhos animais, tão
rápidos e fortes como o caçador jaguar. E, num dia, poderosos inimigos ergueram-se
contra Ataualpa. Ganhou cruéis inimigos, que eram falsos e cheios de ardis.

A DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO INCA

Pouco depois da sua chegada ao Peru, os Bárbaros Brancos deixaram conhecer


as suas intenções. Impressionados com a riqueza de Cuzco, iniciaram uma cruel guerra de
conquista. Primeiro atacaram cidades junto à costa. Ocuparam os terrenos adjacentes e
subjugaram as Tribos Aliadas dos Incas. Depois, os Bárbaros Brancos juntaram-se para uma
campanha nas montanhas dos Andes. No local chamado Catamarca, a dez horas a pé de
Cuzco, encontraram o exército de Ataualpa, o príncipe dos filhos do Sol.

Os guerreiros contam histórias terríveis. Medonhas eram as suas revelações. Ataualpa


teve de pagar caro a sua arrogância. Caiu vítima de uma cilada dos estrangeiros. Foi
traído e capturado. E o segundo filho de Huayana Capac foi preso. Os seus guerreiros
foram mortos pelos Bárbaros Brancos. A planície tingiu-se de vermelho com o
sangue, que chegava aos tornozelos quando os Incas perderam a batalha. E os
guerreiros Barbados avançaram ainda mais. Assassinando e roubando, alcançaram
Cuzco. Violaram mulheres. Roubaram o ouro. Até os túmulos foram partidos para
serem abertos. A tristeza e o desespero dominaram as montanhas onde outrora
Ataualpa, o príncipe dos filhos do Sol, havia sido poderoso.

O meu povo soube da verdadeira crueldade dos Bárbaros Brancos por muitos
refugiados incas. Os estrangeiros Barbados cometeram piores atrocidades do que as tribos
selvagens. Umas simples doze luas tinham passado depois da sua chegada, quando uma
profunda escuridão envolveu o império dos filhos do Sol, iluminado só pelas cidades e
aldeias em chamas. Pouco depois, os Ugha Mongulala tiveram de reconhecer a terrível
verdade: a nação irmã estava condenada a perecer. Os estrangeiros tinham armas especiais
que mandavam trovões em chamas. Tinham estranhos animais com pés de prata, que,
guiados pelos homens, espalhavam a morte e a perdição nas fileiras dos filhos do Sol. Os
guerreiros de Ataualpa fugiram em pânico.
Mas os Incas eram uma nação forte. Apesar da superioridade das armas dos
estrangeiros, combateram duramente em defesa do seu país. Depois da terrível derrota de
Catamarca, os que restavam do exército juntaram-se nas montanhas que cercam Cuzco e
nos limites do país chamado Bolívia. A força principal cortou os caminhos da montanha
que levavam à costa. Desta maneira evitaram o avanço dos Bárbaros Brancos durante muito
tempo. Só quando os estrangeiros queimaram Ataualpa vivo, em honra do seu deus, e se
cumpriu o que os nossos sacerdotes haviam predito, eles cessaram de resistir. O império
inca desmoronava-se numa terrível tempestade de fogo.

Desgraça dos filhos do Sol. Que medonha sorte se abateu sobre eles! Traíram o legado
dos Deuses, e agora eles próprios tinham sido traídos. Foram castigados, batidos até
sangrarem, pelos Bárbaros Brancos. Porque estes estrangeiros não conheciam
piedade. Não poupavam as mulheres, nem sequer as crianças. Comportavam-se como
animais selvagens, como formigas, destruindo tudo no seu caminho. A era do sangue
começara para os filhos do Sol. Toda uma nação está a expiar os pecados de
Viracocha. E os dias maus começaram quando o Sol e a Lua se escureceram com o
sangue.

A RETIRADA DOS UGHA MONGULALA

Cinco anos depois da chegada dos Bárbaros Brancos, o império inca


assemelhava-se a Akakor depois da sua primeira Grande Catástrofe. A sua capital estava em
ruínas. Vilas e aldeias haviam sido queimadas. Os sobreviventes tinham-se retirado para as
altas montanhas ou serviam os Bárbaros Brancos como escravos. O sinal-da-cruz que se
identifica com o sinal da morte, podia ver-se em toda parte. Até então os Ugha Mongulala
tinham testemunhado a tragédia só à distância. Os Bárbaros Brancos estavam inteiramente
ocupados com a pilhagem da riqueza dos Incas. Os guerreiros receavam a densidade da
selva de cipós na encosta leste dos Andes e só os incas em fuga atravessaram a fronteira
fortificada que Lhasa havia construído.
No ano 12.034, a guerra também alcançou Akakor. Os espanhóis, como os
Bárbaros Brancos se chamavam, souberam da existência da nossa capital por traição. Como
sua ânsia de ouro era infinita, equiparam um exército. Após grandes lutas com a Tribo dos
Demônios do Terror, avançaram pela parte oriental dos Andes, na região de Machu Picchu.
O Alto Conselho tinha de tomar uma decisão da mais alta importância: ou combater os
Bárbaros Brancos ou retirar-se para o interior da região de Akakor. O príncipe Umo e os
mais velhos do povo decidiram pela retirada, embora os chefes guerreiros aconselhassem o
contrário. Ordenaram que as cidades fronteiriças fossem abandonadas e que todos os sinais
da capital fossem destruídos. Só pequenas tropas de defesa eram deixadas atrás, nas regiões
abandonadas, para observar os movimentos dos guerreiros inimigos a avisar Akakor de
qualquer ataque. Esta foi a decisão de Umo. E assim se fez.
Posteriores acontecimentos provaram a perspicácia do príncipe Umo. A sua
decisão salvou os Ugha Mongulala de uma guerra que nunca poderiam ter ganho. Mas
também condenou os Incas à extinção. O Alto Conselho recusou o apelo de auxílio feito
pelos generais incas e preparou-se para um conflito defensivo. Se na verdade tivesse de
haver uma guerra, que se travasse onde as altas barreiras pudessem pôr em perigo os
Bárbaros Brancos – nos altos vales dos Andes e entre a selva de cipós do Grande Rio. Os
guerreiros obedeceram às instruções do Alto Conselho. Retiraram-se das regiões que
ofereciam mais perigo. Com o coração angustiado, de má vontade, abandonaram Machu
Picchu, a cidade sagrada de Lhasa. Longas filas de carregadores transportaram todos os
objetos, como jóias, dádivas para sacrifícios e provisões, para Akakor. Depois os guerreiros
arrasaram as casas e os muros e destruíram as estradas que lhes ficavam para trás. Os
sacerdotes destruíram templos. Os artesãos bloquearam todas as entradas com pesadas
pedras. Tão cuidadosamente cumpriram as ordens dos seus maiores que hoje mesmo os
Ugha Mongulala só conseguem encontrar Machu Picchu com auxílio de mapas e de
desenhos. Só os subterrâneos da Montanha da Lua ficaram incólumes. Porque ninguém que
não entenda os sinais do passado é capaz de revelar o segredo do Exaltado Filho dos
Deuses, Lhasa.

E, assim. O grande-sacerdote vedou a entrada da cidade santa. Ocultava o segredo do


Exaltado Filho dos Deuses, o criador e formador, o governador dos quatro ventos, nos
quatro cantos do mundo e sobre a face do céu. E com estas palavras vedou o segredo:
“Devem ficar na sombra da vossa sombra quando os olhos dos Deuses se erguem e a
Terra ainda está escurecida pela noite. Então a sombra da sua sombra apontará o
caminho. Mostrar-lhes-á a direção do coração do Céu ao coração da Terra”.

Durante muito tempo parecia que os Deuses queriam poupar os Ugha


Mongulala à sorte da nação sua irmã, e Akakor foi interdita aos Bárbaros Brancos. Se bem
que na sua campanha avançassem na região dos afluentes do rio Vermelho, nunca passaram
as florestas nas encostas orientais das montanhas. Os seus guerreiros morreram devido a
doenças desconhecidas das Grandes Florestas, caíram feridos pelas setas envenenadas das
Tribos Aliadas. Só um simples grupo alcançou os arredores da capital do meu povo. No
monte Akai, a três horas de distância a pé de Akakor, foi travada uma memorável batalha,
que foi descrita na crônica para conhecimento da posteridade.

Foi no monte Akai que os guerreiros encontraram os Bárbaros Brancos, com as suas
terríveis armas e os guerreiros de ferros dos Servos Escolhidos. Durante muito tempo
a batalha manteve-se indecisa. Os exércitos batiam-se valentemente. Então os Servos
Escolhidos atreveram-se a atacar. Avançaram para o centro dos seus inimigos.
Cegaram-nos com tochas. Dificultaram-lhes os movimentos das pernas estendendo
cordas. Bateram-lhes com pedras na cabeça até o sangue lhes saltar pelo nariz e pela
boca. E os Bárbaros Brancos fugiram em pânico, deixando atrás de si as suas armas,
os seus animais e os seus escravos. Só queriam salvar a vida, e nem isso conseguiram
inteiramente. Dificilmente alguns conseguiram fugir e muitos foram trazidos como
cativos para Akakor.

Os cativos foram os primeiros Bárbaros Brancos de Akakor. Os Ugha


Mongulala olharam-nos com horror e com medo. Só os sacerdotes os consideravam com
desprezo. Atiraram a porcaria da terra sobre os falsos crentes como penhor da sua
humilhação. Então o Alto Conselho enviou os Bárbaros Brancos como escravos para as
minas de ouro e prata. Até ao fim dos seus dias expiaram os seus crimes, tal como está
escrito na crônica:

Estas são as notícias. Assim falou o alto-sacerdote aos Bárbaros Brancos: “Quem vos
fez nascer para poderdes governar sobre a vida e a morte? Quem sois vós que
desprezais o legado dos Deuses? Donde viestes para trazerdes a guerra ao nosso país?
Verdadeiramente o que fazeis é mau. Derramastes sangue. Fizestes a caça ao homem.
Destruístes as tribos dos filhos do Sol e espalhastes o seu sangue sobre as
montanhas”. Estas foram as palavras do grande-sacerdote. Foram terríveis. Mas o
coração dos Bárbaros Brancos manteve-se duro e levou-lhes tempo a encarar a sua
sorte. Enfrentavam o cativeiro eterno.

II – A GUERRA NO LESTE

1.534 – 1.691

Seguindo as descobertas dos navegadores espanhóis e portugueses, a civilização


começou a expandir-se no Novo Mundo. O poder marítimo da Espanha e de Portugal (a
que mais tarde se juntaram a Inglaterra e os Países Baixos) tornou-se rico com a exploração
das suas colônias. Enquanto a Espanha saqueava o Peru e o México. Portugal iniciava a
conquista da costa leste do Brasil. Em 1.541 – 1.542, Orellana, um companheiro de luta de
Pizarro, iniciou a sua histórica viagem através do continente sul-americano. Foi o primeiro
a navegar no Amazonas, a que deu este nome devido ao encontro que teve com mulheres
guerreiras. Depois do seu regresso ao Novo Mundo, em 1.546, morreu de malária na
embocadura do Amazonas. Nesta época, os Ingleses e os Holandeses começaram a explorar
os afluentes do Amazonas. Belém foi fundada em 1.616 pelo português Caldeira Castelo
Branco, em nome de Portugal e Espanha, e a exploração da Amazônia pelos portugueses
iniciou-se aqui. A figura principal foi Pedro Teixeira, que repetiu a proeza de Orellana em
1.637, mas em direção oposta. Determinou, em nome de Portugal, a futura fronteira oeste
do Brasil, na confluência do rio Aguarico com o rio Napo. Pedro Teixeira, que se gabara de
ter morto trinta mil selvagens com as suas próprias mãos, morreu em 1.641. De acordo com
o que calcula o padre jesuíta Antonio Vieira, os conquistadores portugueses assassinaram
dois milhões de índios no período de trinta anos.

A CHEGADA AO LESTE DOS BÁRBAROS BRANCOS

Onde está a Tribo da Glória Crescente? Que foi feito dos Incas, os filhos do Sol?
Onde estão a Tribo das Grandes Vozes, a Tribo dos Comedores de Refugo e muitos dos
povos primitivos poderosos das Tribos Degeneradas? Digamos que a cobiça e a violência
dos Bárbaros Brancos fizeram-nos desaparecer, derreter, como acontece à neve sob o calor
do sol. Muito poucos conseguiram fugir para o interior das florestas. Outros esconderam-se
no topo das árvores, tal como a Tribo que Vive nas Árvores. Aí não têm quaisquer roupas
de proteção nem nada para comer. Ninguém sabe onde estão, e talvez agora já estejam
mortos. Outras tribos se renderam aos Bárbaros Brancos, que lhes dirigiram palavras
amigas. Mas as boas palavras não são compensação para a miséria de todo um povo. As
boas palavras não dão saúde e não evitam que o povo morra. As boas palavras não dão ás
tribos um novo país onde possam viver em paz, caçar livremente e tratar dos seus campos.
Tudo isto viu o meu povo com os próprios olhos. Os nossos batedores trouxeram essas
notícias depois de se terem aventurado no território dos Bárbaros Brancos. O meu coração
sofre quando penso em todas as falsas promessas que fizeram. Mas, na realidade, não
podemos esperar que os rios corram da foz para a nascente, como também não esperamos
que os Bárbaros Brancos cumpram a sua palavra. Porque são maus e traidores, como está
escrito na crônica:

“Seiva vermelha escorre das árvores, seiva que é como sangue”. Assim falaram os
mensageiros das Tribos Aliadas quando vieram para junto dos Servos Escolhidos.
“Porque os Bárbaros Brancos também tinham desembarcado no Leste com os seus
navios, cujos mastros tocavam o céu. Vieram com as suas armas, cujo ribombar
enviava a morte a distância e cujas setas não se conseguiam ver. Assim ocuparam a
terra”. Isto foi o que os mensageiros contaram. Esperaram com muita impaciência e
pediram a decisão do Alto Conselho. Imploraram a proteção dos Deuses:”Não nos
abandoneis”, suplicavam eles. “Daí armas aos nossos homens, para que possam
expulsar o inimigo do nosso país, de modo que a luz possa voltar ao império dos
Servos Escolhidos”. Assim falaram os mensageiros, os guerreiros que sofriam, os
desesperados homens das Tribos Aliadas. E esperavam pelo Sol que ilumina a
abóbada do Céu e a face da Terra. Assim eles esperaram e trouxeram para Akakor a
notícia da chegada ao Leste dos Bárbaros Brancos.
No início do décimo terceiro milênio, a guerra na fronteira oeste alcançou um
temporário período de calma. Os espanhóis estavam cansados das batalhas devastadoras.
Renunciaram à conquista das encostas orientais dos Andes e desistiram de atacar Akakor.
Uma vasta terra-de-ninguém, só guardada pelos nossos batedores, foi colocada entre o
império recentemente estabelecido e o reino dos Ugha Mongulala. Já não havia perigo de
que a nossa capital pudesse ser descoberta. Contudo, mal os Bárbaros Brancos haviam
parado com o seu avanço no oeste do país, eles começaram a desembarcar no Leste também
e ocuparam a região costeira. Subiram o Grande Rio até alcançarem os acampamentos das
Tribos Aliadas. A luta começou outra vez: uma nova guerra entre os Bárbaros Brancos e o
Povo Escolhido.
Mas os Ugha Mongulala tinham aprendido com a extinção dos Incas. Evitavam
encontrar o inimigo em campo aberto. Os seus guerreiros atacavam os Bárbaros Brancos só
em emboscadas. Ao mesmo tempo abandonavam todas as cidades e aldeias nesta região. Os
nossos inimigos só encontravam nas suas investidas acampamentos desertos. Sofriam de
fome e de sede. Nas florestas impenetráveis mantinham-se em círculo. Muitos deles caíram
vítimas da arma mais terrível, o veneno, segredo mantido desde os Primitivos Mestres.
Com estas novas táticas o meu povo conseguiu por muito tempo manter os Bárbaros
Brancos afastados do centro do Império. Aí então aconteceu um fato inesperado. Muitas
tribos aliadas renunciaram à sua vassalagem a Akakor. Traíram o legado dos Deuses e
começaram a adorar o sinal-da-cruz.

A DESTRUIÇÃO DAS ATRIBOS ALIADAS

A Tribo das Caras Torcidas, na região baixa do rio Negro, iniciou a rebelião das
Tribos Aliadas nas províncias do Leste do Império. Esta nação fora aliada dos Ugha
Mongulala desde os tempos de Lhasa. Depois da chegada dos Bárbaros Brancos, a tribo,
que contava oitenta mil cabeças, traiu o legado dos Deuses e declarou guerra a Akakor.
Dentro de alguns meses a guerra generalizava-se por todo o Império. Na região afluente do
Grande Rio, a Tribo da Glória Crescente revoltou-se. Os seus guerreiros atacaram as
cidades do complexo- templo de Salazere, e penetraram profundamente no interior do
Império. A Tribo dos Matadores de Antas, que tinha originariamente considerado os
Bárbaros Brancos com suspeita, devastou as fortalezas de Mano, Samoa e Kin. Só alguns
guerreiros Ugha Mongulala conseguiram fugir à carnificina. Fugiram para as regiões de
florestas inacessíveis, na parte baixa do Grande Rio. Com o decorrer dos séculos os seus
descendentes juntaram-se às tribos selvagens. Só conservam a pele branca dos Servos
Escolhidos como testemunho da sua origem. Perderam o legado dos Deuses.
As mais pesadas perdas deram-se durante os combates nas regiões do Sul do
Império. A Tribo dos Vagabundos, que fora aliada de Akakor, abandonou as suas velhas
instalações. Assassinando e roubando, seguiram ao longo da parte baixa do Grande Rio até
à costa leste do oceano, tal como está escrito na crônica:

Esta é a história da deserção da Tribo dos Vagabundos. Quando ouviram as notícias


acerca dos homens com barba, ficaram muito surpreendidos. Porque não ir lá?
Porque não ir ver os estrangeiros? E exclamaram: “Com certeza trazem muitas
prendas, melhores que a dos Servos Escolhidos”. E partiram. Alcançaram na orla do
oceano os navios dos Bárbaros Brancos. Os estrangeiros Barbados receberam-nos
com simpatia; eram espertos. Deram-lhes bonitas roupas e pérolas brilhantes.
Ofereceram-nos como penhor de amizade. E os Vagabundos ansiaram tanto por estas
dádivas que esqueceram o legado dos Deuses. Submeteram-se aos Bárbaros Brancos.
Assim chegou ao fim a sua aliança dom os Servos Escolhidos. Lhasa estabelecera-o:
era sagrado. Agora perdera o seu valor e só os restos ficavam. Mas o legado dos
Deuses é maior. É mais forte que a traição das Tribos Aliadas. A sua essência não se
perdeu, não se pode desperdiçar. A imagem dos Primitivos Mestres não se pode
extinguir – nem por milhares de anos, nem nunca.

A traição das Tribos Aliadas pôs em perigo a vida dos Ugha Mongulala. Com o
fim de perturbar as forças superiores do inimigo, Akakor serviu-se de ardis. Guerreiros
escolhidos pintados com as cores das tribos rebeldes atacaram os postos avançados dos
Bárbaros Brancos. Mataram os inimigos e deixaram atrás de si sinais dessas tribos. Os
Bárbaros Brancos vingaram-se cruelmente do que julgavam ser o ataque dos seus aliados.
Dentro em pouco uma grande e confusa guerra eclodia entre os Bárbaros Brancos e as
tribos que haviam desertado de Akakor, os povos selvagens e os Ugha Mongulala. A Tribo
dos Vagabundos sofreu pesadas perdas. Quase todo o povo foi massacrado. A Tribo dos
Matadores de Antas fugiu para as montanhas ao norte do Grande Rio. A Tribo da Glória
Crescente só teve a possibilidade de se submeter a Akakor.

Foi terrível a sorte dos rebeldes. O seu rosto, o seu corpo e a sua própria alma ficaram
vermelhos de sangue. As suas sombras vagueavam pela terra sem descanso. Sofreram
toda espécie de dores. Foram mortos. Nem uma só vida foi poupada. O castigo da sua
falsidade foi a morte. Tinham corações falsos, ao mesmo tempo pretos e brancos. E
pagaram com a morte a sua traição.
O declínio final do meu povo começou com a deserção das Tribos Aliadas.
Como uma horda de formigas, os Bárbaros Brancos avançavam cada vez mais.Se centenas
deles eram mortos, surgiam milhares. Construíram cidades e acampamentos e
estabeleceram o seu próprio império na parte baixa do Grande Rio. Surgiu uma nova
ordem, que excluía os Servos Escolhidos e era contra o legado dos Deuses. Seguiu-se uma
época de obscurantismo, na qual só o terrível som das asas dos abutres e o piar dos mochos
se podiam ouvir. Mas antes de o obscurantismo alastrar até os limites de Akakor desceram
os Akahim na nação irmã dos Ugha Mongulala.
A LUTA DE AKAHIM
Desde a época do Exaltado Filho dos Deuses,Lhasa, Akakor e Akahim, a cidade
irmã nas montanhas de Parima, tinham sido aliadas. Durante milhares de anos, os Ugha
Mongulala e o povo de Akahim haviam trocado presentes. Regularmente havia embaixadas
que visitavam os respectivos países. Os seus guerreiros combatiam juntos as tribos
inimigas. Só a chegada dos Bárbaros Brancos, no décimo segundo milênio, trouxe certa
tensão a estes laços fraternais. Os Akahim receavam as terríveis armas de ferro e pensaram
que os Ugha Mongulala os queriam submeter. Praticamente Akahim quebrou todas as
relações. Batedores dos dois impérios encontravam-se raramente, para trocar ofertas, fazer
sacrifícios e reafirmar amizade e paz.
O desembarque dos Bárbaros Brancos na foz do Grande Rio deu uma forma
decisiva à sorte de Akahim. As Tribos Aliadas traíram o seu império a favor dos guerreiros
estrangeiros. Equiparam os seus navios e partiram em busca da misteriosa cidade. Os
Akahim enfrentavam o mesmo dilema que os Ugha Mongulala oitenta anos antes, quando o
império dos Incas fora vencido: a escolha era a guerra contra os Bárbaros Brancos ou
recuar para as montanhas de Parima. A fim de evitar uma guerra sangrenta, o Alto Conselho
decidiu pela retirada. Porém, quando cento e trinta dos mais velhos deram ordem de paz,
aconteceu uma coisa jamais ouvida: as mulheres resistiram a esta decisão. Derrubaram o
Alto Conselho e tomaram elas próprias o Poder. Sob a chefia da corajosa Mena, obrigaram
os homens a pegar nos arcos e nas setas e a enfrentar os Bárbaros Brancos.

“Vamos para a guerra”! Assim falaram as mulheres. “Não somos bastante numerosos
para expulsar os estrangeiros de barbas? Não somos bastante fortes para os derrotar?”
E as mulheres de Akahim ergueram-se. Quebraram as suas tigelas e quebraram as
suas panelas. Apagaram o fogo das lareiras e foram para a guerra. Queriam mostrar a
sua força aos Bárbaros Brancos. Iam esmigalhar-lhes os ossos e transformar em pó a
sua carne.

A guerra dos Akahim contra os Bárbaros Brancos é um dos mais orgulhosos


capítulos da história da humanidade. Aliados aos sobreviventes da Tribo dos Vagabundos,
travaram grandes batalhas contra o inimigo. As mulheres guerreiras atacaram com grandes
canoas os navios inimigos que estavam ancorados. Atiraram setas de fogo contra as suas
velas e incendiaram-nos. Para parar o avanço dos inimigos, obstruíram os rios com pedras
gigantescas. Tal como os Ugha Mongulala, destruíram o seu próprio país. Deste modo, os
Akahim resistiram ao ataque dos Bárbaros Brancos durante sete anos. Durante todo este
tempo mataram milhares de guerreiros Barbados e também foram mortos aos milhares. E
então a força de Akahim cedeu. As mulheres tinham provado a sua coragem e trazido o seu
povo quase para a perdição. Os lamentos da nação irmã eram tão grandes que choros,
tristezas e lamentos também se ouviam em Akakor.

A terra estava vermelha, vermelha de verdadeiro sangue. Mas era uma boa morte que
a valorosa Akahim encontrara – a melhor. Quebrou a força dos inimigos. Esmagou os
seus ossos como faz a mó ao trigo para transformar em farinha. Atirou com os seus
ossos para a corrente do rio. E a água levou-os por entre montanhas, tanto as menores
como as maiores.
As mulheres de Akahim eram chamadas “Amazonas” na linguagem dos
Bárbaros Brancos e mantêm-se valentes guerreiras. Apesar das pesadas perdas,
conseguiram ordenar de novo a vida da comunidade no decorrer dos séculos e evitar o
avanço dos Bárbaros Brancos no território tribal. Separaram-se das Tribos Aliadas e
estabeleceram uma nova ordem na vida da comunidade. Presentemente só dez mil pessoas
restam da primitivamente tão poderosa tribo que vivia nos inacessíveis vales das montanhas
de Parima. Passam a maior parte da sua vida nas moradias subterrâneas dos Deuses. Só
vêm à superfície para tratar dos seus campos e caçar.
A vida dos Akahim diverge completamente da do meu povo. São governados
por uma princesa que é descendente da belicosa Mena. É soberana absoluta do seu povo.
Escolhe os membros do Alto Conselho, os chefes guerreiros e os oficiais. Todos os altos
cargos são reservados às mulheres. Os homens servem como simples soldados ou
trabalham nos campos. Mesmo o mais alto sacerdote é uma mulher. Como no meu país, ela
preserva o legado dos Deuses. Desde a rebelião das mulheres, Akahim não conhece o
casamento. Só durante a gravidez homens e mulheres entram numa união livre. Depois do
nascimento da criança, o homem é mais uma vez rejeitado pela mulher. Desde os doze anos
as raparigas têm o privilégio da educação nas escolas das sacerdotisas e são treinadas na
arte da guerra e na administração do seu domínio. Desta idade em diante os rapazes são
obrigados a trabalhar. Não têm quaisquer direitos e vivem como escravos. São expulsos da
união tribal à menor falta e são obrigados a abandonar as moradias subterrâneas. Muitos
destes infelizes têm fugido para Akakor. Aqui têm casado com mulheres Ugha Mongulala e
fundado uma nova família. Porque as mulheres do meu povo estão contentes com a parte
que Deus lhes distribui: serem leais servas dos homens.

Tona não estava contente com o marido. Era infeliz. O seu coração estava angustiado.
E ela foi procurar o sacerdote e pedir-lhe conselho. Necessitava de ajuda. Queria
separar-se do marido. Mas o grande-sacerdote ordenou que Tona fosse paciente, Tinha
de ficar com o marido até ter escrito as suas dez maiores faltas: só então poderia
abandonar. E Tona voltou para casa. Queria registrar as dez maiores faltas do marido.
Queria tomar nota do que não gostava nele. Mas quando encontrou o seu primeiro
erro achou que este, na verdade, não merecia ser registrado. Quando descobriu a
segunda falta pareceu-lhe demasiado insignificante. E assim passaram os dias. Uma
lua seguiu-se a outra. E os anos passaram. Tona envelheceu. Não escrevera nem uma
só nota das faltas do marido. Era feliz e um exemplo para os filhos e para os filhos
dos seus filhos.

III – OS IMPÉRIOS DOS BÁRBAROS BRANCOS

1.691 – 1.920

A história da Europa até a Revolução Francesa foi caracterizada pela rivalidade


entre a França e a Casa de Habsburgo e, além-mar, pela luta do predomínio colonial. 1.776
foi uma data decisiva na história do continente norte-americano, e em 1.783 a Inglaterra
reorganizou a independência dos Estados Unidos da América. O extermínio dos índios
norte-americanos começou ao mesmo tempo. A história das colônias espanholas na
América do Sul acabou em 1.824 com a batalha de Ayacucho, quando Antonio José de
Sucre, comandante do Patriota de Simon Bolívar, derrotou decisivamente os mercenários
espanhóis. Numerosas repúblicas independentes se desenvolveram então, estando entre elas
o Peru, o Equador, a Bolívia e o Chile. Em 1.822, o Brasil declarou-se independente de
Portugal. O mesmo ano viu o início da Cabanagem, o maior movimento revolucionário
social na história do Brasil. Os mestiços e os índios chefiados por Angelim foram
derrotados pelas forças do Governo central, numa guerra que durou três anos. Dois terços
da população amazônica foram destruídos. A valorização da borracha começou cerca de
1.870. Em quarenta anos, cento e cinqüenta colonos do Norte colheram oitocentos milhões
de quilos de borracha. Depois de sangrentas lutas de fronteira, a Bolívia em 1.903, cedeu ao
Brasil a província fronteiriça do Acre, contra o pagamento de dois milhões de libras
esterlinas. Em 1.915 a competição das plantações britânicas na Malásia fez com que os
preços da borracha caíssem para metade do seu valor prévio. A exploração econômica da
Amazônia foi suspensa temporariamente.

A DESINTEGRAÇÃO DO IMPÉRIO

Os Ugha Mongulala tornaram-se uma pequena nação. Mas somos um povo


antigo, o mais velho do mundo. Durante milhares de anos vivemos no Grande Rio e nas
montanhas dos Andes. Nunca fomos mais além, nem na guerra nem na paz, e nunca nos
aventuramos a ir ao país dos Bárbaros Brancos. Mas os Bárbaros Brancos entraram no
nosso país, tomando posse dele. Perseguiram-nos, cometeram atos hediondos e ensinaram-
nos muitas coisas horríveis. Antes de atravessarem o oceano, a paz e a unidade reinava
entre as Tribos Escolhidas. Mas agora há guerra constante. Os colonos brancos avançaram
até à nascente do Grande Rio e roubaram a nossa terra. É o melhor e o último pedaço de
terra que temos. Aqui nascemos e aqui crescemos. Os meus antepassados aqui viveram e
morreram; nós também desejamos ficar e morrer aqui. O país é nosso. Se os Bárbaros
Brancos tentarem rouba-lo lutaremos, tal como fizeram os nossos antepassados e está
escrito na crônica:

Os Bárbaros Brancos reuniram-se. Tomaram as suas armas e os animais em que


podiam montar. Os seus guerreiros eram numerosos quando subiram o Grande Rio.
Mas os Servos Escolhidos sabiam da sua vinda. Não tinham dormido. Haviam
observado o inimigo enquanto se estavam preparando para a batalha. Então os
Bárbaros Brancos partiram. Planejaram um ataque à noite, quando os Servos
Escolhidos estivessem adorando os seus deuses. Mas não atingiram a sua finalidade.
O sono venceu-os no caminho e os guerreiros das Tribos Escolhidas vieram cortar-
lhes as barbas e as sobrancelhas. Tiraram-lhes os enfeites de prata dos braços e
atiraram-nos para o Grande Rio. Fizeram isto como retribuição e para os humilhar.
Deste modo mostraram a sua força.

No início do décimo terceiro milênio (século décimo oitavo), os conquistadores


brancos continuaram a sua progressão. Depois dos soldados vieram os mineiros, que
procuravam nos rios as pedras que brilham. Caçadores com armas e com armadilhas
juntavam peles de jaguares e de antas. Os padres dos Bárbaros Brancos erguiam templos
sob o sinal-da-cruz. Cento e cinqüenta anos após a chegada dos primeiros navios à costa
leste, o império dos Ugha Mongulala era só constituído pelos territórios da parte superior
do Grande Rio, as regiões do rio Vermelho, a parte norte da Bolívia e as encostas orientais
dos Andes. As comunicações com Akahim tinham desaparecido. A fronteira fortificada de
oeste estava em ruínas. Os únicos sobreviventes das primitivamente poderosas Tribos
Aliadas eram os componentes da Tribo dos Matadores das Antas, da Tribo dos Corações
Negros, da Tribo dos Maus Espíritos e da Tribo dos Comedores de Refugo. A Tribo dos
Demônios do Terror tinha fugido para a profunda vastidão das lianas. Os Vagabundos
sobreviventes viviam em Akahim. Os Bárbaros Brancos avançaram inexoravelmente,
destruindo o que quer que fosse que lhes opusesse ou que lhes desagradasse. Tal como a
formiga dilacera a carne dos ossos do jaguar ferido, assim destruíram o império das Tribos
Escolhidas.
Impotentes, os Ugha Mongulala esperavam o ataque dos inimigos. Num
desespero sem forças, experimentaram o declínio do seu outrora tão poderoso império. As
mulheres ainda usavam as roupas dos seus maridos; caçadores ainda seguiam o rastro do
javali e guardavam-no para a estação das chuvas; os guerreiros mantinham-se vigilantes nas
poderosas muralhas de Akakor sob a proteção das altas montanhas e dos profundos vales.
Mas todas as vidas e ações do Povo Escolhido foram sombreadas por uma profunda
tristeza. Os seus rostos eram pálidos, brancos e fatigados como as flores que se abrem nas
profundidades da vastidão da liana. Onde estavam os Deuses, que haviam prometido voltar
quando irmãos do mesmo sangue e do mesmo pai estivessem em perigo? Que foi feito da
justiça das eternas leis, que, de acordo com o legado dos Deuses, também deviam governar
os Bárbaros Brancos? O povo não viu saída. Nem sequer os sacerdotes tiveram resposta.

Este foi o começo do declínio. Este foi o inglório fim do império. Assim começou a
vitória dos Bárbaros Brancos. Eram como os maus espíritos, e também fortes e
poderosos. Cometiam crimes mesmo à luz do dia. E os Servos Escolhidos uniram-se.
Pegaram em armas. Queriam enfrentar os Bárbaros Brancos e combater. Queriam
acabar com eles nos quatro cantos do Império. Sem receio das poderosas armas,
quiseram tirar vingança dos seus crimes. Porque os Servos Escolhidos nunca tinham
estado tão cegos pelo poder ou pela riqueza como os Bárbaros Brancos.

A GUERRA NO GRANDE RIO

As tribos selvagens da parte baixa do Grande Rio são indolentes e tranqüilas


como a água antes de chegar ao mar. Quando Lhasa expandiu o Império até à embocadura
do rio, vieram ao seu encontro trazendo-lhe presentes. Saudaram os seus guerreiros com
penhores de amizade. Da melhor vontade se aliaram à mais poderosa nação do mundo. Só
desejavam a sua terra, onde pudessem viver em paz e tranqüilidade. Só depois da chegada
dos Bárbaros Brancos começaram as tribos selvagens a alterar a sua maneira de viver.
Muito embora tivessem antes suportado os Ugha Mongulala, agora serviam os Bárbaros
Brancos, que lhes tinham prometido riqueza e poder. Mas os Bárbaros Brancos não sabem
nada quanto ao valor das promessas. O seu coração é frio, e a sua maneira de pensar muito
estranha e complicada. Não lutam uns contra os outros pela honra de um homem ou para
provar a sua força; fazem guerra só por causa das coisas. As tribos selvagens da parte baixa
do Grande Rio também começaram a experimentar isto. As atrocidades que os Bárbaros
Brancos cometeram eram tão horríveis que até este povo tranqüilo pegou em armas.
Uniram-se e declararam guerra aos seus opressores.
Os batedores trouxeram notícias ao Alto Conselho de Akakor no que dizia
respeito a esta revolta, que dentro em pouco degenerou numa luta civil entre os Bárbaros
Brancos. Os relatos dos combates eram horríveis. Os Bárbaros Brancos perseguiram os
rebeldes sem a mínima piedade. A coberto da escuridão, atacavam cidades e aldeias.
Matavam o povo comum com armas que cuspiam fogo. Os chefes foram pendurados pelos
calcanhares nas árvores e os seus corações foram cortados. Dentro em pouco a Grande
Floresta ressoava com os gritos dos moribundos, Os sobreviventes arrastavam-se pelo país
como se fossem sombras e pediam justiça aos Deuses, tal como está escrito na crônica:

Que espécie de povo é este que nem sequer respeita os seus próprios deuses, que mata
porque se regozija com o sangue de estrangeiros? São miseráveis. São quebradores de
ossos. Bateram nos seus próprios irmãos até ficarem em sangue, sugaram-nos até
ficarem secos e espalharam os seus ossos pelos campos. É o que eles são: quebradores
de ossos, esmigalhadores de crânios, um povo miserável.

A guerra sem perdão dos Bárbaros Brancos durou três anos. Três vezes o Sol
passou de leste para oeste antes que a guerra acabasse. Então a terra no Grande Rio parecia
como se tivesse sido toda limpa. Parecia uma vasta extensão de oceano, onde até os grandes
navios dos Bárbaros Brancos estão perdidos. As tribos selvagens foram exterminadas.
Apenas um terço da população havia sobrevivido. Mas a força dos Bárbaros Brancos
também estava exausta.
Durante as décadas seguintes, os Ugha Mongulala tiveram muita necessidade de
espaço para respirar. Podiam retirar-se e tornar a arranjar a defesa das restantes regiões. O
meu povo tomou outra vez coragem. Sacrificou incenso e mel das abelhas e venerou a
memória dos mortos.

As Tribos Escolhidas reuniram-se. Juntaram em frente de espelho dourado para dar


graças pela luz, e chorar os mortos. Acenderam resina, queimaram ervas mágicas e
incenso. E pela primeira vez na História, os Servos Escolhidos cantaram a canção do
Sol negro, com dó e tristeza:

Maldição sobre nós,


O brilho do sol é negro.
A sua luz cobre a Terra de tristeza.
Os seus raios predizem a morte.
Maldição sobre nós.
Os guerreiros não regressaram.
Caíram na batalha do Grande Rio,
Os arqueiros e os batedores,
Os fundeiros e os lanceiros.
Maldição sobre nós,
O brilho do Sol é negro.
A escuridão cobre a Terra.

O AVANÇO DOS SERINGUEIROS

A paz nas fronteiras orientais do Império prevaleceu um curto período. Mal se


tinham passado cinqüenta anos depois das batalhas travadas na parte baixa do Grande Rio,
os Bárbaros Brancos recuperaram-se das suas perdas. Prepararam-se para um novo ataque
na Grande Floresta. De Manaus como chamam à sua maior cidade, avançaram numa grande
frente para zona superior do Grande Rio, o rio Vermelho e o rio Negro. E de novo eram
movidos pela sua insaciável ambição. Os Bárbaros Brancos haviam descoberto o segredo
da borracha.
O meu povo conheceu o segredo da árvore da borracha há mil anos. Os nossos
sacerdotes usavam a sua seiva para fazer remédios e venenos. Também a usaram para as
cores da pintura de guerra e para a construção de casas. Mas o meu povo respeita as leis da
natureza. Junta só pequenas quantidades de borracha, tal como os Bárbaros Brancos
chamam à seiva das árvores. Evitam tudo que possa prejudicar a vida da flores.
Os Bárbaros Brancos, impiedosamente, devastaram a natureza. Enviaram para a
floresta de cipós centenas de milhares de homens, levados pela promessa de uma riqueza
rápida estimulada pelas armas dos chefes. Dentro de pouco tempo, o primitivamente fértil
país transformou-se num desolado deserto. Este renovado avanço dos Bárbaros Brancos
tornou-se mesmo mais perigoso para Akakor do que as suas campanhas cem anos antes.
Nesta época contentavam-se com um rápido saque. Agora mantinham-se nas florestas.
Instalavam-se e cultivavam o solo. As tribos selvagens tinham de fugir. Os que ficaram
eram mortos pelos seringueiros ou ficavam presos como animais em grandes
acampamentos. Generalizou-se um grande desânimo. Porque os Bárbaros Brancos não
conhecem a luz de Deus, a face da Terra escureceu.
O segundo avanço dos Bárbaros Brancos surpreendeu os Ugha Mongulala, que
viviam no planalto do Mato Grosso e na fronteira da Bolívia. Estes eram os mais antigos
territórios tribais do meu provo. Aqui tinham vivido os nossos antepassados desde a
chegada dos Deuses, há quinze mil anos. Os guerreiros foram obrigados a recuar perante o
avanço dos seringueiros e dos colonos. Mesmo a maior força dos Ugha Mongulala não teria
sido capaz de deter os Bárbaros Brancos. Vinham em enorme número. Os seus chefes
tinham armas fortes e superiores. De modo que o Alto Conselho resolveu estabelecer uma
nova fronteira do Império na Grande Catarata, no sopé dos Andes. Aqui, os Ugha
Mongulala aceitaram a batalha. Daqui defenderam Akakor, tendo a vantagem da
dificuldade do terreno, e resolveram morrer em nome do legado dos Primitivos Mestres.
No decorrer das batalhas, os chefes desenvolveram novas táticas. Às primeiras
horas da manhã, quando os Bárbaros Brancos ainda estavam a dormir, os nossos guerreiros
entraram nos acampamentos. Dominaram os guardas e levaram as choupanas, que eram
construídas sobre postes, até o rio.
Os Bárbaros Branco

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