A Crônica de Akakor - Karl Brugger
A Crônica de Akakor - Karl Brugger
A Crônica de Akakor - Karl Brugger
KARL BRUGGER
Prefácio
de
ERICH VON DANIKEN
Tradução
de
BERTHA MENDES
LIVRARIA BERTRAND
Este é o jaguar
Poderoso é seu salto
E forte as suas patas.
É o senhor das florestas.
Todos os animais são seus súditos.
Não tolera resistência.
Destrói o desobediente
E devora-lhe a carne
I- I- O REINO DOS DEUSES
600.000 A. C. – 10.481 A. C.
Esta é a história. Esta é a história dos Servidores Escolhidos. No início era o caos. Os
homens viviam como animais, sem razão, sem conhecimento, sem leis, e sem
trabalhar o solo, sem se vestirem, nem sequer cobrindo a sua nudez. Não conheciam
nada dos segredos da natureza. Viviam em grupos de dois e três, como o acaso os
juntava, em cavernas ou nas fendas das rochas. Caminhavam com os pés e as mãos
até a chegada dos Deuses. Eles trouxeram a luz.
Não sabemos quando tudo isto aconteceu. Donde vieram esses seres estranhos é
um tênue conhecimento. Um denso mistério envolve a origem dos Primitivos Mestres, que
nem sequer o conhecimento dos sacerdotes consegue esclarecer. De acordo com a tradição,
a época deve ter sido 3.000 anos antes da hora zero (13.481 a. C., segundo o calendário dos
Bárbaros Brancos). De repente, navios brilhantes, dourados, apareceram no céu. Enormes
línguas de fogo iluminaram a planície. A terra tremeu e o trovão ecoou sobre as colinas. O
homem baixou a cabeça em sinal de veneração, perante as poderosas e estranhas criaturas
que vinham tomar posse da Terra.
Estes estranhos indivíduos disseram que a sua pátria se chamava Schwerta, um
mundo muito distante, na profundeza do universo, onde viviam os seus antepassados e
donde eles tinham vindo com a intenção de espalhar conhecimento pelos outros mundos.
Os nossos sacerdotes dizem que era um poderoso império constituído por muitos planetas e
com inúmeros grãos de pó na estrada. Também dizem que ambos os mundos, o dos
Primitivos Mestres e a própria Terra, se encontravam de seis mil em seis mil anos. Então os
Deuses voltam.
Com a chegada dos estranhos visitantes ao nosso mundo começou a Idade do
Ouro. Cento e Trinta famílias dos Antigos Pais vieram para a Terra para libertar o homem
da escuridão. E os Deuses reconheceram-nos como seus irmãos. Instalaram as tribos
errantes; deram-lhes bons quinhões de todos os comestíveis. Trabalharam diligentemente
para ensinar ao homem as suas leis, mesmo quando o seu ensino encontrava oposição. Por
todo este labor, e por causa de tudo quanto sofreram pela humanidade e por quanto nos
trouxeram e nos esclareceram, nós veneramo-los como os iniciadores da nossa luz. E os
nossos artistas mais hábeis reproduziram imagens dos Deuses que testemunham através de
toda a eternidade a sua verdadeira grandeza e maravilhoso poder. E assim a imagem dos
Primitivos Mestres ficou descrita até aos nossos dias.
Aparentemente, esses oriundos de Schwerta não eram diferentes do homem.
Tinham uns corpos graciosos e pele branca. O seu rosto nobre era emoldurado por uma
cabeleira de um preto azulado. Uma barba espessa cobria-lhes o lábio superior e o queixo.
Tal como os homens, os Antigos Pais eram seres vulneráveis, com carne e sangue. Mas o
sinal que os distinguia decisivamente dos homens era terem seis dedos nas mãos e nos pés,
característica da sua origem divina.
Quem pode aprender a penetrar os atos dos Deuses? Quem pode aprender a
compreender os seus feitos? Seguramente, eram poderosos e incompreensíveis para os
vulgares mortais. Conheciam o curso das estrelas e as leis da natureza. Na realidade,
eram-lhes familiares as mais altas leis do universo. Cento e trinta famílias dos Antigos
Pais vieram para a Terra e trouxeram a luz.
AS TRIBOS ESCOLHIDAS
Este foi o início da luz, da vida e das tribos. Os Deuses juntaram os homens.
Deliberaram, consideraram e fizeram reuniões. Depois tomaram decisões. E entre o
povo escolheram os criados que deviam viver com eles, servos a quem legaram todo o
seu saber.
Com as famílias escolhidas os Deuses fundaram uma nova tribo, a que deram o
nome de Ugha Mongulala, que na língua dos Bárbaros Brancos significa “Tribos
Escolhidas Aliadas”. Como penhor dos seus eternos acordos, ligaram-se aos servos.
Portanto, os Ugha Mongulala parecem-se com os seus divinos antepassados mesmo ainda
hoje. São altos; o rosto é caracterizado por maçãs salientes, um nariz bem delineado e olhos
em forma de amêndoa. Tanto os homens como as mulheres têm um espesso cabelo preto-
azulado. A única diferença eram os cinco dedos dos mortais, tanto nas mãos como nos pés.
Os Ugha Mongulala são o único povo de pele branca do continente.
Se bem que os Primitivos Mestres guardassem muitos segredos, a história do
meu povo também explica a história dos Deuses. Os estranhos vindos de Schwerta
fundaram um poderoso império. Com o seu conhecimento, a sua superior sabedoria e os
seus misteriosos utensílios, foi-lhes fácil modificar a Terra de acordo com as suas próprias
idéias. Dividiram o país e construíram estradas e canais. Semearam plantas até então
desconhecidas pelo homem. Ensinaram aos nossos antepassados que um animal não é só
presa de caça, mas que também pode constituir uma posse valiosa e indispensável contra a
fome. Pacientemente, partilharam o conhecimento necessário, de modo que o homem
pudesse entrar na posse dos segredos da natureza.
Baseados nesta sabedoria, os Ugha Mongulala sobreviveram durante milênios,
apesar das horríveis catástrofes e das terríveis guerras. Como os Servos Escolhidos dos
Primitivos Mestres, determinaram a história da humanidade durante 12.453 anos, tal como
foi escrito na Crônica de Akakor:
O IMPÉRIO DE PEDRA
A Crônica de Akakor, a história escrita do povo dos Ugha Mongulala. Só
começa depois da partida dos Primitivos Mestres, no ano zero. Nesta altura, Ina, o primeiro
príncipe dos Ugha Mongulala, ordenou que todos os acontecimentos fossem registrados
com boas palavras e numa escrita clara, e com a devida veneração pelos Primitivos
Mestres. Mas a história dos Servos Escolhidos remonta a mais tarde, à Idade do Ouro,
quando os Antigos Pais ainda governavam o Império. Desta época muito poucos
testemunhos se têm conservado. Os Deuses devem ter estabelecido um poderoso império,
onde a todas as tribos foram distribuídas tarefas. Os Ugha Mongulala atingiram o seu mais
elevado grau. Era povo de grande sabedoria, o que o tornava superior a todos os outros. No
ano zero, os Deuses legaram as suas cidades e templos às Tribos Escolhidas. Duraram doze
mil anos.
Poucos Bárbaros Brancos têm visto estes monumentos ou a cidade de Akakor,
capital do meu povo. Alguns soldados espanhóis capturados pelos Ugha Mongulala
conseguiram fugir servindo-se de passagens subterrâneas. Aventureiros e colonos brancos
que descobriram a nossa capital têm sido presos pelo meu povo.
Akakor, capital do domínio, foi construída há catorze mil anos pelos nossos
antepassados, guiados pelos Primitivos Mestres. O nome também foi dado por eles: Aka
significa “fortaleza” e Kor significa “dois”. Akakor é a segunda fortaleza. Os nossos
sacerdotes também falam na primeira fortaleza, Akanis. Erguia-se num estreito istmo na
região que é hoje o México, no local em que os dois oceanos se encontram. Akahim, a
terceira fortaleza, só é mencionada na crônica anterior ao ano 7.315. A sua historia está
intimamente ligada à de Akakor.
A nossa capital ergue-se num vale, nas montanhas, entre dois países: Peru e
Brasil. Está protegida em três lados por rochas escarpadas. Para leste, uma planície que
desce gradualmente alcança a selva de cipós da grande região da floresta. Toda a cidade é
rodeada por uma alta muralha de pedra com treze entradas. Estas são tão estreitas que só
dão entrada a uma pessoa de cada vez. A planície a leste é guardada por vigias de pedra
onde guerreiros escolhidos estão sempre vigilantes, por causa dos inimigos.
Akakor é traçada em retângulos. Duas ruas principais cruzadas dividem a cidade
em quatro partes, correspondendo aos quatro pontos universais dos nossos Deuses. O
Grande Templo do Sol e um portal de pedra cortado de um só bloco erguem-se numa vasta
praça, ao centro. O templo está voltado a leste, para o sol-nascente, e é decorado com
imagens dos nossos Primitivos Mestres. As criaturas divinas usam um bastão encimado
pela cabeça de um jaguar. A figura está coroada por um toucado de ornamentos animais. Os
trajes são enfeitados com desenhos semelhantes. Uma escrita estranha, que só pode ser
interpretada pelos nossos sacerdotes, fala da fundação da cidade. Todas as cidades de pedra
que foram construídas pelos nossos Primitivos Mestres têm um portal semelhante.
O mais impressionante edifício de Akakor é o Grande Templo do Sol. As suas
paredes exteriores não têm enfeites e são feitas com pedras engenhosamente cortadas. O
telhado do Templo é aberto de modo que os raios do sol-nascente podem alcançar um
espelho dourado que data da época dos Primitivos Mestres e está montado na frente.
Figuras de pedra de tamanho natural erguem-se de ambos os lados da entrada do templo. As
paredes interiores estão cobertas de relevos. Numa grande arca de pedra embutida na
parede fronteira do templo estão escritas as leis dos nossos Primitivos Mestres.
Contíguas ao Grande Templo do Sol, erguem-se às instalações dos sacerdotes e
dos seus criados, o palácio do príncipe e os aposentos dos guerreiros. Estes edifícios têm
forma retangular e são feitos de blocos de pedra esculpidos. Os telhados são de uma espessa
camada de relva assente em estacas de bambu.
Na época do reino dos nossos Primitivos Mestres, outras vinte e seis cidades de
pedra rodeavam Akakor, e são todas mencionadas na crônica. As maiores eram Humbaya e
Patite, na região onde hoje se estende a Bolívia, Emim, na parte baixa do Grande Rio, e
Cadira, nas montanhas da atual Venezuela. Mas todas elas foram completamente destruídas
na primeira Grande Catástrofe, treze anos após a partidas dos Deuses.
Além destas poderosas cidades, os Antigos Pais, também ergueram três
complexos sagrados: Salazere, na parte superior do Grande Rio, Tiahuanaco, no Grande
Lago e Manoa, no elevado planalto do sul. Estas eram as residências terrenas dos
Primitivos Mestres e terreno proibido para os Ugha Mongulala. No centro, elevava-se uma
gigantesca pirâmide, e uma vasta escadaria erguia-se até a plataforma, onde os Deuses
celebravam cerimônias que hoje nos são desconhecidas. O edifício principal era rodeado
por pirâmides menores interligadas por colunas, e mais adiante, em colinas criadas
artificialmente, erguiam-se outros edifícios, decorados com placas brilhantes. À luz do sol-
nascente, contam os sacerdotes, as cidades dos Deuses pareciam estar em chamas.
Irradiavam uma luz misteriosa que brilhava nas montanhas cobertas de neve.
AS MORADIAS SUBTERRÂNEAS
Grande era o conhecimento dos Primitivos Mestres e grande era a sua sabedoria. A
sua visão alcançou as colinas, planícies, florestas, mares e vales. Eram seres
milagrosos. Conheciam o futuro. A verdade fora-lhes revelada. Perspicazes, eram
capazes de grandes decisões. Ergueram Akanis, Akakor e Akahim. Na verdade, os
seus trabalhos eram poderosos, como o eram os métodos que usavam para os criar: a
maneira como determinaram os quatro cantos do universo e os seus quatro lados. Os
senhores do cosmo, seres do céu e da terra, criaram quatro cantos e quatro lados do
universo.
Akakor agora está em ruínas. A grande entrada de pedra está destruída. Cipós
crescem no Grande Templo do Sol. Por minha ordem, e de acordo com o Supremo
Conselho e os sacerdotes, os guerreiros Ugha Mongulala destruíram a nossa capital há três
anos. A cidade teria traído a nossa presença perante os Bárbaros Brancos e, assim, nós
abandonamos Akakor. O meu povo fugiu para os abrigos subterrâneos. A última dádiva dos
Deuses. Temos treze cidades, profundamente ocultas nas montanhas que se chamam Andes.
O seu plano corresponde à constelação de Schwerta, a pátria dos Antigos Pais. A Baixa
Akakor fica no centro. A cidade fica assentada numa caverna gigantesca feita pelo homem.
As casas, ordenadas em círculo e contornadas por uma muralha decorativa, têm no centro o
Grande Templo do Sol. Tal como na parte superior de Akakor, a cidade está dividida por
duas ruas em cruz, que correspondem aos quatro cantos e aos quatro lados do universo.
Todas as estradas lhes são paralelas. O maior edifício é o Grande Templo do Sol, com torres
que sobem além dos edifícios onde estão instalados os sacerdotes e os seus criados, do
palácio do príncipe, das instalações dos guerreiros e das mais modestas casas do povo. No
interior do templo há doze entradas para os túneis que ligam a Baixa Akakor com outras
cidades subterrâneas. Têm paredes inclinadas e um teto liso. Os túneis são suficientemente
largos para comportar cinco homens lado a lado. Qualquer das outras cidades fica a grande
distância de Akakor.
Doze das cidades – Akakor, Budo, Kish, Boda, Gudi, Tanum, Sanga, Rino, Kos,
Amam, Tata e Sikon – são iluminadas artificialmente. A luz altera-se de acordo com o
brilho do Sol. Só Mu, a décima terceira e a menor das cidades, tem altas colunas, que
atingem a superfície. Um enorme espelho de prata espalha a luz do Sol sobre toda a cidade.
Todas as cidades subterrâneas são cruzadas por canais que trazem água das montanhas.
Pequenos afluentes fornecem edifícios individuais e casas. As entradas na superfície estão
cuidadosamente disfarçadas. Em caso de emergência, os subterrâneos podem ser desligados
do mundo exterior por grandes rochas móveis que servem de portões.
Nada sabemos da construção da Baixa Akakor. A sua história perdeu-se na
escuridão do mais remoto passado. Mesmo os soldados alemães que viveram com o meu
povo não conseguiram esclarecer este mistério. Durante anos mediram os subterrâneos dos
Deuses, exploraram o sistema de túneis e procuraram o sistema de respiro, mas sem terem o
mínimo êxito. Os nossos Primitivos Mestres construíram as habitações subterrâneas de
acordo com os seus próprios planos e leis, que nos são desconhecidos.
Daqui governavam o seu vasto império, um império de 362.000.000 de
indivíduos, tal como se afirma na Crônica de Akakor:
II - A HORA ZERO
10.481 A. C. – 10.468 A. C.
O velho épico hindu Mahabharata conta como os Deuses e os Titãs lutaram para
ter o domínio da Terra. De acordo com Platão, o lendário império da Atlântida atingiu o seu
ponto mais elevado neste período. O cientista germano-boliviano Posnansky acredita na
existência de um enorme império na região da cidade boliviana, agora em ruínas, de
Tiahuanaco. Segundo a opinião de alguns historiadores e etnólogos, as principais divisões
raciais do Homo sapiens da última época glacial desenvolveram-se cerca de 13.000 a. C.:
Mongóis na Ásia, Negros na África e Caucasianos na Europa. As principais fixações no
continente europeu encontram-se nas regiões costeiras. As descobertas arqueológicas de
Altamira e da Amazônia confirmam pela primeira vez a existência de humanos no
continente sul-americano.
Só a imagem dos Deuses ficou nos corações dos Servos Escolhidos. Com olhos
ardentes, perscrutavam o céu, mas os navios dourados não voltavam. Os céus
mantinham-se vazios – nem a mínima brisa, nem qualquer som. O céu conservava-se
desabitado.
Houve estranhos sinais no céu. A penumbra cobriu a face da Terra. O Sol ainda
brilhava, mas havia uma névoa cinzenta, grande e intensa, que começava a esconder a
luz do dia. Estranhos sinais viam-se no céu. As estrelas eram como tristes pedras.
Uma neblina venenosa cobria as colinas. Um fogo malcheiroso pendurava-se nas
árvores. Um Sol vermelho. Um caminho cruzado sobrepunha-se. Negro, vermelho,
todos os quatro cantos do mundo estavam vermelhos.
O que aconteceu nesta época, quando os Deuses nos deixaram? Quem foi o
responsável que fez regredir o meu povo ao abatimento durante seis mil anos? Uma vez
mais, os nossos sacerdotes podem interpretar os acontecimentos devastadores. Dizem que
no período antes da hora zero existiu também outra nação de deuses que eram hostis aos
nossos Primitivos Mestres. De acordo com as imagens do Grande Templo do Sol de
Akakor, as estranhas criaturas pareciam-se com humanos. Tinham muito cabelo e uma pele
avermelhada. Tal como os homens, tinham cinco dedos nas mãos e nos pés. Mas dos
ombros saiam-lhes cabeças de serpentes, tigres, falcões e outros animais. Os nossos
sacerdotes dizem que estes deuses também governaram um enorme império. Também
possuíam o conhecimento que os tornava superiores aos homens e iguais aos Primitivos
Mestres. As duas raças de deuses que estão representadas nas imagens do Grande Templo
do Sol de Akakor começaram a guerrear-se. Queimaram o mundo com calor solar, e cada
um tentou tirar ao outro o seu poderio. Iniciou-se uma tremenda guerra entre os planetas e
esta guerra levou o meu povo à perdição. No entanto, pela primeira vez, a providência dos
Deuses salvou os Ugha Mongulala . Recordando as últimas palavras dos nossos Primeiros
Mestres, que anunciavam a catástrofe, Ina comandou a retirada para as moradias
subterrâneas.
Isto é o relato de como os homens morreram. O que aconteceu à Terra? Quem a fez
tremer? Quem fez dançar as estrelas? Quem fez as águas brotarem das rochas?
Numerosos eram os flagelos que atingiam os homem. Estava sujeito a várias
calamidades. Estava terrivelmente frio e um vento gelado soprava sobre a Terra.
Estava excessivamente quente e a própria respiração das pessoas queimava-as.
Homens e animais fugiam em pânico. Desesperados, corriam de um lado para o outro.
Tentavam trepar nas árvores, mas as árvores repeliam-nos. Tentavam alcançar as
cavernas. Contudo, estas abatim-se e sepultavam-nos. O chão tornava-se teto, e o teto
desaparecia nas profundidades. O som e a fúria dos Deuses não se acalmavam. Até os
abrigos subterrâneos começaram a tremer.
10.468 A. C. – 3.166 A. C.
O COLAPSO DO IMPÉRIO
Três luas passaram e três vezes três luas. Então as águas dividiram-se. A Terra
acalmou de novo. As correntes seguiram diferentes cursos. Perderam-se por entre as
colinas. Altas montanhas se ergueram em direção ao Sol. A Terra modificou-se
quando os Servos Escolhidos deixaram as moradias subterrâneas, e grande foi a sua
mágoa. Ergueram o rosto para o céu. Os seus olhos procuraram as planícies, os rios e
os lagos. A verdade era terrível; a destruição medonha. E Ina reuniu o Conselho dos
Velhos. As Tribos Escolhidas juntaram dádivas: jóias, mel das abelhas e incenso. E
sacrificaram-nos para fazer com que os Deuses voltassem à Terra. Mas o céu
manteve-se vazio. A era do jaguar começara: época de sangue quando tudo foi
destruído. Assim foi separado o elo entre os Primitivos Mestres e os seus servos. E
principiou uma nova vida.
Os anos de sangue, o período entre o ano 13 e o ano 7315, é a mais escura época
na história do meu povo. A Crônica de Akakor não se refere a estes acontecimentos.
Durante milhares de anos não há registros de qualquer espécie. A transmissão oral também
é pobre e entremeada com escuras profecias.
Foi uma época medonha. O selvagem jaguar veio e devorou carne humana.
Esmigalhou os ossos dos Servos Escolhidos. Arrancou as cabeças dos seus servos. A
escuridão envolveu a Terra.
Este foi o início do inglório fim do império. Os homens haviam perdido a razão.
Andavam nos campos com as mãos pelo chão. Tremiam de medo e terror. Estavam
abatidos. Tinham o espírito confuso. Atacavam-se uns aos outros como animais.
Matavam o seu vizinho e comiam-lhe a carne. Na verdade, foram épocas horríveis.
O terrível período entre a primeira e a segunda Grande Catástrofe, de 10.468
a.C. a 3.166 a. C., segundo o calendário dos Bárbaros Brancos, trouxe o meu povo até a
beira da extinção. Tribos degeneradas que haviam sido aliadas dos Ugha Mongulala antes
da primeira Grande Catástrofe fundaram os seus próprios impérios. Derrotaram os exércitos
dos Ugha Mongulala e fizeram-nos recuar até as portas de Akakor no nosso ano de 4.130.
As tribos dos Degenerados formaram uma aliança. Disseram: “Como podemos nós
tratar com os nossos primitivos chefes? Na verdade, eles ainda são poderosos”. De
modo que se reuniram em conselho. “Façamos uma emboscada e matemo-los. Não
somos mais numerosos? Não somos mais que suficientes para os vencer?” E todas a
tribos se armaram. Juntaram-se em grande número. A massa dos seus guerreiros
estendeu-se mais longe do que os olhos podiam alcançar. Queriam tomar Akakor de
assalto. Marcharam em formação para matar o príncipe Uma. Mas os Servos
Escolhidos tinham-se preparado Mantiveram-se no cume da montanha. O nome da
montanha era Akai. Todas as Tribos Escolhidas se haviam reunido junto de Uma
quando os Degenerados se aproximaram. Vinham gritando, com arcos e setas.
Cantavam canções de guerra. Berravam e assobiavam metendo os dedos na boca. E
assim precipitavam-se contra Akakor.
Madus atreveu-se a seguir a estrada que leva à superfície da Terra. Sem recear nem
tempestades nem água, ele continua o seu caminho. Olha com tristeza o país
devastado. Não via nem pessoas nem plantas – só animais e aves assustadas que
voavam sobre o infinito lençol de água, até que cansadas caíam. Isto viu Madus. E
ficava ao mesmo tempo triste e irritado. Arrancou tocos de árvores do solo inundado.
Juntou madeira flutuante. Construiu uma jangada para auxiliar os animais. Arranjou
um casal de cada dois jaguares, duas serpentes, duas antas e dois falcões. E as águas
que subiam elevavam mais a jangada para as montanhas, no cume do monte Akai, a
montanha de destino das Tribos Escolhidas. Aqui, Madus deixou os animais irem para
a terra e os pássaros voarem. E quando, depois de treze luas, as águas baixaram e o
sol desfez as nuvens, voltou para Akakor e narrou o fim da terrível era do sangue.
O LIVRO DA ÁGUIA
Esta é a águia.
Poderosas são as suas asas
E poderosas as suas garras.
Os seus olhos
Olham imperiosamente sobre a Terra.
Está acima do homem.
Não pode ser
Nem vencida nem morta.
Durante treze dias ergue-se no céu,
E durante treze dias
Voa ao encontro do sol-nascente.
É verdadeiramente sublime.
3.166 A. C. – 2.981 A. C.
A penumbra ainda envolve a face da Terra. O Sol e a Lua estavam velados. Então as
naves apareceram no céu, poderosas e douradas. Grande foi a alegria dos Servos
Escolhidos. Os Primitivos Mestres estavam de volta. Desceram à Terra com rostos
brilhantes. E o Povo Escolhido trouxe as suas dádivas: penas das grandes aves da
floresta, mel das abelhas, incenso e frutos. Os Servos Escolhidos colocaram estas
dádivas aos pés dos Deuses e dançaram com o rosto voltado para leste, para o sol-
nascente. Dançavam com lágrimas de alegria nos olhos, porque os Primitivos Mestres
tinham voltado. E os animais regozijavam-se também. Todos, desde o mais humilde,
se ergueram nos vales e olharam espantados para os Antigos Pais. Mas não restava
muita gente. Os Deuses haviam morto a maioria como castigo da sua maneira de
proceder. Poucos estavam ainda vivos para saudar os Primitivos Mestres com todo o
respeito.
No ano de 7.315 (3.166 a. C.) os Deuses, que tão ansiosamente tinham sido
esperados pelo meu povo, voltaram à Terra. Os Primitivos Mestres das Tribos Escolhidas
voltaram a Akakor e retomaram o poder. Mas só alguns navios alcançaram a nossa capital e
os Deuses ficaram com os Ugha Mongulala só durante três meses. Depois, novamente
abandonaram a terra. Só os irmãos Lhasa e Samon não voltaram para a pátria dos Antigos
Pais. Lhasa instalou-se em Akakor; Samon dirigiu-se para leste e fundou o seu próprio
império.
Lhasa, o Exaltado Filho dos Deuses, tomou o poder de um império devastado.
Dos 362.000.000 que tinham vivido na Era do Ouro, só 20.000.000 sobreviveram à
segunda Grande Catástrofe. Povoados e cidades estavam em ruínas. Hordas de tribos
degeneradas cruzavam as fronteiras. A guerra alastrava por todo o país. O legado dos
Deuses fora esquecido. Lhasa reconstruiu o velho império. Como proteção contra as tribos
inimigas que avançavam, mandou construir grandes fortalezas. Por sua ordem, os Ugha
Mongulala ergueram altas muralhas ao longo do Grande Rio e fortificaram-nas com largas
paliçadas de madeira. Aos guerreiros escolhidos foi dada a tarefa de guardar a nova
fronteira e avisar Akakor da aproximação das tribos inimigas. No sul do país chamado
Bolívia, Lhasa ergueu as bases de Mano, Samoa e Kin. Eram constituídas por treze
edifícios rodeados de muralhas segundo os moldes dos complexos templos dos nossos
Antigos Pais. Uma pirâmide com uma escadaria na frente, um telhado inclinado e duas
salas abobadadas, uma no interior, outra no exterior, dominavam a área circundante. Lhasa
instalou as Tribos Aliadas na vizinhança das três fortalezas. Estava sob o comando do
príncipe de Akakor e sujeitas à obediência de guerra.
Por milhares de anos, havia uma nação que confinava com a fronteira oeste do
império e com a qual os Ugha Mongulala sempre mantiveram uma especial amizade. Esta
nação, os Incas, conheciam a língua e a escrita dos Primitivos Mestres. Os seus sacerdotes
também sabiam do legado dos Deuses, No fim da segunda Grande Catástrofe, esta tribo
mudou-se para as montanhas do Peru e fundou o seu próprio império. Lhasa, preocupado
com a segurança de Akakor, mandou edificar uma fortaleza na fronteira oeste e deu ordens
para a edificação de Machu Picchu, uma nova cidade de templos num grande vale dos
Andes.
Isto é o que Lhasa predisse. E assim acontecerá. Novos elos de sangue desenvolver-
se-ão entre os impérios de Lhasa e Samon. A aliança entre os seus povos será
renovada e os seus descendentes encontrar-se-ão de novo. Então os Primitivos
Mestres voltarão.
AKAHIM, A TERCEIRA FORTALEZA
Esta é a nossa mais elevada lei. Conservareis o nosso legado. Conservá-lo-eis onde
quer que fordes, onde quer que puderdes construir as vossas cabanas, onde quer que
encontrardes um novo lar. Não fareis de acordo com a vossa vontade, mas seguireis a
vontade dos Deuses. Ouvireis as suas palavras com reverência e gratidão. Porque
grande e infinito é o seu saber.
II – O IMPÉRIO DE LHASA
2.982 A. C. – 2.470 A. C.
A NOVA ORDEM
Durante muito tempo não havia mais que terra e montanhas. Isto foi o que os
Deuses nos ensinaram. Esta é a lei da natureza. O meu povo também está sujeito a esta lei.
É suficientemente forte para confiar na mais elevada lei do mundo. Mas que sentido tem
para nós a vida se não combatermos? Que sentido haverá se os Bárbaros Brancos nos
quiserem eliminar? Roubaram-nos as nossas terras e perseguiram homens e animais. O
gado selvagem desaparece depressa. Há só alguns jaguares, que ainda há poucos anos eram
muito abundantes. Uma vez extintos, teremos de morrer de fome. Seremos obrigados a
render-nos aos Bárbaros Brancos. Mas nem sequer isso os satisfará. Querem que vivamos
segundo os seus costumes e leis. No entanto, somos homens livres, pertencemos ao Sol e à
Luz. Não desejam encher o nosso coração com falsas esperanças. Não queremos ser como
os Bárbaros Brancos, que podem ser felizes e alegres mesmo quando os seus irmãos estão
infelizes e tristes. Portanto, não temos outra alternativa senão pegar na Seta Dourada, lutar
e morrer tal como Lhasa nos ensinou, Lhasa o Exaltado Filho dos Deuses, que veio para
fundar um novo império e proteger os Ugha Mongulala da destruição.
Lhasa deixou atrás de si poder e glória. Havia decisões e governo. Filhos nasceram.
Muitas coisas aconteceram. E o Povo Escolhido tornou-se mais famoso quando
reconstruiu Akakor com cimento e cal. Mas os Servos Escolhidos não trabalhavam.
Não construíam nem fortalezas nem habitações. Deixavam isso às Tribos Escravas.
Não tinham necessidade de pedir, de ordenar ou de usar violência. Todos obedeciam
com prazer aos novos senhores. O império expandia-se. O poder dos Servos
Escolhidos era grande. As suas leis eram válidas nos quatro cantos do império.
De acordo com a lei escrita de Lhasa, o príncipe é o chefe dos Ugha Mongulala.
É o mais elevado servo dos Deuses, descendente dos Primitivos Mestres e governador das
Tribos Escolhidas. O povo chama-lhe o Exaltado porque o escolheram para administrar o
império. Não foi eleito. O ofício de príncipe é hereditário e passa de pai para filho, a quem
é atribuído o legado dos Deuses, concedido pelos sacerdotes desde a idade de onze anos em
diante. Instruíram-no na história das Tribos Escolhidas e prepararam-no para a sua futura
tarefa com exercícios físicos e espirituais.
Depois da morte do príncipe, o seu filho primogênito é chamado perante os mais
velhos. Deve provar-lhes que está destinado a ser o mais alto servo dos Primitivos Mestres.
Depois de ter passado o exame, o grande-sacerdote manda-o para a secreta região das
moradias subterrâneas. Aqui deve ficar durante treze dias e conversar com os Deuses. Se
estes pensarem que ele merece herdar o seu legado, os mais velhos oferecer-lhe-ão as novas
regras de governo do povo. Se os Deuses o rejeitarem e ele não voltar depois de treze dias
das regiões subterrâneas, os sacerdotes determinam, com o auxílio das estrelas, o correto
herdeiro. Calculam o nascimento de uma criança do sexo masculino com seis anos de
antecedência. O eleito desta época é levado para Akakor e preparado para o seu futuro
cargo.
E esta é a maneira como o príncipe governa as Tribos Escolhidas: ele é o
supremo chefe e o maior administrador do império. Os guerreiros de Ugha Mongulala estão
sob as suas ordens. Os exércitos das Tribos Aliadas devem-lhe obediência. Só ele decide da
paz e da guerra. Designa os mais elevados dignatários civis e os chefes militares. As
veneráveis leis de Lhasa só podem ser alteradas com a sua aprovação. Por ser legítimo
descendente dos Deuses, o príncipe está acima da lei dos homens e destinado a invalidar
por três vezes o Conselho dosVelhos.
Três mil dos melhores guerreiros, selecionados nas melhores famílias, estavam
sob as ordens diretas do príncipe. Eram os únicos autorizados a entrar nas moradias
subterrâneas, onde moravam os Deuses, levando armas. Aos guerreiros regulares não era
permitido faze-lo, sob castigo de exílio. Mas a posição do príncipe não é baseada no seu
poder pessoal. Assenta na sua sabedoria, na sua perspicácia, no seu conhecimento, o legado
dos Deuses, como está escrito na Crônica de Akakor:
Assim falou e resolveu Lhasa. Porque Lhasa era sensato. Conhecia as fraqueza dos
humanos. Com as suas leis dominou a sua ambição. Determinou o futuro e o bem-
estar das Tribos Escolhidas.
A VIDA DA COMUNIDADE
Agora falaremos sobre o que aconteceu nos campos onde os Servos Escolhidos se
reuniram. Juntaram os frutos da terra. Conjuntamente cultivavam cereais e batatas,
mel das abelhas e resina. Porque o produto pertence a todos e o solo também é
propriedade de todos. Eis como Lhasa organizou tudo de modo que não houvesse
diferenças nem fome. E a terra assegurava abundância. O povo sentia-se feliz com a
fartura e a vida. Havia comida mais que suficiente nas ilhas, nas planícies e nas
floretas, ao longo dos rios e na imensidão das lianas.
O meu povo fez muitos objetos maravilhosamente trabalhados que serviam para
uso cotidiano. As mulheres tecem os melhores tecidos da lã do carneiro da montanha.
Utilizam a seiva de vegetais e de árvores desconhecidas dos Bárbaros Brancos para tingir
tecidos e poder transformá-los em simples mas belas texturas. Nas planícies e nas florestas
do Grande Rio usamos só tangas seguras por um cinto de lã colorida. Defendemo-nos do
frio das montanhas com um casaco feito de lã rústica. Os enfeites são usados unicamente
em festas especiais. As mulheres enfeitam o cabelo com fios coloridos, correspondentes às
cores respectivas das povoações da comunidade. Os homens pintam-se com as quatro cores
da tribo dos Ugha Mongulala: branco, azul, vermelho e amarelo. Só as classes superiores -
oficiais, sacerdotes e os membros do Grande Conselho – usam um tufo de penas de cor.
Como distinção particular da sua situação social, o príncipe e os mais idosos do povo usam
no peito tatuagens.
Como acontece com todos os que vivem junto ao Grande Rio, as necessidades
diárias dos Ugha Mongulala são modestas. A sua alimentação básica é constituída de
batatas, cereais, e também tubérculos e raízes de várias plantas. As batatas são assadas; a
carne, frita ao ar livre ou na entrada da casa. Bebemos água e sumo de cereais fermentados
em todas as nossas refeições. Servimo-nos com colheres de pau e de facas de bronze para
comer. Não há mesas nem cadeiras nas cabanas de pedra retangulares. Às refeições a
família ajoelha-se no chão de argila e de noite dorme sobre os bancos de pedra cortada. Só
com os soldados alemães o meu povo aprendeu a utilidade dos colchões cheios de erva.
Enfiam-se ganchos de bronze no interior das paredes das casas e, durante a noite, os tecidos
de lã ficam pendurados à entrada. A comida é guardada em grandes bilhas de barro, feito
com a terra vermelha das montanhas. Com grandes cordas, descem-se até ao interior de
vulcões extintos, para poderem secar, e depois decoram-se com belos desenhos, que
representam cenas da história dos Ugha Mongulala. Mas não se podem comparar com os
objetos dos nossos Primitivos Mestres. Não temos as ferramentas que eles tinham, que,
como por magia, suspendiam as pedras mais pesadas, arremessavam raios ou derretiam
rochas. Os Deuses não nos divulgaram estes segredos. Nos seus legados só estão refletidas
as leis da natureza. Mas a natureza não conhece a passagem do tempo, nem
desenvolvimento, nem progresso. O eterno círculo da vida determina todos os seres –
plantas, animais e humanos – tal como está escrito na Crônica de Akakor:
Cento e trinta famílias dos Deuses vieram para a Terra e selecionaram as tribos.
Fizeram dos Ugha Mongulala seus Servos Escolhidos e depois da sua partida legaram-lhes
o seu enorme império. Com a primeira Grande Catástrofe o império dos Deuses
desintegrou-se. As Tribos Aliadas abandonavam os seus antigos territórios e viviam de
acordo com as suas próprias leis. Então Lhasa restabeleceu o império na sua primitiva
glória e poder. Dominou os Degenerados, que se haviam revoltado contra Akakor, e
integrou muitas tribos selvagens no novo império em desenvolvimento. Para salvaguardar a
unidade obrigou-os a falar a língua dos Ugha Mongulala e a escolher novos nomes. Deu
nomes às Tribos Aliadas das províncias e da região de Akakor: Tribo que Vive na Água,
Tribo dos Comedores de Serpentes, Tribo dos Vagabundos, Tribo dos Comedores de
Refugo, Tribo dos Demônios do Terror, Tribo dos Maus Espíritos. Também atribuiu nomes
aos povos que viviam nas florestas das margens do Grande Rio: Tribo dos Corações
Negros, Tribo das Grandes Vozes, Tribo onde Cai a Chuva, Tribo que Vive nas Árvores,
Tribo dos Matadores de Antas, Tribo das Caras Torcidas e Tribo da Glória Crescente. As
tribos selvagens fora do império eram excluídas desta honra.
Quando da chegada dos Bárbaros Brancos, há quinhentos anos, a velha ordem
de Lhasa foi destruída. A maioria das Tribos Aliada traiu o ensino dos Antigos Pais e
começaram a adorar o sinal-da-cruz. Presentemente, só os Ugha Mongulala vivem de
acordo com o legado dos Deuses. As nossas crenças diferem fundamentalmente da falsa fé
dos Bárbaros Brancos, que adoram a propriedade, a riqueza e o poder e consideram que não
é grande sacrifício conseguir um pouco mais que o seu vizinho. Mas o testamento dos
nossos deuses ensina-nos como viver e como morrer. Indica-nos o caminho de uma vida
para além da morte. Ensina-nos como o corpo é criado, como morre e como é
constantemente transformado em comida. Por esta razão não pode representar a nossa vida
real. Os nossos sentidos dependem do nosso corpo e são levados por ele como a chama de
uma vela. Quando a vela se extingue, os sentimentos também se extinguem. Portanto,
também não podem representar a nossa vida real. Porque tanto o nosso corpo como os
nossos sentidos estão sujeitos ao tempo; o seu caráter consiste nas mudanças. E a morte é a
mudança total. A nossa herança ensina-nos que a morte destrói qualquer coisa que de fato
podemos dispensar. O verdadeiro Eu, cerne dos humanos, da vida, está fora do tempo. É
imortal. Depois da morte do corpo volta para donde veio. Tal como a chama usa a vela, o
Eu serve-se do homem para manifestar a vida. Depois da morte, regressa ao nada, ao início
do tempo, ao primeiro começo do mundo. O homem faz parte de um grande e
incompreensível acontecimento cósmico que decorre vagarosamente e é governado por
uma lei eterna. Os nossos Primitivos Mestres conheciam essa lei.
Deste modo, os Deuses ensinaram-nos o segredo da segunda vida. Mostraram-
nos que a morte do corpo é insignificante e que só a imortalidade conta, desligada do tempo
e da matéria. Nas cerimônias do Grande Templo do Sol agradecemos a luz de um novo dia
e sacrificamos mel das abelhas, incenso e frutos escolhidos, como está escrito na crônica:
E agora falaremos do templo que tem o nome de “Grande Templo do Sol”. Chama-se
assim em honra dos Deuses. Aqui se reúnem o príncipe e os sacerdotes. O povo
queimava incenso. O príncipe queimava as penas azuis da ave da floresta – como
sinais para os Deuses. Deste modo, os Servos Escolhidos prestavam homenagem aos
seus Antigos Pais, que são do mesmo sangue e têm o mesmo pai.
Os conhecimentos dos nossos Primitivos Mestres eram vastos. Sabiam qual era
o curso do Sol e dividiram o ano. Os nomes que deram aos treze meses foram Unaga,
Mena, Lano, Ceros, Mens, Laime, Gisho, Manga, Klemnu, Tin, Meinos, Denama e Ilashi.
Duas luas de vinte dias são seguidas por uma lua dupla. Cinco dias extraordinários no fim
do ano são dedicados à veneração dos nossos Deuses. Então, celebramos o nosso mais
sagrado feriado, o solstício, quando começa a renovação da natureza. Os Ugha Mongulala
reúnem-se nas montanhas ao redor de Akakor e saúdam o Ano Novo. O grande-sacerdote
inclina-se perante o disco de ouro no Grande Templo do Sol e profetiza o futuro imediato,
tal como prescrevem as leis dos Deuses.
O legado dos Antigos Pais rege a vida dos Ugha Mongulala desde que nascem
até que morrem. Freqüentam escolas de sacerdotes desde os seis até aos dezoito anos de
idade. Aí aprendem as leis da comunidade, do bem-estar, da caça aos animais selvagens e
do cultivo da terra. As raparigas aprendem a tecer, a cozinhar e a trabalhar no campo. Mas a
tarefa mais importante das escolas dos sacerdotes é a revelação e a explicação do legado. O
jovem Ugha Mongulala aprende os sinais sagrados dos Deuses e como viver e morrer. Aos
dezoito anos, o rapaz tem de fazer uma prova de coragem. Cada jovem tem de lutar contra
um animal selvagem do Grande Rio, porque só quem enfrenta a morte pode compreender a
vida. Só então se torna digno de ser aceito pela comunidade dos Servos Escolhidos. É
autorizado a escolher um nome e a iniciar uma família. Após a sua morte, a família corta-
lhe a cabeça e queima o corpo. O sacerdote mostra a cabeça ao sol-nascente, como sinal de
que aquele que partiu cumpriu todos os seus deveres para com a comunidade. Depois a
cabeça é conservada num dos nichos do Grande Templo do Sol, tal como está narrado na
crônica, com boas palavras e numa escrita clara:
2.470 A. C. – 1.421 A. C.
Os Servos Escolhidos não governaram de mão leve. Não esbanjaram sacrifícios. Eles
próprios os comeram e beberam. Alcançaram grande poder e receberam grandes
tributos: ouro, prata, mel das abelhas, frutos e carne. Isto eram tributos das tribos
escravas. Tudo isto aconteceu antes do príncipe, governador de Akakor.
No oitavo milênio (2.500 a. C.) o império de Akakor atingiu o seu mais alto
grau. Dois milhões de guerreiros dominavam as planícies do Grande Rio, as vastas regiões
de florestas de Mato Grosso e as férteis planícies das encostas orientais dos Andes.
Duzentos e quarenta e três milhões de pessoas viviam de acordo com as leis do Exaltado
Filho dos Deuses, Lhasa. Mas, na altura de o império atingir o seu máximo, começou a
declinar. Primeiro, apareceram alterações que tornaram a colocar Akakor na defensiva das
tribos selvagens, que agora atingiam os milhares. Dificilmente a terra produzia alimento
para tanta gente. Levados pela fome, repetidamente invadiram os territórios do império. E
as Tribos Aliadas igualmente se revoltaram contra o domínio dos Ugha Mongulala.
Surgiram novas nações, que Akakor teve dificuldade em vencer.
Por ordem do alto comando saíram para a região do Grande Lago, nas montanhas, e
também ocuparam os terrenos circunvizinhos. Eram batedores e guerreiros
acompanhados pelo mensageiro com a Seta Dourada. Tinham sido enviados para
observar os inimigos de Akakor e derrotá-los. Juntos, os guerreiros das Tribos
Escolhidas foram para a guerra. As Tribos Aliadas fizeram muitos prisioneiros e
rejeitaram o legado dos Deuses. Tinham criado as suas próprias leis. Viviam de
acordo com as suas regras. Mas os guerreiros dos Servos Escolhidos eram corajosos.
Derrotaram o inimigo e deixaram-no sangrar.
OS POVOS DEGENERADOS
Só um povo à parte dos Ugha Mongulala conhece as leis dos Deuses. São os
Incas, nação irmã das Tribos Escolhidas. A sua história começa no ano 7.951 (2.530 a. C.).
Neste ano, Viracocha, o segundo filho do príncipe Sinkaia, ergueu-se contra o legado dos
Deuses. Fugiu para a Tribo que vive na Água e fundou o seu próprio império.
Viracocha, o filho do Sol, como mais tarde chamou a si próprio, foi o único
descendente de Lhasa que infringiu as leis dos Deuses e teve de pagar o seu crime com o
exílio. Esse foi o maior castigo do meu povo até a chegadas dos soldados alemães, que
insistiram na introdução da pena de morte. Para crimes menores, tal como a violência ou
desobediência, os culpados devem justificar-se publicamente. A preguiça é considerada
uma fratura das leis da comunidade e é punida com um período de serviço nas mais
perigosas fronteiras. A embriaguez é somente um crime se o acusado não cumpriu com os
seus deveres por causa dela. O mais hediondo crime é o roubo, visto o meu povo possuir
tudo em comum e a propriedade individual não ter significado. Tal como os adúlteros, os
assassinos, os rebeldes e os ladrões são também enviados para o exílio.
1.421 A. C. – 1.400 D. C.
A CAMPANHA DO NORTE
UM MILÊNIO DE PAZ
O império tranqüilo durou mil anos, desde 11.051 a 12.012 (570 – 1531 d. C.).
Neste período, só duas tribos tinham força e prestígio: os Ugha Mongulala, a nação das
Tribos Escolhidas e os Incas, os filhos do Sol. Haviam divido o país entre eles e viviam em
paz. Os descendentes de Viracocha, o Degenerado, governaram um enorme império desde
Cuzco. Em Akakor, o legítimo sucessor dos nossos Antigos Pais governava de acordo com
o legado dos Deuses.
Foi há muitos, muitos anos, quando o Sol e a Lua se queriam casar. Mas ninguém
podia uní-los. Porque o amor do Sol era feito de fogo e poderia incendiar a Terra. E as
lágrimas da Lua eram muitas, tantas que teriam inundado a Terra. Assim, ninguém os
uniu e os Sol e a Lua separaram-se. O Sol seguiu um caminho e a Lua seguiu outro.
Mas a Lua chorou durante todo o dia e toda a noite. E as lágrimas do seu amor
inundaram a Terra e aumentaram o mar. E o mar zangou-se e as suas águas, que
cresceram durante seis luas e desceram durante outras seis luas, repeliram as lágrimas.
Assim, a Lua deixou-as cair na Terra e com elas criou o Grande Rio.
O LIVRO DA FORMIGA
Esta é a formiga.
Infatigável no seu trabalho,
Não conhece desfalecimento.
Constrói grandes colinas.
Estabelece poderosas comunidades.
O seu número é incontável.
Destrói tudo.
Arranca a carne dos ossos
Do jaguar abatido.
I – OS BÁRBAROS BRANCOS NO IMPÉRIO DOS INCAS
1.492 – 1.534
Tudo está incluído na Crônica de Akakor, narrado com boas palavras e numa
escrita clara. Mas eu estou a contá-lo quando o tempo já está no fim. Estou a expor o Livro
da Sabedoria e a vida do meu povo de acordo com o legado dos Deuses, para fazer um
relato sobre o passado e o futuro. Porque os Ugha Mongulala estão condenados à perdição.
Cada vez morrem mais árvores com a raiz apodrecida. Os guerreiros mortos pelas setas
invisíveis dos Bárbaros Brancos são cada vez mais numerosos. Um interminável rio de
sangue passa através das florestas para o Grande Rio e até as próprias ruínas de Akakor.
Desde que os Bárbaros Brancos avançaram no país a depressão dominou o meu povo, tal
como está escrito na crônica:
Estranhas notícias chegaram ao Alto Comando acerca de estrangeiros de barbas e de
poderosos navios que deslizam silencioso sobre as águas, com mastros que chegam ao
céu. Chegaram novas sobre estrangeiros brancos, fortes e poderosos como deuses.
Eram como os nossos Antigos Pais. E o Alto conselho ordenou que se acendessem
fogueiras de alegria, pensando nos Primitivos Mestres. E ofereceram sacrifícios aos
Deuses, que por fim, haviam voltado. E as alegres notícias eram propagadas de
homem para homem. As novidades espalharam-se de tribo em tribo; os tambores
soavam dia e noite. e toda a nação chorava de alegria. Porque se cumprira a profecia.
Os Deuses estavam voltando.
No inicio do ano 12.013 (1.532 d. C.) tais pensamentos ainda eram considerados
sacrílegos. Parecia que a profecia dos Antigos Pais se podia cumprir. Seis mil anos depois
da sua última visita à terra, voltavam tal como haviam prometido. Por isso, a alegria do
Povo Escolhido era grande. Surgia uma nova era, o regresso aos dias em que os Ugha
Mongulala governavam o mundo, a norte, sul, oeste e leste. Quem não partilhavam do
júbilo geral eram os sacerdotes. Duvidavam da notícia do regresso dos Deuses, embora a
data correspondesse ao que haviam predito. Há doze mil anos os Antigos Pais haviam
abandonado a Terra. Seis mil anos tinham passado desde a morte de Lhasa. Mas os
sacerdotes, que tudo sabem, que vêem o futuro e para quem nada é oculto, observavam no
céu sinais ominosos. Dentro em pouco verificou-se que era um erro cruel a notícia do
regresso dos nossos Primitivos Mestres. Os estrangeiros não vinham com boas intenções,
para assumir o poder com generosidade e sabedoria. Em vez de felicidade e paz interior,
trouxeram lágrimas, carnificina e violência. Numa fúria de ódio e ambição, os estrangeiros
destruíram o império da nação nossa irmã, os Incas. Queimaram cidades e aldeias e
mataram homens, mulheres e crianças. Os Bárbaros Brancos, como ainda hoje lhes
chamamos, desprezaram o legado dos Antigos Pais. Erigiram templos com a cruz e
sacrificaram milhões de homens em sua honra. Uma grande estrela aproximou-se da Terra e
espalhou uma triste luz sobre as planícies e montanhas. O Sol também mudara, tal como
está escrito na Crônica:
“Desgraça sobre nós. Os sinais indicam desastre. O Sol não é brilhante e amarelo, mas
vermelho como sangue espesso”. Assim falaram os sacerdotes. “Os estrangeiros não
trazem paz. Não confiam no legado dos Antigos Pais. Os seus pensamentos são feitos
de sangue. Espalharam sangue sobre todo o império”.
O meu povo soube da verdadeira crueldade dos Bárbaros Brancos por muitos
refugiados incas. Os estrangeiros Barbados cometeram piores atrocidades do que as tribos
selvagens. Umas simples doze luas tinham passado depois da sua chegada, quando uma
profunda escuridão envolveu o império dos filhos do Sol, iluminado só pelas cidades e
aldeias em chamas. Pouco depois, os Ugha Mongulala tiveram de reconhecer a terrível
verdade: a nação irmã estava condenada a perecer. Os estrangeiros tinham armas especiais
que mandavam trovões em chamas. Tinham estranhos animais com pés de prata, que,
guiados pelos homens, espalhavam a morte e a perdição nas fileiras dos filhos do Sol. Os
guerreiros de Ataualpa fugiram em pânico.
Mas os Incas eram uma nação forte. Apesar da superioridade das armas dos
estrangeiros, combateram duramente em defesa do seu país. Depois da terrível derrota de
Catamarca, os que restavam do exército juntaram-se nas montanhas que cercam Cuzco e
nos limites do país chamado Bolívia. A força principal cortou os caminhos da montanha
que levavam à costa. Desta maneira evitaram o avanço dos Bárbaros Brancos durante muito
tempo. Só quando os estrangeiros queimaram Ataualpa vivo, em honra do seu deus, e se
cumpriu o que os nossos sacerdotes haviam predito, eles cessaram de resistir. O império
inca desmoronava-se numa terrível tempestade de fogo.
Desgraça dos filhos do Sol. Que medonha sorte se abateu sobre eles! Traíram o legado
dos Deuses, e agora eles próprios tinham sido traídos. Foram castigados, batidos até
sangrarem, pelos Bárbaros Brancos. Porque estes estrangeiros não conheciam
piedade. Não poupavam as mulheres, nem sequer as crianças. Comportavam-se como
animais selvagens, como formigas, destruindo tudo no seu caminho. A era do sangue
começara para os filhos do Sol. Toda uma nação está a expiar os pecados de
Viracocha. E os dias maus começaram quando o Sol e a Lua se escureceram com o
sangue.
Foi no monte Akai que os guerreiros encontraram os Bárbaros Brancos, com as suas
terríveis armas e os guerreiros de ferros dos Servos Escolhidos. Durante muito tempo
a batalha manteve-se indecisa. Os exércitos batiam-se valentemente. Então os Servos
Escolhidos atreveram-se a atacar. Avançaram para o centro dos seus inimigos.
Cegaram-nos com tochas. Dificultaram-lhes os movimentos das pernas estendendo
cordas. Bateram-lhes com pedras na cabeça até o sangue lhes saltar pelo nariz e pela
boca. E os Bárbaros Brancos fugiram em pânico, deixando atrás de si as suas armas,
os seus animais e os seus escravos. Só queriam salvar a vida, e nem isso conseguiram
inteiramente. Dificilmente alguns conseguiram fugir e muitos foram trazidos como
cativos para Akakor.
Estas são as notícias. Assim falou o alto-sacerdote aos Bárbaros Brancos: “Quem vos
fez nascer para poderdes governar sobre a vida e a morte? Quem sois vós que
desprezais o legado dos Deuses? Donde viestes para trazerdes a guerra ao nosso país?
Verdadeiramente o que fazeis é mau. Derramastes sangue. Fizestes a caça ao homem.
Destruístes as tribos dos filhos do Sol e espalhastes o seu sangue sobre as
montanhas”. Estas foram as palavras do grande-sacerdote. Foram terríveis. Mas o
coração dos Bárbaros Brancos manteve-se duro e levou-lhes tempo a encarar a sua
sorte. Enfrentavam o cativeiro eterno.
II – A GUERRA NO LESTE
1.534 – 1.691
Onde está a Tribo da Glória Crescente? Que foi feito dos Incas, os filhos do Sol?
Onde estão a Tribo das Grandes Vozes, a Tribo dos Comedores de Refugo e muitos dos
povos primitivos poderosos das Tribos Degeneradas? Digamos que a cobiça e a violência
dos Bárbaros Brancos fizeram-nos desaparecer, derreter, como acontece à neve sob o calor
do sol. Muito poucos conseguiram fugir para o interior das florestas. Outros esconderam-se
no topo das árvores, tal como a Tribo que Vive nas Árvores. Aí não têm quaisquer roupas
de proteção nem nada para comer. Ninguém sabe onde estão, e talvez agora já estejam
mortos. Outras tribos se renderam aos Bárbaros Brancos, que lhes dirigiram palavras
amigas. Mas as boas palavras não são compensação para a miséria de todo um povo. As
boas palavras não dão saúde e não evitam que o povo morra. As boas palavras não dão ás
tribos um novo país onde possam viver em paz, caçar livremente e tratar dos seus campos.
Tudo isto viu o meu povo com os próprios olhos. Os nossos batedores trouxeram essas
notícias depois de se terem aventurado no território dos Bárbaros Brancos. O meu coração
sofre quando penso em todas as falsas promessas que fizeram. Mas, na realidade, não
podemos esperar que os rios corram da foz para a nascente, como também não esperamos
que os Bárbaros Brancos cumpram a sua palavra. Porque são maus e traidores, como está
escrito na crônica:
“Seiva vermelha escorre das árvores, seiva que é como sangue”. Assim falaram os
mensageiros das Tribos Aliadas quando vieram para junto dos Servos Escolhidos.
“Porque os Bárbaros Brancos também tinham desembarcado no Leste com os seus
navios, cujos mastros tocavam o céu. Vieram com as suas armas, cujo ribombar
enviava a morte a distância e cujas setas não se conseguiam ver. Assim ocuparam a
terra”. Isto foi o que os mensageiros contaram. Esperaram com muita impaciência e
pediram a decisão do Alto Conselho. Imploraram a proteção dos Deuses:”Não nos
abandoneis”, suplicavam eles. “Daí armas aos nossos homens, para que possam
expulsar o inimigo do nosso país, de modo que a luz possa voltar ao império dos
Servos Escolhidos”. Assim falaram os mensageiros, os guerreiros que sofriam, os
desesperados homens das Tribos Aliadas. E esperavam pelo Sol que ilumina a
abóbada do Céu e a face da Terra. Assim eles esperaram e trouxeram para Akakor a
notícia da chegada ao Leste dos Bárbaros Brancos.
No início do décimo terceiro milênio, a guerra na fronteira oeste alcançou um
temporário período de calma. Os espanhóis estavam cansados das batalhas devastadoras.
Renunciaram à conquista das encostas orientais dos Andes e desistiram de atacar Akakor.
Uma vasta terra-de-ninguém, só guardada pelos nossos batedores, foi colocada entre o
império recentemente estabelecido e o reino dos Ugha Mongulala. Já não havia perigo de
que a nossa capital pudesse ser descoberta. Contudo, mal os Bárbaros Brancos haviam
parado com o seu avanço no oeste do país, eles começaram a desembarcar no Leste também
e ocuparam a região costeira. Subiram o Grande Rio até alcançarem os acampamentos das
Tribos Aliadas. A luta começou outra vez: uma nova guerra entre os Bárbaros Brancos e o
Povo Escolhido.
Mas os Ugha Mongulala tinham aprendido com a extinção dos Incas. Evitavam
encontrar o inimigo em campo aberto. Os seus guerreiros atacavam os Bárbaros Brancos só
em emboscadas. Ao mesmo tempo abandonavam todas as cidades e aldeias nesta região. Os
nossos inimigos só encontravam nas suas investidas acampamentos desertos. Sofriam de
fome e de sede. Nas florestas impenetráveis mantinham-se em círculo. Muitos deles caíram
vítimas da arma mais terrível, o veneno, segredo mantido desde os Primitivos Mestres.
Com estas novas táticas o meu povo conseguiu por muito tempo manter os Bárbaros
Brancos afastados do centro do Império. Aí então aconteceu um fato inesperado. Muitas
tribos aliadas renunciaram à sua vassalagem a Akakor. Traíram o legado dos Deuses e
começaram a adorar o sinal-da-cruz.
A Tribo das Caras Torcidas, na região baixa do rio Negro, iniciou a rebelião das
Tribos Aliadas nas províncias do Leste do Império. Esta nação fora aliada dos Ugha
Mongulala desde os tempos de Lhasa. Depois da chegada dos Bárbaros Brancos, a tribo,
que contava oitenta mil cabeças, traiu o legado dos Deuses e declarou guerra a Akakor.
Dentro de alguns meses a guerra generalizava-se por todo o Império. Na região afluente do
Grande Rio, a Tribo da Glória Crescente revoltou-se. Os seus guerreiros atacaram as
cidades do complexo- templo de Salazere, e penetraram profundamente no interior do
Império. A Tribo dos Matadores de Antas, que tinha originariamente considerado os
Bárbaros Brancos com suspeita, devastou as fortalezas de Mano, Samoa e Kin. Só alguns
guerreiros Ugha Mongulala conseguiram fugir à carnificina. Fugiram para as regiões de
florestas inacessíveis, na parte baixa do Grande Rio. Com o decorrer dos séculos os seus
descendentes juntaram-se às tribos selvagens. Só conservam a pele branca dos Servos
Escolhidos como testemunho da sua origem. Perderam o legado dos Deuses.
As mais pesadas perdas deram-se durante os combates nas regiões do Sul do
Império. A Tribo dos Vagabundos, que fora aliada de Akakor, abandonou as suas velhas
instalações. Assassinando e roubando, seguiram ao longo da parte baixa do Grande Rio até
à costa leste do oceano, tal como está escrito na crônica:
A traição das Tribos Aliadas pôs em perigo a vida dos Ugha Mongulala. Com o
fim de perturbar as forças superiores do inimigo, Akakor serviu-se de ardis. Guerreiros
escolhidos pintados com as cores das tribos rebeldes atacaram os postos avançados dos
Bárbaros Brancos. Mataram os inimigos e deixaram atrás de si sinais dessas tribos. Os
Bárbaros Brancos vingaram-se cruelmente do que julgavam ser o ataque dos seus aliados.
Dentro em pouco uma grande e confusa guerra eclodia entre os Bárbaros Brancos e as
tribos que haviam desertado de Akakor, os povos selvagens e os Ugha Mongulala. A Tribo
dos Vagabundos sofreu pesadas perdas. Quase todo o povo foi massacrado. A Tribo dos
Matadores de Antas fugiu para as montanhas ao norte do Grande Rio. A Tribo da Glória
Crescente só teve a possibilidade de se submeter a Akakor.
Foi terrível a sorte dos rebeldes. O seu rosto, o seu corpo e a sua própria alma ficaram
vermelhos de sangue. As suas sombras vagueavam pela terra sem descanso. Sofreram
toda espécie de dores. Foram mortos. Nem uma só vida foi poupada. O castigo da sua
falsidade foi a morte. Tinham corações falsos, ao mesmo tempo pretos e brancos. E
pagaram com a morte a sua traição.
O declínio final do meu povo começou com a deserção das Tribos Aliadas.
Como uma horda de formigas, os Bárbaros Brancos avançavam cada vez mais.Se centenas
deles eram mortos, surgiam milhares. Construíram cidades e acampamentos e
estabeleceram o seu próprio império na parte baixa do Grande Rio. Surgiu uma nova
ordem, que excluía os Servos Escolhidos e era contra o legado dos Deuses. Seguiu-se uma
época de obscurantismo, na qual só o terrível som das asas dos abutres e o piar dos mochos
se podiam ouvir. Mas antes de o obscurantismo alastrar até os limites de Akakor desceram
os Akahim na nação irmã dos Ugha Mongulala.
A LUTA DE AKAHIM
Desde a época do Exaltado Filho dos Deuses,Lhasa, Akakor e Akahim, a cidade
irmã nas montanhas de Parima, tinham sido aliadas. Durante milhares de anos, os Ugha
Mongulala e o povo de Akahim haviam trocado presentes. Regularmente havia embaixadas
que visitavam os respectivos países. Os seus guerreiros combatiam juntos as tribos
inimigas. Só a chegada dos Bárbaros Brancos, no décimo segundo milênio, trouxe certa
tensão a estes laços fraternais. Os Akahim receavam as terríveis armas de ferro e pensaram
que os Ugha Mongulala os queriam submeter. Praticamente Akahim quebrou todas as
relações. Batedores dos dois impérios encontravam-se raramente, para trocar ofertas, fazer
sacrifícios e reafirmar amizade e paz.
O desembarque dos Bárbaros Brancos na foz do Grande Rio deu uma forma
decisiva à sorte de Akahim. As Tribos Aliadas traíram o seu império a favor dos guerreiros
estrangeiros. Equiparam os seus navios e partiram em busca da misteriosa cidade. Os
Akahim enfrentavam o mesmo dilema que os Ugha Mongulala oitenta anos antes, quando o
império dos Incas fora vencido: a escolha era a guerra contra os Bárbaros Brancos ou
recuar para as montanhas de Parima. A fim de evitar uma guerra sangrenta, o Alto Conselho
decidiu pela retirada. Porém, quando cento e trinta dos mais velhos deram ordem de paz,
aconteceu uma coisa jamais ouvida: as mulheres resistiram a esta decisão. Derrubaram o
Alto Conselho e tomaram elas próprias o Poder. Sob a chefia da corajosa Mena, obrigaram
os homens a pegar nos arcos e nas setas e a enfrentar os Bárbaros Brancos.
“Vamos para a guerra”! Assim falaram as mulheres. “Não somos bastante numerosos
para expulsar os estrangeiros de barbas? Não somos bastante fortes para os derrotar?”
E as mulheres de Akahim ergueram-se. Quebraram as suas tigelas e quebraram as
suas panelas. Apagaram o fogo das lareiras e foram para a guerra. Queriam mostrar a
sua força aos Bárbaros Brancos. Iam esmigalhar-lhes os ossos e transformar em pó a
sua carne.
A terra estava vermelha, vermelha de verdadeiro sangue. Mas era uma boa morte que
a valorosa Akahim encontrara – a melhor. Quebrou a força dos inimigos. Esmagou os
seus ossos como faz a mó ao trigo para transformar em farinha. Atirou com os seus
ossos para a corrente do rio. E a água levou-os por entre montanhas, tanto as menores
como as maiores.
As mulheres de Akahim eram chamadas “Amazonas” na linguagem dos
Bárbaros Brancos e mantêm-se valentes guerreiras. Apesar das pesadas perdas,
conseguiram ordenar de novo a vida da comunidade no decorrer dos séculos e evitar o
avanço dos Bárbaros Brancos no território tribal. Separaram-se das Tribos Aliadas e
estabeleceram uma nova ordem na vida da comunidade. Presentemente só dez mil pessoas
restam da primitivamente tão poderosa tribo que vivia nos inacessíveis vales das montanhas
de Parima. Passam a maior parte da sua vida nas moradias subterrâneas dos Deuses. Só
vêm à superfície para tratar dos seus campos e caçar.
A vida dos Akahim diverge completamente da do meu povo. São governados
por uma princesa que é descendente da belicosa Mena. É soberana absoluta do seu povo.
Escolhe os membros do Alto Conselho, os chefes guerreiros e os oficiais. Todos os altos
cargos são reservados às mulheres. Os homens servem como simples soldados ou
trabalham nos campos. Mesmo o mais alto sacerdote é uma mulher. Como no meu país, ela
preserva o legado dos Deuses. Desde a rebelião das mulheres, Akahim não conhece o
casamento. Só durante a gravidez homens e mulheres entram numa união livre. Depois do
nascimento da criança, o homem é mais uma vez rejeitado pela mulher. Desde os doze anos
as raparigas têm o privilégio da educação nas escolas das sacerdotisas e são treinadas na
arte da guerra e na administração do seu domínio. Desta idade em diante os rapazes são
obrigados a trabalhar. Não têm quaisquer direitos e vivem como escravos. São expulsos da
união tribal à menor falta e são obrigados a abandonar as moradias subterrâneas. Muitos
destes infelizes têm fugido para Akakor. Aqui têm casado com mulheres Ugha Mongulala e
fundado uma nova família. Porque as mulheres do meu povo estão contentes com a parte
que Deus lhes distribui: serem leais servas dos homens.
Tona não estava contente com o marido. Era infeliz. O seu coração estava angustiado.
E ela foi procurar o sacerdote e pedir-lhe conselho. Necessitava de ajuda. Queria
separar-se do marido. Mas o grande-sacerdote ordenou que Tona fosse paciente, Tinha
de ficar com o marido até ter escrito as suas dez maiores faltas: só então poderia
abandonar. E Tona voltou para casa. Queria registrar as dez maiores faltas do marido.
Queria tomar nota do que não gostava nele. Mas quando encontrou o seu primeiro
erro achou que este, na verdade, não merecia ser registrado. Quando descobriu a
segunda falta pareceu-lhe demasiado insignificante. E assim passaram os dias. Uma
lua seguiu-se a outra. E os anos passaram. Tona envelheceu. Não escrevera nem uma
só nota das faltas do marido. Era feliz e um exemplo para os filhos e para os filhos
dos seus filhos.
1.691 – 1.920
A DESINTEGRAÇÃO DO IMPÉRIO
Este foi o começo do declínio. Este foi o inglório fim do império. Assim começou a
vitória dos Bárbaros Brancos. Eram como os maus espíritos, e também fortes e
poderosos. Cometiam crimes mesmo à luz do dia. E os Servos Escolhidos uniram-se.
Pegaram em armas. Queriam enfrentar os Bárbaros Brancos e combater. Queriam
acabar com eles nos quatro cantos do Império. Sem receio das poderosas armas,
quiseram tirar vingança dos seus crimes. Porque os Servos Escolhidos nunca tinham
estado tão cegos pelo poder ou pela riqueza como os Bárbaros Brancos.
Que espécie de povo é este que nem sequer respeita os seus próprios deuses, que mata
porque se regozija com o sangue de estrangeiros? São miseráveis. São quebradores de
ossos. Bateram nos seus próprios irmãos até ficarem em sangue, sugaram-nos até
ficarem secos e espalharam os seus ossos pelos campos. É o que eles são: quebradores
de ossos, esmigalhadores de crânios, um povo miserável.
A guerra sem perdão dos Bárbaros Brancos durou três anos. Três vezes o Sol
passou de leste para oeste antes que a guerra acabasse. Então a terra no Grande Rio parecia
como se tivesse sido toda limpa. Parecia uma vasta extensão de oceano, onde até os grandes
navios dos Bárbaros Brancos estão perdidos. As tribos selvagens foram exterminadas.
Apenas um terço da população havia sobrevivido. Mas a força dos Bárbaros Brancos
também estava exausta.
Durante as décadas seguintes, os Ugha Mongulala tiveram muita necessidade de
espaço para respirar. Podiam retirar-se e tornar a arranjar a defesa das restantes regiões. O
meu povo tomou outra vez coragem. Sacrificou incenso e mel das abelhas e venerou a
memória dos mortos.