2009 10 Escritos Sobre Redes Sociais Augusto de Franco
2009 10 Escritos Sobre Redes Sociais Augusto de Franco
2009 10 Escritos Sobre Redes Sociais Augusto de Franco
2009
10 escritos
sobre redes sociais
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AUG U STO DE FR AN CO
2009
10 escritos
sobre redes sociais
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2009: 10 escritos sobre redes sociais
Domínio Público significa que não há, em relação a esta obra, nenhum
direito reservado e protegido, a não ser o direito moral de o autor ser
reconhecido pela sua criação. É permitida a sua reprodução total ou parcial,
por quaisquer meios, sem autorização prévia. Assim, esta obra pode ser –
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Só não pode ser omitida a autoria da versão original.
FRANCO, Augusto de
http://escoladeredes.ning.com
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AUGUSTO DE FRANCO
5
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Apresentação
Augusto de Franco
7
8
Índice
7 Você é o inimigo
9 Buscadores e polinizadores
10 Netweaving
9
10
1
O poder nas redes sociais
Fig. 1
11
Fig. 2
Em uma rede totalmente distribuída (Fig. 2), não há como fazer nada
disso a partir de um nodo ou de um cluster particular (a menos
naquele constituído por toda a rede considerada, mas isso não vale
porquanto desconstitui o próprio conceito de cluster). Logo, não há
como exercer poder.
12
descritivos e prescritivos dessas ciências – redes não são o que
parecem (nodos linkados entre si, representados por grafos: arestas
e vértices) mas movimentos em um campo de fluições (como se
fossem configurações de aglomeramentos – ou espalhamentos – de
bósons, para fazer um paralelo com partículas mensageiras dos
campos de forças físicas).
13
Estruturas sociais não são nada se não forem redes
14
(uma forma de interação) não o fazem somente a partir de supostas
escolhas individuais, baseadas nas suas características distintivas,
posto que já estão sob o influxo da dinâmica de rede. Em outras
palavras, seres humanos são seres humano-sociais, não são somente
íons vagando em um meio gelatinoso e exibindo suas qualidades
intrínsecas e sim também entroncamentos de fluxos, identidades que
se formam a partir da interação com outros indivíduos. A pessoa
como continuum de experiências intransferíveis e, ao mesmo tempo,
como série intermitente de relacionamentos, se comporta como ator
(ou agente) por estar imersa (conectada e agrupada) em um
ambiente interativo. Portanto, são a interação e a clusterização que
“produzem” o agente (ou ator). Ninguém pode ser agente de si
mesmo: atores sociais se constituem como tais na medida em que
interagem em clusters nas redes socais.
Há, por certo, uma tendência de clusterização nas redes que crescem
em número de nodos ou em grau de conectividade, mas isso não
significa necessariamente uma tendência à centralização. Pode ser
15
justamente o contrário: a multiplicidade de clusters distribuídos (mais
distribuídos do que centralizados) leva à distribuição da rede. Regiões
mais tramadas da rede contaminam regiões menos tramadas quando
se estabelecem atalhos entre os clusters. Se não fosse assim
poderíamos abandonar todas as tentativas de democratizar a
sociedade.
Fig.3
16
Pois bem. Rede centralizada é aquela que configura o padrão um-
com-todos, enquanto que rede distribuída é aquela que configura o
padrão todos-com-todos.
17
Propus há um ano o seguinte Índice de Distribuição de Rede (I):
I = (C – D).C/E [Equação 1]
Na equação acima:
C = Número de conexões
18
Vejamos alguns exemplos simples, de redes com pouquíssimos
nodos. Para um mundo de três elementos (N = 3): Cmax = 3 e,
conseqüentemente, Imax = 0,5; para um mundo de quatro
elementos: Cmax = 6 e Imax = 12; para um mundo de cinco
elementos: Cmax = 10 e Imax = 25; e assim por diante.
Não basta, entretanto, que D seja igual a zero para caracterizar uma
rede totalmente distribuída. Também é necessário que C (número de
conexões) seja máximo: C = Cmax (e essa variável, como vimos,
depende apenas do número de nodos) e que E (número de conexões
eliminadas com a eliminação do nodo mais conectado) seja mínimo.
19
totalmente centralizada) até um Imax (correspondendo à rede
totalmente distribuída).
20
O Diagrama B de Baran representa uma imagem caricatural das
organizações realmente existentes. Dificilmente, em uma organização
hierarquica real, teremos um Índice de Distribuição tão baixo, de vez
que os 33 nodos ligados aos 7 centros, naturalmente também se
conectam entre si todos-com-todos (pelo menos em cada cluster), o
que acrescentaria mais 114 conexões ao conjunto (mudando,
obviamente, o valor do Índice de Distribuição da rede exemplificada -
no caso, quadruplicando-o). Ou seja, uma rede descentralizada real
seria, no mínimo, 4 vezes mais distribuída do que a exemplificada no
Diagrama B de Paul Baran. E isso sem contar que os 7 nodos ligados
diretamente ao nodo mais conectado também, muito provavelmente,
teriam conexões entre si, acrescentando ainda mais 21 conexões et
coetera.
21
que se interpenetram. Assim, a distribuição máxima corresponde a
uma conectividade máxima (todos com todos).
22
Redes como movimentos de desconstituição de
hierarquia
Ainda que sempre haja uma zona cinzenta onde o empoderado (pelos
outros) possa exercer poder (sobre os outros), os sentidos dos dois
processos são contrários. Esta zona cinzenta está mais no cérebro (e
no olho vesgo) de quem está vendo o "poder" que alguém recebe
como influxo do campo social em que está inserido como aquele
poder que alguém impõe obstruindo, separando e excluindo (sim, é
bom repetir, aqui está a gênese do poder hierárquico). Então alguém
que tem mais influência porque entronca mais conexões
(desempenhando o papel de hub e estabelecendo atalhos entre
clusters), ou porque estabelece novos fluxos para o futuro, i. e., para
inventar mais possibilidades de futuro (desempenhando o papel de
inovador), ou porque aumenta seus graus de empatia por
23
compartilhamento com os demais (desempenhando o papel de
netweaver), não é alguém que se apoderou (obstruindo caminhos,
derrubando pontes e eliminando conexões entre nodos).
Notas e referências
(1) http://twitter.com/augustodefranco
(2) Idem.
(5) Cf. DUNBAR, Robin e HILL, R. (2002): Social network size in humans:
http://migre.me/kreW
24
2
Modelos mentais são sociais
25
Quando falamos, pois, de modelo mental, não estamos falando da
mente do indivíduo como se fosse uma coisa que ele possuísse. Na
verdade e em certo sentido, o indivíduo é mais possuído pela mente
do que a possui. A mente é uma nuvem. Mais ou menos como no
clouding computing. E a computação aqui ocorre na rede social a que
o indivíduo pertence. Se não mudarmos o software que "roda" nessa
rede, não há como mudar o tal modelo mental. É por isso que os
processos de treinamento baseados na impregnação das mentes
individuais costumam não ser bem-sucedidos. Pegamos as pessoas,
as submetemos a um processo de deep immersion, elas parecem ter
mudado de visão sobre aquelas coisas que queremos que elas
mudem e, depois, quando essas pessoas voltam para seus ambientes
de trabalho ou de convivência, a tal mudança que promovemos não
costuma durar duas semanas... Por quê?
Estou falando aqui dos memes como softwares que "rodam" na rede
social e instruem a construção de comportamentos. Vamos ver como
é isso.
O olho de Hórus
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lá aquele símbolo do Olho de Hórus. Pesado. Penetrante.
Incomodante.
Fiquei pensando que uma coisa não pode durar tanto tempo se não
for um programa com capacidade autoreplicadora. Ou um meme.
O que é um meme?
27
evolução sujeita à influência dos novos replicadores – evolução
memica – está ainda na infância... [mas] está se iniciando...”.
28
ou de alguma coisa pelo menos parecida com o conceito de ‘meme’,
para explicar por que certos padrões de comportamento se replicam
para outras regiões do tempo (ou o que se chama de tradição), para
explicar a transmissão não-genética de comportamentos (ou o que se
chama de cultura), para explicar, em suma, por que o general chinês
do que seria o exército do povo se comporta de maneira tão
semelhante ao general do exército norte-americano e por que o
militar espartano materializava – no seu comportamento cotidiano –
valores tão parecidos com os do militar inglês do século 19, dois mil e
trezentos anos depois!
30
se este fosse também um programa autônomo (e podemos
comprovar isso facilmente lendo, por exemplo, as considerações de
Dawkins, em 1998, em “Desvendando o Arco-Íris”).
31
que deve existir também alguma coisa como o meme como um
replicador de idéias e comportamentos.
32
unidades replicadoras interdependentes que só se configuram e
replicam em um processo de interação com o meio.
De outro ponto de vista, ainda, parece que “as idéias estão no ar”.
Alguém as “capta” em certo momento e às vezes várias pessoas
“captam” simultaneamente a mesma idéia (por exemplo, Newton e
Leibnitz ao conceberem simultaneamente o cálculo infinitesimal).
34
projeções futurísticas contidas nos romances e nos filmes de ficção
ambientados em milênios vindouros... Sobre isso recomendo
vivamente uma espiada no capítulo 8 do meu livro “Capital Social”
(Brasília: Instituto de Política, 2001), intitulado “Sociedades de
dominação e sociedades de parceria” (3).
35
softwares que “rodam” na rede social (modificando sua estrutura e
sua dinâmica).
Não cito os deuses antigos por acaso. Eles são exemplos dos
primeiros memes como programas verticalizadores. Eles foram
necessários à ereção do poder vertical (como os deuses sumérios,
que se replicaram em todos os panteões posteriores das civilizações
patriarcais e guerreiras, como a egípcia ou faraônica, em cujo
panteão Hórus tinha assento). E deuses não-humanizados levam
necessariamente à sistemas de dominação.
Notas e referências
(2) Quem quiser conhecer uma perspectiva não darwinista, não neo-
darwinista e não determinista em termos genéticos deve ler,
fundamentalmente, os livros de Lynn Margulis e Humberto Maturana. E
também: Ho, Mae-Wan e P. T. Saunders, orgs. (1984). "Beyond darwinism:
introduction to the new evolutionary paradigm". London: Academic Press;
Ho, Mae-Wan e S. W. Fox, orgs. (1988). "Evolutionary processes and
mataphors". London: Wiley; Ho, Mae-Wan (1998). "Genetic engineering:
dream or nightmare?” Bath: Gateway Books; Strohman, Richard (mar.,
1997). “The Coming Kuhnian Revolution in Biology”, Nature Biotechnology,
vol. 15 e, sobretudo o mais recente Keller, Evelyn Fox (2000). "The century
of the gene". Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2000. Para uma
abordagem simplificada, de divulgação, pode-se ler ainda: Harman, Willis e
Sahtouris, Elisabet (1998). "Biologia revisada". São Paulo: Cultrix:, 2003; e
Capra, Fritjof (2002). "As conexões ocultas". São Paulo: Cultrix/Amana-Key,
2002 (em especial o capítulo seis).
36
(4) Achei particularmente interessante a seguinte descrição, colhida no site
http://migre.me/kbGs É uma espécie de resumo das conversações que
legitimam a hierarquia (e a autocracia, e a guerra) pela aprovação do bom-
combate ou da guerra do bem contra o mal. Hórus = Deus egípcio de
cabeça de falcão. Filho de Osíris e de Ísis, muitas vezes representado por
um olho, o olho de hórus, ou por um disco solar com asas de gavião.
Simboliza a implacável acuidade do olhar justiceiro, ao qual nada escapa,
da vida íntima ou da vida pública. Hórus vela pela estrita execução dos ritos
e das leis. Seu combate lendário com Set, o maligno, cujas partes ele
decepou, mas que lhe vazou um olho, ilustra a luta da luz contra as trevas e
a necessidade da vigilancia, i.e. de ter o olho aberto na busca da eternidade
através das emboscadas dos inimigos e através do erro. Na longa história
do egito, o personagem de Hórus muito evoluiu, por certo: deus celeste,
divindade faraônica, soberano que luta pelo império do mundo. Mas sempre
combatendo, para salvaguardar um equilibrio entre forças adversas e para
fazer vitoriosas as forças da luz.
37
3
C a d a um n o se u q ua d rad o
Algumas notas sobre o difícil aprendizado das redes
sociais nas organizações hierárquicas
Os pressupostos não-declarados
38
As pessoas sempre fazem escolhas tentando maximizar a
satisfação de seus próprios interesses materiais (egotistas).
39
de distribuição e de conectividade da rede social em que esse
indivíduo está inserido.
Essa constatação pode até parecer meio óbvia, mas está longe disso.
A prova é a nossa imensa dificuldade de aceitar o padrão de rede
dentro de nossas próprias organizações.
40
A cultura empresarial foi contaminada por uma
ideologia construída sobre o mercado
41
só consegue penetrar em certas brechas abertas pela assimetria da
competição mercantil: por exemplo, pequenas empresas de um setor
aceitam estabelecer laços cooperativos entre si – formando sistemas
sócio-produtivos (como os APL) – não para compartilhar e inovar a
partir da polinização mútua ou da fertilização cruzada de diferentes
visões de gestão, processo e produto, mas para concorrer com as
grandes e médias empresas ou com outros clusters de pequenas
empresas. A cooperação é então compreendida, aceita e justificada
pela necessidade de adquirir condições mais competitivas.
Mas tal não foi suficiente para alterar os drives dos agentes
empresariais. Mesmo os mais avançados, que já foram capazes de
perceber que tudo que é sustentável tem o padrão de rede e, assim,
conseguiram entender a necessidade da transição de sua forma de
organização hierárquico-vertical ou centralizada para formas mais
horizontais ou distribuídas, mesmo estes, não conseguem mudar seu
“código-fonte”. E não conseguem fazê-lo simplesmente porque
continuam se organizando de forma hierárquica. Eis o ponto!
42
mudanças, que deveriam se destacar das demais, caminhando à sua
frente a fim de conduzi-las para o futuro que anteviram.
43
É claro – e ninguém pode negar – que existem pessoas visionárias,
mais antenadas para captar as tendências e capazes de ver à frente
dos seus contemporâneos. O problema é que não se pode atribuir
essa “capacidade” a uma condição intrínseca do sujeito,
independentemente das funções exercidas por ele nas redes sociais
em que está inserido. E, fundamentalmente, não se pode associar
essa capacidade às posições ocupadas por ele em organizações
hierárquicas, fazendo um raciocínio primário do tipo: se o cara está
ali naquela posição é porque demonstrou que é um líder destacado,
logo... ele tem (ou tem mais chances de ter) as condições (genéticas
ou culturais) de captar as mudanças e tem também não apenas o
dever mas o direito de conduzir as outras pessoas.
44
propriedade (e até aqui, vá lá); e b) não questionem as formas de
organização baseadas no acesso diferencial à propriedade para
estabelecer mecanismos de comando-e-controle (mas aqui está o
problema).
"-Valeu galera!
Não pisa na linha hein!
Fuuui!"
Notas e referências
(1) "I think we've been through a period where too many people have been
given to understand that if they have a problem, it's the government's job
to cope with it. 'I have a problem, I'll get a grant.' 'I'm homeless, the
government must house me.' They're casting their problem on society. And,
you know, there is no such thing as society. There are individual men and
women, and there are families. And no government can do anything except
through people, and people must look to themselves first. It's our duty to
look after ourselves and then, also to look after our neighbour. People have
got the entitlements too much in mind, without the obligations. There's no
such thing as entitlement, unless someone has first met an obligation”.
Prime minister Margaret Thatcher, talking to Women's Own
magazine, October 31 1987
(2) Cf. Gladwell, Malcolm (2008). Outliers. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
45
4
A independência das cidades
Sobre a emergência das cidades inovadoras no século
21
46
Mas as profundas mudanças sociais que estão ocorrendo nas últimas
décadas estão criando condições favoráveis à independência das
cidades do ponto de vista do desenvolvimento local. Fala-se aqui –
entenda-se bem – das cidades como redes de múltiplas comunidades,
e não propriamente dos governos locais, das prefeituras e das outras
instituições estatais que querem “representá-las” ou comandá-las
(embora muitos governos e legislativos locais possam vir a ser
aliados de iniciativas que, aproveitando este momento favorável,
queiram levantar a bandeira da independência das cidades).
47
sistema imobiliário, quanto a conexa falta de regulação, que fechou
os olhos para concessões de créditos sem garantias reais. Pode-se
especular porque os agentes estatais se comportaram assim,
tentando julgar o comportamento dos sujeitos a partir das idéias que
estariam na sua cabeça. Mas ideologias não são sujeitos e não podem
assumir a culpa por eles. Foi, assim, basicamente, um erro do Estado
– a quem cabia regular as operações de crédito – e não do mercado,
como se apressaram a apregoar os estatistas de todos os matizes.
49
O protagonismo histórico das cidades
50
dados de 2005). Parece óbvio que essas regiões, que representam
unidades econômicas mais pujantes do que a imensa maioria das
nações do mundo, figurando então (2005) em terceiro e o sétimo
lugares, respectivamente, no ranking mundial, mais cedo ou mais
tarde, entrarão em choque com o centralizado sistema político do
velho Estado-nação japonês, que não lhes permite uma dose de
autonomia correspondente ao seu peso econômico.
51
humano medido pelo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do
PNUD, quer se considere o desenvolvimento econômico, medido pelo
CGI – Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial,
quer se considere o desenvolvimento tecnológico e a sintonia com as
inovações contemporâneas, medido pelo IG – Índice de Globalização,
da AT Kearney/Foreign Policy. Desenvolvidos (nesses três sentidos)
são os países que apresentam IDH igual ou superior a 0,9, CGI maior
ou igual a 4,6 e que figuram nos primeiros vinte ou trinta lugares da
lista do IG, daqueles que têm ambientes mais favoráveis à inovação.
53
d) porque reformas administrativas bancadas de fora e perdão
da dívida também não resultam em nada se as elites políticas
locais – sobretudo em países com sociedades civis frágeis e
democracias de baixa intensidade – puderem se aproveitar
dessas medidas para aumentar seu poder discricionário sobre
os cidadãos, para enfraquecer as instituições ou para roubar
mais.
A glocalização
55
milênio está se caracterizando como uma década de crise do Estado-
nação e de conseqüente recrudescimento do estatismo.
Nenhum Estado hoje consegue mais se livrar dos conflitos com seus
níveis subnacionais, diante das exigências crescentes de mais
autonomia local. Mas a despeito de todos os conflitos políticos e
fiscais entre diferentes níveis de governo dentro de um mesmo
Estado, que só tendem a se aprofundar e generalizar nos próximos
anos, nunca é demais repetir que se fala aqui das cidades como redes
de múltiplas comunidades interdependentes e não da réplica Estatal
montada nas cidades, da instância municipal do Estado ou do
governo local.
56
assim, se esforça para antecipar a nova forma do capitalismo que virá
(ou sobrevirá), mas se esquece de perguntar sobre a nova forma de
sociedade que emergirá. Isso talvez seja uma evidência da resiliência
da crença economicista de que existe alguma coisa como uma
“estrutura” econômica que determina, em alguma medida ou
instância, uma suposta “superestrutura” da sociedade.
57
Por que? As explicações são várias: porque a ordem comercial
contemporânea não tem mais mono-pólos (como foram Bruges e
Veneza), de vez que a globalização hoje é policêntrica; porque o
capital financeiro transnacional não exige mais centros fixos (como a
Antuérpia ou a Gênova do século 16); porque as chamadas
democracias de mercado não precisam estar mais ancoradas em
impérios militares (como a Inglaterra dos séculos 18 e 19); porque as
“máquinas que fabricam máquinas” da nova indústria do
conhecimento não requerem mais uma infra-estrutura tão pesada
que só possa ser reunida em uma localidade com alta capacidade
hard instalada (como Boston, nos Estados Unidos no início do século
20); porque o acesso à eletricidade é praticamente universal (e a
conexão banda larga segue o mesmo caminho) e a energia e a
inteligência não precisam estar mais espacialmente tão concentradas
(como estiveram em Nova Iorque ou em Los Angeles e nas cidades
do Vale do Silício durante o século 20).
58
A independência das cidades não será proclamada
59
infelizmente, são proibidas pelas leis. Mas muitas não. Ora, tudo que
não é proibido é permitido. Para as instâncias estatais locais, por
certo, tal não é válido; mas, para as sociedades, sim. E é por isso que
os governos locais poderão até ser aliados, freqüentemente tácitos
(por motivos táticos), desse processo, mas não devem pretender
liderá-lo.
Comunitarização
61
identidades que, ao se identificarem entre si, também se identificam
com ela (ou parte dela) por herança ou projeto compartilhado a
posteriori, e não por uma decisão consciente (e a priori) de algum
centro diretor ou coordenador.
63
Pequenos grupos políticos constituídos na base do “somos pocos,
pero muy sectários”, são resultados de clusterizações forçadas, que
separam um cluster de outros clusters ao invés de aproximá-los ou
de construir atalhos entre eles. Tanto é assim que, não raro, tais
grupos impõem exigências de exclusividade aos seus participantes,
impedindo-os de se conectarem a outras comunidades – o que
introduz artificialmente escassez nas redes abertas. Mesmo que
queiram declarar o contrário, essas seitas acabam funcionando, na
prática, como espécies de micro-partidos autoritários, onde, mais
cedo ou mais tarde, voltam a se manifestar o seguidismo, o
caciquismo e a ultracentralização que, muitas vezes, tanto
combateram no início de seus projetos.
Tais grupos não têm – como parece óbvio – noção de esfera pública
e, assim, não podem também ter uma compreensão clara da
democracia. Na sua aversão ao Estado confundem espaço público
com um âmbito estatal, porque não acreditam na sociedade civil
como tipo autônomo de agenciamento. Permanecem, assim, como
grupos privados, constituindo-se (ou travestindo-se) algumas vezes
como empresas.
Caso isso ocorresse em larga escala, seria o fim das cidades como
espaços públicos de interação necessários à transição para novos
sistemas de governança adequados ao mundo glocalizado.
64
Não se pode reduzir a diversidade do mundo a um mundo de agentes
econômicos empresariais. É ótimo que existam pessoas que queiram
ganhar a vida por meio de empresas individuais e coletivas. Mas será,
sempre, uma parcela de pessoas que viverá assim. Outras serão
empreendedoras sociais e culturais e serão remuneradas por seus
projetos (não importa aqui quem os financiem). Outras, ainda, serão
sustentadas por suas organizações da sociedade civil ou por suas
comunidades. Uma pequena parcela (talvez reflorescente em
algumas localidades) viverá da autoprodução, da produção de
subsistência ou do autoconsumo. E muitas pessoas ainda viverão
como empregadas de alguém ou de alguma organização
(empresarial, estatal ou social) por muito tempo.
65
Publicização
66
porque será decretado por alguma instância superior e sim porque
emergirá do complexo jogo interativo que se realiza no dia-a-dia das
trocas (não apenas mercantis, mas em todos os sentidos, incluindo
aqueles baseados na gratuidade das relações humano-sociais, na
ajuda-mútua ou na solidariedade) entre pessoas e comunidades. Mas
para que isso conforme um sentido público é necessário que não haja
mais comunidade exclusiva, ou seja, baseada em qualquer idéia de
lealdade como exclusividade. Nesse novo contexto, a liberdade não
significará apenas a liberdade de segregar-se, de abandonar uma
comunidade, mas, sobretudo, a liberdade de pertencer a várias
comunidades simultaneamente (11).
Inovação
67
Os Estados e as empresas tradicionais (sempre associados nessa
coligação que formou o capitalismo que conhecemos) continuarão
tentando aprisionar o conhecimento ou regulá-lo top dow a partir das
leis de patentes, do domínio privado sobre produtos do conhecimento
(como o direito autoral), do segredo e da falta de transparência (ou
accountability) e dos sistemas de ensino (as burocracias escolares e
as hierarquias sacerdotais que constituem as academias). Mas não
poderão mais evitar que novos conhecimentos se formem à margem
das instituições que regulam e à sua revelia. E, o que é mais
importante, não poderão mais competir com a produção em larga
escala de conhecimentos e, inclusive (uma conseqüência), de
produtos comerciais – como os chamados peer production e
crowdsourcing – e com as outras formas não-mercantis de inovação,
como as que serão acionadas na emergência das novas cidades.
Notas e referências
(1) Cf. FRANCO, Augusto (2008). “Essa história de nação...” in Carta Rede
Social 179 (18/12/08): www.augustodefranco.com.br
(2) E isso para não falar das crises políticas e militares que podem ser
desencadeadas pelas iniciativas de autocratização da democracia
atualmente em curso, como a do neo-expansionismo russo sob o governo
da KGB (de Putin), com suas tentativas de reeditar a guerra fria e de outras
ditaduras ou protoditaduras que, no Ocidente e no Oriente, começam a
reflorescer.
(8) Não adianta simular, intra muros, uma repartição eqüitativa dos
superávits produzidos, ou um sistema de remuneração baseado no velho
lema “a cada um segundo a sua necessidade e de cada um segundo sua
possibilidade”, criando empresas comunistas para dentro e capitalistas para
fora. Pois o problema não está na distribuição do lucro e sim na forma como
os superávits foram arrancados antes de se transformarem em lucro. Na
dinâmica mercantil, não há como negar, tais superávits só podem ser
arrancados na competição com outros agentes econômicos, o que significa
dizer que os jogos são, majoritariamente, de perde-ganha. É possível que
71
jogos win-win surjam, cada vez mais, daqui para frente, com a emergência
da sociedade em rede distribuída, alterando a lógica e a racionalidade do
mercado. Mas tudo isso é uma transição na qual, mesmo os que assumiram
a perspectiva pluriárquica como se fosse uma ideologia ou uma plataforma
política, deverão se conformar em jogar o velho jogo perde-ganha se
quiserem sobreviver, pelo menos enquanto não se instala um mundo de
redes distribuídas no qual poderão rodar jogos ganha-ganha.
72
5
O empresariado e a política
Na sociedade hierárquica e na nova sociedade em rede
73
campanhas e pelos governantes que querem se reeleger ou indicar
seus sucessores.
Também não é por acaso que ninguém preste muita atenção aos
reclamos do setor empresarial. Entra ano, sai ano, é a mesma
cantilena de sempre: os empresários e suas entidades corporativas
afirmam que o crescimento econômico resolverá todos os problemas
do país ou da humanidade, reclamam dos altos impostos, imploram
pela redução dos juros, exigem políticas estatais de proteção ou
concessão de algum tipo de vantagem ou privilégio setorial ou
territorial (em geral nacional).
Um problema de concepção
Não é por acaso que os grandes empresários são sempre a favor dos
governos. E não apenas por medo de retaliação fiscal, mas também
por visão, por concepção. Eles pensam mais ou menos assim:
pagamos escorchantes impostos, criamos empregos, dinamizamos a
74
atividade econômica, geramos praticamente todo o produto interno
bruto do país: logo, temos o direito de obter dos governos condições
especialmente favoráveis de gerar cada vez mais valor para nossos
acionistas. Para tanto, não podemos antagonizar qualquer governo e
sim manter com os governantes (sejam eles quais forem) aquela
secular sociedade que até aqui foi tão bem-sucedida. É a regra do
jogo. Uma regra que empresas como Ig Farben (Agfa, Casella, Basf,
Bayer, Hoeschst, Huels, Kalle), Krupp e Siemens não ousaram
quebrar (mesmo quando o governante atendia pelo nome de Adolf...
Hitler).
Por último, há os que levantam – com certa razão – que ainda que
todos tivessem as mesmas condições econômicas, humanas e sociais
para empreender, só uma parte da população se dedicaria à atividade
empresarial, em virtude da saudável diversidade de vocações, gostos
e preferências pessoais. Tem gente que não quer viver uma aventura
desse tipo, seja porque não suporta psicologicamente os riscos que
lhe são inerentes, seja porque quer se dedicar às artes, à ciência, à
política, à vida comunitária, à espiritualidade ou à contemplação.
Além disso, há várias formas de empreendedorismo – social, cultural,
político – e não apenas a forma econômica empresarial.
Nos argumentos dos que levantam – com razão – que nem todos
fazem a escolha pelo empreendedorismo empresarial, camufla-se
freqüentemente a natureza do problema. É claro que isso é verdade.
Mas a natureza do problema só se revelará se conseguirmos explicar
por que, entre todos os que escolhem se tornar empresários, só
alguns conseguem trilhar satisfatoriamente tal caminho. Vista nestes
77
termos a questão poderia ter uma resposta estatística: ora, porque
em qualquer atividade submetida a uma dinâmica variacional – e,
portanto, dependente, em grande parte, do acaso – só uma
porcentagem dos agentes consegue se adaptar e sobreviver (o que,
no caso, significa crescer).
Mudanças à vista
78
Parece evidente que, em tais condições, tendem a ser rompidos os
velhos laços de interesse recíproco e as relações deformantes entre
privado e público estabelecidas entre os empresários e o sistema
político.
Para tanto, é claro, a empresa terá que deixar de ser uma unidade
administrativo-produtiva isolada e passar a ser um comunidade de
negócios configurada na rede de seus stakeholders, o que significa
dizer que ela terá que iniciar a transição da sua forma atual empresa-
pirâmide para uma empresa-rede.
79
6
A desastrosa idéia de sucesso
80
Como critério de sucesso, a fama é inquestionável, indiscutível
mesmo. Se você virou uma celebridade, é sinal de que progrediu na
vida. Deixou de ser qualquer um. Destacou-se e continuará sendo
destacado. Merecerá tratamento especial aonde for (e não apenas
para fins carcerários). Não entrará na fila. Não receberá senhas. O
maitre logo lhe arranjará uma mesa, mesmo que o restaurante esteja
lotado. Não ficará aguardando atendimento nos bancos das
repartições públicas ou nos sofás das antesalas das organizações. E
todos o observarão com admiração, alguns deixarão escapar suspiros
à sua passagem, muitos o cumprimentarão como se o conhecessem
de longa data; outros, mais afoitos, lhe pedirão autógrafos ou
implorarão sua licença para tirar uma foto ao seu lado.
Como percebeu com argúcia Matt Ridley (1996), “Thomas Hobbes foi
o antepassado intelectual de Charles Darwin em linha direta” (3).
Segundo Hobbes (que tantos citam e poucos lêem) na falta de um
poder que domestique ou apazigue os homens, “não há sociedade; e
o que é pior do que tudo, [há] um medo contínuo e perigo de morte
violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e
curta”. E isso ocorre – segundo ele – não por razões culturais, que
82
emanassem da forma como a sociedade se organiza, mas intrínsecas:
uma espécie de inclinação “genética” – e Hobbes (1651) só não disse
isso porquanto Mendel (1864) ainda não havia nascido. Sim, senhor,
foi o que ele escreveu, sem meias-palavras, no famoso capítulo XIII
do “Leviatã”: “na natureza do homem encontramos três causas
principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a
desconfiança; e terceiro, a glória”. Para ele o egoísmo e seus bad
feelings acompanhantes (como a desconfiança) não eram culturais,
mas tinham sua origem na própria natureza humana (seja lá o que
isso for).
84
Da mesma forma, não há liderança nos reinos de organismos (com
exceção dos humanos, no reino animal). A abelha rainha não lidera
as outras abelhas. As colônias de formigas não têm chefe (nem
coordenador, nem facilitador). Como escreveu a cientista Deborah
Gordon (professora de ciências biológicas em Stanford, que
pesquisou durante 17 anos colônias de formigas no Arizona), “o
mistério básico que cerca as colônias é que nelas não há
administração... Não há nenhum controle central. Nenhum inseto dá
ordens a outro ou o instrui a fazer coisas de determinada maneira...
De fato, não há entre elas líderes de qualquer espécie”. E não há,
ademais, qualquer programação genética capaz de determinar um
tipo de comportamento especializado em relação aos demais
indivíduos da espécie: “as formigas não nascem para executar certa
tarefa; a função de cada uma delas muda juntamente com as
condições que encontra, incluindo as atividades de outras formigas”
(4).
Nada disso! Novamente aqui é Lynn Margulis que vem puxar a orelha
dos impostores: “Todas as espécies existentes são igualmente
evoluídas. Todos os seres vivos, desde a minúscula bactéria até o
membro de um comitê do Congresso, evoluíram do antigo ancestral
comum que desenvolveu a autopoese e que, com isso, tornou-se a
primeira célula viva. A própria realidade da sobrevivência prova a
“superioridade”, já que todos descendemos de uma mesma forma
originária metabolizadora. A delicada explosão da vida, numa sinuosa
trajetória de quatro bilhões de anos até o presente, produziu-nos a
todos” (5).
85
Os indicadores de sucesso da sociedade hierárquica
86
condutores de rebanhos (aqueles que se dirigem sempre às massas –
não às pessoas – com o objetivo de comandá-las e controlá-las,
sejam ditadores ou manipuladores). Sobre cada uma dessas
categorias – que freqüentemente se misturam e incidem em alguma
combinação particular sobre um mesmo indivíduo vitorioso –
pretendo fazer uma análise mais aprofundada em outra
oportunidade.
87
No segundo capítulo do livro, Gladwell conta a história de Bill Gates,
sublinhando o fato de que ele foi matriculado em uma escola
particular que criou um clube de informática. Essa escola especial
investiu, em 1968, 3 mil dólares na compra de um terminal de tempo
compartilhado ligado a um mainframe no centro de Seattle. Assim,
Gates, quando ainda estava na oitava série, passou a viver numa sala
de computador (20 a 30 horas por semana). De sorte que, “quando
deixou Harvard após o segundo para criar sua própria empresa de
software, Gates vinha programando sem parar por sete anos
consecutivos... Quantos adolescentes tiveram esse mesmo tipo de
experiência?” É o próprio Bill Gates que responde: “Se existiram 50
em todo mundo, eu me espantaria. Houve a C-Cubed e o trabalho
para a ISI com a folha de pagamento. Depois a TRW. Tudo isso veio
junto. Acredito que meu envolvimento com a criação de softwares
durante a juventude foi maior do que o de qualquer outra pessoa
naquele período, e tudo graças a uma série incrivelmente favorável
de eventos” (6).
É por isso que o tipo de educação que recebemos, para nos destacar
dos semelhantes, é terrivelmente prejudicial em uma sociedade em
rede, na qual estão abertas infinitas possibilidades de polinização
mútua e de fertilização cruzada que impulsionam a inovação e o
desenvolvimento pessoal e coletivo. Essa idéia é desastrosa,
porquanto, sob sua influência, desperdiçamos as potencialidades
criativas e inovadoras das múltiplas parcerias e sinergias que o
relacionamento horizontal entre as pessoas proporciona. Guiados por
ela, perdemos talentos, bloqueamos a dinamização de inusitadas
capacidades coletivas, matamos no embrião futuros gênios e
exterminamos o mais precioso recurso para o desenvolvimento de
pessoas e comunidades: o capital social (que é uma metáfora,
construída do ponto de vista dos recursos necessários ao
desenvolvimento, para designar nada mais do que a própria rede
social).
93
Quanto mais ocorrem eventos de desobstrução, mais a
sociedade vai se comportando como uma entidade que
aprende, pois o que é chamado de aprendizagem é sempre a
abertura de novos caminhos. E mais, a sociedade vai se
desenvolvendo, pois o que chamamos de desenvolvimento é a
mesmíssima coisa: a abertura de novas oportunidades de
conexão” (8).
Notas e referências
(2) MARGULIS, Lynn & SAGAN, Dorion (1998). O que é a vida? Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
94
(4) GORDON, Deborah (1999). Formigas em ação: como se organiza uma
sociedade de insetos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
(7) Cf. Lynn Margulis e Dorion Sagan em Microcosmos (1986), Don Tapscott
e Anthony Williams em Wikinomics (2006) e Humberto Maturana em
Biologia del fenómeno social (1985), cujas referências completas estão no
texto citado abaixo:
95
7
Você é o inimigo
96
ou dos mercados - os participantes desses movimentos como que
absolveram as estruturas centralizadoras que, há seis mil anos, vêm
reproduzindo no mundo um padrão de hierarquização da rede social
e, ao mesmo tempo, absolveram a si próprios de qualquer culpa pela
verticalização do mundo. Todo mal está nos outros. O inimigo está lá
fora e acima. Os demônios que devemos exorcizar são os grandes
conglomerados que produzem a pobreza, a miséria, a fome e a
devastação ambiental (conquanto uma rápida visita à China ou à ex
Alemanha Oriental teria sido suficiente para refutar esta última
alegação, mas isso agora não importa mais).
Mas a nova época, cuja gestação sua miopia não permitia entrever,
não era, por incrível que pareça, a da disputa pelos rumos da
globalização e sim a da efetiva trama subterrânea da glocalização.
Não era a do surgimento das novas potências no chamado terceiro
mundo em contraposição ao poder do Império (nem a desse outro
besteirol designado pela sigla BRIC), como novos atores no cenário
global, supostamente mais comprometidos com a erradicação da
pobreza e das desigualdades (e que poderiam, com boa vontade e
uma overdose de proselitismo ambiental, ser convertidos à luta
contra o aquecimento global), mas a da emergência da sociedade em
rede. Uma sociedade cada vez mais pulverizada e mais
desorganizada (segundo os velhos padrões de ordem top down),
porém cada vez mais interconectada, distribuída e clusterizada (em
miríades de novas comunidades sócio-territoriais, setoriais ou
temáticas, de prática, de aprendizagem e de projeto). Uma sociedade
cada vez mais vulnerável ao swarming e ao crunching, em um mundo
cada vez mais diverso e maior em termos geográfico-populacionais e
cada vez menor em termos sociais (small world networks).
99
8
A transição
Da organização hierárquica para a organização em rede
100
discurso convincente, os exemplos e as tecnologias (e metodologias)
para promover e conduzir tal transição. Como não conseguimos
"vender" a idéia, achamos que não temos a "fórmula".
Mas suas idéias não valem muito. E, sob certo aspecto, os que olham
para você com desconfiança, têm certa razão. Porque não é o seu
conhecimento que vai conseguir transformar aquela organização
hierárquica em uma organização em rede e sim a maneira como as
101
pessoas vão passar a se relacionar dentro da organização. Seu papel
- ao contrário do que muitos acreditam - não é fazer a cabeça dos
decisores da organização. Em geral eles são pessoas inteligentes o
suficiente para entender suas idéias. Mas isso não adianta porque a
organização hierárquica, a despeito do que acreditam seus dirigentes,
continuará funcionando na dinâmica do comando-e-controle.
Isso exige outro padrão de consultoria que não aquele do técnico que
vai lá vender o seu conhecimento para quem quiser pagar o preço. Só
é possível realizar essa consultoria se você for parte do processo,
como um dos nodos da rede dos stakeholders da organização. Não é
uma aplicação tecnológica ou metodológica que possa ser feita por
um agente desinteressado, neutro, imparcial. Você também é
transformado na interação. Se não for, não haverá mudança alguma.
Os caras vão fazer de conta que acreditam no seu discurso, vão
experimentar suas tecnologias e metodologias e, no final, você vai
sair mais ou menos como entrou e a organização vai ficar mais ou
menos como você a pegou. Vai passar a ter um novo discurso -
materializado formalmente em novas declarações sobre visão,
missão, valores - mas o conviver que expressa os seus fluxos
cotidianos permanecerá (quase) inalterado.
102
Hierarquia (ordem top down, disciplina, obediência, monoliderança),
desconfiança e inimizade, competição, comando-e-controle são
características de programas verticalizadores que rodam na rede
social da organização. Não são os indivíduos - ou as idéias que estão
dentro das cabeças deles - os responsáveis pela reprodução dessas
disposições e sim a configuração e a dinâmica dos arranjos em que
foram colocados para viver e conviver.
Como? Ah! Basta aplicar a "fórmula" que - não é demais repetir - nós
já descobrimos. Basta alterar a topologia e a conectividade da rede
social composta pelos stakeholders da organização. Se fizermos isso,
vão emergir conexões em rede (ordem bottom up, liberdade,
autonomia, multiliderança), confiança e amizade, colaboração e auto-
regulação como características de programas horizontalizadores (ou
softwares distribuidores) que poderão (então) rodar nos novos
arranjos em que as pessoas vão passar a viver e conviver.
Mas isso não vai dar uma confusão danada? É claro que vai. Criar
uma espécie de Zona Autônoma Temporária dentro da organização,
não é uma coisa trivial. Há o risco de bagunçar os atuais processos
que, bem ou mal, estão permitindo que a organização sobreviva e
muitas vezes se destaque na competição com suas congêneres. Por
outro lado, o que se pode ganhar com isso, caso a transição consiga
se realizar, é muito mais do que se pode ganhar com qualquer
suposta inovação - em geral cosmética - lançada pelas consultorias
estratégicas organizacionais da moda, cujo principal resultado é fazer
103
você ficar igualzinho a seus concorrentes. Os indicadores de
produtividade, inovação e, sobretudo, de sustentabilidade que uma
organização em rede pode alcançar não são comparáveis aqueles que
podem ser atingidos por uma organização hierárquica. Não há
comparação porque o que muda aqui é a própria natureza da
organização.
A questão é: temos ou não temos? Penso que temos. Vou tentar dizer
por que. Antes, porém, uma colocação preliminar.
104
Não vamos perder muito tempo com controvérsias semânticas.
Quando dizemos "fórmula" (entre áspas), isso significa que não há
uma fórmula. Quando dizemos "programa" (entre áspas), isso
significa que não há um programa. Os caminhos para a rede como
padrão de organização são múltiplos, como são as redes (por
definição = múltiplos caminhos).
SOBRE OS MEIOS
Mohandas Ghandi disse certa vez que "não existe caminho para a
paz: a paz é o caminho". John Dewey, antes de Ghandi, já havia
sugerido que não existe caminho para a democracia a não ser a
própria democracia. Com as redes é a mesma coisa: 'não existe
caminho para as redes: as redes são o caminho'. A paráfrase não é
apenas literária. Há uma relação intrínseca entre essas realidades
processuais - paz, democracia e redes: na verdade não há paz, senão
+pazeamento; e não há democracia, senão +democratização; e não
há redes, senão +enredamento ou +reticulação ou, ainda,
+distribuição.
107
Qual é a novidade aqui? E qual é o sentido deste post que gerou
tantos comentários?
A novidade é a seguinte: isso tem que ser feito agora, não depois.
Não pode haver uma transição para uma organização em rede
mantendo-se intocado o padrão centralizado atual (+centralizado do
que distribuído, entenda-se) em nome de um futuro padrão de rede
(+distribuído do que centralizado). Essa é a desculpa para não mexer
nos graus de centralização e é por isso que uma transição assim não
costuma dar certo.
CONCLUSÕES
109
Mas de todas as tarefas listadas acima só há uma realmente decisiva
e fundamental: "fazer" redes! Ou, dizendo de modo mais preciso,
aumentar os graus de distribuição e conectividade das redes que já
existem conectando as pessoas da organização (que são mais
centralizadas do que distribuídas, do contrário não seria necessário
fazer a transição).
110
9
Buscadores e polinizadores
111
medida que emerge uma nova sociedade cuja morfologia e dinâmica
já são, em grande parte, as de uma rede distribuída) ainda
remanescem e continuam aplicando seus velhos métodos. Em que
pese o papel fundamental que cumpriram nos últimos séculos, essas
instituições e processos já começam hoje a ser obstáculos à
criatividade e à inovação.
O que tivemos, pelo menos nos dois últimos séculos, foi, em grande
parte, uma educação massiva e repetitiva, voltada para enquadrar as
pessoas em um tipo insustentável de sociedade (instalando nas suas
mentes programas maliciosos, elaborados para infundir noções de
ordem, hierarquia, disciplina e obediência) e para adestrar a força de
trabalho, para que os indivíduos pudessem reproduzir habilidades
requeridas pelos velhos processos produtivos e administrativos e
executar rotinas determinadas.
Ensino e aprendizagem
113
(ensinada: os leigos). E as escolas, que também se estruturaram, em
certo sentido, como igrejas (mesmo as laicas), consolidaram sua
estrutura com base na separação de corpos entre docentes e
discentes.
O que se aprende é o quê? Ah! Não se sabe. Pode ser qualquer coisa.
Não está predeterminado. Eis a diferença! Eis o ponto! A
aprendizagem é sempre uma invenção. A ensinagem é uma
reprodução. Mas como escreveu o poeta Manoel de Barros (1986) no
Livro sobre Nada: “Tudo que não invento é falso”.
114
Aprender a aprender é a condição fundamental para a livre
aprendizagem humana em uma sociedade inteligente. É ensejar
oportunidades aos educandos de se tornarem educadores de si
mesmos (aprendendo a andar com as próprias pernas ao se
libertarem das muletas do heterodidatismo).
115
Quem organiza o conhecimento é a busca
116
apenas procure uma mensagem quando precisar e a encontraremos
para você”.
Colecionadores de diplomas
117
ocupado no passado e sim no futuro. Então o que é necessário avaliar
é a linha de atuação ou de pensamento que está sendo seguida pelo
candidato.
1 – Estabelecer conexões
2 – Reconhecer padrões
118
A partir daí estamos falando de humanos (e é necessário fazer essa
ressalva porquanto máquinas também podem aprender) e podemos
então listar as ferramentas de auto-aprendizagem ou “alfabetizações”
(em um sentido ampliado):
119
Essas “alfabetizações” não são temas curriculares ou disciplinas. São
drives capazes de gerar agendas compartilhadas de aprendizagem.
120
O educador-polinizador será alguém que desaprendeu a ensinar.
Porque será um aprendente.
Aprender a conviver
121
(reconceitualizada como cidade-rede de comunidades que aprendem)
e aproveitando experiências voltadas ao estímulo ao autodidatismo,
como, por exemplo, alguma coisa assemelhada ao método Kumon
(expandido, porém, com novos conteúdos e adaptado às novas
formas de interação educativa extra-escolares, como o
homeschooling e, sobretudo, communityschooling, porém na linha do
unschooling) e o conectivismo como nova teoria da aprendizagem
(daí as redes sociais, que constituem o padrão de organização das
novas comunidades de aprendizagem capazes de disseminar as
ferramentas de auto-aprendizagem e de comum-aprendizagem).
Sociedades desescolarizadas
122
10
Netweaving
Por que falamos tanto de redes sociais e temos tanta
dificuldade de articulá-las
Assim como temor não é amor, trabalho não é algo que possa
humanizar os seres humanos enquanto sujeitos interagentes em
relações horizontais com outros seres humanos. Quando se trabalha
para um superior que aprisionou seu corpo e escravizou ou alugou
sua força e sua inteligência, é-se subordinado, sub-ordenado segundo
um padrão de ordem vertical, alocado em um degrau inferior da
escada do poder. Hierarquia é o nome original da ordem (arché)
123
imposta top down por esse poder sagrado (hieros), separado (dos
outros) e replicador de separações sociais.
Blogs nada têm a ver com redes. Já a blogosfera, sim, pode ser um
bom exemplo de rede distribuída. Mas também não é uma rede
social. Redes sociais são pessoas interagindo, não ferramentas de
publicação ou de interação.
124
4 - Fractal: pessoa já é rede! (Ou, como captou Novalis, em 1798:
"Cada ser humano é uma pequena sociedade").
125
sociais voluntariamente construídas podem ser interfaces para
“conversar” com essa “rede-mãe”.
126
15 - A rede não é um instrumento para fazer a mudança: ela já é a
mudança.
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20 - Netweaving não é uma ciência: é uma arte. Por incrível que
pareça, é a arte da política.
Notas e referências
(*) | David de Ugarte alega que foi ele que inventou a palavra em 1999:
“La palabra netweaving fue creada en 1999 por David de Ugarte para definir
el objetivo de Piensa en Red. El término ni siquiera existía en los buscadores
en aquella época, pero fue pronto consagrado por Juan Urrutia en La lógica
de la abundancia, un largo artículo publicado en la revista Ekonomiaz en el
que se planteaba por primera vez la lógica de la abundancia como principio
ordenador de las redes distribuidas” (cf. : Indianopédia; em PDF). Mas essa
alegação parece não ser verdadeira, de vez que ela – a palavra ‘netweaving’
– pode ser encontrada em um artigo de março de 1998: “Netweaving
alternative futures – Information technocracy or communicative
community?” de Couper S.A.; Mulvey R.E.; Sherrington D.C.; Belal F.1; Aly
F.A.; Walash M.I.; Kenawy I.M.; Osman A.M.; Stevenson T (Elsevier:
Futures, Volume 30, Number 2, March 1998 , pp. 189-198: 10). O artigo
está disponível online desde 17/08/98 e pode ser adquirido no site
http://www.sciencedirect.com ou diretamente neste link. Há também outros
usos da palavra, mais ou menos sérios, quer como Network Weaving ou
como NetWeaving.
128