A Expansão Do Direito Penal
A Expansão Do Direito Penal
A Expansão Do Direito Penal
RESUMO
ABSTRACT
The capitalist society, the new criminal politics and scientific the technological
advance/had modified the route of history. New risks had appeared, more accently after
the decade of eighty of the passed century, culminating in uncertainties and unreliability
never before felt by all the society. Grow up the `society of risk', and the criminal law
was called to act in new branches, as the economy, the environment, the consumption.
The structure that bases the criminal law not yet obtained to adapt it these new spheres
of protection, generating established controversies in the doctrine world measures.
Questions concerning the legal goods untiringly are raised, with its theories that tie the
legal goods of the individual one with the collective one, of the concrete to the diffuse
one… The criminal legislation starts to not more protect (only) results, and yes, action,
many times of anticipated form, contacting it administration of the criminal law face to
Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
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the new risks. Inside of this context, the present work questions the legitimacy of the
use of the criminal law as instrument of management of risks, under a fundamentalist
optics of the right.
1. Introdução
Até então a repressão penal era tradicionalmente utilizada como meio de contenção dos
abusos e domínios estatais, a criminalizar apenas condutas comprovadamente
indesejadas. Agora, ela passa a constituir mecanismo do Estado, na (talvez suposta) luta
preventiva de condutas hipoteticamente arriscadas.
O campo de atuação do direito penal alarga-se, passando a intervir em esferas até então
estranhas, como: a economia, o meio ambiente, as relações de consumo, a manipulação
genética, dentre outros campos.
O direito penal, ao se expandir, deparou-se com dilemas estruturais, vez que as novas
intervenções demandam um atuar distinto de seus mecanismos tradicionais, esbarrando
com conceitos inacessíveis às novas condutas, gerando divergências doutrinárias de
grande qualidade, nascendo diversas propostas que visam redesenhar ou não o direito
penal, na busca constante de como situar a proteção a estes novos riscos.
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2. A sociedade capitalista e as novas políticas criminais
Os conceitos penais devem passar por reflexões, fazendo-se andar ao lado destas
mudanças sociológicas, o que exige constantes avaliações de fundamento, de modo a
impedir qualquer forma de possível conflito entre a proteção dos bens jurídicos
correspondentes a estes novos riscos, com os princípios norteadores da Constituição da
República, do Estado Democrático de Direito e dos valores fundamentais da sociedade,
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conquistados com o derrame de muito suor, sangue e lágrimas em tempos não tão
distantes.
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concreto e abstrato, como resultado das idéias expansionistas, igualmente apoiadas
pelos meios de comunicação, o que acarretou o aparecimento de políticas criminais
intimamente ligadas à idéia de prevenção, deixando-se de lado o fundamento natural
contido nas tipificações penais, enquanto fundamento da pena[6], registrando-se a
implementação de tipos legais que buscam, por meio da criminalização de condutas de
perigo, antecipando sua coerção dentro da esfera de liberdade do agente, “na esperança
de poder puni-lo antes que a sua conduta alcance a lesão concreta do bem jurídico”[7].
Segundo Faria Costa[9], este mínimo ético, seriam valores com funções garantidoras,
onde ao direito penal cumpre tutelar valores jurídicos de relevância ético-social.
Cediço que o exercício do ius puniendi encontra sua legitimidade na função reconhecida
ao direito criminal, a proteger subsidiariamente bens jurídicos, registra-se, igualmente
importante, analisar acerca do alcance destes bens, se a teoria do bem jurídico pode ou
não abarcar estes novos riscos, ou seja, se o direito penal pode ou não alcançar estas
novas figuras surgidas com a globalização.
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4. A proteção dos novos riscos e o bem jurídico-penal
Para alguns autores os bens jurídicos penais são ‘aqueles pressupostos valiosos e
necessários para a existência humana’; para outros representam ‘aqueles objetos dos
quais o homem precisa para a sua própria livre auto-realização’; ou ainda, uma ‘relação
real da pessoa com um valor concreto reconhecido pela comunidade jurídica na qual o
sujeito de direito se desenvolve pessoalmente com a aprovação do ordenamento’;
também há autores que identificam os bens jurídicos como ‘interesses da vida da
comunidade a que o direito penal concede proteção’; ou quem acredite que são eles
‘circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e para o seu livre
desenvolvimento no âmbito de um sistema social global estruturado ou para o
funcionamento do próprio sistema’[13].
São várias as propostas a definir o conceito de bem jurídico, de forma que podemos
concluir que este conjunto de opiniões e a diversidade das noções permitem demonstrar
a impossibilidade de apontar um conceito definitivo, acabado, que possa estruturar, de
forma segura, este critério de incriminação.
Neste sentido, extrai-se que a noção de bem jurídico penal, e o próprio direito penal,
estão diretamente ligados à história social de cada povo, de cada época. Só a descoberta
do sentido da historicidade permitem a compreensão material de um ordenamento
jurídico aberto, também, só desse modo, se consente que, teoricamente, “nos
interroguemos sobre os processos de transição dos elementos que, num fluxo contínuo
passam, quer do ordenamento jurídico para a realidade, quer desta instancia para,
justamente, o próprio seio do ordenamento penal”[14].
Realmente, o homem insere-se na historicidade de sua época, e o direito penal acaba por
abarcar situações inerentes aos acontecimentos vividos naquela situação jurídica.
Na Alta Idade Média, a situação jurídica do indivíduo estava determinada pela família e
pela comunidade a que pertencia, quando o maior dos delitos era a traição, dominando
uma concepção de justiça privativista do direito penal.
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possível o desenvolvimento das relações mercantis, quando o direito penal voltou-se à
proteção dos feirantes[15].
No fim do século XVII, o mundo do direito penal mostrava-se pouco claro, irracional,
vez que, o âmbito dos fatos puníveis era incerto e vago. A partir daqui inicia uma
revolução com a bandeira do jusnaturalismo laico, preocupado em superar a concepção
teocrática dominante e em ancorar a legitimidade das instituições públicas no direito
natural e na razão humana.
É no século XVIII que os direitos naturais do indivíduo são colocados na base do direito
e do Estado, onde se assume como premissas fundamentais a racionalização do sistema
do direito penal, tornando-o num instrumento útil na prevenção dos crimes, no combate
à arbitrariedade, na aplicação da justiça, na proclamação dos direitos que por natureza
pertencem a todo o indivíduo. A limitação do poder punitivo pela teoria do contrato
social trouxe a afirmação do princípio da legalidade, e é nesta autonomização da tutela
penal, não mais vinculada com o poder do monarca, que permite a elaboração de um
conceito material de crime, representando o embrião do conceito de bem jurídico-
penal[18].
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No início do século XX ocorre modificação decisiva na compreensão do bem jurídico,
deixando-se de entendê-lo como um interesse concreto prévio à norma, convertendo-o
num instrumento de interpretação.
O bem jurídico passa a ser a ratio legis das normas incriminadoras, não confundindo-o
com interesses ou bens dos indivíduos singulares. Deixa-se de lado a visão formal,
positivista-legalista, incapaz de determinar a fonte de legitimidade da incriminação e
responder ao problema da função e limites do direito penal, descobrindo-se a
necessidade de uma compreensão material do crime[22].
Juntamente à lesão do bem jurídico, aparece a violação de uma norma de conduta, que
desaprova juridicamente um determinado comportamento.
Figueiredo Dias[24] salienta que após a crise generalizada do primeiro conflito mundial,
“o legislador foi-se deixando seduzir pela idéia perniciosa mas difícil de evitar, de pôr o
aparato das sanções ao serviço dos mais diversos fins de política social”. A partir de
então, as incriminações relacionadas com novas situações de risco geradas por ações
humanas nos domínios técnico, científico e econômico, ficariam nos domínios do
‘direito penal do risco’.
As ações até então sancionadas pelo direito das contra-ordenações ou pelo direito penal
secundário, passam a adquirir uma nova valoração, ganhando outra visibilidade social,
que lhes assegurou a elevação à categoria de crime e, em alguns casos, a própria
promoção ao Código Penal.
Situações antes sancionadas apenas pelo direito administrativo agora passam a figurar
no direito penal, e o aumento efetivo da criminalidade acabou por induzir o legislador a
uma antecipação de tutela, além do agravamento da punibilidade.
Diante da ameaça global causada por novos e grandes perigos que pesam sobre a
humanidade, principalmente na esfera ambiental, com ameaças reais à existência do
planeta, juntamente com a teoria dos riscos de segunda modernidade, de Beck, na qual
uma racionalidade instrumental é baseada na crença do progresso ilimitado, deixando
para trás a teoria do risco permitido, aumentando a procura de mecanismos de segurança
e de prevenção. O direito penal passa a se expandir, determinando a proteção penal dos
novos riscos, onde o bem jurídico passa a utilizar-se de conceitos indeterminados e de
leis penais em branco, em desfavor ao princípio da legalidade[25].
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A incriminação de novos comportamentos nos âmbitos do consumo, do ambiente, da
economia, etc., deixam de ter por referência bens jurídicos tangíveis, concretos,
afastando-se do conceito clássico do objeto de tutela do direito penal, pois algumas
normas incriminadoras protegem interesses supra-individuais, cuja referência pessoal se
revela pouco transparente.
Portanto indaga-se: poderá o direito penal, em resposta às exigências impostas pela pós-
modernidade e sua sociedade de risco, continuar a cumprir sua função de proteção
subsidiária de bens jurídicos-penais, ou, ao responder a essas exigências, acaba por se
revelar como um direito penal funcionalmente orientado, administrativizado e afastado
da tutela de bens jurídicos?
5. A divergência doutrinária acerca da proteção dos novos riscos pelo direito penal
Na proposta do autor alemão para os chamados bens jurídicos universais, frutos dos
maiores riscos e ameaças, também chamados de difusos e apenas relativamente
controláveis, deve ser criado “um direito de intervenção que permita tratar
adequadamente os problemas que só de maneira forçada se podem tratar dentro do
direito penal clássico”, pois o este não se encontra apto a solucionar problemas que não
são passíveis de solução.
Para Paulo Silva Fernandes[28], esta proposta parece registrar uma inversão perigosa do
princípio da subsidiariedade, denotando sérios problemas acerca do principio da
proporcionalidade, porque correr-se-ia o risco de termos dois pesos e duas medidas,
uma vez que não adéqua-se ao direito penal clássico, gerando um direito artificial.
Silva Sánchez, considerando que as novas lesões provenientes dos novos riscos não
podem ser absorvidos pelo direito penal clássico, manifesta-se radicalmente contra
penas privativas de liberdade fora da proteção de bens jurídicos individuais. O autor
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propõe a divisão dos ilícitos em dois grandes blocos: um deles correspondente aos
ilícitos para os quais se comina pena privativa de liberdade para proteção de direitos
individualmente protegidos; outro, englobando as lesões pertinentes aos novos riscos,
ou seja, lesões a bens jurídicos coletivos, onde não caberia a aplicação de penas
privativas de liberdade[29].
Para este autor, existiria um direito penal de duas velocidades, com regras de imputação
e princípios de garantia funcionando a dois níveis de intensidade, conforme os ‘blocos’
de ilícitos, semelhante ao proposto por Hassemer, quanto às formas de imputação, uma
vez que, este propõe a existência de um modelo imbuído de menor intensidade
garantística, mas dentro do direito penal.
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os fenômenos sociais patológicos incapazes de lesar, ou pôr em perigo, objetos dignos
de serem considerados autênticos bens jurídicos, que deveria ver-se excluído, dentre
outros, os crimes econômicos, os crimes tributários, os crimes ambientais[31].
Próximo aos pressupostos da escola de Frankfurt, porém reconhecendo que nem toda a
intervenção do direito penal no domínio dos novos riscos é ilegítima, encontra-se esta
teoria, também chamada de teoria personalista dos bens jurídicos supra-individuais.
Neste sentido, Augusto Silva Dias defende que para poder haver o dano e a
ofensividade relativa a um bem jurídico com dignidade penal e não a mera conduta de
funções, torna-se imprescindível que os novos bens jurídicos se mostrem dotados de
referencial pessoal. Seria a ausência deste referencial pessoal que impediria a sua tutela
penal[33].
Nesta teoria, os bens jurídicos, cujo domínio de eleição se situa no âmbito do direito de
mera ordenação-social, tendo em conta seu valor instrumental na proteção das
condições essenciais da realização humana, assumiriam relevância penal, constituindo
uma técnica de tutela antecipada dos ‘valores-fins’ essenciais[34].
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5.4 A teoria dos bens jurídicos coletivos
Para este autor, o reconhecimento da autonomia dos bens jurídicos coletivos face aos
legítimos interesses individuais, foi acentuado pelos problemas que a sociedade
moderna coloca ao direito penal, entendendo que uma proteção penal destes bens
jurídicos coletivos supõe que o ilícito material desses crimes seja visto como residindo
na verificação de condutas que, em si mesmas consideradas ou em associação a
condutas ocorridas em quantidade inumerável e com uma freqüência devastadora, lesam
ou põem em sério perigo aqueles bens jurídicos, o que, para o autor, há de ter
conseqüências ao nível da estrutura típica destes delitos.
Adepto a esta teoria, Hefendehl[38] expõe que um bem jurídico será coletivo ou
universal na medida em que ninguém possa ser excluído do seu uso e desde que, o uso
de tal bem por alguém, não impeça ou prejudique que outra pessoa dele se beneficie. A
segurança coletiva do Estado seria um bem jurídico universal ou coletivo, vez que
ninguém pode ser excluído de seu uso, ou ainda, porque o uso desse bem pelo indivíduo
A, não prejudica nem impede o uso do indivíduo B.
É nesta teoria que pousaria a idéia dos delitos por acumulação, que
preocupa-se com a possibilidade de sancionar penalmente uma conduta individual,
mesmo que esta, por si só, não se mostre adequada a lesar o bem jurídico, verificando-se
a forte probabilidade de que a mesma seja também realizada por outros sujeitos, o que,
no conjunto, corresponderia a uma grave lesão do bem jurídico[39].
O tipo cumulativo abrange atos concretos que, contemplados em si mesmos, não lesam
o bem jurídico, e, por conseguinte, estes delitos de acumulação podem ser qualificados
como crimes de perigo abstrato, não se perdendo de vista sua especialidade, residindo
na hipótese realista de que, sem a proibição jurídico-penal, tais condutas seriam
realizadas em grande número, criando perigo ou lesando o bem jurídico protegido. Seria
no âmbito das ‘ações em massa’ que se inseririam estes delitos, enquanto estrutura
adequada a proteger bens jurídicos coletivos que os novos riscos da sociedade
tecnológica impõem, sendo, a acumulação, um subtipo de perigo abstrato[41].
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Em oposição à legitimidade destes delitos cumulativos, encontram-se, dentre outros
autores, Silva Dias e Silva Sanchez, com a explicação de que a figura da acumulação
seria, inegavelmente, incompatível com o princípio da ofensividade, uma vez que cada
ação singular, considerada em si mesma, é destituída de ofensividade, de dano, e,
faltando esta dimensão, considera-se que falta a experiência do desrespeito, da negação
do reconhecimento recíproco que sustenta o ilícito genuinamente penal[42].
Sustentam que só a soma objetiva com outros contributos singulares poderia produzir
este efeito danoso, porque o delito cumulativo desrespeita igualmente o princípio da
proporcionalidade, porquanto a cominação da privação da liberdade, como sanção de
uma conduta inócua para um bem jurídico, violaria o princípio da proibição do excesso.
Ainda, a figura da acumulação põe em cheque o princípio da culpa, uma vez que nos
delitos aditivos, a culpa se funda no pressuposto que outros atuam ou atuarão na mesma
direção[43].
Sustenta este autor que um retorno do direito penal à proteção de interesses individuais
seria terrível, pois implicaria renunciar à pena, como sanção mais pesada que o nosso
ordenamento conhece, quando estão em jogo interesses vitais, não só dos indivíduos,
mas da humanidade inteira. O direito penal, então, revelaria grandes dificuldades em
lidar com estes novos riscos, o que impõe modificações dogmáticas importantes, no
domínio da causalidade e do resultado, do dolo e da consciência do ilícito, da autoria e
da responsabilidade penal das pessoas coletivas.
Este autor propõe o abandono da idéia de bem jurídico, substituindo-o pela tutela direta
de relações ou contextos de vida. Em seu pensamento, questionar a validade do bem
jurídico não corresponde a reconhecer às normas penais um significado puramente
funcional, e sim, representa a renúncia a um ato teórico muito forçado. Esta teoria fora
igualmente proposta por Rachel Carson, em 1962[45].
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Seguindo o sustentado por Jakobs, o que se concorda plenamente, temos que “o Estado
pode proceder de dois modos com os delinqüentes: pode vê-los como pessoas que
delinqüem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser
impedidos de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação”[47]. Neste sentido, a
função manifesta da pena no direito penal do cidadão é a contradição, e no direito penal
do inimigo é a eliminação de um risco, no qual todo delinqüente é um inimigo.
Pensamento similar à teoria do abandono do bem jurídico, foi a propagada por Karl
Schmitt[50], pensador ilustre do nazismo, ao sustentar que uma autoridade política total
é indispensável a qualquer sociedade que busque uma harmonia responsável, onde o
Estado deve ser capaz de lidar com circunstâncias excepcionais, isto é, crises internas e
externas nas lutas políticas entre amigos e inimigos. Para Schmitt, “o soberano é quem
decide no caso de uma exceção”, ou seja, esse é o ponto em que o Estado se sobrepõe
aos limites da lei, aos quais está, em geral, subordinado.
Ignorar o conceito e rejeitar a análise do bem jurídico, seria perder de vista as idéias
iluministas e liberais conquistadas como barreiras aos abusos do Estado, que, para
Bobbio, frente à grande antítese que domina a história humana entre a liberdade e poder,
pela qual nas relações entre indivíduos e entre grupos, quanto maior a liberdade tanto
menor o poder e vice-versa, resultando boa e desejável “aquela solução que alarga a
esfera de liberdade e restringe aquela do poder, com outras palavras, aquela pela qual o
poder deve ser limitado de modo a permitir a cada um de gozar da máxima liberdade
compatível com a igual liberdade de todos os outros”[51].
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6. A utilização do direito penal como instrumento de gerenciamento do risco
A demanda pela expansão do direito penal sobre os novos riscos vem acompanhada de
uma contra-argumentação de ordem econômica, que sugere a retração dos âmbitos de
abrangência das normas criminais, sob pena de paralisação de todas as atividades
produtivas, vendo-se, o gestor de riscos, o legislador ou o juiz, em meio a um conflito
que ultrapassa a atividade política criminal[52].
Neste contexto, o direito penal passa a destinar seus institutos à prevenção, à inibição de
atividades, em momento antecedente à causação de um mal, antes mesmo da afetação
ao bem jurídico protegido, uma vez que a norma penal passa a reprimir comportamentos
potencialmente danosos.
A falta de clareza na redação dos tipos penais, o largo emprego de normas abertas ou
em branco, a vagueza dos bens jurídicos protegidos, são exemplos decorrentes desta
nova política expansionista do direito penal.
A dificuldade do direito penal em cumprir sua nova missão de gestor de riscos acaba
por evidenciar-se, pois a ele é imposto o objetivo de contenção de atividades perigosas
baseadas na coerção, sob a bandeira da ‘privação da liberdade’, onde, em muitos tipos,
depara-se ultrapassando os limites e garantias inerentes à proteção da dignidade
humana.
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Baratta[54] constata que os bens jurídicos são, cada vez mais, bens produzidos pelo
Estado, no que se refere a infra-estrutura, complexos organizativos e funções
relacionadas à atividade do Estado e das instituições públicas.
O tipo fechado, que trazia as condutas ilícitas de forma precisa, transforma-se num
dispositivo penal genérico, remetendo o preenchimento de seu conteúdo a outros
contextos de regulamentação mais flexíveis, constatando-se, segundo Bottini[55],
“manifesto abandono do mandato de determinação, concretizado na multiplicação de
normas penais com cláusulas genéricas e com elementos típicos indeterminados”.
Outro instrumento amplamente empregado pelo legislador penal são os tipos penais de
perigo abstrato, através da criminalização de condutas que antecipam a incidência da
norma, deslocando-se o injusto do resultado para a conduta, buscando a evitação do
perigo, de forma a obrigar a dogmática penal, adaptando seus fundamentos de acordo
com a imposição desta nova realidade.
Este novo cenário composto por diversas alterações, tanto legislativas, quanto
dogmáticas, afeta toda a legislação penal, num direito mais abrangente e menos
limitado, menos preso aos princípios que acompanharam sua criação e consolidação em
um Estado Democrático de Direito, vez que a exclusiva proteção de bens jurídicos, o
princípio da taxatividade, da lesividade, da culpabilidade são mitigados em nome de um
esforço para corresponder às expectativas sociais de contenção de riscos[57].
Outro fator levantado por Bottini[58], é o direito penal de precaução, que leva-o a coibir
condutas cuja periculosidade é meramente incidiária, onde os riscos não registram-se
evidentes, apenas suspeitos. Aqui, a tutela não se antecipa ao resultado lesivo, mas, em
determinados casos, antecipa-se à própria constatação do risco, colocando a norma
penal num campo estranho: a precaução.
O tipo penal da precaução afeta atividades, cuja periculosidade não é reconhecida pela
ciência, nem pelas evidências estatísticas, mas sua contenção é exigida pela sociedade,
que vive momentos de insegurança e medo, devido aos efeitos potenciais e ocultos das
novas tecnologias.
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Entre direito administrativo e direito penal, grandes e importantes são as diferenças,
cada qual com seus princípios e diretrizes, limites e competências, pois suas bases
normativas e interpretativas são diversas.
7. Considerações finais
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Conforme leciona o atual presidente de nossa Corte Constitucional, Gilmar Ferreira
Mendes[63]:
Na busca de uma solução ao presente conflito, não temos certeza de qual caminho
devemos seguir, a única certeza é que a escolha deve respeitar os princípios
fundamentais constitucionais e as garantias cidadãs, conquistadas ao longo da história,
tendo-se o cuidado para que o direito penal não perca suas características fundamentais,
arriscando-se em transformá-lo num direito repressivo puramente simbólico.
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[1] SILVA, Eduardo Sanz de Oliveira. Org: José de Faria Costa. Temas de Direito
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[2] Alberto Silva Franco apud Paulo Silva Fernandes. Globalização, “Sociedade de
Risco” e o Futuro do Direito Penal. p. 27.
[3] Apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito
Penal de Perigo. p. 32-33.
[5] SILVA, Eduardo Sanz de Oliveira. Org: José de Faria Costa. Temas de Direito
Penal Econômico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 262.
[8] FARIA COSTA, José de. (coord.) Temas de Direito Penal Ecoômico. p. 48.
[12] SOUZA, Suzana Aires. Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão sobre a
legitimidade do discurso criminalizado. p. 172.
3089
[14] COSTA, José de Faria. O perigo em Direito Penal. p. 176.
[15] SOUZA, Suzana Aires. Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão sobre a
legitimidade do discurso criminalizador. p. 182.
[17] SOUZA, Suzana Aires. Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão sobre a
legitimidade do discurso criminalizador. p. 183.
[20] SOUZA, Suzana Aires. Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão sobre a
legitimidade do discurso criminalizador. p.189/190.
[21] Manuel da Costa Andrade apud Suzana Aires de Souza, Os crimes fiscais. Análise
dogmatica e reflexão sobre a legitimidade do discurso criminalizador. p. 190.
[22] SOUZA, Suzana Aires. Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão sobre a
legitimidade do discurso criminalizador. p. 191.
[23] Apud Suzana Aires de Souza, Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão
sobre a legitimidade do discurso criminalizador. p. 192/193.
[24] Apud Suzana Aires de Souza, Os crimes fiscais. Análise dogmática e reflexão
sobre a legitimidade do discurso criminalizador. p. 196.
[25] SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria. A expansão do Direito Penal. p. 115 e ss.
[29] SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. A expansão do Direito Penal. p. 124 e ss.
[31] Giorgio Marinucci/Emilio Dolcini in Diritti penale minimo apud Suzana Aires de
Souza. p. 207.
3090
[32] SOUZA, Suzana Aires. p. 210.
[36] António Manuel de Almeida Costa apud Suzana Aires de Souza. p. 217.
[46] JAKOBS, Günther, MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – noções e
críticas. p. 45 e ss.
[48] JAKOBS, Günther, MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – noções e
críticas. p. 49.
3091
[54] BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal. p.
13.
[60] Hassemer apud Pierpaolo Cruz Bottini. Crimes de perigo abstrato e princípio da
precaução na sociedade de risco. p. 198.
[63] Gilmar Ferreira Mendes prefaciando a obra de Hassemer, Direito Penal Libertário.
p. xiv.
3092