Livro Ebook Saberes e Resistencias Miranda e Ana

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EDUCAÇÃO DO CAMPO:

SABERES, DIÁLOGOS E
RESISTÊNCIA

Organizadores
Ane Carine Meurer
Ivanio Folmer
Ricardo Santos de Almeida
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
SABERES, DIÁLOGOS E RESISTÊNCIA

Ane Carine Meurer


Ivanio Folmer
Ricardo Santos de Almeida
[Organizadores]
FICHA CATALOGRÁFICA

10.48209/978-65-994306-7-1

1ªEdição - Copyright© 2021 do/as autores/as.


CAPA
Arco Editores.
DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Arco Editores.
REVISÃO
Dos/as Autores/as.

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Adilson Tadeu Basquerot e Silva Prof. Dr. Mateus Henrique Köhler -
– UNIDAVI/SC UFSM- Santa Maria/RS
http://lattes.cnpq.br/8318350738705473 http://lattes.cnpq.br/5754140057757003

Profa. Msc. Jesica Wendy Beltrán Profa. Dra. Liziany Müller Medeiros -
-UFCE- Colômbia UFSM- Santa Maria/RS
http://lattes.cnpq.br/0048679279914457 http://lattes.cnpq.br/1486004582806497

Profa. Dra Fabiane dos Santos Ramos - Prof. Dr. Camilo Darsie de Souza -
UFSM- Santa Maria/RS UNISC- Santa Cruz do Sul/RS
http://lattes.cnpq.br/0003382878348789 http://lattes.cnpq.br/4407126331414

Dr. João Riél Manuel Nunes Vieira de Prof. Dr. Dioni Paulo Pastorio - UFRGS -
Oliveira Brito - Porto Alegre/RS
UAL - Lisboa- Portugal. http://lattes.cnpq.br/7823646075456872
http://lattes.cnpq.br/1347367542944960
Prof. Dr. Leonardo Bigolin Jantsch -
Profa. Dra. Alessandra Regina Müller UFSM- Palmeira das Missões/RS
Germani - http://lattes.cnpq.br/0639803965762459
UFFS- Passo Fundo/RS
http://lattes.cnpq.br/7956662371295912 Prof. Dr. Leandro Antônio dos Santos
-UFU– Uberlândia/MG
Prof. Dr. Everton Bandeira Martins - http://lattes.cnpq.br/4649031713685124
UFFS - Chapecó/SC
http://lattes.cnpq.br/9818548065077031 Dr. Rafael Nogueira Furtado -
UFJF- Juiz de Fora/MG
Prof. Dr. Erick Kader Callegaro Corrêa - http://lattes.cnpq.br/9761786872182217
UFN- Santa Maria/RS
http://lattes.cnpq.br/2363988112549627 Dra. Angelita Zimmermann -
UFSM- Santa Maria/RS http://lattes.
Prof. Dr. Pedro Henrique Witchs - UFES cnpq.br/7548796037921237
- Vitória/ES
http://lattes.cnpq.br/3913436849859138 Profa. Dra. Francielle Benini Agne
Tybusch –
Prof. Dr.Thiago Ribeiro Rafagnin - UFN- Santa Maria/RS
UFOB http://lattes.cnpq.br/4400702817251869
http://lattes.cnpq.br/3377502960363268
Prefácio

Diante da pertinente leitura desta obra, resultante de estudos e pesquisas refle-


xivas e críticas, em que se evidenciam temáticas necessárias contra o silenciamento
ao qual o contexto atual de negações e invisibilidades, insiste em nos colocar, passa
a ser uma das vozes que apontam possibilidades e resultados de experiências reais,
fatos do cotidiano que se tornaram objetos de estudos e investigações para ressaltar
que o campo está vivo e seus sujeitos estão em movimento.
É notório estarmos vivendo o ano do centenário de Paulo Freire, e podermos
entre tantas produções, destacar a relevância desta seleção de materiais eviden-
ciando os estudos e pesquisas em Educação do/no campo, enquanto experiência de
lutas e resistências, representando a concretização de um projeto de humanização,
libertação e participação dos sujeitos na produção das possibilidades de vida digna e
igualitária à todas as pessoas, o qual perpassa pela promoção do possível viável na
valorização da relação do ser humano, natureza e cultura sob a intencionalidade da
existência de homens e mulheres da criança ao idoso, poderem existir em plenitude
de direitos e a viver e produzir sua existência de maneira mais humana.
Há de se confirmar, portanto, que o contexto atual, é bom que se registre, so-
ma-se a adversidade de tudo o que se propõe enquanto um projeto democrático, en-
tendendo democracia, como bem nos fundamenta Paulo Freire como forma de vida,
consciente de sua existência humana e da problemática de vida cotidiana na qual
os sujeitos estão inseridos, portanto é imprescindível fazer a leitura dos textos sob a
ótica dos estudos freirianos, os quais revelam a importância destes como marca no
tempo e espaço de relações imbricadas por processos de lutas e resistência que nos
dizem que o campo está vivo e seus sujeitos continuam a persistir, nos espaços den-
tro e fora da escola, sejam eles formais ou não-formais, indicando que a construção
dos saberes se dá nas mais diversas dimensões das relações humanas.
Construir saberes exige uma reflexão sobre as práticas pedagógicas docentes
de seus sujeitos, de sua cultura numa intencionalidade de superação das desigual-
dades, injustiças e preconceitos que cerceiam as relações sociais humanas. Tal dinâ-
mica, se dá sob a égide do diálogo, categoria pertinente dos estudos freirianos, tão
necessária à compreensão de que a educação pode sim, acomodar um outro jeito de
ver o ser humano considerando sua forma de ser e estar no mundo e com o mundo,
onde o campo é uma rica expressão de interrelações pessoais dos movimentos dos
seus povos, os povos campesinos com sua cultura transformando-se em suas lutas
cotidianas, constituindo-se nas suas subjetividades, especificidades as quais sejam
respeitadas.
Os textos encontrados neste livro, representam justamente o esforço bem suce-
dido da necessidade de explicitar e registrar as mais variadas leituras e percepções
em torno da problemática do campesinato e das mais possibilidades da educação
do/no campo em suas experiências educativas nos diversos âmbitos, representam a
ressignificação do olhar acerca do espaço do campo, espaço de vida e resistência, e
seus sujeitos, enquanto sujeitos de direitos. O que nos posiciona na perspectiva de
reconhecermos que os povos campesinos pensam o mundo a partir do lugar onde
vivem, da sua relação com a terra e os demais seres nela existentes, inclusive se
relacionam entre si na intencionalidade da construção de poder ser e viver.
Pensar e fazer um outro mundo não é tarefa fácil, é das mais desafiadoras que
se possa desejar, envolve processos formativos dos sujeitos na dinâmica do criar
e recriar o mundo em que vive, porque nos fazemos no fazer-se diário, em nossa
incompletude pela não conformação do fato dado, imposto e negador da existência
humanizada, se fazendo na dialogicidade. Ao que se percebe como parte da dinami-
cidade da construção deste mundo, não o aceita como se apresenta e permanece na
busca de um outro mundo possível, onde homens e mulheres conscientes, fazedores
de seu caminho a partir do olhar crítico sobre suas experiências possam fortalecer
suas vidas.
É então oportuno registrar, o momento pandêmico imerso em um contexto de
políticas negadoras da existência humana em que prevalecem os interesses de um
sistema capitalista na sua forma mais cruel, sendo então conveniente ressaltar a
educação do/no campo, como possibilidade de mudança, resistência e contra o silen-
ciamento das vozes dos sujeitos históricos que ocupam este espaço social e cultural,
representados nestes escritos em que se encontram as pronuncias daqueles que
experienciam, vivem a educação do/no campo e suas subjetividades.
Convido-lhes, portanto à leitura crítica, no desafio, não de aqui dar-se por
satisfeito, mas de quem torna-se desejoso por ir além na busca por saberes que nos
dizem da nossa condição humana e do direito de dizer a nossa palavra.

Sara Ingrid Borba

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4761390738481571

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9224-7489

Mestre e doutoranda em Educação – UFPB

Membro do Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas – UFPE

Marechal Deodoro/AL, 11 de maio de 2021


SUMÁRIO

A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A IDEIA DE CULTURA COMUM DE


RAYMOND WILLIAMS....................................................................14

Amarilson Gordiano de Oliveira

LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO


DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS......................................................24

Fabiano Custodio de Oliveira

NOTAS DE UMA ETNOGRAFIA DA PEDAGOGIA DOS POVOS


ATINGIDOS POR BARRAGEM: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO AGRESTE PARAIBANO......................................38

Givanilton de Araújo Barbosa

PROJETOS DE TRABALHO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO:


A CROMATOGRAFIA DE PFEIFFER COMO POSSIBILIDADE DE (RE)
DESENHO AMBIENTAL NO PÓS-PANDEMIA.........................55

Fábio Fernandes Villela


Oliver Humberto Naves Blanco

FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA DO CAMPO: O USO DE


JOGOS EM AULA DE MATEMÁTICA DO 3 ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL..............................................................................73

Ilza Alves Pacheco


Suely Cristina Soares da Gama
Kleide Ferreira de Jesus
DO ACAMPAMENTO À FORMAÇÃO DE ASSENTAMENTOS
RURAIS: A CONQUISTA DA TERRA E A BUSCA DAS FAMÍLIAS
POR MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA......................................89

Alessandra Regina Müller Germani


Ana Paula Schervinski Villwock

SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR: UM RELATO DE


PRÁTICA DOCENTE NA MODALIDADE À DISTÂNCIA..........99

Alessandra Regina Müller Germani

EDUCAÇÃO DO CAMPO E OS DESMONTES NO PRESENTE


GOVERNO BOLSONARO..............................................................112

Sávio Da Silva Aureliano


Janicleide Vieira Da Silva
Amanda Gomes Dos Santos

EDUCAÇÃO DO CAMPO: MEMÓRIA DAS DISPUTAS DE


TERRAS EM NOVA IGUAÇU - RJ........................................126

Clodoaldo Ferreira de Oliveira


Alexandre Ferreira de Oliveira
Cristiano Santos Pimentel

A ÓTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UNIVERSIDADE


FEDERAL DE SANTA CATARINA SOBRE A EDUCAÇÃO DO
MUNICÍPIO DE BOM RETIRO/SC.................................................141

Sílvio Domingos Mendes da Silva


EDUCAÇÃO ESCOLAR NO ASSENTAMENTO MENINO JESUS
ÁGUA FRIA / BA: DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS PARA EFETI-
VAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO............................................157

Vangilson Ferreira Bispo

FECHAMENTO DE ESCOLAS NO/DO CAMPO, TERRITORIALIDADE,


GESTÃO DEMOCRÁTICA E (AUTO)EDUCAÇÃO DOS
POVOS DO CAMPO.......................................................................169

Cláudio Rodrigues da Silva

ESCOLAS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM SETE DE


SETEMBRO – RS.............................................................................187

Elizandro Luiz Adamski Pauczinski

CONTRIBUIÇÕES DO “TRABALHO DE CAMPO” (GEOGRAFIA E


ANTROPOLOGIA) PARA A FORMAÇÃO ACADÊMICA DE ESTU-
DANTES DE CIÊNCIAS SOCIAIS...............................................195

Cláudio Rodrigues da Silva

A PRODUÇÃO SUCROALCOOLEIRA NA PARAÍBA E O


DESENVOLVIMENTO DO TERRIOTÓRIO CAMPONÊS NA PERS-
PECTIVA DA EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO.............................212

Lenira Lins da Silva


Juliane Faustino da Silva
Edvaldo Carlos de Lima

(UM) A HISTÓRIA DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA


DISCURSIVIZADA PELAS LICENCIATURAS EM EDUCAÇÃO
DO CAMPO....................................................................................229

Lucas Martins Flores


PERFIL DOS DISCENTES DE UM CURSO DE LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM ESTUDO COMPARATIVO...........245

Rita de Cássia Gonçalves


Natiélia Borges Leal dos Santos
Suzana Gomes Lopes
Tamaris Gimenez Pinheiro
Alexandre Leite dos Santos Silva

EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO MUSICAL COMO


PROJETOS DE EMANCIPAÇAO HUMANA................................262

Fernando Vieira da Cruz


Dayana Aparecida Marques de Oliveira Cruz

A INVISIBILIDADE DO CAMPESINATO NA ESCOLA E NO LIVRO


DIDÁTICO .............................................................................276

Ana Júlia de Almeida Rosa


Antonio Miranda de Oliveira

O MONITOR DE EFA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA..............294

Geane Pereira Nunes

ESCOLAS DO CAMPO E COMUNIDADES: POSSIBILIDADES


DE FORTALECIMENTO DIANTE DA AMEAÇA DO
FECHAMENTO................................................................................304

Vanessa Dal Canton


Carine Busatto
Adivane Bresolin
O PROJOVEM CAMPO – SABERES DA TERRA E A EDUCAÇÃO DE
JOVENS, ADULTOS E IDOSOS DO CAMPO.................................322

Maria Aparecida Vieira de Melo


Marcelo da Fonsêca Santana
Ricardo Santos de Almeida

A POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA E DE TRANSFORMAÇÃO


HUMANA NAS VIVÊNCIAS DE FABRICAÇÃO ARTESANAL DE
ERVA-MATE ................................................................. 339

Moisés da Luz
Marcelo Vaz Pupo

PROCESSOS RESISTENTES NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO


QUILOMBOLA ................................................................. 356

Dilmar Luiz Lopes

A BNCC E A GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: AS ESCOLAS DE


COMUNIDADES RURAIS DE RESTINGA SECA/RS.................369

Altair Groff
Angelita Zimmermann
Ane Carine Meurer

NOTAS DE UMA ETNOGRAFIA DA PEDAGOGIA DOS POVOS


ATINGIDOS POR BARRAGEM: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO AGRESTE PARAIBANO.................................385

Givanilton de Araújo Barbosa


OS CENTROS EDUCATIVOS FAMILIARES DE FORMAÇÃO EM
ALTERNÂNCIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO..............................401

Aline Guterres Ferreira


José Vicente Lima Robaina
José Geraldo Wizniewsky

SOBRE OS ORGANIZADORES

ANE CARINE MEURER...................................................................417

IVANIO FOLMER.............................................................................418

RICARDO SANTOS DE ALMEIDA...................................................419


10.48209/978-65-CAMPO6-7-2

A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A IDEIA

DE CULTURA COMUM DE RAYMOND

WILLIAMS

Amarilson Gordiano de Oliveira1

1 Mestre em Crítica Cultural pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Licenciado em


Letras com Habilitação em Língua Inglesa e Literaturas. E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO

A população do campo foi marcada historicamente pelo domínio cultural im-


posto pelos grandes centros. Nas escolas, na mídia, nas mais diferentes instituições,
tentou-se disseminar um ideal urbanocêntrico de vida, baseado em um padrão oci-
dental que subjugava as identidades e os conhecimentos dos sujeitos do campo.
Nessa perspectiva, a construção deste artigo se dá com o objetivo de problematizar a
cultura do campo em meio a essas relações de poder. Para tal, tomamos como base
as ideias de Raymond Williams em dois capítulos do seu livro Recursos da Esperan-
ça, uma coletânea de produções do autor entre 1950 e 1980. São estes: “A cultura é
algo comum”, escrito em 1958, e “A ideia de cultura como algo comum”, datado em
1968.
Nesses textos, Williams trata da cultura como algo comum a todos, como um
modo de vida baseado em significados comuns, em meio a processos de descoberta
e esforços criativos. Para o autor, a cultura é algo inerente a todos de uma sociedade,
que constroem e reconstroem significados a partir de modos de pensar individuais.
Sendo assim, proponho discutir estas questões relacionando-as com a cultura do
campo e seu contexto marcado por lutas históricas, bem como refletir acerca da edu-
cação como ferramenta para formar sujeitos mais ativos neste processo de constru-
ção de uma cultura comum.
Assim como Williams teoriza questões importantes a partir das suas experiên-
cias, o lugar no qual me posiciono neste artigo é marcado por questões que envol-
vem a cultura do campo. Este lugar é de quem nasceu e foi criado no meio rural, na
região do sisal2, no qual viveu até os 17 anos, quando ingressou na universidade e,
nesse contexto, estudou em escolas do próprio campo até o fim do Ensino Funda-
mental. Estive em meio a relações de produção rural, com minha família tendo como
fonte de renda algumas tarefas3 de terra. Voltei à zona rural como professor e, assim
como antes, estive em contato com pessoas de diferentes saberes que conseguiam
produzir conhecimentos que viriam a facilitar a vida de seus vizinhos do campo. Es-
sas pessoas tinham a capacidade de criar recursos e inclusive aperfeiçoar aqueles
2 Planta que tem como nome científico Agave sisalana, é a principal fonte de renda da região
de Conceição do Coité-BA (a 220km de Salvador) e cidades vizinhas. Produz uma fibra que pode
ser utilizada na fabricação de cordas, fios, tapetes e até na indústria automobilística.
3 Medida agrária utilizada para medir terras na Região do Sisal.

15
advindos da cidade com o intuito de superar os problemas rotineiros, como a seca,
característica daquela região.
Nessa perspectiva, pensando a partir deste lugar, faz-se relevante discutir a
cultura do campo como tendo seus modos de produção e de construção de signifi-
cados e valores próprios, inserida em uma cultura nacional e que tem contribuições
importantes para a sociedade como um todo. Farei isto por meio dos textos acima
citados, sempre os confrontando e dialogando com a realidade do campo, a partir
das experiências enquanto sujeito do campo, professor e pesquisador.

A IDEIA DE CULTURA COMUM: REPENSANDO A CULTURA DO CAMPO


E AS RELAÇÕES DE PODER

Para que possamos entender como as concepções de Raymond Williams po-


dem servir de instrumento para analisar as relações sociais e de poder atuais, faz-se
interessante compreender o lugar no qual se coloca o autor. Foi o que ele mesmo
fez em seus trabalhos: posicionar-se enquanto sujeito que tem sua história marcada
no meio rural, que estudou na escola da vila, com pai sinaleiro, avô que trabalhou no
campo e parentes que trabalhavam na roça. Faz isso ao mesmo tempo em que fala
do lugar de escritor, acadêmico, professor, militante de esquerda e crítico literário.
Segundo o próprio, “começamos a refletir de onde vivemos” (WILLIAMS, 2015b, p.
49), e a sua experiência particular é relevante no sentido de pensar a própria história
sob um outro olhar, um outro lugar, uma outra linguagem.
Aquele lugar onde o autor foi criado tinha sua cultura e seus modos de pensar
e produzir. Williams utiliza dessas questões para pensar a cultura como algo comum.
Neste trabalho, partiremos dessa ideia para discutir a cultura do campo em meio a
relações de poder historicamente construídas por meio da propagação de um ideal
urbanocêntrico, que tenta silenciar as vozes das identidades dos povos do campo.
Williams (2015) acredita que o fato primordial é que a cultura é algo comum a todos,
e a partir desse princípio é que vamos pensar a cultura do campo como tendo sua
organização própria, seus modos de produção, de relações em grupo, de articulação
de ideias – e estes não são menores que outros.
Nesse sentido, o autor afirma que “toda sociedade humana tem sua própria
forma, seus próprios propósitos, seus próprios significados. Toda sociedade humana

16
expressa isso nas instituições, nas artes e no conhecimento” (WILLIAMS, 2015a,
p. 5). Tomamos o campo como lugar de enfrentamento, cuja organização social é
marcada por desafios, como as lutas pela terra, contra a seca, assistência do Estado
no que se refere à produção, dentre outras. Contudo, esses desafios são em gran-
de medida superados pela participação ativa de movimentos sociais, cooperativas,
associações e sindicatos rurais e outras organizações específicas do campo. São
instituições muitas das vezes com economias próprias, que produzem conhecimento
e articulam ideias a fim de melhorar a vida no meio rural. Além disso, a cultura cam-
ponesa é expressa em movimentos artísticos preservados durante anos, como a
literatura, a música, o artesanato, a pintura, dentre outros.
Sabemos que os processos de industrialização acarretaram na centralização
do poder na cidade. O ideal urbano foi e continua sendo propagado pelas elites,
pela mídia e, por vezes, pelo próprio Estado. Essa disseminação da cultura urbana
tem influência na cultura do campo, isso é um fato. É inegável que determinados
padrões sejam por vezes adotados, tendo em vista a ampla divulgação da mídia para
o consumo de bens e serviços. No entanto, os sujeitos do campo não são meramen-
te influenciáveis, como tal ideal tende a induzir. A metáfora do velho mascate, que
Williams (2015a) cita, diz-nos muito acerca dessa questão. O autor, por meio desta,
posiciona-se criticamente em relação a como a classe trabalhadora da Inglaterra do
século XX é vista, inclusive por meio das próprias áreas do conhecimento.

O velho mascate ainda está lá no mercado, contando os tostões que ganhou


dos moleques da zona rural, com seus anéis e relógios de ouro falsificados.
Ele pensa que suas vítimas são lerdas e ignorantes, mas elas estão vivas, e
cultivam a terra enquanto ele tosse atrás de sua barraquinha. O novo mascate
está em escritórios bem decorados, usando resíduos da linguística, da psico-
logia e da sociologia para influenciar os modos de pensar dos que ele chama
de “a massa”. Ele também, no entanto, vai ter que desmontar sua barraquinha
e ir embora, e enquanto isso não acontece, não devemos nos influenciar por
seu linguajar: podemos simplesmente nos recusar a aprendê-lo (WILLIAMS,
2015a, p. 9).

Essa metáfora nos ajuda a entender que as pessoas do campo não são aliena-
das, que têm seus meios próprios de pensar e rejeitar as coisas e não são meramen-
te influenciáveis. Aqueles que estão na posição de prestígio, da elite, podem imaginar
que estão lhes manipulando, mas na verdade eles rejeitam muito mais do que ima-
ginam e têm seus próprios padrões no seu próprio campo, que vão de encontro aos

17
que aqueles da elite urbana tenta impor.
Do mesmo modo, Williams (2015a), em suas considerações sobre a cultura
inglesa – que, como já foi dito, diz-nos muito sobre as relações de poder atuais entre
campo e cidade, acredita que a classe trabalhadora não deve, de forma alguma, ser
pensada como separada da cultura, apesar de estar suprimida de determinados pro-
cessos às custas da dominação imposta. Nesse sentido, o autor pontua que

Há uma cultura inglesa burguesa, com suas poderosas instituições educacio-


nais, literárias e sociais, em conexão estreita com os centros reais de poder.
Dizer que a maioria dos trabalhadores é excluída de tudo isso é dizer o óbvio,
embora, sob pressão contínua, estas portas estejam levemente se abrindo.
Mas daí dizer que os trabalhadores estão excluídos da cultura inglesa é boba-
gem: eles têm suas próprias instituições em expansão e, em todo caso, muito
da cultura estritamente burguesa eles não iriam mesmo querer (WILLIAMS,
2015a, p. 11).

Isso leva Williams a não aceitar o termo “massa de ignorantes” ao se referir aos
trabalhadores, como faziam os marxistas, que ele critica. Ele concorda com o fato de
que a cultura de dominação de classe está restrita a uma classe pequena, mas deixa
claro que isso não deve acarretar na inferiorização da cultura daqueles que não fa-
zem parte da elite. O modo de vida de uma sociedade, segundo o autor, é marcado
por produções e conquistas de diferentes classes, inclusive da própria burguesia. Ele
admite que “o tempo livre conquistado pela burguesia nos legou muitas coisas de va-
lor cultural” (WILLIAMS, 2015a, p. 11), porém, esse fato não quer dizer que a cultura
burguesa se caracteriza como a própria cultura contemporânea. Existem diferentes
obras de arte, de conhecimento e produção de significados naquelas culturas que
não estão na posição de prestígio, mas que dizem muito sobre uma cultura nacional.
Nessa perspectiva, cabe pontuar que os trabalhadores do campo não necessa-
riamente vão aceitar e/ou ter desejo por tudo o que venha a ser disseminado como
ideal pela classe burguesa urbana atual, embora possam incorporar determinadas
coisas, se for de seu interesse. Do mesmo modo, suas produções também estão
marcadas no modo de vida da sociedade em geral, apesar de não ser dado o devido
valor, assim como Williams (2015a) descreve as relações da cultura inglesa (mais
uma vez tomando o duplo lugar de sujeito com suas origens na classe trabalhadora
e de acadêmico com modo de vida diferente), na qual encontramos ressonância com
a discussão atual.

18
Há um modo distinto de vida da classe trabalhadora a que, eu pelo menos,
dou muito valor – não porque fui criado nesse modo, uma vez que, de certa
forma, agora vivo de um jeito diferente. Penso que esse modo de vida, com
sua ênfase na vizinhança, obrigações mútuas e progresso comum, como ex-
presso nas grandes instituições políticas e industriais da classe trabalhadora,
é de fato a melhor base para uma sociedade inglesa futura. Quanto às artes e
ao aprendizado, são, em um sentido real, uma herança nacional que está, ou
deveria estar, disponível para todos (WILLIAMS, 2015a, p. 11-12).

Pensando por outro lado, os avanços acarretados pela globalização, que, ape-
sar de ser uma forma de expansão por todo o mundo de um ideal urbanocêntrico
ocidental, são importantes no que se refere às tecnologias e à facilidade de acesso
a bens e serviços pela população do campo. Assim como Williams (2015a) pontua
sobre a relevância da revolução industrial para os povos do campo daquela época
na Inglaterra, devemos reconhecer que tais tecnologias facilitam a vida no campo e
contribuem para avanços nos processos de produção na agricultura e na pecuária, a
título de exemplo. O autor destaca essa questão por meio de sua própria experiência,
quando conta:

[...] em casa estávamos todos muito satisfeitos com a Revolução Industrial e


com as mudanças sociais e políticas que ela trouxera. [...] havia uma conquis-
ta que sobrepujava a tudo, uma conquista por que pagaríamos qualquer pre-
ço, ou seja, a conquista da força motriz, que significava muito para os homens
que trabalhavam com as mãos. Demorou para que todas as possibilidades
chegassem até nós, mas a máquina a vapor, o motor a óleo, estes e mais uns
sem números de produtos, de mercadorias e de serviços associados, nós os
aceitávamos assim que nos éramos oferecidos, e estávamos bem satisfeitos.
Vi todas essas coisas sendo usadas e vi o que elas substituíam (WILLIAMS,
2015a, p. 14-15).

Hoje, a máquina a vapor e o motor a óleo, aos quais Williams se referia, são as
modernas máquinas agrícolas e até aplicativos que facilitam a produção. Obviamen-
te nem todos os produtores do campo têm acesso a esses serviços, mas ao passo
que a tecnologia tem avançado, a vida de mais pessoas do campo tem sido facilitada.
Da mesma forma, também há pontos negativos nesses avanços. Mas o fato é que os
trabalhos manuais, árduos e arriscados têm sido substituídos por equipamentos que
tiram o peso do produtor. As instituições, que oferecem serviços de educação, saúde,
assistência, dentre outros, também têm avançado no sentido de facilitar o acesso
às pessoas do campo. Williams (2015a) faz uma crítica àqueles que, em grande

19
medida, são contra determinados avanços para os trabalhadores que vieram com a
Revolução Industrial:

Não tenho paciência para ouvir a cantilena de sempre contra tudo isso, a sa-
ber, o desprezo com que muitos se referem ao encanamento, aos minicarros,
à aspirina, aos contraceptivos, à comida enlatada. Mas respondo a esses
fariseus: água suja, latrina, andar cerca de quilômetros todos os dias para
chegar ao trabalho, dores de cabeça, mulheres desgastadas, fome e uma
dieta monótona. Os trabalhadores, tanto do campo como da cidade, não vão
dar ouvidos (e têm todo o meu apoio) a qualquer versão de nossa sociedade
que parta do pressuposto de que essas coisas não representam um progres-
so, e não apenas um progresso mecânico, extrínseco, mas um avanço real da
própria vida (WILLIAMS, 2015a, p. 15).

Além dessas questões, o autor também acredita que esse novo contexto para
os trabalhadores possibilita uma maior liberdade, uma maior compreensão e uma
maior margem para opinar (WILLIAMS, 2015a). Para a população do campo, estar
conectada aos avanços possibilita à classe trabalhadora estar em uma interação
mais efetiva com o que acontece, pensar e agir criticamente, podendo assim buscar
melhorias para além do seu canto de terra.
Nesse sentido, Williams trata da capacidade da classe trabalhadora, descrita
como as massas4, de fazer uma leitura inteligente e posicionar-se criticamente em
meio a produções culturais e opiniões da imprensa. Mais uma vez trazendo o exem-
plo de sua família, cita a facilidade do seu pai em entender questões complexas da
sociedade e confrontar informações por meio da leitura. Ele afirma que essa capaci-
dade do seu genitor “trata-se apenas de inteligência, mesmo que parcialmente for-
mada” (WILLIAMS, 2015a, p. 19-20). Com isso, ele nos diz que, apesar de algumas
pessoas terem pouco acesso à educação, são capazes de ler e interpretar fatos de
forma crítica, sob um olhar que leva em conta a experiência e o contato com a vida
real nas situações mais cotidianas.
Tendo em vista essas questões, a educação se torna um instrumento essencial
para formar cidadãos ainda mais críticos. Dessa forma, faz-se primordial facilitar o
acesso à educação e promover um currículo contextualizado para a população do
campo. Assim, Williams (2015a) pontua que é importante reconhecer que a educa-
ção também é algo comum, que se caracteriza como um “[...] processo de dotar todos

4 O autor afirma que “as massas não existem de fato, o que existem são modos de ver pes-
soas como massas (WILLIAMS, 2015, p. 16).

20
os membros da sociedade com a totalidade de seus significados comuns e com as
habilidades que lhes possibilitarão retificar esses significados, à luz de suas próprias
experiências pessoais e comuns” (WILLIAMS, 2015a, p. 21). Ou seja, os sujeitos do
campo devem estar em contato com conhecimentos que são comuns à sociedade,
mas trabalhados de forma que dê margem para que possam criticar esses próprios
conhecimentos, por meio de suas vivências em seu contexto cultural, e que atenda
às suas necessidades. Do mesmo modo, a educação também deve permitir que
esses sujeitos também produzam conhecimento no ambiente escolar, assim como o
fazem em outras instâncias.
Nessa perspectiva, Williams (2015b) acredita que a criação de significados e
valores não pode se restringir a uma minoria. Essa ideia é por muitas vezes dissemi-
nada, ao se pensar na elite urbana como a única encarregada dessa criação. Con-
tudo, é preciso reafirmar que a cultura do campo, assim como outras historicamente
subjugadas, tem grandes contribuições para a criação dos significados e valores
da sociedade em geral. O fato é que, assim como a análise de Williams acerca da
Grã-Bretanha contemporânea, essas pessoas eram excluídas pelo próprio sistema
educacional, no que se refere aos significados construídos por seus antepassados e
à participação ativa na evolução destes e de outros significados (WILLIAMS, 2015b).
Isso se dá por conta, dentre outros fatores, da propagação da cultura burguesa urba-
na e seus significados como aquilo que é ideal. Nesse sentido, as críticas de Williams
são pertinentes, quando ele afirma que

Não seria uma cultura comum (embora seja possível chamá-la de cultura em
comum) se alguns segmentos existentes de experiência, organizados de uma
maneira particular, fossem simplesmente propagados – e ensinados – a ou-
tros, de modo que então os tivessem como um domínio comum. Segue-se, a
partir da ênfase original, que a cultura de um povo só pode ser o que todos os
seus membros se empenham em criar no ato de viver: que a cultura comum
não é a disseminação geral do que uma minoria queira dizer e crer, mas a
criação de uma condição na qual o povo como um todo participe da articula-
ção de significados e valores e das consequentes decisões entre este e aque-
le significado, entre este e aquele valor (WILLIAMS, 2015b, p. 54).

À vista disso, o sistema educacional, como destaca o autor, deveria ser


ressignificado, ao ponto de deixar de classificar pessoas por meio de um padrão
dominante, entre aquelas que são educadas e aquelas consideradas simplesmente
como as outras. Ou seja, pensar uma educação em que não haja um pequeno grupo

21
que emite significados e outros que apenas os recebem. Seria mudar a lógica de que
a cultura urbana produz significados e estes são repassados à população do campo
como aquilo que é ideal. Do mesmo modo, seria também colocar essas pessoas do
campo como protagonistas da criação de seus próprios significados, que também
podem ser emitidos e recebidos por outros. Isto é, para que envolva uma corroboração
de todos (WILLIAMS, 2015b).
Por este ângulo, Williams (2015b) afirma que, para que haja uma cultura
comum, é preciso uma democracia educada e participativa. Em outras palavras, de
acordo com o autor, seria uma educação amplamente disponibilizada, que viesse
a fornecer meios para que os sujeitos estivessem qualificados para participar ati-
vamente do processo de construção de significados e valores. A questão é que, no
caso da educação do campo, quando disponibilizada para todos de uma determinada
região, os sujeitos enquanto aprendizes foram historicamente educados a partir de
um padrão urbano, que não lhes permitia ter voz ativa no processo de aprendizagem.
Isso acarretou em uma tentativa de imposição de conhecimentos e pensamentos de
uma cultura urbana, que, ensinados como a imagem do ideal, moldaram a ideia de
cultura nas escolas do campo. Nesta linha, Williams aborda mais um ponto relevante
para esta discussão, quando diz que

Qualquer sociedade rumo à qual possamos nos mover terá, antes de tudo,
uma complexidade tão considerável que nesse sentido ninguém poderá pos-
suir “propriedade cultural” da mesma forma, inevitavelmente, as pessoas al-
cançarão aspectos diferentes da cultura, escolherão aquele em vez deste,
prestarão atenção neste e esquecerão aquele. Se for um ato de escolha, é
inteiramente bem-vindo; se a decisão do que é acessível e do que é omitido
for um ato de escolha alheia, então com certeza desaprova-se (WILLIAMS,
2015b, p. 57).

No que diz respeito à educação do campo, o currículo precisa ser pensado a


partir deste princípio: em meio a um contexto cultural particular, de modos de produ-
ção próprios, os sujeitos na condição de aprendizes não podem estar meramente em
contato com aquilo que é selecionado pelo outro como o ideal a ser aprendido. Não
pode ser uma escolha alheia, como diz Williams. Os próprios sujeitos, em meio a
diferentes formas de conhecimento, vão optar naturalmente pelo que vai ser útil para
o seu desenvolvimento enquanto cidadão e o que pode ampliar suas possibilidades,

22
podendo ser os conhecimentos advindos da cultura urbana, inclusive, ou simples-
mente negando-os.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, dialogamos com a ideia de cultura comum de Ray-


mond Williams, estabelecendo uma conexão com a cultura do campo e as relações
de poder existentes em meio a um contexto de propagação de um ideal urbanocêntri-
co. Tomando dois textos de Williams como apoio, discutimos sobre a importância de
tratar os sujeitos do campo como tendo seu próprio modo de vida, inseridos em um
contexto específico, mas com contribuições para a formação de uma sociedade.
Desse modo, buscamos ao longo do trabalho levar em consideração o lugar no
qual o autor se posiciona, trazendo suas concepções acerca da Inglaterra do século
XX e relacionando-as ao contexto atual da relação campo/cidade. Vemos que, da
mesma forma que aqueles povos eram subjugados e inferiorizados pela elite inglesa,
a população do campo também passa por esse processo, ao vivenciar a tentativa de
se ter suas vozes silenciadas por um pensamento elitista urbano. Contudo, entende-
mos que esses sujeitos não são influenciáveis, como aqueles que estão na posição
de prestígio podem pensar, mas sim pessoas com a capacidade de negar o que é
transmitido como ideal e produzir seu próprio conhecimento.
Nesse sentido, é preciso que a educação seja instrumento de poder para essas
pessoas. Da mesma forma, que o currículo educacional possa prover de meios para
que possam participar ativamente de questões da sociedade em geral, criticar o que
é imposto, aceitando ou negando aquilo que é do outro, assim como construir e re-
construir significados e valores, não só para o seu contexto em particular, mas para
transmitir a outras culturas, assim como lhes é feito.

REFERÊNCIAS

WILLIAMS, Raymond. A cultura é algo comum. In: ______. Recursos da Esperança.


São Paulo: Editora Unesp, 2015.

WILLIAMS, Raymond. A ideia de uma cultura comum. In: ______. Recursos da Es-
perança. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

23
10.48209/978-65-CAMPO6-7-3

LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR

EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE

CAMPINA GRANDE:

POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Fabiano Custodio de Oliveira5

5 Fabiano Custódio de Oliveira é doutor em Planejamento Urbano e Regional, pela Universi-


dade Federal do Rio de Janeiro (2017). Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba
(2007). Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba (2004). Atualmente é
professor da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG e lotado no Centro de Desenvolvi-
mento Sustentável do Semiárido – CDSA – Sumé/PB. É coordenador do Laboratório de Ensino de
Geografia e Educação do Campo (LEGECAMPO). Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação
do Campo, Formação de Professores/as e Práticas Pedagógicas (NUPEFORP). É professor de
Geografia da Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo na Área das Ciências Humanas
e Sociais – [email protected]
INTRODUÇÃO

A Educação do Campo é uma política pública que nos últimos anos vem se
fortalecendo no Brasil. Essa política pública é caracterizada como o pagamento de
uma dívida histórica do Estado aos sujeitos do campo, que tiveram negado o direito a
uma educação de qualidade, uma vez que os modelos pedagógicos marginalizavam
os sujeitos do campo, já que se vinculavam ao mundo urbano, desconhecendo a di-
versidade sociocultural do povo brasileiro. Desta forma, Caldart (2002) destaca que
os sujeitos do campo têm direito a uma educação pensada, desde o seu lugar e com
a sua participação, ligada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais.
A partir desse direito surgiu o curso de Licenciatura em Educação do Campo,
voltado para formar profissionais para atuarem nas escolas do campo, tendo assim
uma formação diferenciada das outras licenciaturas, pois o Curso de Licenciatura em
Educação do Campo visa formar sujeitos para atuarem por área de conhecimento e
não por disciplinas isoladas, gerando assim uma maior amplitude na área de atuação
dos profissionais da Licenciatura em Educação do Campo.
Partindo do pressuposto de que a Licenciatura em Educação do Campo tem
por objetivo formar professores para atuarem por área de conhecimento, nos surgiu
a inquietação de entendermos como se dá o processo formativo do(a) licenciando(a)
em Educação do Campo da Universidade Federal de Campina Grande.
Assim sendo, essa pesquisa tem por objetivo apresentar o surgimento e o per-
curso formativo da Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da Universi-
dade Federal de Campina, tendo por base o Projeto Pedagógico do Curso Interdis-
ciplinar em Educação do Campo.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Nessa pesquisa utilizamos os pressupostos da pesquisa qualitativa, como in-


dica Gil (2012), desenvolvida por diferentes etapas, a primeira etapa consistiu em
identificar o objeto a ser pesquisado, na segunda etapa foi realizada uma pesqui-
sa bibliográfica para fundamentação do objeto a ser pesquisado, tendo como base
SILVA (2011); SANTOS (2013); AUED e VENDRAMINI (2012); CALDART (2002);
MOLINA (2015), PIRES (2012) e RODRIGUES (2002), a terceira etapa consistiu na

25
pesquisa no Projeto Pedagógico do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo
da Universidade Federal de Campina Grande.
Os dados foram analisados a partir de uma abordagem qualitativa, apresenta-
dos através de quadros e discutidos de forma descritiva.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Breve Histórico da Licenciatura em Educação do Campo

Segundo Silva (2011), a história da implantação de projetos educacionais para


os povos do campo sempre esteve ligada aos projetos econômicos de fortalecimento
do capital, mostrando assim que a escola faz parte de um todo e tende a incorporar
a forma como se estruturam as relações de trabalho na sociedade. Resultando, as-
sim, em uma organização escolar voltada totalmente para a elite do país, deixando a
maioria da população marginalizada, ou seja, sem acesso aos direitos políticos, civis,
e sociais, destacando principalmente uma negligência à escolarização.
Esse modelo de educação nasceu junto ao conceito de Educação Rural que
surgiu na década de 1920, num grande jogo de interesses entre a burguesia indus-
trial, que eram emergentes da oligarquia agrária e o movimento dos pioneiros da
educação, passando assim a afirma-se a partir de 1930, pois, segundo o governo da
época, era necessário educar as populações rurais, povoar e sanear o interior (SIL-
VA, 2011)
Essa visão da educação como redentora da miséria e da pobreza trouxe para
o campo um modelo de escola vinculado ao projeto de modernização conservado-
ra6, que era patrocinado por cooperativas Norte-Americanas e propagado através
do sistema de assistência técnica e extensão rural. Tendo como finalidade adequar
a população do campo ao projeto desenvolvimentista, que submeteu a agricultura à
industrialização, centralizada na visão de que o Brasil para se desenvolver precisaria
se industrializar e urbanizar (SILVA, 2011).
A partir da década de 1950, o discurso sociológico de extinção do rural passa a

6 No campo a expressão clássico da modernização conservadora é a revolução verde, ou  Re-


volução Agrícola, em que a produção agrícola foi modernizada, por meio de implementos agrícolas,
pacotes agroquímicos, sementes modificadas, etc., mas a estrutura agrária foi mantida.

26
ser predominante dentro e fora da universidade, num ponto de vista de que o campo
é uma divisão sociocultural, que deve ser superado e não sustentado. Por isso con-
cordamos com Silva quando a mesma afirma que:

“ (...) na história da educação da classe trabalhadora rural, os anos 1940


representam dois problemas contra os quais ela lutou até hoje: a ne-
gação da escola para si e seus filhos, ou seja a impossibilidade real e
concreta de acesso ao saber sistematizado e o predomínio de projeto e
campanhas pela reprodução ampliada do capital para qualificar mão de
obra (SILVA, 2011 pg. 406)

Dessa forma, se compreende que na década de 1940 existia uma grande luta
pelo direito à escola, impedindo assim o acesso ao saber estruturado, gerando assim
uma repetição do capital para qualificar mão de obra boa e barata.
Ainda segundo Silva (2011), no dia a dia das relações sociais do campo/rural
observa-se como os valores da sociedade urbana são impostos de forma acentua-
da, fazendo uma mistura de velhos e novos elementos como partes do processo de
modernização conservadora capitalista, nas relações sociais de produção e vai-se
construindo uma concretude e um entendimento do campo sem uma perspectiva de
desenvolvimento sustentável, e, portanto, sem gente.
Essas maneiras de avanço do capitalismo no campo juntamente com o modelo
de educação rural contribuíram para a desterritorialização e a erradicação dos povos
do campo de seu ambiente, e da busca da zona urbana como única perspectiva de
vida e de sobrevivência. Essa determinação leva a uma drástica perda de valores
de uma cultura, a perda de identidade, por este motivo a escola precisa também ser
pensada como lugar de resistência dessa imposição (CALDART, 2002).
De acordo com Molina (2015), as mudanças na ideia de educação rural para
educação do campo não se deram unicamente pela verificação da escola rural, mas
também pela rejeição ao processo conservador de modernização para o campo, pro-
tegido pelo poder político e pelas elites agrárias. A educação do campo é contrária
ao modelo de desenvolvimento capitalista que combina latifúndio e agronegócio, pois
estes são grandes culpados pela exclusão e morte dos camponeses. A educação do
campo numa nova concepção está ligada à reforma agrária e à agricultura campone-
sa e agroecológica.

27
A emergência da educação do campo caracteriza-se pela ausência, pela expe-
riência e pela proposição. O Estado deveria assegurar o direito dos sujeitos do cam-
po à escolaridade, e a uma formação consistente e contextualizada para professores
trabalharem nessas escolas do campo. Dessa forma, a experiência que é desenvol-
vida pelos movimentos sociais e organizações não governamentais foram as bases
para a elaboração da proposta da educação do campo (AUDER e VENDERMINI
(2012).
A partir de 1980 começaram a surgir Centros de Educação Popular que eram
constituídos em sua maioria por militares cristãos, estudantes intelectuais que pro-
curavam recuperar a concepção de educação popular que tiveram seus trabalhos
iniciados na década anterior, e tinha a finalidade de ajudar os movimentos sindicais e
populares que começavam a se rearticular no país (PIRES, 2012).
Segundo Silva (2011), esses Centros de Educação Populares tiveram uma
grande contribuição para a implantação do movimento de Educação do Campo e
das práticas educativas desenvolvidas por organizações desde o final dos anos de
1980. Tais centros tinham o trabalho voltado para a “convivência com o semiárido”,
e já existia o debate sobre a necessidade de se reinventar as escolas localizadas
na zona rural, além de se ter formação inicial e continuada para os educadores que
iriam atuar no campo, e também trazer a contextualização da educação como forma
de mostrar o real significado do ensino/aprendizagem e, principalmente, de colocar a
escola em conversa com a realidade, os sujeitos e as organizações sociais.
A declaração de que as pessoas do campo têm direito a uma educação con-
textualizada com a sua realidade surgiu para oferecer aos sujeitos do campo uma
educação voltada para sua vida, sua cultura e sua forma de trabalhar, que hoje em
dia conhecemos como Educação do Campo (PIRES, 2012).
Ainda segundo Silva (2011), das argumentações levantadas pelos movimentos
da sociedade civil organizada e de iniciativas de instituições de ensino superior, re-
queridos nos anos de 1990, torna-se questão estratégica e temática a formação de
docentes para a educação básica. Algumas iniciativas foram fundamentais na forma-
ção e apresentação da Educação do Campo como:

O I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrá-


ria - ENERA, que foi realizado em julho de 1997, a realização da I e II
Conferência Nacionais Por uma Educação Básica do Campo, respecti-

28
vamente em julho de 1998 e em 2004, a articulação nacional das expe-
riências educativas da Pedagogia da Alternância nos Centros de Forma-
ção Familiar por Alternância - CEFFAS em 2000, a articulação da Rede
de Educação do Semiárido Brasileiro - RESAB em 2000, a Marcha das
Margaridas que reivindicou a criação da Coordenação de Educação do
Campo em 2004 (SILVA, 2011 pg. 411).

Essas foram algumas iniciativas nacionais que fortificaram o processo de in-


clusão da Educação do Campo na agenda política e viabilizaram o debate acerca da
prática pedagógica nas Escolas do Campo, denunciando a precariedade das escolas
localizadas no campo e também os educadores que não eram profissionais formados
para atuarem nessas escolas do campo, gerando assim a necessidade de se ter uma
política educacional voltada para o campo.
A elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo, pelo Conselho Nacional de Educação, que deu resultado na Resolução
CNE/CEB nº 1, de abril de 2002, foi um processo político no interior do Estado Bra-
sileiro, que conseguiu mobilizar as diferentes organizações e a academia em torno
da organização do Movimento da Educação do campo, uma nova nota na legislação
brasileira sobre a Educação do campo, abrindo assim espaço para a normatização
da Pedagogia da Alternância e o decreto presidencial de 2010, que criou e reconhe-
ceu a Educação do Campo e o PRONERA (CALDART, 2002).
Conforme Silva (2011), a partir desse momento, ainda como recurso em cons-
trução e como definição não concluída, a Educação do Campo, como direito dos
alunos à igualdade do acesso às políticas educacionais e do respeito às diferenças,
passa a difundir-se nos diferentes espaços organizativos e acadêmicos do país.
Segundo Silva (2011), em 2004 foi criado, no Ministério de Educação, a Secre-
taria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), onde existe
uma coordenação de Educação do Campo, e foi organizado ainda no MEC um Grupo
Permanente de Trabalho (GPT) sobre educação do campo, virando um espaço de
diálogo entre Estado e Sociedade Civil dentro do MEC, e com governantes estaduais
e municipais.
Esses procedimentos usados pelas políticas públicas mostram um avanço, no
sentido de uma estabilização de políticas educacionais voltadas à realidade do cam-

29
po. É de conhecimento público o documento da Coordenação Geral de Educação do
Campo/SECAD/MEC que, dentre outras questões destaca:

a) A necessidade de ações assertivas para corrigir a desigualdade sofrida


pelos povos do campo, o que particularmente tirou ao longo dos tempos
o direito à educação básica e a precariedade no funcionamentos das
escolas do campo, bem com a precariedade presente também na
formação dos profissionais que nelas atuam; b) A necessidade de
construir políticas de expansão das escolas públicas que ofereçam
educação básica no e do campo, entendendo a importância de se
criar alternativas de organização dos currículos e do trabalho docente,
com a necessidade de mudar o quadro atual principalmente na oferta
dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio; c) que
considera como “escolas do campo” tanto as escolas localizadas em
comunidades rurais como também aquelas que estão localizadas na
zona “urbana” e que atendem educandos oriundos do campo; d) Que
entende a grande necessidade de se ter uma formação diferenciada e
continuada para professores atuarem no campo além de aprenderem
a valorizar as potencialidades existentes no campo; e) Que entende
a urgência de existirem ações afirmativas que ajudem a transformar a
situação educacional que hoje existe no campo. Para isso existe uma
necessidade de organizar o trabalho pedagógico, e a formação em uma
docência multidisciplinar por áreas de conhecimento. Isso faz necessário
uma formação específica para os educadores que irão atuar nestas
escolas; f) a amostra de experiências educativas relacionadas ao campo
que mostre a necessidade de se pensar uma política voltada para o
campo, para que assim se altere o cenário de exclusão educacional que
ao longo do tempo os povos do campo vêm sofrendo.

Analisando as questões, verificamos que existe um esforço concentrado para a


formação dos profissionais das escolas do campo e tenta atender ao que diz o artigo
67 da Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LBDEN e
os artigos 12 e 13 das Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, que sugere
a formação de professores num ponto de vista de profissionalização docente, o que
engloba o direito à formação inicial em todos os níveis, e um processo de formação
continuada possibilitando que o professor atue no campo e na cidade com compe-
tência.
No dia 23 de novembro de 2005, a “Carta de Gramado”, do Conselho Nacional
de Secretários de Educação (CONSED), efetuou o compromisso das secretarias es-
taduais de educação com a “elaboração e implementação de políticas públicas para
a educação do campo”, destacando como uma das temáticas principais a “formação
inicial e continuada de professores”, abrindo assim um canal de conversa e amplia-

30
ção fundamental para implantação dos futuros profissionais da Educação do campo
no mercado de trabalho (SANTOS, 2013).
Através do CONSED, quatro universidades Federais foram convidadas a de-
senvolver uma experiência piloto, foram ela: Universidade de Brasília - UnB, Univer-
sidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal da Bahia - UFBA e a
Universidade Federal de Sergipe - UFS. Atualmente temos 42 novos cursos de Licen-
ciatura em Educação do Campo, totalizando 46 cursos em todo território brasileiro.
Segundo Molina (2015), o curso de Licenciatura em Educação do Campo tem
como alvo a escola de Educação Básica, com destaque na construção da Organiza-
ção Escolar e do Trabalho Pedagógico para os anos finais do Ensino Fundamental e
do Ensino Médio. Os cursos têm como objetivo preparar educadores para irem além
da docência e operarem na gestão de processos educativos escolares e na gestão
de processos educativos comunitários.
De acordo com a organização da carga horária do mencionado curso, utiliza-se
o regime de alternância, isto é, os graduandos alternam períodos presenciais con-
centrados de aulas na universidade, equivalentes a semestres de cursos regulares.
Esses momentos são chamados de “tempo/espaço escola-curso”. As atividades a
serem desenvolvidas pelos alunos nos seus locais de trabalho e moradia, orientadas
pelos professores, ou pela coordenação do curso, ou pelas assembleias dos próprios
estudantes serão desenvolvidas no que o curso denomina de “tempo/espaço comu-
nidade-escola do campo” (SILVA, 2011).
A organização curricular estrutura-se, observando a oferta de disciplinas, em
três níveis de formação articulados e integrados: a) formação básica; b) formação
integradora; c) formação específica. Nesse sentindo, Rodrigues (2002) destaca que
a educação do campo requer uma formação que ultrapasse a educação formal, por
esta estar ligada às fronteiras que impedem os sujeitos de desenvolverem um projeto
histórico de emancipação humana.

LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA


UFCG – PERCURSO FORMATIVO

O Curso de Licenciatura em Educação do Campo resulta de um longo processo


de debates e diálogo entre movimentos sociais do campo, Ministério da Educação

31
e as Universidades Públicas, dentre as quais a UFCG aderiu desde o princípio. O
processo de criação deste curso em nível nacional foi romper com a formulação do
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
– PROCAMPO, com o primeiro passo da Secretaria de Educação Continuada, Alfa-
betização e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC.

“O PROCAMPO tem como finalidade apoiar a implementação de cursos


regulares de Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições de
Ensino Superior em todo o país, voltados especificamente para a for-
mação de educadores (as) para a docência nos anos finais do ensino
fundamental e no Ensino Médio nas escolas do campo (PPC do curso de
Licenciatura em Educação do Campo, 2011, pg.09).”

A UFCG foi convidada a desenvolver uma experiência piloto juntamente com


outras quatro universidades públicas federais: UnB, UFMG, UFBA e UFS. Por ques-
tões operacionais do Ministério da Educação, o projeto da UFCG não conseguiu ser
executado nesse primeiro momento. No entanto, como a discussão assemelha-se
com a aprovação da criação do CDSA - Sumé, que em seu projeto já contemplava
esse curso, a comissão de criação do curso deu continuidade a sua definição como
um curso regular do CDSA.
Outra ocasião importante foi a apresentação e discussão da proposta ini-
cial do curso em reunião ordinária do Comitê Paraibano de Educação do Campo
(12/11/2008), que resultou em importantes contribuições para a elaboração deste
projeto. Bem como, e, sobretudo, buscou-se referência, na realidade social, cultural
e educacional dos territórios do Semiárido, que serão potencialmente beneficiados
pela oferta do Curso, além das orientações do Comitê Paraibano de Educação do
Campo, organizado por representantes do Poder Público Estadual e Municipal, das
Universidades Públicas do Estado e Movimentos Sociais. Nesse sentido, a Univer-
sidade Federal de Campina Grande - UFCG, atendendo à referida demanda, apre-
senta sua proposta de Curso de Licenciatura em Educação do Campo pautada em
toda uma história que reúne a vocação desta Instituição de Ensino Superior para se
relacionar com os povos e a série de problemas do campo.
Dessa forma, o objetivo geral do curso da UFCG é formar professoras (es)
para a Educação Básica em consonância com a realidade social e cultural específi-
ca das populações que trabalham e vivem no e do campo, na diversidade de ações

32
pedagógicas necessárias para concretizá-la como direito humano e como ferramenta
do desenvolvimento social. O curso tem ainda como objetivos específicos habilitar
professores (as) para a docência multidisciplinar na educação do campo nas seguin-
tes áreas de conhecimento: Linguagens e Códigos, Ciências Humanas e Sociais e
Ciências Exatas e da Natureza, e formar educadores (as) para atuação na Educação
Básica com competências a fazerem a gestão de processos educativos e a desen-
volverem estratégias pedagógicas que visem à formação de sujeitos autônomos e
criativos capazes de produzir soluções para questões inerentes a sua realidade, vin-
culadas à construção de um projeto de desenvolvimento sustentável para o país.
A Licenciatura em Educação do Campo se estabelece pela sua especificidade
de formar professores (as) para atuar nas escolas básicas do campo, preparando
e estimulando educadores para uma atuação que vá além da docência e dê conta
da gestão dos processos educativos que acontecem na escola e nos seus arredo-
res. Para isso seu projeto pedagógico se caracteriza para se desenvolver de modo
articulado, ensino, pesquisa e extensão para habilitar professores para a docência
multidisciplinar nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio por meio
de um currículo organizado por áreas de conhecimentos.
O curso está organizado no regime presencial e adotando o sistema de créditos
com abordagem na metodologia da alternância, o curso compreende um total de 235
créditos e 3.525 horas, a serem integralizadas, no mínimo, em oito e, no máximo,
em doze períodos letivos, com aulas concentradas em três dias da semana: quartas,
quintas e sextas.
O trabalho pedagógico, conforme a metodologia da alternância é desenvolvido
em dois tempos: tempo escola e tempo comunidade. O tempo academia – que é o
tempo de formação na academia, desenvolvido na Unidade Acadêmica de Educação
do Campo do CDSA/UFCG na cidade de Sumé. O tempo comunidade – compreen-
dido como o tempo de exercício da prática pedagógica, da pesquisa e da extensão é
desenvolvido nos locais de trabalho/moradia dos estudantes.
A matriz curricular está organizada em três dimensões da formação docentes
articuladas e integradas: Formação básica, formação específica e formação Inte-
gradora.

33
A formação básica tendo como base o estudo da literatura pertinente e a
análise crítica de distintas realidades educacionais, inclui, entre outros aspectos, a
“utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de
aprendizagem”. Caracteriza-se pela formação geral do alunado, incluindo conheci-
mentos que subsidiam a docência, quanto às dimensões filosófica, sociológica, his-
tórica, política, psicológica, econômica, cultural etc.
A formação específica está voltada às áreas de atuação profissional e englo-
ba: os conhecimentos básicos para a prática pedagógica em cada área do conhe-
cimento para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio do
campo; e a gestão, coordenação, avaliação do trabalho pedagógico, a criação e uso
de textos, materiais didáticos, procedimentos, metodologias e processos de aprendi-
zagem que abrangem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira.
Engloba, portanto, conhecimentos designados à capacitação do docente para
os conteúdos e metodologias específicas de sua área de atuação, além de conhe-
cimentos desejando uma maior modernização da formação docente frente às trans-
formações de uma sociedade complexa e plural. Dessa forma, são propostas as
seguintes áreas de aprofundamento: Ciências Humanas e Sociais, Ciências Exatas
e da Natureza e Linguagens e Códigos.

a) Ciências Humanas e Sociais (Geografia, História, Sociologia e Filosofia);

b) Ciências Exatas e da Natureza (Física, Química, Biologia e Matemática); ou

c) Linguagens e Códigos (Língua Portuguesa, Literatura, Língua Estrangeira, Artes


e Cultura Corporal).

Cada uma das áreas de aprofundamento é composta por 64 (sessenta e qua-


tro) créditos complementares obrigatórios para a formação específica, com uma car-
ga horária de 960 (novecentos e sessenta) horas, a serem complementadas ao longo
do curso a partir do 4º período, no qual os estudantes farão a opção por uma das
áreas e seguir.
A formação integradora, cujo objetivo é propiciar atividades de enriquecimen-
to didático, curricular, científico e cultural.

34
O graduando em Licenciatura em Educação do Campo trabalha com um re-
pertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos
teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada pelo exercício da profis-
são, fundamentando-se em interdisciplinaridade, contextualização, democratização,
pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Este repertório
se constituir por meio de múltiplos olhares, próprios das ciências, das culturas, das
artes, da vida cotidiana, que proporcionam leitura das relações sociais e étnico-ra-
ciais, também dos processos educativos.
Entre o período de setembro de 2009 a dezembro de 2020 houve algumas mu-
danças no seu projeto inicial da Licenciatura em Educação do Campo, entre eles po-
demos destacar: dias do tempo academia, forma de ingressar no curso e inserção de
novas disciplinas no percurso formativo. Essas mudanças são frutos de debates en-
tre o NDE, colegiado do curso, alunos e docentes que estão finalizando a elaboração
de um novo Projeto Pedagógico do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a finalização da pesquisa, identificamos que com a universalização do


acesso à escola, a sociedade brasileira - e em especial a escola – tem enfrentado o
desafio de incorporar grupos sociais que historicamente foram excluídos dos proces-
sos de escolarização. No enfrentamento desse desafio, cabe ao licenciado em Edu-
cação do Campo contribuir na tarefa de democratizar o acesso aos conhecimentos
visando, entre outros objetivos, a promoção da melhoria nas condições de vida das
pessoas.
De modo mais específico, isso implica em ser um profissional capaz de inves-
tigar, refletir, gerar conhecimento, gerir e ensinar tanto no âmbito escolar como em
espaços não-escolares. Tais competências são coerentes com aquilo que as “Dire-
trizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” estabelecem
para a formação de professores para o exercício da docência nas escolas do cam-
po, acentuando: o respeito à diversidade cultural e o protagonismo tendo em vista
a interação e transformação do campo; o aprender de forma autônoma e contínua,
realizando o duplo movimento de derivar o conhecimento; trabalhando de forma mul-
tidisciplinar; pautando-se na ética e na solidariedade enquanto ser humano, cidadão

35
e profissional.
Nesse contexto a Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da
UFCG é de grande relevância para a educação, devido a sua especificidade de for-
mar professores (as) para atuar nas Escolas Básica do Campo, preparando educado-
res para uma atuação que vá além da docência e dê conta da gestão dos processos
educativos que acontecem na escola e no seu entorno. Para tanto seu projeto pe-
dagógico se caracteriza para se desenvolver de modo articulado ensino, pesquisa e
extensão para habilitar professores para a docência multidisciplinar nos Anos Finais
do Ensino Fundamental e no Ensino Médio por meio de um currículo organizado por
áreas de conhecimentos numa perspectiva interdisciplinar, diferenciando das demais
licenciaturas que formam por campo disciplinar.

REFERÊNCIAS

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sino em Escolas do Campo. São Paulo: Outras expressões, 2012.

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37
10.48209/978-65-CAMPO6-7-4

NOTAS DE UMA ETNOGRAFIA DA

PEDAGOGIA DOS POVOS ATINGIDOS

POR BARRAGEM: UMA EXPERIÊNCIA

DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NO AGRESTE

PARAIBANO7

Givanilton de Araújo Barbosa8

7 Apresentei os primeiros resultados deste estudo no “I seminário nacional de educação po-


pular e movimentos sociais do campo: V encontro de pesquisas e práticas em educação do campo
da paraíba” realizado no Centro de Educação da UFPB no ano de 2019. Sua primeira versão teve o
título: estudo antropológico acerca da “pedagogia dos povos atingidos” por barragem. Já o presente
conteúdo se refere a um relatório desta pesquisa que ampliei a sistematização dos dados etnográ-
ficos contando com revisão teórica e adequação metodológica conforme o andamento da pesquisa
tanto teórica quanto de campo.
8 Mestrando em Antropologia pela UFPB. [email protected]
INTRODUÇÃO

A antropologia permite compreender as mudanças sociais e culturais em


sociedade, leva em conta a alteridade e particularidades das relações sociais e
culturais que foram estabelecidas em um território. Dito isto, o presente conteúdo
se refere a um relatório de pesquisa sobre a Pedagogia dos Povos Atingidos do
Movimento de Atingidos Por Barragem no Brasil.
Em conformidade este estudo etnográfico objetiva compreender a criação e
finalidade da pedagogia dos povos atingidos por barragem, contextualizar a cultura
de atingidos por barragem, identificar e traçar o percurso da pedagogia dos povos
atingidos por barragem e mapear as práticas pedagógicas articuladas ao movimento
social desde seu ponto de vista histórico.
Para este momento ampliei a sistematização dos dados etnográficos que contou
com revisão teórica e adequação metodológica conforme o andamento da pesquisa,
tanto teórica quanto de campo.
Nos passos metodológicos levo em conta a abordagem qualitativa e analítica
acerca dos dados empíricos. A partir da teoria antropológica para o estudo da cultura
local, considero especialmente “a experiência etnográfica” (CLIFFORD, 2002),
“Argonautas do pacífico ocidental” (MALINOWSKI,1978) e “a interpretação da cultura”
(GEERTZ, 1989).
Neste sentido levo em conta a história do Movimento dos Atingidos por Barragem
no Brasil, quanto ao avanço no âmbito da criação de sua “Pedagogia dos Povos
Atingidos” (MEDEIROS, 2010) enquanto Política Educacional do MAB (2005).
Outro passo metodológico importante é o estudo dos princípios da educação do
campo (BRASIL, 2010), (CALDART, 2004) (MANÇANO e MOLINA, 2004) articulados
ao conceito de Movimentos Sociais (GONH, 1995) enquanto ações coletivas para
entendimento da realidade social da população pesquisada.
Em seguida considero um contexto social apontando três terrenos etnográficos
(BARBOSA, 2017) com elementos acerca de uma história mais geral do Movimento
dos atingidos por barragem no Brasil, e sua questão social mais local.
Assinalo um breve histórico sobre a pedagogia dos povos atingidos do MAB
(2005), e consequentemente a questão local da implantação do Movimento no ano

39
de 2000 nas comunidades ribeirinhas atingidas pela barragem de Acauã no Município
de Itatuba, agreste do Estado da Paraíba.
Em meio a isso, há também a investigação da abordagem do uso pelo MAB da
concepção de Educação do campo (CALDART, 2009) pelo MAB (2005). Ao mesmo
tempo investigo a formação e organização coletiva da população atingida no MAB
Acauã, e sua configuração enquanto mobilização e resistência social.
Diante do exposto, resta saber, enquanto problemática de pesquisa: Como
se constituiu e, ao mesmo tempo vem se revelando, no âmbito nacional e local, a
pedagogia dos povos atingidos por barragem, enquanto política pública de educação
do movimento dos atingidos por barragem do Brasil?
A justificativa principal desta pesquisa se concentra na identificação de novas
práticas educativas associadas aos movimentos sociais na cultura local, em um
determinado território brasileiro.
Haja vista, tais novas práticas educativas, ligadas a políticas educacionais,
resultam de novas demandas sociais, diante de uma sociedade cada vez mais
globalizada e em constante mudanças, especialmente atreladas a populações do
campo atingidas por barragem.

DESENVOLVIMENTO

A cultura local

Antes de mais nada é importante destacar que um território é construído


socialmente, onde culturas e políticas são produzidas constantemente, isto é,
atividades produtivas à manutenção social e dinâmica social podem modificar os
modos de vida social próprios da localidade (GLUKCMAN, 1987).
Quanto ao estudo interpretativo da cultura local representa um esforço social
para “aceitar a diversidade entre várias maneiras que seres humanos tem de construir
suas vidas no processo de vivê-las” (GEERTZ, 1997, p. 29).

A cultura não é meramente um sistema de convicções e práticas formais. É


essencialmente formada por reações individuais a um padrão tradicionalmente
determinado e por variações deste padrão; e, realmente, nenhuma cultura
jamais poderá ser entendida se a atenção especial não for dedicada a esta
variação de manifestações individuais (VELSEN, 1987, p. 355).

40
Geertz (1997, pp. 13-15) explica que ao abandonar a tentativa de explicar
fenômenos sociais através de uma metodologia que os tece em redes gigantescas de
causas e efeitos, em vez disso teria que tentar explicá-los colocando-os em estruturas
locais de saber, por sua vez “a cultura é adquirida, os costumes variam, o mundo é
composto por uma variedade de tipos humanos”.
Ou seja, a expressão de compreensão da diversidade de culturas implica
em considerar um princípio norteador, o da alteridade, outra que para que haja o
entendimento da cultura local também implica na aceitação do outro.
Geertz (1997, pp. 29-86) propõe que o estudo interpretativo da cultura representa
um esforço para aceitar a diversidade entre várias maneiras que seres humanos tem
de construir suas vidas no processo de vive-las, isto é, para o autor é necessário que
o antropólogo veja o mundo do ponto de vista dos nativos.
Quanto ao conceito de cultura, (GEERTZ, 1997, p. 115) implica em analisar o
senso comum e não necessariamente seu exercício, deve, portanto, iniciar-se por
um processo em que se reformule esta distinção com reflexão prévia aos problemas
sociais cotidianos.
Logo isso, demonstra a dedicação do pesquisador especialmente o antropólogo
no uso de suas atribuições, de um olhar treinado, de uma sensibilização de um olhar
para a cultura local, uma vez que o significado é, está para compreender os modos
de vida dos sujeitos como eles são e por eles mesmo, isto é, fazendo com que haja
a possibilidade que eles falem por eles.

Movimentos Sociais e Educação

Conforme discutido em Gohn (2011, p. 333) os movimentos Sociais sempre fi-


zeram parte da construção das sociedades, pois são mecanismos vitais ao processo
de mudança do meio social. São, portanto, um dos meios de conversão de uma so-
ciedade a uma nova realidade a partir da ação coletiva, a autora também afirma que,

Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas


por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
politizam suas demandas e criam um campo político de força social na so-
ciedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações
desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade
coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade

41
decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base
referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo (GOHN,
1995, p. 44).

Neste sentido os movimentos sociais se caracterizam, sobretudo, pelo senso


de coletividade voltado à resolução de problemas, seja de ordem política, econômica
ou sociocultural, que são de interesse compartilhado do grupo, há então, a criação
de uma percepção acerca de movimentos sociais, a Educação, podendo agir de ma-
neira pedagógica no “processo formativo libertário emancipatório” nos espaços de
vivências (FREIRE, 1984).
Para Gohn (1995) é importante perceber o viés marxista de análise crítica so-
bre as mudanças sociais, isto é, os movimentos sociais podem possibilitar a organi-
zação de um grupo social insatisfeito com mudanças que em suma, impostas pelo
sistema capitalista.
Portanto, é importante perceber os movimentos sociais do ponto de vista da
cultura local, neste caso a análise também pode partir da relação entre comunidade
e escola observando suas particularidades e finalidades, se há articulações entre
proposta de educação contextualizada e da politização ou sistematização das de-
mandas sociais locais.

A Educação do campo

A politização das demandas sociais pelos movimentos sociais pode surgir di-
versas propostas de políticas públicas sociais articuladas aos direitos sociais da
Constituição Federal do Brasil (1989), nesta ocasião a modalidade da Educação do
campo é uma demanda social oriunda das experiências históricas dos povos do cam-
po (FERNANDES; MOLINA, 2004).
Conforme afirma Caldart (2009, p.36) discutir sobre a Educação do campo hoje,
e buscando ser fiel aos seus objetivos de origem, nos exige um olhar de totalida-
de, em perspectiva, com uma preocupação metodológica, sobre como interpretá-la,
combinada a uma preocupação política, de balanço do percurso e de compreensão
das tendências de futuro para poder atuar sobre elas.
Segundo Caldart a “Educação rural” situa-se em uma educação eurocêntrica
colonizadora, onde seu objetivo principal é de colonizar o outro para que possa aten-

42
der suas necessidades para a manutenção do capital estrangeiro e nacional sobre-
tudo desconsiderando os modos de vida dos trabalhadores do campo e tornando-os
assalariados, por sua vez, acarretando a desvalorização dos modos de vida do Cam-
po, ou seja,

Pensar a Educação do Campo está em desde ou junto com uma concepção


de Campo de significados e assumir uma visão de totalidade dos processos
sociais, é reconhecer os processos históricos brasileiros que formou o modelo
de sociedade, é garantir avanços institucionais que percebam a valorização
da vida cultural e social do Campo, é perceber a exploração da força de traba-
lho que resultou na pobreza extrema e desvalorização do campo (CALDART,
2004, p. 5).

Dessa maneira, os modos de vida são revistos por meio da perspectiva de Edu-
cação, porém levando em conta todas as esferas da vida social [cultura, economia
local, trabalho e renda, saberes tradicionais, território e outros] que abrangem direta
e indiretamente as populações do campo em questão.
Trata-se também de acionamentos de dispositivos institucionais do campo jurí-
dico que regulam políticas sociais locais do cenário social em questão, uma vez que
envolve a comunidade em sua totalidade considerando seus conflitos e saberes no
processo de vivê-los considerando tanto seu passado quanto o presente.
Dito isto, as especificidades da Educação do campo são formas de reaver os
modos de vida das famílias, como também faz com que essa população se reconhe-
ça como tal podendo permitir a valorização e pertencimento a sua organização social
própria,

A Educação do Campo é uma Política Pública que propõe reaver a trajetória


dos modos de vida de comunidades, saberes e fazeres do Campo. Revisitar
as trajetórias de vida da população camponesa, atenuando para as mudanças
sociais devido a inserção da industrialização e que distanciou o Camponês
de sua própria identidade e pertencimento enquanto camponês (CALDART,
2004, p. 7).

É necessário reconhecer essas transformações sociais do ponto de vista


capitalista e de projeto internacional, por outro lado requer formação humana para
situar as pessoas a reconhecerem seu contexto social e possibilitar o acesso da
população do Campo ao direito a Universidade, construir o diálogo entre o Campo e
Universidade na produção de conhecimento.

43
Portanto, ao falar de Educação do Campo, enquanto Política Pública, Nasci-
mento (2009, p. 189) considera “um processo de construção de um projeto Popular
Alternativo de desenvolvimento para o Brasil e para a realidade camponesa”, sendo
assim, especificando novos valores éticos e culturais.
Ou seja, a Educação do campo ocupa-se em pensar o campo e sua gente, seu
modo de organização social, do trabalho, espaço geográfico, da organização política,
de suas identidades culturais, celebrações e seus conflitos.
Segundo Fernandes e Molina (2004), de 1997 a 2004 aconteceu a especiali-
zação da Educação do Campo através de diversos movimentos sociais, discutindo
a escolarização das populações do campo, construção de materiais didáticos apro-
priados, valorizando as práticas dos educandos permitindo maior participação nos
seminários locais, regionais e nacionais.

A ideia de criação da Política Educacional de Educação do Campo nasceu em


julho de 1997, quando da realização do Encontro Nacional de Educadores da
Reforma Agrária – ENERA, na Universidade de Brasília (UnB) promovido pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, em parceria com a
UnB, Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO e a Con-
ferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB no processo de construção
partindo de estudos, pesquisas e reflexões realizadas a respeito das diferen-
tes realidades do campo (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 4).

Com base em muitos estudos e pesquisas, professores e pesquisadores de


diferentes áreas de conhecimento resultou na legalização da modalidade de ensino,
a educação do campo, pelo decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 (BRASIL,
2010) que aprovou a Política de Educação do Campo, por sua vez representa todas
as experiências dos povos do campo, sendo indispensável seu Art: 2º afirmando os
Princípios da Educação do Campo.
Já os princípios da Educação do campo se define em: Respeito à diversidade
do campo; Incentivo à formulação de projetos político pedagógicos específicos para
as escolas do campo; Desenvolvimento de políticas de formação de profissionais
da educação do campo; Valorização da identidade da escola do campo por meio de
projetos pedagógicos com conteúdo curriculares e metodologias adequadas às reais
necessidades dos discentes do campo e Controle social da qualidade da educação

44
escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do
campo (BRASIL, 2010).
Segundo Fernandes e Molina (2004), o campo da Educação do Campo é
analisado a partir do conceito de território como espaço político onde se realizam
determinadas relações sociais transformado em projeto de desenvolvimento
socioeconômico, cultural e ambiental contribuindo para transformar a realidade.
De tal modo que, “trabalhar na terra, tirar da terra a sua existência, também exige
conhecimentos que são construídos nas experiências cotidianas e como também na
escola” (FERNANDES; MOLINA, 2004, pp. 4-7).
Quanto as experiências cotidianas, o território é um espaço de relações
socioculturais, de disputas e de ligações afetivas, também é um território socialmente
construído entre grupo sociais, isto é, “compreender a territorialidade como o conjunto
daquilo que se vive pelo conjunto no cotidiano”, as relações de trabalho, familiares,
comunitárias, de consumo, de tal modo a não homogeneizar a sociedade (SOUZA;
PEDON, 2007, p. 136).
Já a construção da identidade no território, Souza e Pedon (2007) afirmam
ser um processo que se constrói ao longo do tempo, tendo como principal elemento
o sentimento de pertencimento do indivíduo ou grupo com seu espaço de vivência
e este sentimento de pertencer ao espaço em que se vive, de conceber o espaço
como lócus das práticas sociais e culturais, ou seja onde se tem o enraizamento de
sociabilidade ao mesmo tempo dá a esse espaço o caráter de território.
De modo geral, a educação do campo faz parte da política educacional brasileira,
é uma modalidade de ensino e aprendizagem para além dos muros da escola, outra
que ao longo de sua institucionalização vem sendo implantado cursos de graduação
e pós-graduação nos diferentes territórios brasileiros.
Logo, a Educação do campo é resultado de um longo processo histórico dos
povos do campo, de suas lutas sociais por direitos, especialmente em resposta às
desigualdades educacionais e da ausência de escolas de qualidade e que garantissem
o direito desses povos à educação de qualidade, contemplando suas culturas e
modos de vida.

45
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Terreno etnográfico I
História de atingidos por barragem

Estudar o tema atingidos por barragem no Brasil implica abordar uma complexa

relação da sociedade e meio ambiente como a formas de organização social, uso de


recursos naturais, acumulação e desenvolvimento capitalista (BARTH, 2000). Em
meio a isso, o Movimento dos atingidos por barragem vem constituindo uma história
de luta e resistência social.
De acordo com Maria José Reis (2007, p. 473) estudiosa da área, no Brasil o
movimento dos atingidos por barragens teve início por volta no final da década de
1970 na região do alto Uruguai RS/SC devido aos prejuízos de grandes implantações
de hidrelétricas objetivando a produção de energia elétrica. De maneira simultânea,
comunidades ribeirinhas foram deslocadas de seus lugares e reassentadas distantes
do rio, de modo que tiveram seus direitos violados.
Sendo um movimento de luta constante junto aos atingidos, atua na assessoria
de organização dos atingidos e em pautas de reivindicação diante de órgãos oficiais
do Estado brasileiro objetivando a reconstrução de infraestrutura de educação, saúde,
habitação digna para exercício de uma plena cidadania das populações atingidas. Ao
longo do tempo de sua atuação junto às populações para consolidação desta causa,
elaboraram sua própria política de mobilização (REIS, 2007).
Segundo Santos (2015, pp.115-117) ao discutir o tema com base na teoria de
Carlos Wainer, o “conceito de atingido” diz respeito ao reconhecimento e legitimação
de direitos de seus detentores. Ou seja, é estabelecer que determinado grupo social,
família ou indivíduo é, ou foi atingido por certo empreendimento, significa reconhecer
como legítimo o direito de ressarcimento, indenização, reabilitação ou reparação.
Em meio a isso, acontece a realocação de populações ribeirinhas em
reassentamentos, na maioria, em lugares áridos, tornando sua principal característica
a perda da qualidade de vida, e ao mesmo tempo a perda de qualidade ambiental.
Portanto o surgindo a categoria social de “atingidos por barragem” (SANTOS,
2015), está relacionada a construção de identidades individuais e coletivas de

46
interações sociais, políticas e produção de culturais de um povo, isso se constroi ao
longo da vida social se configurando numa resistência coletiva.

Terreno etnográfico II
A pedagogia dos povos atingidos por barragem

Considerando os elementos apresentados e ao mesmo diante de uma


sociedade cada vez mais globalizada (MARCUS, 2001), surge então, de um lado um
outro momento social importante, o de lutas sociais e de organização de movimentos
sociais, por outro lado a de considerar o período de redemocratização do Brasil que
favoreceu a construção e fortalecimento desses movimentos sociais.
Com base nisso, destaco o Movimento dos atingidos por barragem e suas lutas
constantes, entre elas suas contribuições significativas para a construção de sua
“pedagogia dos povos atingidos” por barragem (MEDEIROS, 2010).
Em meio a tantas contribuições destaco uma delas, a organização do 1º Encontro
intitulado “Coletivo de Educação” realizado entre os dias 07 a 10 de agosto de 2004
na Cidade de Luziânia no Estado de Goiás, o seminário contou com a participação
de 30 colaboradores ligados à Educação de 14 Estados brasileiros incluindo Estados
nordestinos como Sergipe, Ceará e Paraíba.
Outro levantamento que considero importante foi a mobilização positiva diante
da proposta, de forma coletiva os coordenadores Estaduais se integraram ao Coletivo
de Educação com a preocupação de traçar o Projeto inicial de Educação do Movimento
dos Atingidos por Barragem do Brasil, dessa maneira, a proposta de pensar uma
“Pedagogia dos Povos Atingidos por barragem” consiste substancialmente,

com o propósito de qualificar por meio de práticas educativas o processo


de conscientização, participação e organização das pessoas, que direta ou
indiretamente sofreram modificações nas condições de vida em consequência
da implementação de barragens, e também realizando planejamento para a
capacitação nos Estados com viabilidade para o desenvolvimento do processo
de formação dos Educadores à nível nacional (MAB, 2005, p. 25-42).

A partir deste encontro um Projeto de Educação foi elaborado com demandas

recolhidas, sendo lançado naquele mesmo ano denominado de “A Pedagogia dos


Povos Atingidos”, com vista aos os princípios da Educação do Campo.

47
Com uma pedagogia dos povos atingidos (MEDEIROS, 2010), a Coordenação
Nacional do Movimento de Atingidos por Barragem do Brasil sistematizou uma proposta
de educação ampla e consistente para ser implantada nas comunidades reassentadas.
Assim, os coordenadores Estaduais se articularam com os coordenadores nacionais
para a implantação do projeto de educação nas respectivas regiões, ao mesmo
tempo foram viabilizadas parcerias com as secretarias dos Estados e Municípios na
elaboração de políticas sociais voltadas as populações atingidas.
Um aspecto importante identificado foi a vinculação da proposta educativa do
MAB (2005) às questões, desafios e mobilizações em prol também da Educação
do Campo (2010), mas com diretrizes e perspectivas próprias, dando respaldo às
reivindicações de políticas públicas de desenvolvimento e de educação específicas
direcionadas para os camponeses com identidade, trabalho, cultura, história e suas
formas e estágios de organização desses povos, visando a abrangência de todos os
níveis de escolaridade.
Diante da uma proposta formulada enquanto política pública de educação foram
realizados acordos e convênios entre o Movimento dos atingidos por barragem e
instituições públicas. Em conformidade passa a ser constituída uma rede de articulação
Estadual no intuito de mobilização das comunidades atingidas para o enfrentamento
e reivindicações no processo de solucionar os problemas socioeconômicos e
ambientais vividos por elas.
Diante disso, também reincide na proposta de Educação do MAB Brasil (2005)
o reconhecimento do campo como espaço de vida, moradia e trabalho, resultando a
necessidade de justiça e humanização dos povos atingidos que vivem nesse espaço
e que foram historicamente excluídos do direito à Educação e à Cultura erudita.
Dessa maneira, tal proposta educativa lista uma série de pretensões como
Diretrizes, entre elas: diagnosticar as necessidades de Educação dos povos atingidos;
fortalecimento de sua história e cultura; Mapear financiamentos, Editais, convênios
e parcerias; Elaboração de Projetos específicos; Elaboração de material didático-
metodológicos para o trabalho pedagógico (MAB, 2005).

Um aspecto importante nesse processo são as articulações político-
educacionais, em meio a isso, iniciativas do MAB diante de Instituições Públicas
de Estado, por sua vez podendo consistir em articulações também com Instituições

48
privadas.
Por sua vez, a ocorrência mais emblemática foi com o Ministério de Educação
e Cultura - MEC, para a aquisição de convênios, especialmente no período de 2004
a 2016, com consecutivas intermitências. Conforme discutido por Medeiros (2010),
este tipo de convênio possibilitou que as entidades conveniadas poderiam adotar a
linha teórico-metodológica própria principalmente para a Alfabetização de Jovens e
Adultos.
Dessa maneira, tendo sido garantidas as condições básicas de financiamento
do Projeto, o MAB seguiu a linha própria do Movimento (MEDEIROS, 2010). Com
essas iniciativas e reivindicações do MAB nacional foram adquiridos convênios
com estatais e desenvolvidas atividades através das Políticas Educacionais, assim,
garantindo as especificidades que o Movimento defende.
A Educação de jovens e Adultos (EJA), foi uma das principais pautas da
pedagogia dos povos atingidos por barragem, através de um convênio do MAB
nacional com o MEC e ELETROBRAS, neste projeto houveram duas etapas de 8
meses cada, contemplando todos os reassentamentos atingidos por barragem.
Diante de uma questão social complexa, há nesse processo justificativas
indispensáveis que resultou na criação da Pedagogia dos Povos Atingidos por
barragem: de inspiração Freiriana (1984), considera o alto índice de vulnerabilidade
socioeconômica, de analfabetismo e escolaridade incompleta.

[...] os atingidos precisam conhecer a História do Brasil dentro do cenário


mundial, a organização da estrutura da sociedade para compreender sua
conjuntura local, o funcionamento do capitalismo internacional para entender
o capitalismo nacional, o poder político das esferas nacional e internacional
para compreender o poder político local, dessa maneira, levando em conta
o conhecimento por meio da interdisciplinaridade, complementaridade e
totalidade (MAB, 2005, pp. 37-40).

Dito isto, seu currículo contempla uma estrutura na perspectiva de circunscrever


o indivíduo atingido. Medeiros (2010, p. 209) ao observar os objetivos da pedagogia
do MAB, afirma que sua proposta contém: I. Fonte sociocultural; II. Fonte Político-
organizativa; III. Fonte epistemológica e IV. Fonte Psicossocial.

49
Já no ano de 2015 foi desenvolvido o projeto Brasil Alfabetizado, ocorrendo
também um importante experiencia, o convênio entre o MAB e o Governo do Estado da
Paraíba, desta vez, o projeto também contempla a Educação de jovens e adultos nos
reassentamentos, agenciadas pela secretaria de Educação do Estado e o Movimento
dos atingidos por barragem, este segundo encarregando-se de fazer a mobilização
em cada reassentamento.
De modo geral a coordenação do MAB nacional (2005) considerou que ocorreu
um avanço significativo na sua organização como Movimento Social Organizado,
inserindo a Educação na sua Agenda Política (MEDEIROS, 2010), concebendo a
Educação como um direito social e na disposição para atuar na conquista desse
direito.
Ao mesmo tempo o MAB preocupou-se em conquistar espaços próprios de
Educação Formal, garantindo Certificação Oficial e com práticas Educativas que
consolidem a conscientização dos atingidos num contexto de resistência, organização
e luta com populações atingidas por barragens em diferentes territórios do Brasil.

O terreno etnográfico III


Os atingidos de Acauã

Esta pesquisa vem ocorrendo em uma área territorial considerando três reas-
sentamentos agrovilas, são eles: sítio Cajá e sítio Melancia localizados precisamente
no município de Itatuba e do distrito de Pedro Velho do município de Aroeiras, todos
no agreste do Estado da Paraíba. Nessa região, no ano de 2000 foi instalada a bar-
ragem de Acauã, seus efeitos socioculturais, ambientais e econômicos foram inúme-
ros causando perdas e deslocamento territorial.
Consequentemente, de acordo com o levantamento realizado pela comissão
especial de direitos humanos formada para avaliar os impactos negativos no de 2005
(CCEDH, 2005: 2007) constatou que há uma média de 5 mil habitantes atingidos pela
represa.
O interesse de estudar esta região se deu por eu ter residido em uma das
comunidades atingidas, o Sítio Cajá zona rural de Itatuba-PB. Diante disso, com
minha inserção no curso Licenciatura em Ciências Sociais na UFPB, passei a

50
estudar o tema atingidos por barragem, a partir da cultura local, especialmente à luz
da Antropologia.

Nesta perspectiva, partindo de um olhar antropológico esta pesquisa foi
iniciada no ano de 2016 por meio de projeto de extensão universitária na escola
do sítio reassentamento Cajá. Ou seja, por meio da prática extensionista permitiu
meu retorno a comunidade com um olhar analítico sobre a questão educacional e
socioambiental, tais questões provocadas pela implantação da barragem de acauã
(BARBOSA, 2017).
Portanto, a partir do momento que identifiquei a proposta da pedagogia dos
atingidos na região (MEDEIROS, 2010), enquanto política educacional local e nacional
do Movimento dos atingidos por barragem (MAB, 2005) iniciei um mapeamento da
população atingida por Acauã, momentos históricos dos movimentos sociais no Brasil,
a implantação do MAB nas comunidades, e suas articulações às demandas sociais,
especialmente a uma política educacional.

CONCLUSÃO

Neste artigo reuni resultados iniciais de um relatório de pesquisa sobre a


“Pedagogia dos Povos Atingidos por barragem” do Movimento dos Atingidos por
barragem do Brasil. Para este momento, foram organizados elementos teóricos e
metodológicos que permitiu iniciar o mapeamento sobre uma nova manifestação
social, especialmente no âmbito da Cultura e educação do Brasil.
Por conseguinte, tendo em vista da primeira articulação nacional do MAB
bastante consistente, a Educação, dos povos atingidos, foi pautada com expressivo
caráter protagonista onde se discutiu Políticas Educacionais com vistas a Educação
do Campo, o mesmo lembra seu avanço como movimento organizado no campo da
Educação e como um todo, tendo como papel revitalizador no processo de instruir
seus coordenadores e público alvo diante de instituições públicas e privadas enquanto
demanda educacional.
Em conclusão a Pedagogia dos povos atingidos por barragem demonstra conter
caráter democrático, pois, analisa, sobretudo, os modos de vida dos atingidos, isto é,
suas especificidades culturais individual e coletiva vinculadas ao seu lugar de origem.

51
Outra que permite compreender a importância e significado dos Movimentos Sociais
organizados, no papel de assegurar às populações atingidas seus direitos.

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54
10.48209/978-65-CAMPO6-7-5

PROJETOS DE TRABALHO NA

EDUCAÇÃO DO CAMPO:

A CROMATOGRAFIA DE PFEIFFER
COMO POSSIBILIDADE DE

(RE)DESENHO AMBIENTAL NO

PÓS-PANDEMIA
Fábio Fernandes Villela9
Oliver Humberto Naves Blanco10

9 Sociólogo, Departamento de Educação, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto


de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto, e-mail: [email protected]
10 Engenheiro Agrônomo, formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade
de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal, trabalha na área de Agricultura Orgânica, na coor-
denação de projetos sociais e capacitação em comunicação rural, e-mail: emporioagricola@gmail.
com
INTRODUÇÃO

Diversos autores previram que o impacto dos problemas ambientais na saú-


de do ser humano e na manutenção da vida no planeta Terra haveria de chegar a
uma “Sobrecarga” (Cf. Earth Overshoot, 2020). Denunciaram a dinâmica do sistema
contemporâneo da seguinte maneira: “terricídio” (Marcuse, 1973), “não verás país
nenhum” (Brandão, 1981), “a grande pobre Mãe Terra” (Boff, 2019 e 1993), “progres-
so destrutivo” (Löwy, 2005), “metabolismo socioecológico” (Clark e Foster, 2006),
“cultura ambiental” (Villela, 2016a), “saúde no solo” (Pinheiro, 2018), etc. Tais autores
apontaram para a tendência ilimitada da produção pela produção e a contradição
entre o caráter limitado dos recursos da Terra e a disposição de se levar as relações
capitalistas para os quatro cantos do planeta.
A pandemia do novo Coronavírus ou COVID-19 (Cf. Werneck e Carvalho, 2020)
é um novo alerta para a mudança radical que precisa ser feita no modelo “sociome-
tabólico do capital” (Mészáros, 2002). A experimentação dos “limites absolutos do
capital” tem um impacto gigantesco sobre o meio ambiente, incrementando, na es-
fera social, (1) a desigualdade entre as classes, (2) a pobreza extrema, (3) a falta de
acesso a serviços de saúde e de educação e, na esfera ambiental, (1) a poluição do
ar, água e terra, as chuvas ácidas, (2) o aquecimento global e as mudanças climáti-
cas, entre outros problemas ambientais (Cf. Mészáros, 2002).
Diante do problema da sobrevivência humana em escala planetária, se estabe-
lece o desafio de repensar novas relações de produção, discutir temas relacionados
à ecologia, agroecologia, cooperação agrícola, dentre outros, como forma de resis-
tência e construção de uma nova realidade societária. (Cf. Foster, 2005). Nesse sen-
tido, apresentamos alguns resultados da pesquisa intitulada: “Cultura ambiental na
educação do campo: paisagem, história e saberes tradicionais do território caipira”,
realizada entre 2016 e 2019 (Cf. Villela, 2016a), onde foi possível pesquisar a cultura
ambiental do noroeste paulista – SP. Neste capítulo iremos abordar uma das meto-
dologias utilizadas no projeto, qual seja, a cromatografia de Pfeiffer. O projeto teve
por resultados a articulação dos saberes com as diferentes áreas do conhecimento,
possibilitando a vivência de novos valores, o desencadeamento de ações coletivas,

56
bem como a elevação de escolaridade associada à qualificação social e profissional,
possibilitando novas aprendizagens.

A CROMATOGRAFIA DE PFEIFFER COMO POSSIBILIDADE DE


(RE)DESENHO AMBIENTAL

Do ponto de vista teórico-metodológico, este projeto fundamenta-se em 4 eixos


principais, quais sejam: (1) Cultura Ambiental; (2) Projetos de Trabalho; (3) Educação
de Jovens e Adultos (EJA) e (4) Novas Tecnologias Aplicadas à Educação. Uma das
motivações desta pesquisa é a necessidade de compreender a “cultura ambiental”
dos indivíduos e grupos comunitários do noroeste paulista – SP, tendo como possibi-
lidade o desenvolvimento sustentável. As relações entre homem-sociedade-natureza
condicionam e são condicionados pela “cultura ambiental”, da qual se deve partir
para compreender a consciência dos indivíduos e grupos comunitários. As mudanças
de atitudes só podem ser alcançadas com uma cuidadosa investigação da “cultura
ambiental” das comunidades, alicerçada em uma estratégia formativa ambientalista
(Cf. Villela, 2016a).
Do ponto de vista metodológico, optou-se pelas possibilidades do trabalho com
projetos, devido à riqueza de material acumulado sobre comunidades rurais (Cf. MST,
2019). Dentre as diversas opções de trabalho com projetos, destaca-se: “projetos de
ensino”, “projetos de trabalho”, “projetos da aprendizagem”, “temas geradores”, “me-
todologia do complexo temático”, entre outros (Cf. Hernández 1998). Dessa forma,
as metodologias de trabalho com projeto permitem maior flexibilidade de estratégias
ao professor e maior liberdade ao educando, viabilizando uma aprendizagem que de
fato corresponda às reais necessidades da comunidade.
No final dos anos 90, ao questionar as práticas pedagógicas que vêm nortean-
do a docência, no campo de debate das concepções dialéticas de educação, com
fortes afinidades com a psicologia histórico-cultural, Gasparin (2002) propôs ao edu-
cador um modo de ensinar e de aprender, interligando a prática social do aluno com a
teoria, no intuito de possibilitar uma formação docente e que, na medida do possível,
responda às necessidades dos discentes. O pedagogo defende uma prática de pes-
quisa e ação fundamentadas nos pressupostos teórico-metodológicos da Pedagogia

57
Histórico-Crítica de Saviani, procurando apontar as contribuições do método dialético
na elaboração e execução de projetos de trabalho. O processo didático, proposto por
Gasparin (2002), foi elaborado a partir de Saviani (2012). Para um exemplo prático
dessa proposta, sugerimos a leitura de Villela (2018).
Aliado a essa metodologia, foi utilizada a experiência de EJA desenvolvida
no âmbito do “Projeto Unesp de Educação de Jovens e Adultos” (doravante, Peja -
Unesp). O Peja - Unesp foi criado na Unesp no ano de 2000, na época, vinculado ao
Programa Unesp de Integração Social Comunitária, da Pró-Reitoria de Extensão Uni-
versitária – PROEX, com o objetivo de estabelecer uma política pública para a edu-
cação de jovens e adultos, buscando parcerias comunitárias locais e visando à con-
tribuição de recursos para a formação de cidadãos/leitores críticos e participativos,
bem como a de professores com a visão de “educadores populares”. Atualmente, o
Peja é desenvolvido em oito campus da Unesp (Araçatuba, Araraquara, Assis, Bau-
ru, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto), contando com
recursos humanos e materiais da Pró-Reitoria de Extensão Universitária – PROEX
para o desenvolvimento de seus trabalhos (Cf. Villela, 2016b e Villela et al., 2007).
Somado a essas duas experiências metodológicas (Projetos de Trabalho e
EJA), foi utilizada a desenvolvida em Villela (2014), especificamente o projeto: Cen-
tro Virtual de Estudos e Culturas do Mundo Rural. Essa ferramenta foi desenvolvida
como recurso didático e ferramenta no ensino de sociologia para os alunos do curso
de pedagogia da Unesp de São José do Rio Preto (SP), doravante Rio Preto, e es-
tendido, posteriormente, para escolas que manifestaram interesse em desenvolver
tópicos da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. O projeto utiliza a metodo-
logia de blog, um website frequentemente atualizado, por meio do qual os conteúdos
aparecem em ordem cronológica inversa. Podem conter textos, imagens, áudios,
vídeos e animações. Esta metodologia possibilita a disseminação do conhecimento
produzido pela universidade na internet gratuitamente. A comunidade se relaciona
através dos conteúdos, possibilitando a transmissão de informação, fazendo da web
um espaço de leitura, escrita, participação e reflexão.
O blog de aula, por exemplo, foi utilizado como uma ferramenta do Peja - Rio
Preto em um dos trabalhos desenvolvidos no Centro de Convivência do Idoso, do-

58
ravante CCI. No Peja – Rio Preto do CCI, o foco central foi o desenvolvimento de
práticas de letramento/escrita no contexto da tecnologia digital (Cf. Komesu; Tenani,
2010). Nesse sentido, os jovens, adultos e idosos puderam adquirir conhecimentos
básicos de informática (word, internet, facebook, blogs, etc.).11 Além do desenvolvi-
mento de práticas de letramento/escrita em contexto da tecnologia digital, os objeti-
vos do Peja - Unesp são: preparar os alunos para ler e escrever na Língua Materna
(LM); empregar, com discernimento, o sistema de numeração decimal e as opera-
ções fundamentais na resolução de problemas do dia-a-dia; conhecer os direitos,
deveres e leis que regem o mundo do trabalho; desenvolver noções de saúde física,
psicológica e mental; discutir questões relativas à preservação do meio ambiente. O
trabalho do Peja – Rio Preto no CCI configura-se como uma parceria entre a Unesp e
a Secretaria Municipal de Assistência Social de Rio Preto12 e tem por objetivos gerais
inserir a população da terceira idade13, no processo de inclusão digital, considerando
as necessidades impostas por uma sociedade tecnológica. Passamos aos resultados
e a discussão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diversos cursos de extensão foram organizados entre 2016 e 2019, quando


foram experimentados os processos descritos anteriormente. Os cursos atenderam
aos alunos do Ibilce/Unesp e a comunidade em geral, que desejavam adquirir for-
mação específica na área de educação do campo, especialmente para desenvolver
trabalhos e/ou pesquisas com a interface agroecologia, agrofloresta e saúde no solo.
Alguns tópicos do curso foram: 1. Cultura Ambiental (Cf. Villela, 2016a); 2. Saúde no
Solo (Blanco, 2020, 2017 e 2013); Agroflorestas (Costa et al., 2014) e 3. Agricultura
Sustentável (Nagai e Kishimoto, 2008). Uma primeira elaboração dos resultados des-
ta discussão pode ser recuperada em Villela (2018). A seguir a Figura 1 com alguns
11 Para o desenvolvimento das temáticas relacionadas ao internetês, o projeto contou com a
colaboração das professoras Dras. Fabiana Komesu e Luciani Tenani, ambas do Departamento de
Estudos Linguísticos e Literários.
12 Essa parceria foi firmada por meio de “termo aditivo” ao convênio em vigor entre a Unesp e
a Prefeitura Municipal de Rio Preto, desenvolvido por meio da equipe do Peja – Rio Preto, a partir
de 2013.
13 A população é cadastrada no Centro de Referência da Assistência Social (CRASS) para ser
selecionada para frequentar o CCI – Rio Preto, localizado na Av. Philadelpho Manoel Gouveia Neto,
785, Vila Novaes, zona norte da cidade.

59
elementos da práxis dos cursos de extensão: fosfito, picumã, caldas minerais, água
de vidro, biofertilizantes e a cromatografia de Pfeiffer (Cf. Blanco, 2017).

Figura 1 – Folder com imagens da práxis dos cursos de extensão

Fonte: Blanco (2017)

Dentre as diversas “práxis” desse processo educativo, destacamos a elabora-


ção da “Cromatografia de Pfeiffer”, utilizada para o diagnóstico do estado de saúde
do solo (Cf. Blanco, 2017). Recuperamos essa metodologia agora como possibilida-
de de (re)desenho ambiental no pós-pandemia. Para um aprofundamento da ideia de

60
desenho ambiental recomendamos a leitura de Pérez-Rubio (1994 e 2003) e Villela
(2016a). Cromatografia, do grego croma, significa “cor” e grafein,“escrever”. É o ter-
mo coletivo para um conjunto de técnicas laboratoriais para a separação de misturas.
A cromatografia foi inventada pelo biólogo italiano, filho de imigrantes russos, Tswett
em 1910 e tornou-se um segmento sofisticado da ciência do solo (BLANCO, 2017).
O autor nos mostra como elaborar a cromatografia:

O que é um croma? É muito mais que uma análise bioquímica do solo. É um holo-
grama (cada parte contém a informação do todo) dos efeitos do Sol nos ciclos bio-
geoquímicos metabolizados no solo vivo. Sua harmonia circular (auréola) indica a
quantidade de carbono no solo e a glória (fenômeno óptico) da integração à biodiver-
sidade e vida do solo como em um caleidoscópio. Quanto maior a harmonia, maior e
constante é a transformação e fluidez de energia, sem perdas neste solo analisado.
No microcosmo do cromatograma vemos a luta entre fusão e a gravidade, onde a vida
(fusão) é a animação dos minerais, uma força contra a gravidade, conforme Vernad-
sky. Quanto mais simples e sem vida, as substâncias permanecem mais próximas
ao centro gravitacional do cromatograma (caso dos metais/minerais). Quanto mais
complexas e vitais as substâncias, mais próximas à superfície ou borda de fusão do
cromatograma (BLANCO, 2017).

Conforme Blanco (2017), o cromatograma é uma análise de solo integral, que


permite o diagnóstico e acompanha seu tratamento de forma auto-interpretativa, feita
pelo próprio agricultor(a). A análise mais precisa e segura nos seres vivos é a genô-
mica (DNA). A cromatografia de Pfeiffer é mais sofisticada, pois além da identificação
do DNA incorpora a proteômica, expressão das proteínas dos genes, conforme o am-
biente. De forma rápida, fácil e barata permite a leitura pelo próprio agricultor(a) da
situação de seu solo, através do tempo-espaço da mesma forma que um pai acom-
panha o crescimento, desenvolvimento, estado de saúde física e mental do filho, com
capacidade de intervenção, quando for necessário (BLANCO, 2017). A seguir uma
figura com alguns exemplos de Cromas de Pfeiffer.

61
Figura 2 - Cromas de Pfeiffer

Fonte: Blanco, 2020.

O que se busca em um cromatograma? Para Branco (2017), busca-se a leitura


da vida, da qualidade de vida do solo, em determinado momento. Isto é facilmente
visualizado em um cromatograma, através da harmonia de cores e desenho entre
todos os diferentes componentes mineral, orgânico, energético, eletromagnético do
solo. Assim é possível saber se um determinado mineral está em harmonia com a
matéria orgânica, pH, biodiversidade de microrganismos ou grau de oxidação/redu-
ção de enzimas, vitaminas e proteínas e como se pode alterar positivamente a situa-
ção encontrada para alcançar esta meta (BLANCO, 2017).
Cabe lembrar, segundo o autor, que a análise vai depender do aprendizado
empírico da natureza de quem o está realizando, o próprio agricultor e sua família. O
cromatograma é uma tomografia do solo e planta que permite saber: (1) qual o mane-
jo do conteúdo de água do solo e (2) qual o manejo dos minerais, plantas adventícias
e outras. Ou seja, permite o diagnóstico perfeito da saúde do solo e a avaliação da
qualidade dos alimentos nele produzidos (BLANCO, 2017).
A seguir, na Figura 2, apresentamos uma comparação entre cromas de milho
crioulo e transgênico. No sentido horário, (1) espigas de milho crioulo e transgêni-

62
co; (2) milho crioulo, com preparo mínimo do solo com calagem, farinha de rocha e
aplicado biofertilizantes durante seu desenvolvimento, além da utilização do sistema
de Milpa (consórcio de milho, feijão-de-corda e abóbora); (3) a mesma semente do
milho crioulo anterior, cultivada pelo produtor Aguinaldo (São Pedro/SP). O sistema
de produção utilizado foi o convencional.
Segundo Naves (2020), o produtor suspeita que o milho foi contaminado com
pólen de milho transgênico. Os “Cromas” na Figura 3, a seguir, nos revelam essa
possibilidade: (4) contra prova, do mesmo Croma anterior; (5) milho transgênico,
identificado como 2B63PW; (6) milho fresco convencional de Mercado. Nestes Cro-
matogramas de cereais, fica evidente a diferença de um milho crioulo comparado ao
milho transgênico: as conexões do DNA: citosina, guanina, adenosina, parece que
são “falhadas”; comprovando que a indústria alterou a proteína do milho, conforme
Naves (2020). Sobre os malefícios à saúde do milho transgênico consultar Villela
(2014).

Figura 3 - Cromas de Milho Crioulo e Transgênico

63
Fonte: Blanco (2020).

Os cursos de extensão, realizados entre 2016 e 2019, foram momentos do


desenvolvimento dos projetos de trabalho, baseado na didática da pedagogia históri-
co-crítica, proposta por Gasparin (2002). Segundo essa perspectiva teórico-metodo-
lógica, o ponto de partida diz respeito ao nível de desenvolvimento real do educando,
a prática social inicial; o segundo momento, constitui o elo entre a prática social e a
instrumentalização, isto é, a problematização; o terceiro relaciona-se às ações didá-
tico-pedagógicas para a aprendizagem, denominado instrumentalização; o quarto, a
expressão elaborada da nova forma de entender a prática social, a catarse; e o quin-
to e último, ao nível de desenvolvimento atual do educando, isto é, a prática social

64
final. A seguir analisamos a escrita dos participantes dos cursos.
A escrita de participantes dos cursos, nos anos de 2016 a 2019, que se apresen-
ta no Quadro 1, expressa a passagem de uma visão caótica da realidade ao conhe-
cimento científico proporcionado pelo projeto, onde se infere a realidade através de
novas formas de pensar (Outras postagens podem ser conferidas em: Villela, 2014).
Trata-se da manifestação do aperfeiçoamento intelectual dos participantes, os quais,
de forma contínua, se desafiam dialeticamente a transformar a contradição existente
entre o velho (prática social inicial) e o novo (prática social final), conforme Gasparin
(2002). A escrita presente nas postagens representa um dos pontos de chegada do
processo pedagógico do projeto, comprovando que o processo de contra-hegemonia
abre espaços de luta e deslocamentos e possibilita a reversão das formas de domínio
material e imaterial (Cf. Moraes, 2002). A seguir as postagens dos participantes dos
cursos (transcrita exatamente como no original).

Quadro 1 - Postagens dos participantes dos cursos de extensão (2016-2019)

Participante F. 17/07/03 13:22


O curso Território Caipira promovido pela Unesp é uma riqueza inestimável para o conhecimen-
to. No módulo 1, ficou frisado a importância e a prática de elaboração dos fermentados: kobashi,
biofertilizante, silo de microrganismos, EM.
Essas práticas mostraram o quanto é facílimo para o produtor agroecológico ser independente
de insumos químicos, sem contar a saúde completa que irá disponibilizar para seu solo, para o
plantio e também para seus animais.
Palestras e explicações maravilhosas dos fundamentos da agroecologia, feitas pelo mentor
Oliver, fundamentam as práticas desenvolvidas de maneira divina.
Sem contar a explanação riquíssima dada pelo prof Fábio, sobre a riqueza sócio/histórico/
cultural das mulheres do campo.
Enfim, tudo lindo e maravilhoso, de estrondoso valor para nossa consciência agroecológica,
fazendo que nos finquemos o pé com toda força nessa atitude de preservarmos a saúde do solo.
Participante F. 17/07/03 18:18
No módulo 2 do curso Saúde de Solo aprendemos muita coisa maravilhosa: caldas quentes e
frias, fosfito, biochar.
Como sempre, são receitas muito simples e baratas que podem levar a uma produção agroeco-
lógica eficiente e saudável.
A prática da cromatografia com certeza elevou o nível do curso mais ainda, mostrando, com
simplicidade e arte, como desenhar a sanidade do solo e também dos alimentos.
Cursos como este devem ser uma constante em nossa região e em todo mundo, pois esclarece
bem o dever de conscientização que temos para com o solo, pai e mãe de todos os seres vivos.
” SOLO SADIO, POVO SADIO. SOLO DOENTE, POVO DOENTE”

65
Participante L. 17/07/12 13:58
Nesta segunda parte do Curso Território Caipira – Saúde do Solo, exploramos de maneira pra-
tica a Cromatografia de Pfeiffer (ou cromatografia circular) que permite ao agricultor ter autono-
mia com uma visão integral do solo da propriedade, analisando também a evolução do manejo
agroecologico que esteja fazendo, acompanhando as sucessivas etapas com aferição dos re-
sultados e progressos.
As Caldas Minerais preparadas tem dupla função. Agem para nutrir e também, em casos emer-
genciais, podem ter ação nos sintomas/vetores das doenças.
Elas permitem autossuficiência em relação à industria já que a maioria dos insumos são de fácil
acesso e outros podem vir da propriedade ou da região.
O uso conjunto das técnicas aprendidas podem dar ao agricultor um grande empoderamento já
que o solo revitalizado e remineralizado certamente retribuirá com alimentos saudáveis, geobio-
diversos, nutritivos e abundantes.

Participante M. 17/07/04 14:06


Nesse segundo módulo de praticas, nós tivemos muita troca de informação e conhecimento
sobre o que é solo vivo e energia. Entramos no fluxo dos sinais e da leitura desses sinais, para
intervir de maneira a respeitar os processos de transformação e ciclos biológicos. Usando as
receitas de caldas e compostos minerais, cozinhamos e alimentamos a terra, para o controle,
reequilíbrio e saúde das culturas e do solo.
O manejo, coleta, observação da matéria em transformação ou estagnada, foi fixada, documen-
tada no tempo/espaço do papel cortado em circulo. Cromatografia, ponto de partida e leitura
para futuras ações e avaliações das práticas empregadas.
A porta foi aberta para a formação de uma rede de trocas de conhecimento e experiências.
Gratidão.

Participante J. 16/12/19 09:10


Mais um encontro inspirador, onde aprendemos muito mais do que técnicas focadas sobre a
cultura do milho, mas sim, estudos e experiências de Oliver Blanco e pesquisadores sobre ma-
nejos na agricultura orgânica.
Apesar de ser produtora e profissional da área, fui surpreendida com várias “novidades” como:
a cromatografia aplicada à solos, plantas e compostagens; princípios 3 M e 4M; sideróforos,
biochar, peletização alternativa para sementes não convencionais, formulação de fosfito, dentre
outras.
A experiência e a humildade de Oliver, fez-me com que eu mergulha-se no passado histórico
do milho, passando por descobertas de técnicas, importância de um alimento orgânico para um
organismo, impactos dos transgênicos, teoria da trofobiose e tantas outras coisas fantásticas
sobre nosso tema.
Precisamos como toda certeza de um tempo a mais com Oliver para tentar “sugar” em todo
bom sentido, mais de suas experiências e trazer para mais perto da nossa região tão “carente”
informações imprescindíveis para a manutenção e ampliação da nossa agricultura familiar e
orgânica.

Fonte: Villela (2014).

66
Conforme podemos observar na escrita das participantes acima, a opção teó-
rico-metodológica pela perspectiva da pedagogia histórico-crítica, contribui para a
valorização dos conhecimentos científico-culturais, base para a transformação da
realidade. Conforme aponta Saviani (2012), a apropriação dos conhecimentos his-
toricamente produzidos pela humanidade deriva do processo de mediação, em de-
corrência das relações das pessoas entre si e a cultura. A escrita das participantes
indica a superação do senso comum em direção à consciência filosófica. A escrita
deixa transparecer que o educando reconhece elementos de sua situação, apontan-
do a necessidade de intervir na realidade, transformando-a no sentido de ampliação
da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens.
O mérito da reorganização das práticas sociais iniciais das participantes do
curso está no processo didático da pedagogia histórico-crítica, cujo método de inves-
tigação e de elaboração do conhecimento científico tem por base o desvendamento
da teoria do valor-trabalho de Marx. Esse aporte teórico-metodológico contribui para
novas relações de ensino e aprendizagem e auxiliam tanto na formação dos alunos,
quanto na dos professores. Um projeto de trabalho nessa perspectiva teórico-meto-
dológica é um excelente instrumento didático, tendo em vista o processo dialético
presente na sua metodologia de ensino e aprendizagem.

CONCLUSÃO

Podemos destacar como principais conquistas desse trabalho: (1) levantamen-


to de material de pesquisa através de hipertextos produzidos, no ambiente do blog de
aula, pelos participantes do projeto, de modo a propiciar dados qualitativos para pes-
quisas interessadas na descrição e compreensão da centralidade do valor-trabalho;
(2) o desenvolvimento de possibilidades de ações, conforme demonstra a escrita das
participantes, para a inclusão produtiva no território caipira, segundo um projeto de
trabalho na perspectiva da pedagogia histórico-crítica; (3) a consolidação de redes
socioeconômicas da agricultura familiar no âmbito dos territórios rurais, especialmen-
te da região noroeste paulista, considerando as práticas da economia solidária; (4) o
fortalecimento de organizações econômicas, contribuindo para a inclusão produtiva
e para o desenvolvimento sustentável e solidário do território caipira; (5) desenvol-
vimento prático da ideia de “cultura ambiental”, proposta por Salinas (1988), entre

67
outros, possibilitando novos desenhos ambientais para Nuestra América, conforme
Pérez-Rubio (2003).
Por fim, cabe destacar: (6) a contribuição para a produção e sistematização de
metodologias inovadoras de EJA, na educação do campo; e (7) o aprimoramento de
teorias pedagógicas e experiências educativas, no que diz respeito às Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs) e outras ferramentas tecnológicas na educa-
ção no campo. O projeto foi desenvolvido em um espaço de EJA, conforme Brasil
(2000), onde esse ambiente engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou in-
formal, no qual pessoas consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas ha-
bilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas
e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua
sociedade. No ambiente de EJA, as situações reais devem constituir o núcleo da or-
ganização da proposta pedagógica a ser desenvolvida. Para tanto, o desafio da EJA
é integrar em sua organização curricular o trabalho e a elevação de escolaridade. A
partir dessas ideias, o “arco ocupacional” trabalhado foi a produção rural familiar e
a qualificação social e profissional. O resultado desse trabalho é a articulação dos
saberes dos educandos com as diferentes áreas do conhecimento, possibilitando a
vivência de novos valores, o desencadeamento de ações coletivas, bem como a ele-
vação de escolaridade associada à qualificação social e profissional, possibilitando
novas aprendizagens aos educandos no território caipira.

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71
10.48209/978-65-CAMPO6-7-6

FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA

DO CAMPO: O USO DE JOGOS EM AULA

DE MATEMÁTICA DO 3 ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL
Ilza Alves Pacheco14
Suely Cristina Soares da Gama15
Kleide Ferreira de Jesus16

14 Mestre em Ciências, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Educado-
ra/REME/MS, [email protected]
15 Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Espe-
cialista em Gestão Escolar/Curso de Gestores UFMS, Pedagoga pela IES, Gestora na Rede Muni-
cipal de Campo Grande - Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) – [email protected]
16 Doutoranda em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) – kleideferreira@
hotmail.com
INTRODUÇÃO

O artigo apresenta um estudo originado a partir de observações e intervenções


realizadas em sala de aula de uma escola inserida na área rural. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa, com base na formação continuada dos professores que atuam
nas escolas do campo no ensino de matemática. O objetivo do estudo constitui-se
em analisar o uso dos jogos nas aulas do componente curricular de matemática rea-
lizadas nos 3o anos do Ensino Fundamental em uma Escola Polo Municipal Rural no
município de Anastácio/MS. Tendo em vista que nessa instituição de ensino, há crian-
ças com dificuldades na aprendizagem da matemática, sentiu-se a necessidade de
buscar outros recursos, como os jogos, a fim de contribuir e auxiliar nesse processo,
assim como na atuação dos professores desse componente curricular.

BREVE HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE ANASTÁCIO/MS

O Município de Anastácio situa-se no estado de Mato Grosso do Sul abrangen-


do uma área de 2.949,206 km² na microrregião do centro-oeste do estado, banhado
pelos rios Aquidauana e Taquarussu faz divisa com as cidades de Aquidauana, Nioa-
que, Bonito, Dois Irmão do Buriti e Maracaju. Possui um lema: Nossa Terra, Nosso
Espaço, como é conhecido hoje pela população anastaciana ou sul mato-grossense.
Como município formado e independente tem identidade socioeconômica e cultural
definida.
Esta distante da capital Campo Grande 127 km pela Rodovia Federal BR 262 –
Anastácio é considerada o Portal do Pantanal. A história da cidade de Anastácio está
intimamente ligada à de Aquidauana, datando sua origem de 15 de agosto de 1892,
quando oficialmente foi fundada sob a coordenação de: Theodoro Rondon, João de
Almeida Castro, Augusto Mascarenhas, Manoel Antônio Paes de Barros e Estevão
Alves Correa. Distrito criado com a denominação de Anastácio (ex-povoado da mar-
gem esquerda), pela lei municipal nº. 1164, de 20-11-1958, subordinado ao município
de Aquidauana.
Em divisão territorial datada de 01-07-1960, o distrito de Anastácio figura no
município de Aquidauana, assim permanecendo em divisão territorial datada de 31-

73
12-1963. Elevado à categoria de município com a denominação de Anastácio, pela
lei estadual nº. 2143, de 18-03-1964, desmembrado de Aquidauana. Sede no atual
distrito de Anastácio. Constituído de 2 distritos: Anastácio e Palmeiras (ex-Jango),
ambos desmembrados de Aquidauana.
Instalado em 01-01-1965, o nome de Anastácio foi escolhido em homenagem
ao primeiro morador oficial do povoado, o italiano Vicente Anastácio, cuja residência
centenária foi à primeira de alvenaria erguida no povoado e ainda hoje se destaca na
esquina das avenidas Manuel Murtinho e Porto Geral.
O município é tipicamente agropecuário, formado por chácaras, sítios, fazen-
das e assentamentos, com uma população de mais de 23.000 habitantes numa área
de 2.949,21 km². O bioma típico é o cerrado.
A agricultura é mais para subsistência temos o arroz, o feijão e o milho. Tam-
bém há a plantação da mandioca por conta das farinheiras artesanais. A farinha do
Pulador é conhecida em todo o estado, daí o nome da Festa da Farinha que já faz
parte do calendário cultural de festas do município.
As escolas do campo do município de Anastácio oferecem a Educação Básica
nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, este último com par-
ceria do governo do estado e município em 02 extensões.
Considerando que a realidade do aluno do campo difere muito da realidade do
aluno da zona urbana e que a matemática sempre foi um componente curricular na
qual muitos alunos têm dificuldades e que trabalhamos há muitos anos com o ensino
fundamental e observando o baixo rendimento e dificuldades na aprendizagem desse
componente curricular, percebemos que por meio dos jogos e do uso da linguagem
concreta, poderíamos contribuir para auxiliá-los a compreender melhor o abstrato;
desse modo, muito embora haja muitas pesquisas e estudos dirigidos ao desenvolvi-
mento do processo de ensino e aprendizagem, a escola do campo tem pouco acesso
a estes materiais, que estão centrados na arte do brincar como forma de aprender.
Por este motivo, utilizou-se dos jogos com regras criadas e discutidas com as
próprias crianças para o desenvolvimento do raciocínio e de atitudes positivas como
integração e socialização por meio de atividades realizadas em grupo.

74
A ESCOLA POLO MUNICIPAL RURAL

Em Anastácio há 13 escolas municipais, sendo que 07 dessas escolas são na


sede do município e 06 escolas no campo, as escolas estaduais são as 07 que fun-
cionam na sede do município com duas extensões na área rural.
Na rede municipal há um total de 181 professores, sendo que a maioria dos
professores tem formação específica, conforme área do conhecimento que leciona.
Mantida pela Prefeitura de Anastácio, administrada pela Secretaria Municipal
de Educação nos termos da legislação em vigor e regulada pelo seu Regimento Es-
colar, a Escola Pólo Municipal Rural, criada pelo Decreto n° 254/97 de 31 de julho
de1997, situa-se em um Assentamento à 35 km da sede do município.
Partindo dessa constatação, para o trabalho decidimos estudar alternativas que
viessem a contribuir para o aprendizado desse componente curricular, pelos alunos
da educação do campo, do 3º ano do Ensino Fundamental.
Aplicamos nos alunos, uma avaliação (sondagem) do conhecimento de mate-
mática, dirigida ao conteúdo referente aos jogos que iríamos fazer, para que depois
da construção e aplicação, pudéssemos avaliar e comparar os resultados, verifican-
do o desempenho antes e depois do uso dos jogos como meio de fixação de conteú-
do e sua eficácia nesse sentido.
Os jogos se apresentam como alternativa para transmitir informações associa-
dos a diversos campos do conhecimento humano, tal decorre do fato eles levam os
indivíduos a desenvolver empatia com os conteúdos apresentados ao remover bar-
reiras que possam interferir no aprendizado como medo, insegurança, timidez, etc.
Muitos alunos têm problemas de aprendizado porque não se sentem capazes
ou preparados para trabalhar determinados instrumentos, nesse momento ao lançar
mão do lúdico, o professor remove essas barreiras por que em tese, pelo menos, da
permissão para que o aluno possa errar e expor suas fraquezas sem medo.
Considerando Piaget:

O emprego do lúdico propiciará a capacidade de compreensão nas diversas


áreas do conhecimento e atingir o objetivo desejado. Para isto é necessário
que o professor enriqueça os ambientes com diversos jogos e os alunos irão
descobrir os conceitos inerentes às estruturas dos jogos por meio da manipu-
lação. (1981, p. 190).

75
Para o autor, o professor em sua tarefa de transmitir o conhecimento não só
precisa como deve usar o lúdico em suas aulas para atingir seus objetivos como
educador, mas ele vai ainda mais longe ao dizer que ao “enriquecer o ambiente com
diversos jogos”, o educador permite aos educandos que estes descubram por si só
os conceitos que estão sendo transmitidos ao manipular os jogos compreendendo
suas regras e objetivo.
Como essas regras e objetivo podem ser adaptados para atender a pratica-
mente todas as situações de vida, o uso dos jogos para ensinar, se enquadra em
qualquer contexto que se deseje usá-los como ferramenta auxiliar de trabalho e fixa-
ção de conteúdos.
Apesar dos jogos serem efetivos para ensinar e transmitir conteúdos a alunos
de praticamente todas as idades, Petry & Quevedo (1993, p.33) consideram que eles
vão se tornando mais significativos e eficientes na medida em que o aluno vai pro-
gredindo pela livre manipulação e uso contínuo deles o que os capacita a construir
e reconstruir os contextos e objetos aprendidos através deles, sendo capacitados a
criar ou recria-los a partir da sua compreensão.
Isso porque para esses autores um jogo representa uma situação, problema
ou contexto a ser compreendido ou resolvido, o que estimula e desafia o raciocínio
no sentido de resolver o problema ou entender o contexto, ainda segundo eles, esse
processo deve ser concretizado durante a infância consistindo numa síntese progres-
siva de assimilação com acomodação.
Dessa maneira, representando o jogo uma situação, problema ou contexto a
ser compreendido ou resolvido, e a solução a essas indagações devem ser solucio-
nadas de modo prover o aluno de ferramental que proporcione a ele condição de
propor respostas não só para o momento imediato, como também para os que se
apresentem no futuro.
Nas palavras dos autores:

O jogo em sala de aula é uma ótima proposta pedagógica porque propicia a


relação entre parceiros e grupos, e, nestas relações, podemos observar a di-
versidade de comportamento dos educandos para construir estratégias para
a vitória, como também as relações diante da derrota. (PETRY & QUEVEDO,
1993, p.34-35).

Outro autor que trata desse tema é Oliveira (2004), o qual faz a seguinte propo-

76
sição com relação a esse assunto:

Os jogos vêm a ser estratégias que agilizam a autoregulação cognitiva e afe-


tiva, podendo ser utilizados nos mais diversos ambientes. São situações nas
quais a criança reorganiza padrões comportamentais regredidos e inadequa-
dos, inclusive em seus aspectos socioculturais e morais. (OLIVEIRA, 2004,
p.34).

Nesse sentido, jogos usados como estratégia e ensino têm o objetivo de agilizar
a aprendizagem. A aplicação dessa estratégia ocorre para acentuar a autoestima, a
cognição e inclusive a afetividade dos envolvidos no processo. Em geral nessas oca-
siões há um redimensionamento da estrutura comportamental dos alunos e outros
aspectos, pois afloram condutas que em situações normais não seriam expostas.
Ainda segundo Oliveira (2004), o lúdico contribui para o desenvolvimento do
ser humano com o uso de jogos por estimular a interação entre as pessoas por impor
regras que possibilitam ao jogo transcorrer sem conflitos insolúveis entre os partici-
pantes.

As regras, inseridas no contexto lúdico, passam a ser vistas realmente como


o meio que possibilita o desenvolvimento do jogo, como o melhor jeito de se
conduzir um trabalho em grupo. Longe de paralisar e inibir a criança serve de
suporte ao bom relacionamento e à criatividade. (OLIVEIRA, 2004, p.72).

Uma das áreas onde os jogos têm se mostrado bastante eficiente no auxílio
ao aprendizado, é a matemática, onde uma diversidade deles pode ser usada como
apoio ao aprendizado.

JOGOS COMO UM RECURSO A APRENDIZAGEM DO ENSINO DA


MATEMÁTICA

Os jogos podem ser usados como recurso para a transmissão dos conteúdos
de diversos componentes curriculares, como: história, geografia, português, etc, en-
tretanto é especialmente no ensino da matemática onde a maior parte dos alunos
tem dificuldades para compreender e reter os conteúdos que eles podem ajudar.
Principalmente no Ensino Fundamental, existem diversas maneiras de usar os
jogos com o objetivo de facilitar de jogos como o Baralho da Multiplicação, o Jogo da
Argola, a Corrida da Bicicleta, o Jogo Linha-Coluna, o Dominó da Adição o ensino de

77
matemática. Alguns exemplos de jogos que podem ser usados com alunos.
Cada jogo pode ser usado para demonstrar como se operacionaliza determi-
nado cálculo, um jogo de soma e subtração, demonstra aos alunos não só como se
realiza cada operação como também fixa o resultado de somas e subtrações por re-
petição continuada das operações. Eles também ajudam a desenvolver o raciocínio
lógico, pois, obrigam o aluno a fazer relacionamentos entre as operações efetuadas
e os resultados obtidos.
Assim:

2 + 3 => 3 + 2 => 4 + 1 => 1 + 4 => resultam na quantidade 5 indicando aos


alunos que um determinadO valor pode ser obtido e várias formas diferentes.

Nesse sentido, os jogos precisam ser operacionalizados levando em conside-


ração desde o objetivo que se deseja alcançar e as séries onde serão aplicados, até
a metodologia, dessa forma, percebemos que desde que adaptados, os jogos podem
ser usados em uma grande variedade de situações e séries para transmitir o conteú-
do, ou desenvolver uma habilidade desejada nos alunos.
No contexto da sala de aula, une-se o lúdico ao concreto, transformando o brin-
quedo, a festa, o jogo, a brincadeira em algo sério onde se aprende, constrói o saber,
sem, contudo, forçar o compreender, pois o conhecimento é introduzido de uma for-
ma natural em um contexto inerente à própria natureza humana.
Noutros termos, partindo se de uma visão onde o jogo mais do que brincadeiras
puras, são ferramentas para o aprendizado, servem para tornar prazerosa a inves-
tigação e o aprendizado, principalmente da matemática, matéria que maioria dos
alunos considera complicada de entender.
Os jogos permitem nesse caso, que a matemática seja inserida no contexto do
dia a dia dos alunos, pode-se, por exemplo, usar matérias que eles tenham a dispo-
sição como latas e garrafas descartadas após o uso de seu conteúdo, podem usar
materiais característicos da região e cultura que vivem trazendo a eles o sentido de
que ela os cerca e faz parte de suas vidas.
De certo modo, esta foi a razão pela qual se escolheu realizar um trabalho
focando nessa forma aprendizado, pois os alunos poderiam usar materiais que en-

78
contram cotidianamente em suas casas e no campo para confeccionar os jogos que
usariam em sala de aula para desenvolver os conteúdos que os professores queriam
transmitir. Nesse sentido adequamos a seguinte definição de Kalhil (2003) “O con-
junto de tarefas ou ações previamente planificadas que conduzem ao cumprimento
de objetivos preestabelecidos baseados numa metodologia elaborada para tal fim
durante o processo pedagógico”. (KALHIL, 2003, p.40)
Assim os professores (re)construíram sua própria metodologia para desenvol-
ver a aplicação dos jogos no contexto do ensino de matemática, criando, adaptan-
do e planejando de modo que os alunos se sentissem envolvidos e participantes do
processo.
Nesse processo, tal como preconizado em textos de Vygotsky, percebemos que
além de uma excelente forma para transmitir conteúdos, os jogos também propor-
cionam maior adequação emocional e social aproximando do grupo, mesmo aqueles
alunos mais tímidos e arredios, proporcionando um espaço de interação e troca de
experiências onde as barreiras se desfaziam e os indivíduos se aproximavam uns
dos outros deixando medos ou preconceitos de lado.
Em meio a tudo isso, vê-se como disse Moreira que:

Aprendizagem deve ser não só significativa, mas também crítica [...] uma es-
tratégia necessária para sobreviver na sociedade contemporânea. Aprendiza-
gem significativa crítica é aquela perspectiva que permite ao sujeito fazer par-
te de sua cultura e, ao mesmo tempo estar fora dela [...] um ensino centrado
na interação entre professor e aluno enfatizando o intercâmbio de perguntas
tende a ser crítico e suscitar a aprendizagem significativa crítica. (MOREIRA,
2000)

Cumpre-nos dizer ainda que considerando Vaziro (2001), que o aprendizado


dos conceitos da matemática não se dá pela memorização das fórmulas e definições,
ou aceitando passivamente o que é dito pelos professores, mas sim, pela compreen-
são de como eles estão presentes no dia a dia de cada um a partir da experiência,
observação e descoberta pessoal.

79
ELABORAÇÃO DOS JOGOS COM OS PROFESSORES E OS ALUNOS DO
3ª ANO

Formamos um grupo de estudo de matemática composto por professores do 3º,


sendo os encontros realizados aos sábados. Após os estudos realizados por meio de
leituras de livros, artigos e analise de apostilas, discutiu-se qual seria as dificuldades
dos alunos e verificamos os conteúdos, posteriormente cada professor pesquisou
e verificou as necessidades de seus alunos e quais seriam os jogos que poderiam
contribuir e colaborar para auxiliar a aprendizagem, assim ficou definido que seria
elaborado um projeto de jogos.
Na reunião de pais foi explicado como seria desenvolvido o projeto de jogos e
que contaria com a colaboração deles, pois seria necessário de materiais recicláveis
e também de recursos naturais, sendo assim seria de fundamental importância a
contribuição deles e os professores desenvolveriam juntamente com sua turma um
joguinho utilizando esses materiais que os próprios alunos e famílias colaboraram em
levar para a escola.
Em primeiro lugar foi explicado quais seriam os conteúdos a serem trabalhados
com o auxílio dos jogos, depois se discutiu quais os materiais mais adequados para
confeccioná-los e quais seriam suas regras, explicamos para as crianças, que elas
iriam realizar a confecção dos jogos, com o apoio e supervisão dos professores, sen-
timos que se interessavam pela perspectiva de construir os jogos que usariam para
desenvolver os conteúdos de matemática que estavam sendo desenvolvidos na sala
de aula.
Os alunos que nunca haviam tido uma experiência como essa ficaram entu-
siasmados e curiosos, tanto que se envolveram profundamente com o processo pro-
curando e coletando o material necessário para a confecção dos jogos, após a qual,
excitados com a perspectiva de usá-los, mal podiam esperar pelo momento em que
os usariam nas aulas para desenvolver os conteúdos da matéria.
A confecção dos jogos escolhidos foi de acordo com a realidade do assenta-
mento, usando materiais do dia a dia dos alunos como garrafas PET, papelão de
caixas descartadas, cartolina e sulfite, o uso de materiais descartados, além do uso

80
didático, também teve o objetivo de trabalhar a consciência ecológica dos alunos,
demonstrando que alguns itens que são descartados podem ser reaproveitadas de
forma produtiva preservando-se o meio ambiente ao mesmo em que se constrói al-
ternativas de aproveitamento.
Também os jogos foram usados considerando a realidade diária dos alunos re-
solvendo questões do tipo: - A porca teve seis leitõezinhos. Foram vendidos quatro
a R$ 22,00 cada um. Em quantos reais importou o total da venda ?; minha mãe com-
prou uma galinha por R$ 10,00. A galinha teve seis pintinhos, que foram vendidos por
R$ 3,00 cada um. Quanto minha mãe ganhou?
Após alguns dias usando os jogos dessa maneira com os alunos, observou-se
que tanto o desempenho, como o rendimento de cada aluno no momento de resolver
as atividades melhorou, continuando nesse processo, o resultado para alguns alunos
que ainda encontravam dificuldades para resolver contas de adição, subtração e mul-
tiplicação, logo mais percebeu-se que estavam começado a resolver os exercícios
sozinhos sem precisar de interferência.
Os alunos contribuíram com a confecção dos jogos levando para a escola gar-
rafas Pet de dois litros e papelão para a confecção dos jogos, eles estavam ansiosos
para começar. Combinamos que duas vezes na semana, que a última aula seria
exclusivamente para a confecção dos jogos. Percebemos que até o rendimento em
sala melhorou, pois eles estavam ansiosos para dar início a confecção. A sala era
arrumada com os materiais à disposição e antes de dar início à confecção de cada
jogo explicávamos qual seria o objetivo daquele jogo. Observamos que durante o
trabalho havia interação, socialização, união e participação de todos. Percebeu- se
que quando eles confeccionam o seu próprio material de estudo valorizam muito
mais. Atividade realizada, nas fotos 01 e 02:

Material necessário: 10 garrafas pet de 2 litros, cheias de areia e numeradas de


1 a 10, argolas feitas de garrafas plásticas cortadas em tiras ou mangueira, caneta
atômica e papel sufit.

Regras do jogo: 1 aluno para marcar; quantas jogadas irá fazer por exemplo: (de-
terminar 5 jogadas para cada participante). O aluno que for escolhido para marcar,
deverá apontar as jogadas que cada aluno acertar. Ganha o jogo quem acertar mais.

81
Objetivos: Estimular atenção e a concentração do calculo mental.

Foto 01: Jogo das garrafas (argolas)

Fonte: professora Benedita (2018)

Foto 02: Jogo das garrafas (argolas)

Fonte: Professora Benedita (2018)

82
Calculo Mental (cartas)
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático.
Material necessário: papel manilha ou cartolinas para confecção dos cartões, fita
crepe para plastificar as peças, pincel atômico para escrever os números, como
pode ser visto nas fotos 03 e 04:

Foto 03: Jogo: Calculo Mental (cartas).

Fonte: Helenara Correia Teixeira (2018)

Foto 04: Jogo: Calculo Mental (cartas).

Fonte: Helenara Correia Teixeira (2018)

83
Jogo da tabuada(baralho)
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático e auxilia o alu-
no em seu processo de aprendizagem de Matemática, foto 05:

Foto 05: Jogo da tabuada(baralho).

Fonte: Helenara Correia Teixeira (2018)

Jogo Linha-Coluna
Objetivo: conhecer linha e coluna além de estabelecer relação de ordem entre os
números e calculo metal, como ser visto na foto 06:

Foto 06: Jogo Linha – coluna

Fonte: Helenara Correia Teixeira (2018)

84
Dominó da adição
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático e auxilia o alu-
no em seu processo de aprendizagem de Matemática, podemos observar na foto 07:

Foto 07: Dominó da adição.

Fonte: Helenara Correia Teixeira (2018)

Ao termino do projeto dos jogos realizou-se uma exposição na escola para toda
a comunidade escolar. E pelos ótimos resultados do projeto, realizou-se uma reunião
na escola para escolher os trabalhos os quais seriam apresentados na Mostra de
Ciência e Artes de Anastácio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando que os alunos estavam com dificuldades e pouco rendimento no


componente curricular de matemática, buscou-se como subsídio a confecção de jo-
gos como o baralho da multiplicação, o jogo das garrafas (argola), e outros jogos,
como fonte de experiência para ensiná-los contar somar, subtrair, dividir e multiplicar,
o qual percebemos juntamente com os professores, que por meio dos jogos e a ludici-
dade os alunos tiveram realmente um aprendizado e ainda gostarem de matemática.
Todas as atividades foram desenvolvidas de forma a trabalhar com a realidade
local da comunidade, ou seja, com conteúdos direcionados a dificuldade de cada

85
aluno e que também proporcionasse interesse nesses alunos, o rendimento da turma
do 3º ano mudou e até os alunos das outras salas queriam participar das atividades.
Percebemos que por meio de jogos e desafios, os alunos foram estimulados a
desenvolver o raciocínio lógico, estabelecendo a criatividade na busca por estraté-
gias diferenciadas que colaboram para o seu aprendizado.
Pode-se notar que há carência de jogos na escola e evidentemente nas salas
de aulas, bem como a necessidade de conhecer novos jogos, além de proporcionar
aos alunos maior aprendizagem e rendimento, auxiliando no desenvolvimento do ra-
ciocínio lógico, da criatividade, da interação e da socialização.
Nesse sentido foi gratificante trabalhar com os professores e os alunos na ela-
boração e na confecção dos jogos, pois, o interesse e estimulo pelo novo e pelo ma-
terial que todos ajudaram a criar trouxe novas perspectivas para eles e que também
estimulou o raciocínio criando outras regras para o jogo.
Comparando a avaliação que foi realizada a (sondagem) antes da construção
dos jogos e a avaliação após a construção verificou-se que houve um melhor rendi-
mento dos alunos do 3º ano.
Observou-se que no dia da Exposição e Apresentação do trabalho em questão
houve interação, socialização, união, descontração e envolvimentos de todos dos
pais, alunos, professores e de toda a comunidade escolar.
Assim, percebeu-se que a utilização de materiais alternativos para construir os
jogos usados nas aulas, quando avaliado no contexto do ensino da matemática, pro-
porcionou aos alunos um a melhor compreensão dos conceitos desenvolvidos nas
aulas teóricas, tornando-os interessantes e agradáveis, desenvolvendo sua capaci-
dade de observação e reflexão, uma maior aproximação com a Região e sua cultura,
sendo que permitiu a interação entre alunos e professores, transformando-se em
um espaço de construção coletiva do conhecimento, como também demonstrou que
nesse espaço a situação de aprendizagem pode-se utilizar de materiais alternativos
que deixam sua função primária e passam a ser didáticos, transmitindo informação
com a intenção de provocar, por meio do desafio, o uso da intuição, para a partir dela,
fazer com que o aluno questione, procure regularidades, tome decisões mas, princi-
palmente, que tenha coragem de resolver os problemas a ele apresentados por si só.

86
Dessa forma, conclui-se que há uma necessidade em se trabalhar com jogos e
principalmente direcionando para o componente curricular de matemática, pois am-
plia o conhecimento dos alunos, possibilitando que eles tenham um senso de fortale-
cimento da autoestima a partir do momento em que conseguem compreender o abs-
trato, por meio do lúdico é possível mostrar a criança um universo de possibilidades
para a construção do conhecimento.

REFERÊNCIAS

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução


à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto Editora, 1994.

CABRAL, Silas. CABRA, C. e ANGELO, R. Anastácio. Campo Grande, MS: Gráfica


Editora Alvorada, 2003.

FLICK, U. Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

KALHIL, J.B. Estratégia Pedagógica para el desarrollo de habilidades investiga-


tivas en la Disciplina Física de Ciências Técnicas. Tese de Doutorado em Ciên-
cias Pedagógicas. Universidade de Havana, Havana, 2003.

LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394/96 de 20 de de-


zembro de 1996, Diário Oficial da União 23/12/96. Disponível em: https://www.planal-
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MOREIRA, Marco Antônio. A Teoria da aprendizagem significativa e sua imple-


mentação em sala de aula. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.

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te: Editora Autêntica, 2006.

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representação. 3ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

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ção. Porto Alegre: Kuruap, 1993.

RIBEIRO, Flávia Dias., Jogos e modelagem na educação matemática/ Flávia Dias


Ribeiro. Curitiba: Ibpex,2008.124p.:i Ibpex,2008.124p.:Il

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mática Escolar – Caderno 0. Goiânia: Gráfica e Editora Vieira, 2001.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fortes, 1984.

88
10.48209/978-65-CAMPO6-7-7

DO ACAMPAMENTO À FORMAÇÃO
DE ASSENTAMENTOS RURAIS: A
CONQUISTA DA TERRA E A BUSCA
DAS FAMÍLIAS POR MELHORES
CONDIÇÕES DE VIDA
Alessandra Regina Müller Germani17
Ana Paula Schervinski Villwock18

17 Enfermeira. Professora do Magistério Superior na Área de Saúde Coletiva na Universidade


Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus Passo Fundo/RS. Doutora em Extensão Rural pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.E-
-mail: [email protected]
18 Engenheira Agrônoma. Professora do Magistério Superior no Departamento de Engenharia
Agronômica da Universidade Federal de Sergipe. Doutora em Extensão Rural pelo Programa de
Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. E-mail: ana.
[email protected]
INTRODUÇÃO

A formação dos assentamentos no país tem sido uma das principais respostas do
Estado aos conflitos relacionados às lutas populares e as demandas sociais pelo direito
de acesso à terra. É uma ação pontual e localizada, que não enfrenta a desigualdade
social existente no campo, mas que contribui timidamente para atenuar conflitos e
modificar lentamente a estrutura agrária do Brasil. Contudo, apesar dos percalços,
vários estudos apontam que os assentamentos apresentam resultados bastante
significativos (SAUER, 2005; BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; MEDEIROS e
LEITE, 2009; DE FREITAS COCA, 2013; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).
Os assentamentos rurais representam, portanto, um novo momento no contexto
da luta pela terra desenvolvida pelos diferentes movimentos sociais. Significa que a
terra já foi conquistada, dando início a uma nova etapa da caminhada que envolve
a organização das famílias a serem assentadas e a estruturação de uma nova
comunidade rural.
Desta maneira, este capítulo apresenta os resultados encontrados a partir de
uma pesquisa bibliográfica realizada na perspectiva de reunir subsídios teóricos para
sustentar nossas reflexões em sala de aula e em outros espaços de debate acerca
do tema. Os dados foram coletados e sintetizados durante o primeiro semestre de
2018, utilizando-se diferentes fontes bibliográficas. Sendo selecionadas produções
de autores reconhecidos no cenário nacional e que se destacam na produção de
conhecimentos sobre o tema.

DESENVOLVIMENTO

Analisando os dados disponíveis no Instituto Nacional de Colonização e Reforma


Agrária - INCRA referentes aos programas de assentamentos rurais identifica-se que,
entre 1961 e 2009, foram implantados no Brasil, 8.637 assentamentos e que até maio
de 2016 foram assentadas 1.346.798 famílias. Já, o estudo de Spavorek (2003),
nos mostra que até 2008 existiam no Brasil 4 milhões de famílias sem-terra; 1,6%
dos proprietários controlavam até 78% das terras, existiam 130 milhões de terras
ociosas e 30 empresas transnacionais controlavam a produção, a industrialização, a
distribuição, e a comercialização dos produtos agrícolas no país (SPAVOREK, 2003;

90
BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; MATTEI, 2013; GUERRERO, BERGAMASCO
e ESQUERDO, 2016).
Esses dados mostram que independente de ter viabilizado para as populações
excluídas acesso à terra, por meio do aumento do número de assentamentos e de
famílias assentadas, em nada alterou o quadro geral de concentração da propriedade
da terra no cenário nacional, evidenciando que há muito para se fazer em relação a
desconcentração e a ociosidade da terra no Brasil (SPAVOREK, 2003; BERGAMASCO
e FERRANTE, 2005; MATTEI, 2013; GUERRERO, BERGAMASCO e ESQUERDO,
2016).
A obtenção de terras para o assentamento se dá por meio da desapropriação
de terras, regularização fundiária, reconhecimento de projetos já existentes,
reassentamento de atingidos por grandes obras de infraestrutura, entre outros.
Não são assentados somente camponeses sem-terra, mas também comunidades
tradicionais, posseiros, colonos, parceiros, seringueiros, trabalhadores urbanos
vivendo de ocupações temporárias e à margem do mercado de trabalho formal, entre
outros, demonstrando a diversidade dos assentamentos rurais e seus beneficiários.
Os assentamentos são implantados não só para aqueles que querem entrar na terra,
mas para aqueles que nela querem permanecer, com condições dignas de vida
(SOUZA-ESQUERDO e BERGAMASCO, 2011; DE FREITAS COCA, 2013).
Neste sentido, a literatura sobre a diversidade dos atores envolvidos nos
processos de criação e consolidação dos assentamentos no país é vasta, além
dos demandantes pela terra, que também se apresentam sob diferentes formas
(assalariados, parceiros, posseiros, etc), estão presentes outros, como: governo
federal, o INCRA, o Poder Judiciário, os governos estaduais e seus respectivos órgãos
de terra, as secretarias estaduais de agricultura e seus organismos de assistência
técnica, prefeituras, organizações não-governamentais, entidades vinculadas às
igrejas, entidades de representação como sindicatos, Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, Via Campesina, associações de produtores, cooperativas,
entidades patronais, entre outros. Cada um expressando seu pensamento e força
política em relação à implementação dos assentamentos (MEDEIROS e LEITE,
2009).

91
Frente à diversidade deste contexto, as formas de luta pela terra e pela Reforma
Agrária no país se configuram de diferentes formas, sendo que a partir da década
de 1990, num contraponto as tradicionais estratégias de resistência que foram
desenvolvidas pelos camponeses frente à expropriação pelo capital na década de 1950
e, sobretudo entre 1970 e meados da década de 1980 na fase de apogeu do avanço
do capital sobre a agricultura brasileira, e com as ações do MST, a ocupação seguida
da construção de acampamentos ganham visibilidade e consequentemente, projeção
política e jurídica (MEDEIROS, 2004; SOUZA-ESQUERDO e BERGAMASCO, 2011).
A foto abaixo retrata a ocupação realizada na Fazenda Annoni que ocorreu
na madrugada de 29 de outubro de 1985 e contou com o envolvimento de 1.500
famílias. Essa ocupação é reconhecida como um marco da retomada da luta pela
terra no fim da ditadura militar e também como berço da organização do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra - MST no país.

Figura 2 - Registro fotográfico da Área 10, local do Acampamento da Annoni

Fonte: Acervo de José Leal. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/10/30/aprendemos-a-so-


nhar-e-a-conquistar-sonhos-e-ainda-sonhamos-com-o-socialismo-afirma-sem-terra-sobre-a-1-o-
cupacao-do-mst.html

Os acampamentos são caracterizados como um momento de transição, de


passagem construídos em áreas que se pretende transformar em assentamentos ou
do lado de fora de fazendas, à margem das rodovias. Organizam-se internamente

92
na forma de Coletivos, que são instâncias coletivas de decisão, sobre os diversos
assuntos pertinentes ao funcionamento dos acampamentos, pois os acampados
enfrentam muitas dificuldades neste período, tais como: doenças, fome, exposição
às intempéries, a fragilidade dos barracos, violência, entre outras. Este é um período,
na qual as pessoas, pelo convívio, rompem com as suas identidades anteriores,
recriando relações e valores, práticas sociais e formas organizativas. Como ainda
não chegaram ao seu lugar definitivo, ainda não alcançaram a sua nova identidade:
o de ser assentado (SAUER, 2005; MARTINS, 2009; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).
Neste sentido, abaixo segue um dos registros fotográficos do barraco em que
estava alojado a família do Sr. José Estevão da Silva durante o período do acampamento
na Fazenda Annoni, em 1985. Salienta-se que nesta realidade, os barracos foram
sendo montados com madeiras, taquaras, algumas retiradas do mato e cobertas
com lonas pretas. Como eram muitas as famílias, elas foram se organizando por
proximidade e conforme os municípios de origem, sendo os barracos erguidos um
próximo ao outro, porque não se tinha muito espaço disponível naquela área.

Figura 3 - Registro fotográfico da família do Sr. José Estevão da Silva em frente ao


barraco no Acampamento da Annoni.

Fonte: Acervo pessoal do Sr. Zé Estevão – liderança no Acampamento

93
As pessoas lutavam em busca de uma perspectiva que seja capaz de
garantir-lhes, através do trabalho e da produção, a liberdade, a sobrevivência e a
continuidade da vida (reprodução social). A busca pelo trabalho é parte fundante do
processo de luta e conquista da terra. O direito ao trabalho significa muito mais que
um emprego ou ocupação, pois viabiliza liberdade e fartura no sustento da família.
Lutam, portanto, por melhores condições de vida e por um lugar que lhes permita
enraizamento e pertencimento. O acesso à terra representa, portanto, um lugar
de trabalho, de produção e de vida, um novo momento na experiência de vida dos
assentados (SAUER, 2005; BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; FIGUEIREDO E
PINTO, 2014).
Neste sentido, os assentamentos podem ser compreendidos como um lugar
onde diferentes histórias de vida se cruzam se encontram ou, decorrentes dos
acampamentos, se reencontram. Desse momento, surge a construção de novos
processos sociais de interação que dão origem a identidade social de assentado.
Esses atores sociais e políticos terão a possibilidade de desenvolver processos
organizativos internos que podem resultar na criação de associações, cooperativas,
grupos de produção, roças ou investimentos comunitários, etc. Também a criação de
outros mecanismos que permitam a interação do grupo social, como igrejas, escolas,
centros comunitários e de lazer, grupos de trabalho, entre outros, que contribuem
para a organização e sustentabilidade dos projetos de assentamento. Mesmo que no
interior do assentamento haja conflitos e diferenças culturais, isso não se constitui
em aspectos desmobilizadores (SAUER, 2005).
Abaixo segue a foto de alguns dos lugares onde as famílias se reúnem, ginásio
e igreja, na Comunidade 16 de Março, no Assentamento da antiga Fazenda Annoni.

94
Figura 4 - Registro fotográfico de alguns locais da Comunidade 16 de Março

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2017).

Em termos de conceituação, a referência à palavra assentamento surge pela


primeira vez no cenário político e social, em 1960, no contexto da Reforma Agrária
venezuelana, e se difundi por inúmeros países, inclusive no Brasil. De uma forma
geral, os assentamentos rurais podem ser definidos como um espaço social e
geograficamente delimitado, de continuidade da luta pela terra, criado por meio de
políticas governamentais visando o reordenamento do uso da terra em benefício de
trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra. A criação dos assentamentos,
inclusive como lugares existenciais – geram uma nova organização social, econômica
e política (BERGAMASCO e NORDER, 1996; SAUER, 2005; MARTINS, 2009;
MEDEIROS e LEITE, 2009)
Do ponto de vista institucional, a Portaria MDA nº 80 de 24/04/2002, conceitua
assentamento como sendo a unidade territorial que é obtida pelo programa de Reforma
Agrária do Governo Federal, ou em parceria com os Estados ou Municípios, por
meio da desapropriação, arrecadação de terras públicas, aquisição direta, doação,
reversão do patrimônio público, ou por financiamento de créditos fundiários; que será
destinada aos indivíduos que são selecionados pelos programas de acesso à terra. E

95
como assentados, todo o candidato que se inscreve e após entrevista é selecionado
para ingressar no Programa de Reforma Agrária, sendo concedido, portanto, o
direito ao uso de terra identificada, incorporada ou em processo de incorporação ao
Programa (BRASIL, 2002; RAMIRO, 2008).
O esforço para padronizar os conceitos e ajustá-los à legislação faz emergir
uma definição meramente técnica do que seja assentamento e assentados. Neste
sentido, sobre os assentados, Guerrero, Bergamasco e Esquerdo (2016), fazem
questão de mencionar que o assentado é também a pessoa que busca seus direitos,
coloca em risco a sua vida e a de seus familiares na luta pela terra. Luta, portanto,
por um pedaço de terra e pela conquista de seus direitos.
A constituição dos assentamentos no país não foi acompanhada de um
planejamento prévio de localização e de oferta de bens sociais, de equipamentos
e serviços públicos por parte do Estado. Muitos enfrentaram e enfrentam situações
adversas em relação às condições de sua instalação, que dispersos geograficamente,
desencadearam uma série de reinvindicações ligadas principalmente à infraestrutura
básica, como construção e/ou melhorias de estradas, saúde e educação, condições
para escoamento da produção, entre outros. Com isso, fica evidente que a criação
e manutenção dos assentamentos vêm caminhando de forma lenta e fortemente
dependente da vontade política dos governantes, gerando consequências por vezes
negativas na vida dos assentados e reforçando a necessidade de se manterem
organizados e em luta constante pelos direitos e justiça social (MEDEIROS e LEITE,
2009; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).

CONCLUSÃO

Assim, conclui-se com a realização dessa pesquisa bibliográfica, que para


os assentados a conquista da terra não significa o fim da luta, mas sim um ponto
de partida, pois a estruturação dos assentamentos significa uma nova etapa, a da
conquista por condições plenas de vida e de produção; é um momento de (re)criar a
vida em comunidade e de seguir resistindo e lutando pela transformação do modelo
de desenvolvimento econômico e social no país.

96
REFERÊNCIAS

BRASIL. Portaria MDA nº 80, de 24 de abril de 2002. Adota as denominações e


os conceitos aplicáveis ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e sua entidade
vinculada, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 25 abr de 2002.

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BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luís Antônio C. O que são
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DE FREITAS COCA, Estevan Leopoldo. Identidades dos camponeses assentados


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1, p. 77-88, 2015.

FIGUEIREDO, Gislayne Cristina; PINTO, José Marcelino de Rezende. Acampamento


e assentamento: participação, experiência e vivência em dois momentos da luta pela
terra. Revista Psicologia & Sociedade, v. 26, n. 3, 2014.

GUERRERO, Iris Cecilia Ordóñez; BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira;


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rurais no Brasil: processos sociais e políticas públicas. 2 ed. Porto Alegre: Editora da
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SAUER, Sérgio. O significado dos assentamentos de reforma agrária no Brasil. In:


Caio FRANÇA, Galvão de; SPAVOREK, Gerd. Assentamentos em debate. Brasília:
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RAMIRO, Patrícia Alves. Assentamentos rurais: o campo das sociabilidades em


transformação: o caso dos assentados do Nova Pontal. 2008. 156f. Tese (Doutorado
em Sociologia) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008.

98
10.48209/978-65-CAMPO6-7-8

SOBERANIA E SEGURANÇA
ALIMENTAR: UM RELATO
DE PRÁTICA DOCENTE NA
MODALIDADE À DISTÂNCIA
Alessandra Regina Müller Germani19

19 Enfermeira. Professora do Magistério Superior na Área de Saúde Coletiva na Universidade


Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus Passo Fundo/RS. Doutora em Extensão Rural pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.E-
-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO

O Curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade Federal de


Santa Maria – UFSM, ofertado na modalidade à distância, foi implantado em 2017,
e conta com o apoio dos Polos dos seguintes municípios: Agudo, Balneário Pinhal,
Cerro Largo, Itaqui, Novo Hamburgo, Santana do Livramento, São Sepé, São Lou-
renço do Sul, Seberi e Sobradinho (PPC, 2017).
O referido Curso tem como objetivo principal proporcionar uma formação que
contemple uma nova demanda da sociedade, gerada pelas populações do campo,
que historicamente lutam por uma educação diferenciada e de qualidade, que respei-
tem as especificidades do seu modo de viver que tem profunda ligação com a terra
(PPC, 2017).
Neste contexto, a disciplina Soberania e segurança alimentar, foi disponibiliza-
da para os 99 educandos matriculados, no segundo semestre de 2020, tendo como
finalidade conhecer e compreender os marcos legais da Soberania e da segurança
alimentar no cenário nacional e internacional, destacando que o direito a soberania
alimentar diz respeito aos direitos inerentes aos agricultores de produzirem seus ali-
mentos (PPC, 2017).
Por ser uma disciplina ministrada a distância, torna-se uma prática desafiadora
a prática docente, pois exige que sejam adotadas estratégias de ensino-aprendi-
zagem que permitam despertar no educando o interesse e a adesão as atividades
propostas no decorrer do semestre. Desta forma, para despertar, redescobrir, incre-
mentar ou ativar os estudos, na perspectiva de propiciar uma formação crítica da
realidade, considerando que serão futuros educadores do campo, essas estratégias
não podem ser somente de cunho teórico, mas sim de interação entre teoria e práti-
ca, promovendo assim a interligação com o contexto social, econômico, cultural, de
pluralidade e diversidade presentes nas escolas do campo.
Tendo em vista estas questões, elaborou-se um cronograma de aulas consti-
tuído por sete etapas para a disponibilização, via Plataforma moodle, dos conteúdos
teóricos, das atividades de interatividade e de aprofundamento dos temas estudados,
tais como, sugestão de filmes, documentários, leituras de textos e exercícios de aná-
lise de situações que envolvem a realidade do campo voltadas para a Soberania e
segurança alimentar. Assim, a cada etapa foram liberados conteúdos e atividades a
serem realizadas pelos educandos, seguindo o ementário da disciplina.

100
Para a operacionalização das aulas, além de um docente para a mediação do
conhecimento, a disciplina contou com o apoio de um tutor pedagógico do Curso, o
qual tinha a responsabilidade de estar fomentando e acompanhando os educandos
durante o desenvolvimento das atividades previstas no cronograma.
Neste sentido, o presente capítulo tem a finalidade de apresentar a experiência
de estruturação de um cronograma de aulas da disciplina de Soberania e segurança
alimentar, na perspectiva de socializar essa forma de organização didático-pedagó-
gica adotada na modalidade de ensino à distância. Cabe salientar que as temáticas
da Soberania e da segurança alimentar surgem de maneira inter-relacionadas na
realidade, porém por uma questão didático-pedagógica desenvolveu-se uma divisão
em unidades de aprendizagem para facilitar o aprofundamento de cada um dos sub-
temas que envolvem o conjunto de conteúdos da disciplina.

DESENVOLVIMENTO

É padrão iniciarmos a disciplina na Plataforma moodle com uma apresentação


inicial, indicando os objetivos, metodologia e disponibilizando o plano de ensino para
acesso e acompanhamento dos educandos, conforme ilustração abaixo.

Figura 1 – Registro da apresentação da disciplina

Fonte: Plataforma moodle, 2021.

101
A primeira etapa do cronograma de aula ocorreu no período de 24/08/2020 a
06/09/2020, e teve a intenção de desencadear o processo educativo-reflexivo sobre
o tema da Soberania e segurança alimentar trazendo à tona a realidade da produção
dos alimentos que consumimos no país. Para isso, disponibilizou-se dois filmes/ do-
cumentários para os educandos, sendo o primeiro chamado “O Veneno está na mesa
I - 2011” e o segundo denominado “O Veneno está na mesa II - 2014”, ambos com
direção de Silvio Tendler.
Para apoiar a apreensão dos conteúdos propiciados pelos filmes/documentá-
rios, também se disponibilizou um estudo dirigido contendo questões relacionadas
aos pontos essenciais em que os educandos deveriam se ater em cada um dos
filmes/documentários, que após preenchidos deveriam ser postados na Plataforma
moodle.
Neste sentido, no estudo dirigido foram realizados os seguintes questionamen-
tos aos educandos: De onde vêm os alimentos que consumimos diariamente? Como
os alimentos eram produzidos no Brasil até a década de 1940? Quais as técnicas
agrícolas utilizadas para a produção desses alimentos? Em que quantidade esses
alimentos eram produzidos? Quais mudanças ocorreram na produção de alimentos
em nosso país a partir da segunda metade do século XX? Quais as técnicas agríco-
las passaram a ser utilizadas para a produção desses alimentos? Em que quantidade
esses alimentos são produzidos na atualidade? Essa nova forma de produzir a partir
da segunda metade do século XX trouxe sérias repercussões para a vida humana
e para a natureza. De acordo com os filmes/documentários quais seriam as possi-
bilidades de mudanças frente a essa nova forma de produzir alimentos? Explique, a
partir dos estudos que vocês têm desenvolvido no Curso e dos filmes/documentários,
qual o seu pensamento sobre essas mudanças ocorridas na produção de alimentos
no país?
Abaixo segue registro ilustrativo da Plataforma moodle, de como estes mate-
riais pedagógicos foram postados e disponibilizados para os educandos.

102
Figura 2 – Registro da primeira etapa do cronograma da disciplina

Fonte: Plataforma moodle, 2021.

Ao final desta primeira etapa da disciplina, dos 99 educandos matriculados, 79


fizeram a entrega dessa primeira atividade. Importante destacar que este primeiro
exercício teve a intenção de aproximar e contextualizar a temática que seria apro-
fundada no decorrer do semestre, sendo as questões respondidas pelos educandos
de maneira coerente com o que estava sendo proposto. Alguns educandos enviaram
mensagens a fim de destacar a relevância desse momento inicial, no qual os vídeos
permitiram um “choque de realidade” sobre a temática a ser estudada. Ao mesmo
tempo lançando o desafio a eles de como agregar esse assunto em suas futuras prá-
ticas como educadores do campo.
Após esse primeiro momento de contextualização geral, passamos para a se-
gunda etapa, desenvolvida no período de 07/09/2020 a 20/09/2020, na qual abordou-
-se os conteúdos referentes a Unidade 1 – Soberania alimentar, especificamente o
item 1.1 Conceito e princípios de soberania alimentar. Neste sentido, os autores Oli-
veira e Castro (2013) referem que o termo soberania alimentar e nutricional emerge
dos intensos debates internacionais, a partir da década de 1990, sendo seu conceito
desenvolvido a partir daí. No Brasil, o Artigo 5º, da Lei 11.346/2006, que dispõe sobre

103
a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) estabeleceu o conceito
de soberania alimentar vigente no país. Sendo assim estabelecido:

A consecução do direito humano à alimentação adequada e da segurança


alimentar e nutricional requer o respeito à soberania, que confere aos países
a primazia de suas decisões sobre a produção e consumo de alimentos (BRA-
SIL, 2006).

Partindo desse entendimento, foram disponibilizados três artigos científicos que


apresentavam conteúdos relacionadas aos desafios alimentares frente ao contexto
de combate à fome e o surgimento das estratégias de ação vinculadas a soberania
alimentar no mundo, na América Latina e no Brasil. E de maneira complementar, e
para auxiliar na realização do estudo dirigido, disponibilizou-se o link de dois filmes/
documentários, o primeiro chamado “Josué de Castro - Cidadão do Mundo”, de 1994
e direção de Silvio Tendler, que retrata a vida e a obra do médico, filósofo, sociólogo
e geógrafo pernambucano que dedicou sua vida aos estudos sobre a fome
E o segundo chamado “Agricultura Tamanho Família”, de 2014 e direção de
Silvio Tendler, demonstra que o agronegócio não é a única modalidade de produção
existente no campo, e que também não é o mais importante para o abastecimento
interno e a garantia da soberania e segurança alimentar da população do país. Aliado
aos filmes/documentários “O Veneno está na Mesa I e II”, esse filme/documentário
forma uma trilogia chamada “Trilogia da Terra”, cujos conteúdos promovem a sociali-
zação de conhecimento que visam sustentar a realização de um projeto de desenvol-
vimento rural sustentável e solidário, pautado no fortalecimento da agricultura familiar
e na democratização do acesso à terra.
Abaixo segue o registro ilustrativo da disposição desses conteúdos na Platafor-
ma moodle.

104
Figura 3 – Registro da segunda etapa do cronograma da disciplina

Fonte: Plataforma moodle, 2021.

Para que houvesse a fixação desse conteúdo, os educandos contaram com


o apoio novamente de um estudo dirigido relacionado aos artigos e também sobre
os filmes/documentários, contendo as seguintes questões: Contextualize historica-
mente e a partir da sua interpretação (com as suas palavras) a situação da fome no
mundo, na América Latina e no Brasil, especificando/argumentando neste contexto
qual foi a contribuição do autor Josué de Castro para o debate do combate à fome.
Elabore uma linha do tempo contendo os principais marcos históricos em que foram
abordados a temática da soberania alimentar e quais as principais mudanças identi-
ficadas em relação a soberania alimentar em cada um desses marcos.
Nesta etapa da disciplina, dos 99 educandos matriculados, 66 fizeram a en-
trega da atividade. Ao analisar os materiais que foram recebidos identifica-se o uso
da criatividade e de outras fontes de pesquisa para a elaboração das respostas ao
estudo dirigido, demonstrando o interesse e a dedicação dos educandos na realiza-
ção desta atividade de síntese de conteúdo. Um destaque especial a composição da
linha de tempo que foram expressas de diferentes formas, tais como: tabelas, linhas

105
temporais, diagramas, entre outras. As dúvidas presentes nesta etapa de construção
do conhecimento dos educandos foram resolvidas mediante mensagens enviadas
via Plataforma moodle para a tutoria e para a docente.
A terceira etapa, realizada no período de 21/09/2020 a 04/10/2020, tratou-se-
dos conteúdos relacionados ao item 1.2 Soberania alimentar e movimentos sociais,
o qual ocorreu por meio da disponibilização de dois artigos científicos e um estudo
dirigido. Assim, a partir da leitura dos artigos científicos, bem como apoiado nos de-
mais conteúdos estudados, os educandos foram estimulados a pesquisar em seus
municípios ou na região que residem, um exemplo de atividade que envolvesse os
movimentos sociais e a prática da promoção da soberania alimentar, apresentado na
forma de um resumo expandido com até 1.000 palavras, e contendo: título, introdu-
ção, desenvolvimento e conclusão.
Nesta atividade foram citados os mais diversos exemplos de experiências com
vistas a promoção da soberania e segurança alimentar tanto nos municípios, como
na região onde os polos educacionais se encontram fixados. Dos 99 educandos, 59
fizeram a entrega do estudo dirigido. Porém, alguns mencionaram no decorrer desta
etapa que estavam encontrando dificuldades em visualizar experiências dessa na-
tureza nos seus municípios, bem como na região, sendo orientado para que então
fossem apresentadas outras experiências, de cunho institucionais, como de prefeitu-
ras, escolas, etc e que pudessem traduzir, de certo modo, a realidade daquele deter-
minado local.
No período de 05/10/2020 a 18/10/2020, ocorreu a quarta etapa das aulas, na
qual abordou-se o item 1.3 Direito à Soberania Alimentar. Para esse período, dispo-
nibilizou-se um artigo científico intitulado Direito humano à alimentação adequada e
responsabilidade, de autoria de Juliane Caravieri Martins Gamba e Zélia Maria Car-
doso Montal, publicado na Revista Semina: Ciências Sociais e Humanas em 2009,
no qual as autoras evidenciam a importância do direito humano à alimentação ade-
quada e destacam a responsabilidade internacional na implementação de políticas
públicas para a geração de alimentos saudáveis.

106
Aos educandos coube a tarefa de desenvolver uma leitura investigativa desse
material, elencando os pontos que mais lhes chamaram a atenção. Sendo que as
dúvidas a respeito desse conteúdo foram resolvidas por mensagens via Plataforma
moodle. E como se tratava de um texto de síntese, foram poucos os questionamen-
tos acerca dessa etapa da disciplina.
Na sequência dos conteúdos, realizou-se a quinta etapa, no período de
19/10/2020 a 01/11/2020, na qual iniciou-se a UNIDADE 2 - SEGURANÇA ALIMEN-
TAR, mais especificamente o item 2.1 Conceito e princípios da Segurança Alimentar.
Assim, como material pedagógico desse período, disponibilizou-se dois artigos cien-
tíficos que apresentavam os conteúdos relacionados a conceituação e princípios que
regem a Segurança Alimentar. E na perspectiva de orientar a apreensão dos con-
teúdos, disponibilizou-se um estudo dirigido, contendo duas questões norteadoras a
serem respondidas e postadas na Plataforma moodle.
Na primeira questão os educandos tinham que apresentar e argumentar de
maneira sintética a evolução conceitual da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN,
considerando que esta ocorre em nível internacional e nacional e caracteriza-se como
um processo contínuo que acompanha as diferentes necessidades de cada povo e
de cada época. A forma de apresentação ficou a critério de cada educando, podendo
ser na forma textual ou em esquemas, diagramas, linhas de tempo, entre outras.
E na segunda questão, eles tinham que apresentar a relação desta temática da
evolução conceitual da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN com a sua futura
prática como educadores do campo. A intenção era que os educandos pudessem
interligar com a realidade da docência os conhecimentos apreendidos até esse mo-
mento. Podendo para isso se apoiar em autores para subsidiar essa resposta.
Dos 99 educandos, 64 postaram as suas atividades. E ao realizar a leitura
e análise das produções dos educandos, evidenciou-se uma certa fragilidade em
relação a segunda questão, principalmente em relação a inserção desse tema no
cotidiano do fazer docente. Além disso, a maioria não se apoiou em autores para
subsidiar seus argumentos. Essa fragilidade encontrada foi apontada aos educandos
via mensagem na Plataforma moodle.

107
A sexta etapa ocorreu de 02/11/2020 a 15/11/2020, na qual desenvolveu-se
o item 2.2 Segurança alimentar como tentativa de erradicação da fome. Para isso,
disponibilizou-se outro documentário, intitulado “Por Uma Vida Melhor”, de Thereza
Jessouroun, cujo registro fotográfico segue abaixo, e que retrata a realidade da se-
gurança alimentar e nutricional no Brasil.

Figura 4 – Registro da sexta etapa do cronograma da disciplina

Fonte: Plataforma moodle, 2021.

Neste documentário destaca-se que todo homem tem direito ao acesso perma-
nente à água e à alimentação adequadas, em quantidade e qualidade suficientes,
que lhe permitam uma vida saudável. Apesar disso, o Brasil ainda luta para superar
deficiências graves nesta área, em especial no que se refere ao histórico problema
da fome.
E para refletir sobre o que foi apresentado, os educandos foram estimulados,
por meio de um estudo dirigido, a elaborar uma síntese deste documentário, res-
saltando os aspectos que mais lhes chamaram a atenção, e relacionando estes as-
pectos com os conteúdos que já foram abordados na disciplina. Sendo esta sínte-
se estruturada contendo uma introdução, desenvolvimento, conclusão e referências
(opcional), e apresentado no máximo em duas laudas.

108
Essa atividade foi postada na Plataforma moodle pelos educandos, sendo que
dos 99 matriculados, 61 fizeram a entrega. Ao analisar as atividades foi possível
identificar que eles conseguiram captar a essência do conteúdo que estava sendo
posto no documentário, porém alguns educandos apresentaram certas fragilidades
no modo de estruturação da apresentação escrita, mas que acabou não comprome-
tendo significativamente a leitura da síntese como um todo.
E por fim, a sétima etapa, desenvolvida no período de 16/11/2020 a 29/11/2020,
onde tratou-se do item 2.3 As leis de Segurança Alimentar. Para isso, disponibilizou-
-se dois materiais pedagógicos para o desenvolvimento de uma leitura investigativa,
reforçando que a legislação tem uma característica de ir sendo modificada ao longo
das diferentes gestões governamentais. No primeiro documento apresenta-se a le-
gislação básica que compõe o marco legal do Sistema Nacional de Segurança Ali-
mentar e Nutricional (Sisan) e regulamenta o funcionamento do Consea, sendo este
publicado em 2017. A intenção desta publicação naquele período era de servir como
manual de consulta rápida as conselheiras, conselheiros, agentes públicos e obser-
vadores, contribuindo para uma participação ativa e informada no Conselho.
O segundo documento trata do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nu-
tricional, vigência 2016-2019. O Plano é o principal instrumento da Política Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional ‐ PNSAN, instituída pelo Decreto nº 7.272/2010
e nele estão previstas as diferentes ações do governo federal que se propõem a res-
peitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada para
todas as pessoas que estão no Brasil.
E assim, encerramos a disponibilização gradativa do conjunto de conteúdos
aos educandos, ressaltando que a avaliação do processo de ensino- aprendizagem,
neste caso, se deu por meio da análise dos estudos dirigidos apresentados de ma-
neira individual pelos educandos, e que tinham uma pontuação valorativa e um pra-
zo para serem postados na Plataforma moodle. Os três primeiros estudos dirigidos
valiam um ponto cada um; o quarto estudo dirigido valia quatro pontos e por fim, o
quinto estudo valia três pontos, totalizando dez pontos.
Considerando o quantitativo de postagens e os contatos realizados no decorrer
da disciplina, identificamos uma adesão significativa dos educandos as atividades
propostas, sendo que na maioria os prazos e combinações de postagens foram cum-

109
pridos. Ao final, disponibilizou-se ainda mais duas datas para que os educandos que
tivessem estudos dirigidos em atraso pudessem fazer a devida entrega.
Nesse período de desenvolvimento das etapas de organização da disciplina,
destaca-se também como ponto positivo a interação dos educandos com o tutor e
com o docente, via mensagens da Plataforma moodle, para a retirada de dúvidas e
também para que demais comunicações pudessem ser feitas sempre que necessá-
rio, permitindo que o fluxo de informações pudesse circular de maneira clara entre
todos os participantes da disciplina, tendo em vista que se trata de uma disciplina que
ocorre na modalidade a distância, e a fluidez da comunicação se torna essencial.

CONCLUSÃO

Ao final , percebe-se que o uso de diferentes recursos didáticos-pedagógicos


tais como os filmes/documentários, leitura e síntese de artigos científicos, entre ou-
tros, serviram para estimular e despertar nos educandos a curiosidade e o interesse
pelo conteúdo, facilitando assim o aprendizado, vindo ao encontro do que Freire
(2000) reforça em suas obras, de que o processo de mudança de percepção se
dá por meio da análise da realidade, de questionar o que se apresenta, levando as
pessoas a adotarem, posições indagadoras, inquietas e criadoras, uma postura de
criticidade sobre a realidade.
Desta maneira, entende-se que o processo educativo-reflexivo desenvolvido
na disciplina de Soberania e segurança alimentar foi gradativo, intenso e profundo,
servindo para que pudéssemos nos aproximar e refletir junto aos educandos sobre
as profundas transformações que ocorrem no cenário da produção de alimentos no
país e que tem relação direta com os debates e discussões sobre a soberania e se-
gurança alimentar, contribuindo assim para que que os educandos pudessem reunir
subsídios para sustentar a sua futura prática profissional, como educadores do cam-
po.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.346 de 15 set. 2006. Lei Orgânica de Segurança Alimentar e


Nutricional. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e

110
dá outras providências. Diário Oficial da União. 18 set 2006. [internet]. [acesso
em 27 de jan 2021]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm

FREIRE, Paulo. Política e educação. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.


OLIVEIRA, Luiz Felipe Candido de; CASTRO, Sérgio Duarte de. Soberania Alimen-
tar. Revista de Ciências Ambientais e Saúde, v. 40, n. 3, p. 311-320, 2013.

PPC - Projeto Pedagógico de Curso. Curso de Educação do Campo – Licenciatura (a


Distância). Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, 2017.

111
10.48209/978-65-CAMPO6-7-9

EDUCAÇÃO DO CAMPO E OS
DESMONTES NO PRESENTE
GOVERNO BOLSONARO
Sávio Da Silva Aureliano20
Janicleide Vieira Da Silva21
Amanda Gomes Dos Santos22

20 Graduado pelo curso de Geografia da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, savio.


[email protected].
21 Graduanda pelo curso de Geografia da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Janiclei-
[email protected]
22 Graduanda pelo curso de Geografia da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, aman-
[email protected].
INTRODUÇÃO

Atualmente, observa-se no cenário brasileiro e no atual governo um desmonte


da Educação do Campo, o qual afeta a milhares de camponeses(as), proferindo ain-
da mais as desigualdades sociais existentes, e compromentendo os avanços sociais
presentes no campo através da educação. Deste modo, o governo vigente e seu
atencessor, como foi o caso do governo de Michel Temer, buscaram atingir os princi-
pais programas, projetos, e ações educacionais do campo, para estagnar e desesta-
bilizar os avanços e conquistas obtidas.
O governo Temer tinha como condutas de interesses, alterar o ensino médio e
diminuir os recursos destinandos à educação em suas diferentes esferas, visto que
seu projeto de governo era voltado para ações liberais. Uma das várias propostas
do governo Michel Temer, segundo a reportagem da REL UITA (2018), era que, por
meio de resolução que atualiza as Diretrizes Curriculares, liberar até 40% da carga
horária total do Ensino Médio para que esta pudesse ser realizada à distância, e que
a Educação de Jovens e Adultos pudesse ser feita 100% à distância.
Sendo assim, temos com as questões observadas a desestruturação da edu-
cação, no qual interliga ao problema gerador e com as questões do campo. Em re-
tratação do trabalho a ser abordado, pondera-se que, o desmonte da Educação do
Campo vem ocorrendo em meio as ações dos governantes. Como o foco deste tra-
balho é o atual governo Bolsonaro, as colocações estão sendo pautadas no presente
momento de sua gonvernância, mas fazendo menções aos outros governantes que
também contribuiram negativamente ou positivamente para a Educação do Campo.
Portanto, para elucidar todo um questionamento vigente, é necessário traçar
objetivos quem venham a corresponder com a inquietação do problema, sendo as-
sim, logo foram elaborados nesta perspectiva. Sendo eles, analisar os desmontes
realizados pelo governo Bolsonaro na Educação do Campo através do Pronera23,
identificar as ações de fechamento das escolas do campo, e Compreender como os
desmontes na educação do campo afeta negativamente sua atuação.

23 Programa Nacional De Educação Na Reforma Agrária

113
Deste modo, com as informações adquiridas e estudadas, o desenvolvimen-
to do trabalho será alçado, com reflexões acerca da temática proposta. O primeiro
subtópico trata a respeito do desmonte do Pronera, programa este, essencial para o
fortalecimento da Educação do Campo, no qual ela está indo por ruínas. o segundo
subtópico vem mostrando a ações de fechamento das escolas do campo, tal fato traz
inúmeras consequências negativas para os camponeses, e esse fechamento vem se
acirrando ainda mais. O terceiro subtópico, traz uma reflexão na preponderância de
como o desmonte na Educação do Campo afeta a sua atuação, diante os campone-
ses e o campo brasileiro, por meio de medidas do atual governo.
O presente trabalho traz como metodologia a pesquisa bibliográfica, sendo ela
realizada através de livros, artigos, noticias, sites, entre outros meios, ela contribuiu
para um leque de informações e conhecimentos valiosos para a pesquisa, leitores e
pesquisadores.
Portanto, os descasos vêm aumentando gradativamente, e ao chegar no go-
verno Bolsonaro existem medidas ainda mais perversas, pois os movimentos sociais
do campo são atacados, bem como o ensino, os investimentos destinados à Edu-
cação do Campo, e as estruturas educacionais. Os resultados vão confirmar essas
condutas destruídora da Educação do Campo, contra os camponeses, com os dados
levantados e por meio da bibliografia, este conjunto de informações dão uma respos-
ta plausível para responder as inquietações.

DESENVOLVIMENTO

Desmonte na Educação do Campo pelo governo Bolsonaro através do Pronera

As medidas tomadas pelo atual governo vem ratificar o arruinamento do Pro-

nera, e como cabe salientar, o presente governo busca atingir a todos que estão
presentes no campo. Portanto, os regressos realizados atribuim-se, principalmente,
dentro da educação no que tange ao Pronera, desta forma, se abre em uma cadeia
de desfechos negativos.
Quando os recursos são reduzidos, afetam desde os professores até os cam-
poneses, universidades e etc.., pois há uma interligação entre estes setores, visto

114
que foi conseguida uma ligação entre eles ao longo do fortalecimento do programa.
Podemos observar como esses sujeitos estão interligados de acordo com os projetos
educacionais, no qual Santos (2012) afirma que:

Os projetos educacionais do Pronera envolvem alfabetização, anos iniciais


e finais do ensino fundamental e ensino médio na modalidade de educação
de jovens e adultos (EJA), ensino médio profissional, ensino superior e pós-
-graduação, incluindo neste nível uma ação denominada Residência Agrária
(SANTOS, 2012, p. 631).

De acordo com essa afirmação de Santos (2012), se tem o envolvimento de

todos que se fazem presentes na Educação do Campo através do Pronera, os cam-


poneses, professores da rede básica e do ensino superior e universidades. No entan-
to, é sabido que o governo atual se articula demonstrando objetivar o regresso das
universidades, da educação, dos movimentos sociais e dos camponeses, atentando
de forma pertinente suas principais estruturas.
Consequentemente, a paralização deste programa, efetivada pelo governo Bol-
sonaro, se choca com essa realidade dos camponeses, professores e universidades,
paralisando o ensino para milhares de jovens e adultos. Segundo Stédile (2019):

aralisação do PRONERA. O programa estimulava às universidades públicas


P
construírem cursos especiais, na forma de alternância, realizando vestibular
específico para filhos de camponeses. Isso permitia que eles ficassem dois
meses em aulas e dois meses de volta às suas comunidades. Milhares de
jovens do interior tiveram a acesso à universidade, se formaram e permane-
ceram no campo, graças a esse programa (Stédile, 2019).

Seguindo essa afirmação de Stédile, conota-se o quanto será afetado todos


esses que fazem parte do processo educacional do campo, além de outras ações
efetivadas pelo atual governo contra aqueles que se encontram no campo, vivem,
moram e dependem dele. Contudo, estas ações não afetarão os grandes latifundiá-
rios, o agronegócio, e os ruralistas, estes últimos formam a bancada rural no con-
gresso brasileiro, que é defendida pelas próprias ações contra os povos do campo,
vindo dos governantes.

115
Ações de fechamento das escolas do campo

O fechamento das escolas do campo vem se alogando em meio aos governos
petistas, após o golpe com Temer, e atualmente no governo Bolsonaro. Entretanto,
as ameaças de fechamentos das escolas se acentuam e se agravam durante o atual
governo, pois a sua proposta radical de fechamento dessas escolas acarretará na
saída de milhares de camponeses do seu território para as escolas urbanas, e esco-
las nucleadas.
Os ataques do governo Bolsonaro às escolas do campo se concernem a ações
como a redução dos recursos financeiros destinados ao Pronera, a imposição na sua
campanha eleitoral para o fechamento de escolas, além da criminalização do MST24,
como bem afirma a Brasil de fato (2019) em sua publicação:

Desde a campanha eleitoral o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já atacava as


escolas do campo afirmando que iria fechá-las. Em entrevista à revista Veja o
secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, afir-
mou que pretende fechar as escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), e chamou as escolas públicas do campo de “fabriquinhas
de ditadores” (BRASIL DE FATO, 2019).

Perante a exposicação destes fatos relatados pela Brasil de Fato (2019), mos-
tra-se um governo despreocupado em relação ao campo, camponeses, e à Educa-
ção do/no Campo. Vislumbra-se uma imagem nefasta de um governante que ignora
e menospreza o quão importante é uma escola no campo, e o quão transformadora
é a educação perante os povos do campo.
Todo esse conjunto de ações e pensamentos do governo Bolsonaro se alinha
quando se levantam dados para proceder como é colocada a questão das matrículas
nas escolas do campo, e compreende-se essa relação quando o Censo Escolar de
2019 foi divulgado. De acordo com a reportagem da Brasil de Fato (2020):

As escolas rurais brasileiras estão menos frequentadas, com ensino inte-


gral enfraquecido e majoritariamente sob o poder dos municípios, conforme
aponta o Censo Escolar 2019, divulgado pelo Ministério da Educação, em 30
de dezembro. No último ano, de acordo com o levantamento, o campo teve
queda de 145.233 matrículas na soma de todas as modalidades de ensino –
foram 5.195.387 registros em 2018, contra 5.050.154 em 2019 (BRASIL DE
FATO, 2020).

24 Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

116
Assim, observa-se nessa relação que as matrículas nas escolas rurais diminuí-
ram no ano de 2019. Ou seja, as implementações do atual governo surtiram efeitos
negativos no campo, deixado a margem milhares de crianças, jovens e adultos com
uma educação sucateada e regredindo por medidas de um desgoverno. No entanto,
as escolas, a educação e os camponeses resistem contra todas essas retaliações.

Como os desmontes na Educação do Campo no governo Bolsonaro afeta
negativamente a sua atuação

Para que a Educação do Campo seja efetivada de forma ativa, coerente, posi-
tiva, crítica e abragente, se faz necessário uma série de ações que vislumbre positi-
vamente em suas condutas. O fortalecimento desta, irá se refletir perante os campo-
neses, milhares de jovens, crianças e adultos por todo o Brasil, com uma educação
voltada ao interesse camponês, disvinculado de um mercado avassalador tanto edu-
cacional quanto econômico.
Como perspectiva de alcance aos objetivos da Educação do Campo, busca-se
uma transformação social dos presentes camponeses, a educação como promoto-
ra da ruptura de uma desigualdade social no Brasil. Como no campo brasileiro se
encontram índices elevados do contraste desigual, os camponeses e universidades
federais e estaduais do Brasil se vinculam por um educação promotora de rupturas.
Porém, em contra-mão, vem o governo federal atual com suas ações negligenciado-
ras, como no caso do decreto 10.252/2020.
Segundo o FONEC25 (2020), o governo Bolsonaro publicou, no dia 21 de feve-
reiro de 2020, o Decreto 10.252/2020 que altera a estrutura regimental do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. O governo alterou a estrutura
regimental e de cargos, o Decreto muda profundamente as competências do órgão,
desta forma serão exercidas as competências do INCRA com outro viés, ao qual se
adeque as ações do governo, neste contexto o INCRA passou por profundas mudan-
ças e banalizações.
No que tange a afetação na Educação do Campo, podemos citar o referido
caso da extinção da Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, esta

25 Fórum Nacional de Educação do Campo

117
responsável pelo Pronera. Portanto, se vê em total desestruturação. Como bem afir-
ma o FONEC (2020):

Entre tantas extinções de políticas então coordenadas pelo Incra, o referido


Decreto extingue a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidada-
nia, responsável pela gestão do programa Nacional de Educação na reforma
Agrária-PRONERA. Depois de 20 anos, extingue o lugar político da elabora-
ção e gestão de uma das maiores políticas públicas de educação, no Brasil
(FONEC, 2020).

Diante desta afirmação, pontua-se que tal extinção se coloca em desavença


com a sociedade brasileira, em especial do campo, pois está assegurada na cons-
tituição braseileira de 1988 que a educação é direito de todos e, é dever do Estado
manter e assegura-la para todos, porém no atual governo se observa que este direito
não é cumprido, já que a Educação do Campo é afetada diretamente pelas atuais
atitudes do governo federal.
Perante as ações refletidas no Pronera, reitera-se os descasos com as escolas
do campo por todo o Brasil, e a conjuntura social política vivenciada mostra um mo-
mento de regressão na educação, pois suas conquistas foram banalizadas e estão
sendo atacadas por um governo que se coloca contra os avanços educacionais.
Deste modo, as escolas do campo são alvos do processo de nucleação e da
municipalização, segundo Pavani, Andreis (2017), o processo chamado de “nuclea-
ção escolar” consiste em reunir os alunos das escolas desativadas, fechadas, geral-
mente em áreas rurais, deslocando-os para centros maiores. Concentra-se o maior
número de alunos em uma única escola, seja ela da cidade ou do campo. Com a mu-
nicipalização o poder das escolas públicas do ensino fundamental fica nas mãos dos
municípios brasileiros, essa prática utilizada do fechamento das escolas do campo se
deve a questões como falta de políticas públicas implementadas.
Entretanto, os movimentos sociais do campo vão em contrapartida pois, como
defensores da Educação do Campo, não comungam de tal relação dos governantes
para com as escolas do campo. Com a nucleação das escolas e, transferindo os
alunos do campo para o urbano, o modo de tratar, viver e observar as escolas no
território camponês são diferentes daqueles que fazem parte do urbano. Nota-se que
os politícos fazem projetos pensando no econômico, na redução de escolas, cortes
de gastos, entre outros pontos, e deixam de lado as escolas rurais e a educação dos

118
camponeses. Portanto, o MST (2005) ratifica:

A escola é um lugar de estudo, trabalho e organização. É também um lugar


para aprender a DEMOCRACIA. Este aprendizado não se faz estudando so-
bre o que é democracia. A democracia se aprende através do relacionamento
diário dos alunos com os alunos, dos alunos com os professores, dos profes-
sores com os professores, da Escola com o assentamento. (MST, 2005, p.
35).

Sendo assim, essa afirmação do MST pondera a relação da escola com os


alunos e o assentamento, este tríplice conjunto interligado, desta forma, a escola
deve estar dentro do assentamento e não fora dele. O que o processo de nucleação
faz é retirar as escolas e alunos de dentro do seu território, compreendendo-se que
não há um estado vigente democrático, há uma quebra na relação entre escola,
alunos e assentamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Verifica-se ao longo da atuação da Educação do Campo no território brasileiro


uma série de lutas dos camponeses, e dos movimentos socias do campo para al-
cançarem as conquistas. Todos eles batalharam para que se estabelecesse, de fato,
uma educação que seja voltada para o campo no Brasil, pois a luta nunca parou, bus-
ca-se sempre melhorias para a educação, principalmente tratando-se de educação
no Brasil, onde a disparidade educacional é gritante.
Desta maneira a educação também é sujeita à desigualdade, e o campo brasi-
leiro está diretamente interligado nesta questão, nele se encontram níveis de escola-
ridade muito baixos em relação ao urbano, como infraestrutura, transporte, desloca-
mento, dentre outras questões que são bem mais amplas no campo. Esses fatores
fazem com que uma educação do e no campo seja essencial e obtenha avanços.
A desigualdade educacional entre o campo e o meio urbano é claramente ob-
servada com a retratação dos dados correlatados no mapa 1 em 2010. Identifica-se
que as regiões Norte e Nordeste do país possuem os menores índices de IDHM 26da

26 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal foi desenvolvido por meio de parceria entre
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil, a Fundação João Pinhei-
ro (FJP) e o Ipea, a partir de metodologia adaptada do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Global.

119
educação no meio rural, entretanto, o IDHM do meio urbano supera o rural em todos
os estados brasileiros, mas não chega a ser o ideal para um nível educacional de
ótima qualidade.

Figura 1 – Mapa do IDHM Educação: rural e urbano (2010)

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013. Elaboração dos autores.

De acordo com Pereira, Castro (2019).

O IDHM Educação possui valores considerados muito baixos na área rural da


maioria dos estados brasileiros, com exceção de Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, que apresentaram IDHM Edu-
cação baixo nessa área. Os dados para o meio urbano são visivelmente me-
lhores (mapa 1B). A maioria dos estados apresentou IDHM Educação médio
no urbano, com exceção de Alagoas, que apresentou valor baixo. Os únicos
estados que apresentaram valor alto nesse índice para o meio urbano foram
São Paulo, Santa Catarina e Roraima (PEREIRA; CASTRO, 2019, p. 65).

Diante do que foi exposto no mapa do IDHM de 2010 e na retratação de Pereira


e Castro, já se observa que há uma necessidade de investimentos na Educação do
Campo, investimentos esses ao qual perpassam por uma série de ações dos gover-
nantes na melhoria da infraestrutura de escolas, transporte, alimentação, nos salá-
rios dos professores, e políticas públicas em todos os campos ao qual a educação

120
necessite.
Porém, durante os anos de governo do PT27, a Educação do Campo conseguiu
conquistas e avanços no meio educacional camponês, fruto de lutas dos movimentos
sociais do campo e dos camponeses, reivindicando políticas públicas as quais be-
neficiassem a educação nesta área. De fato, pode-se dizer que houve evolução no
presente meio em que os governos petistas estavam presentes, ações em prol dos
camponeses e da educação foram colocadas em prática. Como bem afirma Souza
(2013):

A caminhada por uma Política Pública de Educação do Campo completa 16


anos. Dessa luta algumas conquistas podem ser contabilizadas, embora elas
tenham ficado bem aquém do que se reivindica. Pode-se relacionar a cria-
ção do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA;
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Cam-
po Resolução CNE/CEB N° 1/2002; A Licenciatura em Educação do Campo
(PROCAMPO); o Saberes da Terra; as Diretrizes Complementares Resolução
CNE/CEB N° 2/2008; a criação dos Observatórios de Educação do Campo;
e o Decreto Presidencial de Decreto n° 7.352, de 4 de novembro de 2010
(SOUZA, 2013, p. 20).

Contudo, percebe-se que ainda existem muitas lacunas para serem fechadas e
muitos desafios para serem superados. Os governos do PT, em seus anos de atua-
ção, propiciaram progressos para a Educação do Campo, embora poderiam ter reali-
zado muito mais. Todavia, ressalta-se que, após o golpe de 2016 e no atual governo
Bolsonaro, os retrocessos na Educação do Campo estão se efetivando amargamen-
te e parecem estar aumentando gradativamente.
No período de atuação do governo Temer, a Educação do Campo sofreu com
muitos retrocessos os quais impactaram diretamente em sua estrutura. Como o con-
gelamento de investimentos públicos nas áreas de saúde e educação por 20 anos,
aprovação das reformas do ensino fundamental e médio, além das questões traba-
lhistas que afetam também os trabalhadores do campo.
Ou seja, a continuidade do desmonte segue em execução perante a Educação
do Campo, como bem mostra os dados de fechamento das escolas rurais na tabela
1 entre os anos de 1997 a 2018, e o número de matrículas nestas escolas entre os

27 Partido dos Trabalhadores, o PT surgiu como agente promotor de mudanças na vida de


trabalhadores da cidade e do campo, militantes de esquerda, intelectuais e artistas.

121
anos de 2016 a 2019 na tabela 2, eles refletem o descaso perante a educação.

Tabela 1 - Número de estabelecimentos de ensino – Educação Básica

Ano Total Urbanos Rurais


1997 225.520 87.921 137.599

2018 181.939 124.330 57.609

Diferença – 43.581 + 36.409 – 79.990

Fonte: Censo Escolar – INEP.

Os dados da tabela 1 mostram a grande quatidade de escolas do campo que


foram fechadas, durante 21 anos, e mesmo diante de anos dos governos petistas no
poder, os fechamentos das escolas do campo aconteceram. Em todos esses gover-
nos, escolas foram fechadas no urbano e no campo, no entanto, foi no campo o maior
número de fechamento. Esta relação também prossegue com os números da tabela
2 sobre as matrículas nas escolas do campo entre 2016 e 2019.

Tabela 2 - PROGRAMA: 2080 - Educação de qualidade para todos

Indicadores
Valor
Valor Valor Valor
referência Apurado
Apurado 2017 Apurado 2018 Apurado 2019
2016
Variação
Indicador
% de
2019 em
Polari-
relação
Unida- Ín- dade
Da- a
de de Data Índice di- Data Índice Data Índice Data Índice
ta referên-
Medi- ce cia
Número da
de
Matrícu- Nú-
las mero
em Abso-
escolas luto
do
campo 31 31 31 31 Quanto
5.885. 5.573. 5.473. 5.328
/12 /12 /12 /12 maior -9,45
139 385 588 .818
/2015 /2017 /2018 /2019 melhor

Fonte: PLANO PLURI ANUAL 2016-2019

122
A tabela 2 mostra que, no campo, entre 2016 e 2019, o número de matrícu-

las nas escolas foi sendo gradualmente menor, chegando a um resultado negativo.
Durante este período ocorreu o golpe de 2016 e a eleição do presidente Bolsonaro.
Portanto, o fechamento das escolas do campo ganhou continuidade no governo Te-
mer e Bolsonaro, bem como os ataques bem mais acentuados contra a educação,
camponeses, e os movimentos sociais.
Mesmo diante de todos esses desmontes na Educação do Campo, sabe-se o
quão frutífera é a educação para os camponeses e os resultados positivos que ela
exerce. Desta forma, segundo o MST (2020).

são mais de 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assen-


tamentos, 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos com acesso à
educação garantida, 50 mil adultos alfabetizados, 2 mil estudantes em cur-
sos técnicos e superiores, e mais de 100 cursos de graduação em parceria
com universidades públicas por todo o país (MST, 2020).

Como tal afirma o MST em sua colocação, observa-se que muitos campone-

ses(as) foram beneficiados por ações das lutas por melhores condições educacional
no campo. Isto perpassa por construção de escolas no território camponês, acesso à
educação e alfabetização, jovens camponeses em cursos técnicos e superiores com
apoio das universidades públicas, todo esse conjunto de conquistas só é possível por
meio da união, luta, e articulação de todos que se fazem presente na busca por uma
educação melhor e de qualidade.
E não para só com essas conquistas, a Educação do Campo reflete nas pro-
duções acadêmicas feita pelos camponeses(as) nas suas pesquisas e estudos, ou
seja, além de vivenciarem uma educação voltada para eles, produzem conhecimento
sobre a situação real do campo. De acordo com Santos (2019):

Destacam-se a produção acadêmica gerada pelos próprios camponeses/


as em processos de estudos e pesquisas em nível de graduação e pós-gra-
duação ou ainda por outros pesquisadores/as. A II PNERA apontou que o
PRONERA resultou em 5.920 produções acadêmico científicas. Foram 2.747
Monografias/Trabalhos de Conclusão de Curso, 180 artigos científicos e 136
livros. O PRONERA passou a ser objeto de estudos acadêmico-científicos,
registrando a existência, por exemplo, de 260 dissertações, 63 teses, 51 livros
e 469 artigos científicos sobre o Programa.

123
A produção acadêmica a respeito do Pronera como citado acima, revela a
importância em que os camponeses tratam este programa, bem como a Educação no
Campo brasileiro. Sendo assim, colaborando para o conhecimento cientifico com uma
produção diversificada, dentre elas temos: monografias, artigos científicos e livros,
todos à disposição da sociedade brasileira para leitura e obtenção de conhecimento.

CONCLUSÃO

Em virtude dos aspectos analisados, conclui-se que, a procedência no desmon-


te da Educação do Campo no governo Bolsonaro ganha conotável atenção por meio
de suas ações retrocedoras. As conquistas obtidas pelos camponeses, e movimentos
sociais do campo ao qual conseguiram em prol da Educação do Campo, estão sendo
regredidas e atacadas com medidas e retaliações do governo, sendo elas prejudi-
ciais ao fornecimento da educação no campo brasileiro. Deste modo, a afirmação de
que a educação é direito de todos e dever do Estado fornece-lá, ela não é cumprida,
pois vislumbra-se no campo a negação do direito à educação. Logo os camponeses
necessitam da educação, porém com uma atuação deles, para eles, e vinda deles,
ou seja, estando presente neste processo, com os governantes fornecendo apoio e
subsídio para tal conduta, fato que não se observa no governo Bolsonaro.

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(RJ), ano 09, n. 2, pags.5 – 28, jul/dez. 2013.

125
10.48209/978-10-CAMPO6-7-2

EDUCAÇÃO DO CAMPO: MEMÓRIA


DAS DISPUTAS DE TERRAS EM
NOVA IGUAÇU - RJ

Clodoaldo Ferreira de Oliveira28


Alexandre Ferreira de Oliveira29
Cristiano Santos Pimentel30

28 Mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGEA/UFRRJ).


E-mail: [email protected]
29 Mestrado Profissional em Avaliação pela Fundação Cesgranrio - RJ. E-mail: alexandrehisto-
[email protected]
30 Mestrado Profissional em Avaliação pela Fundação Cesgranrio - RJ. E-mail: cecprof2018@
gmail.com
INTRODUÇÃO

“(...) aprendendo dos lutadores que vieram antes, cultivando a memória de


sua própria caminhada. A história se faz assim: projetando o futuro a partir
das lições do passado cultivadas no presente”. (Caldart, 2003, p.56).

De acordo com o argumento defendido pela autora Roseli Salete Caldart,


observa-se claramente a relação existente, por ela exposto, a respeito da importância
de buscar-se e preservar-se às memórias contidas nas demandas da historicidade
de um determinado grupo social.
Ao trazer à tona as especificidades dos cidadãos e cidadãs do campo,
inexoravelmente, torna-se necessário aprofundarmo-nos sobre a persistente e
contumaz luta destes sujeitos, através da mobilização promovida pelos movimentos
sociais do campo, os quais dentre incontáveis questões, requerem, persistentemente,
a garantia de seus direitos, respeito às peculiaridades, bem como a valorização da
identidade campesina.
Analisando este contexto de disputas, o campo personifica-se num território de
constantes enfrentamentos e repleto de profusas reflexões. Para entendê-las é de
suma importância compreender a composição de seus sujeitos, que se diferenciam, de
maneira peculiar, dos sujeitos das cidades, uma vez que é representada por diversos
agentes (agricultores, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, sem-terra, entre outros),
cada qual com suas singularidades. Nesta dinâmica, o conceito da Educação do
Campo proporciona recursos teóricos e metodológicos fundamentais que contribuem
para compreensão das demandas referentes às particularidades do campo.
Assim, o conceito de memória está a todo o momento presente nos discursos
referentes à história da luta dos sujeitos do campo, na medida em que, estes, trazendo
consigo inúmeras reminiscências que corroboram com as demandas que justificam
as suas mobilizações sociais que marcaram, não apenas a luta pela terra, bem
como a luta por uma educação voltada para os sujeitos do campo, devendo este ser
entendido para além de um mero espaço de produção agrícola e sim de produção de
vida e de novas relações, sejam elas sociais, naturais, rurais ou urbanas. (MOLINA,
2006).

127
UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LUTA CAMPESINA NO BRASIL

Inegavelmente, a colonização do Brasil, realizada pelos portugueses,


proporcionou uma série de consequências, na sua grande maioria, negativas em
diversos setores da sociedade. No que diz respeito ao trabalho e à educação,
devido à implementação do emprego da mão de obra escrava, do desenvolvimento
das grandes lavouras, da prevalência da monocultura e da ausência de acesso ao
conhecimento às camadas mais pobres da população, transformaram o campo em
um território, tradicionalmente, marcado por disputas, uma vez que o seu acesso
era, e ainda é, extremante limitado, fazendo com que os grupos mais abastados
determinassem os rumos sociais e econômicos. Este controle manteve-se durante
o período imperial e avançou no decorrer da República, pois já estava arraigado em
nossa sociedade desde o século XVI como constatou Barbosa (2011, p.7):

O engenho, na época colonial, consagrou o poder dos senhores de engenho,


assim como a fazenda de café e de gado, no Império e na República Oligár-
quica (1889-1930) o fez com os senhores do café; e os senhores do gado.
Estes senhores tiveram papel importante nas diversas formas de desenvolvi-
mento que a agricultura proporcionou ao país. Seu poder econômico e político
se constituíram em grande impedimento ao desenvolvimento autônomo das
classes de pequenos e médios produtores. Formou-se uma sociedade com
hierarquia social rígida, deixando as outras classes com poucas possibilida-
des de promoção social. Muito contribuíram o engenho e a fazenda – de café
e de gado – lócus preferencial da sociedade brasileira, funcionando como nú-
cleo que além de concentrar a produção, tornava possível executar funções
que demandavam outras atividades que configuravam a sociedade rural, visto
que através deles realizava-se, ao mesmo tempo a inclusão e a exclusão dos
indivíduos.

A estreita relação político-econômica entre os grandes produtores, bem como a


dificuldade de permanecerem fixos ao meio rural que foram impostas aos pequenos,
médios e, mais adiante, aos que não possuíam terras, ocasionou a exclusão de
milhares de homens e mulheres do campo para outras regiões do país. Este modelo de
colonização, introduzido, inicialmente, pelos portugueses e adotado, posteriormente,
pelos brasileiros, baseado na exploração impetuosa, a princípio dos escravizados, em
seguida dos trabalhadores rurais, gerou a construção de uma visão preconceituosa
em torno da população que vive e trabalha no campo, em virtude de um imaginário

128
constituído em torno de um trabalho extenuante, árduo, sofrido e mal remunerado.
Durante a primeira metade do século XX, a economia brasileira passou a
adquirir novas características pertinentes ao processo do capitalismo industrial, o
qual indicava a necessidade de uma maior especialização da classe operária. Ao
ponto em que o meio urbano crescia, paralelamente ao avanço da mecanização,
exigindo, na visão do patronato, um maior investimento nos moldes de uma educação
direcionada para o mercado de trabalho, coube, apenas, a um percentual exíguo
da população do meio rural, a oferta, de uma educação basicamente instrumental,
elementar e formadora de mão de obra. Com a priorização do urbano, o rural
permaneceu desassistido de políticas efetivas e específicas para o atendimento das
necessidades de seus sujeitos. Vale ressaltar que até a década de 1950 não havia,
por parte do Estado Brasileiro, um investimento significativo para o desenvolvimento
educacional do meio agrário o objetivo fundamental era o de formar pessoas para o
mercado de trabalho nos centros urbanos que surgiram paulatinamente ao avanço
tecnológico, fato este preponderante para a incidência do êxodo rural, marcante
na biografia da população brasileira, bem como para a desvalorização da cultura
camponesa, provavelmente, consequência do silenciamento da memória desses
agentes ao longo da nossa história. (RODRIGUES; BONFIM, 2017).
Devido ao vertiginoso crescimento populacional, houve um inchaço dos grandes
centros urbanos despertando as atenções governamentais para o desenvolvimento
de políticas públicas voltadas para as populações periféricas das grandes cidades e
das zonas rurais. A década e 1960 foi marcada pelo desenvolvimentismo industrial,
mais acentuado e acelerado do que as décadas anteriores, o que intensificou o
fluxo migratório Campo/Cidade exigindo do Estado a elaboração de medidas que
contivessem esse deslocamento visto com preocupação pelas elites brasileiras como
afirma (RICARDO et al, 2007, p.11):

Na década de 60, a fim de atender aos interesses da elite brasileira, então


preocupada com o crescimento do número de favelados nas periferias dos
grandes centros urbanos, a educação rural foi adotada pelo Estado como
estratégia de contenção do fluxo migratório do campo para a cidade. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, em seu art. 105, estabe-
leceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades
que mantenham, na zona rural, escolas capazes de favorecer a adaptação do

129
homem ao meio e o estímulo de vocações profissionais”.

Além de converter-se numa tentativa governamental de manter a população


campesina atrelada à vida rural, a medida também alinhavava-se aos interesses das
demandas industriais como a mecanização do campo, a introdução de novos insumos
e o uso de agrotóxicos provenientes da denominada Revolução Verde31. Este modelo
iniciou-se, de maneira embrionária, no Brasil, a partir da segunda metade da década
de 1940, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), durante os anos 50
adquiriu a força e o status de “revolução”, pois foi com o desenvolvimento da indústria
química, bem como a ampla valorização das ciências, associada à mecanização do
campo, que o movimento, dito “revolucionário”, que convergia aos interesses das
elites rurais e urbanas, adquiriu forças, encontrando assim, alguns anos à frente,
durante o regime de Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985), o cenário propício à sua
consolidação. (LAZZARI; SOUZA, 2017). O falacioso discurso de desenvolvimento e
empregabilidade do/no meio rural, adjunto ao regime ditatorial, dentro de uma política
industrial, marcante nos países, considerados, subdesenvolvidos encontrou um
cenário favorável, em razão de atender à ambição do poder hegemônico brasileiro.
Sobre este fato os autores afirmam ainda que:

A Revolução Verde irrompe no Brasil com a promessa de modernização do


campo, de erradicação da fome, de aumento da produção, e, sobretudo como
a nova era da agricultura e a busca de desenvolvimento aos países subde-
senvolvidos. É aqui que começam a ser delineados os bem pensados traços
do agronegócio com a difusão de tecnologias agrícolas que, (...), procuravam
espaço no mercado de consumo como os agrotóxicos e fertilizantes químicos.
(LAZZARI; SOUZA, 2017, p.4).

Todavia, este processo, não serviu apenas como pano de fundo para o
fortalecimento das lutas pela terra, iniciadas na segunda metade da década de
1940 com as Ligas Camponesas32, como também, potencializou a mobilização da
31 Foi denominada de Revolução Verde as inovações tecnológicas que ocorreram na agri-
cultura, a partir da década de 1940, com o objetivo de obter uma maior produtividade através do
desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo, utilização de agrotóxicos e meca-
nização no campo atendendo os anseios do capitalismo industrial no aumento pelo lucro e redução
dos custos com a mão de obra humana. (LAZZARI; SOUZA, 2017).
32 Devido à imensa dificuldade de abertura de um sindicato rural – precisando da aprovação
do Estado, as primeiras Ligas Camponesas nascem em 1945 como forma de associação civil sob
iniciativa do recém- legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB). A formação das Ligas foi uma
tentativa de estabelecer uma aliança entre proletários e camponeses contra o latifúndio e o impe-

130
sociedade civil urbana na busca por direitos. Nos anos finais do regime ditatorial,
diante do processo de abertura política e após anos de luta contra a repressão o
sistema educacional brasileiro passou a adquirir novos atributos diante do discurso
de redemocratização do país. A década de 80, além de marcar o fim do regime
militar, culminou com a promulgação da Constituição, em 1988, alcunhada como
“Constituição Cidadã”, devido ao seu caráter universal e democrático, a qual garantiu
o direito à cidadania as pessoas que outrora não eram reconhecidos na sociedade,
como analfabetos, indígenas e trabalhadores rurais. Vale ressaltar a importante
participação de diversos movimentos sociais que buscavam, além do direito a moradia
digna, o acesso à terra, e a incessante busca por uma educação de qualidade como
cita Ricardo (2007, p.12):

Destacam-se nesse momento as ações educativas do Movimento Nacional


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Ter-
ra (CPT), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Con-
tag) e do Movimento Eclesial de Base (MEB). Outras iniciativas populares de
organização da educação para o campo são as Escolas Famílias Agrícolas
(EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs) e os Centros Familiares de For-
mação por Alternância (CEFAs).

É notório que, através de um olhar mais apurado, as lutas no meio rural


traduziram-se, neste momento, em um avanço nas políticas públicas em diversos
rincões do Brasil, porém observar as desigualdades políticas, econômicas e sociais
que marcam a história nacional evidenciam e justificam os constantes conflitos pelo
acesso e posse à terra existentes em nossa nação.

OS CONFLITOS PELA TERRA EM NOVA IGUAÇU

Antes de adentrarmos nos conflitos que marcaram a Baixada Fluminense,


mais especificamente o município de Nova Iguaçu33, é oportuno contextualizar, em
linhas gerais, as lutas dos agricultores em sua amplitude na busca de compreender o

rialismo. A proposição do PCB era a de um inicial pacto entre operários, camponeses e burguesia
nacional a fim de superar o feudalismo existente no campo, para então poder estabelecer uma luta
contra o capitalismo e a sua superação via o comunismo. (BRITO, 2015, p. 75-76).
33 O Município de Iguaçu, Estado da Guanabara (Rio de Janeiro) foi criado no dia 15 de janeiro
de 1833, com sua sede instalada às margens do Rio Iguassú, que serviu durante muito tempo como
rota comercial para o escoamento de produtos. (Sacramento, 2018).

131
cerne do movimento camponês no Brasil. Tendo como marco inicial a política indus-
trial promovida por Getúlio Vargas, a partir da década de 1930, observa-se uma re-
configuração não só dos aspectos políticos e econômicos, como também nos sociais.
A inexistência de uma justiça que defendesse os interesses dos trabalhadores rurais
permitia com que a produção, principalmente, dos pequenos agricultores, fosse, pra-
ticamente, expropriada pelo grande capital e centros urbanos, de maneira a tornar
o trabalho no campo algo excessivo e exploratório. Além disso, essa massa de tra-
balhadores se tornou, na medida em que a industrialização avançava, numa grande
fonte de mão de obra operária para o trabalho nas indústrias e nos centros urbanos
cabendo-lhes, assim, baixos salários. Como consequência deste modelo houve um
aumento da superexploração das classes trabalhadoras tanto na cidade quanto no
campo produzindo uma violenta e previsível luta de classes. (BRITO, 2015).
Diante deste contexto paradoxal, típico do capitalismo, o qual, no momento,
dependia da exploração da classe trabalhadora para o sucesso da implantação da
industrialização, os trabalhadores rurais constataram que havia a necessidade de se
organizarem, todavia, as representações Estatais da época dificultavam a criação
de sindicatos rurais. Foi neste universo, como citado anteriormente, que surgiram
as primeiras Ligas Camponesas em 1945, este sistema de associação civil ganhou
forma com o apoio e a influência do, então, legalizado Partido Comunista Brasileiro
(PCB) que tinha como objetivo superar a exploração no campo a partir do acerto,
num primeiro momento, entre operários, camponeses e burguesia nacional, para en-
tão sistematizar a luta contra o capitalismo e, assim, a tão inspirada superação pelo
caminho do comunismo. Contudo esta aliança entre trabalhadores rurais e PCB so-
freu algumas transformações devido ao retorno, por força do Estado, do partido à
ilegalidade forçando as Ligas Camponesas a se rearranjarem, sem, porém, deixarem
de exercer o seu caráter insurgente.

O PCB absorve as reivindicações rurais e consegue mobilizar as massas


camponesas, ampliando a sua presença no campo até o ano de 1947, quan-
do entra novamente na ilegalidade, sendo as Ligas desarticuladas e extintas
após forte repressão.
Entre os anos de 1948 e 1954 os conflitos se mantiveram de forma constante
e cotidiana, consolidando a luta de classes a experiência de classe campo-

132
nesa, levando a existência de associações ligadas ou não ao PCB (então
na ilegalidade) e ocorrendo também congressos rurais, que iniciavam timida-
mente um retorno às mobilizações e criavam um vocabulário comum de luta
e práticas de resistência. (BRITO, 2015, p. 76).

As circunstâncias transcorridas, a partir do final da década de 1940 e nos anos


posteriores, desencadearam na Baixada da Guanabara (atualmente, Baixada Flumi-
nense)34, uma sucessão de eventos relacionados ao processo de transição da pro-
dução da laranja (citricultura)35 para o loteamento. Concluindo que ambos os eventos
estão diretamente ligados à lógica capitalista e aos interesses tanto públicos quanto
privados, encontravam, e ainda encontram, nestes setores arcabouço para a sua
manutenção. A expansão urbana em direção à Baixada, aliada a crise agrícola e
em acordo com a especulação imobiliária, levou milhares de pessoas a uma intensa
procura por lotes de terras nos municípios que compunham a região. Na medida em
que os anos seguiam esta dinâmica transformou-se não só no quesito mercadológi-
co com no quesito social, ao passo em que as disputas entre posseiros e grileiros36
expuseram a tônica deste embate.
A viabilização de obras de infraestrutura na Baixada da Guanabara implemen-
tadas vigorosamente a partir da década de 1930, tinham como interesse diversificar
a produção agrícola, bem como criar condições de manter o agricultor atrelado ao
território, GRYNSZPAN (1987, p.27) afirma que é a partir desta década que se inten-
sificam os interesses governamentais sobre a região: “Este quadro não se havia mo-
dificado até a década de 1930 quando o Governo Federal iniciou a implementação de
um amplo programa de recuperação da Baixada que incluía obras de saneamento e
drenagem”. O referido programa, iniciado nos anos 30, possibilitou a valorização ter-
ritorial, entretanto não conseguiu, mais a frente, perpetuar o almejado desejo gover-
namental de transformar aquela área em um espaço de produção rural. Ao contrário
34 Baixada Fluminense, Periferia, Região Metropolitana, Grande Iguassu ou Recôncavo da
Guanabara são termos utilizados para se referir a um pedaço de chão e a escolha de um destes
conceitos implica em se filiar a um conjunto de referências e sentidos, também eles transmutados
ao longo do tempo. (SILVA, 2013, p. 48).
35 A partir de 1915 a laranja tornou-se num novo produto para a economia municipal. Este
fato denotou a importância que a citricultura adquiriu para a economia nacional tanto ao mercado
interno quanto ao mercado internacional, carregando consigo, ainda na memória do município, a
alcunha de “Cidade Perfume”, em uma alusão ao aroma exalado pelo fruto que era cultivado nas
inúmeras propriedades. (BARROS, 2004).
36 Pessoa que se apodera ou procura se apossar de terras alheias, mediante falsas escrituras
de propriedade.

133
do imaginado, as terras da Baixada se tornaram em um campo de intensas disputas
advindas da dicotomia existente entre os interesses dos agricultores (posseiros e
lavradores), frente aos dos especuladores (grileiros e administradores).
Além do cenário nacional que desenhava-se, a partir da influência do desen-
volvimento das Ligas Camponesas, da ascendência do PCB e dos diversos agentes
sociais como militantes, políticos e membros da Igreja Católica, os quais marcaram
a organização e luta dos trabalhadores do campo no Estado do Rio de Janeiro, os
conflitos por terras na Baixada possuíam, também, em sua essência o imaginário da
“posse”, ou seja, o ideal de quem teria realmente o “direito” sobre uma determinada
propriedade. Aquele que há tempos vivia e/ou sobrevivia do que produzia tendo toda
uma relação de afetividade não só com a terra como também com a localidade? Ou
aquele que de alguma forma se dizia proprietário, por ter em suas mãos um docu-
mento, muitas das vezes espúrio, marcado pela grilagem, atestando-lhe o direito
sobre a terra reclamada? Diante deste contexto, os conflitos se intensificaram e ad-
quiriram amplitude como explica GRYNSZPAN (1987, p. 84).

A valorização das terras da Baixada e o consequente surgimento dos grilei-


ros, muitas vezes diversos deles reivindicando uma mesma área, contribuí-
ram para o enfraquecimento dos já não muito fortes laços de subordinação
que prendiam os lavradores. Se estes não se sentiam donos das terras, eles
iriam, aos poucos, relativizando sua situação, e desconfiando de que aqueles
que se diziam donos também não o eram. Os lavradores tornavam-se, assim,
propensos a lutar por uma terra que julgava ser um direito seu e a sua so-
brevivência, contra os despejos que lhes pareciam, cada vez mais, injustos e
ilegítimos. Destarte, a quebra da subordinação provocada, em grande parte,
pela interposição de um terceiro elemento na relação – o grileiro – foi funda-
mental para que as lutas dos lavradores se iniciassem a partir da Baixada, e
tivessem, ali, seu foco de maior intensidade até o ano de 1964.

Foi em torno desta complexa combinação de sentidos e de interesses


que os embates pela aquisição de terras configuraram-se na Baixada colocando de
um lado os lavradores, que dependiam diretamente da terra para sua sobrevivência,
e de outro os que viviam da negociação, ou seja, especulação delas para enriquecer
(negociantes, famílias tradicionais, grileiros, agentes públicos e privados entre ou-
tros).
Organizados, os lavradores, lutavam constantemente contra a onda de despe-
jos que assolavam o município de Nova Iguaçu. Tais desapropriações se caracteriza-

134
vam pela extrema violência como o uso desproporcional da força, da queimada das
lavouras, da derrubada de propriedades, da prisão e do assassinato de posseiros.
Um caso emblemático deste período foi a associação dos lavradores de Pedra Lisa,
atualmente pertencente ao município de Japeri, no Estado do Rio de Janeiro. Antes
de emancipação da cidade, em 1991, a localidade fazia parte das terras iguaçuanas,
sendo marcada por uma série de contendas entre posseiros e especuladores, por
este motivo os trabalhadores do campo se organizaram de maneira a fazer frente ao
poder hegemônico tanto local como estadual, tendo na figura do agricultor Bráulio
Rodrigues37 uma emblemática liderança.
Natural da cidade mineira de Januária, nascido no ano de 1922, o “Seu Bráu-
lio”, como é conhecido, ficou órfão aos quatro anos de idade, sendo, por este motivo,
internado em um asilo de menores na capital, Belo Horizonte. Durante sua juventude
desempenhou diversas atividades profissionais, como sapateiro, jornaleiro e vende-
dor de laranjas, na cidade de Volta Redonda. Neste período, durante meados da dé-
cada de 1930, exerceu a profissão de apontador na Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), devido a sua personalidade combativa ao protestar contra as injustiças, as
quais os operários eram submetidos na fábrica foi demitido trocando o trabalho na
fábrica pelo trabalho no campo em Nova Iguaçu, na região da Pedra Lisa como des-
creveu em entrevista ao Jornal da Baixada no ano de 1979.

“Trabalhei um tempo em Volta Redonda assistia muita injustiça lá. Eu achava


aquilo muito desumano e comecei a protestar. Aí me puseram para fora. E eu
vim pra Nova lguaçu. Fui pro campo, em Pedra Lisa. Fui pra lá porque soube
que estavam distribuindo terra”. (Jornal da Baixada, Edição n°5, 1979, p.5).

As palavras do agricultor ratificam o desenvolvimento do processo de lotea-


mento da baixada, analisado anteriormente, e evidenciam a tônica dos conflitos que
giram em torno do controle pela terra. No final da década de 1940 e início dos anos
50, no período em que as disputas entre posseiros e grileiros/especuladores se con-
solidaram, os lavradores de Pedra Lisa se reuniram em torno de uma associação38.
37 Líder comunitário e conhecido agricultor. Responsável pela resistência dos agricultores de
Pedra Lisa, atual município de Japeri, antes da emancipação o território fazia parte do município de
Nova Iguaçu.
38 É comum em um estudo sobre memória que o entrevistado cometa algumas imprecisões
com lugares, nomes ou datas como no caso da fundação da Sociedade dos Lavradores e Possei-
ros de Pedra Lisa, data de 1948, foi fundada a Sociedade dos Lavradores e Posseiros de Pedra
Lisa.

135
Sociedade dos Lavradores e Posseiros de Pedra Lisa desempenhou um papel impor-
tante na resistência dos agricultores, pois além se comprometer na luta pelo direito à
posse da terra, possuía o papel de conscientizar o trabalhador e seus familiares de
que aquele era o seu local e por isso deveriam se mobilizar:

“Não era sindicato, era Associação. Mas eu só comecei a participar da Asso-


ciação quando o seu presidente fundador, Zé Matias, foi assassinado pelos
fazendeiros da época. Isso foi em 1949, 50. Nós continuamos a distribuir ter-
ras, mas para ter direito à terra, tinha que ser sócio da Associação. Por dois
motivos: primeiro porque era uma maneira de dar consciência à pessoa que
estava ali. E, segundo, porque era uma maneira da associação sobreviver.
Eram mais ou menos 300 sócios.
Era Preciso se comprometer a morar ali. Agente pedia que construísse logo o
barraco para consolidar a ocupação. E plantasse bens de raízes, como laran-
jeiras, bandeiras”. (Jornal da Baixada, Edição n°5, 1979, p.5).

A fala do personagem evidencia o clima tenso diante dos diversos interesses


que envolviam o cenário de certame na Baixada, mais especificamente em Nova
Iguaçu. Em seu relato consta o assassinado de um dos líderes dos lavradores da
época, Zé Matias, bem como a necessidade da organização dos camponeses frente
à concorrência dos interesses de grupos que representavam a elite iguaçuana. A
Associação de Pedra Lisa contou com apoio de alguns sindicatos que solidarizavam
com a causa operária da cidade e do campo, o que proporcionou um apoio à sua
manutenção na luta, em diversos conflitos, contra grupos do capital iguaçuano. Mas,
com a instauração da Ditadura Empresarial-Militar no Brasil, em 1964, a Associação
foi fechada, Bráulio Rodrigues e muitos lavradores, foram presos, condenados pela
justiça da época e/ou tiveram que deixar as suas terras, tendo que resistir, pratica-
mente, de maneira solitária ou clandestina por conta da repressão:

“Depois de 64, acabou a Associação. Fecharam o posto médico, metralharam


a escola e ficaram acampados lá durante quase um ano. Prenderam muitos
lavradores, prisões de poucos dias. Depois tornavam a prender. Durante todo
esse período, fui preso 32 vezes pelo Exército. Fui julgado em três inquéritos
e absolvido em todos eles. Mas o Exercito achava que eu não podia ser absol-
vido, que eu tinha que pagar alguma coisa. Aí começaram a me perseguir. Eu
ia pro campo, eles iam lá e me prendiam. Isso de 66 a 74”. (Jornal da Baixada,

A área vinha sendo ocupada desde o começo dos anos de 1940 e passou a ter a entrada e saída
de lavradores regulada por uma comissão formada pelos que ali viviam e trabalhavam e que esta-
vam organizados na Sociedade. Um de seus fundadores foi José Teodoro, conhecido como José
Matias, assassinado anos mais tarde por grileiros locais. (MAIA, 2015, p. 251).

136
Edição n°5, 1979, p.5).

O contexto de repressão transformou não só o cotidiano de Bráulio Rodrigues


como também de inúmeros outros agricultores de Nova Iguaçu, mesmo em meio ao
Estado de exceção estabelecido no país muitos lavradores permaneceram ligados
a terra e a atividade agrícola, fruto do período de conscientização e embates por
direito à posse dos lotes e contra os despejos compulsórios. O próprio Bráulio, que
era constantemente convocado a prestar contas com o Exército e coagido a largar
a sua propriedade, como forma de sobrevivência tornou-se comerciante: “Comprei
uma carroça e passei a fazer feira num lugar onde os próprios lavradores fazem feira.
Comprava a mercadoria em Tinguá. Assim estava sempre em contato com os lavra-
dores, ouvindo, conversando, trocando idéias”. Apesar de desenvolver uma atividade
alternativa, porém muito próxima ao campo, o trânsito entre diferentes distritos agrí-
colas, como Tinguá, e o contato com os agricultores, fizeram com que a memória da
resistência do campo permanecesse viva no imaginário da população local mesmo
numa conjuntura adversa.
Algumas regiões de características agrícolas, como a de Tinguá39, apesar de
reduzirem-se com o passar dos anos, ainda resistiram às constantes transformações
que marcaram as cercanias iguaçuanas fruto da resiliência dos sujeitos do campo
diante frente aos interesses da elite hegemônica estabelecida na cidade, desde a
colonização portuguesa até a contemporaneidade. Na Baixada Fluminense, não obs-
tante, esses eventos manifestaram-se a todo instante, pois refletiam as circunstân-
cias histórico-sociais estabelecidas no Brasil. Entretanto, respeitados as suas espe-
cificidades, a história de Nova Iguaçu fez, e ainda faz, parte desse processo marcado
por incontáveis disputas políticas, econômicas e sociais que resultaram nas reflexões
propostas nesta parte da discussão. Vale relembrar que as transformações que ocor-
reram, e ainda ocorrem no campo, foram possíveis graças à confluência de diversos
sujeitos sociais que, organizados ou não, fizeram ecoar as vozes das classes opri-
midas.
39 Esta alcunha, Tinguá, é proveniente do idioma Tupi-Guarani, (Tin-gua), o qual significa pico
em forma de nariz, este termo foi utilizado pelos indígenas em alusão ao formato pontiagudo ca-
racterístico da descrição fisionômica do maciço formado por tinguaíto, espécie de rocha alcalina,
presentemente marcante na Serra do Tinguá, distrito da Cidade de Nova Iguaçu - RJ. (NIMA, 2010).

137
CONCLUSÕES

O contexto de luta, evidenciado por este trabalho, no município de Nova Iguaçu


remete ao congênere cenário de conflitos existente no Brasil. O diálogo com a histó-
ria da resistência camponesa traz à luz do debate os diversos interesses conflitantes
que estão contidos no seu universo.
Estudos históricos voltados para a análise e compreensão da memória coletiva
passaram a destacar à extrema riqueza, no que diz respeito ao armazenamento da
história, tanto material, quanto humano. Com isso, o domínio desta memória coletiva
adquiriu um status de dominação passando a exercer um papel de aparelho de po-
der. (LE GOFF, 2003).
Para que a reminiscência coletiva desempenhe uma função libertadora, torna-
-se necessário reinterpreta-la e, assim, reinterpretar a própria história como afirma Le
Goff (2003, p.471) “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta,
procura salvar o passado para servir o presente e ao futuro. Devemos trabalhar de
forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos ho-
mens”.
O relato do agricultor Bráulio Rodrigues traduz o cenário conflitante da disputa
territorial na Baixada Fluminense e que dialoga com a constante busca pela liberta-
ção concretizada pelo acesso à terra. Desta forma, através do campo conceitual da
Educação do Campo é possível compreender que as conquistas campesinas foram
fruto da ação dos movimentos sociais, interessados em afirmar a identidade dos su-
jeitos do campo e que refletisse valorização dos seus saberes. (SANTOS, 2011).
Assim, a Educação do Campo configura-se, neste sentido, num campo cientí-
fico que representa a luta dos povos do campo por sua identidade, ou seja, pela sua
própria existência. Em Nova Iguaçu, não obstante às demais realidades do Brasil, o
mesmo processo de resistência ocorre, salvo suas especificidades, apontando cami-
nhos relevantes num sentido de se compreender e valorizar a luta dos movimentos
sociais, em especial a dos sujeitos do campo.

138
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140
10.48209/978-11-CAMPO6-7-2

A ÓTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

CATARINA SOBRE A EDUCAÇÃO DO

MUNICÍPIO DE BOM RETIRO/SC


Sílvio Domingos Mendes da Silva40

40 Professor do Departamento de Educação do Campo – EDC/UFSC; formado em Geografia;


e-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO

Este artigo foi possível a partir de pesquisa realizada por alunos do primeiro
ano do Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), polo de Alfredo Wagner, sob coordenação de um
professor orientador nas disciplinas de Vivência Compartilhada I e II. 
O curso de Licenciatura em Educação do Campo funciona em regime de alter-
nância, estratégia curricular de fazer com que a LEdoC esteja organizada em mo-
mentos pedagógicos, que interagem, chamados de “tempo universidade” e “tempo
comunidade”. Na UFSC estes momentos, no primeiro ano do curso, são viabilizados
pela disciplina de Vivência Compartilhada, que contempla planejamento, preparação,
realização, acompanhamento e supervisão, assim como a avaliação. A disciplina Vi-
vência Compartilhada objetiva envolver o acadêmico num processo educativo uno,
buscando articular a experiência escolar propriamente dita, a ocorrer no interior da
universidade, neste caso no município de Alfredo Wagner, com a experiência de tra-
balho e vida no seio da comunidade onde convive e trabalha o estudante.
O objetivo principal deste trabalho é estabelecer uma perspectiva de práxis en-
tre “tempo universidade e tempo comunidade”, apresentando resultados concretos à
luz da pedagogia da alternância. De maneira geral, a pesquisa permitiu além de uma
análise concisa do território bom retirense, um diagnóstico preliminar da educação
desse município.
O trabalho de pesquisa de campo iniciou-se a partir de leitura preliminar do De-
creto Federal 7.352 (BRASIL, 2010). A discussão em torno de uma educação para as
escolas do campo que contemple os anseios dos sujeitos que vivem nesse espaço,
não seria efetiva se não fosse considerado o processo de formação de professores.
Sendo assim, em 2007, as primeiras experiências de LEdoC foram realizadas em
quatro universidades: Universidade Federal de Brasília (UNB), Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Fe-
deral de Sergipe (UFS).
A escolha de Bom Retiro se deve ao fato de o território compor a oitava turma
da UFSC - polo de Alfredo Wagner, com a presença de dez estudantes. As atividades

142
foram desenvolvidas no ano de 2017, aprofundando a pesquisa em vários aspectos,
tais como: sociais, econômicos, políticos, estrutura fundiária, saúde e educacionais.
Na perspectiva de desenvolver no educando a sensibilidade e a competência
para análises de um território (em geral, um município), entendido como um espaço
geográfico sobre ação antrópica, considerando-se as relações sociais nele existentes,
bem como as determinações que elas geram, buscou-se aprimorar uma metodologia
participativa em todas as etapas de trabalho, de forma a preparar paulatinamente um
“Diagnóstico do Município”, com aspectos voltados à ação em Educação do Campo.
Buscou-se promover a articulação com – e entre – as diferentes disciplinas que
compõem o primeiro e o segundo semestre do curso de Educação do Campo, bem
como uma facilitação na relação com as instituições/organizações dos territórios/mu-
nicípios em que foram realizados os Tempos Comunidade. 
O ponto de partida foi a construção de forma autônoma e participativa dos
Planos de Estudos (PA), por meio do envolvimento dos estudantes na indicação das
temáticas a serem pesquisadas, com base em seus conhecimentos sobre o território.
Os PA são os alicerces do desenvolvimento do trabalho de pesquisa e da análise dos
pesquisadores (professor e estudantes) durante o tempo comunidade. É preciso lem-
brar que no processo de construção de um diagnóstico, o educador do campo deve
considerar pontos mínimos do território: história e economia, questão agrária/estru-
tura fundiária, movimentos sociais/organização da sociedade civil; meio ambiente e
impactos ambientais da ação humana; educação e escolarização; saúde; sujeitos do
campo, mulheres, dentre outros. 
Ao longo dos semestres foram realizados oito tempos comunidade, com três vi-
sitas intermediárias em cada semestre para acompanhar e orientar os estudantes na
coleta de dados da pesquisa e para estabelecer e reforçar as relações institucionais
com parceiros locais. Resumidamente, a metodologia utilizada constituiu-se de en-
trevistas com sujeitos chaves das comunidades, atores do poder público, estudantes
das redes municipal e estadual e professores, nas quais os pesquisadores procura-
vam colocar em prática os métodos aprendidos durante os tempos universidade.
Em relação à localização geográfica da área de estudo, o município de Bom
Retiro, localiza-se no estado de Santa Catarina (latitude 27º47’50” sul e longitude

143
49º29’21” oeste), na região serrana, com população estimada em 10.060 habitantes,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2020). Sua
população, segundo IBGE (2010), entre 2000 e 2010, cresceu a uma taxa média
anual de 1,16%, enquanto no Brasil foi de 1,17%, no mesmo período. Nessa década,
a taxa de urbanização do município passou de 66,98% para 71,76%. Entre 1991 e
2000, a população do município cresceu a uma taxa média anual de 1,17%, no esta-
do esta taxa foi de 1,85%; já no Brasil foi de 1,63%. Na década, a taxa de urbaniza-
ção do município passou de 56,42% para 66,98%.
De maneira geral, Bom Retiro pode ser considerado um município pequeno,
com atividades econômicas voltadas para o setor primário, porém a maioria de sua
população vive na região urbana do território. Esse fato é corroborado pelo processo
migratório interno (migração rural-urbana e inter-regional) para esta cidade que foi
intenso nos últimos anos.

EDUCAÇÃO DO CAMPO, ESCOLA, TERRITÓRIO E SUAS RELAÇÕES

Cabe aqui uma pequena reflexão sobre o entendimento que tenho sobre esta
questão. Parto do princípio de que o município tem a obrigação de conhecer suas
necessidades e seus limites, seus recursos humanos, naturais, econômicos, finan-
ceiros, entre outros. Assim, acredito que nos municípios há fontes de produção de
conhecimentos às quais os mesmos devem dar oportunidades por intermédio das
escolas. As escolas, por sua vez, têm condições de construir o conhecimento sobre
cada bairro, comunidade, cada recurso natural (solo, vegetação, água, sementes,
etc.), produção e abastecimento.
Por outro lado, tem-se um dilema: como fazer estudos sobre a realidade local
se há um currículo para cumprir? Começo partindo da premissa de que o conheci-
mento do currículo não é algo diferente do conhecimento da realidade. Neste senti-
do, a metodologia usada na Educação do Campo permite fazer com que o currículo
possa ser o estudo da realidade através das disciplinas. Essa opinião vai corroborar
a ideia de Educação Popular (EP), apresentada por Moura (2003, p.67), de que “A
EP é a que tem em seu bojo, em sua filosofia, em seus currículos, em sua finalidade,
preparar as pessoas para um projeto de sociedade”.

144
Pensar em como colocar em prática essa forma de conjeturar e agir, exige do
professor reflexões sobre o processo educacional que tem na avaliação um caráter
permanente de acompanhamento, monitoramento, uma vez que a educação é um
processo no qual as pessoas não se formam de uma só vez, em saltos grandes. Po-
de-se pensar na mesma linha de raciocínio sobre o conhecimento. Nele não existe
somente o limite entre o certo e o errado, mas sim a compreensão inicial, incompleta,
dos conceitos e da realidade, que vai amadurecendo, tomando formas mais aperfei-
çoadas e completas. O produto final do conhecimento, de uma ação é, por vezes, o
resultado inesperado desse processo. Assim, faz sentido pensar a avaliação como
um processo antes, durante e depois das ações. Avaliação dos valores, das atitudes,
dos conhecimentos, dos processos e dos conteúdos.
Discorrer a respeito da realidade do território por essa ótica é refletir sobre a
vida, o trabalho e a escola dos sujeitos. Nosso trabalho enquanto educadores do
campo só faz sentido quando temos condições críticas de perceber que essas rea-
lidades se apresentam para as famílias rurais e urbanas, assim como para os estu-
dantes, como se tudo tivesse a ver entre si, e não como mundos distintos, isolados.
De tal sorte, que a vida é o campo maior do conhecimento, o trabalho e a escola são
partes e dimensões da vida, em condições de interagir, de apoiar e manter relações
uma com as outras (MOURA, 2003). Ainda, em conformidade com o autor:

[...] A vida precisa de conhecimento. Historicamente as pessoas aprenderam


para melhorar a vida, para facilitar o uso das energias humanas; a escola
apareceu para otimizar esse estágio de aprendizagem que as pessoas tinham
diante da vida, de modo que muitas sociedades viveram e outras ainda vivem
sem escola no desenho que têm hoje (MOURA, 2003, p.91).

Mediante esta reflexão, tratar a realidade local passa a ser uma missão do edu-
cador do campo. O olhar ao território é uma condição sine qua non, na qual o rural e o
urbano, que na maioria das vezes nos são apresentados como dimensões bipolares,
como se houvesse uma lacuna nítida entre os dois e como se a separação pudesse
ser definida pela prefeitura ou pelo legislativo local, que decidem onde começa e
termina o limite urbano/rural, ou mesmo, como se as realidades fossem meramente
espaciais e físicas. Também, nessa toada, existe a conotação cultural de que o rural
é sinônimo de atraso, “matutice”, de lugar distante e isolado; onde as pessoas falam

145
errado ou mesmo onde as relações são livres com a natureza e os animais. E há
a conotação social, com a pobreza, moradias precárias, falta de higiene, de lazer.
Todas essas características em oposição à cidade, que se apresenta como sendo o
lugar onde tem luz, médico, emprego, escolas, pessoas que falam correto.
Neste território de hoje, as relações entre rural e urbano transcendem todas
essas conotações. As contribuições de Veiga (2002), no livro “Cidades Imaginarias”,
ao analisar os números oficiais do Estado, nos dão essa dimensão. A partir do autor,
vê-se que esses modos de vida se transcendem, interpenetram-se, interagem. O
rural não se identifica somente como agrícola e o urbano com o arruados de casas,
com postos de saúde e escolas. Os meios de comunicação, as TVs a cabo estão em
todos os espaços, os modos e costumes estão se influenciando de uma dimensão a
outra. Ou seja, ser do campo não é mais um estigma, e ser da cidade não é mais um
status social. Pode-se viver muito bem ou muito mal em qualquer um dos espaços.
De maneira geral, a pesquisa proposta aos estudantes pautava-se não somen-
te em um resgate da cidadania, da história dos sujeitos do campo, mas também por
uma redefinição de espaço rural a partir das noções que englobam as dimensões
cultural, produtiva, territorial e ambiental. Que não opõe cidade e campo, mas em que
ambos se completam e, quanto mais harmoniosos e valorizados forem suas funções
e relações, mais desenvolvimento será alcançado no território. Os conceitos de ter-
ritórios que estão sendo tratados no Brasil atualmente por diversos autores (HAES-
BAERT, 2007; SAQUET, 2006; SANTOS, 2005) inspiram relações complementares
e não opostas.

UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DE BOM RETIRO – SC

A educação no município teve início em 1907, com uma escola privada adven-
tista, em funcionamento até os dias atuais. O sistema público de ensino se iniciou em
1941, com o Grupo Escolar Alexandre de Gusmão, hoje Escola de Educação Básica
Alexandre de Gusmão. No interior havia escolas isoladas e multisseriadas só até a
4ª série. Atualmente, todas as escolas do meio rural são municipais e com a nomen-
clatura de “Escola do Campo”, porém, apesar do nome indicar que a escola é do
campo, o ensino reproduz a realidade urbana, quando deveria beneficiar e atender
às realidades locais (do campo) dos educandos.

146
Em relação ao transporte escolar, há uma frota terceirizada e outra própria do
município, que atende apenas seis localidades. Foi perceptível, a partir das entrevis-
tas com estudantes usuários, que as condições dos ônibus utilizados para o transpor-
te não são adequadas, sendo que eles chegam a perder aulas por este motivo.
A alimentação é feita nas próprias escolas. A Secretaria de Educação faz a
compra dos alimentos através de licitação (30% da verba é destinada para compra
de produtores da agricultura familiar). Apesar de esta ser uma cota legal, a prefeitura
prioriza comprar alimentos de origem da agricultura familiar.
Na rede municipal há três creches (duas na zona urbana e uma na zona rural).
Há cinco escolas no meio urbano e oito no meio rural, conforme a Tabela 1. Algumas
dessas escolas ainda são multisseriadas.

Tabela 1 - Escolas municipais e número de alunos matriculados em 2017

ESCOLAS MUNICIPAIS Alunos Tipologia

Creche Professor Alosir Moretti 95 Normal

Creche Municipal Irmã Paula 59 Normal

Creche Municipal Patrícia Deucher 15 Normal

Pré-escolar Municipal Capistrano 60 Normal

Escola do Campo Barbaquá (pré-escolar)


9                       
Multisseriada
Escola do Campo Barbaquá (ensino fundamental) 17

Escola do Campo Cambará (pré-escolar) 8


Multisseriada
Escola do Campo Cambará (ensino fundamental) 18

E. do Campo Costão do Frade (ensino fundamental) 17 Multisseriada

Escola do Campo Paraíso da Serra (pré-escolar) 9


Multisseriada
E. do Campo Paraíso da Serra (ens. fundamental) 26

Escola do Campo Três Pontas (ensino fundamental) 9 Multisseriada

Núcleo Municipal Henrique Hemkmaier


83 Normal
(ensino fundamental)

147
Núcleo Municipal São José (pré-escolar) 68
Núcleo Municipal São José (ensino fundamental) 219 Normal

Escola do Campo Sapato 3 Multisseriada

Escola do Campo Rio Sincero 3 Multisseriada

Escola do Campo Canoas (pré-escolas) 7


Multisseriada
Escola do Campo Canoas (ensino fundamental) 21

TOTAL DE ALUNOS MATRICULADOS 746

Fonte: Elaborada pelo autor, com dados extraídos de Bom Retiro (2017)

Além das escolas de ensino municipal, o município conta com o Núcleo Avan-
çado de Ensino Supletivo – NAES, que atende 28 estudantes com idades entre 15
e 50 anos; conta também com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais –
APAE, que atende 98 alunos a partir dos três meses de vida. E também tem a Escola
de Ensino Infantil Beija Flor, com 72 crianças em idades entre dois anos e meio a seis
anos.
Diariamente, 117 estudantes vão a Lages para estudar em universidades lo-
cais e cursos técnicos, utilizam transporte escolar e fazem parte de uma associação
organizada por eles que recebe auxílio da prefeitura. Dez estudantes vão a Alfredo
Wagner (polo UFSC) com transporte particular, sem ajuda de custo da prefeitura. Há,
ainda, 15 estudantes que vão para uma escola particular em Urubici, município vizi-
nho. No município, há, também, uma escola particular de idiomas que atende cerca
de 190 alunos e dois polos de ensino superior (à distância-Ead).
Bom Retiro conta também com duas escolas estaduais, uma de ensino funda-
mental e outra de ensino médio. Na escola de Educação Básica Alexandre de Gus-
mão, que oferece o ensino fundamental, estudam 795 alunos, sendo 597 que moram
no perímetro urbano e 198 que vem do perímetro rural, entre seis e quinze anos
de idade. Alguns alunos que tinham distorção idade/série foram transferidos para o
NAES. Na escola Alexandre de Gusmão atuam 56 professores, mas nem todos são
habilitados, e a maioria é Admitido em Caráter Temporário – ACT.

148
A Escola de Ensino Médio Valmir Omarques Nunes tinha 247 estudantes em
2017. Devido à recente inauguração (no ano de 2017) não se tem dados oficiais
pelo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), sendo que os dados
de acompanhamento são estimativas da própria escola, onde o índice estimado de
reprovação está em 3%, o que deixa o índice de aprovação em torno dos 95% a 97%.
Conta com 27 professores, sendo apenas quatro efetivos e os demais ACTs. Apenas
dois professores não atuam na sua área de formação.
A faixa etária dos estudantes é de 14 a 18 anos. Tem duas grades curriculares
(ensino médio convencional de primeiro ao terceiro ano e cursos técnicos em Agro-
pecuária e Informática). A partir do ano de 2018 conta também com ensino integral,
que é uma proposta do Governo Federal e tem novos cursos técnicos na área têxtil
e pós-médio.
Além desses dados, a pesquisa permitiu inferir números gerais do município
referentes a distorção idade/série. A Tabela 2 mostra essa distorção idade/série em
todas as escolas do município.

Tabela 2 – Distorção Idade/série de estudantes de escolas públicas em 2016

Anos Iniciais Anos finais Ensino Médio


(1º. ao 5º. Ano E. Fundamental) (6º. ao 9º. Ano E. Fundamental) (1º. ao 3º.)

Ano  Porcentagem Ano  Porcentagem Ano  Porcentagem

1º.  12 6º.  45 1º.  31


2º.  1 7º. 41 2º.  52
3º.  2 8º. 39 3º.  18
4º.  15 9º. 27
5º.  15

Fonte: Elaborado pelo autor, com dados extraídos de http://qedu.org.br (2017)

Nas entrevistas realizadas com os estudantes, ao serem indagados sobre a


questão da avaliação de aulas, professores e escola, os alunos do ensino fundamen-
tal se mostraram pouco satisfeitos. Grande parte deles afirmaram que faltam aulas
práticas. Já os do ensino médio confirmaram que os professores fazem o que podem

149
para que as aulas sejam de excelência.
Sobre o futuro em relação a qual curso querem fazer após o ensino médio,
foram apresentadas inúmeras opções. Chama a atenção um baixo índice de alunos
que querem fazer cursos de licenciatura. Além disso, é expressiva a quantidade de
estudantes que estão no último ano do ensino médio, mas que ainda não sabem o
que querem cursar no ensino superior.
A Tabela 3 mostra os dados sobre todas as escolas do município em relação a
aprovação, reprovação e desistência de estudantes. 

Tabela 3 – Índice total de aproveitamento das escolas públicas do município, em


2016.

Índices gerais
Reprovação Abandono Aprovação
Etapa escolar
% % %
Anos Iniciais
8,2 (58) 0,3 (3) 91,5 (117)
(Ensino Fundamental)
Anos Finais (Ensino Fundamental) 28,9 (168) 3,2 (19) 67,9 (134)

Ensino Médio  5,9 (17) 8,2 (23) 85,9 (243)

Anos Iniciais (Ensino Fundamental)


Reprovação Abandono Aprovação
Anos iniciais
% % %
1º. Ano 1,7 (3) 0,0 (0) 98,3 (243)
2º. Ano 2,2 (3) 0,0 (0) 97,8 (243)
3º. Ano 16,6 (26) 0,0 (0) 83,4 (128)
4º. Ano 0,7 (1) 0,8 (2) 98,5 (134)
5º. Ano 16,6 (27) 0,6 (1) 82,8 (131)
Anos Finais (Ensino Fundamental)
Reprovação Abandono Aprovação
Anos finais
% % %
6º. Ano 37,3 (65) 3,7 (7) 59,0 (103)
7º. Ano) 34,2 (56) 1,9 (4) 1,9 (4)
8º. Ano 22,3 22,3 (29) 3,1 (5) 74,6 (97)
9º. Ano 13,9 - (14) 4,9 (5) 81,2 (79 )
Ensino Médio
Reprovação Abandono Aprovação
Ensino Médio
% % %
1º. Ano 6,6 (8) 13,2 (15) 80,2 (87)
2º. Ano 9,1 9,1 (4) 12,1 (4) 78,8 (27)
3º. Ano 4,6 (7) 3,0 (4) 92,4 (132)
Fonte: Elaborado pelo autor, com dados extraídos de http://qedu.org.br (2017)

150
Como se pode observar, há muitas reprovações nos anos finais do ensino fun-
damental, o que contribui para o aumento da distorção idade/série. Não se pode
deixar de destacar que os índices de aprovação são bons nos anos iniciais do en-
sino fundamental e no ensino médio, porém nos anos finais do ensino fundamental
o índice é bem baixo, deixando o município entre os cinco piores índices do estado,
de acordo com sítio eletrônico do QEdu. De modo geral, como mostra a tabela 3, o
índice de abandono é baixo, o que significa afirmar que são poucos estudantes com
idade escolar fora da escola.

Quanto ao IDEB dos anos iniciais do ensino fundamental, Bom Retiro, em 2015,
apresentou média de 5,1 na rede estadual de educação, a qual se encaixa dentro das
metas estabelecidas pelo Governo Federal. Em relação aos anos finais do ensino
fundamental, a média que em 2005 estava entre 4,0 e 4,9, em 2015 baixou para 3,8.

RESULTADOS E DISCUSSÕES PRELIMINARES

O resultado final da pesquisa foi um diagnóstico do território do município de


Bom Retiro, porém aqui se dará ênfase aos aspectos relacionados à educação pú-
blica como elemento integrador. De acordo com os dados do Índice de Desenvolvi-
mento da Educação Básica (IDEB), o município se manteve nos últimos anos com
o índice de 5,1, conforme cálculos do fluxo escolar e com base no aprendizado em
Português e Matemática.
Atualmente Bom Retiro possui um total de 14 escolas públicas, dentre estas,
nove são consideradas escolas do campo, em conformidade com o Decreto Federal
7.352/2010, por estarem localizadas na área rural ou por atenderem a maior parte de
estudantes que moram no interior e utilizam o transporte escolar. Todas as escolas
localizadas em área rural são multisseriadas.
Fator interessante a ser destacado é que as escolas localizadas no centro do
município (com exceção do colégio de ensino médio) padecem mais com a falta de
estrutura do que àquelas do interior, principalmente as creches. Isto porque muitas
turmas estão superlotadas, fazendo com que as salas se tornem pequenas, além de
apresentarem faltas de carteiras. Este fator deve-se principalmente à ocorrência de,
nos últimos anos, os anos finais do ensino fundamental estarem concentrados no
centro da cidade, fazendo com que muitos estudantes se desloquem de suas comu-

151
nidades para estudarem na sede municipal.
Assim, temos alguns dados sobre o quadro atual da educação de Bom Retiro
(escolas, quantidade de alunos e tipografia), tendo como base a educação pública.
Na Tabela 1, chama atenção o fato de duas escolas terem três alunos, apenas,
em suas equipes, número extremamente pequeno, mesmo sendo escolas do interior
do município. Inevitável são as perguntas: quais são os motivos que impulsionam
um número tão pequeno de estudantes nessas escolas? O que move professores e
alunos a se manterem ativos com uma quantidade tão pequena de estudantes? Por
que o poder local não as fechou, nucleando-as? Contraditoriamente, por outro lado,
temos uma escola com 287 estudantes. O que explica essa quantidade é o processo
de nucleação que vem ocorrendo nos últimos anos no território, acompanhando uma
tendência estadual de fechamento de escolas do campo.
A nucleação das escolas, segundo a secretaria de educação, iniciou-se no ano
de 1998, com o intuito de diminuir o grande número de escolas isoladas, a qual, na
visão dos administradores locais passaram a “dar prejuízos” aos cofres públicos.
Para viabilizar essa ação, foram determinados os locais onde seriam implantados
os núcleos (conforme Tabela 1), de tal forma que alunos de comunidades vizinhas
poderiam “facilmente” se deslocar até a escola, utilizando o transporte do município
como meio. Para atender essa demanda de estudantes, o município conta com um
total de 108 profissionais na área da educação, sendo eles professores, monitores e
estagiários (Professores – 87; Monitores - 9; Estagiários – 12).
Além das unidades de ensino municipais, Bom Retiro conta também com duas
escolas estaduais que desempenham papel fundamental dentro da educação do mu-
nicípio. Merece destacar a quantidade de estudantes da Escola Alexandre de Gus-
mão, bem como seu quadro de professores. Tradicional na cidade, por longo tempo
abrigou os ensinos fundamental e médio. Hoje, a função de oferecer ensino médio
cabe à Escola Valmir Omarques Nunes, onde, além do ensino médio normal, tam-
bém oferece cursos técnicos à comunidade regional.
Somando todas as escolas do município, o número total de alunos matricu-
lados é de 1.943 e, para esta demanda, o total de professores é de 178. Além de
professores, outros profissionais trabalham na área da educação ocupando cargos
de diretores, coordenadores, merendeiras, motoristas, serviços gerais, entre outros.

152
Para gerenciar a educação do município, o poder público local pode contar
com convênios e verbas advindas dos dois entes (federal e estadual) e fundos volta-
dos à educação. O município tinha, no período da pesquisa, um investimento de R$
3.744.736,73, que ultrapassava 25% da renda total. No quadro a seguir estão lista-
dos os valores de benefícios recebidos pelo município para a educação. 

Tabela 5: Valores gastos com educação de janeiro a outubro de 2017

Valor FUNDEB R$ 2.809.318,68


Valor PNAE R$ 334.146,18
Valor PDDE R$ 36.800,00
Valor Salário Educação R$ 235.710,95
Valor Transportes R$ 882.243,25
VALOR TOTAL APLICADO R$ 3.744.736,73

Fonte: Elaborado pelo autor, com dados extraídos de Bom Retiro (2017).

Chama a atenção os gastos com o transporte escolar e o valor recebido do


Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB). No caso do primeiro, relatos da se-
cretaria de educação do município corroboram dados de outros municípios de Santa
Catarina, no qual a maior despesa da Educação do município provém do setor de
transportes.

COMENTÁRIOS SOBRE A SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM BOM RETIRO

De acordo com a pesquisa, a educação no município de Bom Retiro vem numa


melhora nos últimos anos, apesar do investimento financeiro não ser o adequado
para a demanda, assim como o processo de nucleação aparentemente ter acelera-
do. As maiores dificuldades encontradas para se manter o nível de ensino estão na
parte financeira, nos quais os valores mensais obrigatórios e via projetos que são
repassados pelos governos (federal, estadual e municipal) para a educação não são
suficientes para arcar com as demandas e investimentos. Segundo dados do próprio
governo municipal o maior investimento/gasto é na área de transporte, já que muitos
alunos são dependentes deste meio para chegar às escolas, além dos aluguéis de
frota, reposição de peças, dentre outros.

153
Segundo Brasil (2016), o valor mínimo aplicado em educação deve ser de 25%
do orçamento da prefeitura e, de acordo com as informações da Secretaria de Edu-
cação do município, de janeiro até outubro de 2017, o valor aplicado já ultrapassava
29% do seu orçamento, chegando à cifra de quase quatro milhões de reais.
Outro fator importante que a pesquisa aponta é que há uma defasagem no qua-
dro de professores habilitados para ministrar as disciplinas curriculares normais. Par-
te dos professores não é habilitada e a grande maioria é ACT. Além disso, em uma
escola pesquisada, pôde-se observar que a relação aluno/professor é conturbada, e
o uso de entorpecentes, no entorno da unidade escolar, é um fator que prejudica e
preocupa a ainda mais esta relação.
Em relação às metodologias de ensino/aprendizagem, notou-se que alguns
professores oferecem resistência aos novos métodos de ensino, mostrando, então,
que o procedimento tradicional é o que prevalece. Cabe, porém, considerar que a di-
ficuldade encontrada por esses docentes, às vezes, decorre de salas de aula lotadas,
muitos alunos sem materiais, desinteressados, desestimulados e, em alguns casos,
obrigados, por lei, a frequentar a escola. Estes motivos, aliados à falta de estrutura
das escolas, à carga horária excessiva e à falta de materiais, acabam desmotivando
os professores e contribuem para que as aulas não sejam estimulantes.
A principal reclamação dos entrevistados (professores, técnicos e alunos) foi a
falta de recursos em suas escolas. Muitos deles queriam poder fazer mais pela edu-
cação, porém se deparam com essa dificuldade. Por fim, a pesquisa mostrou ser o
transporte escolar a principal preocupação dos administradores públicos. Os dados
colhidos com representantes da Secretaria de Educação corroboram que a munici-
palidade tem um gasto bem maior com transportes escolares (aluguéis, reposição de
peças quebradas, manutenção de frota, dentre outros), do que manter uma escola
multisseriada no interior do município. Assim, cabe refletir se não seria mais prudente
e viável manter as escolas na área do campo, ao invés do processo de nucleação.
Para além das questões financeiras, manter as escolas do campo significa também
primar por questões culturais e pela preocupação com o bem-estar dos alunos, já
que muitos ônibus usados para transportar os estudantes encontram-se em péssi-
mas condições de trafegabilidade.

154
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao realizar essa pesquisa com estudantes do curso de Educação do Campo,


polo Alfredo Wagner, constatamos que o objetivo foi cumprido, ou seja, o acadêmico
pôde colocar em prática grande parte da bagagem adquirida em sala de aula, direta-
mente em campo de trabalho. Nesse contato inicial, um choque de realidade, faz-se
necessário, pois é este o ambiente onde nossos egressos irão atuar.
Associando o trabalho desenvolvido à metodologia adotada, a partir da peda-
gogia da alternância, pode-se afirmar que esta pedagogia compreende uma metodo-
logia de organização do ensino escolar para a educação do campo, que conjuga di-
ferentes experiências formativas distribuídas ao longo de tempos e espaços distintos,
tendo como finalidade uma formação profissional. Assim, o trabalho tratou de uma
proposta pedagógica que procura articular diferentes espaços e tempos formativos,
alternando momentos de atividade no meio sócio profissional, acadêmico, e momen-
tos de atividade escolar propriamente dita, nos quais se focaliza o conhecimento acu-
mulado nos tempos universidades, considerando sempre as experiências concretas
dos alunos. Desse modo, como pontua Silva (2006, p. 6), “a alternância, enquanto
princípio pedagógico, mais que característica de sucessões repetidas de sequências,
visa a desenvolver na formação dos jovens situações em que o mundo escolar se
posiciona em interação com o mundo que o rodeia”.
Por último, apontamos a Educação do Campo como um modelo alternativo ao
vigente, com proposições para fixação do jovem do campo em suas comunidades,
mantendo uma tradição necessária, que é de áreas rurais como fornecedoras de ali-
mentos de qualidade, além de um modo de vida peculiar e autossustentável.

REFERÊNCIAS

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CAMPO E O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA
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155
_____. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 95. Altera o Ato das Disposições Constitu-
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sc/bom-retiro/panorama>. Acesso em 12 de fev. de 2021.

_____. Censo demográfico. 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/


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MOURA, Abdalaziz. Princípios e fundamentos da proposta educacional de apoio ao


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SANTOS, Milton. O retorno do território. En: OSAL: Observatório Social de Améri-


ca Latina. Buenos Aires: CLACSO, Año 6 no. 16, 2005.  ISSN 1515-3282. Disponí-
vel em: <:http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf>.
Acesso em 07 de out. de 2018.

SAQUET, Marcos A. Por uma abordagem territorial das relações urbano-rurais no


Sudeste paranaense. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur
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VEIGA, José E. Cidades Imaginarias: o Brasil é menos urbano do que se calcula.


Campinas, São Paulo, Editora Autores Associados, 2002.

Sítio eletrônico pesquisado:

http://qedu.org.br/cidade/641-bom-retiro/distor-
cao-idadeserie?dependence=0&localization=0&stageId=initial_years&year=2016.
Acesso em 25 de out. de 2018.

156
10.48209/978-12-CAMPO6-7-2

EDUCAÇÃO ESCOLAR NO

ASSENTAMENTO MENINO JESUS

ÁGUA FRIA / BA: DESAFIOS E

ENFRENTAMENTOS PARA

EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO

DO CAMPO
Vangilson Ferreira Bispo41

41 Vangilson Ferreira Bispo especialista em educação do campo pela universidade Federal


de São Carlos, mestrando em Educação do Campo pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia. Email [email protected]
INTRODUÇÃO

A educação do campo possui singularidades e especificidades particulares do


seu povo, sua cultura, seus interesses e sua história, e estas precisam ser respei-
tadas e valorizadas. Assim, este artigo visa levantar uma discussão sucinta a partir
da realidade do estudante do curso de especialização de educação do campo, no
enfrentamento dos desafios para a efetivação de uma educação de qualidade valori-
zando a historia de luta e cultura no Assentamento Menino Jesus, situado no municí-
pio de Água Fria Bahia, discutindo as concepções e as efetivações das políticas pú-
blicas ou estatais. Para melhor organizarmos a discussão iremos dividir da seguinte
forma: histórico do Assentamento Menino Jesus; desafios enfrentados no período de
acampamento; análise da situação educacional, especificamente, da Escola munici-
pal Fabio Henrique de Cerqueira, as concepções de educação do campo, buscando
estabelecer uma diferenciação da Educação do Campo e no campo, e as políticas
públicas efetivadas. Para que haja melhor embasamento das discussões irei trazer
alguns autores para dialogar com os assuntos que proponho discutir tais como: Rosili
Salete Caldart, Claudemiro Godoy do Nascimento, Maria do Socorro Pinheiro entre
outros.

1- O ASSENTAMENTO MENINO JESUS

A história da comunidade Menino Jesus, foi iniciada no dia 20 de dezembro


de 1998, quando 120 famílias vinda das cidades circunvizinhas ocuparam a fazen-
da Paracatu, antiga fábrica de artefatos de sisal falida há 12 anos. O assentamento
Menino Jesus localiza-se no município de Água Fria, aproximadamente a 160 km de
Salvador. Possui uma área de 13009 hectares de terra, chegou a ter 500 famílias no
período de acampamento (época em que ainda não havia o reconhecimento pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)). Após a avaliação e
desapropriação da terra feita pelo INCRA em 2003, foi assentado 185 famílias nes-
te momento, sendo que a área tem capacidade para assentar 212 famílias, ficando
cada assentado com uma média de 40 hectares para o lote de produção e 0,36 hec-
tares para construção da casa na agrovila.

158
O Assentamento está estruturado em uma agrovila com aproximadamente 212
casas, construídas a margem da Avenida Brasil, via que corta o assentamento, sen-
do o acesso principal e outras construídas em ruas secundarias. A velha estrutura
da fazenda foi muito utilizada pelos assentados como sede da associação, salão
de festas, posto de saúde, escola, almoxarifado, salão de atividades culturais entre
outros. O assentamento possui setores específicos (Produção, Educação, Saúde,
Juventude, Frente de massa, gênero entre outros), seguindo a mesma linha do MST
responsável pela organização do assentamento juntamente como a Associação e os
coordenadores de núcleos.
Atualmente o assentamento Menino Jesus possui uma escola com seis salas
de aula construída pelo poder publico estadual porem é utilizada também pelos alu-
nos matriculados na rede publica municipal. Isso depois de muitos enfrentamentos
para liberação desse espaço pois, o mesmo foi conquistado através de muitas lutas
e mobilizações pelas famílias da comunidade. O prédio funciona duas escolas: O
Colégio Estadual do Campo Menino Jesus e a Escola Municipal Fabio Henrique de
Cerqueira. A gestão é compartilhada e existe um diretor pelo estado e outro pelo mu-
nicípio onde o mesmo é assentado e residente na comunidade. Os professores da
escola municipal são todos da cidade e não tem vínculo nenhum com a luta do MST
e nem com a Educação do Campo. Há grande dificuldade em trabalhar as especifi-
cidades da escola do campo geralmente trazem os mesmos métodos e conteúdos
trabalhados na cidade.

2.1- A EDUCAÇÃO NO ASSENTAMENTO MENINO JESUS

A Escola municipal Fabio Henrique de Cerqueira, está localizada no Assenta-


mento Menino Jesus, município de Água Fria/ Ba. A mesma iniciou suas atividades
no ano de 1999 quando começou a luta do Movimento dos trabalhadores rurais sem
terra pela desapropriação da fazenda Paracatu, antiga fábrica de artefato de sisal e
celulose. Logo após a ocupação da área, no início do ano subsequente, a direção do
movimento se preocupou em articular as aulas para as crianças e adolescentes em
idade escolar participante do acampamento. Foi quando a direção do MST marcou
uma reunião com o atual prefeito do município de Água Fria, o Sr. Balbino Leão de

159
Almeida, e o secretário de educação, Sr. Fernando Cunha, para discutir a questão
da educação das crianças sem-terra, que estavam no acampamento. Porém os mes-
mos não aceitaram abrir escola para atender essa demanda, alegando que não ha-
veria uma garantia destas famílias permanecerem na área. Mesmo sem aceitação do
poder público municipal, a escola foi criada com duas turmas multisseriadas, tendo
como professores voluntários Vangilson Bispo e Eliana Silva.
Durante este período, a direção do movimento continuou insistindo e revin-
dicando juntamente com as famílias a abertura da escola e efetivação das turmas.
Diante de muita luta, vinculou-se os estudantes à escola municipal Everaldo Pinheiro
dos Reis localizada na Fazenda Serrado no município de Água Fria. A direção desta
escola ficou por conta de uma diretora que administrava varias escolas pequenas
no distrito de Paraíba. Nesse período houve um aumento significativo de educando,
devido a chegada de muitas famílias no acampamento, e nessa mesma medida foi
aparecendo professores formados para acampar e se ingressava na educação para
dar conta da demanda da escola.
Em 2005 foi aprovada na câmara de vereadores a mudança do nome da es-
cola para Escola Municipal Fabio Henrique de Cerqueira, nome este discutido na
comunidade e aprovada por maioria por ser um militante do MST que lutava por
educação de qualidade para as famílias sem-terra. A partir desse momento foi no-
meado um professor assentado para a direção da Escola o qual trabalhava com
toda equipe de professores e agentes públicos participante do MST. Houve um longo
período em que os serviços de limpeza e merenda da escola seriam realizados por
pais voluntários bem como a ciranda infantil que desde o início das atividades da
escola vinha acontecendo. O poder público não dava a assistência necessária para
o bom funcionamento da escola. As aulas funcionavam em casas velhas da antiga
fazenda na maioria das vezes deteriorada, sem banheiro adequado, telhado, piso e
portas estragadas, quadro de giz e cadeiras velhas que já haviam sido usadas por
outras escolas. Diante de todas essas dificuldades enfrentadas, o MST sempre fazia
reivindicação da construção de uma escola de qualidade ao poder público municipal
e estadual, porem sempre negada pelos órgãos públicos. Somente em 2009 foi apro-
vado o projeto da escola pelo poder público estadual e finalmente a obra foi concluída

160
em novembro de 2010. Apesar da conclusão das obras, chegou o período de iniciar o
ano letivo 2011, e ainda não havia sido inaugurado o prédio da escola. Dessa forma
a comunidade se uniu e discutiu que deveria ocupar a escola devido a precariedade
dos espaços que estavam sendo utilizados como salas de aula. Educadores, pais e
educandos entraram para escola, iniciaram o desenvolvimento das atividades do ano
letivo e continuam até os dias atuais sem a inauguração.
Em 2008 aconteceu um concurso público no município para professores com
vagas exclusivas para a escola municipal Fabio Henrique de Cerqueira, sendo que
nenhum dos educadores do assentamento ficou entre as vagas, devido a uma falha
na comunicação sobre a prova de título. A partir de 2009, houve grandes mudanças
na educação escolar dos educandos da escola municipal Fabio Henrique de Cerquei-
ra, com a chegada dos novos professores vindos da cidade e a saída dos professo-
res do assentamento, os quais conheciam e viviam toda realidade dos educandos.
No período em que o quadro de professores da escola era composto por participante
do MST, havia a participação dos encontros de formação promovidos pelo setor de
educação do Movimento, e isso colaborava na implementação da pedagogia do mo-
vimento sem-terra, baseado no método de Paulo Freire, trabalhando e valorizando
a realidade dos educandos. Dessa forma, havia o canto do hino, músicas do movi-
mento sem-terra, apresentação de mística, trabalhava-se os símbolos do movimento,
participavam do concurso de arte e desenho promovido pelo setor de educação, par-
ticipação da horta escolar entre outras atividades. As crianças da escola participaram
de diversos encontros dos sem terrinha a nível estadual, regional e de brigada. Havia
uma sintonia entre a escola, comunidade e movimento sem-terra. A partir do momen-
to em que os educadores da cidade chegaram a escola se tornou uma extensão da
educação da cidade, porque não houve mais um trabalho voltado para realidade dos
educandos, e os professores não tinham nenhum interesse em participar de nenhu-
ma atividade ligado ao movimento sem-terra principalmente se ocorresse fora do seu
turno de trabalho.
Outra dificuldade que a escola enfrenta é a rotatividade de professores que
acontece quase todos os anos, que acabava dificultando o trabalho de formação dos
educadores e estudantes. A coordenação pedagógica da escola passou a ser com-

161
partilhada com outras do município, deixando de lado as especificidades da comuni-
dade. Atualmente a escola funciona atendendo da ciranda infantil ao fundamental I,
com 120 educandos matriculados, 5 professores de 20 horas, um diretor (núcleo), um
vice diretor, um secretário, um porteiro, 3 agentes públicos e uma ajudante de ciran-
da. A escola trabalha com os programas Mais Educação nas modalidades de canteiro
sustentável, letramento, capoeira e esporte escolar. Tem ainda o programa mais cul-
tura na modalidade de samba de roda, e tem a parceria com o Pibid Diversidade com
os estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
do Estado da Bahia (Uneb) de Itaberaba onde são desenvolvidas oficinas ligadas a
leituras, escrita, matemática e arte.

3- CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO OU NO CAMPO

A concepção de educação do campo surge e ganha força através dos movi-


mentos sociais camponeses que vem discutindo e implementando uma educação
voltada para os interesses da classe trabalhadora do campo onde possa ser valori-
zado o meio e as formas de vivência deste povo. De acordo com Molina (2012),

O movimento histórico de construção da concepção de escola do campo faz


parte do mesmo movimento de construção de um projeto de campo e de so-
ciedade pelas forças sociais da classe trabalhadora, mobilizadas no momento
atual na disputa contra-hegemônica( Molina, 2012, p 324).

A Educação no Brasil sempre foi direcionada a determinada camada da socie-


dade (que é a camada economicamente dominante) e o homem do campo, nunca
foi prioridade para os governantes no que se refere a escolarização, como afirma
Pinheiro, no seu artigo que discute concepção de educação do campo:

“... é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem sendo em-
pregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido satisfatoriamen-
te para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos, sua
cultura e seu padrão de vida”.

Portanto está claro que não é prioridade para a elite dominante que está a fren-
te da Educação resolver o problema do analfabetismo no Brasil nem tão pouco elevar
o nível de escolaridade da classe trabalhadora principalmente do povo do campo.

162
Para que haja uma escola no Campo, os movimentos sociais tem se organizado e
lutado muito na defesa de uma educação de qualidade voltado para a realidade dos
sujeitos que ali atua. De acordo com Caldart:

O MST, como organização social de massas, decidiu, pressionado pela mo-


bilização das famílias e das professoras, tomar para si ou assumir a tare-
fa de organizar e articular por dentro de sua organicidade esta mobilização,
produzir uma proposta pedagógica específica para as escolas conquistadas,
e formar educadoras e educadores capazes de trabalhar nesta perspectiva
(Caldart, 2003, p. 03).

Dessa forma o movimento social através de muitos esforços e experiências


acumuladas ao logo dos anos, criou sua própria pedagogia para direcionar os traba-
lhos dos educadores que é a “Pedagogia do Movimento Sem Terra”. De acordo com
Caldart:

A Pedagogia do Movimento, enquanto reflexão específica sobre as matrizes


pedagógicas postas em movimento na formação dos Sem Terra, e ao tratar
em formação como um processo educativo, expressa e reafirma uma concep-
ção de educação, de formação humana, que não é hegemônica na historia do
pensamento ou das teorias sobre educação: trata-se de uma concepção de
base histórico-materialista-dialética para a qual é preciso considerar central-
mente as condições de existência social em que cada ser humano se forma:
a produção da existência e a produção ou formação do ser humano são inse-
paráveis, ou seja, as pessoas se formam pela inserção em um determinado
meio, sua materialidade, atualidade, cultura, natureza e sociedade, funda-
mentalmente através do trabalho que lhe permite a reprodução da vida e é
a característica distintiva do gênero humano, é a própria vida humana na sua
relação com a natureza, na construção do mundo (Caldart, 2011, p. 65).

Atualmente já é percebível algumas conquistas, e uma das importantes na luta


dos movimentos sociais pela construção desta concepção de escola do campo foi o
seu reconhecimento em marcos legais, o que se deu somente após muitos anos de
experiências e práticas concretas de Educação do campo (Molina, 2012). Podemos
citar um dos marcos mais importante foram as Diretrizes operacionais para educação
básica das escolas do campo de abril de 2002.
Com essa legislação em vigor é possível debater e exigi que o poder público
tenha um olhar diferenciado para um povo que historicamente foi desprovido de cer-
tos conhecimentos para além de podermos implementar uma educação diferenciada.

163
Afirma Andréa (2011, p 87) “os fazeres docentes, assim como as práticas familiares
e as demais relações sociais estabelecidas, não estão descolados de uma realidade
social e cultural que os conformam”.
Para Nascimento a educação básica do campo possui três características fun-
damentais: é um projeto político-pedagógico da sociedade civil que busca intervir nos
fundamentos da educação brasileira; é um projeto popular alternativo para o Brasil e
um projeto popular de desenvolvimento para a realidade campesina. Baseado ainda
nessas características Nascimento ainda afirma que a concepção de escola do cam-
po procura defender os interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura
camponesa.

4- AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DE EDUCAÇÃO DO


CAMPO

A Educação do Campo tem sido uma das maiores política pública para a classe
trabalhadora no meio rural, onde através de alguns programas tais como: Pro-Jovem
Campo – Saberes da Terra escolarizou milhares de jovens agricultores/as familiares
em nível fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), inte-
grado à qualificação social, profissional em Agricultura Familiar e Sustentabilidade
em diversas regiões do Brasil. De acordo com Nascimento o curso é organizado
assim:

A execução da proposta pedagógica e curricular acontece por meio da rea-


lização de atividades educativas em diferentes tempo e espaços formativos.
Os jovens iniciam a escolarização pelo “Tempo Escola” que corresponde ao
período no qual os jovens permanecem efetivamente na unidade escolar com
atribuições de aprendizagens sobre os saberes técnico científicos dos eixos
temáticos, planejamento e execução de pesquisas, atividades de acolhimento
e organização grupal, entre outras atividades pedagógicas. Outro momento
de organização do tempo e espaço formativo do Programa é o “Tempo Co-
munidade” correspondente ao período no qual os educandos realizam pes-
quisas, estudos e experimentações técnico-pedagógicas nas comunidades,
com o objetivo de partilharem seus conhecimentos e suas experiências adqui-
ridas na escola com as famílias ou instâncias de organização social.

Esse programa teve seus avanços no que se refere a escolaridade e oportu-


nidade aos jovens continuar seus estudos, principalmente porque a metodologia da

164
alternância facilitava o acesso de muitos jovens. Uma das dificuldades enfrentada
na escola que participo era falta de material, falta de alguns educadores e atraso no
pagamento.
Outro programa ligado às políticas de educação do campo importante é o Pro-
grama de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo –
Procampo. Segundo Nascimento:

É uma iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de


Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em cumprimento
às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas de
combate às desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações
rurais e valorização da diversidade nas políticas educacionais.

Esse programa tem como objetivo apoiar a implementação de cursos regulares


de Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Supe-
rior de todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a
docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais.
Sua principal missão é promover a formação superior dos professores em exercício
na rede pública das escolas do campo e de educadores que atuam em experiências
alternativas em educação do campo (Nascimento).
Esse programa tem beneficiado milhares de jovens do campo de diversos mo-
vimentos sociais inclusive do Assentamento Menino Jesus onde 07 assentados e
filhos de assentados estão concluindo esse curso acima citado, pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) campos de Itaberaba. Uma preocupação que já existe com
esses jovens, é a forma que será inserida nas escolas porque geralmente muitos são
capacitados, mas não tem a oportunidade de atuar em suas comunidades devido as
contratações serem através de concursos púbicos.
A política púbica que engloba todos os programas ligados a Educação do Cam-
po é, o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA) que tem
como concepção a educação do campo como um direito de todos e se realiza por di-
ferentes territórios e práticas sociais que incorporam a diversidade do campo. É, ain-
da, uma garantia para ampliar as possibilidades de criação e recriação de condições
de existência da agricultura familiar/camponesa. Portanto, o PRONERA quer fortale-
cer o mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões: econômicas,

165
sociais, ambientais, políticas e éticas (Nascimento). Nascimento afirma ainda que:

O PRONERA realiza práticas e reflexões teóricas da Educação do Campo,


tendo como fundamento a formação humana como condição primordial, e
como princípio a possibilidade de todos e todas serem protagonistas da sua
história, criando novas possibilidades para descobrir e reinventar, democra-
ticamente, relações solidárias e responsáveis no processo de reorganização
socioterritorial em que vivem.

É nesse sentido que muitos jovens e adultos estão sendo formado em diversos
cursos espalhados pelo Brasil em diversas áreas do conhecimento. O assentamento
Menino Jesus já tem pessoas que foram beneficiadas nos cursos de Direito,
Agronomia, Pedagogia, Letras e cursos técnicos em Agropecuária e Gestão.
As políticas de Educação do campo vêm sendo implementadas no país no
tocante à formação dos camponeses. Porém, ainda há um limite no que se refere a
garantia da atuação desses profissionais nas suas comunidades para que possa im-
plementar a aprendizagem que adquiriu com os cursos que lhe foi oferecido.
Os educadores que trabalham no município de Água Fria, grande parte vem das
cidades circunvizinhas de outra realidade, portanto não se importa com a realidade
do município, e nem das especificidades das comunidades como garante a LDB no
seu artigo 28. Enquanto isso muitos filhos dos trabalhadores do assentamento Meni-
no Jesus estão qualificados e não consegue ser contratado para trabalhar na escola.
Um dos grandes problemas enfrentado na Escola Municipal Fabio Henrique
são os conteúdos iguais os da cidade, os professores despreparados pra lhe dar
com o púbico da reforma agrária, a falta dos professores, o atraso do transporte que
conduz os professores, a não valorização da luta do MST entre outros. É preciso que
os movimentos sociais continuem a luta de novas turmas pelo PRONERA, mas tam-
bém que intensifique a luta para garantir os profissionais formados exercendo suas
funções nas suas comunidades de origem.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Na medida em que foi sendo discutida a educação de maneira geral foi obser-
vado que já houve grandes mudanças na educação escolar do Assentamento Meni-
no Jesus. Uma das questões bem visíveis é o espaço físico que antigamente eram
espaços improvisados e atualmente tem seu próprio prédio. O ensino aprendizagem

166
também mudou porque antes quando os professores eram moradoras da comunida-
de conseguiam discutir melhor as questões especificas da melhoria da comunidade
além de participarem das atividades promovidas pelo MST no intuito de conquistar
mais benefício para as pessoas residentes no assentamento Menino Jesus. Com o
quadro de professores atual está muito difícil discutir as questões relacionadas com o
luta dos trabalhadores e da educação do campo. Os educadores não tem disponibili-
dade para participar dos cursos de formação promovido pelo setor de educação local
ou estadual do MST. As pessoas que já se capacitaram através dos cursos formais
ou não formais promovidos pelo MST ligados a política do PRONERA muitas vezes
ainda não tiveram oportunidade pra colocar seus conhecimentos em pratica devido
às burocracias do estado no que se refere aos concursos públicos. Ainda há uma
grande distância entre o que o movimento social prega na questão de formação para
seu povo especialmente os estudantes de suas escolas e o que é ofertado pelo poder
púbico municipal. Na verdade, o Secretaria de educação do município não respeita
a Lei de Diretrizes e Base que no seu artigo 28 garante adaptação às peculiaridades
da vida rural e de cada região.
Já houve várias tentativas de implementação do art. 28 da LDB no que se re-
fere aos conteúdos curriculares, as metodologias apropriadas, organização escolar
própria incluindo adequação do calendário e outras especificidades, mas sempre
houve resistência pela secretaria municipal de educação de Água Fria.

REFERÊNCIAS

CALDART, Rosili Salete; Fetzner … et al. Caminhos para transformação da escola:


reflexões desde praticas da licenciatura em educação do campo. 1 ed. São Paulo
Expressão Popular 2011. 248 p.

CALDART, Rosili Salete; PEREIRA, Isabel Brasil et al. Dicionário da Educação do


Campo. 2. Ed. Rio de Janeiro, são Paulo; Escola Politécnica de Saúde Joaquim Ve-
nâncio, Expressão Popular, 2012.

CALDART, Roseli Salete A ESCOLA DO CAMPO EM MOVIMENTO. Currículo


sem Fronteiras, v.3, n.1, pp.60-81, Jan/Jun 2003 http://www.ia.ufrrj.br/ppgea/conteu-
do/conteudo-2009-1/Educacao-MII/3SF/A_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMEN-
TO.pdf Acessado em 30/06/2016

167
NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. POLÍTICAS “PÚBLICAS” E EDUCAÇÃO DO
CAMPO: EM BUSCA DA CIDADANIA POSSÍVEL? Acessado em 20/06/2016: http://
www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_007/EDUCACAO/
Pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas.pdf

PINHEIRO, Maria do Socorro Dias. A concepção de educação do campo no cenário


das políticas públicas da sociedade brasileira. http://www.anpae.org.br/congressos_
antigos/simposio2007/289.pdf. Acessado em 19/06/2016.

Lei de Diretrizes e Base. Acessado 20/06/2016 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bits-


tream/handle/id/70320/65.pdf?sequence=3

168
10.48209/978-13-CAMPO6-7-2

FECHAMENTO DE ESCOLAS NO/DO

CAMPO, TERRITORIALIDADE,

GESTÃO DEMOCRÁTICA E (AUTO)

EDUCAÇÃO DOS POVOS DO CAMPO


Cláudio Rodrigues da Silva42

42 Doutorado em Educação - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia


e Ciências (FFC), campus de Marília. Endereço eletrônico: [email protected]
INTRODUÇÃO

Neste capítulo apresentam-se problematizações acerca da questão da política


de fechamento de escolas no/do43 campo e implicações para a gestão democrática
do ensino público e para a (auto)educação dos povos do campo.
A Educação do Campo é uma modalidade da educação escolar brasileira, que
visa propiciar uma educação contextualizada aos povos do campo (BRASIL, 1996;
2002).
A conquista da Educação do Campo foi decorrência principalmente de deman-
das e mobilizações desses povos, por intermédio de suas organizações, visando
garantir uma educação escolar que atenda às suas especificidades políticas, econô-
micas e culturais. Destaca-se que esses povos foram historicamente preteridos pelo
Estado brasileiro, em termos de políticas de educação escolar (FOLMER; MEURER,
2019; MORAES, 2019; SANTOS; PALUDO, 2020).
A década de 1990 configura-se como um marco em termos de mobilizações e
ações de variadas ordens, que resultaram, posteriormente, na conquista da Educa-
ção do Campo como uma política educacional no Brasil. No entanto, em contrapo-
sição a essa conquista legal, nessa mesma conjuntura passa a se intensificar uma
política de fechamento de escolas no/do campo. Essa política tem diversos impactos
negativos diretos e indiretos para o direito à educação escolar dos povos do campo
(FOLMER; MEURER, 2019; TAFFAREL; MUNARIM, 2015).
Assim, tem-se por objetivo, neste capítulo, apresentar problematização sobre
a inter-relação entre fechamento de escolas no/do campo, a territorialidade, gestão
democrática e a (auto)educação dos povos do campo. Argumenta-se que essa políti-
ca impacta negativamente na questão da territorialidade e da gestão democrática do
ensino público, o que, por sua vez, pode inviabilizar avanços na implementação ou
na execução de projetos de (auto)educação dos povos do campo em conformidade
com suas especificidades políticas, econômicas e culturais.

43 Nem toda escola instalada no campo é uma escola do campo, na acepção crítica de Edu-
cação do Campo, porém, uma escola do campo precisa, necessariamente, ser instalada no campo.
Educação para, no ou do campo é uma temática que gera polêmicas entre diversos setores da
sociedade brasileira, inclusive no âmbito acadêmico (BEZERRA NETO, 2016; CALDART, 2012;
CASSIN; NALLI, 2016; MORAES, 2019).

170
Trata-se de uma temática relevante e atual, uma vez que essa política tem di-
versas implicações – diretas e indiretas, imediatas e mediatas, individuais e coletivas
– para o direito à educação escolar dos povos do campo. Além disso, a educação
(a ser) propiciada aos povos do campo é um tema debatido tanto da perspectiva do
tempo presente quanto da perspectiva do tempo passado, em âmbitos nacional e
internacional (CELESTE FILHO, 2020; MORAES, 2019).
Para a realização deste estudo, documental e bibliográfico, analisaram-se do-
cumentos oficiais do governo federal brasileiro relacionados ao tema em tela, à luz
de bibliografias atinentes às temáticas do fechamento de escolas no/do campo, da
Educação do Campo, da educação em movimentos sociais e da gestão democrática.

FECHAMENTO DE ESCOLAS NO/DO CAMPO

Educação do Campo, por conseguinte, escola do campo, implica uma educação


contextualizada, conforme as especificidades políticas, econômicas e culturais dos
povos do campo. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNs)
(BRASIL, 2013, p. 225) possibilitam compreender o entendimento oficial acerca dos
povos do campo:

O [...] Decreto nº 7.352/2010 [...] Dá um entendimento abrangente ao concei-


to de populações do campo, diversificadamente constituídas pelos agriculto-
res familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e
acampados da reforma agrária, trabalhadores assalariados rurais, quilombo-
las, caiçaras, povos da floresta, caboclos e outros que produzam suas condi-
ções materiais de existência a partir do trabalho no meio rural.

Portanto, povos do campo é uma categoria ampla, que abrange vários povos
com singularidades diversas, porém, com uma característica comum, qual seja, vi-
vem no e do campo.
Conforme as DCNs (BRASIL, 2013, p. 125), “[...] a Educação do Campo, trata-
da como educação rural na legislação brasileira, incorpora os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura e se estende também aos espaços pesqueiros,
caiçaras, ribeirinhos e extrativistas [...]”.

171
No entendimento de Caldart (2012, p. 259, grifos da autora),

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual,


protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa
incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das comuni-
dades camponesas. Objetivo e sujeitos a remetem às questões do trabalho,
da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao embate
(de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que têm
implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de política
pública, de educação e de formação humana.

A Lei nº 12.960, de 2014 (BRASIL, 2014b), que altera a LDBEN (BRASIL, 1996),
determina critérios básicos para o fechamento de escolas no/do campo:

O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será prece-


dido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino,
que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a
análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade
escolar.

Taffarel e Munarim (2015, p. 47), fazendo referência a essa lei, apontam que
ela foi instituída “[...] em 27 de março do mesmo ano [2014] para coibir esse ato [de
fechamento de escolas] autoritário, abusivo, discricionário e, por fim, criminoso, que
vem sendo praticado por autoridades educacionais em quase todos os estados e
municípios brasileiros.” Ainda segundo esses autores,

Essa lei foi conquistada pelo Movimento Nacional de Educação do Campo,


com o mote ‘Fechar Escola é Crime’, e contrariou os interesses de gestores
locais de educação (estados e municípios). Em geral, esses gestores con-
trariados, como quem faz de conta que não sabe da lei, continuam com a
mesma prática. E é regra também não cumprirem a lei e dizerem que não o
fazem por pura incapacidade orçamentária, visto que o custo/aluno/qualidade
das escolas do campo é mais alto que a média. E na sequência muitos tentam
convencer o interlocutor – do Movimento Social, quando o diálogo ocorre – de
que a culpa do crime praticado é do sistema federativo, que impõe aos gover-
nos locais as obrigações sem a devida cobertura orçamentária. (TAFFAREL;
MUNARIM, 2015, p. 48)

Não obstantes os critérios estabelecidos pela LDBEN, fechamentos de escolas


continuam a ocorrer em diferentes pontos do território brasileiro. Porém, registram-
-se diversas iniciativas de resistências, levadas a termo por movimentos sociais de
povos do campo contrários a essa política (FOLMER; MEURER, 2019; TAFFAREL;

172
MUNARIM, 2015; TORRES; SILVA; MORAES, 2015).
Ainda que implementada de forma, em tese, pontual e dispersa, ao se conside-
rar os dados gerais referentes a essa política, constata-se expressiva quantidade de
escolas no/do campo fechadas em diferentes localidades do território nacional. Se-
gundo Taffarel e Munarim (2015, p. 46), “[...] os dados do Censo Escolar Inep/MEC,
assim como os dados do II PNERA [...] demonstram que ao longo da última década,
o número de escolas do campo brasileiras fechadas é enorme. As escolas foram re-
duzidas em 31,46%, ou seja, 32.512 unidades foram fechadas.” Esses autores desta-
cam, ainda, que “A última lista divulgada pelo MEC (INEP) aponta que 4.084 escolas
municipais e estaduais foram fechadas no decorrer de 2014, quase absolutamente
todas no campo.” (TAFFAREL; MUNARIM, 2015, p. 47).
A política de fechamento de escolas no/do campo está relacionada a diversos
fatores, principalmente econômicos, que envolvem os âmbitos internacional, nacio-
nal, estadual e municipal. Tanto esses fatores quanto esses âmbitos são, em alguma
medida e em determinados casos, imbricados entre si. Essa política, como apontado,
gera vários impactos negativos para o direito à educação escolar dos povos do cam-
po (MARTINS, 2004; TORRES; SILVA; MORAES, 2014, SILVA; MORAES; TORRES,
2015)44.
Além dos desdobramentos mencionados por esses e por outros autores, a po-
lítica de fechamento pode ter outros impactos, como, por exemplo, na territorialidade
e na gestão democrática das escolas públicas no/do campo.

TERRITORIALIDADE

A LDBEN, no artigo 28, reconhece as especificidades educativas dos povos


do campo e determina que devem ser garantidas adequações da organização e do
funcionamento da escola do campo às especificidades desses povos:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades


e interesses dos alunos da zona rural;
44 Esses e outros autores mencionados neste capítulo detalham vários desses impactos em
seus textos.

173
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 53, determina que “A criança


e o adolescente têm direito à educação [...]” e ao “[...] acesso à escola pública e gra-
tuita, próxima de sua residência [...]” (BRASIL, 1990).
No que se refere ao território, as DCNs, tratando da Educação Quilombola,
apontam que “[...] é no território que as clivagens culturais e sociais, dadas pela
geografia e pela história, se estabelecem e se reproduzem; e é na perspectiva do
desenvolvimento que se visualizam e se constituem as interfaces entre a educação
e outras áreas de atuação do Estado.” (BRASIL, 2013, p. 233).
No que tange à escola do campo, segundo as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, artigo 2º, parágrafo único,

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões


inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios
dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência
e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade
social da vida coletiva no país. (BRASIL, 2013)

Sem pretensão de esgotar essa temática, constata-se que a legislação federal

brasileira reconhece e, no plano formal, assegura um conjunto de direitos aos povos


do campo, direitos esses que remetem à questão do território e da territorialidade.
Na concepção de Zibechi (2003, p. 3), “El território es el espacio en el que se
construye colectivamente una nueva organización social, donde los nuevos sujetos
se instituyen, instituyendo su espacio, apropiándoselo material y simbolicamente.”
Considerando-se apontamentos de Fernandes (2012), inserem-se também nos
debates acerca do território os assentamentos e acampamentos da reforma agrária,
dentre outros. Conforme Fernandes (2012, p. 749), “[...] território camponês é um
conceito importante para entender a sua existência. Inseparáveis, são destruídos e
recriados pela expansão capitalista, mas também se fazem na secular luta pela terra,
na qual o camponês luta para ser ele mesmo.” Dessa forma, segundo esse autor,

174
[...] o território camponês é uma unidade espacial, mas também é o
desdobramento dessa unidade, caracterizada pelo modo de uso desse es-
paço que chamamos de território, por causa de uma questão essencial que
é a razão de sua existência. A unidade espacial se transforma em território
camponês quando compreendemos que a relação social que constrói esse
espaço é o trabalho familiar, associativo, comunitário, cooperativo, para
o qual a reprodução da família e da comunidade é fundamental. A prática
dessa relação social assegura a existência do território camponês, que, por
sua vez, promove a reprodução dessa relação social. Essas relações sociais
e seus territórios são construídos e produzidos, mediante a resistência, por
uma infinidade de culturas camponesas em todo o mundo, num processo
de enfrentamento permanente com as relações capitalistas. (FERNANDES,
2012, p. 746, grifos do autor)

O território enseja a questão da territorialidade. Considerando-se apontamentos

das DCNs (BRASIL, 2013, p. 438), “[...] a territorialidade é um princípio fundamental.


Não se trata de segregação e isolamento. A terra é muito mais do que possibilidade
de fixação; antes, é condição para a existência do grupo e de continuidade de suas
referências simbólicas [...].”
Folmer e Meurer (2019, p. 25) apontam que a territorialidade “[...] vem a somar
em um conjunto de relações que se estabelece diante de um sistema que integra três
dimensões: Sociedade, Espaço e Tempo, onde se busca a implantação da autono-
mia de um sistema.”
Assim, no caso dos povos do campo, há que se considerar as inter-relações
necessárias entre a territorialidade, o território e a terra, que se configura como fator-
-chave dessa tríade.
Por um lado, houve avanços, em termos de reconhecimento do direito ao terri-
tório e a uma educação contextualizada. Porém, por outro lado, a política de fecha-
mento de escolas afeta essas conquistas.
Apontamentos de Cassin e Nalli (2016, p. 367) contribuem para exemplificar
alguns desafios enfrentados por povos do campo de determinadas localidades:

[...] a população assentada do Mário Lago se depara, ainda hoje, com proble-
mas de transporte, na manutenção dos ônibus, na conservação das vias no
interior do assentamento, no tempo de deslocamento das crianças de suas
casas à escola, na dispersão das crianças assentadas atendidas em cinco
escolas diferentes, na resistência das crianças dos bairros em aceitar as as-
sentadas, a dificuldade dos pais em atender aos chamados das escolas e na
participação desses e das crianças nas atividades escolares fora do horário
de aula.

175
Com base nos apontamentos apresentados, considera-se que o fechamento
de escolas no/do campo e, por conseguinte, a transferência dos seus estudantes
para escolas em áreas urbanas ou para outras escolas no/do campo, porém, em
comunidades distantes de suas residências, resulta em deslocamentos diários, não
raramente envolvendo trajetos longos e demorados, o que implica, em determinados
casos, para além dos desdobramentos enunciados, desterritorialização desses estu-
dantes, ainda que em tempo parcial (MARTINS, 2004; SILVA; MORAES; TORRES,
2015)45.
Apontamentos de Folmer e Meurer (2019, p. 26-27) contribuem para a com-
preensão de impactos da desterritorialização, bem como da problematização realiza-
da neste texto: “[...] a desterritorialização significa o desarraigamento de povos, ati-
vidades sociais e econômicas que envolvem a comunidade, significando uma perda
de cultura que outrora estava ligado àquele espaço.”
Por isso considera-se que ocorre a desterritorialização, pois estudantes são
deslocados dos respectivos territórios e enviados a outros territórios, fenômeno que
tem implicações políticas, econômicas e culturais, não só para esses estudantes,
mas também para suas famílias e outros membros das suas comunidades. Dessa
perspectiva, mesmo as escolas localizadas no campo e que concentram os estu-
dantes oriundos de escolas fechadas incorrem, em determinadas circunstâncias, em
algum nível de desterritorialização.
No entendimento de Folmer e Meurer (2019, p. 30), “Não só há um fechamento.
Há uma desarticulação e por sua vez uma desterritorialização da Escola do Campo.”
Além dos impactos anteriormente enunciados, a desterritorialização, decorrente
da política de fechamento, afeta, também, o dispositivo legal da gestão democrática.

GESTÃO DEMOCRÁTICA

A Constituição Federal, no artigo 205, inciso VI, determina a “gestão democrá-


tica do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988).

45 Para determinados estudantes, como, por exemplo, público-alvo da Educação Especial,


os impactos do fechamento de escolas tendem a ser ainda mais sensíveis. Aliás, a interface entre
Educação do Campo e Educação Especial é outra condição adversa para a escolarização de pes-
soas que demandam essa interface (NOZU; RIBEIRO; BRUNO, 2018; TORRES et al, 2015).

176
A LDBEN, consoante com a Constituição determina no artigo 3º, que “O ensino
será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VIII - gestão democrática do
ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;” (BRASIL,
1996). No artigo 14, a LDBEN diz que

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino


público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e confor-
me os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto peda-


gógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou


equivalentes. (BRASIL, 1996)

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, no


artigo 10, também abordam a questão da gestão democrática:

O projeto institucional das escolas do campo, considerado o estabelecido no


artigo 14 da LDB, garantirá a gestão democrática, constituindo mecanismos
que possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade local, os
movimentos sociais, os órgãos normativos do sistema de ensino e os demais
setores da sociedade. (BRASIL, 2002)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no parágrafo único do artigo 53, de-


termina que “É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico,
bem como participar da definição das propostas educacionais.” (BRASIL,1990).
Portanto, considerando-se a legislação federal, as escolas públicas, inclusive
as no/do campo, devem ser geridas democraticamente, ou seja, com a participação
das comunidades nos processos decisórios.
Considera-se que a mencionada lei 12.960/2014, que altera a LDBEN, em al-
guma medida, é consoante com o princípio da gestão democrática, ao determinar a
necessidade da manifestação da comunidade escolar. Porém, conforme Taffarel e
Munarim (2015), a existência dessa lei não implica que ela seja cumprida.
A gestão democrática, não sem contradições e condições adversas decorren-
tes de fatores sociais estruturais e conjunturais, apresenta potencial de contribuição
para avanços no que se refere à participação popular em alguns aspectos da educa-

177
ção escolar em âmbito local, isto é, em questões da alçada decisória da escola.
Partindo do que apontam Dal Ri e Vieitez (2008) e Silva e Dal Ri (2019b), dentre
outros autores, a gestão democrática, não sem contradições, tem, também, potencial
de contribuir para avanços na implementação de projetos contra-hegemônicos de
(auto)educação, como, por exemplo, os levados a termo por movimentos sociais de
povos do campo.
Assim, retrocessos no dispositivo legal da gestão democrática tendem a re-
percutir na possibilidade do tensionamento da educação oficial, com vistas a demo-
cratizá-la, ainda que dentro da lógica institucional. Dessa forma, torna-se oportuno e
necessário que seja (re)colocada em tela, a partir de outro patamar e de perspectivas
das classes trabalhadoras, a questão da gestão democrática do ensino público, pois,
enquanto as classes trabalhadoras estiverem à margem dos processos decisórios,
a tendência é de que a educação continue a ser concebida, executada e gerida ex-
clusivamente – ou seja, sem disputas em âmbito institucional – da perspectiva das
classes dominantes.
Considerando-se apontamentos de Caldart (2012), Bezerra Neto (2016), Mo-
raes (2019), dentre outros autores, constata-se que a educação escolar propiciada
aos povos do campo foi historicamente concebida, executada e gerida por institui-
ções, organizações, intelectuais ou profissionais alheios ao campo e/ou às classes
trabalhadoras, a exemplo do que aponta Moraes (2019) sobre os ruralistas do ensino.
Esses apontamentos históricos remetem a debates contemporâneos sobre a
educação para, no e do campo46.
O dispositivo da gestão democrática propicia aporte legal e ético-político para
que as classes trabalhadoras – não sem contradições – reivindiquem e exerçam o
direito à participação nos processos decisórios da escola.
Iniciativas do MST de ocupação ou de posse são uma forma de disputar com
o Estado e com as classes dominantes, nos planos teórico e empírico, a educação
das classes trabalhadoras (MARTINS, 2004; SILVA; DAL RI, 2019a; 2019b). Dal Ri e
Vieitez (2008, p. 317, grifo dos autores) consideram o projeto educativo do MST

46 Por um lado, não se desconsidera que a Educação do Campo é recente na educação brasi-
leira. Por outro lado, considera-se que, ainda que com outros termos e especificidades das diferen-
tes conjunturas e sujeitos, gérmens desses debates já estavam presentes, há décadas, em pautas
de movimentos populares.

178
[...] uma posição política e educacional de primeira grandeza por suas cono-
tações sociais inclusivas, ou seja, o MST é partidário incondicional da escola
pública e gratuita. Ao que devemos acrescentar o termo de democráticas, por
nosso prognóstico decorrente da análise.

Destaca-se, no entanto, que essas disputas – que registram casos exitosos –


não ocorrem apenas no plano da execução, mas também no âmbito da concepção
das políticas educacionais, como se pode constatar, por exemplo, em documentos
oficiais relativos à Educação do Campo. Porém, partindo do que apontam Santos e
Paludo (2020), há que se considerar implicações decorrentes da incorporação e da
transformação dessa demanda dos povos do campo em uma política pública.
Essas iniciativas são, também, formas de tensionar o dispositivo da gestão de-
mocrática, com vistas a impulsionar avanços na efetivação desse dispositivo legal,
porém, da perspectiva do trabalho, e não da perspectiva do capital47. Esse tensiona-
mento apresenta potencial de contribuição para avanços também no que se refere a
outra bandeira histórica de alguns movimentos, qual seja, a educação dos trabalhado-
res sob a gestão das classes trabalhadoras (DAL RI; VIEITEZ, 2008; SILVA; DAL RI,
2019b). Isso remete aos diversos debates e iniciativas, pretéritas e atuais, de (auto)
educação levadas a termo por organizações das classes trabalhadoras (AGUIRRE
ROJAS, 2017; BARBOSA, 2016; LOUREIRO; 2010, 2017; 2019; OLIVEIRA, 2020;
SILVA, 2019)48.
Portanto, a política de fechamento de escolas no/do campo, além dos impactos
mais relacionados diretamente à desterritorialização, configura-se como mais uma
condição adversa, que inviabiliza a implementação da gestão democrática em es-
colas do campo, pois longas distâncias entre as escolas e as residências dos estu-
dantes tendem a inviabilizar a participação das famílias e de outros membros das
comunidades de origem dos estudantes desterritorializados.

47 Destaca-se que, ainda que com outros termos e com significativas diferenças entre si, a
gestão democrática é um princípio transcendente e comum a projetos educativos de alguns dos
principais movimentos sociais das classes trabalhadoras, desde meados do século XIX, com desta-
que para o cartismo britânico, o marxismo, o socialismo utópico e, na atualidade, o MST e o Zapa-
tismo, além de outras iniciativas de menor repercussão na literatura acadêmico-científica (SILVA;
DAL RI, 2019b).
48 Ressalta-se que iniciativas de resistência e auto-organização de determinadas frações das
classes trabalhadoras, desde o momento histórico da Revolução Industrial até a atualidade, ten-
dem a incluir projetos de (auto)educação (SILVA; DAL RI, 2019b).

179
FECHAMENTO DE ESCOLAS: PARA ALÉM DO ÂMBITO LOCAL

Considera-se pertinente a análise da política de fechamento de escolas no/do


campo para além da dimensão local e dos aspectos mais pontuais, o que não sig-
nifica desconsiderar sua relevância. Assim, faz-se necessário analisá-la desde uma
perspectiva mais abrangente, para além da alegação de baixo número de estudantes
matriculados nessas escolas e/ou das restrições orçamentárias dos entes federados.
Aliás, essas razões, pautadas pela lógica do custo-benefício, são históricas e recor-
rentes na produção discursiva de governantes e gestores estatais para explicar o
fechamento de escolas (FOLMER; MEURER, 2019; MUNARIM; TAFFAREL, 2015;
TORRES; SILVA; MORAES, 2015; SILVA; DAL RI, 2019b).
Assim, há que se considerar questões atinentes à geopolítica internacional,
à divisão internacional da produção, em especial no que se refere à divisão social
hierárquico-vertical do trabalho, às concepções de campo e de cidade (e as inter-re-
lações entre ambos, para além dos aspectos geográficos), entre outros quesitos, em
última instância, indissociáveis da concepção de sociedade e, por conseguinte, do
modo de produção dominante (MORAES, 2019; MUNARIM; TAFFAREL, 2015).
A educação escolar dos povos do campo implica diversas disputas e desafios,
sendo que alguns perpassam a história da educação brasileira (BEZERRA NETO,
2016; MORAES, 2019). Outros desafios assumem novas configurações, pois são
típicos da atualidade ou, então, apresentam-se como uma tendência (BARCELLOS
et al, 2020; NOZU; RIBEIRO; BRUNO, 2018; TORRES et al, 2015; TORRES; SILVA;
MORAES, 2015). Com base nos dados levantados, os indicativos são de que a políti-
ca de fechamento terá continuidade ou será intensificada, haja vista os progressivos
cortes nos investimentos estatais – que já eram insuficientes – na área da educação.
As tentativas de enfrentamento – ainda que sem garantias de êxito – desses
desafios demandam auto-organização e mobilizações populares de vários tipos e di-
ferentes instâncias, não só para evitar retrocessos, como também para demandar a
implementação adequada dos direitos constantes na legislação. Concomitantemen-
te, há que se considerar, também, a necessidade da conquista de novos direitos,

180
que propiciem as condições adequadas, materiais e simbólicas, de vida aos povos
do campo. A existência e o funcionamento adequado – em termos de quantidade e
de qualidade – de equipamentos públicos de uso coletivo são fundamentais para a
qualidade de vida dos povos do campo. A escola do campo – portanto, no campo – é
um dos equipamentos públicos de uso coletivo mais estratégicos para a viabilidade
de determinados projetos dos povos do campo (SILVA; MORAES; TORRES, 2015;
TORRES; SILVA; MORAES, 2015). Folmer e Meurer (2019, p. 29) contribuem para
exemplificar a relevância da escola do campo para povos do campo, em especial
para assentados da reforma agrária:

Os assentados entendem a Escola Do Campo como ferramenta de luta e


articulação da educação com movimento social. Assim, poderá transformar a
vida das crianças e jovens que desde cedo participam do movimento. Tam-
bém compreendem a mesma como necessária à vida dos educandos por
possibilitar um ensino voltado às condições de suas próprias vivências.

A conquista de direitos na legislação é importante e necessária, porém, por si


só, é insuficiente para a sua adequada efetivação. Ao longo da história da educação
brasileira constatam-se vários direitos ou determinações legais que, por diversas ra-
zões, não passaram do plano formal, noutras palavras, não saíram do papel (MO-
RAES, 2019).
Os direitos à educação escolar, a uma educação contextualizada (a Educação
do Campo) e à participação nos processos decisórios da escola (a gestão democrá-
tica) são decorrentes de históricas mobilizações populares. A sua efetividade e a sua
manutenção dependem eminentemente de correlação de forças favorável aos povos
do campo, suficiente para fazer com que governantes e gestores estatais cumpram,
adequadamente, o que determina a legislação. Na atualidade, esses e outros direitos
estão em iminente risco ou em efetivo retrocesso, em decorrência das políticas que
vêm sendo implementadas pelo Estado brasileiro, o que tem vários impactos negati-
vos para a educação escolar das classes trabalhadoras.

181
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de fechamento de escolas no/do campo implica vários impactos ne-


gativos para a educação escolar dos povos do campo. Um desses impactos é a
tendência à desterritorialização dos estudantes das escolas fechadas, o que afe-
ta negativamente não só o processo de ensino-e-aprendizagem dos componentes
curriculares, mas, também, o dispositivo da gestão democrática, o que dificulta ou
inviabiliza a participação dos povos do campo afetados nos processos decisórios da
escola.
Essa política é resultado e, ao mesmo tempo, gera implicações políticas, eco-
nômicas e culturais, envolvendo não só fatores nacionais, mas também questões
relacionadas à geopolítica internacional, dentre elas, a divisão internacional da pro-
dução e as diversas hierarquizações sociais verticais dela decorrentes.
Reitera-se, em consonância com o objetivo deste texto, que o fechamento de
escolas no/do campo e a desterritorialização de estudantes, além dos diversos im-
pactos negativos para o processo de ensino-e-aprendizagem, afetam, também, o dis-
positivo da gestão democrática, o que implica dificuldades ou inviabilidade de partici-
pação dos povos do campo e de suas organizações na gestão da escola. Isso tende
a resultar em maiores desafios para a conquista da hegemonia em escolas públicas
e, por conseguinte, para a execução de projetos contra-hegemônicos de (auto)edu-
cação no âmbito dessas escolas.

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186
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ESCOLAS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO


EM SETE DE SETEMBRO – RS
Elizandro Luiz Adamski Pauczinski49

49 Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, [email protected]


INTRODUÇÃO

Sete de Setembro está localizado no noroeste do estado do Rio Grande do


Sul, são municípios limítrofes Santo Ângelo, Giruá, Guarani das Missões e Senador
Salgado Filho. De acordo com dados do COREDE Missões (2016), a área territorial
do município é de 130 km² e sua população soma aproximadamente 2.169 habitan-
tes, os quais em sua maioria habitam o meio rural, em torno de 1630, enquanto 494
pessoas vivem na área urbana. Este fato denota que a principal base da economia do
município é a agricultura familiar. Entre os produtos cultivados os mais expressivos
são as hortaliças, em torno de 28%; a criação de gado leiteiro, somando 41% (CO-
REDE Missões, 2012).
Levando em conta os aspectos populacionais apresentados, o presente ensaio
tem por objetivo geral analisar a participação das escolas rurais do município nas
comunidades rurais e urbana. Assim como: a) mapear as escolas do município da
área urbana e rural; b) descrever a infraestrutura de cada escola; c) analisar as pro-
postas pedagógicas das escolas rurais, na perspectiva da educação do campo; d)
compreender a importância das escolas do meio rural para a comunidade local.
A metodologia do trabalho foi estruturada nas seguintes etapas: a primeira des-
tina-se ao levantamento bibliográfico; a segunda refere-se ao levantamento in loco
(campo) e por fim a terceira constituiu-se na análise e interpretação dos dados alcan-
çados, assim como, para a redação do texto final da pesquisa. O município possui
quatro escolas ao total, uma no perímetro urbano e as demais localizam-se na área
rural, são elas: a Escola Estadual de Ensino Médio São Roque, localizada na área
urbana, oferece Ensino Fundamental e Ensino Médio; A Escola Municipal de Ensino
Fundamental Gaúcha, da Linha Gaúcha, área rural; A escola da Linha Boa Vista, Es-
cola Municipal de Ensino Fundamental Sargento Pedro Krinski e a Escola Estadual
de Ensino Fundamental Nossa Senhora do Carmo da comunidade da Linha Barreira.
(Secretária da Educação do Município Sete de Setembro, 2018).
As escolas possuem boa infraestrutura com bibliotecas, salas de vídeo, refei-
tórios, sala de informática (apenas na Escola Estadual de Ensino Médio São Roque),
espaço para o lazer como: parquinhos e quadras de vôlei e futebol. A importância das
escolas das áreas rurais do município se dá por inúmeros fatores, porém o mais cita-

188
do pelos depoentes é o deslocamento, observam que a escola na comunidade facilita
o acesso à educação, além de estar localizada no espaço de vivência dos alunos,
promovendo, de certa forma, a valorização do local, dos hábitos e costumes dessas
comunidades em que estão inseridas. Mas, nem sempre a escola desenvolve méto-
dos de ensino que estimulam os alunos a valorizarem as experiências vivenciadas
por eles e seus familiares, como destaca o depoente A, “a escola da comunidade da
Linha Boa Vista não aborda assuntos referente a lida no campo, muito menos sobre a
nossa cultura. São valores que vão se perdendo, pois, as nossas crianças observam
outra forma de viver, mais fácil, do que o trabalho na lavoura e na horta”. (Diário de
Campo, 2018). “Os professores também não ajudam, poucos são os do nosso muni-
cípio, e nem um é daqui da comunidade, muitos vêm de outros municípios da região
para lecionar no Sete de Setembro”, destaca o depoente B. (Diário de Campo, 2018).
“Uma das preocupações da comunidade da Linha Barreira é o reduzido número de
crianças em idade escolar, e a Secretaria de Educação do Município está cogitando
a hipótese de nucleação”, revela o depoente C (Diário de Campo, 2018).
Os espaços rurais geralmente são territórios com pouca densidade demográfi-
ca, porém essa característica não se aplica ao município de Sete de Setembro/RS,
onde a população rural aumentou nos últimos anos. Fenômeno pouco valorizado e
explorado, tanto pelo poder público como pelos munícipes, pois essas sociedades/
comunidades produzem paisagens específicas, por meio do trabalho cotidiano e es-
tabelecem relações recíprocas entre os membros dessas comunidades com a esco-
la. Assim, a escola do campo poderia constituir-se como representante e reprodutora
das histórias, memórias do espaço em que está inserida, ou seja, incluir no processo
de ensino e aprendizagem as formas, cores, estruturas, cheiros, processos, funções
e sabores, ou seja, os traços daqueles e daquelas que construíram/produziram o es-
paço geográfico rural de Sete de Setembro (RS).

IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DENTRO DAS ESCOLAS

O presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma analise da educa-
ção do campo no município de Sete de Setembro, onde as escolas não demonstram
um trabalho sobre o assunto, fazendo com que torne necessário a realização de um
estudo apurando os fatores que demonstre a não aplicação do ensino sobre o recor-

189
rente assunto.
A educação do campo deve ser implementada nas escolas onde o município
apresente um número elevado de moradores camponeses, com isso o ensino levará
para os alunos a importância de compreender o trabalho que é realizado no meio
rural.
É importante destacar que a população do campo e a educação do campo tem
objetivos de produzir e reproduzir a realização de bens que agrega valores para o
município. De acordo com O Decreto 7352/2010 em seu artigo 1º conceitua popula-
ção de campo e escola do campo:

Populações do campo: agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores


artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária,
os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos
da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de
existência a partir do trabalho no meio rural.

Escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fun-
dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situa-
da em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do
campo (BRASIL, 2010).

Nesse contexto, o município de Sete de Setembro apresenta quatro escolas,


sendo duas municipais e duas estaduais, e dentro delas, apenas uma possui o ensi-
no médio, sendo a única localizada na área urbana. Dentro dessa escola que possui
o ensino médio, os alunos que terminam o ensino básico ou fundamental nas escolas
rurais, para continuar os estudos transferem-se para está escola, portanto, isso faz
com que ela possua um número elevado de alunos do campo, trazendo fatores que
colocam que a educação do campo deve ser aplicada dentro dela.
De acordo com o Decreto 7352/2010 em seu artigo 2º conceitua os princípios
da educação do campo:

I - Respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, am-


bientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia;

II - Incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para


as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escola-

190
res como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e
estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e
ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho;

III - desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação


para o atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se
as condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo;

IV - Valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pe-


dagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais
necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade na organização
escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola
e às condições climáticas;

V - Controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva par-


ticipação da comunidade e dos movimentos sociais do campo.

Nessa perspectiva, a educação do campo traça a valorização da identidade dos


camponeses, levantando pontos que devem ser colocados em pratica nas escolas,
para conscientizar aos alunos a se colocarem na vida rural, junto com suas famílias.

AS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE SETE DE SETEMBRO

O município de Sete de Setembro conta com quatro escolas, sendo três na


área rural e apenas uma na área urbana e dentre elas, duas são municipais e duas
estaduais. E dessas apenas uma conta com o ensino médio completo.
As escolas são Escola Estadual de Ensino Médio São Roque; A Escola Muni-
cipal de Ensino Fundamental Gaúcha, da Linha Gaúcha; Escola Municipal de Ensino
Fundamental Sargento Pedro Krinski e a Escola Estadual de Ensino Fundamental
Nossa Senhora do Carmo; a última com possibilidades de fechar por possuir um bai-
xo número de alunos.
Única escola que está localizada no perímetro urbano, sendo a que possui o
maior número de alunos.

191
Figuras 1 e 2: Escola Estadual de Ensino Médio São Roque

Fonte: Pauczinski, 2018

Fonte: Pauczinski, 2018.

Escola que se encontra no perímetro rural, na comunidade da linha Gaúcha,


possui apenas o ensino básico.

192
Figuras 3 e 4: Escola Municipal de Ensino Fundamental Gaúcha

Fonte: Pauczinski, 2018.

Fonte: Pauczinski, 2018.

Escola localizada no perímetro rural, na comunidade da linha Boa Vista e pos-


sui apenas o ensino básico.

193
Figuras 5 e 6: Escola Municipal de Ensino Fundamental Sargento Pedro Krinski

Fonte: Pauczinski, 2018.

Fonte: Pauczinski, 2018.

Escola localizada no perímetro rural, comunidade da Linha Barreira e sendo a


única das escolas no meio rural que possui o ensino fundamental completo.

194
Figuras 7 e 8: Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora do Carmo

Fonte: Pauczinski, 2018.

Fonte: Pauczinski, 2018.

195
REFERÊNCIAS

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ed.). IBGE. Disponível em:


<https://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 14 jul. 2018.

FEE. COREDE. Disponível em: <https://www.fee.rs.gov.br/perfil-socioeconomico/co-


redes/>. Acesso em: 14 jul. 2018.

SETE DE SETEMBRO. PREFEITURA MUNICIPAL. (Org.). Prefeitura Municipal de


Sete de Setembro. Disponível em: <https://www.setedesetembro.rs.gov.br>. Acesso
em: 14 jul. 2018.

BRASIL. Decreto 7352 de 04 de novembro de 2010. Disponível em: http://portal.mec.


gov.br/docman/marco-2012-pdf/10199-8-decreto-7352-de4-denovembro-de-2010/
file. Acesso em: 11 set. 2018.

196
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CONTRIBUIÇÕES DO “TRABALHO

DE CAMPO”

(GEOGRAFIA E ANTROPOLOGIA)

PARA A FORMAÇÃO ACADÊMICA DE

ESTUDANTES DE CIÊNCIAS SOCIAIS


Cláudio Rodrigues da Silva50

50 Doutorado em Educação - Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Faculdade de Filoso-


fia e Ciências – campus de Marília – endereço eletrônico: [email protected]
INTRODUÇÃO51

Neste capítulo tem-se por objetivo apresentar aspectos das contribuições do


“trabalho de campo” para a formação acadêmico-científica de estudantes de Gra-
duação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista, campus de Marília.
“Trabalho de campo” era52 a denominação formal de uma atividade integran-
te do currículo da disciplina de Fundamentos da Geografia, do 2º ano do curso em
referência. Essa atividade, realizada há vários anos e de periodicidade anual, con-
sistia em uma estadia de dois dias em um acampamento e em um assentamento
da reforma agrária, ambos no município de Promissão, no Estado de São Paulo. As
edições de 2011 e 2012 dessa atividade, móbeis de problematização deste texto,
foram realizadas no Assentamento “Reunidas” e no Acampamento “Augusto Boal”. O
Assentamento “Reunidas” é, segundo Olivier e Percassi (2012, p. 6), é o “mais antigo
do estado de São Paulo”. Conforme Fernandes et al (2016, p. 32),

O Assentamento Reunidas foi um dos primeiros assentamentos no estado


[...]. [é] Oriundo da luta dos movimentos sociais e sindicais pelo acesso à re-
forma agrária nos anos 1980 [...]. Está organizado em dez agrovilas: Agrovila
São Pedro, Agrovila de Penápolis, Agrovila de Birigui, Agrovila de José Boni-
fácio, Agrovila de Campinas, Agrovila Central e Agrovila dos 44, Agrovila de
São Bento, Promissãozinha e Agrovila dos 12.

Na edição de 2011 do trabalho de campo houve interlocução53 com a disciplina


de Fundamentos da Antropologia, integrando, dessa forma, as atividades também
dessa disciplina. É importante ressaltar isso, haja vista que, no curso em referência,
a interlocução entre disciplinas, de maneira oficial e efetiva, não era praxe. Também
não era praxe a realização de atividades formalmente vinculadas às disciplinas fora
dos ambientes da universidade. Não raramente, a única atividade curricular reali-

51 Singelamente dedicado à Profa. Dra. Mirian Cláudia Lourenção Simonetti, que dedicou par-
te significativa de sua vida à educação pública e à questão da terra (e da Terra!).
52 Em determinados casos, por cautela metodológica, utilizam-se verbos no pretérito, pois este
trabalho apresenta dados com base em um momento específico do curso. Destaca-se, porém, que
o uso do pretérito de forma alguma sugere que essa situação tenha perdurado ou mudado após
aquele momento.
53 Opta-se por utilizar o termo interlocução – e não interdisciplinaridade –, pois, partindo do
entendimento de Fazenda (2003), interdisciplinaridade extrapolaria uma aproximação pontual de
disciplinas, como ocorreu com a atividade mencionada, o que não afeta a sua relevância.

198
zada fora desses ambientes eram os estágios curriculares obrigatórios, no caso de
estudantes que optam pela licenciatura. Portanto, essas atividades ocorriam não por
iniciativa de docentes ou da universidade, mas, por força da legislação. Havia, tam-
bém, projetos de extensão, porém, com configurações diferenciadas em relação ao
trabalho de campo.
Durante o trabalho de campo, os estudantes, comumente organizados em gru-
pos, entrevistaram assentados e acampados sobre questões relacionadas, dentre
outros aspectos, ao cotidiano nesses territórios, sendo as formas de encaminha-
mento e as temáticas das entrevistas e observações previamente definidas. Além
disso, os estudantes participaram de atividades culturais concebidas e executadas
pelos assentados. Entre as atividades desenvolvidas estiveram a apresentação da
história do Assentamento, que incluiu o processo de conquista daquelas terras, por
intermédio do projeto de reforma agrária; manifestações artístico-culturais; visitas a
lotes, a espaços e instalações de produção, além de outros momentos de interação,
individual ou coletiva, com assentados.
Os dados apresentados neste texto são decorrentes de observação participante,
entrevistas semiestruturadas e de formulários (GIL, 1987) respondidos por estudantes
que participaram da atividade em tela. Considera-se pertinente a apresentação do
ponto de vista discente, pois – recorrendo a palavras de Munakata (2012), ao tratar
da questão do livro didático –, os estudantes são sujeitos quase sempre em elipse na
educação escolar.

CONTRIBUIÇÕES DO TRABALHO DE CAMPO

Um dos pontos destacados pelos participantes refere-se à dimensão mais prá-


tica dessa atividade. Ressalta-se que era recorrente entre estudantes a realização
de críticas em relação ao caráter – recorrendo a palavras de integrantes desse seg-
mento – “puramente teórico”, “distante da realidade” e “abstrato” desse curso. Aliás,
é típica desse curso a predominância de disciplinas eminentemente teóricas. Apre-
sentam-se, a seguir, alguns posicionamentos de participantes:

Sim, é importante, porque nas Ciências Sociais o curso é muito teórico e, de-
pendendo da área que cada um vai seguir é bom ter alguma experiência ou

199
prática. (ESTUDANTE F)

Acredito que o papel do cientista social não é apenas teórico, deve ser tam-
bém prático, empírico. A ida a campo durante a formação, por este motivo, é
de extrema importância para a nossa formação. (ESTUDANTE I)

Além de ser uma [iniciativa] interessante e bastante importante para a forma-


ção acadêmica, [...] foi uma experiência de conhecimento de uma realidade
um tanto velada para nós alunos urbanos. (ESTUDANTE A)

Acho fundamental que os estudantes saiam do espaço somente da universi-


dade e conheçam as outras realidades que existem. (ESTUDANTE C)

[...] a gente lê muito no curso, mas [...] quando chega na prática, é difícil.
Aquele texto de Antropologia54 teve outro sentido pra mim, depois do assen-
tamento, porque, além de ser um texto difícil, pra mim ele era muito abstrato.
[...] Acho que, agora, quanto eu ler textos da Antropologia, eu vou saber juntar
as peças, porque antes eu ficava me perguntando sobre [o] para quê ler al-
guns textos dessa disciplina [...]. (ESTUDANTE J)

[...] fundamental, pois não ficamos só na teoria e conseguimos ver na realida-


de questões postas no nosso curso. (ESTUDANTE G)

A relação entre teoria e prática é uma polêmica histórica e recorrente na área


da educação no Brasil, especialmente em se tratando de cursos de licenciaturas,
cujos debates assumem configurações específicas, típicas dessa área (GATTI, 2010;
MELLO, 1981; PIMENTA, 2010).
Alguns estudantes disseram que se tratou da sua primeira experiência de cam-
po até aquele momento do curso.

Além de ser um trabalho coletivo, com a turma toda, todos os recursos, de


estadia para a pesquisa e exploração do assentamento foram providos para
uma primeira experiência de campo dos alunos. (ESTUDANTE A)

[...] iniciativas como esta, tão importantes e [que nas outras disciplinas] não se
dão da mesma forma. (ESTUDANTE H)

[...] uma atividade muito importante para a nossa formação enquanto cientis-
tas sociais. A considero desta forma, por tratar-se da primeira atividade empí-
rica realizada após um ano e meio de curso. (ESTUDANTE I)
54 Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronislaw Malinowski.

200
Para mim foi, de verdade, a primeira vez que eu participo de uma atividade
como essa. Me apaixonei ainda mais pelo curso. Eu já adorava o curso, mas
essa atividade prática me deu uma outra noção, deu outro sentido para mim,
para poder ver como eu aplico o que aprendo nas disciplinas. (ESTUDANTE
K)

A (con)vivência e a observação, principalmente em sala de aula, permitiram


constatar, especialmente entre estudantes do primeiro e do segundo anos, indícios de
dificuldades, expressas verbalmente por alguns deles, em relação ao acompanhamento
do curso ou mais especificamente de algumas disciplinas. Entretanto, estudantes em
fase de finalização, bem como egressos desse curso também relataram dificuldades
para acompanhamento (com o desejado aproveitamento) quando cursaram o primeiro
e o segundo anos especialmente. Com base nos dados levantados em estudos sobre
leituras acadêmico-científicas na Graduação (SILVA, 2018; 2021), destaca-se que
nem todos os estudantes conseguem, de forma espontânea e/ou sem a mediação
docente, estabelecer conexões entre diferentes disciplinas do curso e/ou entre essas
disciplinas e a realidade social.
Vale destacar que alguns estudantes consideraram reduzido ou insuficiente o
tempo destinado à realização da atividade em campo, isto é, no acampamento e no
assentamento. Ressalta-se que o trabalho de campo envolveu preparativos em sala
de aula antes e depois da atividade em campo e, durante aulas precedentes, foi rei-
terado pelos docentes que o objetivo era propiciar uma oportunidade de um contato
inicial com o trabalho empírico, com a mediação docente e para além dos ambientes
da universidade.
Porém, para a realização de atividades como essa, são demandados trabalhos
e empenhos extras – tanto de docentes, quanto de discentes –, se comparados às
demandas para aulas no formato habitual e preponderante no curso, isto é, unicamente
dentro da sala de aula ou no espaço do campus universitário e sem interlocução
entre diferentes disciplinas do curso.
Há que se considerar, ainda, que a realização de atividades como o trabalho
de campo e que não tenham um caráter de obrigatoriedade institucional ou legal
tende a se tornar cada vez mais desafiadora, devido principalmente às crescentes
demandas, sejam em termos de procedimentos administrativos, sejam em termos de

201
produtividade colocadas aos docentes. O trabalho de campo requer condições ade-
quadas, tanto para estudantes (vários realizam trabalho remunerado e/ou não têm
disponibilidade para ausências mais prolongadas do trabalho e/ou da família, dentre
outras situações adversas), quanto para docentes (tempo, outros compromissos aca-
dêmicos, verbas, equipamentos etc.).
Outro ponto destacado foi a interlocução entre as disciplinas de Fundamentos da
Geografia e de Fundamentos da Antropologia, durante uma das edições do trabalho
de campo. Apresentam-se, a seguir, pontos de vista de alguns estudantes:

Creio [que] a interlocução entre as duas disciplinas [...] é muito produtiva, con-
siderando que o ambiente visitado, pela sua idiossincrasia político-territorial e
de ser um lugar onde as relações sociais ocorrem de forma diferente, tornou
um terreno muito fértil para o trabalho nas duas disciplinas. (ESTUDANTE A)

Ótima, pois foram duas visões sobre o trabalho de campo. (ESTUDANTE D)

Durante a pesquisa de campo, as questões antropológicas e geográficas por


muitas vezes se misturavam. Desta forma, sob meu ponto de vista, o conhe-
cimento em campo se tornou mais enriquecedor. Questões como identidade,
estereótipos entre outros, estavam diretamente ligados à questão da terra.
(ESTUDANTE H)

Importante [pois] [...] dá para relacionar as duas matérias. (ESTUDANTE G)

Eu avalio como sendo boa a interlocução entre as disciplinas de Fundamen-


tos de Geografia e de Antropologia durante o trabalho de campo. Principal-
mente no momento anterior à ida a campo, nas aulas em que trabalhamos os
textos55 de Malinowski e Foote-Whyte sobre como fazer e as dificuldades do
trabalho empírico. (ESTUDANTE I)

Com base no que foi expresso pelos participantes, considera-se que a


interlocução entre as disciplinas propiciou maior aporte teórico-prático aos estudantes,
tanto para e durante a realização do trabalho de campo, quanto posteriormente, para a
realização, em sala de aula, das atividades pedagógicas decorrentes desse trabalho.
Estudantes que participaram das duas edições do trabalho de campo, isto é, da de

55 Esse estudante faz referência aos textos estudados na disciplina de Fundamentos de An-
tropologia com vistas especificamente ao trabalho de campo, quais sejam, Argonautas do Pacífico
Ocidental, de Bronislaw Malinowski, e Treinando a observação participante, de William Foote-Whi-
te.

202
2011, na qual ocorreu a interlocução, e da de 2012, na qual não ocorreu a interlocução,
disseram que eram perceptíveis e significativas as diferenças decorrentes da não
interlocução, tanto em relação aos seus próprios desempenhos, quanto em relação
aos desempenhos de outros estudantes. Isso porque, como apontado, na edição de
2011, houve, em ambas disciplinas, uma preparação específica para a realização do
trabalho de campo.
Quanto à pertinência e à viabilidade da realização de atividades análogas
ao trabalho de campo, porém, envolvendo outras disciplinas do curso, todos
os participantes responderam afirmativamente. Alguns posicionamentos são
apresentados a seguir:

Sim, o trabalho de campo entre outras disciplinas romperia, em certa medida,


com as ‘fronteiras’ que separam a instituição acadêmica (a teoria) do mundo,
da realidade que nos cerca e muitas vezes nos é desconhecida. [...] um ponto
positivo [...] desta interlocução [...] seria a percepção de que a separação de
disciplinas que vemos no sistema educacional pode não se dar na prática,
pois várias questões são interligadas e fazem parte de nosso cotidiano. (ES-
TUDANTE H)

Claro, a disciplina de política, por exemplo, está bem relacionada ao tema, de-
vido ao amplo estudo dos movimentos sociais. Embora exista a possibilidade
de envolvimento com outras disciplinas, isso fica um tanto delicado, devido às
particularidades destas. (ESTUDANTE A)

Estamos nos formando em um curso de Ciências Sociais e a interlocução


entre as matérias é indispensável. A interlocução, na verdade, deveria ser
entre todas as matérias do curso e não somente entre Geografia e Antropo-
logia. Devido à especialização presente em nossa sociedade, é difícil fazer a
interlocução, mas vejo essa dificuldade como algo produtivo e fundamental no
curso. (ESTUDANTE B)

Acho que um trabalho conjunto que envolva todas as áreas do curso é impor-
tante, já que as disciplinas têm uma ligação. (ESTUDANTE C)

Seria bastante interessante um diálogo entre as diferentes disciplinas [...] há


muitos pontos de convergência e uma tem muito a acrescentar a outra. [...]
uma formação ampla e multidisciplinar ocorreria não apenas do ponto de vista
teórico, como também empírico. (ESTUDANTE I)

203
Entretanto, alguns estudantes apresentaram ressalvas em relação à pertinên-
cia e à viabilidade de realização de atividades análogas ao trabalho de campo envol-
vendo outras disciplinas desse curso:

Sim, porém, deve-se considerar quais disciplinas. O fato de ir ao campo lite-


ralmente a fim de estudar as questões de aula, creio eu, devem estar condi-
zentes com o tema estudado pela matéria, caso contrário ficará algo um tanto
deslocado. (ESTUDANTE A)

[...] eu adoraria, mas acho que não daria tão certo como esta, porque seriam
muitos professores a serem envolvidos. E também acho que nem toda disci-
plina dá certo para isso, por exemplo, Filosofia e Psicologia. (ESTUDANTE L)

Sim, se conseguir que seja agradável e que seja levado a sério, tanto para
quem coordena o trabalho de campo, quanto para o aluno. (ESTUDANTE F)

Penso que o envolvimento de várias disciplinas em uma pesquisa de campo


seria inviável tendo em vista uma maior organização que esta necessitaria,
apesar de [...] a separação de disciplinas serem formas de ‘arranjos’ institu-
cionais para aplicação de conhecimento. (ESTUDANTE H)

O “Projeto Político Pedagógico” do curso em tela, que coloca dentre os seus


objetivos a articulação entre “pesquisa, ensino e extensão”, diz que

O objetivo principal do Curso de Ciências Sociais da UNESP, Campus de


Marília, é proporcionar uma formação teórica básica dos fundamentos das
Ciências Sociais, bem como a compreensão das metodologias das diversas
áreas do conhecimento, de modo a proporcionar aos profissionais, tanto do
Bacharelado como da Licenciatura, uma visão interdisciplinar, múltipla e mais
próxima da realidade que todo cientista social e docente deve ter e compreen-
der. (UNESP, 2018, p. 2, grifos nossos)

É recorrente em projetos político-pedagógicos, na literatura acadêmico-científica


e na produção discursiva docente a defesa da interdisciplinaridade ou mesmo da
transdisciplinaridade, em contraposição à perspectiva disciplinar (FAZENDA, 2003).
Porém, ações no sentido de superação de abordagens disciplinares pareciam
incomuns e incipientes, pois requerem, entre outros fatores, a disponibilidade de do-
centes (a serem) envolvidos ou mesmo alterações estruturais no curso.
Assim, o fato de o trabalho de campo integrar formalmente as atividades da
disciplina de Fundamentos da Geografia configura-se como um diferencial. Isso por-

204
que não são incomuns visitas de estudantes a acampamentos e assentamentos da
reforma agrária, inclusive nos mencionados neste texto, porém, não raramente, são
atividades sem vínculo formal curricular ou então são organizadas por estudantes ou
suas entidades.
O trabalho de campo teve repercussões para além dos aspectos mais pedagó-
gicos, isto é, voltados para as finalidades das disciplinas. Alguns participantes desta-
caram outras contribuições dessa atividade para a sua formação:

Foi uma experiência boa. É um trabalho muito importante, pois nos permite
conhecer a verdadeira realidade do movimento dos sem-terra. (ESTUDANTE
C)

Foi interessante no sentido da vivência apreendida durante o [trabalho] de


campo, entender a luta dos integrantes do MST e até simpatizar pela causa.
(ESTUDANTE F)

A experiência, não só acadêmica, mas pessoal. (ESTUDANTE G)

[...] uma lição de vida, de solidariedade, de garra, de organização etc. Também


de respeito, outras culturas, outros jeitos de viver [...]. Isso não faz parte da
minha realidade do dia a dia. Se não fosse por esse trabalho, provavelmente
eu jamais teria conhecido esse espaço, essas pessoas [...]. (ESTUDANTE M)

Vários estudantes relataram que, anteriormente ao trabalho de campo, nunca


estiveram em um acampamento ou em um assentamento da reforma agrária. Alguns
disseram também que nunca estiveram em áreas rurais.

[...] acho que para vocês, que são do interior, pode até parecer estranho, mas,
eu sou muito urbanoide, eu nunca tive oportunidade de estar numa área ru-
ral. Eu ia muito para o litoral, mas, ruralzão, como aqui, nunca. Eu via o rural
quando passava pelas rodovias, mas nunca pude parar, conversar com eles,
pisar na terra, respirar esse ar [...]. (ESTUDANTE K)

[...] você viu quando [nome citado suprimido intencionalmente] falou sobre
o que a sua mãe disse, quando ele falou que ia no assentamento? A minha
situação é bem parecida com essa. Eu imaginava totalmente o contrário do
que eu vi. [...] Quando eu contar pra minha mãe que eu estive lá, ela vai ter
um ataque [...]. (ESTUDANTE J)

Alguns estudantes relataram, também, que, até o momento do trabalho de cam-

205
po, suas informações acerca da questão da reforma agrária, dos movimentos sociais
do campo e assuntos correlatos eram pautadas pela mídia hegemônica. Outros abor-
daram a imagem difundida por essa mídia:

[...] o trabalho de campo foi a atividade com a qual [...] mais e melhor [...] pude
aprender, conhecendo empiricamente sobre reforma agrária e Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra [...], rompendo com pré-noções e estereóti-
pos. (ESTUDANTE I)

[...] foi importante como forma de conhecermos a realidade da luta do MST e


dos diversos indivíduos e suas famílias. [...] de certa forma, nos aprofundar na
questão agrária que se apresenta tão distorcida nos meios de comunicação.
(ESTUDANTE H)

[...] no caso dos sem terra foi ótima a troca de experiências e a desconstrução
de estereótipos criados pelas diversas mídias. (ESTUDANTE B)

[...] a visão que eu tinha deles era toda estereotipada, porque tudo o que eu
sabia deles era pelo Jornal Nacional [...] Na faculdade, meus assuntos de in-
teresse são outros, então, diferente de algumas pessoas aqui, eu não estudo
essas questões [...]. Eu saí com uma outra visão sobre eles [...]. (ESTUDAN-
TE K)

Segundo Jezus (2010, p. 332), “[...] ideias reacionárias e conservadoras, que


normalmente se opõem às propostas de reforma agrária e, muitas vezes, ainda cri-
minalizam os legítimos movimentos sociais de luta pela terra, especialmente o Movi-
mento de Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), prevalecem na mídia.”
Assim, o trabalho de campo propicia condições para que os estudantes avan-
cem inclusive no processo de formação acadêmica, especialmente no que se refere
à autonomia intelectual, ao posicionamento crítico e à metodologia da pesquisa cien-
tífica.

[...] foi marcante para mim. E não só para mim, acho que para todo mundo.
Oportunidade única. Eu nunca me imaginei em um acampamento de pessoas
sem-terra. [...] Aprendi pra caramba. Eu quero ir para a Antropologia e esse
trabalho está me ajudando a entender a parte metodológica, porque quando
a gente lê a bibliografia, parece fácil, mas quando a gente ‘cai no campo’, aí a
coisa pega, porque é preciso colocar a teoria na prática [...]. (ESTUDANTE M)

206
[...] eu achei importante, porque vai me ajudar bastante, porque no próximo
ano eu quero submeter minha bolsa de iniciação científica e tem bastante
coisa que eu tenho dúvidas. Aqui, por exemplo, eu consegui esses detalhes
metodológicos, do como fazer na prática, do como explicar no projeto, enfim,
essas coisas burocráticas que a gente precisa fazer. (ESTUDANTE L)

Pontos positivos: o diálogo entre as duas áreas de conhecimento. As orien-


tações de como nos portarmos em campo, observar, entrevistar, vindas so-
bretudo da disciplina de Fundamentos de Antropologia foram de grande valia
para o trabalho como um todo. (ESTUDANTE I)

Para Silva Júnior (1996, p. VII), “[...] espera-se ainda e principalmente que a
universidade não se reduza à tarefa da formação profissional sem colocar em ques-
tão os rumos dessa formação e sem analisar criticamente as determinações que
envolvem a formação pretendida e oferecida.” Dessa perspectiva, o compromisso da
universidade extrapola a dimensão estritamente pedagógica.
Simonetti (2011, p. 7) argumenta que “A demanda por terra dos Sem Terra e
suas experiências realizadas nos acampamentos e assentamentos, clama por com-
preensão visto que nenhuma sociedade pode pensar em mudanças sem refletir pro-
fundamente sobre todos os seus segmentos sociais.”
Ressalta-se o potencial educativo dos movimentos sociais contra-hegemôni-
cos, inclusive para fins de constituição de uma visão crítica acerca da sociedade
(AGUIRRE ROJAS, 2012; BARBOSA, 2016; DAL RI; VIEITEZ, 2008), bem como das
atividades de extensão para a formação dos estudantes (FERNANDES et al, 2016;
LOUREIRO, 2010).
Conforme Cassin e Goldschmidt (2014, p. 12),

[...] com relação aos assentamentos rurais, inferimos que os ataques que eles
têm sofrido pela elite e também pela classe média são a potencialidade edu-
cativa e formativa que carregam. Do ponto de vista educativo, em seu sentido
mais amplo, de processos de introjeção e incorporação das experiências vi-
venciadas nos acampamentos com as ocupações, as assembleias, formação
de coletivos, as marchas e atos, como também cursos e oficinas que os mo-
vimentos sociais possibilitam para os acampados e apoiadores vão constituir
um conjunto de ações educativas tácitas e intencionais que elevam o nível de
consciência política dos envolvidos.

207
Considera-se que o trabalho de campo propiciou elementos que contribuíram
para uma noção mais ampla e aprofundada de um dos mais prementes e históricos
problemas sociais no Brasil, qual seja, a questão do latifúndio, que tem várias impli-
cações políticas, econômicas e culturais. Contribuiu, ainda, para uma melhor com-
preensão de outras questões históricas e relevantes que afetam a sociedade brasi-
leira e que implicam algum tipo de imbricação com o latifúndio, como, por exemplo,
a relação entre campo e cidade, a reforma agrária, a questão ambiental, a migração,
o agronegócio (e seu contraponto, a agroecologia), a educação no/do56 campo, os
equipamentos públicos de uso coletivo, os conflitos sociais no campo, dentre ou-
tros temas que afetam principalmente (mas não somente) acampados e assentados
da reforma agrária e também, em alguma medida, outros segmentos de povos do
campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de campo foi avaliado positivamente pelos estudantes participantes


deste estudo, que destacaram as suas contribuições para avanços na articulação
entre o currículo e aspectos da realidade social, mais especificamente aqueles ati-
nentes à questão da terra (e da Terra) no Brasil. A interlocução entre as disciplinas de
Fundamentos da Geografia e de Fundamentos da Antropologia durante o trabalho de
campo foi destacada como potencializadora do processo de ensino-e-aprendizagem.
No entanto, a realização de atividades como essa implica, cada vez mais, diversos
desafios, decorrentes de variados fatores, em especial a crescente precarização das
condições de trabalho docente e as dificuldades materiais para a sua consecução –
equipamentos, transporte, dentre outros –, que implicam ônus financeiros, em uma
conjuntura de intensificação de corte de verbas para a educação pública.
Considera-se oportuno ressaltar uma questão atualmente em discussão no
âmbito acadêmico, qual seja, a implementação da carga horária referente a atividades
de extensão no currículo. Vale destacar que a extensão é uma demanda histórica de

56 Por um lado, nem toda escola instalada no campo é uma escola do campo, na acepção crí-
tica de Educação do Campo. Por outro lado, uma escola do campo precisa ser, necessariamente,
instalada no campo. Educação para, no ou do campo é uma questão que gera polêmicas entre di-
versos setores da sociedade brasileira, inclusive no âmbito acadêmico (CALDART, 2012; CASSIN;
NALLI, 2016; MORAES, 2019).

208
segmentos da universidade mais vinculados a movimentos populares e defensores
de uma maior inter-relação entre a universidade e a sociedade. Entretanto, por outro
lado, o pensamento hegemônico no Ensino Superior brasileiro tem, cada vez mais,
impulsionado perspectivas que prejudicam a indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.

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211
10.48209/978-16-CAMPO6-7-2

A PRODUÇÃO SUCROALCOOLEIRA NA

PARAÍBA E O DESENVOLVIMENTO DO

TERRIOTÓRIO CAMPONÊS NA

PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO

DO/NO CAMPO
Lenira Lins da Silva57
Juliane Faustino da Silva58
Edvaldo Carlos de Lima59

57 Graduanda em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba Campus III - Guarabi-


ra. Membro do Centro de Estudos Agrários e do Trabalho (CEAT), sob orientação do Professor Dr.
Edvaldo Carlos de Lima, e-mail: [email protected]
58 Graduanda em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba Campus III- Guarabira.
Membro do Centro de Estudos Agrários e do Trabalho. Bolsista PIBIC com apoio do CNPq, sob
orientação do Professor Dr. Edvaldo Carlos de Lima, e-mail: [email protected]
59 Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual da Paraíba - Campus
III – Guarabira. Coordenador do Centro de Estudos Agrários e do Trabalho (CEAT); orientador -
e-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO

O Brasil é considerado o maior produtor de cana-de-açúcar em nível mundial e


se tornou um dos pilares da economia brasileira impulsionado, principalmente, pela
demanda do etanol no mercado internacional. Inicialmente o açúcar era o principal
produto produzido nos antigos engenhos, entretanto, na década de 70, o Programa
Nacional de Álcool (PROÁLCOOL) e os incentivos governamentais trouxeram uma
nova demanda para a cadeia produtiva da cana no país, com novas visões econômi-
cas voltadas para produzir etanol e bioenergia.
No discurso a respeito da utilização de energias alternativas renováveis, a re-
dução da emissão de gazes poluentes vem acentuando a produção de etanol pro-
veniente da cana destilada. O investimento em tecnologia para o biocombustível
proveniente da cana-de-açúcar, decorrente da crise do petróleo, e a expectativa de
ampliar a exportação para o mercado internacional foram essenciais para expandir a
produção do biocombustível decorrente da expansão do mercado de automóveis flex
a partir de 2003.
O estado da Paraíba é considerado o terceiro maior produtor de cana-de-açúcar
do Nordeste, em extensão de área plantada. Na Zona da Mata paraibana, também
chamada de Zona da Cana, predomina a monocultura. A cana foi um dos primeiros
produtos cultivados na Paraíba, desde o período colonial, por ser propícia para o de-
senvolvimento da agricultura, que, inicialmente, foi voltada, sobretudo, para o cultivo
da cana direcionada à produção do açúcar.
Considerando esse contexto, pode-se afirmar que as relações capitalistas de
produção vêm se territorializando no espaço agrário brasileiro em forma de agrone-
gócio. Isso resulta em concentração de terras e dificulta o desenvolvimento da agri-
cultura familiar. Nesse cenário, a educação do/no campo, junto com os movimentos
sociais, é uma ferramenta importante na luta dos trabalhadores/as e dos pequenos
agricultores familiares contra o avanço do agronegócio sucroalcooleiro. Essa articu-
lação é organizada em nível nacional, estadual e local, influenciada, principalmente,
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.
Devido às intempéries que permeiam a questão agrária no Brasil, um fator

213
que continua em evidência são os conflitos de classes entre os grandes produtores
agroindustriais e a população campesina, que é usada como mão de obra barata e
explorada nos canaviais e nas destilarias em trabalhos análogos à escravidão. Po-
rém isso não acontece somente na Paraíba, mas em todo o Brasil e, com mais força,
no Centro-Sul.
Partindo desse contexto de conflitos, o objetivo central deste trabalho é de
analisar o antagonismo territorial existente entre dois territórios distintos: o território
do agronegócio canavieiro e o território camponês. Atrelada a esse descompasso, a
educação do campo surge como um instrumento de resistência e de reinvindicação
dos/as trabalhadores/as rurais. Portanto, reuniram-se informações com o propósito
de responder ao seguinte problema da pesquisa: Como a educação do campo pode
influenciar diretamente o projeto de desenvolvimento do campo?
Nessa perspectiva, é necessário compreender o papel da educação do/no
campo para o desenvolvimento territorial dos assentamentos de reforma agrária em
relação ao avanço do capital agroindustrial da cana-de-açúcar no estado na Paraíba.
Visivelmente nos leva a analisar de que forma as práticas de ensino e os conteúdos
trabalhados nas unidades escolares existentes nos assentamentos podem contribuir
para uma formação que ultrapasse as barreiras do capital.
O estudo territorial sobre a produção sucroalcooleira pode contribuir para que
possamos compreender a atual realidade da questão agrária na Paraíba e a luta
pela terra e pela educação do/no campo. É importante não apenas para o meio aca-
dêmico, mas também para os/as trabalhadores/as do campo, em sua luta histórica
e espacial, por meio da articulação dos movimentos sociais para ter acesso à terra.
Com esse intuito, apresentamos os resultados das nossas pesquisas, desenvolvida
na Universidade Estadual da Paraíba, Campus III - Guarabira-PB, na Iniciação Cien-
tifica (PIBIC), cota 2019/2020, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Os resultados contidos neste trabalho são relevantes para que possamos en-
tender as contradições existentes na expansão da agricultura capitalista, por meio da
produção da monocultura da cana na Zona da Mata paraibana. Diante dessa reali-
dade, as escolas que trabalham na perspectiva da educação do/no campo assumem

214
o desafio de desenvolver uma educação nas unidades escolares que transforme e
forme para além dos interesses capitalistas. Uma educação direcionada para um
projeto maior voltado para o desenvolvimento territorial do campo.
Para dar respaldo ao objetivo proposto, utilizou-se como procedimento me-
todológico uma pesquisa bibliográfica, baseado em uma pesquisa teórica, através
de leituras realizadas na Iniciação Científica. A leitura das obras de autores como
Fernandes (2012), Lima (2013), Feliciano (2006), Caldart (2012), Oliveira (2007),
entre outros, que trabalham com temas relevantes como desenvolvimento territorial,
reforma agrária, questão agrária e educação do campo foi muito importante para
fundamentar este artigo.
Para desenvolver a contento o tema proposto, foi necessário, além de consul-
tar as bibliografias citadas, recorrer a sites renomados, como CONAB, NOVACANA,
UNICA e IBGE. Esses canais de pesquisas são ferramentas importantes para o aces-
so a informações e dados estatísticos, com o objetivo de expor resultados organiza-
dos em tabelas satisfatórios para se entender a pesquisa.
No que diz respeito à estrutura, este artigo foi dividido em três subtítulos. No
primeiro, apresenta-se o desenvolvimento, que traz alguns conceitos importantes
para se entender o tema proposto; no segundo, aborda-se o contexto da produção
sucroalcooleira na Paraíba, com foco na Zona da Mata, destacando os principais mu-
nicípios e a quantidade de cana processada entre os anos de 2010 e 2020; no tercei-
ro item, apresentam-se os resultados e as discussões a respeito da importância das
lutas históricas dos movimentos sociais para se ter acesso à terra e, principalmente,
os conteúdos que devem ser trabalhados nas escolas do campo, com o objetivo de
manter a identidade campesina e como plano para o desenvolvimento territorial do
campo e a soberania alimentar na contramão da monocultura da cana-de-açúcar.

DESENVOLVIMENTO

As leituras realizadas durante as pesquisas desenvolvidas no Programa de


Iniciação Científica possibilitaram a compreensão da dialética que envolve as ques-
tões agrárias no Brasil, sobretudo na Paraíba, em suas diversas dimensões. Na atual
conjuntura, que envolve o mercado nacional e o internacional, o território do agrone-

215
gócio canavieiro, com seus impactos socioambientais, tem se expandido com muita
rapidez.
No Brasil, a forte atuação do setor sucroalcooleiro tornou-se um dos temas
mais debatidos por grandes estudiosos da questão agrária brasileira, porque seus
impactos não abrangem somente a grande concentração de terras, mas também a
expropriação dos camponeses e dos indígenas e a exploração da força de trabalho
em situações precárias semelhantes ao trabalho escravo. Além desses problemas,
podemos citar os sérios impactos ambientais provocados pela monocultura da ca-
na-de-açúcar. Para Fernandes (2008), no contexto atual, a questão agrária envolve
uma disputa territorial entre a agricultura familiar e a agricultura capitalista como di-
ferentes totalidades.
Em seus estudos, Oliveira (2007) assevera que, por meio do processo de mo-
dernização, a agricultura se tornou submissa ao modo de produção capitalista. O
mais preocupante, contudo, é constatar que, para efetivar a estrutura agrária contem-
porânea, é necessário concentrar terra com base em grandes latifúndios, concentrar
renda, sujeitar os camponeses ao trabalho assalariado e acumular capital. Não é
exagero afirmar que, nesse contexto, as transformações ocorridas com a entrada do
capital no campo começaram a dar forma à estrutura agrária atual, que visa monopo-
lizar a agricultura. Em todo esse processo, houve mudanças nas relações socioeco-
nômicas no espaço rural.
Conforme explicado acima, é interessante afirmar que o modo de produção ca-
pitalista é o grande responsável pela divisão de classes, que se configura como uma
ampla desigualdade. Preocupa o fato de que o paradigma do capitalismo agrário visa
destruir o campesinato, e transformá-lo de acordo com sua lógica de produção seria
uma espécie de metamorfose, em que o camponês passa a ser agricultor familiar,
segundo Fernandes (2008), porque, à medida que os camponeses adentram a lógica
do capital, sua identidade e características próprias vão sendo perdidas.
Uma questão que precisa ser compreendida é o fato que, em meio ao processo
contraditório de desenvolvimento do capitalismo, a agricultura familiar se enquadra
na ótica do capitalismo porque é capaz de entrar no mercado e de se modernizar e
negociar. Trata-se inegavelmente da diferença entre a agricultura camponesa e a

216
agricultura familiar. A primeira entende o campo como uma forma de vida e de liber-
dade e demonstra um vínculo com a terra. Já a segunda apresenta uma dimensão
voltada para se integrar ao mercado e à comercialização na busca por resultados
(FELICIANO, 2006). O autor deixa claro que seria um erro não admitir que a visão
de desenvolvimento do campesinato apresenta dimensões que assumem sentidos
totalmente diferenciados para o desenvolvimento do campo.
Ressalte-se, entretanto, que o modelo de desenvolvimento baseado no agro-
negócio é totalmente excludente e serve como máquina de manobra para o capitalis-
mo organizar o espaço agrário visando aos seus interesses meramente comerciais.
Para isso, é necessário ocupar outros territórios, o que gera conflitos (FERNANDES,
2008). Esse processo ocorre com a territorialização do agronegócio no território cam-
ponês e indígena, inserção de máquinas, sementes transgênicas, agrotóxicos para
expandir a produção da monocultura para a exportação.
O modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio é totalmente excluden-
te e serve como máquina de manobra para o capitalismo organizar o espaço agrário
visando aos seus interesses mercadológicos com incentivos políticos governamen-
tais. “Para isso, é necessário ocupar outros territórios. Desse modo, as políticas pro-
movem o fortalecimento das relações capitalistas em detrimento das não-capitalistas”
(FERNANDES, 2008, p. 53). Esse processo ocorre com a territorialização do agro-
negócio, no território camponês e no indígena, a inserção de máquinas, sementes
transgênicas e agrotóxicos, com o objetivo de expandir a produção da monocultura
para a exportação, que aumentam consideravelmente o desemprego. 
Em tese, o Nordeste brasileiro é parte importante da questão agrária atual,
porque foi uma das primeiras regiões colonizadas no país, razão por que é palco de
conflitos e de resistência de vários movimentos sociais, ao longo da história, e cujos
trabalhadores lutam contra a dominação do agronegócio. Esse embate dos movi-
mentos sociais ocorre em forma de acampamentos e assentamentos. De acordo com
Lima (2011),

Essa perspectiva analítica nos leva a indagar de forma mais aprofundada os


desdobramentos do modelo de desenvolvimento do capitalismo monocultor
para a classe trabalhadora, especificamente para os trabalhadores rurais na
luta por terra e acampados na zona da cana, que ao tempo são explorados

217
e precarizados no trabalho de corte da cana nas usinas de açúcar e etanol
(LIMA, 2011, p.111).

O autor deixa claro a problemática do capital sucroalcooleiro. No Nordeste, os


principais produtores de cana-de-açúcar são os estados de Alagoas, Pernambuco
e Paraíba. Julgamos pertinente trazer à baila que a produção canavieira vem pro-
vocando uma série de problemas nesses estados, perceptíveis nas transformações
da paisagem, a qual tem vários hectares de terras cobertas de cana, totalmente ho-
mogênea, conhecida como Zona da Mata Atlântica e, agora, “Zona da cana”, quase
extinta, devido à exploração dos recursos naturais para a produção de açúcar e de
etanol.
A Paraíba é considerada o terceiro maior produtor de cana-de-açúcar do Nor-
deste, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA). Esse pro-
cesso não é resultado de um fenômeno recente, porque esse estado foi uma das
primeiras áreas a serem colonizadas no país, e sua estrutura agrária é marcada pela
concentração de terras e renda. A cana faz parte do desenvolvimento socioeconômi-
co desde o período colonial, quando era usada para produzir açúcar. Atualmente o
etanol é seu principal derivado e um dos pilares da economia que intensificou a to-
mada de territórios para sua expansão. Sobre essa prerrogativa, as relações sociais,
culturais, políticas, ambientais e econômicas se modificaram.
A Paraíba continua sendo palco de conflitos entre trabalhadores sem-terra por
causa do avanço do setor sucroalcooleiro. Por isso, não podemos deixar de lado a
mobilização de alguns movimentos importantes ao longo da história, como as Ligas
Camponesas, e os mais recentes, como o MST e o CPT, como agentes importantes
para a manutenção do território camponês.
Devido aos conflitos territoriais, a educação do campo vem assumindo um papel
imprescindível na luta dos trabalhadores sem-terra como uma das várias dimensões
para o desenvolvimento camponês. Todavia, considerando os aspectos distintos en-
tre o território do agronegócio e o território camponês, a educação também deve ser
diferenciada. Para isso, os métodos, as teorias e os conteúdos a serem trabalhados
nas escolas do/no campo devem corresponder aos aspectos próprios desse contexto
(FERNANDES, 2008). Consequentemente, o resultado será um ensino e uma apren-
dizagem diferenciados.

218
A educação do campo é um paradigma erguido a partir da questão agrária,
portanto, é um território imaterial, que foi se constituindo como parte das políticas
ideológicas pautadas na visão campesina, como refere (CAMACHO, 2013). Contudo,
o debate sobre essa concepção de educação concretiza-se em uma percepção de
campo como território em disputa, entre o modo de viver do camponês e as formas
de territorializar o agronegócio. Na verdade, a educação do campo opta por uma luta
que envolve liberdade e emancipação dos sujeitos, com elementos socioeducativos
que prezem pela manutenção da identidade e da cultura camponesa, em contraposi-
ção à ideia destrutiva dessas particularidades pelo capital agroindustrial.
Convém enfatizar que, na Paraíba, a produção de etanol vem expandindo a pro-
dução de cana-de-açúcar. Dessa forma, o capital em forma de agronegócio também
expande seus territórios. Essa realidade vem causando sérios problemas ambientais
e sociais decorrentes de sua forma exploratória e destrutiva. Consequentemente, a
complexidade da realidade contraditora imposta no campo vem gerando conflitos
liderados pelos movimentos sociais em contraposição ao avanço do capital. Assim,
com sua proposta de emancipação, o “paradigma da educação do campo” concebe
a educação como um instrumento de reivindicação e de resistência. Nesse sentido,
seu objetivo é de lutar para desterritorializar o agronegócio e, por conseguinte, terri-
torializar o camponês.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A PRODUÇÃO SUCROALCOOLEIRA NO ESTADO DA PARAÍBA

Atualmente, o Brasil é considerado o maior produtor de cana-de-açúcar, em


âmbito mundial, a Índia ocupa a segunda posição, e a República Popular, na China,
a terceira. Nesse contexto, o Brasil vem se destacando em relação à produção de
etanol e de sucroenergético. O etanol faz parte de um dos vetores da economia bra-
sileira intensificado com o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em 1975,
por meio de um decreto do governo federal.
Nas últimas décadas, o PROÁLCOOL vem expandindo consideravelmente o
uso do biocombustível como alternativa para reduzir a dependência do país do petró-
leo, principalmente no período da crise nos anos de 1970, conhecido como o Primei-

219
ro Choque do Petróleo (FAPESP). De certo modo, a gasolina derivada do petróleo foi
substituída pelo etanol. Isso foi considerado uma das maiores conquistas. Assim, um
aspecto sobremaneira importante a ser ressaltado é a geração de energia “sustentá-
vel” com a produção sucroenergética, cuja matéria-prima é o bagaço da cana, visto
também como estratégia para reduzir a emissão de CO2.
De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) dis-
ponível no IBGE, o Brasil produziu cerca de 667.532.475 toneladas de cana-de-açú-
car em 2019 e reduziu a produção de 1.0% em relação a 2018. Entretanto, isso
não influenciou a economia, que resultou em 31,1 toneladas de açúcar na safra de
2018/2019, com estimativa de crescimento de 3,8 %, na safra de 2019/2020. Quanto
ao etanol derivado da cana-de-açúcar, foram produzidos 33.8 bilhões de litros na sa-
fra de 2018/2019, com estimativa de crescimento de 4,6% para a safra de 2019/2020,
segundo a CONAB.
Esse crescimento é resultado do clima e das chuvas favoráveis, porém esses
percentuais são confrontados pelos pesquisadores da UNICA, que contesta as infor-
mações divulgadas pela Conab por considerá-las otimistas, pois o período de estia-
gem, em algumas regiões, pode reduzir a produção nacional da cana e comprometer
sua qualidade na próxima safra.
De acordo com o levantamento de dados referentes à produção de cana-de-
-açúcar publicados pela UNICA, a cultura está presente em cerca de 1,2% do terri-
tório nacional, concentrada, principalmente, na Nas Regiões Centro-Sul e Nordeste.
Esse quadro se deve à presença da lavoura em 30% dos municípios do país.
Vale mencionar que o Nordeste é considerado a segunda maior região produto-
ra de cana-de-açúcar, e os principais estados que a produzem são Alagoas, segundo
Pernambuco e Paraíba. Na Paraíba, a Zona da Mata é principal área produtora. Isso
é resultado do processo de territorialização pelos colonizadores e por ser uma área
litorânea próxima à capital, João Pessoa, onde se concentram as atividades econô-
micas e é fácil escoar mercadorias.
Lima (2011), em sua tese de Doutorado, refere-se à Zona da Mata utilizando
outro termo - “Zona da Cana” - pois o que antes era Zona da Mata Atlântica hoje pra-
ticamente não existe, em prol do desenvolvimento do capital agroindustrial. Na Paraí-
ba, ela é composta de 30 municípios e ocupa uma extensão territorial de 5.232.396

220
Km2. Seis principais municípios vêm se destacando, demonstrando uma produção
canavieira significativa destinada à produção de açúcar e de etanol: Pedras de Fogo,
Santa Rita, Mamanguape, Rio Tinto, Sapé e Cruz do Espírito Santo.
Por esse motivo, conforme explicado acima, todas as usinas ativas estão situa-
das na Zona da Mata. A tabela 2 mostra o total de usinas, os grupos empresariais, os
municípios onde estão localizadas e o tipo de produto.

Tabela 1- usinas produtoras de açúcar e etanol no estado da paraíba

Unidades
ativas na
Grupo Empresarial Municípios Produto
Paraíba

Miriri Alimentos e Bioenergia S.A Destilaria Miriri Santa Rita Álcool

Unidade Agroval
Grupo Japungu Santa Rita Açúcar

Unidade Japungu
Grupo Japungu Santa Rita Álcool

Agroindustrial Tabu Destilaria Tabu Caaporã Álcool

Biosev Unidade Giasa Pedras de Fogo Álcool

Grupo UNA Unidade Sapé Sapé Álcool

D’Pádua
Usina D’Pádua Rio Tinto Álcool

Álcool e
Companhia Usina São João Usina São João Santa Rita
açúcar

Álcool e
Grupo Soares de Oliveira Usina Açúcar Alegre Mamanguape açúcar

Fonte: NOVACANA/ Org: Lenira Lins da Silva

221
A tabela 3 nos mostra também, o processo de territorialização do agronegócio
canavieiro na Zona da Mata Paraibana, com 8 grupos empresariais, 9 unidades
sucroalcooleiras ativas, produtoras de açúcar e álcool. Uma trabalha exclusivamente
na produção de açúcar (Agroval), duas são mistas produzem açúcar e álcool (São
João e Açúcar Alegre), as outras cinco apenas álcool (Giasa, Tabu, Japungu, Miriri e
Unidade Sapé) (JORNAL DA PARAIBA, 2019). Na tabela 2, apresenta-se a evolução
da produção da cana-de-açúcar, etanol e de açúcar, entre 2010 e 2020, na Paraíba,
demonstrando algumas oscilações na produção, entre 2013 e 2014 e 2016 e 2017.

Tabela 2 - Paraíba: produção de cana-de-açúcar, açúcar e etanol - desempenho das


safras entre 2010 e 2020

Ano Cana-de-açúcar Açúcar Etanol Anidro Etanol Etanol


(mil toneladas (mil toneladas) (mil m³ Hidratado Total
(mil m³) (mil m³)
2010-2011 5.246 183 124 174 298
2011-2012 6.723 270 150 208 357
2012-2013 5.293 209 151 155 3060
2013-2014 4.981 77 191 191 324
2014-2015 6.723 148 214 206 421
2015-2016 5.586 129 175 170 344
2016-2017 4.856 187 139 145 284
2017-2018 5.900 159 184 187 370
2018-2019 5.589 118 153 229 382
2019-2020 6.599 138 205 237 442

Fonte: União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA)/ORG: Lenira Lins da Silva

Os dados apresentados na tabela 2, ilustram com muita clareza oscilações


no desempenho da safra da cana-de-açúcar, na última década, resultando em uma
retração na produção do açúcar, entre 2013/2014, demonstrando uma recuperação
considerável nos anos subsequentes. A produção de etanol anidro e hidratado, da
mesma forma, demonstram algumas oscilações, porém, mantiveram à média. Essa
instabilidade, representa não somente problemas econômicos para a Paraíba, mas
também sociais, causando aumento no índice de desemprego, por conseguinte, im-
pulsionando a migração da população para as cidades. Essas oscilações ocorrem,

222
provavelmente, por falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dos
estados do Nordeste (TARGINO; MAIA FILHO; MOREIRA, 2010).
Segundo o IBGE, a cana ainda é o principal produto cultivado na Paraíba. Em
2018, ocupava uma área de 125,29 mil hectares, com a participação do seu potencial
produtivo de 1,37% da produção brasileira, e ultrapassa outros produtos essenciais
para a sobrevivência dos paraibanos, como batata doce, feijão, macaxeira, fava etc.
A pesar dos reflexos negativos com a seca do ano anterior, entre 2017 e 2018, a
produção cresceu. A tabela 2, apresenta uma expectativa de crescimento para 2019
e 2020 e demonstra um grande potencial produtivo, pois a Paraíba tem solo e clima
favoráveis para o seu desenvolvimento.
Entretanto, segundo o IBGE a cana ainda é o principal produto cultivado na Pa-
raíba. Em 2018 e 2019, ocupava uma área de 125,29 mil hectares e 5.589 milhões de
toneladas processadas apresentando uma leve queda em relação a 2017/2018, com
5.900 milhões de toneladas processadas (CONAB, 2019). A participação do seu po-
tencial produtivo é de 1,37% da produção brasileira e ultrapassa outros produtos de
subsistência como: batata-doce, feijão, macaxeira, fava. Porém, para a safra de 2019
e 2020, a produção atingiu 6.599 milhões de toneladas de cana-de-açúcar processa-
da, provavelmente, a quantidade de chuvas, investimentos em irrigação e fertilização
podem ser a causa do aumento na produção (JORNAL DA PARAÍBA, 2019).
Como sabemos, o Brasil é o pioneiro na tecnologia voltada para a produção do
etanol e seu uso e considerado como uma alternativa altamente renovável. Todavia,
o país tem uma grande extensão territorial de terras direcionadas ao cultivo da cana.
Fica evidente que houve pontos positivos, como a redução de emissão de gases e a
geração de emprego para o corte da cana, por exemplo. No Nordeste, o corte ainda é
feito manualmente, e a matéria-prima para a geração de energia é o bagaço da cana.
Entretanto, é um processo contraditório, pois provoca sérios danos ambientais e a
exploração dos recursos naturais de nosso país.
Outro aspecto a ser considerado é a necessidade de muita terra para o cultivo,
que suscita uma grande concentração fundiária e contribui para expandir o agrone-
gócio, principalmente com o evento da modernização. Isso leva a outras consequên-
cias sérias, como a drástica redução das lavouras de alimentos e a expropriação e

223
a expulsão dos camponeses e indígenas do seu território. Infelizmente essa é uma
realidade presente no Brasil desde o período colonial. Seguindo essa premissa, o
setor sucroalcooleiro é um dos que mais representa a superexploração da força de
trabalho em condições análogas às do escravo nos canaviais durante o eito do corte.
Além dos péssimos salários, as formas degradantes durante o corte acarretam sérios
problemas de saúde.
Portanto, como destacamos anteriormente, a retração da produção de alimen-
tos em detrimento do cultivo da cana, é resultado da expansão do setor sucroalcoo-
leiro que contribui, indiscutivelmente, para essa atual tendência. Doravante, essa ex-
pansão canavieira na Paraíba e no Brasil, deixou sequelas irreparáveis provocando
graves problemas ambientais com a retirada da vegetação nativa em áreas florestais,
poluição dos rios e grandes problemas sociais provocando um número elevado de
expulsão dos trabalhadores de suas terras (EGLER, TAVARES, 1984).
Nesta atual conjuntura, é importante destacar a pressão social feita pelos mo-
vimentos sociais, no campo da Reforma Agrária, e a resistência às relações de do-
minação do capital sucroalcooleiro. Uma das formas de lutar é ocupando terras que
não cumprem sua função social. O MST é um dos principais movimentos que lideram
essas ocupações em todo o país. Nesse embate, a educação do campo assume um
papel importante – o de formar sujeitos emancipados capazes de lutar pelos direitos
ligados ao projeto de desenvolvimento territorial utilizando a agroecologia como alter-
nativa sustentável nos acampamentos e nos assentamentos. Esses aspectos serão
tratados com mais detalhes no item a seguir.

A EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL


NA PARAÍBA

É importante entender que a educação do campo não deve ser pensada apenas
como uma política voltada para o processo de alfabetização, pois sobretudo os
saberes adquiridos na escola devem comportar outras dimensões do conhecimento e
envolver assuntos como reforma agrária, meio ambiente, economia, política, cultura,
cidadania e identidade, para que o campo seja entendido a partir de suas várias
dimensões, e não, apenas, como um espaço de produção do agronegócio. Ora, um

224
território que conglomera todas essas dimensões deve considerar que o processo
de desenvolvimento territorial precisa estar atrelado, principalmente, à valorização
da soberania alimentar60 em uma perspectiva voltada para a sustentabilidade. Nesse
sentido, a prática agroecológica é uma ótima possibilidade para o desenvolvimento
socioeconômico.
De acordo com Fernandes (2008), existem duas visões antagônicas de desen-
volvimento: o agronegócio, que concebe o campo como um lugar para produzir mer-
cadoria, que é atrasado, precisa se modernizar para produzir agricultura capitalista e
é visto como território homogêneo, sem relações sociais, e a agricultura camponesa,
que entende o campo como um modo de viver e de produzir alimentos.
As relações sociais fazem parte das dimensões territoriais, isto é, educação,
saúde, cultura, organizações políticas e comerciais etc. É importante ressaltar que,
como a educação está dentro do território, precisa comportar suas particularidades.
Camacho (2013, p.342) assevera que “A escola tem que ter a territorialidade campo-
nesa. Se a escola não se atentar para estas especificidades, será um ‘corpo estra-
nho‖’ no território camponês”. É possível compreender que a educação do campo faz
parte da dialética camponesa visando criar e recriar seu modo de viver.
Nesse contexto, a educação é uma ferramenta de luta, porque a educação do/
no campo não deve ser dissociada dos movimentos sociais e da reforma agrária,
porquanto foi na luta por terra que ela surgiu. Isso implica afirmar que a educação do
campo influencia diretamente o projeto de desenvolvimento do campo. Assim, preo-
cupa-nos o teor dos conteúdos que vêm sendo trabalhados nessas escolas, porque
devem ser transformados, adaptados ao contexto local e valorizar as práticas e a
cultura dos sujeitos do campo. Entretanto, isso não é o que vem acontecendo, pois a
educação do campo faz parte do sistema educacional brasileiro que é engessado e
padronizado com o intuito de formar para o mercado de trabalho.
Para Camacho (2013), a educação do campo não precisa de um ensino padro-
nizado, mas de lápis, caderno, enxada, trator e professores capacitados para lidar
com essa realidade e preparar o conhecimento para a vida. Então, conteúdos como

60 Soberania alimentar é o conjunto de políticas públicas e sociais que deve ser adotado por
todas as nações, em seus povoados, municípios, regiões e países, a fim de se garantir que sejam
produzidos os alimentos necessários para a sobrevivência da população de cada local (DICIONÁ-
RIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO P,714, 2012).

225
movimentos sociais, reforma agrária, ocupação de terras, agroecologia, desenvolvi-
mento sustentável e contradições do capitalismo são adequados e devem ser traba-
lhados nas unidades escolares levando em consideração as especificidades regional
e local. Outro aspecto que deve ser ressaltado é que os livros didáticos distribuídos
nas escolas públicas não contemplam as complexidades do campo, aliás, são os
mesmos utilizados nas escolas urbanas, e a maioria dos professores também são
urbanos.
Então, considerando esse cenário, como a educação do/no campo pode ser
uma ferramenta de desenvolvimento territorial na Paraíba? Responder a essa per-
gunta não é fácil, porque, na estrutura agrícola desse estado, a produção de ca-
na-de-açúcar domina e, consequentemente, gera dependência na população para
trabalhar nas usinas, nas destilarias e, sobretudo, no eito do corte da cana.
Em contrapartida, na Paraíba, as escolas lideradas pelo MST, depois de erguer
seus acampamentos e de conquistarem seus assentamentos, não se opuseram a
cobrar da Secretaria da Educação dos respectivos municípios a construção de esco-
las. O objetivo do MST é de ofertar um ensino que articule o trabalho, a educação e
a terra, com o propósito de educar sujeitos emancipados, por meio de uma formação
crítica (CALDART, 2012). Para isso, é imprescindível desenvolver políticas educacio-
nais que contemplem as múltiplas diversidades, a fim de atender à população cam-
pesina paraibana como protagonista de sua realidade não apenas como escopo de
manobra dos usineiros.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, foram analisados dois territórios antagônicos: a agricultura ca-


pitalista canavieira, entendida como agronegócio, e o campesinato, os quais vivem
em constantes conflitos. Devido às contradições no avanço da monocultura da ca-
na-de-açúcar, a educação do/no campo surgiu como instrumento de resistência e
de reivindicação. Contudo o estudo mostrou que as unidades escolares do campo
devem trabalhar conteúdos adequados à realidade campesina e assumir a responsa-
bilidade de formar cidadãos comprometidos como o desenvolvimento territorial cam-
ponês.

226
De modo geral, no Brasil, a cana-de-açúcar é a principal matéria-prima para
a produção do etanol. Com o PROÁLCOOL e incentivos governamentais, sua pro-
dução tende a crescer, principalmente se os biocombustíveis forem ampliados, e o
CO2 for reduzido. Na Paraíba, a cana ainda é o principal produto agrícola, em que
os grandes e os pequenos produtores enxergam uma oportunidade de adquirir mais
renda. Entretanto, a agricultura capitalista canavieira é o setor que mais explora a
força de trabalho em condições degradantes. Por outro lado, os movimentos sociais
continuam a lutar contra o avanço do capital no campo e por acesso a terra.
Assim, devido à importância do tema, a educação do campo está vinculada ao
projeto de desenvolvimento do campo na Paraíba e no Brasil como um todo. Nesse
sentido, a educação é vista como dimensões necessária para transformar os sujeitos
em pessoas emancipadas, porque, a escola é considerada um espaço de comparti-
lhamento de conhecimentos que devem ser utilizados para manter e desenvolver o
território dos camponeses.

REFERÊNCIAS

ASPLAN – Associação de Plantadores de Cana da Paraíba. PB faz estimativa


que safra 2019/2020 de cana-de-açúcar deve superar seis milhões de toneladas.
Disponível em:<http://www.paraibanoticia.net.br/asplan-pb-faz-estimativa-que-safra-
-2019-2020-de-cana-de-acucar-deve-superar-seis-milhoes-de-toneladas/>. Acesso
em: 20 dez.2020.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento sem Terra. 4. ed. São Paulo: Ex-
pressão Popular, 2012, 448 p.

CAMACHO, Rodrigo Simão. Paradigmas em disputa na educação do campo.


2014.809 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2014.

DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO. Rio de Janeiro: Expressão Popular,


2012. 788 p.

FELICIANO, Carlos Alberto. Movimento camponês rebelde: a Reforma Agrária no


Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. 178 p.

227
FERNANDES, Bernardo Mançano. Educação do campo e território camponês no
Brasil. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.). Por uma educação do campo: Campo -
Políticas Públicas - Educação. 7a..ed. Brasília: INCRA/MDA, p.39-65. 2008.

JORNAL DA PARAÍBA. Paraíba deve alcançar 6,5 milhões de toneladas de cana-de-


-açúcar em na safra 2019/2020. Disponível em: https://www.jornaldaparaiba.com.br/
economia/paraiba-deve-alcancar-65-milhoes-de-toneladas-de-cana-de-acucar-na-
-safra-2019-2020.html.Acesso em:10 jun.2020.

LIMA, Edvaldo Carlos de. Dissidência e fragmentação da luta pela terra na “Zona da
cana” nordestina: o estado da questão em Alagoas, Paraíba e Pernambuco. 2011.
266 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Pernambuco, Re-
cife, 2011.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma


agrária.7a ed. São Paulo: Labur Edições, 2007. 184 p.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Levantamento Sistemático da


Produção Agrícola. Disponível em:<https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economia/
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Acesso em: 01 de março de 2020.

NOVACANA. <https://www.novacana.com/usinas Brasil/estados/paraíba> Acesso


em 28 de fevereiro de 2020

ÚNICA. União da Indústria da Cana-de-açúcar. < http://unicadata.com.br/> Acesso


em 25 de fevereiro de 2020.

228
10.48209/978-17-CAMPO6-7-2

(UM)A HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

DA ALTERNÂNCIA DISCURSIVIZADA

PELAS LICENCIATURAS EM

EDUCAÇÃO DO CAMPO61
Lucas Martins Flores62

61 Uma primeira versão deste texto foi apresentado no SIFEDOC 2018 – Seminário Regio-
nal de Educação do Campo da Região Centro do Rio Grande do Sul e encontra-se publicado nos
Anais desse Evento, disponível em: < https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/369/2018/11/Anais-SI-
FEDOC-2018..pdf > Acesso em 22 mar. 2021. p. 388 – 401.
62 Professor no Instituto Federal Farroupilha (IFFar) Campus Jaguari. Licenciado em Letras,
Português, Inglês e respectivas Literaturas, Mestrado em Letras (UCPEL) e Doutorado em Letras
(UFSM). [email protected]
Stories matter. Many stories matter.
Stories have been used to dispossess and to malign but stories can also be used to
empower and to humanize.
Stories can break the dignity of the people, but stories can also repair that broken
dignity63.
Chimamanda Adichie: O perigo da história única.

Em Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potenciali-


dades (2015), texto produzido pela Professora Mônica Castagna Molina, da Universi-
dade de Brasília, a autora apresenta, a partir do Observatório da Educação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a pesquisa intitulada “Políticas
da Expansão da Educação Superior no Brasil”, cujo período de execução é de 2013
a 2017. Nessa publicação, além de apresentar um panorama geral sobre a Educação
de Ensino Superior no país, ela discorre sobre o histórico de criação da Licenciatura
em Educação do Campo, sobre os princípios que orientam a matriz político-pedagó-
gica deste curso, sobre os desafios e potencialidades que podem vir a serem objetos
de estudos e de acompanhamento.
De acordo com Molina, de 2008 em diante, 42 cursos de Licenciatura em Edu-
cação do Campo foram implantados no Brasil por Universidades Federais e Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. No Rio Grande do Sul, algumas institui-
ções ofertaram essa Licenciatura, tais como: Universidade Federal da Fronteira Sul
(Campus Erechim e Laranjeiras do Sul), Universidade Federal do Pampa, Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande e Instituto
Federal Farroupilha64.
É com base nesse percurso de constituição dos Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo – e do levantamento feito por Molina – que proponho, neste
texto, por meio da leitura e análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) das
Licenciaturas em Educação do Campo ofertados no Rio Grande do Sul quando do
63 Tradução: Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para
desapropriar e tornar maligno, mas histórias também podem ser usadas para empoderar e humani-
zar. Histórias podem ser usadas para destruir com a dignidade das pessoas, mas histórias também
podem reparar essa dignidade perdida. Vídeo completo da palestra da escritora Nigeriana Chi-
mamanda Ngozi Adichie disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc&t=-
1075s> Acesso em 22 mar. 2021.
64 Estes dados referem-se ao segundo semestre de 2016, período em que tal trabalho come-
çou a ser desenvolvido.

230
lançamento do edital de oferta desses cursos no Brasil (2012), refletir sobre (um)a
história da Pedagogia da Alternância, “metodologia65” adotada nesses cursos, e da
forma como ela é discursivizada nos PPC em questão.
Refletir sobre a Educação do Campo, sobre a Pedagogia da Alternância, en-
fim, sobre os Projetos de Curso que desenvolvem essas noções – práticas – se faz
importante66 como constituição de um arquivo a ser lido e interpretado. Penso ar-
quivo como “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”
(PÊCHEUX, [1975] 1994, p. 57), para então, fazer recortes desse arquivo para po-
der reconhecer as evidências práticas que organizam essas leituras e, nas palavras
de Pêcheux (1994) “mergulhar a leitura literal (enquanto apreensão do documento)
numa leitura interpretativa”, constituindo assim, um trabalho de relação do arquivo
com ele mesmo, em uma série de conjunturas, ao mesmo tempo em que se dá um
trabalho da memória, da história e da língua.
Interessante observar que essa “escolha” de trabalhar com os Projetos Políti-
cos Pedagógicos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo das instituições
do Rio Grande do Sul, já é um recorte realizado para a constituição desse arquivo. Na
posição que assumo – na Análise de Discurso de perspectiva pecheuxtiana – isso se
justifica, porque o que me interessa não é a abrangência de leitura sobre o arquivo,
nem a quantidade de fontes consultadas, mas o tratamento que esse arquivo e essas
fontes merecem. O que me interessa não são todas, nem a quantidade de histórias
contadas, mas as possibilidades de se contar uma ou outra história a partir daquilo
que lemos, enxergamos e/ou analisamos.
Orlandi (1984, p. 14) afirma que “recorte é uma unidade discursiva”. E por uni-
dade discursiva, “entendemos fragmentos correlacionados de linguagem-e-situa-
ção”. “Assim, um recorte é um fragmento da situação discursiva”. Desse modo, um
segundo recorte que faço para apresentar tal trabalho, está direcionado ao que me
proponho a ler nestes Projetos Políticos Pedagógicos, que se trata sobre a proposta

65 A Pedagogia da Alternância é tratada pelos Marcos Normativos da Educação do Campo


(2012) como uma “metodologia pedagógica”, normatizada por meio do Parecer nº 01/2006 (BRA-
SIL, 2012, p. 41).
66 Se faz importante, sobretudo, porque a partir desta retomada dos saberes dos PPC, traze-
mos à baila muitas vozes daqueles que estão atualmente (2021) esquecidos: os povos do campo.
(Re)memorar Educação do Campo, Pedagogia da Alternância, trabalhos desenvolvidos pelos PPC
e pelos cursos (seus docentes, seus discentes, suas instituições) é um forma de “saber, dialogar e,
principalmente, resistir”.

231
de funcionamento do Curso de Licenciatura em Educação do Campo: a Pedagogia
da Alternância. Esses recortes que ora realizo se dão pelo fato de meu interesse em
descrever o funcionamento do discurso sobre a Pedagogia da Alternância nesses
documentos, compreendendo que o lugar em que situo tal reflexão não se baseia em
uma descrição do texto, mas sim, uma teorização sobre o discurso, observando o
seu funcionamento a partir de um quadro epistemológico em que se unem o histórico,
o linguístico, atravessado por uma teoria psicanalítica em que enquadra a noção de
sujeito.
Nesse sentido, constituo o corpus deste trabalho pelos recortes discursivos
(RD), compreendendo: a) os critérios vinculados à questão de pesquisa; b) que es-
sas materialidades discursivas pertencem a espaços e tempos discursivos distintos;
c) que esses recortes projetam gestos de interpretação que permitem a compreen-
são de sentidos além de uma memória institucionalizada, mas especialmente, efei-
tos de sentido nesse espaço tempo e d) que esses recortes – regularidades entre
os PPC – compreendem uma totalidade ilusória dos sentidos sobre a Pedagogia da
Alternância.
Assim, por meio de um gesto interpretativo, reflito sobre como os Projetos Pe-
dagógicos dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo do Rio Grande do
Sul apresentam e descrevem a Pedagogia da Alternância. A partir dessa reflexão,
projeto delinear o horizonte de retrospecção da Pedagogia da Alternância, com base
em Sylvain Auroux (2008), traçando (um)a história de como ela foi/ está sendo im-
plantada no Brasil.

(UM)A HISTÓRIA DA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO...

A Licenciatura em Educação do Campo é um “novo” curso de graduação, que

vem sendo implantada desde 2007 pelas universidades, com o apoio do Ministério
de Educação67. “O curso propõe-se atender a uma nova demanda, as populações do
campo, que historicamente lutam por uma educação diferenciada de qualidade, que
respeite as especificidades da vida neste contexto”, afirma o PPC da Universidade

67 Observo que esse apoio do Ministério da Educação inexiste atualmente (2021). Decidi de-
marcar esse posicionamento da época de escrita do trabalho primeiro, porque, indiretamente, ele
demarca a necessidade de os Cursos de Licenciaturas em Educação do Campo serem tratados
como uma Política de Estado e não somente uma política governamental.

232
Federal do Rio Grande do Sul.
De acordo com Caldart (2011, p. 96), o curso nasceu das proposições da II
Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em 2004. Por meio
de uma comissão instituída pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do
Campo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad)
e com representante do Iterra, a proposta específica começou a ser construída no
MEC, em 2005, mas, a autora afirma que foi em novembro de 2006, que o MEC de-
cidiu convidar universidades para a realização de projetos-piloto do curso.
Caldart (2011, p. 96) menciona que quatro projetos-piloto foram desenvolvidos:
o primeiro, uma parceria entre Iterra e UnB, com aprovação da criação institucional
do curso realizada em julho de 2007, com o vestibular e início da primeira etapa
ainda em setembro de 2007. Ela explica que essa turma aconteceu em Veranópolis,
RS, na sede do Iterra, com uma organização curricular de etapas constituídas pela
alternância entre Tempo Escola e Tempo Comunidade. Os outros projetos-piloto são
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS) (CALDART, 2011).
A partir do início das turmas dos projetos-pilotos, o MEC criou um programa es-
pecífico de apoio à implantação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo
(o Procampo), lançando anualmente editais de convocação às Instituições de Ensino
Superior públicas para que apresentem projetos de criação da nova Licenciatura,
dentro dos mesmos parâmetros da proposição inicial. Isso é exposto no PPC da
Licenciatura em Educação do Campo de todas as instituições analisados, como por
exemplo, o Instituto Federal Farroupilha Campus Jaguari que afirma: “a proposta
está em consonância com o Edital de Chamada Pública Nº 02, de 31 de agosto de
2012, chamada pública para seleção de Instituições Federais de Educação Superior
– IFES, objetivando a criação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo”.
Nesse edital (2012), é claramente exposto como devem ser apresentados os
projetos de cursos para serem aprovados pelo edital, no que diz respeito ao seu fun-
cionamento:

3.5 – Os projetos apresentados deverão:


c) apresentar organização curricular por etapas equivalentes e semestres

233
regulares cumpridas em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e Tem-
po-Comunidade. Entende-se por Tempo-Escola os períodos intensivos de
formação presencial no campus universitário e, por Tempo-Comunidade, os
períodos intensivos de formação presencial nas comunidades camponesas,
com a realização de práticas pedagógicas orientadas (BRASIL68, 2012, p. 2).

Nesse momento, em que descrevo o processo de constituição das Licenciatu-

ras em Educação do Campo, a partir de um edital do MEC, tentando lançar-me a um


gesto interpretativo sob os PPCs dos Cursos ofertados por esse edital no RS, cha-
ma-me atenção o modo como a UFRG “responde às orientações básicas propostas
pelo Edital” (PPC UFRGS, p. 8):

c) organizar metodologicamente o currículo por alternância entre Tempo/Es-


paço e Universidade e Tempo/Espaço Comunidade, de modo a permitir o ne-
cessário diálogo entre saberes teóricos-tecnológicos e saberes tradicionais
culturais oriundos das experiências de vida no campo (PPC UFRGS, p. 9).

Nessa “resposta às orientações”, assim posta no projeto do curso, o currículo

organiza-se nomeando diferentemente do Edital. As orientações do edital trazem a


nomeação “regime de alternância”. No entanto, nessa “resposta”, há um apagamento
da nomeação “regime”. Nesse processo discursivo, os sentidos podem ser um, mas
também podem ser outros. A não presença da nomeação “regime” ou “alternância”,
como se apresenta no decorrer do PPC da UFRGS, provoca efeitos de sentidos que
merecem ser compreendidos. Que memórias discursivas entram nesse jogo de pala-
vras que significam igualmente, mas de modo diferente?

(UM)A HISTÓRIA DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA...

Considerando que “existem muitas formas de aplicar e, portanto, de compreen-

der a Alternância” (CALVÓ e GIMONET, 2013 p. 42) na Pedagogia da Alternância


ou no Regime de Alternância, nesta seção apresento um caminho histórico sobre a
Pedagogia da Alternância, levando em consideração também como ela é apresenta-
da nos Projetos de Cursos de Licenciatura em Educação do Campo no Rio Grande
do Sul. Não me é tarefa fácil refletir sobre o funcionamento da alternância, tendo em

68 Edital organizado pela Secretaria de Educação Superior (SESU), Secretaria de Educação


Profissional e Tecnológica (SETEC) e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversi-
dade e Inclusão (SECADI).

234
vista que preciso distanciar-me de minha prática cotidiana no Curso de Licenciatura
em Educação do Campo do Instituto Federal Farroupilha Campus Jaguari.
A distância é grande entre a ideia ou o conceito e a prática de alternância, e
aqueles que percorrem logo o percebem (Gimonet, 2007, p. 19). Nas Maisons Fa-
miliales Rurales (MFR) na França, elaborou-se “uma metodologia progressiva” no
tempo e ajustada em função dos contextos, da evolução das formações, dos públicos
recrutados, até mesmo das exigências administrativas. E de lá para cá, conhecimen-
tos teóricos práticos foram sendo constituídos e transformados. Como se vê, o públi-
co da Pedagogia da Alternância em suas origens eram públicos específicos, o que
vemos hoje, é essa prática sendo aplicada em cursos de formação de professores
do/no/para o campo em Universidades e Institutos Federais brasileiros.
Desse modo, Auroux (2008) explica que o ato de saber (a produção do conhe-
cimento) “não é ele mesmo algo sem relação à temporalidade”, ou seja, é necessário
tempo para saber sobre um conhecimento instantâneo. É a partir de um horizonte
de retrospecção, isto é, conjunto de conhecimentos antecedentes que fazem com
que se represente a Pedagogia da Alternância hoje, talvez, diferentemente, do modo
como era em outros lugares e momentos. Isso não significa afirmar que uma ou outra
está certa ou errada. “É necessário tempo para saber” (AUROUX, 2008, p. 141).
Da mesma maneira que o horizonte de retrospecção constitui saberes ante-
riores, segundo Auroux, o horizonte de projeção antecipa, idealiza, imagina, uma
projeção do que está por vir. Na França, quando da criação das MFR, criaram-se al-
guns traços fundamentais de uma identidade comum, mas evidentemente que previa
parâmetros constantes e evolutivos (Gimonet, 2007, p. 14). O que se tem hoje, em
termos da legislação da Pedagogia da Alternância é a última Nota Técnica Nº 3/2016
da SECADI que afirma que:

As Licenciaturas devem integrar programas institucionais de ensino, pesquisa


e extensão, sendo ofertados na modalidade presencial, com a garantia da
infraestrutura adequada e desenvolvimento pelo Regime de Alternância, com
vivências dos tempos educativos – Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade
(TC) (BRASIL, 2016).

Essa produção do conhecimento sobre a Pedagogia da Alternância vai além de


onde dizem nascer seus marcos iniciais, nesse percurso é que me interessa também

235
compreender como se dá esse funcionamento do processo discursivo que vem da
“pedagogia da alternância” para “regime de alternância”, como mencionado na última
nota técnica em que, em nenhum momento, nomeia-se “pedagogia”, mas sim “regi-
me”. Isso justifica meu interesse em refletir sobre essa memória da/ na atualidade
nesse processo discursivo. No Edital (2012), como apresentado anteriormente, utili-
za-se “regime”, na literatura e nos PPCs dos Cursos, utiliza-se “pedagogia”, na última
nota técnica (2016), “regime”. Entre “regime” e “pedagogia”, os sentidos não estão
somente nas palavras, mas também na relação com a exterioridade, nas condições
em que elas são produzidas. “Regime” e “pedagogia” significam pela história e pela
língua.
Sobre esses marcos iniciais da Pedagogia da Alternância, Calvó e Gimonet
(2013) observam que a Pedagogia da Alternância “não é monopólio” no que diz res-
peito a sua criação, porque já tem séculos. Eles destacam nesse processo, os Com-
pagnos du devoir ou aprendizes-companheiros e seu Tour de France, construindo
castelos, palácios e catedrais; os monges e a construção de monastérios na idade
média que já aplicavam uma forma de alternância trabalho-escola; os irmãos das
escolas cristãs e suas escolas dominicais.
O livro Educação do Campo: origens da Pedagogia da Alternância no Brasil
de Paolo Nosella (2012) conta as origens da Pedagogia da alternância no Brasil, e é
uma obra de caráter documentativo, de acordo com o autor, em que se publica a dis-
sertação de mestrado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
em março de 1977, cujo título é: Uma nova educação para o meio rural: sistematiza-
ção e problematização da experiência educacional das escolas da família agrícola do
Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. O autor não é apenas um
historiador observador das origens dessa experiência pedagógica, sobretudo, partici-
pou diretamente, desde 1968, do trabalho de criação das primeiras Escolas da Famí-
lia Agrícola (EFAS) da Pedagogia da Alternância no Brasil (NOSELLA, 2012, p. 18).
Nosella para introduzir sobre a vida do Padre Granereau, afirma que “A história
de uma ideia é também é história de um homem e, de certa forma, é também a his-
tória da época e dos problemas vividos por ele” (2012, p. 45). O Padre Granereau,
nascido em 1885, na França, desde a sua juventude, o padre preocupou-se com o
desinteresse, por parte do Estado e da Igreja, frente ao problema do homem do cam-

236
po. Na época, acreditava-se que para os filhos de agricultores se tornarem sábios
e instruídos, deveriam necessariamente mudar para os grandes centros urbanos,
observa Nosella. Dessa necessidade de traçar um novo olhar para os homens do
campo, para a escola rural, surgiu a Pedagogia da Alternância. Vê-se claramente
o funcionamento da ideologia sendo posta em evidência: dois “aparelhos ideológi-
cos”69: a) de estado e b) religioso funcionando sob um sujeito padre. Que movimentos
escolares da época na França proporcionaram esse processo de valorização ao que
está na cidade e ao que está no campo de forma diferenciada? Que políticas aí estão
em jogo? Qual a relação da igreja nesse processo? O que ela pregava? E seria o que
a igreja pregava a mesma posição do padre?70
A Europa, nesse período pós-primeira guerra mundial, vivia uma efervescência
de pensamentos liberais, socialistas, nacionalistas, e social cristão, corroboram An-
drade e Andrade (2012, p. 63). De acordo com os autores,

Em 1891, o papa Leão XIII (1878-1903), sensibilizada pela “condição dos


operários” lança a encíclica Rerum Novarum. Com esse documento a Igreja
Católica Apostólica Romana – ICAR assume a questão social. Nesse momen-
to, a questão agrária e a situação dos camponeses não constitui a preocupa-
ção principal da Igreja. Pouco depois, o papa Pio XI (1922-1939), com a encí-
clica social Quadragesimo anno, contribui para o surgimento da Ação Católica
Geral e na sequência com a Ação Católica Especializada. Esse é um período
que a ação da Igreja vai de encontro à situação dos camponeses. A Ação Ca-
tólica Especializada no Brasil vai ser fundamental na formação de lideranças
e organização dos camponeses no período entre 1950 a 1970, principalmente
a Juventude Agrária Católica – JAC (ANDRADE e ANDRADE, 2012, p. 63).

Como se percebe as primeiras MFR teve grande contribuição dos setores pro-
gressistas da Igreja Católica e no Brasil não foi diferente. Em 1968, uma organização
filantrópica e sem fins lucrativos de inspiração cristã constitui o Movimento de Edu-
cação Promocional do Espírito Santa (MEPES) liderado pelo padre jesuíta Humberto
Pietrogrande, sacerdote de Anchieta – ES, afirmam Andrade e Andrade (2012, p. 64),

69 ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Martins Pontes ([1970]


1980).
70 Tais questionamentos referem-se a tomada de posição do sujeito que é interpelado pela
ideologia para dizer o que diz. O sujeito padre pode ser plenamente identificado a ideologia religio-
sa a que ele pertence como pode tomar outra posição, a partir de uma outra formação ideológica,
inclusive religiosa – entre as tantas crenças religiosas existentes. De acordo com Indursky (2019, p.
118) “os sujeitos podem identificar-se (inscrever-se em uma posição sujeito) plenamente e contrai-
dentificar-se (desinscrever-se da referida posição-sujeito, sem romper com a formação discursiva”.

237
de acordo com Nosella. Esse movimento de criação dessa fundação pode ser visuali-
zado no fragmento abaixo em que Nosella (2012, p. 64) apresenta um fragmento dos
Cadernos (1970), demonstrando os envolvidos: estado e igreja:

No dia 25 de abril de 1968, na Câmara Municipal de Anchieta, uma Assem-


bleia de agricultores dos municípios assinava a ata constitutiva do Movimen-
to de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), que tinha como
finalidade a promoção de pessoa humana, através de uma ação comunitária
que desenvolva a mais ampla atividade inerente ao interesse da agricultura e
principalmente no que tange à elevação cultural, social e econômica dos agri-
cultores. Na Junta Diretora do MEPES se encontram os representantes da
Companhia de Jesus, dos Vigários dos Prefeitos, da Associação dos Amigos
Italianos e da ACARES (Associação de Crédito e Assistência Rural do Espírito
Santo) (NOSELLA, 2012, p. 64).

Além do MEPES, fundado em 1968, de acordo com Araújo (2005, p. 90), fun-
dou-se também a Associação dos Amigos do Estado Brasileiro do Espírito Santo –
AES, Organização não governamental, criada na Itália, para ajudar no processo de
implantação, assinatura de convênios e arrecadação de recursos para a manutenção
das escolas que, além de dar esse suporte, viabilizou intercâmbios entre brasileiros e
italianos. Vale ressaltar que esse processo de implantação dessas escolas no Brasil
se deu no auge da ditatura militar no Brasil, que de acordo com Araújo (2005)

[...] período em que o campo sofreu um processo de tal abandono por parte
dos poderes públicos, excluindo a agricultura familiar. As políticas públicas
para o campo, naquela época, estavam centradas na grande produção agro-
pecuária, no modelo de agricultura patronal, voltado para as monoculturas e
o mercado externo, associado à sofisticação tecnológica, conhecida como
modernização conservadora (ARAÚJO, 2005, p. 91).

Traçado esse percurso do processo histórico de implantação das primeiras


atividades com a proposta pedagógica da alternância em escolas familiares rurais,
passamos a ler sobre a Pedagogia da Alternância como posta pelos Cursos de Licen-
ciatura em Educação do Campo.

(UM)A HISTÓRIA DISCURSIVIZADA PELOS PROJETOS DE CURSOS


ANALISADOS...

Em A Historicidade das Ciências, Sylvain Auroux (2008), traça um percurso filo-


sófico para explicitar que a produção de saber como conhecimento, faz-se necessá-

238
rio distinguir saberes tácitos dos saberes que configuram formas de representação.
O filósofo francês observa que

a relação do ser humano com seu ambiente (sobrevivência, produção de


bens, organização) passa necessariamente pela colocação em funcionamen-
to de elementos cuja construção e conservação dependem de externalidades
e/ou são externalidades; tanto quanto estes elementos referem-se à repre-
sentação, trata-se do que se chama “conhecimento” ou “saber” (AUROUX,
2008, p. 125).

Nesse sentido, os saberes tácitos constituem nossas práticas cotidianas, de


acordo com Auroux (2008, p. 125), “não há saber sem transmissão” e o saber tácito
pode ser ocultado, mas “transmissível”. Essa transmissão se dá pelas técnicas. “As-
sim, as técnicas têm sido primeiro conhecimentos não representados, transmitidos
por aprendizagens e imitação”. São esses saberes tácitos que a Pedagogia da Al-
ternância enfatiza como um processo de inicialização da produção do conhecimento
dentro do curso, a partir de seu funcionamento em dois tempos: tempo escola, ou
“tempo universidade” (como chamado pelo PPC do UFRGs) e tempo comunidade.
A seguir, trago um recorte discursivo de um PPC, que demonstra essa valorização,
enquanto necessidade de “esforço na apropriação” dos docentes de que seja desse
modo e não de outro, dos tempos e espaços no processo formativo da proposta da
alternância no Curso:

Esta opção, para além de metodológica, se traduz em uma opção política,


exigindo por parte dos professores do curso um esforço na apropriação, pro-
blematização e proposição do próprio método. Desse modo, serão delinea-
dos momentos específicos para planejamento, elaboração e organização dos
chamados Tempos Educativos: Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade
(TC) que fundamentam a Metodologia da Alternância (UFFS, p. 41).

O PPC apresenta como uma “opção” a escolha pela Alternância, no entanto,


como visualizamos anteriormente, isso foi politicamente definido pelo edital, como se
explica adiante no próprio excerto “opção política”, isso demonstra o funcionamento
da interpelação pelo estado na manutenção de uma proposta de ensino. Além dis-
so, esse recorte discursivo apresenta a Pedagogia da Alternância como uma meto-
dologia, definindo os espaços de “tempo” e “espaço” ocupados que permitem um
diálogo entre os saberes “técnico-tecnológicos” e os saberes “das experiências de

239
vida”. Importa-me aqui refletir brevemente sobre essa “representação” dos saberes
enquanto discursivização produzida por sujeitos em diferentes espaços: a) de um
lado, o sujeito que produz conhecimento científico, o da academia e b) de outro, um
sujeito do campo, no campo (rural) que discursiva saberes para os seus, através
da transmissão de aprendizagens e imitação. Encontra-se aí, talvez, a preocupação
como apontada no PPC da UFFS (RD2), de que exige “por parte dos professores”
“um esforço na apropriação, problematização e proposição do próprio método”.
Essas preocupações apontam para o que Auroux (2008, p. 126) corrobora, [...]
“sabe-se que se sabe aquilo que se sabe. Evidente, às vezes não é absurdo dizer
que se sabia, mas que não sabia o que se sabia”, demonstrando que nesse jogo de
representações, o sujeito precisa ser encarado não como um sujeito biológico, objeti-
vo, que sabe tudo, que sempre quer ter todas as respostas e que quando não as tem,
representa tê-las, mas um sujeito que representa (no inconsciente) e é representado
(no real) a todo momento, um sujeito sócio histórico que interpela e é interpelado pela
língua e pela ideologia em seus processos discursivos nos seus diferentes tempos
e espaços, que falha, que se contradiz. É nesse sentido, que concordo com Petri
(2004, p. 25), quando afirma que a representação está sempre sujeita à opacidade
da linguagem e dos sentidos.
No recorte do PPC que trago abaixo, demonstra-se como se dá o funciona-
mento prático das organizações dos tempos escola e comunidade no Curso de Dom
Pedrito. Ao contrário das outras organizações, o PPC da Licenciatura em Educação
do Campo de Dom Pedrito/RS utiliza-se unicamente da nomeação “regime” como se
percebe no recorte abaixo:

A Organização curricular em regime de alternância, com base no Parecer


CNE/CEB n. 1/2006 – prevê dias letivos organizados em tempo escola e tem-
po comunidade, com etapas presenciais (equivalentes a semestres de cursos
regulares) e etapas vivenciadas no próprio ambiente social e cultural dos es-
tudantes. Sendo assim, neste projeto o TE, desenvolvido nos meses de fe-
vereiro e julho, será realizado presencialmente na universidade, configura-se
como um momento no qual os educandos possuem aulas teóricas e práticas
com o grupo de docentes efetivos do curso e colaboradores, participam tam-
bém de atividades culturais, e exercitam a capacidade de auto-organização:
momentos de organização do ambiente, trabalho em grupo, resolução de
exercícios, leituras, ou seja, cada acadêmico, de acordo com as suas neces-
sidades organiza o seu tempo individual de acordo com a avaliação das suas
prioridades e de acordo com o seu planejamento individual e coletivo. No TC

240
os educandos realizam atividades em suas comunidades de origem, sejam
elas escolas, acampamentos, assentamentos de reforma agrária, proprieda-
des rurais. Entre algumas das atividades previstas para o TC estão: pesquisa
sobre a realidade, registro destas experiências, implementação de ações pe-
dagógicas, vivências que possibilitem a partilha de conhecimentos, desen-
volvimento de projetos de aprendizagem. Todas as atividades são orientadas
no TE, e acompanhadas pelos professores mediadores nos meses de julho a
dezembro e nos meses de março a junho (Unipampa, 2013, p. 29).

Nesse movimento de sentidos, entre o mesmo e o diferente, entre a “pedago-

gia” e o “regime” da alternância, entre os saberes da Universidade e os saberes do


campo se constituem discursos que assumem diferentes posições que se assumem
como as mesmas, em um caminho que perpassa o científico e o popular, inconscien-
temente atravessado ideologicamente por relação de forças. É nesse percurso entre
os tempos e espaços pré-definidos da escola e da comunidade que a produção do
conhecimento da Educação do Campo vem se constituindo, enquanto proposta edu-
cacional para aqueles localizados no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS – UM THE END DE (UM)A HISTÓRIA

Neste texto (em sua primeira versão apresentado no SIFEDOC em 2018), dis-
corro sobre o processo formativo de uma proposta pedagógica que nasceu nos anos
60 com influência da igreja e que vem desde lá, através de uma luta dos movimentos
sociais em prol de uma educação diferenciada àqueles que vivem no e do campo,
buscando espaço em meio à produção do conhecimento acadêmico de universida-
des e institutos federais brasileiros.
Para tanto, utilizo-me de Projetos Pedagógicos de Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo do Rio Grande do Sul ofertados via Edital proposto pelo MEC
em 2012, para descrever uma relação entre o que é demandado politicamente por
um edital e o que é apresentado pelas instituições ofertantes, no que diz respeito à
proposta de funcionamento dos cursos.
Essa proposta, ora nomeada como Pedagogia da Alternância, ora como Regi-
me de Alternância, como construída e apresentada nos Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo do RS não atribui diferenças de
sentidos entre a “pedagogia” e o “regime”, pois eles centram suas explicações no
funcionamento das práticas do curso, em seus diferentes tempos, o da escola e o da

241
comunidade, a fim de atender a um Edital e poder ofertar o curso nessas instituições.
No entanto, uma vez que caminhamos teoricamente alicerçados por uma teo-
ria discursiva de interpretação que busca compreender a língua fazendo sentido,
enquanto trabalho simbólico-social, constitutivo do sujeito e respectivamente de sua
história, é importante descrever o funcionamento dos discursos que institucionalizam
saberes sobre essa proposta nos cursos, às vezes, nomeando “regime”, outras “pe-
dagogia”, interpelados ideologicamente em uma memória de saberes que entra em
funcionamento, inconscientemente, para “optar” dizer de um modo que não de outro.
“Usar uma palavra não é usar outra, e fazer recortes em regiões de sentidos
sem ter nenhuma garantia de um entendimento absoluto é inscrever-se em redes de
filiações de sentidos, memórias e esquecimentos constitutivos do dizer” (FLORES,
2019, p. 65). Essas filiações de sentidos, entre o “regime” e a “pedagogia”, remetem
a memórias e a circunstâncias que mostram que os sentidos não estão somente nas
palavras, mas em uma relação com as condições em que elas são produzidas, com
uma relação com a exterioridade e com a historicidade que nelas se constitui.

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do mito em Contos Gauchescos, de João Simões Lopes Neto, à desmitificação em
Porteira Fechada, de Cyro Martins. 2004. Tese (Doutorado em Letras). Porto Alegre:
UFRGS. 2004.

243
Projetos de Cursos

INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA. Projeto Pedagógico do Curso Licenciatu-


ra em Educação do Campo. Jaguari, RS, 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA. Projeto Pedagógico do Curso de Licen-


ciatura em Educação do Campo. Dom Pedrito, RS, 2013.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL. Projeto Pedagógico do Curso


Interdisciplinar em Educação do Campo. Erechim, RS, 2013.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Projeto Pedagógico do


Curso de Graduação Licenciatura em Educação do Campo. Porto Alegre, RS,
2013.

244
10.48209/978-18-CAMPO6-7-2

PERFIL DOS DISCENTES DE UM


CURSO DE LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
UM ESTUDO COMPARATIVO
Rita de Cássia Gonçalves71
Natiélia Borges Leal dos Santos72
Suzana Gomes Lopes73
Tamaris Gimenez Pinheiro74
Alexandre Leite dos Santos Silva75

71 Graduada em Educação do Campo, Ciências da Natureza e Pós-Graduandas (lato sensu)


em Ensino de Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Piauí, campus Senador Helvídio
Nunes de Barros. Fazem parte do Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências e Educação do Campo.
72 Graduada em Educação do Campo, Ciências da Natureza e Pós-Graduandas (lato sensu)
em Ensino de Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Piauí, campus Senador Helvídio
Nunes de Barros. Fazem parte do Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências e Educação do Campo.
[email protected]; [email protected]
73 Doutora em Biotecnologia pela Universidade Federal do Maranhão. Docente do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza, da Universidade Federal do Piauí,
campus Senador Helvídio Nunes de Barros. Atua nas áreas de Parasitologia Animal, Ensino de
Biologia, Ensino de Ciências e Educação do Campo. [email protected]
74 Doutora em Ciências Biológicas - Zoologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro/SP. Docente do Curso de Licenciatura em Educa-
ção do Campo, Ciências da Natureza, da Universidade Federal do Piauí, campus Senador Helvídio
Nunes de Barros. Atua nas áreas de ecologia e parasitologia de moluscos aquáticos do semiárido
além de temas transversais e ensino de ciências. [email protected]
75 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente do Curso de Li-
cenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Piauí, campus Senador Helvídio
Nunes de Barros. Atua nas áreas de Ensino de Ciências e Educação do Campo. alexandreleite@
ufpi.edu.br
INTRODUÇÃO

A população do campo tem sofrido historicamente a marginalização no aspecto


educacional, inclusive quanto à Educação Superior (SANTOS, 2017). Nesse contex-
to, foram criadas as Licenciaturas em Educação do Campo (LEdoCs), que se enqua-
dram como ações afirmativas, pois são medidas que procuram

[...] eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igual-


dade de oportunidade e tratamento, bem como de compensar perdas pro-
vocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos,
religiosos, de gênero e outros. (BRASIL, 1996a, p. 10).

As LEdoCs são cursos regulares destinados à formação de professores para


a docência nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio nas escolas
localizadas em áreas rurais. Seu objetivo é contribuir para a expansão da oferta
da Educação Básica nas comunidades rurais e para a superação das históricas
desvantagens educacionais experimentadas pelas populações do campo (BRASIL,
2012), sendo estas constituídas por coletivos diversos, como agricultores familiares,
extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma
agrária, trabalhadores assalariados rurais, quilombolas, caiçaras, povos da floresta,
caboclos e outros que vivem a partir do trabalho no meio rural (BRASIL, 2010).
O objetivo deste trabalho é discutir o alcance e o potencial do desenvolvimento
de uma LEdoC da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a partir do estabelecimento
de um comparativo do perfil entre turmas de ingressantes e concluintes. O estabele-
cimento da relação entre turmas, além do contexto, agrega ineditismo à pesquisa, já
que não foi encontrado algo similar na revisão de literatura realizada, especialmente
nos trabalhos de Cancelier et al. (2018) e Brito e Molina (2019).
Cancelier et al. (2018) fez um estudo sobre o perfil de uma turma de ingres-
santes de uma LEdoC, na modalidade de Educação à Distância (EAD) e na área de
Ciências Humanas, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O perfil dos
sujeitos investigados foi traçado a partir de um conjunto de características como a es-
colaridade, a idade, o polo em que está matriculado, o grau de instrução, o município
de origem, a área de atuação e formação, a relação com o campo e os movimentos
sociais, assim como os motivos que os levaram a optar pelo Curso. O seu objetivo foi

246
entender se o Curso está indo ao encontro das pessoas inseridas ou que têm o de-
sejo de se inserir na Educação do Campo, para assim traçarem metas e estratégias
para a construção do perfil do egresso almejado no Projeto Pedagógico.

As implicações do estudo para o perfil do egresso demonstram que o sujeito


ingressante no curso de Licenciatura em Educação do Campo deve ter clare-
za da formação que receberá traçada no perfil do egresso sendo necessária
a aproximação com os ideais formadores do curso, identificando-se com os
mesmos (CANCELIER et al., 2018, p. 12).

Os resultados obtidos pelos autores supracitados, por meio de questionários,


indicaram, dentre outras coisas, que parte significativa dos ingressantes já possuíam
graduação e poucos tinham vínculos com os movimentos sociais campesinos.
Brito e Molina (2019), sob a perspectiva do materialismo histórico-dialético,
construíram uma pesquisa em que um dos objetivos foi traçar o perfil dos concluintes
de uma LEdoC da Universidade de Brasília (UnB). Para isso, usaram como instru-
mentos o questionário e a análise documental. Os resultados da sua pesquisa mos-
traram que a maioria dos concluintes eram mulheres que viviam no campo e, inseri-
das nos movimentos sociais e/ou sindicais, trabalhavam na área do Curso. Por isso,
concluíram que o perfil levantado as permitiu “afirmar que os concluintes do curso de
LEdoC estão correspondendo ao perfil de formação apontado pelo projeto piloto do
curso em relação à permanência em seu território e possibilidades de transformação
na forma escolar” (BRITO; MOLINA, 2019, p. 8).
Na direção dos trabalhos anteriores, os autores deste texto consideram que
conhecer os estudantes ingressantes e concluintes pode ser um ponto essencial no
processo de acompanhamento do desenvolvimento da LEdoC e para se obter subsí-
dios para o planejamento de ações futuras. A partir da descrição e da análise do perfil
dos estudantes, buscou-se as respostas às questões: quem é o aluno do Curso?
Que mudanças no lapso temporal representado pelas duas turmas tem ocorrido nos
sujeitos que compõem o corpo discente do Curso?
Para tratar dessas questões, este texto será apresentado da seguinte forma:
primeiro, fará considerações sobre o quadro teórico em torno da relação das LEdoCs
com o paradigma da Educação do Campo, como ações afirmativas. Depois, apresen-

247
tará a metodologia adotada. Em seguida, trará os resultados e discussões e, conse-
cutivamente, as considerações finais.

Licenciaturas sob o paradigma da Educação do Campo

As LEdoCs são frutos de ações afirmativas das políticas públicas vinculadas


ao Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) e, em especial, ao
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo). Emergiram em meio a reivindicações dos trabalhadores rurais e sob o
paradigma da Educação do Campo (CALDART, 2012).
A Educação do Campo é um termo cunhado nos anos 1990 (CALDART, 2012),
que concebe um ensino construído com o sujeito do campo e voltado para a sua
realidade. É resultado da contribuição de diversos referenciais pedagógicos, como a
pedagogia do oprimido, a pedagogia do movimento e a pedagogia socialista (CAL-
DART, 2011).
Os princípios da Educação do Campo são: (i) educação de qualidade como
direito da população camponesa, com respeito à sua cultura, seus valores e seus
conhecimentos; (ii) educação construída com respeito às organizações comunitárias
e a seus saberes; (iii) educação organizada no espaço camponês; (iv) educação
produtora de uma cultura mediada pelo trabalho na terra e para terra; (v) educação
para o desenvolvimento sustentável; (vi) educação contextualizada, com respeito à
heterogeneidade dos povos do campo (BRASIL, 2007).
Esse paradigma educacional (MOLINA; JESUS, 2004) tem apoio na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996b), nas Diretrizes Operacio-
nais para a Educação Básica das Escolas do Campo (BRASIL, 2002) e nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2013). Esses documentos
apontam para um ensino articulado com os saberes e as vivências das populações
do campo, considerando os seus contextos e heterogeneidade.
Alicerçados no paradigma da Educação do Campo, as LEdoCs foram criadas
desde 2007 com experiências pilotos em quatro universidades (MOLINA, 2017) e, de-
pois, se expandiram em projetos de licenciaturas com turma únicas (BRASIL, 2008;
2009) até se tornarem política permanente, sendo atualmente mais de 40 cursos
espalhados pelo país (MOLINA, 2015).

248
Os cursos de LEdoC funcionam em regime de alternância entre tempos forma-
tivos presenciais na universidade (tempo universidade) e nas comunidades e escolas
rurais (tempo comunidade), de modo a propiciar a integração entre os conteúdos
acadêmicos e a realidade dos estudantes e ao mesmo tempo não reforçando a alter-
nativa de saírem do campo para estudar na cidade (MOLINA, 2015; 2017).
Além da alternância, as LEdoCs são cursos multidisciplinares, formando para
a docência por área de conhecimento, de forma a ampliar a oferta dos níveis de
escolarização nas escolas do campo (MOLINA, 2015). Assim, foram criados cursos
para as áreas: Artes, Literatura e Linguagens; Ciências Humanas e Sociais; Ciências
da Natureza e Matemática e Ciências Agrárias.
As LEdoCs possuem o caráter de ação afirmativa, pois contribuem para dimi-
nuir a histórica desigualdade de acesso à Educação Superior dos povos do campo.

Iniciativas institucionais que tem por objetivo a implantação de novos cursos


de licenciatura específicos para a formação de professores para atuarem no
segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio nas escolas do
campo. As propostas deverão ter como base a realidade social e cultural es-
pecífica dos povos do campo e diagnóstico sobre o Ensino Fundamental e
Ensino Médio das comunidades rurais a serem beneficiadas com os cursos.
Serão apoiadas preferencialmente propostas de cursos elaboradas em parce-
ria com as comunidades do campo a serem beneficiadas (BRASIL, 2012, p. 2)

Por isso, a condição para o ingresso nesses cursos é que os seus candidatos
tenham vínculo com o campo, como professores ou outros profissionais da educa-
ção sem formação superior na modalidade licenciatura em exercício nas escolas do
campo, nos centros de alternância, em experiências educacionais alternativas de
Educação do Campo, em instituições da sociedade civil ou entidades não governa-
mentais que atuam na defesa de direitos das populações do campo, jovens e adultos
de comunidades do campo que tenham o Ensino Médio concluído e ainda não te-
nham formação em nível superior; participantes de instituições e movimentos sociais
que atuam no espaço socioterritorial do campo, que tenha o ensino médio concluído
e ainda não tenham formação em nível superior (UFPI, 2018).
Essas exigências se fazem para garantir a formação integral desses sujeitos que
habitam, trabalham e vivem no e do campo, na busca de sua identificação enquan-
to sujeitos de direitos (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004; SANTOS, 2012).

249
Conforme apresenta Silva Júnior e Netto (2011) a Educação do Campo não deve ser
entendida como uma proposta de educação, mas sim como uma crítica a uma rea-
lidade historicamente determinada e por uma concepção de educação e de campo.
Essa constante luta vem proporcionando avanços significativos que marcam e soli-
dificam os ideais não só por educação, mas por condições de vida digna para esses
povos (SANTOS, 2012). Tal luta mobiliza a população camponesa em prol de uma
escola e de uma educação que seja de fato do campo e para o campo, com currícu-
lo próprio e, principalmente, profissionais que entendam e vivenciam a realidade do
campo.

DESENVOLVIMENTO

Contexto e sujeitos

A Universidade Federal do Piauí (UFPI), mais especificamente, o Centro de


Ciências da Educação, do campus Ministro Petrônio Portela, visando atender às de-
mandas sociais do estado quanto a educação campesina, apresentou uma propos-
ta para a oferta do Curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em
Ciências da Natureza, para os municípios de Teresina, Picos e Floriano, e Ciências
Sociais em Bom Jesus ao Edital de seleção Nº 02/2012 Secretaria de Educação
Superior (SESU)/Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC)/Se-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI)/
Ministério da Educação (MEC) (UFPI, 2017). O referido Edital consistia na “Chama-
da Pública para seleção de Instituições Federais de Educação Superior – IFES e de
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET, para criação de cursos
de Licenciatura em Educação do Campo, na modalidade presencial” (BRASIL, 2012).
Assim, em 2014, a UFPI lançou um edital para a primeira seleção de 240 dis-
centes para ingresso nos referidos Cursos, 60 alunos cada. Atualmente o ingresso
nesses cursos ocorre anualmente de forma diferenciada, ou seja, não fazendo uso
da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como instrumento e sim a
classificação obtida em um processo seletivo especial, em que os candidatos são
submetidos a uma prova objetiva, para a avaliação de conhecimentos, e à análise
documental, para a comprovação da ligação com o campo (UFPI, 2018).

250
Além da seleção diferenciada, o Curso também possui uma sistemática de fun-
cionamento exclusiva na Instituição de Ensino, ocorrendo no modo de alternância,
adaptado às condições de vida dos povos campesinos, de modo que consigam aliar
sua formação com seu espaço de trabalho. A alternância no Curso é organizada da
seguinte maneira: durante os meses de janeiro, parte de fevereiro, julho e parte de
agosto, acontece em tempo integral o tempo universidade; e nos meses de fevereiro,
março, abril, agosto, setembro, outubro é realizado o tempo comunidade.
A pesquisa foi realizada de setembro de 2017 a janeiro de 2018 com 76 estu-
dantes de uma LEdoC da UFPI, no campus Senador Helvídio Nunes de Barros, na
cidade de Picos, Piauí. A turma de concluintes ingressou no Curso no ano de 2014
e a de ingressantes em 2018. O Curso é organizado em oito blocos. Possui enfoque
na área de Ciências da Natureza, contemplando, por isso, em sua matriz curricu-
lar, componentes referentes aos conhecimentos físicos, químicos e biológicos, além
de componentes pedagógico-didáticos, conforme as diretrizes curriculares para as
licenciaturas. Também contempla componentes que tratam da história, da organiza-
ção e dos fundamentos teóricos e metodológicos da Educação do Campo, bem como
a sua relação com os movimentos sociais camponeses.

Instrumentos de coleta e análise dos dados

Os dados foram coletados por meio de questionários e documentos do Curso.


Foram utilizados dois questionários mistos com questões que trouxeram elementos
que permitiram traçar o perfil desses alunos quanto aos seguintes assuntos: i) muni-
cípios de origem; ii) meios pelos quais tiveram conhecimento sobre o Curso; iii) grau
de escolaridade ao ingressar no Curso; iv) vínculo empregatício; e v) interesse pelo
Curso. A escolha pelo questionário como instrumento de coleta de dados se deve
à sua propriedade de poder atingir uma quantidade maior de sujeitos em um tem-
po mais curto e à sua maior objetividade em relação a outras técnicas (MARCONI;
LAKATOS, 2003).
Quanto aos documentos do Curso analisados, foi realizada também a pesqui-
sa do Projeto Pedagógico vigente desde 2017, focando no público-alvo do referido
Curso. Foram também analisados os editais de seleção das LEdoCs lançados pelo

251
Ministério da Educação (MEC) e que foram a base para a delimitação dos perfis de
concluintes e dos projetos pedagógicos dos Cursos desde a sua implantação. A pes-
quisa documental seguiu as orientações de Cellard (2008) sobre como levar em con-
ta as condições de produção dos documentos e o cuidado com a sua autenticidade,
sendo estes obtidos em páginas institucionais da UFPI e do MEC.
As questões objetivas do questionário foram tabuladas em planilhas no software
Excel para a construção de gráficos comparativos. As questões discursivas foram
submetidas à análise categorial, conforme Creswell (2008). Dessa forma, a análise
contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa.
A análise dos dados do questionário conjuntamente com os documentos per-
mitiu confrontar as características dos ingressantes e concluintes, permitindo inferên-
cias sobre mudanças no perfil dos sujeitos que são atendidos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos procedimentos descritos no tópico anterior, os resultados dos ques-


tionários foram digitados e compilados, inferidos com o auxílio da análise documental.
Participaram da pesquisa um total de 21 alunos concluintes, cuja faixa etá-
ria variou de 23 a 63 anos. Destes, 86% são do sexo feminino e 14% são do sexo
masculino. O grupo de ingressantes pesquisado foi composto por 55 sujeitos que
apresentaram idade média inferior aos da primeira turma, variando de 16 a 59 anos,
sinalizando uma diminuição na idade média dos alunos do curso pesquisado. Desse
total de ingressantes, 73% são do sexo feminino e 27% são do sexo masculino, nú-
mero que indica uma redução na proporção de licenciandos do sexo feminino quando
comparadas as duas turmas.
Constata-se com esses dados sobre a faixa etária que, com o passar do tempo,
a LEdoC tem contado com a presença de um público mais jovem. Ao passo que essa
mudança foi se conformando à expectativa expressa pela Plano de Desenvolvimento
da Educação (BRASIL, 2001), no sentido de prover a Educação Superior para uma
significativa parcela do público jovem, na faixa etária entre 18 e 24 anos, também
atende às aspirações que levaram à criação das LEdoCs, isto é, “garantir a forma-
ção, no âmbito da educação superior, para os educadores que já atuam nas escolas

252
do campo, bem como para a juventude camponesa que nelas possa vir a atuar” (MO-
LINA, 2017, p. 594).
Quanto ao gênero dos educandos, mesmo com a sua redução com o tempo,
a presença feminina ainda é majoritária na LEdoC. Embora isso seja o esperado de
uma licenciatura, conforme atestam outras pesquisas (BRITO; MOLINA, 2019), re-
presenta no contexto da Educação do Campo uma vitória, pois a presença e lideran-
ça da mulher nas atividades educativas escolares e comunitárias, alavancada pela
formação na LEdoC, pode ser um indicativo da diluição da cultura patriarcal campo-
nesa e de empoderamento da mulher do campo (FALEIROS; FARIAS, 2017).
Dezenove municípios puderam ser identificados como tendo sujeitos atendidos
pela LEdoC (FIG. 1). Nove municípios da região sudeste piauiense foram apontados
como local de residência dos concluintes: Campo Grande do Piauí, Geminiano, Inhu-
ma, Itainópolis, Jaicós, Massapê do Piauí, Picos, Valença do Piauí e Vila Nova do
Piauí (FIG. 2). Quanto aos ingressantes, 16 municípios foram destacados (FIG. 2),
alguns localizados muito próximo à Picos, cidade sede do campus Senador Helvídio
Nunes de Barros, onde é ofertada a LEdoC, como Geminiano (distante cerca de 18
km de Picos) (FIG. 1). No entanto, há alunos oriundos de municípios relativamente
distantes, como Palmeirais (situado a 261 km de distância de Picos), São Miguel do
Fidalgo (a 167 km de Picos) e Patos do Piauí (a 99 km de Picos) (FIG. 1).

253
Figura 1 – Mapa da distribuição dos municípios do estado do Piauí com destaque
para aqueles atendidos pelo Curso de Licenciatura em Educação do Campo, Ciên-
cias da Natureza, campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Universidade Federal
do Piauí.

Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

254
Figura 2 - Municípios em que residem os sujeitos da pesquisa

Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Nota-se que em quatro anos de atuação, o Curso quase dobrou o número de


municípios atendidos, o que indica uma ampliação no alcance dele, que passou a
contar com alunos de locais diversos e distantes da sede. Esse fato aponta que,
apesar das limitações, as políticas públicas afirmativas para a população campesina
têm surtido efeitos positivos no sentido do acesso à Educação Superior a um coletivo
diverso. Dessa forma, vê-se um movimento da população camponesa regional para
afirmarem o seu lugar nos espaços do conhecimento (ARROYO, 2014), com reflexos
na produção cultural e intelectual. Um exemplo disso pode ser visto no livro de Pa-
checo et al. (2017), oriundo de um trabalho dos estudantes da LEdoC em escolas da
educação básica. A obra, toda ilustrada, contém uma coletânea de contos populares
e regionais e inclui sugestões pedagógicas de temas, de atividades e de conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais que podem ser trabalhados no ensino de
Ciências da Natureza, em articulação com outros campos do conhecimento, como os
das Ciências Humanas e Sociais.
Quanto como ficaram sabendo do Curso, 42,8% dos concluintes afirmaram
ter tido conhecimento por meio de indicação de outras pessoas, 33,3% por meio da
internet, 19,1% pelos jornais e 4,8% pela rádio. Quanto aos ingressantes, 81,9% fi-
caram sabendo da oferta do Curso por indicação de outras pessoas, 14,5% por meio

255
da internet e 3,6% por meio de notícia em jornal. A menor proporção de indicação por
outras pessoas para os alunos concluintes é justificável pois estes, que ingressaram
em 2014, possuíam apenas como referência os estudantes das duas turmas das LE-
doCs, uma na cidade de Oeiras e outra em Jaicós, oferecidas com base em editais
específicos (BRASIL, 2008; 2009), em projetos especiais de turmas únicas (MOLI-
NA, 2017). Assim, o fato de o Curso, agora como política permanente e regular na
instituição (BRASIL, 2012), fez com que os próprios estudantes contribuíssem para a
sua divulgação, permitindo que pessoas dos mais distintos lugares tivessem acesso
e interesse no ingresso.
Com relação à formação em Ensino Superior, 76,2% dos concluintes declara-
ram já ter concluído algum curso de graduação, enquanto 23,8% possuíam o Ensino
Médio completo. Para os ingressantes essa relação foi representativamente diferente
pois, apenas 3,6% possuíam formação superior, enquanto 96,4% apenas o Ensino
Médio. Essa informação é mais uma evidência da eficácia dos mecanismos institu-
cionais de ação afirmativa, pois um dos requisitos para o ingresso na LEdoC é que o
estudante ainda não tenha formação em nível superior. Um dos objetivos do Curso,
previsto no seu Projeto Pedagógico (UFPI, 2017, p. 23, grifo nosso) é “habilitar pro-
fissionais em exercício na educação fundamental e média, que ainda não possuam
a titulação mínima exigida pela legislação educacional em vigor”. Embora reduzido,
o ingresso ainda contínuo de alunos com formação em nível superior indica a neces-
sidade de mais medidas para que a seleção de candidatos tenha realmente caráter
de ação afirmativa.
Sobre o exercício de alguma atividade laboral, 61,9% dos concluintes declara-
ram trabalhar e 38,1% não exerciam nenhuma função no mercado de trabalho. Den-
tre os que trabalhavam, 61,5% eram professores da Educação Básica em escolas
públicas, enquanto 38,5% trabalhavam em outras atividades, como o sindicalismo,
o radialismo, a gestão escolar, dentre outros. Com relação ao trabalho dos ingres-
santes, apenas 29,1% deles afirmaram desenvolver alguma atividade remunerada.
Destes, 56,3% declararam trabalhar em atividades ou setores diversos, como babá,
aula de reforço, técnico em áudio, lava jato, escola, vendedora, network e prefeitura.
Além deles, 37,5% declararam trabalhar no campo, seja na “roça” ou com irrigação
ou como técnico agrícola; e apenas um sujeito (6,3%) declarou ser professor.

256
Esses resultados representam uma mudança no perfil do ingressante no Curso,
tendo em vista que a maior parte da primeira turma, a dos concluintes, era constituída
pelo profissional que atuava nas escolas do campo sem formação em licenciatura ou
com licenciatura em outra área do conhecimento. Os ingressantes, por sua vez, além
de não possuírem formação superior, na sua grande maioria, não atuam nas escolas
do campo, sendo constituída por uma significativa quantidade de trabalhadores do
campo.
Essa mudança pode ter implicações para o planejamento do Curso, cujo ca-
lendário e tempos de alternância foram organizados para possibilitar o ingresso de
educadores na Educação Superior sem que precisem abandonar o trabalho na esco-
la básica para elevarem sua escolarização (MOLINA, 2017). Agora, a preocupação,
com essa mudança de perfil, é evitar que o ingresso de jovens e adultos do campo
na LEdoC reforce a alternativa de deixarem a vida no território rural (MOLINA, 2017).
A pesquisa também buscou identificar as expectativas que motivaram os sujei-
tos a optarem pela LEdoC. A alternativa com o maior número de respostas dada pe-
los concluintes foi a identificação com um curso de licenciatura voltado para o campo
(61,9%), seguida pela possibilidade de ingresso no Ensino Superior (14,3%). Outras
respostas foram atribuídas, como: aperfeiçoar conhecimentos e adquirir habilidades
para atuar com alunos do campo; estudar em uma instituição reconhecida pela qua-
lidade de ensino; precisar de uma licenciatura por estar em sala de aula; por falta de
opção; por já trabalhar em escola do campo. Cada uma delas foi dada por um con-
cluinte, representando 23,8% da amostra.
A escolha da LEdoC para os ingressantes também ocorreu pela identificação
com um curso de licenciatura voltado para o campo (36,4%); pelo fato do curso pro-
porcionar o estudo em uma instituição reconhecida (32,7%); pela possibilidade de in-
gresso no ensino superior (29,1%); e pela identificação com a docência (1,8%). Esse
resultado indica que o Curso, além de contar com um público que ingressa pela afi-
nidade à proposta, constitui uma grande oportunidade, se não a única, de ter acesso
à universidade. Essa expectativa está consonância com o propósito da criação das
LEdoCs na esteira do Procampo (Molina, 2015).

257
CONCLUSÃO

A pesquisa mostrou que no lapso temporal entre as duas turmas analisadas


ocorreu uma mudança no perfil, com um público mais jovem, embora ainda predomi-
nantemente feminino. O número de municípios atendidos e representados pelo corpo
discente também se expandiu, assim como o papel da divulgação por meio de se-
melhantes. Houve a redução de discentes atuantes como educadores em escolas do
campo para aqueles envolvidos diretamente com o trabalho na terra, embora ainda
haja quem já possua outra graduação. Quanto às expectativas que os levaram a op-
tar pelo Curso, em ambas as turmas foi significativa a identificação com a formação
voltada para a Educação do Campo.
Os dados revelam que o Curso tem seguido um caminho que vai ao encontro
dos documentos oficiais quanto ao público que atinge, constituído por educadores e
outros trabalhadores do campo. No entanto, mostram a necessidade de melhorias no
processo de divulgação e seleção de forma a atingir os grupos que realmente façam
jus a tal ação afirmativa, isto é, aqueles envolvidos com o campo e que não possuam
ainda formação em nível superior.
Embora mais municípios sejam atendidos pela LEdoC, ainda há margens para
expansão e para que representantes de outros locais e comunidades da região se-
jam atingidos, o que pode requer uma maior divulgação por meios diversos.
A redução no público feminino entre as duas turmas deve ser acompanhada
para se verificar se as mulheres do campo da região têm optado por outros cursos de
graduação, se tem chegado até elas informações sobre o Curso e/ou se têm encon-
trado obstáculos para o acesso ao Ensino Superior.
O impacto de um público mais jovem deve ter reflexos nas metodologias e es-
tratégias de ensino. Além disso, a maior presença de discentes envolvidos com o tra-
balho na terra sinaliza a necessidade de se repensar na organização da alternância
do Curso, estabelecida inicialmente para atender professores de escolas do campo.
O trabalho mostrou a importância do estudo dos perfis das turmas e do estabe-
lecimento de comparações como meios de evidenciar mudanças e continuidades e,
dessa forma, apontar ajustes que precisam ser realizados na divulgação, no processo

258
de seleção, na matriz curricular, no calendário e na organização didático-pedagógica
do Curso. Enfim, o estudo do perfil de ingressantes e concluintes tem um importante
papel para assegurar o desenvolvimento da LEdoC como uma ação afirmativa para
a população do campo da região.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. G. Outros sujeitos, outras pedagogias. 2. ed. Petrópolis: Vozes,


2014.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Relató-


rio do Grupo de Trabalho Interministerial População Negra. Brasília, DF: 1996a.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases


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261
10.48209/978-19-CAMPO6-7-2

EDUCAÇÃO DO CAMPO E
EDUCAÇÃO MUSICAL COMO
PROJETOS DE EMANCIPAÇAO
HUMANA
Fernando Vieira da Cruz76
Dayana Aparecida Marques de Oliveira Cruz77

76 Mestre e Doutorando em Música pela Unicamp. Supervisor Educacional no Projeto Guri.


E-mail: [email protected]
77 Graduada, Mestra e Doutora em Geografia pela FCT/Unesp. Professora no Instituto Federal
de São Paulo (IFSP/Registro). E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO

Diferentes concepções educacionais vêm denunciando a necessidade de o de-


bate em educação não ficar restrito ao pensamento pedagógico, mas atentar-se as
relações sociais, contextos de vida dos estudantes e modelos de sociedade que os
subsidiam. A educação do campo e diferentes propostas da educação musical que
surgiram a partir do século XX são exemplos pertinentes a este texto. O surgimento
destas propostas, as quais pretendemos colocar em diálogo, convergem com alguns
princípios gerais como o do desenvolvimento integral do sujeito, o protagonismo do
estudante, o contexto de vida como materialidade de conhecimento, e de modo mais
basilar, a necessidade das transformações no pensamento pedagógico, na realidade
de vida dos estudantes na intenção de uma sociedade mais igualitária. Firmes em
contrapor os paradigmas que as antecederam, estas propostas vêm sendo desen-
volvidas com fortes discussões das contradições que as cercam. Estas contradições
emergem, muitas vezes, do perigo das dicotomias presentes no embate das ideias
postas em discussão. Elas denunciam a necessidade do adensamento e alargamen-
tos de tais discussões com um olhar sempre voltado aos princípios geradores das
propostas em voga.
A perspectiva teórica que assumimos é a da concepção de música como lin-
guagem pelas contribuições de Silvia Cordeiro Nassif Schroeder gestada na leitura
da filosofia da linguagem de Mikhail Bakthin. Nesta perspectiva a linguagem, portanto
também a linguagem musical, pode ser entendida através dos discursos e enun-
ciados postos em prática em um contexto social comum aos interlocutores, sendo
que, cada enunciado ou discurso musical ocorre em resposta e em direção a outro
discurso. Assim, a noção de diálogo em VOLÓCHINOV/BAKHTIN (2017) está posta
em qualquer tipo de resposta imediata ou não, falada, escrita, em concordância ou
contrapondo, e até mesmo por uma simples fruição. Por depender do contexto social,
a significação dos discursos se dá em interação nos coletivos sociais chamados de
Sistemas Ideológicos (a religião, a política, a ciência e assim por diante). Assim, entre
ideologias cotidianas (aquelas das conversas do dia a dia) e ideologias já formadas
(aquelas em prevalência nos sistemas ideológicos), ocorrem contínuos processos
de transformação (ressignificações) de cada discurso e também dos interlocutores

263
envolvidos. Estes processos de mútuas transformações são chamados de refração.
Esta breve exposição do aporte teórico e alguns conceitos que utilizaremos durante o
texto é feita apenas para cumprir a clareza de onde partimos as discussões. Cumpre
ainda dizer, que este aporte teórico se funda no materialismo histórico dialético com
certa clareza de onde partem também as concepções de educação do campo com
as quais dialogaremos.
Seguindo, a partir da perspectiva anunciada trazemos o objetivo deste texto
em discutir as possíveis aproximações e diálogos presentes em concepções da edu-
cação musical e da educação do campo observando alguns princípios norteadores
presentes em ambas. Dentre os princípios, ressaltamos a convergência das discus-
sões sobre uma educação mais igualitária que considera o estudante como protago-
nista de seu processo de ensino-aprendizagem. Portanto, encontramos em autoras
que discutem a educação do campo como Caldart (2004) e Freitas (2011), alguns
pontos de contato com o debate realizado no âmbito da educação musical por Pen-
na (2008, 1999), Souza (2004) e Schroeder (2005). Identificamos profícuos diálogos
para a formação integral do ser, para uma educação mais igualitária e integradora,
para o reconhecimento das diversidades e valorização da cultura, dos saberes e das
formas de expressões locais.
Para cumprir o objetivo proposto utilizamos da revisão bibliográfica sobre edu-
cação do campo e educação musical pelos autores apontados anteriormente. O texto
está organizado em duas partes. A primeira apresenta o apontamento de algumas
dicotomias limitantes em ambas as áreas em discussão. Na segunda parte aprofun-
damos a discussão sobre a superação de tais dicotomias a partir do arcabouço teó-
rico adotado. Por fim, trazemos as considerações finais sobre as possibilidades de
diálogo levantadas durante o texto.

A PROBLEMÁTICA DAS DICOTOMIAS LIMITANTES

O debate acerca da superação das visões dicotômicas é recorrente em diferen-


tes abordagens educacionais e abundante nas discussões da educação do campo
e da educação musical. Em pauta, entram a promoção da igualdade social, garantia
da autonomia dos sujeitos e reconhecimento das diversidades. Aqui, pretendemos
focalizar nossas discussões da representatividade que tem esta discussão para a

264
superação da verticalidade impositiva da cultura instrumentalizada por uma visão
excludente de educação.
No caso da educação do campo, busca-se a superação da antinomia rural e ur-
bano na qual se reafirma estereótipos acerca dos modos de vida no campo como an-
tiquado/atrasado e na cidade como moderno/avançado. Essa dicotomia foi reforçada
nas propostas que ficaram conhecidas como educação rural com início no Brasil na
década de 1930. O discurso em prol da “modernização” do campo subjugava-o como
sinônimo de atraso por não se adequar ao sistema produtivo imposto de forma verti-
calizada (FREITAS, 2011). As transformações no campo impactaram a organização
do território brasileiro culminando em mudanças não só no campo, mas também nas
cidades (SANTOS, 1998). Tais transformações estiveram baseadas no modelo de
desenvolvimento agroindustrial adotado como referência a partir da Revolução Verde
da década de 1970. Este modelo atenuou os conflitos e contradições existentes no
campo a partir da disputa de poder entre os grandes latifundiários e os movimentos
sociais, trazendo à tona a discussão sobre a questão agrária no debate político na-
cional.
A resistência protagonizada pelos movimentos sociais do campo, como no caso
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aprofundou as discus-
sões sobre a concentração fundiária e a produção no campo brasileiro através da
luta pela reforma agrária e pela adoção de novas práticas de cultivo como a agroeco-
logia (FERNANDES, 2019). Tais embates abarcaram diferentes aspectos da vida no
campo, incluindo o reconhecimento da necessidade da luta pelo direito à educação
gestada numa concepção multidimensional do próprio campo (FERNANDES, 2006).
Neste sentido, a educação do campo busca reconhecer as identidades e valorizar os
saberes do campo, sendo contrária à velha premissa da educação rural que impôs,
durante muito tempo, a perpetuação das desigualdades sociais no campo buscando
adequar-se às demandas da modernidade urbana e industrial (FREITAS, 2011).
Podemos apontar também a velha dicotomia entre a educação em espaços
formais e informais discutida por Caldart (2007), diretamente relacionada à persistên-
cia das citadas abordagens (tradicionais) de ensino. Embora os movimentos sociais
reconhecem e reivindicam para o campo a formação escolar, eles também advertem
para a necessidade da escola estar pautada na materialidade do campo. Em outras

265
palavras, a escola precisa atender as particularidades dos sujeitos sociais concre-
tos do campo tendo como referência um recorte de classe, abrangendo também a
universalidade da educação e no empenho em “construir uma educação do povo do
campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele” (CALDART, 2004, p. 3 –
grifos da autora). Tais reivindicações faz valer a função da escola enquanto espaço
coletivo de construção do saber (CRUZ, 2020b).
Enfim, por mais que o embate pelo fim das dicotomias, muitas vezes, denuncie
a necessidade de tratamento de fortes contradições, a discussão precisa avançar
em densidade e amplitude. É preciso encarar tais contradições para não cair ou se
render ao modelo liberal de sociedade amparada pela repetição de projetos educa-
cionais impositivos e instrumentalizados. Pois, enquanto a educação não coloca em
pauta a emancipação humana da população historicamente oprimida, ela estará a
mercê deste mesmo modelo de sociedade, conforme discutido por Caldart (2007).
A mesma necessidade de superação das dicotomias também se faz presente
no âmbito da educação musical. Uma situação já bem conhecida é aquela advinda
da contraposição entre música popular e música de tradição europeia (destarte, mú-
sica erudita). Esta visão dicotômica supervaloriza o padrão europeu de cultura, músi-
ca e repertório em detrimento das manifestações populares e locais. Ela vem sendo
historicamente reforçada pela reprodução do ensino de música que visa a formação
profissional de instrumentistas voltados à performance da música erudita, vigente e
predominante até meados do século XIX. Este ensino (destarte, ensino tradicional)
ainda é predominante em escolas de música especializadas, conservatórios e cursos
de graduação em música, bacharelado (PENNA, 1999). As práticas que comumente
mais as caracterizam estão ligadas ao desenvolvimento das habilidades técnicas
instrumentais, referidas como uma forma de treinamento automatizado da execução
do repertório da música erudita.
O embate a este modelo vem sendo protagonizado por diferentes propostas
de educação musical surgidas a partir do início do século XX. De modo geral, elas
trazem a ideia da participação ativa dos estudantes em seu processo de formação e
a educação musical atrelada a um projeto de formação integral do sujeito. Por isso,
o reconhecimento dessas propostas como “métodos ativos em educação musical”
(FONTERRADA, 2008). Em sua maioria, estas propostas são visitadas pelas ideias

266
da Escola Nova (SCHROEDER, 2005). No entanto, algumas delas, sobretudo aque-
las praticadas nas escolas de educação básica, penderam para uma prática que
enfatiza a “liberdade criativa e a expressão pessoal”. Essa mudança ocorreu em
detrimento do esvaziamento dos conteúdos específicos da linguagem musical, os
quais na maioria das vezes são supervalorizados verticalmente no ensino tradicio-
nal (PENNA, 1999, p. 60). Chamamos essas propostas de propostas de vanguarda,
assim como foram denominadas por Schroeder e Schroeder (2011)78. Em suma, os
métodos ativos são diversos sendo que alguns ainda continuam fortemente atrelados
à execução instrumental como é o caso da proposta de Shinichi Suzuki. As propostas
de vanguarda estão mais atreladas ao esvaziamento dos conteúdos da música tonal
como é o caso da proposta do compositor Murray Schafer. Logo, estão postas dife-
rentes dicotomias que se entrelaçam: música erudita e música popular; ensino tradi-
cional e o ensino de vanguarda; música tonal e estéticas de vanguarda (serialismo,
música concreta, eletrônica entre outras); e assim por diante.
O caminho para a superação dessa dicotomia ainda está em disputa e preci-
sa equilibrar-se para não cair na supervalorização dos conteúdos em detrimento de
processos pedagógicos mais igualitários, nem tampouco no esvaziamento dos pro-
cessos pedagógicos em função da supervalorização dos conteúdos (PENNA, 1999).
Neste sentido, é preciso considerar as propostas que dão espaço a cultura, música e
repertório local, ligadas ao cotidiano dos estudantes. Expressões de ampla gama de
possibilidades incluindo, inclusive, a música de massa (PENNA, 2008). Estas produ-
ções, presentes no cotidiano dos estudantes, não se limitam ao entretenimento como
é afirmado pelo senso comum. Elas estão relacionadas à construção de identidade
dos sujeitos, bem como aos diferentes modos de vida e de significação musical vi-
venciadas por eles (SOUZA, 2004).
Observamos a busca por um processo de ensino emancipatório que inclua e
valorize a vivência e as demandas dos estudantes tanto nestas propostas de educa-
ção musical intencionadas como na educação do campo. Por isso, em ambas estão
presentes a resistência, a contestação e o questionamento do paradigma hegemôni-
co imposto historicamente pelos países centrais como referência de cultura e socie-
dade, representados pelos velhos modelos dicotômicos.
78 Demarcamos como faremos para nos referirmos a estas propostas sem a intenção de
rotulá-las ou categorizá-las, o que não está em voga nos objetivos deste texto.

267
SUPERANDO AS DICOTOMIAS

As concepções que intencionamos dialogar neste texto apresentam algumas


características que podem nos ajudar a pensar a superação das dicotomias limi-
tantes apresentadas anteriormente, tanto na educação do campo quanto na educa-
ção musical. Partimos das concepções desta última, nelas vimos a possibilidade de
extrapolar a visão do ensino tradicional, sobretudo para o afastamento de práticas
que reforçam a imposição de um modelo de cultura eurocêntrica. De fato, o que nos
instiga nestas proposições é a possibilidade do não esvaziamento completo dos con-
teúdos históricos da linguagem artística musical e ao mesmo tempo não se limitar
a elas. Vale ressaltar que nosso foco está nas possibilidades dos contextos de vida
dos estudantes, ao nosso ver, mais próximos da música popular, incluindo a música
de massa.

A compreensão das práticas sociais dos alunos e suas interações com a ci-
dade, o lugar como espaço do viver, habitar, do uso, do consumo e do lazer,
enquanto situações vividas, são importantes referências para analisar como
vivenciam, experimentam e assimilam a música e a compreendem de algum
modo (SOUZA, 2004, p. 10).
 

Considerar as vivências musicais cotidianas dos estudantes inclui uma apro-


ximação com o entendimento de que o desenvolvimento individual está atrelado ao
desenvolvimento dos grupos sociais presentes em seus cotidianos. Na citação ante-
rior, Souza (2004) se refere a grupos urbanos que, na maioria das vezes, têm suas
práticas invalidadas pela sociedade de modo geral. Por isto, reclamam uma outra so-
ciedade na qual tenham garantidos os seus direitos e espaços. Assim, identificados
com seus espaços de vivências cotidianas buscam a valorização e transformação de
seus espaços, bem como o reconhecimento de suas produções enquanto conheci-
mento e cultura.
No âmbito da educação musical, é nítida a contradição das práticas do ensino
tradicional cujos treinamentos de habilidades e entendimento de esquemas teóricos
(leitura de partituras, por exemplo) ganham espaços nas aulas em detrimento da
própria experiência musical (SCHROEDER, 2005). Ou seja, a imposição de padrões
musicais validados em uma realidade social distante da realidade dos estudantes
e de suas práticas musicais. Em tempo, refletindo sobre a citação de Souza (2004)

268
inferimos que seja possível adicionamos o campo igualmente “como espaço do viver,
habitar, do uso, do consumo e do lazer” de modo digno como pauta a ser discutida na
educação musical. O que se mostra nos discursos e na própria construção identitária
dos sujeitos. 

Um sujeito social coletivo se refere à associação de pessoas que passam a


ter uma identidade de ação na sociedade, e, portanto, de formação e organi-
zação em vista de interesses comuns e de um projeto coletivo [...] E sujeitos
coletivos se formam, não são dados pelas condições objetivas que os defi-
nem, exatamente porque seus membros partilham mais do que uma condi-
ção: partilham objetivos construídos ou tornados conscientes no movimento
histórico em que se afirmam ou são reconhecidos pela sociedade. Em nosso
tempo, os movimentos sociais estão sendo reconhecidos como espaços im-
portantes de formação de sujeitos coletivos (CALDART, 2012. p. 550). 

No bojo do aporte teórico que nos apoia, Volochinóv/Bakhtin (2017), encontra-


mos o diálogo entre as ideologias cotidianas (que se referem às conversas do dia
a dia) continuamente sendo transformadas e transformando as ideologias constituí-
das (aquelas tomadas de posição, interpretações e significações predominantes de
modo mais coletivo nos diferentes campos de atividades). Os coletivos nos quais
predominam determinadas ideologias constituídas são chamados de Sistemas Ideo-
lógicos por Volóchinov/Bakhtin (2017) e exemplificados pelos campos da ciência,
política, artísticos e outros. Este movimento mútuo de transformação dos proces-
sos de significação dos sujeitos nos sistemas ideológicos soa para nós como aquilo
que vai além das simples condições objetivas de um coletivo apontadas por Caldart
(2004). Ou seja, abarcam as intencionalidades coletivas construídas historicamente,
incluem a luta e as ações práticas em busca da concretização dos mesmos, geram
valores e formas de significação coletivamente predominantes dos objetivos, lutas e
ações práticas. Aí está o imbricar das ideologias constituídas que são persuadidas e
persuadem as ideologias cotidianas. Nesta interação reside a intersecção do desen-
volvimento do sujeito e de seus coletivos em um movimento dialético de construção
concreta e histórica de suas identidades.
No campo e na participação nos movimentos sociais rurais, como o MST por
exemplo, se entrelaçam as lutas compartilhadas coletivamente com a própria inten-
cionalidade da formação e desenvolvimento humano. Os desdobramentos destes

269
discursos se materializam no diálogo com as teorias pedagógicas que ajudam a
construir a concepção de Educação do Campo reafirmando a materialidade, a histori-
cidade e o movimento dialético na formação e desenvolvimento humano (CALDART,
2012). Tal concepção busca superar o ensino pautado em esquemas de transmissão
de conhecimento, treinamento e domínio de habilidades técnicas, conceituações e
práticas mais próprias de vertentes verticalizadas do campo educacional. Estas pro-
postas são representações alinhadas às concepções de educação projetadas em ou-
tros lugares e oportunizada à população do campo de modo alheio à sua realidade,
necessidades e lutas. Essa dinâmica acontece no contexto de sociedade capitalista
no qual a educação ofertada ao camponês visa a formação instrumentalizada de mão
de obra para o agronegócio. Todavia, encontra a resistência protagonizada pela so-
ciedade civil organizada pelo direito à terra e à vida digna (CALDART, 2004).
As teorias pedagógicas com as quais a educação do campo dialoga são as se-
guintes: pedagogia socialista, pedagogia do oprimido, pedagogia do movimento. De
acordo com Caldart (2004), a pedagogia socialista indica a necessidade de pensar a
realidade dos sujeitos do campo, da organização coletiva, e do entendimento da cul-
tura como um processo histórico. A necessidade de pensar a realidade dos sujeitos
do campo aparece também como preocupação central na pedagogia do oprimido,
cuja base teórico-epistemológica advém da prática da educação popular como pro-
jeto emancipador, discutido por Paulo Freire (CALDART, 2004). Por fim, a pedago-
gia do movimento também aglutina alguns pontos comuns indicados na pedagogia
socialista e pedagogia do movimento, todavia, ela só pode ser entendida a partir da
observação do próprio processo de formação da educação do campo por meio das
contribuições dos movimentos sociais, sobretudo os movimentos sociais do campo
(CALDART, 2004). Logo, sob a ótica da pedagogia do movimento é impossível de-
sassociar a educação do campo da luta pela terra e do reconhecimento das popula-
ções nele territorializadas (camponeses, indígenas, quilombolas e ribeirinhos). Para
a educação do campo, pensada em diálogo com estas teorias pedagógicas, é basilar
a valorização dos modos de vida e de interação com a natureza, incluindo formas
de produção não-hegemônicas como a agroecologia popular. Em outras palavras,
a valorização do lugar, dos sujeitos e da cultura como processo histórico é a única

270
possibilidade da efetivação de um projeto de educação.
Logo, superar as velhas dicotomias é uma forma de ampliar e aprofundar as
discussões do fazer educacional tanto na educação do campo quanto na educa-
ção musical. É importante salientar que entendemos os diferentes extratos das duas
áreas educacionais. Enquanto a educação do campo representa as condições, obje-
tivos e lutas construídas na especificidade da vida no campo, a educação musical se
faz presente em diferentes contextos de vida como possibilidade discursiva. Porém,
nas duas áreas e dentro das perspectivas aqui postas, ambas apontam para a su-
peração das dicotomias excludentes da diversidade tanto dos modos de vida quanto
dos discursos nelas presentes.
Para a superação dos processos de imposição cultural presentes nas velhas di-
cotomias é preciso enxergar então as necessidades específicas da realidade de vida
dos estudantes levando em conta sua pluralidade de contextos. O caminho possível
que apontamos está no imbricar da concepção de música como linguagem com al-
guns princípios apontados na Educação do Campo. Entendemos que as dicotomias
presentes em ambas as áreas tem em sua base a mesma raiz da imposição do pa-
drão europeu de modernidade que é referência na comparação entre manifestações
culturais e formas de vida distintas a fim de hierarquizá-las. A resistência à hierar-
quização da cultura, dos saberes e dos modos de vida é um ponto profícuo para o
diálogo entre a educação do campo e a educação musical.
Pela concepção de educação musical adotada, o aprendizado musical ocorre
a partir dos seus discursos postos em prática em um contexto social comum aos in-
terlocutores. Os discursos são refratados (transformados e ressignificados) a cada
diálogo, provocam outros discursos e diálogos que os respondem e trazem consigo
as transformações dos seus interlocutores. Assim, os discursos, diálogos, sujeitos e
grupos sociais são continuamente transformados. O uso da linguagem musical é tan-
to resultante do sujeito histórico quanto motivo de suas transformações de vida. Esta
forma de entendimento se aproxima de como a formação do sujeito é vista também
na educação do campo:

Afirmar que o ser humano se forma na luta social é reafirmar que ele se
constitui como humano na práxis, que se educa na dialética entre transfor-

271
mação das circunstâncias e autotransformação. É a atividade que forma o
ser humano; mas a atividade que humaniza mais radicalmente é aquela que
exige a autotransformação que passa pela compreensão teórica da realidade
(CALDART, 2012. p. 552). 

A constituição do humano na práxis (em termos marxistas a atividade pela qual


os sujeitos transformam e são transformados pela realidade coletiva na qual se afir-
mam) se aproxima da ideia de como o sujeito se transforma por seus discursos e
processos dialógicos. Pois, nos discursos e processos dialógicos os sujeitos se cons-
truindo histórica e coletivamente. A centralidade dessa aproximação está na prática
discursiva e transformadora que persuade a própria realidade dos sujeitos de modo
contínuo.
Assim, pela perspectiva assumida, o ensino de música torna-se significativo
para os estudantes à medida que ocorre contextualizado de suas vivências musicais
cotidianas, dos espaços que frequentam, dos coletivos que compõem e de todas
as formas as quais os estudantes se identificam em suas práticas diárias (musicais
e não-musicais). Neste sentido inclui-se o papel da música popular e/ou música de
massa tão presente no cotidiano dos estudantes:

Nessa cultura “experimentam o sentimento de legitimação na sua vida de


exclusões”, trazida por um discurso que reivindica os direitos sociais e denun-
cia as dificuldades da vida na periferia para a qual tenta mobilizar a socieda-
de (SOUZA, 2004, p. 8).  

A educação musical que não se desvincula da vida social dos estudantes pode
atrelar-se aos seus projetos de vida e de sociedade, para além disto, pode contribuir
com o protagonismo do sujeito em seu processo de desenvolvimento.

A materialidade de origem da Educação do Campo projeta/constrói uma de-


terminada totalidade de relações que lhes são constitutivas. Antes (ou junto)
de uma concepção de educação ela é uma concepção de campo: porque,
neste caso, como pensamos o campo pensamos a educação; [...] o vínculo
de origem da educação, ou de um projeto educativo, com um projeto político,
com um projeto social. A teoria pedagógica historicamente surgiu para dar
conta da intencionalidade da formação do ser humano capaz de ser sujeito
construtor de um determinado projeto de sociedade (CALDART, 2004, p. 4-5).  

Assim como a educação do campo toma a própria concepção de campo como


subsídio fundamental, o ensino de música na perspectiva que adotamos vê na pró-

272
pria concepção discursiva da música como forma de linguagem o seu fundamento
de aprendizado. Antes de ensinar a música é preciso ter em mente qual música se
intenciona ensinar. Sendo a música a ser ensinada aquela que é compreendida nas
situações reais de diálogos musicais, é na realidade da vivência dos alunos que
reside seu êxito. Portanto, a educação musical pensada no campo precisa incluir o
sujeito camponês como seu protagonista e a cultura, trabalho, costumes e valores do
campo como sua materialidade concreta. Para além dos limites das discussões teó-
ricas e pensamentos mais próprios do campo educacional são estes protagonismos
e materialidades que colocam diferentes propostas em contato, por apontarem em
uma mesma direção da intencionalidade de seus ensinos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, as concepções de educação musical e de educação do campo aqui


discutidas suscitam os seguintes questionamentos: Qual a serventia da prática de
padrões musicais e culturais distantes da realidade de vida dos estudantes? Como
isto poderia se conectar com o modo de vida camponês? Parafraseando, qual a uti-
lidade de se aprender um idioma fora do país onde é falado? Mais especificamente,
qual a utilidade do desenvolvimento técnico de habilidades instrumentais para execu-
ção de um repertório “alienígena”? Ou por que supervalorizar os sistemas teóricos e
de grafias musicais em detrimento das múltiplas possibilidades discursivas musicas
existentes na cultura camponesa? Por fim, para além das concepções de ensino pau-
tadas em verticalização, imposição e hierarquização da do conhecimento, da cultura
e da música é possível encontrar propostas que dão luz sobre estas questões como
buscamos expor na breve reflexão deste texto.
A potencialidade da aproximação proposta entre a educação musical e a edu-
cação do campo feita neste texto se mostra, sobretudo, no poder emancipador de tor-
nar o sujeito do campo como protagonista de seu aprendizado. As ideias da educação
do campo se mostram permeáveis por um ensino de música dado por sua concepção
discursiva e poroso para os discursos advindos da cultura camponesa. Conceber a
música como linguagem discursiva abre caminhos para que seu ensino se concretize
no ato de rebelar-se contra as imposições culturais historicamente predominantes do
ensino tradicional. Neste imbricar, enquanto as convicções da educação do campo

273
iluminam as necessidades da educação a ser pensada no contexto camponês a con-
cepção de música como linguagem se mostra pertinente para fazer força no embate
pelas transformações intencionadas no campo e na resistência de sua cultura.

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275
10.48209/978-20-CAMPO6-7-2

A INVISIBILIDADE DO CAMPESINATO

NA ESCOLA E NO LIVRO DIDÁTICO


Ana Júlia de Almeida Rosa79
Antonio Miranda de Oliveira80

79 Pedagoga, egressa do Curso de Pedagogia da UFT-Campus de Miracema; email: anaju-


[email protected].
80 Docente do Curso de Pedagogia da UFT-Universidade Federal do Tocantins-Campus de
Miracema. Doutor em Geografia; Líder do Grupo de Pesquisa Educação Cultura e Mundo Rural-E-
DURURAL. Email: [email protected].
INTRODUÇÃO

Nosso objetivo neste texto é apresentar os resultados das leituras e reflexões


que fizemos acerca da educação de crianças, filhas de camponeses, que vivem no
campo, no município de Miranorte-TO e são transportadas para a escola urbana81.
Além de autores que discutem a condição camponesa, fez-se uma pesquisa de cam-
po, com o uso da entrevista com integrantes da escola, bem como uma análise do
livro didático da área de Geografia utilizado pela escola.
Nos últimos cinquenta anos o Brasil viveu conflitos próprios de uma sociedade
capitalista que se urbaniza, com mudanças importantes nos modos de viver, trabalhar
e estudar dos diferentes grupos sociais que fazem parte da sociedade brasileira,
mesmo aqueles que ao longo da história foram excluídos, mas insistem em continuar
existindo. Este é o caso específico dos camponeses, haja vista ser um dos sujeitos
sociais que contraditoriamente, insistem em se recriar, mesmo considerando que
a sociedade capitalista os domina, mas não tem conseguido eliminar as diferentes
lógicas constituintes das relações sociais capitalistas. Essa lógica dominante
não é favorável, aos camponeses, mas eles estão ai, se reproduzindo material e
simbolicamente, mesmo quando são invisibilizados.
Compreendemos que é importante entender melhor os problemas oriundos
desse processo e suas relações contraditórias com o campo e com os camponeses
que não se deixam dominar por completo e tomam consciência do seu abandono nas
periferias das pequenas e médias cidades. Os camponeses insistem em enfrentar
esse processo, produzindo material e simbolicamente novos modos de existência,
territorializando-se quantas vezes forem necessárias, como já demonstraram ao
longo de suas lutas camponesas por terra em todas as regiões do Brasil. A escola e
a educação tem sido um instrumento importante neste processo.
Em sua origem, o conceito de camponês está relacionado à realidade da
idade média européia, mas a formação do campesinato brasileiro possui as suas
especificidades. Entre nós, o campesinato se constituiu no seio de uma sociedade
desigual e capitalista, mas também no interior e à margem do latifúndio escravista.

81 Um debate mais aprofundado dessa questão pode ser verificado no Trabalho de Conclusão
de Curso de Ana Júlia de Almeida Rosa, realizado em 2020, com o título: Campesinato e Livro Di-
dático em Miranorte.

277
O campesinato brasileiro tem como característica importante, desde sua origem,
uma forte mobilidade espacial, ele “zanza a procura de terra”, enquanto o camponês
europeu tem no enraizamento territorial sua característica mais forte.
A história da formação e do desenvolvimento da sociedade brasileira vem de-
monstrando que o mundo rural não acabou e que também o campesinato está ai,
Moura (1986, p. 17-18) diz que “é mais correto falar em recriação, redefinição e até
diversificação do campesinato do que fazer uma afirmação finalista. Nem mesmo
nas sociedades socialistas é possível falar numa abolição do trabalho familiar cam-
ponês”. Portanto, precisamos buscar elementos para enfrentar essa história de frente
sem excluir quem tem muito a contribuir.
Martins (1981), diz que esse conceito foi introduzido em nosso contexto a par-
tir da segunda metade do século XX. Para este autor, até pouco tempo, quando se
falava de camponês era comum se recorrer a palavras como “caipira”, “caiçara, “ta-
baréu”, “caboclo”, “roceiro”, entre outras dependendo da região a que se referia, diz
o seguinte:

Consciente de sua condição subalterna, o camponês se vê como o pobre e


o fraco; reservando o antônimo destas categorias para os proprietários de
grandes extensões de terra, os profissionais que representam as agências do
Estado, e de modo mais ou menos genérico, os habitantes do meio urbano
(MOURA, 1986, p. 16).

Vemos, no entanto, que ao longo da história brasileira, essa designação de po-


bre, fraco foi superada todas as vezes que o campesinato se apresentou socialmente
nas importantes lutas políticas e sociais, inclusive gerando contribuições importantes
para a sociedade nacional em especial nos processos de luta pela reforma agrária.
Alguns autores quando descrevem o campesinato e as suas relações sociais
de produção, o definem como o “conjunto daqueles que trabalham a terra e possuem
seus meios de produção: ferramentas e a própria terra” (BOTOMORE, 1988, p. 42). Ou
ainda: “cultivadores de pequenas extensões de terra, às quais controla diretamente
com sua família” (MOURA, 1986, p. 12); ou ainda: “o cultivador que trabalha a terra,
opondo-o àquele que dirige o empreendimento rural” (MOURA, 1986, p. 13).
No Brasil, o predomínio de sistemas de posse precária da terra, para esta classe
social, tem resultado numa condição de instabilidade estrutural, que faz da busca de

278
novas terras uma importante alternativa de recriação social do campesinato. Neste
sentido, temos observado que no caso do campesinato, mais do que a terra, há uma
importante herança deixada que é o seu modo de vida, como patrimônio que tem sido
de fato transmitido (Wanderley, 1996).
Um aspecto importante dessa herança imaterial é a educação. Um autor que
aborda a conjuntura de direito e contextualização da educação é Sérgio Haddad
(2012). Segundo o autor, idealizar a educação como direito de um indivíduo, cor-
responde a entender que a educação deve se fazer presente em meio aos direitos
imprescindíveis ao desenvolvimento da dignidade de todo ser humano de forma ínte-
gra. Sendo assim, o direito à educação precisa ser garantido a todos os indivíduos,
independentemente de qualquer outro fator ou território, seja urbano ou rural. Con-
cordamos com Haddad, pois

Por meio da educação, são acessados os bens culturais, assim como nor-
mas, comportamentos e habilidades construídas e consolidadas ao longo da
história da humanidade. Tal direito está ligado a características muito caras à
espécie humana: a vocação de produzir conhecimentos, de pensar sobre sua
própria prática, de utilizar os bens naturais para seus fins e de se organizar
socialmente (HADDAD, 2012, p.215).

Compreende-se que esta é uma perspectiva importante de pensar a educação


nos tempos atuais, especialmente quando ela assume seu caráter escolar no atendi-
mento a populações específicas. De acordo com Haddad (2012), a educação escolar
é o alicerce na construção do desenvolvimento formativo dos indivíduos, norteando-
-os de forma que esses possam compreender que são seres que devem lutar pela
conquista de outros direitos.
Ribeiro (2012) enfatiza que os educandos filhos de camponeses são inseri-
dos no processo de trabalhar e estudar quando ainda criança, isto porque a grande
maioria desses educandos precisa através de seu trabalho, auxiliar no sustento da
família. Diante desse contexto, observa-se a grande relevância do papel a ser desen-
volvido pela escola com o propósito de motivar esse educando a dar continuidade
aos estudos. Mas segundo as discussões da autora, o que acontece na realidade é
uma prática totalmente equivocada, pois na instituição de ensino apenas se estuda,
e o contexto analisado não apresenta uma relação com o trabalho ou com a rotina

279
do dia-a-dia do educando. Ou seja, há um corte entre o que a escola ensina, pensa
e faz e a vida das crianças e de suas famílias, principalmente no caso de crianças
que estudam em escola rurais, ou que vivem no campo e são transportadas para a
escola urbana.
A autora relata sobre as dificuldades deparadas quanto à habilidade dos edu-
cadores em desenvolverem um trabalho que possibilite que os educandos sintam-se
correspondidos na ação educativa, principalmente em relação ao trabalho e contexto
escolar, ou seja, a permanência dos alunos está intrinsecamente associada ao que
lhe é proposto. Mas é imprescindível notar que os profissionais da educação não são
preparados e qualificados em uma formação que lhes proporcione um desenvolvi-
mento formativo para ministrar um trabalho coerente de acordo com a realidade do
aluno camponês, o que ocasiona ao educador um desprendimento em exercer suas
atividades nas instituições localizadas nas áreas rurais. Isso coloca uma responsabi-
lidade maior para as instituições que formam professores para os anos iniciais, como
é o caso da formação do pedagogo.

DESENVOLVIMENTO: DO PROJETO DA ESCOLA Á ESCOLA REAL

A literatura da área, mas também as práticas no ambiente escolar dão conta de


que o Projeto Político Pedagógico é um processo que precisa ser discutido, elabora-
do e assumido coletivamente para alcançar os objetivos da escola. Nesse contexto,
a escola deve ser pensada como fruto da sociedade, levando em conta os saberes
construídos socialmente e culturalmente pelas pessoas que estão fora e dentro dela.
Assim, torna-se fundamental pensar em mudanças dentro da unidade de ensino,
refletindo uma proposta pedagógica que seja construída a partir do cotidiano dos alu-
nos. Veiga (1995) complementa citando uma análise de como deveria ser organizada
uma proposta pedagógica, diz essa autora que,

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um


sentido explicito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo
projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por está intima-
mente articulado ao compromisso sócio-político com os interesses reais e
coletivos da população. (VEIGA, 1995, p. 13).

Portanto, percebe-se que as escolas já assumiram a ideia de que a construção


de uma proposta pedagógica deve ser coletiva e que possa ser um documento que

280
norteia as ações desenvolvidas pela escola, tornando-se um desafio, por exigir es-
forço e participação coletiva da equipe escolar. Segundo Vasconcelos (2004, p. 43)
“o projeto político pedagógico é um instrumento teórico metodológico que visa ajudar
a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, cons-
ciente, sistematizada, orgânica e o que é essencial participativa”.
Assim, a escola é responsável pela promoção do desenvolvimento do cidadão,
no sentido pleno da palavra. Então, cabe a ela definir-se pelo tipo de cidadão que de-
seja formar, de acordo com a sua visão de sociedade. Cabe-lhe também a incumbên-
cia de definir as mudanças que julga necessário fazer nessa sociedade, através das
mãos do cidadão que irá formar. Veiga (1995, p. 56), alerta que “no que diz respeito
à escola, é preciso que as decisões institucionais, para que se efetivem, partam da
prática cotidiana, sendo, portanto, necessário conhecê-las, identificando suas carac-
terísticas e formas de expressão”.
Portanto, é no projeto educativo da escola que reside parte significativa dos
desencontros, bem como os motivos dessa relação. É no projeto da escola que se
anuncia a formação intencionada. Sabe-se que há dificuldades de realizar de forma
coerente essa formação cumprindo o projetado, inclusive porque a instituição escolar
é abandonada pelo poder público que, não coloca à disposição dos trabalhadores
da escola e das comunidades internas e externas, os recursos necessários para o
desenvolvimento de suas atividades.
Especificamente no caso da escola de ensino fundamental, objeto desse es-
tudo, buscando o seu PPP percebemos alguns elementos da história da Escola Mu-
nicipal de Tempo Integral Antônio Pereira de Sousa. A mesma foi criada pela Lei N°
007-89 em 25 de outubro de 1989 e recebeu esse nome em homenagem a um dos
principais pioneiros do Município de Miranorte -TO.
Os alunos atendidos por esta unidade de ensino são pessoas vindas de várias
regiões do Brasil, sendo bem diversificada a condição social dos alunos, sendo mais
proeminentes famílias de média e baixa renda e filhos de camponeses, residentes na
periferia da cidade e no campo e que são transportados todos os dias para a escola.
É muito evidente o esforço da instituição em realmente cumprir seu papel tanto
educacional como social. Porém, mais evidentes ainda são as falhas tanto da esco-

281
la-instituição, como de profissionais (professores, coordenadores, diretores), é nítida
em determinados casos, a falta de conhecimento e de preparo da escola como um
todo no atendimento aos alunos e as famílias oriundas do campo.
Compreende-se também que há outros elementos que jogam “contra” a escola
e a comunidade nesse processo, por isso que somente parte dos (des)encontros
estão no seu projeto educativo. O que pensar/dizer acerca da formação de professo-
res no Tocantins e em Miranorte? Que papel desempenha, no contexto do trabalho
escolar, as condições de trabalho dos trabalhadores da escola (são contratados, in-
dicados por políticos, são concursados)? A formação dos professores nos cursos de
formação inicial das instituições de ensino superior82 no Tocantins indica que rumos
na constituição das identidades Docentes? E como aparece em seus projetos de cur-
sos a educação de crianças do campo?
Consideramos importante neste processo o debate acerca do currículo. Apro-
priando-se do debate da obra de Arroyo (2011), “Currículo, território em disputa” com-
preende-se que as classes populares, assim como os docentes no contexto do seu
trabalho compreenderam que há disputas não somente por direitos mais amplos na
sociedade, mas que também o próprio projeto de escola e educação faz parte desse
processo, como diz o autor:

Se há muita vida lá fora, também há muita vida disputada nas salas de aula.
Há muitas disputas lá dentro e muitas disputas fora sobre a função da escola
e sobre o trabalho de seus profissionais. Sinal de que o território da esco-
la ainda é importante para a sociedade e, sobretudo, para as crianças, os
adolescentes, os jovens e adultos populares e para seus professores (as). A
escola é disputada na correlação de forças sociais, políticas e culturais. Nós
mesmos, como profissionais da escola, somos o foco de tensas disputas (AR-
ROYO, 2011, p. 12-13).

Por outro lado é importante considerar as reflexões de Martins (2004/2005) no


sentido de ter clareza que a crise é da escola que temos e que não é somente a crian-
ça que vive no campo e estuda na cidade que sofre processos de marginalização,
embora esse processo seja negado pela escola em estudo. Esse autor diz,

82 A maioria dos cursos de graduação da UFT- Universidade Federal do Tocantins são de li-
cenciatura. O Câmpus de Miracema oferta o Curso de Pedagogia e somente agora (2019) aparece
na proposta pedagógica desse curso (com definição de disciplinas especificas) preocupação com
a formação de populações indígenas e do campo.

282
O ensino deveria ser mais flexível e culturalmente adaptado do que é, tanto
no campo quanto na cidade. A educação básica na cidade é quase que ape-
nas projeção da ideologia de classe média do educador. O mesmo acontece
no campo. Prevalece ainda entre nós a concepção de que o educador não
precisa ser educado, não precisa ser ressocializado para a sua missão de
educar.
Nesse sentido, quase que se pode considerar a escola urbana, inadaptada,
como um campo de concentração onde se realiza o trabalho forçado da acul-
turação compulsória dos educandos, tendo por referência uma cultura urbana
em grande parte postiça, mais ficção do ideário urbano do professor e da po-
lítica educacional do que expressão da realidade urbana em que o aluno vive
(MARTINS, 2004/2005, p. 31-32).

Especificamente em relação ao trabalho com crianças que vivem no campo e à

escola onde as mesmas estudam, diz este autor,

O mesmo acontece no campo e, talvez, de modo agravado em consequência


de uma ideologia educacional que desvaloriza o mundo rural e o trabalho ru-
ral. A ideologia do educador, no campo, é via de regra a ideologia que consi-
dera a cultura, os costumes, o saber da população que ele quer educar como
cultura primitiva de povos ignorantes, formas incivilizadas de conhecer a vida
e interpretar o mundo. Não raro, o educador é o grande responsável por abrir
um amplo abismo cultural entre as gerações do mundo rural.
A escola deveria ser uma instituição do diálogo cultural com sua clientela,
com os circunstantes, e deveria considerar clientela não só o aluno burocra-
ticamente matriculado, como preferem os educadores burocratas, mas tam-
bém a comunidade de referência, a que pertencem os alunos (MARTINS,
2004/2005, p. 32).

Considerando essas questões podemos ver que estamos distante de ter uma
escola que se constitua como um espaço de diálogo voltado para seu público interno
e externo. Há muito que se fazer para que a escola articule um trabalho que não seja
somente reprodutor de ideologias que dominam.
A seguir apresenta-se discussão acerca do livro didático e o modo como inte-
grantes da escola pensam sobre as crianças filhos e filhas de camponeses transpor-
tados para estudar todos os dias na escola urbana localizada na cidade.

283
RESULTADOS E DISCUSSÃO: CONCEPÇÕES SOBRE O CAMPONÊS
NO TRABALHO DA ESCOLA

No contato com a escola realizamos entrevistas com a Diretora, a Coordena-


dora e a professora de uma turma de terceiro ano do ensino fundamental. Fez-se
dois questionamentos: o primeiro sobre o que elas entendem por camponês, suas
características. Na sequência, foram realizados questionamentos acerca do livro di-
dático utilizado na escola. As questões tinham o objetivo geral de saber o que essas
pessoas, responsáveis pelo processo pedagógico pensam sobre o camponês e o
livro didático utilizado na escola.
Sobre quem é o camponês, as respostas da professora, coordenadora e dire-
tora, foram as seguintes:

São trabalhadores/as que vivem no campo e trabalham na roça com a família


(Professora).
São trabalhadores/as que vivem no campo e trabalham na roça com a família.
São trabalhadores assentados da reforma agrária (Diretora).
São produtores rurais que praticam uma agricultura moderna e que tem como
base a comercialização de seus produtos. São pequenos produtores, pobres,
sem conhecimento de técnicas agrícolas e são responsáveis pelo atraso na
agricultura nacional (Coordenadora).

Analisando o conteúdo das entrevistas, vemos que a docente expressa uma


visão bem diferente do modo como pensam a Diretora e a Coordenadora da Escola
quando são solicitadas a indicar o que elas entendem por camponês. Podemos per-
ceber ainda nestas respostas concepções equivocadas criadas pela escola baseado
nas respostas das entrevistadas. É importante discutirmos algumas visões equivo-
cadas ou generalizadas sobre o camponês. A escola não deveria reproduzir uma
imagem equivocada a respeito desses povos, devemos ressaltar as dificuldades en-
contradas por eles e refletir seu papel diante de todos os impasses enfrentados, para
que dessa forma, as crianças tenham consciência do que vem a ser um camponês.
Como demonstra a indicação da coordenação da escola acerca dos camponeses
afirmando que estes “são produtores rurais que praticam uma agricultura moderna e
que tem como base a comercialização de seus produtos”.

284
Esse modo de pensar sobre o camponês pode ajudar a entender alguns proble-
mas vividos pela escola, mas também pelos camponeses. Compreendemos que essa
diversidade de opiniões é saudável, mas também é algo problemático se pensarmos
no ponto de vista de inclusão do aluno campesino. Pois são estes profissionais que
no dia a dia da escola precisam trabalhar pela integração positiva e assertiva destes
estudantes, o que fica muito complicado sendo que não possuem nem ao menos um
conceito de camponês ajustado entre si. Felizmente concordam que a terra é o prin-
cipal instrumento de trabalho do camponês.
Solicitou-se que as integrantes da escola indicassem características que se
aplicam ao camponês. Eis as respostas:

A terra é seu principal instrumento de trabalho (Professora)


A terra é seu principal instrumento de trabalho (Diretora)
Tem fácil acesso a crédito e apoio de políticas públicas para continuar produ-
zindo alimentos. E tendo em vista o desenvolvimento do capitalismo e da pro-
dução no campo, o campesinato é uma classe em extinção (Coordenadora).

Mais uma vez, com base nas respostas das entrevistadas, percebemos o equí-
voco da escola em relação ao modo como pensa acerca do camponês e como esse
pensar se propaga no ambiente escolar, ao afirmarem, Por exemplo: que devido ao
desenvolvimento do capitalismo o “campesinato é uma classe em extinção” ao mes-
mo tempo em que se tem inúmeros alunos residentes do campo nas salas de aula,
nos fazendo refletir sobre o quanto esses sujeitos são invisibilizados, pouco conhe-
cidas, suas culturas, seus modos familiares, o compromisso e a dedicação ao seu
trabalho.
Segundo a diretora, coordenadora e professora, os camponeses têm fácil aces-
so a crédito e apoio de políticas públicas para continuar produzindo alimentos; porem
a realidade é bem diferente, a começar que não é fácil ter acesso a esse credito, sem
mencionar as altas taxas de juros. A Coordenadora indica que tendo em vista o de-
senvolvimento do capitalismo e da mecanização da produção no campo, o campesi-
nato é uma classe em extinção. Porém, esta é uma afirmação demasiada exagerada.
Embora tenha havido enorme êxodo rural, os camponeses ainda são responsáveis
pela maior parte da produção de alimento no Brasil.

285
Quando perguntou-se se existem alunos filhos de camponeses que estudam
na escola e foi solicitado que falassem sobre a presença deles na escola, a professo-
ra respondeu que “Sim e que há uma parceria entre a unidade escolar e os alunos”.
Já as respostas da coordenadora e diretora foram assim:

Sim. Em relação a presença infelizmente é uma situação complicada, as fal-


tas são constantes, em função do transporte escolar (Diretora da Escola).
Sim. Devido à distância percorrida pelo transporte escolar para trazê-los,
achamos cansativo, mas são iguais as demais (Coordenadora da Escola).

Sendo assim, não dá para dizer que a escola tem uma parceria com os alunos
do campo. Pois, é nítido que a questão da distância atrapalha, tanto que a assidui-
dade dos alunos não é a mesma porque eles chegam cansados. Às vezes muitos
profissionais pedagogos que estão dentro da escola poderiam fazer algo a mais para
ajudar, buscando uma solução para esse tipo de problema. Muitos simplesmente se
acomodam e ficam esperando que outras pessoas venham de fora para fazer o que
é papel deles, ou seja, lutar pelos direitos dos alunos camponeses.
Buscando trazer para as reflexões, o cotidiano da sala de aula e as impressões
da professora acerca das crianças do campo neste espaço, foram feitas as seguintes
questões: como o professor pode ajudar um aluno camponês?; Quais as orientações
que a escola ou a Secretaria Municipal de Educação oferta aos professores para tra-
balhar com as crianças do campo? e ainda se a realidade do aluno do campo e da
cidade é a mesma?. A professora respondeu que a melhor forma de ajudar o aluno
do campo é “Trabalhando sua realidade” e que “não há orientações para os profes-
sores”; disse ainda “Que a realidade do campo e da cidade é a mesma e que usando
as tecnologias não há diferença”.
Já a Diretora e Coordenadora pensam semelhante ao que foi informado pela
professora, pois as mesmas disseram que “Não há uma orientação especifica que
separe os alunos do campo e os da cidade e que eles recebem a mesma forma de
trabalho que os demais”. E que em relação aos alunos que vivem no campo ou na
cidade, “Não há diferenças, poucas hoje em dia. Apenas diferença comportamental
quase inexpressiva”.
Ficou evidente nestas respostas as dificuldades tanto da Secretaria Municipal
de Educação de Miranorte -TO, como também da escola e do corpo docente para a

286
efetividade de um trabalho pedagógico que leve em conta a diversidade do seu pú-
blico. Orientações especificas para se trabalhar com esses alunos são essenciais e
imprescindíveis; outro ponto a ser visto como preocupante é que não é possível um
corpo docente acreditar que as realidades do campo e da cidade são as mesmas,
trabalhar a realidade do aluno campesino supõe ter noção disso. Definitivamente não
dá! É necessário que o município crie políticas e ações pedagógicas que qualifiquem
as ações das escolas e de seus profissionais.
Muito do que se viu nas falas dos integrantes da escola, está intrinsecamente
ligado a ação de intolerância social e cultural, a falta de respeito para com os colegas
que vivem no meio rural, e a falta de apoio tanto dos governantes que não conseguem
inserir verdadeiramente na sociedade, políticas públicas que busquem uma melhor
inserção destes alunos vindos do campo, como também dos professores que muitas
vezes por falta de preparo e recursos pedagógicos são incapazes de proporcionar
uma melhor interação entre os alunos que vem do campo com costumes e culturas
diferentes dos alunos que já estão inseridos nos espaços urbanos.
Questionadas sobre o acolhimento aos alunos do campo pela escola ou se já
houve caso de marginalização, a Diretora disse: “Os alunos são muito bem acolhi-
dos, não há diferença entre o tratamento dos alunos do campo e os da cidade”. Já a
Coordenadora informou que “Nunca são excluídos; são tratados de igual forma”.
Porém, o que se pôde constatar com as visitas de observação na escola é que
os alunos são sim alvo de preconceitos e brincadeiras de mal gosto. Existe o bullying,
existe a exclusão, existe conceitos errôneos, tudo isso entre os alunos; não por mal-
dade, mais sim, por falta de instrução e pela reprodução de uma visão dominante
marginalizadora sobre os camponeses.
Em relação ao livro didático a professora, a coordenadora e a diretora coloca-
ram as seguintes informações, quando questionadas sobre como é feita a escolha/
seleção do livro didático utilizado na escola. A professora simplesmente informou que
a escolha é feita “Pelos professores”, sem mais informações. Já a coordenação e
direção disseram o seguinte: “Vários livros de várias editoras são expostos na escola
e num dia (x) todos os professores através do manuseio, escolhem os livros” (Direto-
ra). “É feita uma analise de exemplares no final do ano para escolha do livro didático”
(Coordenadora).

287
Retomando o que fora afirmado pelas integrantes da escola, Miranda e Luca
(2004, p. 126) afirmam que com a criação do PNLD, “... progressivamente foram sen-
do incluídas no programa as distintas disciplinas componentes do currículo escolar
e o programa foi se delineando no sentido de incorporar os professores no processo
de escolha dos livros didáticos”. É apropriado afirmar, concordando com Fernandes
(2011, p. 2), que:

O PNLD - Programa Nacional do Livro Didático – criado em 1985, é um pro-


grama de referência para a compreensão do processo de redemocratização
brasileira, no campo da política educacional, posto que vem atravessando
todos os governos nos últimos 25 anos da história da educação brasileira.
(FERNANDES, 2011, p.2)

Já no século XXI, a escola progressivamente democratizada participa efetiva-


mente da escolha dos livros didáticos que chegam a ela, desfocando o problema da
quantidade de material para a qualidade do material na escola, pois, mesmo com um
programa responsável por selecionar os livros possíveis de serem escolhidos pelos
professores, ainda assim chegam às escolas livros didáticos descontextualizados da
realidade social na qual o aluno está inserido. Frequentemente o professor acaba
utilizando este material como currículo único aplicado em sala de aula.
O livro didático de Geografia utilizado pela professora do 3° (terceiro) ano do
ensino fundamental é Conectados Geografia, tendo como autores Edilson Adão e
Laercio Furquim JR, os quais são mestres em educação, ambos atuando no ensino
médio e superior. A obra foi publicada pela editora FTD, 1ª (primeira) edição, em São
Paulo, no ano de 2018.
O livro integra o PNLD, do FNDE-MEC para os anos de 2019 a 2022. Na apre-
sentação os autores falam de suas expectativas com o uso do livro: “Esperamos que
ele seja tão importante como as outras fontes de estudo para o auxiliar a identificar e
reconhecer os lugares onde você vive”.
Perguntou-se à professora como aparecem retratados no livro didático as po-
pulações camponesas e como o livro didático de Geografia é trabalhado com as
crianças? A mesma respondeu que o “Livro didático só mostra a verdadeira realidade
deles e que é lido e explicado em sala”.
Sobre os conteúdos trabalhados em sala, a professora menciona “que trabalha

288
os livros didáticos apenas lendo com os alunos e explicando as temáticas”. Destaca-
-se que não foram registrados nenhuma outra forma de se trabalhar os conteúdos, o
que representa uma falha da instituição. Embora a professora afirme que os campo-
neses são retratados nos livros assim como são no seu cotidiano, é sabido que estes
são retratados de forma muito superficial e na maioria das vezes de forma errada e
preconceituosa. O livro de fato não mostra a realidade da vida no campo a partir da
condição do camponês.
Copatti e Callai (2018, p. 241) argumentam que muitos dos conteúdos dos li-
vros didáticos que chegam a estas escolas são elaborados para atender de modo
geral a todas as instituições de educação pública do Brasil, e não há uma tradição de
produção de livros específicos para as escolas do campo. Considerando a extensão
territorial e a diversidade brasileira, Callai questiona se “[...] É possível um livro único
que oriente todos os alunos de todo o território brasileiro considerando a nossa diver-
sidade geográfica numa perspectiva global, mas também em escala local?” (COPA-
TTI; CALLAI, 2016, p. 295). Diante disso, como estabelecer o que é mais adequado
para determinado lugar/determinada região?
No livro utilizado pela escola não vimos muito esforço para trazer os modos
de vida dos alunos filhos de camponeses e que moram no campo para a realidade
da sala de aula. Não aparecem os contextos em que vivem as crianças e os jovens
do campo, algumas peculiaridades que poderiam ser mais bem expostas no sentido
de contemplar as vivências destes grupos. Por exemplo que experiências têm estas
crianças e jovens do campo? Que diversões experimentam? O que é significativo
para eles?
Os autores do livro didático ao debaterem as transformações nas paisagens no
campo o fazem mostrando duas imagens, ambas do Estado de São Paulo. A primeira
com trabalhadores na colheita manual do café, em 1902, na cidade de Ribeirão Pre-
to. A segunda, com uma máquina (trator) sendo utilizada na colheita do café na cida-
de de Alvinlândia, em 2016. Na sequência das imagens os autores fazem o seguinte
questionamento: “quais são as diferenças entre as duas paisagens mostradas nas
fotos?”. E pede para assinalar a resposta, dentre as seguintes indicações: “presença
de cultura de trigo; uso de máquinas; existência de silos; quantidade de trabalhado-
res”. Infere-se que os autores esperam a marcação de duas alternativas como corre-

289
tas: “Uso de máquinas e Quantidade de trabalhadores” (Silva e Junior, 2018, p. 74).
Muitos outros elementos poderiam ser explorados para trazer esse debate para
o espaço onde a escola e os alunos estão articulados, mas também para trazer mais
aprofundamento para essa discussão, por exemplo, discutindo a natureza do traba-
lho manual no campo, não somente com a cultura do café e a introdução do uso de
maquinas para o processo produtivo no campo e suas consequências para as pes-
soas.
Que implicações esse processo trouxe ou está trazendo para o uso da terra e
as pessoas na região de Miranorte? Sabe-se que esses elementos podem ser levan-
tados pelo trabalho do professor. Isso significa buscar outras referências de leituras e
análises desses processos na sociedade brasileira. No entanto também é preciso se
questionar se o pedagogo em sua formação básica está habilitado a trabalhar com
os conteúdos geográficos levando em conta essas possibilidades. A nosso ver não é
isso que vemos em nossa formação inicial.
Dando sequência aos questionamentos com os profissionais de ensino da es-
cola, foi solicitado que avaliassem o transporte escolar dos alunos do campo. As
respostas merecem reflexão, pois a professora simplesmente informou que “A ava-
liação é ótima”. Já a diretora e a coordenadora buscaram trazer mais elementos para
o debate. A diretora disse: “Os pontos negativos são porque os ônibus são velhos,
além do mais, os alunos residem bem distante da escola/zona urbana”. E por fim,
acabou dizendo que “quando os antigos ônibus se quebram todos são informados”.
A coordenadora disse que “Os pontos negativos não se aplicam ao transporte, mas
sim, às rotas que são longínquas e com vias bastante deterioradas”.
O transporte escolar é uma política pública no campo da educação que está
articulada, por um lado com as lutas das populações que vivem no campo para garantir
educação para seus filhos, mas por outro lado também é utilizada como instrumento
para atender aos interesses políticos dos grupos locais a serviço da apropriação dos
recursos públicos e dos seus interesses econômicos e políticos.
Em nossa região, e o caso de Miranorte não está excluído desse processo,
acrescenta-se a isso as dificuldades relacionadas às grandes distâncias, estradas
ruins, veículos velhos e sem manutenção e outros problemas próprios quando se fala
do atendimento a população que vive no campo.

290
Sabemos que o abandono e a marginalização das populações rurais é o que
sobressai nas relações com o poder público. O testemunho dos integrantes da escola
demonstra isso, embora também revelem uma concepção de naturalização dessa
situação. Não acreditamos que essa situação seja natural ou que não existe outra
forma de funcionamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É urgente que a comunidade escolar, pais e todos os envolvidos avaliem se o


investimento que o governo municipal e as famílias estão fazendo para a educação
de suas crianças é o necessário para garantir uma educação que possa contribuir
para a superação dos problemas vividos pela comunidade.
Compreendemos ainda que os alunos do campo são sim excluídos, margina-
lizados por diversos fatores, inclusive pela negligencia! Principalmente por parte do
governo.
Tomando uma expressão muito cara e repetida pela burguesia política, urbana
e rural no Brasil e também no Tocantins, com a qual não concordamos: o campo é o
lugar do atraso, pois ainda hoje fundamos nossas relações com o campo baseados
em estereótipos, vindos da cidade e projetados sobre o homem do campo que o co-
loca na condição de réu e condenado a extinguir-se, como nos indica Oliveira (2013).
Essas “são visões idealizadas, baseadas largamente num culto partilhado entre mar-
xistas e liberais, pelo progresso, pelo urbano-fabril, como imagem única da nova
época da existência humana” (LINHARES; SILVA, 1999, p. 33). Daí a importância de
se “compreender que o campo e seus sujeitos construíram e continuam construin-
do muitas especificidades e é exatamente esta condição que requer e exige que se
pense uma educação que atenda a esses elementos que distinguem o camponês de
outros sujeitos” (OLIVEIRA, 2013, p. 141).
Mesmo considerando as transformações que ocorreram no campo e na cidade
ao longo dos anos, isso não permite pensa-los como espaços separados, estanques
e com lógicas distintas. Ambos são criados e recriados o tempo todo na lógica de uma
sociedade capitalista, embora isso também não queira significar que seja absoluto
e por isso sempre há alguma possibilidade de rompimento com a lógica dominante.

291
O campo é tão dinâmico quanto o espaço urbano. É lógico que não é a mesma
coisa, mas isso não significa que vamos negar às pessoas do campo (especialmen-
te às crianças filhos de camponeses) conhecimento sobre a vida urbana e também
dificultar as possibilidades de realizar diálogos mais proveitosos entre as crianças do
campo e da cidade quando as mesmas dividem o mesmo espaço de sala de aula. A
paisagem da escola também vive processos de mudanças significativos e um deles
poderia se articular com o fortalecimento da diversidade cultural existente dentro dela
e da sociedade, portanto, um espaço onde pode frutificar muitos saberes e resistên-
cias dos diferentes sujeitos ali articulados.

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293
10.48209/978-21-CAMPO6-7-2

O MONITOR DE EFA:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 83

Geane Pereira Nunes84

83 Este relato de experiência foi submetido em formato de resumo expandido no IV Congresso


de Educação e Formação Docente: perspectivas e possibilidades (CONEF), na Universidade Esta-
dual de Montes Claros (UNIMONTES).
84 Atuou como monitora na Escola Família Agrícola Tabocal e também como professora desig-
nada na Rede Estadual de Ensino Básico de Minas Gerais. Mestranda em Educação pela Univer-
sidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), licenciada em Educação do Campo com Habi-
litação em Ciências Sociais e Humanidades, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[email protected]
INTRODUÇÃO

Este artigo relata uma experiência de monitoria em uma Escola Família Agríco-
la (EFA), a partir dos princípios teórico-metodológicos da Pedagogia da Alternância
(PA).
A Pedagogia da Alternância é uma metodologia educativa que une tempos e
espaços diversos por meio dos instrumentos pedagógicos: Plano de Estudo (PE);
Atividade de Retorno; Colocação em Comum; Síntese Coletiva; Visita e Viagem de
Estudo; Intervenção Externa; Tutoria; Caderno de Acompanhamento; Caderno da
Realidade; Estágio e Projeto Profissional do Jovem (PPJ). Nesse processo, os es-
tudantes permanecem duas semanas na escola em sistema de internato e duas se-
manas com a família em suas comunidades e, nesses tempos e espaços, recebem o
acompanhamento dos monitores e das famílias.
A Escola Família Agrícola adota essa Pedagogia e, com base em seus princí-
pios e instrumentos pedagógicos, oferece uma formação integral e libertadora, prin-
cipalmente para os filhos de camponeses, valoriza a agricultura familiar e a agroe-
cologia, por meio de um projeto de Campo e de sociedade emancipadores (AMEFA,
2018).
O texto encontra-se organizado em 4 partes; no primeiro e segundo itens, é
apresentado o conceito de EFA, as especificidades da atuação profissional e os de-
safios do monitor nos tempos e espaços que permeiam a Pedagogia da Alternância.
Em seguida, são sistematizados os resultados e discussão desse estudo, revelando
a complexidade da profissão monitor de EFA e suas nuanças e, por fim, são tecidas
as considerações finais, que apontam a necessidade de outras reflexões, tais como
sobre o lugar ocupado pelo monitor de EFA na sociedade, na política e na Educação
do Campo.
São objetivos deste relato de experiência discutir a relação do monitor com a
Pedagogia da Alternância e identificar os desafios enfrentados pelos educadores na
atuação profissional. Atendendo ao propósito deste trabalho, adotou-se a metodolo-
gia de sistematização da experiência vivida pela autora na Escola Família Agrícola
Tabocal, localizada no município de São Francisco, Minas Gerais. A discussão teó-
rica baseia-se em leituras feitas em Veiga (1998), Begnami (2003), Marirrodriga e

295
Calvó (2010), Cruz (2014), Freitas (2015) e AMEFA (2018). A escolha desses textos
pauta-se pela relevância do conteúdo para a discussão sobre o monitor de EFA e as
especificidades da profissão, pois apresentam um diálogo que permeia a relação do
monitor com a Pedagogia da Alternância em diferentes tempos, espaços e contextos,
discute a profissionalização docente, atuação e a importância desses educadores
para as EFA e a Educação do Campo.
Por meio desse relato, é possível identificar elementos que sustentam a impor-
tância dos monitores para as EFA, a Educação do Campo e demais educadores e
espaços formativos, revela os desafios e enfrentamentos diários desses profissionais
que buscam a materialidade de uma educação numa nova perspectiva de formação
humana e profissional.

A INSTITUIÇAO EDUCACIONAL ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA

A EFA é uma instituição de ensino que adota a Pedagogia da Alternância, ofe-


rece o Ensino Médio integrado ao curso técnico em agropecuária, objetiva atender
principalmente jovens camponeses e, em algumas dessas escolas, existem outras
modalidades de ensino, como o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Trata-se de uma instituição de cunho associativo, na qual a gestão
acontece por meio de uma coletividade formada por famílias, comunidades, movi-
mentos sociais e sindicais, na busca de promover a formação integral e emancipação
dos sujeitos, em articulação com os princípios da Educação do Campo, tendo em
vista um novo projeto de sociedade (AMEFA, 2018).
A EFA funciona com base nos quatro pilares, que são princípios fundamentais
das Escolas Famílias Agrícolas e que as caracterizam e diferenciam das instituições
de ensino convencional (FREITAS, 2015).
O princípio da alternância dá sustentação para o funcionamento das escolas e
busca atender ao objetivo geral dos Centros Familiares de Formação por Alternância
(CEFFA)85. Marirrodriga e Calvó (2010, p. 65) sublinham que esse princípio visa “[...]
a promoção e o desenvolvimento das pessoas e de seu próprio meio social a curto,
médio e longo prazo, através de atividades de formação integral, principalmente, de
85 O CEFFA é o Centro Educativo Familiar de Formação por Alternância. Ele agrega as EFA,
Casas Familiares Rurais (CFR) e Escolas Comunitárias Rurais (ECOR) [...]. (AMEFA, 2018).

296
adolescentes, mas também, de jovens e adultos”.
Os 4 pilares fundamentais dos CEFFA são classificados em dois princípios-
-meios, a associação e a alternância, e dois princípios fins, a formação integral e o
desenvolvimento do meio. Os primeiros, intitulados meios, proporcionam a mate-
rialidade dos considerados finalidades, e assim são tidos como indissociáveis, pois
dialogam entre si e não funcionam de forma fragmentada.
No cumprimento da sua função social, a EFA, sustentada pelos princípios da
Pedagogia da Alternância, proporciona para os jovens e adultos uma formação que
perpassa as áreas técnica, profissional, humana, intelectual, ética e espiritual, que
se tornam mecanismos para concretizar o desenvolvimento do espaço onde vivem.
A EFA é um espaço educativo com princípios, ideologias e práticas que a carac-
teriza e faz tornar possível uma formação humana, crítica e que busca a emancipa-
ção, sobretudo dos camponeses que, na história, foram invisibilizados pelas políticas
educacionais.

O MONITOR DE EFA: A ATUAÇÃO PROFISSIONAL E SEUS DESAFIOS

O universo de vivências profissionais do monitor de uma EFA é bastante com-


plexo, fazendo-se necessário direcionar dialeticamente o olhar para que se possa
compreender suas nuanças.
As especificidades metodológicas e curriculares da EFA exigem que os seus
educadores sejam diferenciados em relação aos saberes docentes e habilidades pro-
fissionais (FREITAS, 2015). Isso significa que a função do monitor nessa realidade
vai para além da responsabilidade de dar aulas, perpassando por diversas atribui-
ções no processo formativo dos estudantes, a partir da proposta da Pedagogia da
Alternância.
Marirrodriga e Calvó (2010, p. 74) salientam que “o trabalho do monitor não
começa ou termina num determinado horário porque não se reduz aos tempos de
conversa pessoal com os alunos ou com as aulas para o grupo”. Ele recebe o jovem
na escola e o acompanha durante o internato, construindo e mantendo um diálogo
com o aluno e sua família. É um profissional que está a serviço em tempo integral,
atendendo e acompanhando os alunos, dentro e fora da sala de aula, sendo conside-
rado o (a) pai (mãe), o (a) amigo (a) e o(a) psicólogo(a) do estudante no internato. É

297
ele quem apoia e contribui com cada jovem, convertendo-se em seu amigo fiel, orien-
tador no âmbito intelectual, profissional e humano (MARIRRODRIGA; CALVÓ, 2010).
Dessa forma, para atuar como monitor é necessário que se tenha habilidades
múltiplas que não se limitam ao saber pedagógico e técnico, uma vez que deve con-
siderar a totalidade e a complexidade da Pedagogia da Alternância. “O monitor deve
ser capaz de suscitar a vocação formadora das famílias e responsáveis de alternân-
cia durante a estadia dos alunos no meio socioprofissional. Portanto, é um formador
de adultos, além de um formador de jovens” (MARIRRODRIGA; CALVÓ, 2010, p.75).
Diante dessas considerações é importante entender por que o uso do termo
monitor e não professor.
O termo monitor

[...] resulta de sua construção histórica a partir da denominação de uma prá-


tica que exigia atribuições no sentido de acompanhar os alunos em diversos
momentos do processo educativo em Alternância. Monitor é um nome univer-
sal no âmbito das escolas da Alternância (FREITAS, 2015, p.145).

As funções e responsabilidades caracterizam a titulação construída e dada aos


educadores das Escolas Famílias Agrícolas. “O Monitor é concebido como aquele
que orienta, motiva, aguça curiosidades, provoca, problematiza, ajuda a construir
ou reconstruir conhecimentos, facilita aprendizagens e, quando necessário, também
ensina” (BEGNAMI, 2003, p.49). Mas, cabe ressaltar que a denominação “monitor”,
a importância desses profissionais e do trabalho desenvolvido por eles, não os fazem
melhores ou mais importantes do que os professores, e não propõe a fragmentação
do grupo de profissionais que atuam na EFA. Ao contrário, busca inspirar e fortalecer
a luta por uma nova forma de ensinar e aprender, por meio da contextualização do
ensino e de práticas e ações pedagógicas interdisciplinares, em contraposição ao en-
sino com disciplinas isoladas. E, nesse processo, considera-se relevante no ensino
e aprendizagem a aproximação do educador com a realidade do aluno e o estreita-
mento do vínculo com as famílias (FREITAS, 2015).
Ao encontro com essa ideia, Cruz (2014, p.100) sintetiza que “[...] o assumir
a EFA pelo monitor está além de ser um simples funcionário [...]”, pois é necessário
estar envolvido em muitas atividades da alternância dedicando-se ao processo de
contextualização das suas aulas, responsabilizando-se em conjunto com a equipe de

298
monitores pela organicidade da sessão escolar, que consiste em dividir e acompa-
nhar as tarefas (atividades práticas) diárias a serem desempenhadas pelos alunos,
tais como os cuidados e limpeza do espaço escolar. Também é função do monitor
acompanhar a organização dos dormitórios, supervisionar os horários a serem cum-
pridos pelos estudantes que compreendem os momentos de acordar, de realizar as
atividades práticas, de estar em sala de aula e de manter silêncio no período noturno.
Além disso, ele deve acompanhar a disciplina dos alunos e orientá-los no cumpri-
mento das normas internas da instituição.
A equipe de monitores também se ocupa das atividades que envolvem os ins-
trumentos pedagógicos, que são elementos essenciais para a concreticidade da Pe-
dagogia da Alternância, como a Tutoria que é o acompanhamento personalizado feito
pelos monitores a um grupo de alunos, o que permite o estreitamento do vínculo com
as famílias dos jovens por meio do Caderno de Acompanhamento e a construção do
Plano de Estudo. Esse Plano consiste na organização e elaboração dos enfoques de
pesquisa, assim como a sistematização das informações da pesquisa, em conjunto
com os estudantes por meio da colocação em comum e síntese coletiva.
Outra atividade sob responsabilidade dos monitores é o planejamento e acom-
panhamento dos estudantes na Visita e Viagem de Estudo, tendo em vista o tema do
Plano de Estudo trabalhado. Nessa atividade, eles buscam parceiros para promover
a Intervenção Externa, momento de troca de experiências acerca do tema do Plano
de Estudo. As orientações e acompanhamento do Estágio, do Projeto Profissional do
Jovem, e do Caderno da Realidade, são outras funções atinentes ao monitor (MA-
RIRRODRIGA; CALVÓ, 2010).
Diante disso, percebe-se que “a concepção de espaço e tempo do monitor da
EFA e do ‘professor tradicional’ é diferente, incluem atribuições e um comportamento
diferenciado diante da proximidade com os alunos e suas famílias, comunidades que
ocorre na escola de Alternância” (FREITAS, 2015, p.145).
Considerando-se as atribuições e o papel do monitor da EFA, “a seleção e a
formação dos formadores é um problema considerável” (MARIRRODRIGA; CALVÓ,
2010, p.70), tanto a inicial quanto a continuada, para o movimento das EFA, a Edu-
cação do Campo, os estudantes e famílias. Desse modo, é pertinente enfatizar que
a formação inicial do monitor para atuar na Educação Básica é mediante a formação

299
em curso superior de licenciatura (VEIGA,1998), assim como para os demais profes-
sores.
Nesse sentido, Veiga (1998, p. 84) acentua que “a profissionalização do magis-
tério implica necessariamente ressaltar a importância da articulação entre a formação
inicial e a continuada. [...] e ambas complementam-se como elementos essenciais
à construção da identidade profissional”. Diante do exposto, é oportuno considerar:
como a formação inicial e continuada dos monitores é percebida pelas EFA?; a for-
mação inicial em curso de licenciatura tem sido considerada como um fator impor-
tante para docência nas EFA? Essas são provocações que demandam reflexões
importantes para a comunidade escolar e a Educação do Campo.
Cruz (2014, p.102) ressalta que

[...] ser monitor na EFA e cumpridor de seu papel de formador crítico vai muito
além de ministrar disciplinas e aplicar os instrumentos da pedagogia da alter-
nância, na medida em que exige o seu compromisso pessoal, ético e política
com a vida dos estudantes e suas famílias [...].

Nessa perspectiva, atentar-se para formação inicial e continuada desses pro-


fissionais é, dentre outras finalidades, buscar a profissionalização dos educadores,
repensar e ampliar as habilidades, os saberes, as ações e fazeres docentes.
E os desafios e possibilidades na atuação profissional dos monitores de EFA
não se resumem a essas questões expostas, eles se apresentam na carga horária
excessiva de trabalho, nos recursos didáticos limitados, nos atrasos de salário e na
baixa remuneração. Entende-se que cada EFA tem suas especificidades e organiza-
ção, e os fatores que influenciam as realidades, em alguns casos, independem das
EFA, e perpassam pela negação dos direitos dessas instituições e das famílias e alu-
nos, no que diz respeito às políticas educacionais e ao compromisso político, social
e econômico por parte da sociedade e do governo.
As discussões propostas revelam que o monitor de EFA é um profissional poli-
valente, devendo possuir habilidades, saberes e práticas educativas que permitam a
articulação e o desenvolvimento das suas diversas funções na escola. Seu contexto
de trabalho e sua atuação se apresentam num movimento de complexidade.

300
RESULTADOS E DISCUSSÃO

As reflexões apresentadas possibilitam-nos perceber que para exercer a fun-


ção de monitor de EFA é necessário pensar a educação para além da sala de aula,
entendendo que os espaços ocupados pelos jovens e adultos, as pessoas que con-
vivem na sessão escolar, no meio socioprofissional, são detentores de saberes e
contribuem com o processo formativo em alternância.
As teorias em diálogo com a experiência vivida pela autora revelam que as res-
ponsabilidades do monitor exigem muitas capacidades e habilidades que são cons-
truídas a partir da formação inicial e continuada de professores, da experiência da
docência, da relação com a equipe de trabalho, da busca constante pelo conheci-
mento, do intercâmbio com as outras EFA, da troca de saberes com os estudantes,
famílias e comunidades. E assim, é evidenciada a materialidade dos 4 pilares funda-
mentais das EFA, os princípios da Pedagogia da Alternância, a formação humana,
integral, critica e emancipatória dos sujeitos.
Entretanto, os monitores de EFA são profissionais pouco conhecidos e valoriza-
dos na sociedade e nos espaços acadêmicos. São invisibilizados pelas políticas edu-
cacionais, programas de formação de professores, além de lhes ser negado o direito
a uma remuneração digna. Nesse sentido, é pertinente ressaltar a importância que
esses profissionais representam para a Educação, sobretudo para a Educação do
Campo. As produções acadêmicas, as pesquisas, os debates sobre esses atores da
Pedagogia da Alternância avançam lentamente, tendo em vista a representatividade
das EFA na luta pela educação popular, nos enfrentamentos com os movimentos so-
ciais e sindicais pela conquista de direitos, pela valorização da agricultura familiar, da
agroecologia, entre outras ações e embates na busca pela igualdade e justiça social.
Nota-se que os monitores enfrentam diariamente desafios atinentes às respon-
sabilidades e à função que desempenham na EFA, e que impactam sua condição fí-
sica e saúde mental. Diante dessa realidade, fica evidente a necessidade de avanços
e mudanças para esses profissionais, o que demanda o fortalecimento da identidade,
além de debates, reflexões e ações coletivas nas EFA, nos cursos de formação de
professores, nos movimentos sociais e sindicais, na Educação do Campo e nos de-
mais espaços políticos junto aos governos em suas respectivas esferas.

301
É interessante sublinhar, também, que na atuação do monitor na EFA, por
meio do convívio diário, constrói-se o vínculo afetivo entre a equipe de trabalho com
os alunos, as famílias, e existe uma troca e uma aprendizagem contínua nos espaços
e nas relações construídas através do movimento da Pedagogia da Alternância.
Há, portanto, possibilidades e provocações que propõem debates e reflexões
acerca da Educação do Campo, das EFA e dos monitores, no que diz respeito aos
saberes, as lutas e a resistência desses espaços e sujeitos.

CONCLUSÃO

A atuação do monitor em uma Escola Família Agrícola é direcionada pela Pe-


dagogia da Alternância e pelos instrumentos pedagógicos que buscam efetivar a
proposta educativa dessa escola, enquanto instituição que proporciona formação hu-
mana, profissional e integral dos estudantes. É evidente a relevância desse profis-
sional no processo formativo dos jovens e adultos, pois o compromisso que tem com
a formação na EFA se revela em um movimento que transcende a vida profissional
e técnica dos estudantes, para as capacidades humanas, ética, social e espiritual, o
que se desdobra na formação integral desses sujeitos.
A EFA se revela como um espaço com muitas possibilidades de aprendizagem
coletiva, em seus tempos e espaços, permeados pela Pedagogia da Alternância e
pelas atividades promovidas e organizadas. De acordo com este estudo, percebe-se
que a instituição de ensino busca no processo educativo a materialidade da prá-
xis, entendendo que, a partir da consciência, envolvem a prática, a reflexão e uma
nova prática para promover uma transformação, e os monitores são protagonistas na
orientação e na mediação desse método.
Constata-se que os desafios são diários na vida do monitor, atinentes à sala de
aula, aos recursos didáticos, à condição de trabalho, à remuneração, à saúde mental,
à invisibilidade na sociedade e às políticas educacionais, e que esses profissionais
reinventam as suas ações diante das dificuldades e da realidade existente nos espa-
ços que ocupam.
Tendo em vista os assuntos discutidos neste texto, percebe-se a importância
deste estudo para os educadores em geral, as EFA, a Educação do Campo, os aca-
dêmicos e pesquisadores em educação, pois abrem um leque de possibilidades para

302
debates e (re) construção de concepções acerca do profissional monitor, sua atuação
e sua importância. E, para outras discussões, é relevante indagar “qual lugar é ocu-
pado pelo monitor de EFA na sociedade, na política e na Educação do Campo? ” O
que demanda outras reflexões.

REFERÊNCIAS

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da educação e formação camponesa. [Belo Horizonte: AMEFA], 2018. 1 folder.

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colas e alternância: Um Estudo Intensivo dos Processos Formativos de cinco Mo-
nitores. 2003. 319 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Ciências
e Tecnologias da Educação, Universidade Nova de Lisboa, Portugal; Departamento
de Ciências da Educação e Formação, Universidade François Rabelais de Tours
– França, 2003. Disponível em: HTTPS://RUN.UNL.PT/BITSTREAM/10362/391/1/
BEGNAMI_2003.PDF. Acesso em: Mar/2021.

CRUZ, N. A. da. A práxis da Escola Família Agrícola: continuidades e permanên-


cias na vida de egressos camponeses. 2014. 224 f. Tese (Doutorado em Educação)
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cessos formativos implementados pela AMEFA junto aos monitores das EFAs do Mé-
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po) – Centro de Formação de Professores, Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia, Amargosa, 2015.

MARIRRODRIGA, R. G.; CALVÓ, P. P. Características Gerais Definições, Fins e


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FFA no mundo. Tradução: João B. Begnami. Belo Horizonte: O Lutador, 2010. cap.
2, p. 59-106.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Avanços e equívocos na Profissionalização do Ma-


gistério e a Nova LDB. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Caminhos da Pro-
fissionalização do Magistério. 2 ed. Campinas-SP: Papirus, 1998, p.75-97. (Cole-
ção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

303
10.48209/978-22-CAMPO6-7-2

ESCOLAS DO CAMPO E
COMUNIDADES: POSSIBILIDADES
DE FORTALECIMENTO DIANTE DA
AMEAÇA DO FECHAMENTO
Vanessa Dal Canton86
Carine Busatto 87
Adivane Bresolin88

86 Extensionista Rural Social. Licenciada em Pedagogia pela URI. Pós-graduada em Desenvol-


vimento Rural e Agricultura Familiar. Mestre em Educação. Licencianda em Educação do Campo
pela UFSM. E-mail: [email protected]
87 Professora. Licenciada em Pedagogia pela URI. Pós-graduada em Atendimento Educacio-
nal Especializado – AEE e em Autismo. E-mail: [email protected]
88 Professora. Licenciada em Pedagogia pela UFPEL, Letras pela UNOPAR e Educação do
Campo pela UFSM. Pós-graduada em Educação Inclusiva. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO

A temática do fechamento das escolas do campo apresenta-se atualmente como


grande inquietação dos profissionais, pais, alunos e municípios onde estão inseridas.
Tendo em vista a observação de alguns casos da região norte do Rio Grande do Sul,
em que projetos relacionados ao campo e a comunidade local tiveram força para
sensibilizar lideranças e evitar o fechamento de escolas, é que este trabalho busca
responder ao problema de pesquisa: “quais ações estão presentes ou podem ser
fomentadas na comunidade escolar para o fortalecimento das escolas do campo
diante da ameaça do fechamento?”
Neste sentido, o presente estudo se origina de um projeto desenvolvido na
disciplina de Seminário Integrador II do curso de Licenciatura em Educação do
Campo da UFSM e foi apresentado no Seminário Regional de Educação do Campo
da Região centro do Rio Grande do Sul – SIFEDOC (2018). Objetiva conhecer as
ações desenvolvidas nas escolas de campo e o fortalecimento junto à comunidade
local, na busca por estratégias de fortalecimento diante da ameaça de fechamento. A
pesquisa foi realizada em três municípios, nos quais as alunas pesquisadoras estão
inseridas profissionalmente e/ou pessoalmente, sendo: Iraí, Frederico Westphalen e
Liberato Salzano.
As três primeiras escolas visitadas aceitaram participar da pesquisa e serão
referenciadas no decorrer do texto como: Escola 1, Escola 2 e Escola 3, sendo
respectivamente dos municípios de: Iraí, Frederico Westphalen e Liberato Salzano.
O que se dispôs a estudar refere-se a uma temática bastante complexa e atual que
envolve diferentes atores. Para tanto, o universo da pesquisa compreendeu o corpo
docente, o corpo discente e a comunidade escolar mediante Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Assim, as entrevistas com o corpo docente envolveram o (a) diretor (a); o
(a) coordenador (a) pedagógico (a) e um professor (a) de cada escola. Teve como
objetivo saber que alternativas o corpo docente pensa ser importante para o não
fechamento das escolas do campo. A escolha do professor (a) foi por convite. Já
o corpo discente respondeu sobre a representatividade da escola para suas vidas

305
e formação. Participou da pesquisa um aluno de cada ano (5º, 6º, 7º, 8º e 9º) a
partir da aprovação da direção das escolas e convite aos mesmos que se reuniram
em sala separada dos demais para responder ao questionário. Como membros da
comunidade, foi entrevistada uma pessoa do Círculo de Pais e Mestres, o presidente
da comunidade, dois pais e/ou mães de alunos da respectiva escola e um membro
da comunidade que não tenha filho estudando na escola. O objetivo da entrevista
era ter a opinião destas pessoas quanto à representatividade da escola para o
desenvolvimento e/ou manutenção da comunidade.
Para compor o quadro teórico da pesquisa utilizou-se de um estudo bibliográfico
acerca das concepções básicas da Educação do Campo, com o objetivo de
contextualizar, compreender e balizar a realidade a ser estudada. Num segundo
momento do trabalho foi realizada a coleta, análise e interpretação dos dados que
expressaram a realidade pesquisada, no intuito de conhecer o desenho da educação
do campo nos municípios de Frederico Westphalen, Iraí e Liberato Salzano. Assim
também está organizado este trabalho.
A pesquisa de cunho qualitativo buscou responder a inquietação inicial deste
projeto trazendo para dentro do processo os atores que fazem parte dele e assim,
buscar possibilidades juntos, pois, a resposta deve vir do interior sendo trabalhada de
forma horizontal. Teve-se como preocupação inicial levar à comunidade a discussão
sobre a importância de se permanecerem abertas as escolas do campo, já que elas
se incluem num projeto maior que configura a manutenção das comunidades e da
vida no meio rural. Além disso, as entrevistas e questionários responderam de forma
positiva, na sua grande maioria, alternativas de fortalecimento das escolas do campo.

A CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM TERRITÓRIO


MARCADO POR LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Os movimentos sociais incorporam as angústias de um grupo ou comunidade


que perpassam por tensões e contradições de aceitação pelo seu modo de vida em um
determinado local da sociedade. Surgem os mesmos, pois, são forçados a seguirem
valores e ações que não condizem com a realidade social deste grupo. Para chegar
até a modalidade de Educação do campo não foi diferente, muitas movimentações

306
sociais foram realizadas em busca de dar visibilidade à importância deste modo de
vida e modalidade de ensino.
Os movimentos se organizavam em torno de um objetivo, criar uma política que
favorecia e defendia a identidade desse grupo para garantir uma Educação que seja
no Campo e do Campo. Pois, estavam convictos de que “No Campo”, teriam suas
escolas no lugar onde viviam, e “Do Campo”, teriam uma metodologia pensada e
planejada para essa realidade. Como exemplifica Caldart (2002, p. 26): “No, o povo
tem direito a ser educado no lugar onde vive. Do, o povo tem direito a uma educação
pensada desde seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais.”
É neste sentido que a educação do campo continua sendo um desafio para o
Brasil, pois existe uma diferença social e política da educação rural. O movimento
de busca por uma educação adequada à realidade dos sujeitos do campo iniciou-
se basicamente pela luta ao acesso a terras, já que no Brasil, a disparidade em
quantidade de área de terras é enormemente assustadora. A questão educacional
vem em seguida para reforçar esse movimento, criar mais sustentação e resistência
para manter essa estratégia do modo de vida.
A educação do campo trabalha através do diálogo, está vinculada aos valores da
participação e democracia. São ações exercidas pelo povo e para todos. A educação
do campo é vinculada a uma forma de vida específica que foi conquistada através
de muitas lutas e mobilizações sociais. Para tanto, é uma modalidade de educação
pensada, criada e planejada pelos indivíduos do campo para o educando que vive
no campo. Certamente com um propósito único e direcionado para essa população
que apresenta constantes situações de dificuldades no modo de vida e de produção
em geral.
Conforme a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul – SEDUC/RS (2018),
a educação do campo envolve diversos níveis e modalidades de ensino, possui
legislação própria e está vinculada a um projeto de desenvolvimento sustentável,
articulado com outras instituições ligadas ao meio rural. O objetivo é qualificar os
espaços escolares e garantir o acesso à educação, contribuindo para a permanência
dos jovens no meio rural.

307
Para garantir que este projeto de educação do campo se desenvolva com
efetividade é fundamental que os profissionais tenham acesso à formação específica
para trabalhar com tal realidade. Não é possível estabelecer relação entre educação
e trabalho quando não se consegue adentrar na realidade daqueles com quem se
trabalha. Preocupado com esta dificuldade, Pinto (1981 apud RIBEIRO, 2012, p.
296) refere-se aos professores justificando que eles “não recebem uma formação
adequada para lidar com a realidade do campesinato, por isso seu desinteresse em
estabelecer relações com as comunidades, quando encaminhados a trabalhar nas
áreas rurais.”
De fato, a formação dos profissionais deveria estar na base de um plano ou
projeto da educação do campo. Se não existe formação adequada, também não
pode haver interrogações sobre um trabalho educativo que não vá ao encontro de
práticas em favor do campo. No entanto, tem-se conhecimento de exemplos de
escolas do campo que conseguem fazer a diferença mesmo enfrentando uma série
de dificuldades. Exemplos estes que têm conseguido força suficiente para evitar o
fechamento de escolas.

Toda vez que a escola desconhece ou desrespeita a história de seus alunos,


toda vez que se desvincula da realidade dos que deveriam ser sujeitos, não
os reconhecendo como tal, ela escolhe ajudar a desenraizar e a fixar seus
educandos num presente sem laços. E se isto acontecer com um grupo social
desenraizado ou com raízes muito frágeis, isto quer dizer que estas pessoas
estarão perdendo mais uma de suas chances (e quem garante que não a úl-
tima?) de serem despertadas para a própria necessidade de voltar a ter raiz,
a ter projeto. Do ponto de vista do ser humano isto é muito grave, é violenta-
mente desumanizador. (CALDART, 2001, p. 141).

Reitera-se a fundamental contribuição da escola comprometida e responsável


na formação de sujeitos do campo. As palavras de Caldart (2001) fazem pensar e
reafirmar o sentido de lutar juntos pelo respeito às raízes dos educandos do campo.
Contudo salienta-se que não é somente a formação dos professores que levará as
escolas do campo ao âmago do desenvolvimento. O que contribuirá é um conjunto
de ações que envolvem: políticas públicas, infraestrutura, construção de um projeto
político pedagógico, uma proposta que dialoga com a necessidade da comunidade,
acesso à escola e estruturação ampla da comunidade e do governo, entre outros

308
fatores. Com todos os pontos ressaltados pode-se sim haver uma grande transforma-
ção na educação do campo.
As Diretrizes Complementares da Educação Básica do Campo (2008) afirmam
o oferecimento das condições para a viabilidade de quaisquer atividades com respeito
às diversidades dos sujeitos do campo. As diretrizes asseguram ainda que as escolas
do campo devem oferecer todo acervo pedagógico e de infraestrutura, o qual seria
nada mais que um direito de qualquer aluno usufruir. Porém, como mencionado nas
entrevistas das escolas pesquisadas, não é assim que acontece na realidade. As
escolas têm dificuldade para manter estruturas físicas básicas, pois, são poucos os
recursos devido ao baixo número de alunos e o repasse ocorre a partir da quantidade
de matrículas.
Conforme observado nos relatos, nos últimos anos, escolas do campo são
ameaçadas por políticas que afirmam “reduzir gastos” e pela diminuição do número
de alunos. Políticas que não consideram que os alunos têm direito de acessar uma
educação de qualidade com propósitos afins a sua realidade. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) garante em seu Artigo 28 a oferta
de um sistema de ensino diferenciado para o campo que promova as adaptações
necessárias à sua adequação, levando em consideração às peculiaridades do
campo. Neste sentido, os conteúdos e metodologias são organizados de acordo com
a realidade levando em consideração o ciclo agrícola e as condições climáticas de
cada região.
Observa-se nos municípios das escolas entrevistadas que comunidades que
não possuem escolas em funcionamento são comunidades com menos moradores
e com participação reduzida em qualquer que for o evento. Pode-se dizer então que
uma escola fechada contribui para o enfraquecimento da comunidade na qual está
inserida. São notáveis as diferenças de comunidades que possuem escola funcio-
nando, pois, são mais ativas, mais participativas e organizadas. Parece que existe
um ânimo diferente, algo que move as pessoas a se empenharem por uma mesma
causa. Este é um bom motivo pela luta de permanência das escolas do campo.
Neste sentido, as escolas podem colaborar para a permanência dos jovens no
campo, utilizando-se de ferramentas que venham contribuir, incentivar, fortalecer o

309
gosto pelas atividades agrícolas, que deem embasamento para o cultivo de alimen-
tos, a geração de empregos, renda e qualidade de vida no campo.
Com relação ao papel das comunidades no enfrentamento da ameaça de
fechamento das escolas do campo, pode ser citada a lei 12.960/2014 que acrescenta
ao artigo 28 da LDB 9394/96 o seguinte:

Parágrafo único: O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas


será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema
de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de
Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da
comunidade escolar. (LEI Nº 12.960/2014).

É nesta ótica que a comunidade se faz muito importante na luta contra atos
de governos que pretendem fechar escolas do campo. Se a lei deixa claro que as
escolas juntamente com suas comunidades podem reivindicar adaptações e melhoras
para incentivar o aluno a permanecer no campo, acredita-se que as escolas serão
fechadas se a comunidade escolar não estiver preparada para lutar pelo direito de
permanência no campo.

A REALIDADE DA AMEAÇA E DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO


CAMPO

A primeira pergunta do questionário aplicado aos profissionais da educação


das escolas do campo buscou conhecer as atividades que as mesmas promovem
que seguem na direção do intuito da permanência dos jovens no campo. Sendo as-
sim, duas escolas – Escolas 1 e 3 – desenvolvem ações que envolvem o preparo do
solo, o plantio e os cuidados necessários até a colheita, resultando em: horta, pomar,
jardinagem, estufa, produção de mandioca, amendoim, batata-doce e morango, prin-
cipalmente. Conforme relato da Escola 3, os alunos vivenciam na prática a importân-
cia da agricultura familiar para a sustentabilidade.
Destaca-se a relevância destes cultivos em espaço escolar, pois, além de con-
tribuírem para a valorização do campo e a produção de alimentos feita pelos agricul-
tores familiares em sua maioria, estes produtos colhidos servem em primeiro lugar
para abastecer e enriquecer a merenda escolar. Para exemplificar esta questão, cha-
ma-se atenção à resposta da coordenadora pedagógica da Escola 1: “Sim. Desen-
volvemos projetos permanentes de jardim, horta e estufa. Os produtos cultivados são

310
utilizados na merenda escolar. Como o terreno da escola é muito extenso, cultivamos
batata-doce, milho, amendoim, feijão e mandioca, além de árvores frutíferas.”
A Escola 2 afirma que quando possível desenvolve ações voltadas à perma-
nência do jovem no campo. Aborda como exemplos, a participação em Feiras, Dias
de Campo e outras atividades em parceria com a Emater/RS ASCAR. Com relação
à aproximação com esta entidade de extensão rural, as outras duas escolas também
afirmam sua contribuição, mas é enfatizada pela Escola 3 que afirma ter a presença
dos extensionistas durante todas as ações principais que dizem respeito à agricultu-
ra.
As Escolas 1 e 3 já sofreram ameaças de fechamento. Os principais motivos
são: o baixo número de alunos e corte de gastos. Conforme relato dos profissionais
da Escola 3, no início do ano (2018) a mesma foi informada pela SEDUC - Secretaria
da Educação do Rio Grande do Sul - que funcionaria em apenas um turno, porém,
com a mobilização e o apoio da comunidade, foi revertida esta situação. Os docentes
reiteram que o que teve grande influência para o não fechamento foram as ações
desenvolvidas através do projeto voltadas a atividades do campo e isto levou a um
comprometimento ainda maior da equipe escolar com a comunidade em geral.
É possível perceber a influência de projetos como os citados acima e a presença
da comunidade no momento de tomar a decisão de fechar uma escola do campo.
Assim, o exemplo da Escola 1 demonstra a força do povo unido por uma mesma
causa já que a escola foi ameaçada de fechamento em duas ocasiões, conforme
explica:

[...] Na primeira, o principal motivo foi o baixo número de alunos (fechamento


total) e na segunda, neste ano (2018) foi fechado um turno, alegando que o
número de salas é suficiente para o atual número de alunos. Situação esta
que foi revertida pela comunidade escolar, juntamente com a 20ª CRE e Pre-
feito Municipal. (Professor 1, 2018).

A manifestação da comunidade, conforme a Lei 12.960/2014 que altera o artigo


28 da LDB 9.394/96 se faz importante instrumento de análise antes que seja tomada a
decisão de fechar uma escola do campo. Nesse sentido, reconhecendo as fragilidades
de cada Escola visitada, mas também, percebendo a luta por continuarem sua jornada
apoiadas pela comunidade, os docentes enalteceram as alternativas que pensam ser
importantes para o fortalecimento das instituições que viriam ao encontro do não
fechamento. Para tanto, dentre as alternativas mais citadas, o desenvolvimento de

311
projetos e/ou práticas voltadas à realidade do campo é a que mais se destaca seguida
de uma formação adequada aos profissionais e o aumento do número de alunos.
Correlacionada ao baixo número de alunos, realidade enfrentada pela maioria
das escolas do campo, está a dificuldade financeira e a falta de recursos humanos,
o que por vezes acarreta na sobrecarga de trabalho como relata a Coordenadora
Pedagógica da Escola 1: “Por ser uma escola com um número baixo de alunos, dis-
pusemos de poucos recursos humanos, uma vez que são vários projetos desenvolvi-
dos, sobrecarregando alunos, professores, funcionários e, principalmente, direção”.
Sobre a dificuldade financeira, a Diretora da mesma escola complementa: “[...] O que
mantém financeiramente nossa escola é a Nota Fiscal Gaúcha que desenvolvemos
um grande trabalho e a produção de alimentos na própria escola, também tenho que
ressaltar a contribuição dos pais.”
Abaixo são relacionadas todas as alternativas que os docentes afirmam ser
importantes para o fortalecimento das escolas do campo e as dificuldades que estas
enfrentam. Em negrito, as respostas que apareceram com mais frequência.

Figura 1: Alternativas de fortalecimento e dificuldades das escolas do campo

Fonte: Elaborada pelas autoras.

312
As escolas que relataram terem sofrido ameaça de fechamento, enfatizaram
o baixo número de alunos como principal motivo para esta atitude de governantes.
De fato, isto é uma dificuldade real das escolas, haja vista, o campo possui menos
gente e as famílias têm menos filhos. Reunir alunos de duas escolas do campo é uma
alternativa apresentada por uma moradora da Comunidade 1. No município existem
duas escolas próximas, porém, uma estadual (Escola 1 que participou da pesquisa)
e outra municipal. A sugestão dela é que os alunos da municipal (são em menor
quantidade) viessem estudar na estadual. Esta é uma possibilidade já enunciada
pela Administração Municipal aos docentes da escola, porém, estes rejeitaram de
imediato até o presente momento.
Conforme docentes da Escola 2, outra dificuldade que enfrentam é a
desmotivação e desinteresse dos alunos. Segundo eles, a maioria dos pais delega
suas funções para a escola, não cumprindo seu papel primordial em casa. A escola
responsabilizada por este e outros tantos compromissos, não consegue dar conta,
fazendo aquilo que pode com o que tem, convivendo ainda com a desvalorização
profissional.
No que tange a participação da comunidade na vida escolar, a Escola 1 enfatiza
sua realidade como bastante positiva, relatando a participação ativa dos pais quando
convidados para virem à escola e fazem muitas doações de alimentos, principalmente.
Avaliam como excelente e de suma importância o envolvimento das famílias na vida
escolar. A Escola 2 entende que a comunidade poderia participar mais e a Escola 3,
comenta que ainda algumas famílias não se envolvem na vida escolar, outras têm
resistência em participar, mas quando solicitadas, a maioria participa.
Em face do exposto, salienta-se que o espaço rural apresenta-se como um es-
paço de possibilidades. Sobre isto, Arroyo et al (2004, p.15) diz que:

Esta visão do campo como um espaço que tem suas particularidades e que é
ao mesmo tempo um campo de possibilidades da relação dos seres humanos
com a produção das condições de sua existência social, confere à educação
do campo o papel de fomentar reflexões sobre um novo projeto de desenvol-
vimento e o papel do campo neste projeto. Também o papel de fortalecer a
identidade e a autonomia das populações do campo e ajudar o povo brasileiro
a compreender que não há uma hierarquia, mas uma complementaridade:
cidade não vive sem campo que não vive sem cidade.

313
A educação do campo precisa ser pensada a partir das singularidades de cada
espaço valorizando os saberes populares e a cultura dos seus sujeitos. Assim, é que
a proposta pedagógica de cada escola precisa ser configurada como práticas edu-
cativas em favor dos sujeitos do campo a partir das suas realidades diversas, pois,
torna-os atores e autores do próprio processo educativo relacionando seus conhe-
cimentos empíricos com saberes científicos que impulsionam a transformação do
espaço onde vivem e produzem.
A entrevista com discentes buscou conhecer a representatividade da escola
para suas vidas e formação. Para elucidar as respostas dos alunos, apresenta-se
abaixo a figura que aborda a partir de palavras-chave o que mais ficou saliente nas
respostas de acordo com as respectivas interrogações:

Figura 2 - Entrevista com corpo discente das escolas do campo

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Com vistas a exemplificar ainda mais o contexto da escola na primeira questão,


destaca-se a resposta do Aluno do 6º ano da Escola 1 ao justificar o que mais gosta
na sua escola:

É o espaço físico que é amplo e tem o campo, a estufa, a quadra, a merenda


boa e nutritiva, o parquinho, pela escola ter menos quantidade de alunos as

314
aulas são mais proveitosas e com isso há uma melhor aprendizagem e tornam
os alunos unidos e participativos e nós respeitamos os professores.

Na resposta do aluno é possível ver o desenho da sua escola e a impressão


que ele tem da mesma. Assim, outras respostas apontam para a tranquilidade do lu-
gar, as atividades práticas de produção de alimentos e a satisfação em comer estes
alimentos na merenda. Para tanto, destaca-se a representatividade das escolas para
os alunos, independente da idade escolar. A escola constitui-se como um lugar de
importância infinita, pois, é comparada a uma segunda casa, uma segunda família,
devido às amizades cultivadas e aprendizados vivenciados. Quanto mais próxima a
realidade das famílias (de vida e de produção) estiver do contexto escolar, maior a
valorização e o reconhecimento dos alunos para com o espaço onde vivem.
Assim, a resposta do aluno do 6º ano da Escola 1 salienta esta importante
aproximação de contextos e aprendizados quando afirma que a escola colabora para
a sua permanência no campo: “Sim, pois aqui nós criamos um vínculo com o local e
se nós mudarmos de escola, por exemplo, for para a cidade, nós perdemos o vínculo
com o campo e passaremos a não valorizar mais a zona rural”. Outro aluno do 8º ano
da Escola 3 complementa:

A escola colabora com nossa permanência no campo porque é ali que apren-
demos como devemos trabalhar para poder em casa praticar, onde aumenta
o amor pela terra, é na escola que aprendo que devo comer alimentos saudá-
veis e sem agrotóxico através de palestras e de práticas.

Neste sentido, pode se afirmar que as escolas do campo representam aos


alunos um espaço de construção de conhecimentos validados na realidade de suas
famílias, um lugar bom de estudar onde muitas amizades são cultivadas e diversas
experiências são vivenciadas cotidianamente. Nas respostas, ficou claro que os alu-
nos têm consciência sobre a importância da escola e o que ela representa em suas
vidas e formações. Ainda, apresentam possibilidades de luta contra o fechamento
das escolas. Possivelmente, estas alternativas já foram experimentadas em face de
ameaça de fechamento das duas escolas no início deste ano.
É nesta direção que se desenvolve um processo educativo que tem como
princípio balizador o trabalho. Trabalho este que leva em conta a realidade dos
educandos e volta-se para ela de maneira ressignificada, revisitada, agora com uma

315
bagagem de conhecimentos ampliada. Além disso, “‘educar é humanizar’, é cultivar
os aprendizados de ser humano”. (CALDART, 2003, p. 52). As pessoas aprendem
umas com as outras, aprendem fazendo, lutando, produzindo e reproduzindo cultura,
afirma a autora.
Em conversa com membros das comunidades, envolvendo pais/mães de
alunos, representante do Círculo de Pais e Mestres e presidente da comunidade,
buscou-se compreender qual a representatividade da escola para o desenvolvimento
e/ou manutenção da comunidade. De maneira geral, pode ser afirmada a grande
importância de uma escola para a comunidade. Os entrevistados reconhecem que na
relação de troca que há entre uma e outra, acontece a valorização e reconhecimento
das pessoas e do lugar onde vivem. A escola representa vida ativa das pessoas que
a constituem e estas por sua vez, envolvem-se com as causas da escola de maneira
comprometida e atuante.
Na figura abaixo, é possível visualizaras as principais respostas que foram
obtidas durante entrevistas.

Figura 3 – Entrevista com as comunidades das escolas do campo

Fonte: Elaborado pelas autoras.

316
Nas três escolas, há a ocorrência de respostas que afirmam a participação da
comunidade em eventos organizados pela escola. Na Escola 1, por exemplo, aconte-
ce o envolvimento de uma para com a outra, ou seja, quando acontecem eventos na
comunidade, a escola colabora nos trabalhos, assim, a escola pode também contar
com a ajuda dos membros da comunidade em suas programações. “Na escola a gen-
te se sente em casa”, afirma um membro do Conselho da comunidade da Escola 1.
Vale ressaltar as colocações do presidente do Conselho Escolar e de um mem-
bro da comunidade da Escola 1 quando afirma que essa aproximação que exis-
te entre comunidade e escola depende muito das pessoas que fazem a gestão de
cada um dos locais. “O gestor carrega os demais para o mesmo rumo” – afirmam.
O exemplo disso é a premiação que a escola ganhou com o trabalho feito acerca da
Nota Fiscal Gaúcha e a colaboração da comunidade com a merenda escolar. Outra
iniciativa é a oferta de cursos ministrados pela Emater/RS ASCAR dentro da escola,
oportunizando a participação não só de alunos, mas também da comunidade.

A escola contribui para o desenvolvimento ou a manutenção da comunidade


pois acredito que seja um local de muito aprendizado e isso colabora para
podermos manter as pessoas na comunidade, pois se não tivermos a escola
em nosso meio, os alunos vão se deslocar para a cidade, onde muitos pais
mudam para lá e as comunidades acabam diminuindo e muitas vezes aca-
bando [...] (PAI/MÃE DE ALUNO DA ESCOLA 3, 2018).

“Poderia haver mais incentivo por parte do governo às escolas do campo, assim
os jovens se motivariam a ficar no campo ao invés de ir até a cidade para estudar”,
sugere um pai/mãe de aluno da Escola 1. Uma proposta educativa para o campo
precisa se preocupar com o desenvolvimento deste espaço como um todo não o vi-
sualizando como um mero instrumento de reprodução do sistema capitalista vigente.
Assim, a educação do campo configura-se como importante instrumento, mas não o
único, para desenvolver este espaço em seus aspectos sociais, econômicos e am-
bientais.

317
CONCLUSÃO

O estudo que se apresenta buscou conhecer quais ações estão presentes ou


podem ser fomentadas na comunidade escolar para o fortalecimento das escolas
do campo diante da ameaça de fechamento. O universo da pesquisa compreendeu
escolas do campo de: Frederico Westphalen, Iraí e Liberato Salzano e seus atores,
sendo eles: o corpo docente, o corpo discente e a comunidade local.
Assim, diante das realidades pesquisadas, de modo geral, pode se afirmar que
não é possível visualizar uma proposta de educação do campo que não esteja ligada
a um projeto popular de educação e desenvolvimento para o país, ampliando assim,
o leque de debates acerca dos problemas existentes no meio rural. É preciso políti-
cas setoriais de combate à exclusão social, ao êxodo rural, ao analfabetismo funcio-
nal, à agricultura familiar, à formação do professor, para que a luta por uma educação
do campo não caia em medidas meramente paliativas (NASCIMENTO, 2004).
Desse modo, a educação do campo se diferencia da educação rural, haja vista,
a educação do campo se preocupa com a formação humana do educando, se en-
volve na vida cotidiana da comunidade com o intuito de apoiar com ações voltadas
à sustentabilidade das famílias que se encontram no campo e para o bem comum
de todos. Já na educação rural, a escola está localizada no meio rural, mas não são
desenvolvidas atividades relacionadas a este espaço, ou seja, o espaço, o lugar de
onde vêm os alunos. Pode-se resumir dizendo que o pensar pedagógico não é volta-
do para a realidade dos sujeitos que ali se encontram.
As diferenças teóricas entre educação do campo e educação rural se fazem
presente na realidade pesquisada. Das três escolas visitadas, uma delas, não de-
senvolve ações voltadas ao campo, afirma apenas desenvolver quando possível por
meio de visitas a Feiras, Dia de Campo, isto é, a escola demonstra responder aos
convites que recebe e afirma estas serem as ações voltadas a sua realidade. A res-
posta de seus alunos quando questionados sobre a colaboração da escola para sua
permanência no campo comprova a ausência de práticas nesta direção.
Por outro lado, destacam-se as práticas que fortalecem as escolas do campo
e já demonstrou sua força aliada a presença da comunidade no enfrentamento de

318
ameaças de fechamento. Os projetos que envolvem os alunos em ações com hor-
ta, pomar, estufa, jardinagem entre outros cultivos, demonstraram ser instrumentos
colaboradores no fortalecimento de vínculo com a terra, com a origem, com o lugar,
enfim, pode-se resumir em vínculo de pertencimento. As respostas quanto à repre-
sentatividade da escola aos alunos pode comprovar esta afirmação. Mesmo peque-
nos, reconhecem a escola como “segunda casa” e já apresentam alternativas de luta
contra o fechamento. Isto significa preocupar-se com uma instituição que é importan-
te na vida deles.
A comunidade por sua vez reconhece e enaltece o valor de uma escola no e
do campo. As pessoas se mostram mais ativas, organizadas, comprometidas, preo-
cupadas com uma causa maior, ou seja, com a formação e permanência dos jovens
no campo. Talvez, ainda seja necessário, buscar mais pessoas para a luta, não só da
comunidade, mas também lideranças e/ou representantes de entidades que possam
colaborar com projetos que venham ao encontro do fortalecimento de práticas edu-
cativas que somem num plano de permanência das escolas do campo.
Diante disso, tem-se o reconhecimento do papel fundamental dos profissionais
da educação que promovem todas estas ações. Mesmo com dificuldades de falta de
recursos humanos e financeiros, com lacunas na formação, as escolas conseguem
fazer a diferença e integrar a comunidade escolar em suas ações. Sabe-se que o
educador do campo precisa cada vez mais se comprometer com a educação e com
os sujeitos que ali se encontram conhecer as peculiaridades culturais, sociais, eco-
nômicas e políticas do campo.
A educação do campo é fruto de muitas lutas, principalmente dos movimentos
sociais, para tanto não pode cair no esquecimento de governos e lideranças, pois ela
está inserida num projeto maior que engloba o desenvolvimento das pessoas e do
lugar onde vivem e produzem. Cada vez mais, se faz necessária a articulação entre
escola e comunidade local, entre os conhecimentos científicos e saberes/fazeres do
campo.
Práticas de fortalecimento são importantes pontos de apoio da escola do cam-
po. Inicialmente, a legislação específica assegura direitos, assim, a escola precisa fa-
zer sua parte ou continuar fazendo, com ações voltadas ao campo com a integração

319
cada vez maior da comunidade. Tais práticas de fortalecimento só serão desveladas
dentro do próprio processo e movimento feito por seus atores sociais. Por isso, a
importância de olhar para si e para os arredores contrastando tal realidade com um
projeto global.

REFERÊNCIAS

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Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, março – junho de 2009.

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São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

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Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. A Educação Camponesa como espaço de


resistência e recriação da cultura: um estudo sobre as concepções e práticas edu-
cativas da Escola Família Agrícola de Goiás – EFAGO. Dissertação de Mestrado
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320
RIBEIRO, Marlene. Educação Rural. In: Caldart, R. S.; Pereira, I. B.; Alentejano, P.;
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321
10.48209/978-23-CAMPO6-7-2

O PROJOVEM CAMPO – SABERES DA

TERRA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS,

ADULTOS E IDOSOS DO CAMPO


Maria Aparecida Vieira de Melo89
Marcelo da Fonsêca Santana90
Ricardo Santos de Almeida91

89 Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Educação pela Uni-
versidade Federal da Paraíba. Caicó/RN. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6288-9405, Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6705733173478276, [email protected].
90 Graduação em Física pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduação em Peda-
gogia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestrado em Educação pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa/PB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7067072831352386, OR-
CID: https://orcid.org/0000-0002-5497-0147, [email protected]
91 Docente do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Alagoas Campus Marechal Deo-
doro e da rede pública municipal de Porto Calvo/AL. Doutorando em Geografia pela Universidade
Federal de Santa Maria, Estudiante del Doctorado en Ciências de la Educación pela Universidad
Interamericana. Maceió/AL, Brazil, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1266-2557, Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5955679764505968, [email protected]
INTRODUÇÃO

A presente pesquisa parte da análise da coletânea dos livros do programa Pro-


Jovem Campo – Saberes da Terra. A qual teve por finalidade escavar os enunciados
acerca da profissionalização dos sujeitos do campo, bem como descrever a forma-
ção técnica específica para a cultura dos camponeses. Metodologicamente foi de-
senvolvida pelo procedimento da análise arqueológica do discurso (AAD) de Michel
Foucault (2010). A curiosidade que assenta a esta pesquisa é: como está presente a
ordem do discurso da qualificação para os camponeses? Foi possível considerar que
há um enunciado neoliberal nas coletâneas, quando trata os camponeses como pro-
dutores, agricultores, pecuaristas. Tais enunciados dizem respeito que o paradigma
da educação do campo ainda não subverteu a subalternização que historicamente foi
evidenciado no paradigma da educação rural. Sendo assim, é preciso defender um
projeto social e emancipatório para que os povos do campo sejam valorizados em
sua natureza de homem lavrador da terra.
A abordagem sobre o Programa Projovem Campo – Saberes da Terra (2005)
visa evidenciar os feixes de relações presentes ao que concerne a qualificação téc-
nica dos jovens e adultos do campo. É um programa recente que tem por finalidade
promover ações educacionais e de cidadania voltadas a jovens que, por diferentes
fatores, foram excluídos do processo educacional, de modo a reduzir situações de
risco, desigualdade, discriminação e outras vulnerabilidades sociais, fomentando a
participação social e cidadã, favorecendo a permanência e a sucessão dos jovens na
agricultura familiar (BRASIL, 2018). Em sendo assim, a especificidade deste progra-
ma é a escolarização e a qualificação dos jovens para atuarem na agricultura familiar.
É importante ressaltar que este programa faz jus ao que está enunciado
no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pois para aderir ao
ProJovem, primeiramente foi aderido ao plano de metas compromisso todos pela
educação (DECRETO, Nº. 6.629/2008).
É sabido que o ProJovem Campo – Saberes da Terra é um programa de es-
colarização de jovens agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade

323
de Educação de Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional
(BRASIL, 2018). Desta maneira, é um programa específico para os jovens da modali-
dade da educação de jovens e adultos, entretanto se exclui os adultos do Programa,
uma vez que o limite da idade é de 18 aos 29 anos de idade.
Para fazer jus a problematização que subsidia a presente pesquisa, qual seja,
como está presente a ordem do discurso da qualificação para os camponeses? Lan-
çamos mão da metodologia que foi desenvolvida pelo procedimento da análise ar-
queológica do discurso (AAD) de Michel Foucault (2010). Para fins de escavar os
enunciados acerca da profissionalização dos sujeitos do campo, bem como descre-
ver a formação técnica específica para a cultura dos camponeses. Em sendo assim,
o Programa será analisado destacando os enunciados sobre a profissionalização e
formação técnica, correspondente à qualificação dos jovens e adultos do campo.
Por conseguinte, o programa é uma iniciativa interessante que promove a inclu-
são social dos jovens e adultos do campo, entretanto o seu modus operandi tal como
enunciado “tempo escola e tempo comunidade” o tempo comunidade apresenta es-
pecificidades lacunares que promova a qualificação dos jovens para atuarem melhor
nos manejos cultivares.

O FAZER PEDAGÓGICO DO PROGRAMA PROJOVEM CAMPO – SABE-


RES DA TERRA

A especificidade pedagógica do Programa ProJovem Campo – Saberes da Ter-


ra é na perspectiva freiriana, pois se defende a educação popular, os círculos de
cultura e as jornadas pedagógicas.
A metodologia do círculo de cultura na perspectiva de Paulo Freire o diálogo
fomenta e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele,
ninguém é iniciativa absoluta. Revive a vida em profundidade crítica. A consciência
emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como projeto
humano. O Círculo de Cultura é o espaço coletivo de diálogo horizontalizado, onde
o exercício da fala e da escuta é praticado e respeitado. É um legado freiriano de
encontro de pessoas para combater a educação bancária e partilhar saberes, é o

324
respeito da identidade individual, das diferenças e singularidades. É um espaço de-
mocratizado e de autonomia do protagonismo dos sujeitos em sua diversidade.
Para Freire em educação como prática da liberdade, declara que o círculo de
cultura promove a liberdade a participação, assim é definido que:

A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz


que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade
e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. É um
dos princípios essenciais para a estruturação do círculo de cultura, unidade
de ensino que substitui a “escola”, autoritária por estrutura e tradição. Bus-
ca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação
popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo
no trabalho comum pela conquista da linguagem. O coordenador, quase
sempre um jovem, sabe que não exerce as funções de “professor” e que o
diálogo é condição essencial de sua tarefa, “a de coordenar, jamais influir ou
impor” (FREIRE, 1967, p. 3, grifos nossos).

Desse modo o círculo de cultura permeia a participação livre, o diálogo horizon-


talizado, onde não há quem saiba mais ou menos, há saberes diferentes, que expos-
tos tornam-se saberes de todos os participantes do círculo, isso pelo movimento da
educação popular, por ser uma prática pedagógica essencialmente democrática, tal
como é enunciado por Freire, a saber:

O movimento de educação popular, uma prática educativa voltada, de um


modo autêntico, para a libertação das classes populares. Não obstante,
se podemos encontrar, ao nível da educação, uma unidade real da teoria e
da ação, ela não se dá ao nível da política, terreno onde a ideologia serviu à
criação de uma atmosfera de luta, mas não chegou a instaurar-se de maneira
organizada na ação (1967, pp. 25-26, grifos nossos).

É justamente baseado neste movimento que o Projovem Campo-Saberes da


Terra se assenta, ao ser assim sistematizado pedagogicamente, para promover a
elevação do nível de escolarização e a qualificação social e profissional, como pode-
mos visualizar:

325
Quadro 1: estrutura pedagógica do caderno do programa ProJovem Campo – Sabe-
res da Terra

Percurso formativo Atividades Conteúdos Avaliação

Problematização

Síntese

Síntese

provisórias
Pesquisa

Síntese geral

Tempo escola de
 Círculos de diálogo

Educativos
 Mapeamento por

acolhida Integração de

Instrumentais
 desenho
Base conceitual e
 saberes
Operativos
 Socialização dos

metodológica Jornadas

saberes
pedagógicas
Continua e

Grupos de estudo e

processual
de trabalho

Fonte: Autores (2020).

Como podemos visualizar a estrutura pedagógica dos cadernos do Programa


ProJovem Campo – Saberes da Terra, se propõe vivenciar a dinâmica dos círculos
de cultura propostos por Paulo Freire.

TERRITÓRIO METODOLÓGICO ENUNCIATIVO

O território arqueológico pode ser entendido como o lugar do primado do co-


nhecimento que possibilitará escavações acerca do objeto investigado, a fim de que
seja compreendido e apreendido este objeto e como ele se relaciona no lócus de
sua existência, sendo, portanto, enunciado através da linguagem enquanto campo
complexo.
Dialogar sobre a especificidade da análise arqueológica do discurso é adentrar
no universo do desconhecido, para que somente após as escavações, enunciar os
achados, sem fazer interpretações ou impregnar sentidos subjetivos aos achados,
mas tão somente enuncia-los tal como foram encontrados.
O que é a AAD? É entendido aqui por Análise Arqueológica do Discurso (AAD)
como um componente enunciativo, que nos faz lembrar o domínio científico da Ar-
queologia, como Ciência, que se ocupa do estudo de vestígios materiais passados
e presentes (ALCÂNTRA e CARLOS, 2013). Significa dizer que é um procedimento
metodológico de pesquisa operado metodologicamente como os arqueólogos fazem,
escavam, para poder assim enunciar as coisas advindas da escavação, sendo assim

326
enunciadas, evidenciadas, mostradas, sinalizadas.
Ao que concerne aos enunciados Foucault (2010, p. 36) menciona que “os
enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no tempo formam um conjunto, se
referem a um único e mesmo objeto”. O objeto enunciativo é a educação de jovens,
adultos e idosos como direito para os povos do território camponês, que será esca-
vado nos documentos supracitados. Logo, “o conjunto de enunciados está longe de
relacionar com um único objeto, formado de maneira definitiva, e de conservá-lo in-
definidamente como horizonte de realidade inesgotável” (FOULCAULT, 2010, p. 36).
Isso porque os enunciados estão sempre em reelaboração, as causas da EJAI para
os povos do campo são diversas e há uma realidade inesgotável e indefinida de pro-
blematizações, por isso que há regularidade enunciativa, pois em algum momento os
enunciados se intercruzam.
Para Foucault (2010, p. 37) define um conjunto de enunciados no que ele tem
de individual consistiria em descrever a dispersão desses objetos, apreender todos
os interstícios que os separam, medir as distâncias que reinam entre eles – em ou-
tras palavras formular sua lei de repartição. Desta forma, não dá para abordar os
mesmos sujeitos de duas modalidades educacionais sem considerar o conjunto de
enunciados específicos de cada modalidade e dos seus sujeitos. Dentro do conjunto
de enunciados existem o que Foucault (2010, p. 40) denomina de “uma unidade dis-
cursiva se a buscássemos não na coerência dos conceitos, mas em sua emergência
simultânea ou sucessiva, em seu afastamento, na distância que os separa e, even-
tualmente em sua incompatibilidade”. Desta feita, a unidade discursiva está presente
no que emerge de forma simultânea ou sucessiva, distância e incompatibilidade, isto
é, as dispersões.
A unidade discursiva acontece conforme também regular, a saber por regulari-
dade Foucault (2010, p. 42) afirma que “uma ordem em seu aparecimento sucessivo,
correlações em sua simultaneidade, posições assimiláveis em um espaço comum,
funcionamento recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas”. É interessante,
que a regularidade pode ocorrer na dispersão, isto é, a depender da posição que
o sujeito ocupa em relação ao objeto. Como já fora enunciado, os objetivos que
permeiam a presente reflexão é descrever a ordem do discurso enunciado nos do-
cumentos brasileiros da Educação de Jovens, Adultos e Idosos para os campone-

327
ses; escavar nos documentos legais sobre as práticas pedagógicas específicas para
contemplar a identidade a cultura dos camponeses e mapear os materiais didáticos
necessários para a promoção do ensino-aprendizagens aos camponeses.
Assim sendo, a formação discursiva que se forma em relação aos objetivos
supracitados conduz ao procedimento analítico e argumentativo acerca do objeto de
estudo. Para Foucault (2010) há uma complexidade no procedimento da formação
discursiva, pois

É assegurada por um conjunto de relações estabelecidas entre instâncias


de emergência, de delimitação e de especificação (...) se define (pelo menos
quanto a seus objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante, se
se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra
seu lugar e sua lei de aparecimento, se se puder mostrar que pode dar origem,
simultânea ou sucessivamente, a objetos que se excluem sem que ele próprio
tenha de se modificar (FOUCAULT, 2010, p. 49-50).

Nesta perspectiva, a formação discursiva desempenha um papel fundamental


no processo de escavação e mapeamento do objeto de estudo em análise arqueoló-
gica do discurso, tendo em vista que para Foucault (2000, p. 48) discurso é algo in-
teiramente diferente do lugar em que vem se depositar e se superpor, como em uma
simples superfície de inscrição, objetos que teriam sido instaurados anteriormente.
Daí a importância do procedimento de escavar os enunciados que estão para além
da superfície dos enunciados pronunciados.

EXPLORANDO O TERRITÓRIO DOS ENUNCIADOS

Ao identificar os enunciados acerca da qualificação profissional para os jovens


do campo nos cadernos do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra vamos
identificar uma certa regularidade ao que concerne a qualificação profissional, como
podemos assim visualizar:
O caderno 1 - Agricultura Familiar: Identidade, Cultura, Gênero e Etnia (ver
figura 1) apresenta a diversidade brasileira, assim como faz jus a práxis da educa-
ção popular, baseada nos círculos de cultura idealizados por Freire, quando assim
é enunciado que “o Currículo da Formação tanto do/a educador/a quanto do/a edu-
cando/a está alicerçado na Educação Popular como uma Pedagogia enquanto uma

328
Teoria Crítica Geral da Educação” (AGRICULTURA FAMILIAR, 2010).
Para promover a qualificação profissional, um enunciado que aparece onze ve-
zes no caderno do educador, como a qualificação de jovens voltada para a formação
e o fortalecimento de espaços de organização social, oportunidades de qualificação
técnica e tem como objetivo proporcionar um certificado de qualificação profissional
nas cinco ocupações do arco ocupacional produção rural familiar (AGRICULTURA
FAMILIAR, 2010). As cinco ocupações que permeiam o arco ocupacional são “Sis-
temas de Cultivo, Sistemas de Criação, Extrativismo, Aquicultura e Agroindústria”
(AGRICULTURA FAMILIAR, 2010, p. 17).

Figura 1 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 1

Fonte: BRASIL, 2010.

No caderno 2 Caderno Pedagógico Sistemas de Produção e Processos de Tra-


balho no Campo (ver figura 2) o mesmo enunciado qualificação profissional aparece
com regularidade de nove vezes, destacando a importância da integração de sabe-
res, para tal “São apresentadas propostas de saberes escolares, focadas na quali-
ficação profissional, que articuladas aos saberes prévios dos/as educandos/as e da
comunidade, possibilitarão a integração de saberes diversos e construção de novos
saberes” (SISTEMA DE PRODUÇÃO, 2010, p. 114).

329
Figura 2 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 2

Fonte: BRASIL, 2010.

No caderno 3 Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas (ver figura 3)


do educador o enunciado qualificação profissional aparece sete vezes, já no cader-
no do educando, qualificação profissional aparece assim destaca-se esta passagem
“estudar as áreas de conhecimento necessárias para compreender e aprofundar o
processo de elevação de escolaridade e, paralelo a isso, da qualificação profissio-
nal, com seus Arcos Ocupacionais” (CIDADANIA, 2010, p. 111).

330
Figura 3 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 3

Fonte: BRASIL, 2010.

Ao escavar o caderno 4 Economia solidária (ver figura 4) o enunciado qualifi-


cação profissional sofre uma refração, ou seja, não foi possível constatar nenhum
enunciado ou correlatos em relação a qualificação profissional, apenas constata-se
sobre, Desenvolvimento Sustentável e Solidário com Enfoque Territorial quando se
afirma “o grande desafio que é construir a sustentabilidade da Agricultura Familiar,
ao mesmo tempo em que se qualifica social e profissionalmente” (ECONOMIA
SOLÍDÁRIA, 2010, p. 13).
Por último no caderno 5 Desenvolvimento Sustentável e Solidário com Enfoque
Territorial (ver figura 5), o enunciado qualificação profissional aparece apenas quatro
vezes, a saber “Assim, este Caderno aborda conteúdos formativos que apontam para
a conclusão do ensino fundamental integrado com a qualificação profissional inicial
em Produção Rural Familiar” (DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2010, p. 14).

331
Figura 4 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 4

Fonte: BRASIL, 2010.

Como podemos constatar o Programa ProJovem Campo-Saberes da Terra é


um programa voltado para os jovens e adultos, os quais são os sujeitos da modalida-
de da educação básica: educação de jovens e adultos (EJA), tal como está enuncia-
do em seu artigo 37º., a saber: “A educação de jovens e adultos será destinada àque-
les que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e
médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem
ao longo da vida” (BRASIL, 2018). Pois, o ProJovem Campo – Saberes da Terra é um
programa de escolarização de jovens agricultores/as familiares em nível fundamen-
tal na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação
social e profissional, estando assim centrado nos jovens camponeses de 18 a 29
anos. Mediante este dado, há uma refração no acesso a educação básica quando se
faz jus a um tempo cronológico de idade, assim somente os jovens de 18 a 29 anos
podem acessar ao ProJovem Campo, os de idade menos e mais, ficam impedidos de
elevar o nível de escolarização e se qualificar social e profissionalmente, tal como é
o objetivo maior deste Programa. Nesta perspectiva, enquanto modalidade de jovens
e adultos não se pode fazer jus a educação e a aprendizagem ao longo da vida.

332
Figura 5 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 5

Fonte: BRASIL, 2010.

É importante ressaltar que o ProJovem Campo – Saberes da Terra é um pro-


grama intersetorial, pois é uma ação integrada entre o Ministério da Educação, por
meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)
e da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC); o Ministério do
Desenvolvimento Agrário por meio da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) e da
Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT); o Ministério do Trabalho e Emprego
por meio da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) e da Secretaria
Nacional de Economia Solidária (SENAES); o Ministério do Meio Ambiente por meio
da Secretaria de Biodiversidade e Floresta (SBF); o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) e a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) vincu-
lada à Presidência da República (MEC/SECAD, 2018). Desse modo, só tende a se
fortalecer e torna-se uma política pública para os jovens camponeses que não tive-
ram a escolaridade na idade própria e agora pode ter acesso a uma formação dupla,
a elevação da escolaridade e a qualificação social e profissional.

333
A Educação popular é um movimento próprio que enseja na atuação dos mo-
vimentos sociais que prima pelos processos de transformação social. Nesta pers-
pectiva, importa ressaltar que a Educação popular contribui para a atuação de forma
protagonista dos sujeitos que antes eram narrados pelos quem detinham o poder e
hoje o jargão dos processos educativos está nas mãos dos coletivos de direito. Deste
modo é assinalado por Xavier (2019, p. 2) assinala sobre o discurso, pois

A Educação Popular (EP), especialmente aquela realizada no âmbito dos


movimentos sociais populares incorpora princípios filosóficos, políticos, so-
ciológicos, culturais entre os quais destacamos: a origem e finalidade nos
interesses das classes populares, dos setores oprimidos organizados nos
movimentos sociais; o respeito às suas culturas; os conhecimentos voltados
para compreensão crítica da realidade social, econômica e política; o respeito
às visões de mundo que são resultantes das experiências vividas por esses
segmentos como ponto de partida para uma reflexão crítica da realidade, que
se dá através do diálogo. Também são traços presentes na EP a busca da
constituição de relações sociais calcadas na solidariedade, igualdade, par-
ticipação, na emancipação, colaboração, com vistas à formação de sujeitos
autônomos e livres.

A complexidade da Educação popular está acionada nos campos de domínios


distintos, como a filosofia, sociologia e a política, já que todo ato pedagógico é um ato
político, pois, cada princípio da educação popular aciona uma prática discursiva nos
diversos campos que lhe constitui em ser o que é.
A Educação popular é uma pedagogia essencialmente contestadora do pro-
jeto da modernidade ocidental, haja vista que promove a emancipação social dos
sujeitos de direito enquanto produtores de conhecimento legítimo partindo de sua
realidade. Desse modo, tudo isso somente é possível através do diálogo, pois o diá-
logo elemento essencial nos movimentos sociais é um processo de comunicação e
intercomunicação entre sujeitos em busca de uma transformação, em busca de uma
ação de emancipação e de libertação. Ele é potencializador da discussão dos temas
que envolvem as demandas, as análises, a definição de táticas e estratégias de mo-
bilização, de ação dos movimentos. Como princípio pedagógico ele é fundamental
no processo ensino-aprendizagem, no processo de problematização, de reflexão e
apreensão dos conteúdos e do mundo (XAVIER, 2019).

334
Ao escavar o Documento base nacional de preparação a VI CONFINTEA (2008),
houve uma ressalva importante sobre o ProJovem Campo – Saberes da Terra, pois
ficou enunciado que, a:

Execução da proposta pedagógica e curricular se desenvolve em sistema de


alternância, ou seja, em diferentes tempos e espaços formativos: tempo-es-
cola e tempo comunidade. Atualmente o Programa integra a Política Nacio-
nal de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) com a denominação de ProJovem
Campo – Saberes da Terra. A meta para 2008 é atender, em parceria com 21
estados, 35 mil jovens agricultores entre 15 e 29 anos de idade e até 2011,
275 mil jovens. A formação continuada dos profissionais que atuarão no
Programa será de responsabilidade das instituições de ensino superior públi-
cas, em parceria com os sistemas públicos de ensino estaduais e municipais
que a ele aderirem. Este Programa é compreendido como EJA enquanto mo-
dalidade de ensino e pode ser financiado pelos recursos do FUNDEB, nas
ações que se enquadram na previsão do art. 70 da LDBEN (MEC/SECAD,
2008, p. 10, grifos nossos).

Dois pressupostos são importantes de serem mencionados, primeiro a meto-


dologia do programa por ser a pedagogia da alternância (tempo escolar e tempo
comunidade), um currículo diferenciado, assim como suscita um calendário escolar
também diferenciado, e o segundo pressuposto é a formação continuada dos pro-
fessores por ser de responsabilidade da universidades, sistemas estaduais e muni-
cipais, significa dizer que é preciso muita vontade política para aderir ao ProJovem,
haja vista que é um programa e por ser desta natureza aderi a ele quem quer, como
demanda muito trabalho, sobretudo ao que concerne ao processo formativo dos pro-
fessores neste regime de colaboração, o primeiro impasse é quem faz o quê? Uma
política pública de natureza de programa é ainda muito frágil e a qualquer momento
pode acabar, como de fato, estamos falando de um programa que surgiu em 2005.
Atualmente o Projovem Campo – Saberes da Terra:

Estará presente em 11 estados da federação e em 25 cidades e municípios,


com destaque para a Bahia, que irá concentrar 4.400 das 11 mil vagas des-
tinadas à modalidade, para Paraíba, com 1.125, e para o Amazonas, com
1.100. A metas de atendimento em Recife são as maiores do país, com 3.200
vagas, seguido de Manaus, com 2.800 e de São Luís e Rio de Janeiro, com
1.200 vagas, ambos (SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE, 2018).

335
Ressalta-se que geograficamente os estados da região Nordeste se destacam
com as demandas dos jovens e adultos do campo, a interrogação que fica é: todas
as vagas disponíveis são ocupadas, ou seja, a matrícula é efetivada? Como erradicar
o analfabetismo com números expressivos de vagas disponíveis? A realidade política
pode ter implicações nestes dados, pois é preciso fazer valer a intersetorialidade do
programa para que de fato tenha êxito e que a elevação do nível de escolarização e
a qualificação profissional possam subsidiar a transformação e a emancipação social
dos jovens e adultos que compõem a EJAI.

Assinalações conclusivas

A presente pesquisa possibilitou escavar nos cadernos do Programa ProJovem
Campo Saberes da Terra a regularidade enunciativa sobre qualificação profissional
voltada para os jovens do campo que integram também a modalidade da educação
de jovens e adultos, assim a formação técnica se destaca em todos os cadernos,
com menos regularidade no caderno 3, este trata do exercício da cidadania dos jo-
vens, bem como da inserção dos jovens nas políticas públicas.
A estrutura pedagógica dos cadernos escavados foi possível identificar que
está concernente com o círculo de cultura vivenciado no movimento da educação
popular, uma pedagogia essencialmente democrática, onde os que ensinam e apren-
dem são conectados pelo diálogo, tendo assim o respeito expressivo as culturas e
identidades dos sujeitos envolvidos no círculo de cultura, é um movimento onde os
alunos falam, escrevem, desenham, vão a aulas de campo, fazem pesquisas, inter-
venções técnicas, aulas práticas, buscam, criam e são protagonistas do conhecimen-
to no movimento duplo de socializar o que sabe e de saber o que ainda não sabia.
Nesta pesquisa, de/enunciamos um achado importante neste programa, pois
ele não promove o acesso e a permanência de todos os sujeitos que não tiveram a
escolarização na idade própria, por ser um programa voltado aos jovens de 18 aos
29 anos, inviabilizando assim a universalização da educação e a erradicação do
analfabetismo.
Vale salientar que por se tratar de um programa, não chega a todos os mu-
nicípios e estados, uma vez que é por aderência, e deste modo, nem todas as au-
toridades políticas estão voltadas para as especificidades do campo, é tanto que o

336
ProJovem urbano sempre tem mais matrículas disponíveis do que o ProJovem rural.
A formação técnica é destacada com ênfase nos cadernos 1, 2, 4 e 5, sobretudo
no 5 caderno que trata especificamente do Desenvolvimento Sustentável e Solidário
com Enfoque Territorial, no nosso modo de entender sobre as práticas dos cultivares,
das criações e de todo o labor que permeia a vida do homem e da mulher do campo.
Desse modo, a ordem do discurso da qualificação profissional para os camponeses,
evidencia a necessidade para além do ler e escrever, dando ênfase a qualificação
profissional para o desenvolvimento de uma agricultura familiar e sustentável. Assim
sendo, a educação dos jovens e adultos que vivem no campo brasileiro é viabilizada
pelo programa ProJovem Campo – Saberes da terra com dupla finalidade a elevação
do nível de escolaridade e a qualificação profissional e social destes sujeitos de di-
reito, fomentando uma formação integral por meio da prática da educação popular e
seus círculos de cultura, com diálogo, respeito aos múltiplos sujeitos e aos múltiplos
saberes.

REFERÊNCIAS

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lógica do discurso: uma alternativa de investigação na educação de jovens e adul-
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337
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Int.pdf>. Acesso em 01 de out. de 2019.

338
10.48209/978-24-CAMPO6-7-2

A POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA
E DE TRANSFORMAÇÃO HUMANA
NAS VIVÊNCIAS DE FABRICAÇÃO
ARTESANAL DE ERVA-MATE
Moisés da Luz92
Marcelo Vaz Pupo93

92 Educador e carijeiro, biólogo e mestre em Desenvolvimento Rural, moisesdaluz2018@


gmail.com.
93 Educador e professor doutor da Educação do Campo pela Universidade Federal do Pampa,
Campus Dom Pedrito-RS, [email protected].
ERVA-MATE: ÁRVORE DA SELVA, ÁRVORE INDÍGENA

A erva-mate (Ilex paraguariensis St. Hil.) é uma espécie arbórea nativa das ma-
tas com araucária e matas estacionais. No Brasil abrange especialmente os estados
do sul e o Mato Grosso do Sul; na Argentina, as províncias de Misiones e Corrientes,
além de partes do Paraguai e Uruguai. A sua área natural de distribuição coincide
com a presença das populações indígenas guaranis, kaingangs, xocklengs, entre
outras.
A erva-mate, caá em guarani, já era consumida pelos povos originários destes
rincões bem antes da vinda dos exploradores europeus. Muitos ervais existem hoje
devido ao cultivo e domesticação que guaranis e possivelmente kaingaings efetua-
ram. Vale mencionar igualmente, que os ervais também foram implantados pelos
guaranis, através das missões jesuíticas nos séculos XVII e XVIII. O avanço comer-
cial da erva-mate se desenvolveu através das colônias espanholas, depois que um
exército de Asunción teria presenciado uma comunidade guarani fazendo uso da
bebida, em alguma localidade de Guairá, atual estado do Paraná, por volta do ano
1554 (LINHARES, 1969).
A partir dessa árvore se prepara o mate ou chimarrão, tomado com água quen-
te, e o tererê, tomado frio ou gelado, assim como se prepara o chá-mate e outras
bebidas menos famosas. A cultura de tomar mate se expandiu além da área de ocor-
rência natural da erva-mate, por exemplo, na Argentina e no Uruguai são bebidas
nacionais, abrangendo todo o território desses países. Na Argentina, inclusive, tor-
nou-se componente da cesta básica.
No Rio Grande do Sul tornou-se também a bebida típica e a árvore símbolo do
estado, tendo como histórico a presença da bebida muito atrelada aos costumes de
um grupo social, denominados “gaúchos”, que já seria a miscigenação entre portu-
gueses, espanhóis, indígenas e negros, constituindo famílias e homens solitários que
trabalhavam com o gado, indo de um campo a outro no território do pampa.
Posteriormente, foi a vez de imigrantes alemães, italianos, entre outros, a apren-
derem com os povos originários e com a população que aqui estava, a saborear o
mate e outros alimentos daqui, favorecendo o estabelecimento de suas comunidades
no território e de seus empreendimentos. A erva-mate, que já era um produto comer-

340
cial desde os tempos das colônias espanholas e portuguesas, é então incorporada
ao modo de vida desses imigrantes, que passam a manejá-la e processá-la artesa-
nalmente, ampliando assim a rede de relações socioeconômicas em torno do mate.
A reprodução de práticas de conhecimento necessárias para a qualidade de
vida das comunidades humanas é um traço do campesinato latino americano. O
exemplo da erva-mate ilustra bem essa afirmação, de modo que buscamos eviden-
ciar, neste capítulo, a importância pedagógica das vivências com a fabricação artesa-
nal da erva-mate. Tratando-se de um bem com valor de uso histórico e culturalmente
dado, o estudo integrado do mate apresenta grande potencial de correlação entre
conhecimento, identidade e experiência, elemento indispensável para ações interdis-
ciplinares e emancipatórias no âmbito escolar e não escolar.
Defendemos que o processo educativo de crianças e adolescentes e a forma-
ção de docentes deve alinhar-se definitivamente aos esforços sociais de manutenção
e aperfeiçoamento de práticas locais com esse caráter.

ERVA-MATE, ECONOMIA E AGRICULTURA

A partir dos anos 1960 avança a modernização na agricultura e a industrializa-


ção. Os monocultivos com base em um pacote tecnológico, composto de máquinas,
adubos químicos e agrotóxicos, agências de pesquisa e formação de técnicos, são
expandidos, ocasionando um período intenso de desmatamento e inclusive derruba-
da de ervais, uma vez que os preços dos grãos começaram a ser mais cotados para
os negócios. Ao mesmo tempo, a industrialização chega para a fabricação de erva-
-mate, desestimulando aqueles que a processavam artesanalmente.
Pode-se pensar esse período histórico como um processo dominante de mo-
dernização e produção em larga escala, sendo implementado pelos Estados Na-
cionais a partir de uma onda global, pós segunda guerra mundial, tendo a indústria
do petróleo como catalisador (BRUM, 1988, PLOEG, 2006). Assim, a partir de todo
um aparato estatal, que também engloba a cultura e a educação, esses valores mo-
dernos são amplamente incentivados. Isso também se aplica à implementação das
agências reguladoras das normas sanitárias, o que inviabilizou muito os empreendi-
mentos artesanais, pois elas seguem uma estandartização industrial (CRUZ, 2007;
VILLANUEVA et al. 2008). Enfim, a lógica da industrialização em larga escala não

341
contempla as experiências de fabricações artesanais, que igualmente poderiam ter
incentivos para uma industrialização de pequena escala ou adequada ao processo
artesanal.
Por contradição, desse período até o presente, o Rio Grande do Sul hoje im-
porta em torno de 50% da matéria-prima para processar a erva-mate, e permitiu a
derrubada dos antigos ervais mesmo tendo o chimarrão como parte intrínseca de
sua tradição. Consequentemente, apenas algumas regiões ficaram dedicadas para
o cultivo da erva-mate, considerando seus relevos mais íngremes, que não foram
propícios para o avanço da agricultura industrializada, o que mobilizou a implantação
de polos industriais ervateiros.

CARIJO: FABRICAÇÃO ARTESANAL DE ERVA-MATE

A fabricação artesanal de erva-mate está entre uma das inúmeras atividades


camponesas e indígenas, que está presente em seus territórios. Dentro do contexto
da pressão do agronegócio e da industrialização, pode-se depreender um processo
de resistência dos povos do campo. No tocante à agricultura familiar, a resistência
para seguir com a terra, mantendo seu modo de vida e conservando a natureza é
bastante delicado, haja vista que esse setor, por ausência de políticas públicas es-
pecíficas, já encontra-se muito comprometido com atividades do agronegócio. Além
disso, ela encontra grande dificuldade em manter a sucessão familiar conforme o
estilo de vida camponês, como é discutido por Ploeg (2006). Sendo assim, entre
esse setor, deduz-se que a prática da fabricação artesanal da erva-mate continua em
declínio.
Em linhas gerais, o que se testemunha na área rural do estado é a disputa ter-
ritorial entre dois modos antagônicos de apropriação dos ecossistemas, que Toledo e
Barrera-Bassols (2015) arquetipicamente chamam de modo tradicional ou camponês
em contraste com o modo moderno ou agroindustrial, este último como resultado do
desenvolvimento capitalista de produção.
Conforme Luz et al. (2017), a continuidade da fabricação artesanal de erva-ma-
te, que está atrelada à continuidade do estilo camponês de agricultura, em vista da
possibilidade de haver sucessão familiar, está acontecendo em famílias, que estão
no ramo da agroecologia e vinculadas à redes de cooperação. A tradição é um fator

342
intrínseco a todas as famílias que fabricam erva-mate artesanalmente, somado a
um histórico de manutenção e incremento da base de recursos, retroalimentando-se
com a entrada no ramo agroecológico e em cooperação. Como parte fundamental da
base de recursos está a mata nativa e os ervais, sendo que em alguns casos a erva-
-mate é nativa da floresta. Dessa forma, essas famílias puderam investir na atividade,
tornando-se a principal fonte de renda.
Enquanto base conceitual, a agroecologia proporciona uma estrutura de análi-
se e interpretação do ecossistema manejado, levando em conta o trabalho humano e
a tecnologia empregada nesse manejo. Enquanto ação social e coletiva, a agroeco-
logia estabelece uma rede de relações, com base na cooperação e na reciprocidade,
que sustentam práticas, conhecimentos, técnicas e métodos que dinamizam as re-
lações ecológicas, econômicas e culturais de uma determinada região (VAZ PUPO,
2018).
Em boa medida, essa rede de relações — que organiza o modo camponês de
apropriação da natureza — representa a resistência exercida pela agricultura familiar
e camponesa para que siga existindo, mesmo sob condições adversas, que con-
tinuamente são impostas pelo sistema capitalista. Ao manter vivos valores de uso
com base histórica e cultural, a agricultura familiar e camponesa se torna o segmento
social com melhor capacidade de explorar, de maneira sustentável, o potencial endó-
geno dos ecossistemas.
Através de um projeto sobre patrimônio imaterial, executado pela cooperativa
Catarse, de Porto Alegre, e financiado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional (IPHAN), entre 2012 e 2014, essa prática ancestral foi amplamente
popularizada por meio de um filme94 documentário e a realização de eventos para a
produção de erva-mate artesanal. Além do filme, produziu-se um livro (LUZ, 2014),
onde se descreve detalhadamente a prática do carijo e fatores relacionados à resis-
tência camponesa entre guaranis, quilombolas e famílias agricultoras.
O carijo é a estrutura de secagem da erva-mate, por vezes também menciona-
do como a totalidade desse método de fabricação artesanal. Ao que tudo parece, ele
se constitui como um primeiro salto produtivo, conjugando-se a prática guarani com
o interesse comercial e de acúmulo dos primeiros colonizadores estrangeiros. Pois

94 http://carijoofilme.blogspot.com

343
os guaranis, segundo diversos relatos, quando não utilizam o carijo, costumam secar
um feixe de erva-mate pendurado acima de um fogo de chão, o denominado “maca-
co”, desta forma, secando as folhas e macerando-as para o mate, à medida de suas
necessidades, sem haver uma produção para acúmulo.
O carijo proporciona aumentar a produção de erva-mate sem perder determina-
das dimensões culturais, espirituais e de contato com a natureza (figura 1), que não
aparecem no barbaquá, um método também artesanal, porém de maior produção,
mas que para a secagem, o fogo é acendido a uma distância ao redor de 10 m, o
que não exige o cuidado permanente da combustão, e por sua vez retira o risco de
incêndio, que está presente no carijo. A seguir, apresenta-se uma descrição das eta-
pas do carijo.

Figura 1. Sequência das etapas da fabricação artesanal de erva-mate, através do


método do carijo: a) poda, b) sapeco, c) desgalha e enfeixamento, d) secagem no
carijo, e) cancheamento, f) soque.

344
Fonte: acervo do primeiro autor (a,c,d,e). Cooperativa Catarse http://carijoofilme.blogspot.com/ (b,
f).

Poda
A poda da erva-mate é realizada em ervais nativos e cultivados, sendo que es-
tes existem em sistema de monocultivo ou em sistema agroflorestal. Historicamente
existe a figura chamada “tarefeiro”, que é o trabalhador contratado por patrões ou
ervateiras, responsável por essa atividade. Em determinados contextos, como há
em Misiones, na Argentina, fazem parte do grupo social mais excluído da população
(MARCONE, 2018), já que não possuem posse ou título de terra. Diferente da situa-
ção da agricultura familiar ou de populações tradicionais, que por possuírem seus
territórios, manejam a erva-mate com autonomia.
A poda acontece com o uso de facão, respeitando-se a lua, que não pode
ser durante a lua Nova, mas preferencialmente as melhores fases são a Cheia e a
Crescente. Também o ideal é seguir a melhor época do ano, em que as árvores não
estejam em fase reprodutiva, por isso, as podas se concentram mais entre maio e
setembro. Cada árvore podada volta a ser podada a cada 2 ou 3 anos, para que os
galhos fiquem compridos, facilitando a segunda etapa – o sapeco, e assim também

345
as folhas vão estar mais maduras. Em geral, costuma-se tirar toda a ramagem da
árvore, deixando-se apenas galhos pequenos.
Sapeco
O sapeco é a passagem dos galhos sobre uma fogueira alta, pelo tempo de al-
guns segundos, gerando a crepitação das folhas. Com isso se preserva a cor verde e
se quebram substâncias químicas naturais que deixariam um gosto muito amargo no
produto. Após o sapeco, é realizada a “quebra” ou “desgalha”, em que são separados
os galhos finos com as folhas, formando-se feixes ou amontoando-os sobre o chão,
para depois serem levados para cima do carijo.
Secagem
O carijo consiste em uma armação de madeira, com quatro moirões susten-
tando varas roliças ou de bambu, distanciadas paralelamente entre 10 a 15 cm uma
da outra, e a uma altura do chão em torno de 1,30 m. Uma espécie de estrado. São
construídos no interior da selva, junto aos ervais, ou perto de casa, comumente pró-
ximo de algum curso d’água.
A secagem da erva-mate é um momento de folclore, de confraternização, de
convivência com a natureza, especialmente a dimensão noturna, considerando os
corpos celestes. Pois por tradição e coerência ao manejo do fogo, a secagem ge-
ralmente inicia no final da tarde, seguindo noite adentro. Pelo folclore gauchesco
chama-se a “ronda do carijo”. A motivação para seguir desperto pela madrugada
depende da companhia e da animação das pessoas presentes, pois é um momento
propício para cantar e praticar instrumentos musicais.
Cancheamento
No outro dia pela manhã, a erva estará seca, estando pronta para o canchea-
mento, que é a fragmentação dos ramos, o que facilita a última etapa, o soque. O
cancheamento mais rústico é o realizado com facões de madeira sobre uma “cancha”,
que pode ser uma prancha de madeira, um reboque de madeira, ou uma estrutura de
madeira em formato “V”. A erva cancheada, então, fica com os galhinhos quebrados
e as folhas em pedaços, que em parte já está em estilo “pura folha” ou tererê. Com o
cancheamento, a erva pode ser ensacada, para fins de transporte.

346
Soque
A moagem da erva pode ser realizada no pilão, manualmente, ou em soques
mecânicos, com duas ou mais mãos de pilão, sendo movidos através de motores a
eletricidade, combustão ou pela força da água (roda d’água, turbina d’água).

AS VIVÊNCIAS DO CARIJO

As vivências a que nos referimos são as realizadas com intencionalidade pe-


dagógica, de troca de saberes e de mobilização social, entendendo-as como a pas-
sagem por uma experiência em geral fora do cotidiano da vida dos estudantes, tanto
em suas comunidades, como em outras realidades, interagindo com as pessoas dos
lugares. Uma vivência, segundo a cartilha preparatória do V Estágio Interdisciplinar
de Vivência (EIV) de Minas Gerais, realizado em 2008, “é um encontro de pessoas”,
onde, no espaço de vida das comunidades, os estudantes irão conviver com elas em
seu mundo, em seu dia a dia, seguindo uma concepção e metodologia dialógicas,
onde ambos serão educador-educandos (FREIRE, 2006).
As vivências do Carijo no RS têm sido mobilizadas a partir do ano 2005, inician-
do com o protagonismo de estudantes de Biologia e Agronomia da UFRGS, propor-
cionando a experiência de aprender a prática de fabricação artesanal de erva-mate,
junto ao agricultor Luís Pires, de Panambi, RS. A partir desse ano, as vivências se
tornaram recorrentes, acontecendo em quase todos os anos95. Entre as vivências,
citam-se as que aconteceram na forma de eventos, a partir de projetos executados
pela cooperativa Catarse, de Porto Alegre, RS, sendo realizadas nos municípios de
Panambi, Ijuí, São Miguel das Missões, Soledade e Porto Alegre, a que foi organiza-
da em um assentamento da reforma agrária no município de Nova Santa Rita, e as
da Universidade Federal do Pampa, nas cidades de Dom Pedrito e Alegrete. Com
as vivências, algumas pessoas se tornaram multiplicadoras da prática, levando a ex-
periência para distintos contextos no RS. Inclusive a partir delas houve o resgate da
prática por comunidades guaranis.
As vivências, que inicialmente tiveram a intenção de aprender a fazer a erva-
-mate, de valorizar o processo e proporcionar uma experiência de troca de saberes,

95 Mobilizada pelo primeiro autor em sua carreira, como estudante de Biologia, profissional do-
cente do ensino básico, técnico e universitário, estudante de mestrado em Desenvolvimento Rural,
e como integrante dos projetos executados pela cooperativa Catarse, de Porto Alegre, RS.

347
de encontro e mobilização, foram ao longo do tempo mostrando sua riqueza entre as-
pectos da construção do conhecimento, da cultura, da autonomia, da biodiversidade,
da saúde, da segurança alimentar, e inclusive como dimensão pedagógica.
As vivências foram realizadas pelo tempo entre 2 a 4 dias, geralmente na forma
de acampamento, quando estudantes universitários tiveram que se deslocar para as
comunidades rurais ou montaram o acampamento no próprio espaço da universi-
dade, caso do Carijo organizado no campus da UNIPAMPA, em Dom Pedrito, como
parte das atividades acadêmicas do curso de licenciatura em Educação do Campo e
do Encontro Internacional dos Povos do Campo.
O Carijo é uma atividade coletiva, onde todas as pessoas participam de todas
as etapas do processamento da erva-mate, culminando com a degustação do chi-
marrão. Também é uma vivência pedagógica, em que estudantes saem da sala de
aula, para realizarem um conjunto de atividades práticas, em interação com pessoas
das comunidades rurais, como agricultores, quilombolas e indígenas, ou mesmo a
interação com a comunidade acadêmica da universidade e seus visitantes, quando
o Carijo é realizado dentro do campus. O aprendizado e a troca de saberes se pro-
cessa a partir de um trabalho ou prática coletiva, entremeado de atividades culturais
e em contato com a natureza envolvente.
Em geral a agenda de atividades do Carijo segue a sequência das etapas da
fabricação artesanal. Para ilustrar a programação, apresenta-se um roteiro para três
dias de evento:

1ºdia: Manhã: - Poda da erva-mate

- (roda de conversa)

Tarde: - Sapeco

- Roda de conversa/visita guiada/atividade extra

Noite: - Atividade cultural

2ºdia: Manhã: - Desgalha e enfeixamento, colocação dos feixes no carijo

- Roda de conversa/atividade extra

Tarde: - Secagem da erva-mate

- Roda de conversa/atividade extra

348
Noite: - Secagem da erva-mate (ronda do carijo)

3º dia: Manhã: - Cancheamento e soque, degustação da erva cancheada

Tarde: - Soque e degustação, distribuição da erva-mate

- Roda de conversa/finalização da vivência

A vivência em um período de três dias ou mais proporciona uma imersão maior


no contexto vivenciado e maior troca de experiências, desta forma é possível realizar
rodas de conversa e outras atividades complementares, como visitas guiadas aos
cultivos, às agroflorestas, trilhas na mata, e debate de assuntos diversos, conforme a
proposição de temas. Houve situações em que acrescentou-se um dia prévio a mais
na agenda, necessário para montar a estrutura do carijo.
Quanto aos aprendizados, a fabricação artesanal de erva-mate, além das téc-
nicas em cada etapa, carrega um conjunto de conhecimentos e significados relacio-
nados, considerando que a vivência, como um fenômeno, está acontecendo em um
determinado contexto (social, econômico, ambiental, etc). Então além dos temas que
certamente ou provavelmente são discutidos durante a vivência, existem outras di-
mensões que mobilizam a experiência pedagógica.
Entre uma relação de temas das diversas áreas do conhecimento, para exem-
plificar, citam-se os seguintes:

- Conhecimentos biológicos, ecológicos e agronômicos: época de poda, fases


da lua, manejo da erva-mate, sistemas agrícolas, variedades de erva-mate, clona-
gem, produção de mudas, conservação da mata, plantas medicinais, espécies flores-
tais para lenha e madeira, biodiversidade e agrobiodiversidade.

- Conhecimentos de contexto socioeconômico: povos do campo (agricultura


familiar, quilombolas, guaranis, entre outros), sucessão familiar na atividade agrícola,
mão-de-obra, assistência técnica, cooperativismo, acesso à água e à energia, aces-
so à informação, mercado, organização comunitária.

- Conhecimentos de contexto territorial, geográfico: commodities, agrotóxicos,


distribuição da terra, educação, geomorfologia, clima.

- História, cultura, artes: origem da erva-mate, povos originários, colonização,

349
imigração, hábitos, folclore, economia. Poesia, música, contos. Habilidades artísti-
cas. Conhecimentos espirituais, místicos.

- Linguística: idioma guarani, kaingang, origem dos nomes de alimentos, plan-


tas, lugares e termos relacionados à erva-mate.

- Conhecimentos astronômicos: universo, estrelas, planetas, fases da lua.

- Conhecimentos de química e culinária: o fenômeno da manutenção da cor


verde após o sapeco da erva-mate, óleos essenciais, hidrolato, erva-mate na alimen-
tação e na cosmética.

A citação de temas potencialmente presentes em uma vivência do Carijo é ape-


nas a “superfície do oceano” de um processo educativo. Pois longe de se deter em
uma visão conteudista, a vivência se potencializa por um processo transdisciplinar
e participativo. O diálogo e a prática levam a uma experiência ilimitada de questões
que surgem espontaneamente no encontro, o que também vai depender da proposi-
ção prévia de temas a serem desenvolvidos durante a vivência.
Quanto as outras dimensões do processo vivencial, abre-se caminho para ques-
tões de contexto e subjetividade. A vivência, pelo aspecto de ser coletiva, compreen-
dendo que uma turma de estudantes estarão indo com o mesmo fim, compartilhando
essa experiência, catalisa o processo de trocas e construção do conhecimento. Mais
gente aprendendo, em processo de diálogo com os anfitriões, mestres carijeiros,
mais leva a reflexões sobre as práticas e técnicas realizadas. Pois a criatividade e a
inventividade fazem parte das habilidades intelecto-motoras, especialmente falando
sobre os povos do campo, que vem trazendo habilidades ancestrais e tem que lidar
com autonomia para alcançarem objetivos.
Em termos de organização coletiva do grupo de acampamento, acontecem
diversos aprendizados, uma vez que todos são sujeitos do processo educativo. É
possível fazer uma divisão de tarefas de acampamento, de forma que todas as pes-
soas participem de todas as atividades, como equipes diferentes para preparar cada
refeição, cuidar da limpeza, entre outros aspectos. Geralmente o espaço cultural é
deixado para o período da noite, onde também é possível convidar ou dividir deter-
minados grupos a organizarem expressões artísticas. A noite da secagem da erva é
especial, pois compreende o cuidado do fogo do carijo, fato que é tradicional para a

350
confraternização, a observação do fogo, do céu e seus corpos celestes, a atenção
para os ruídos noturnos, como da fauna.
A vivência de passar pelo menos algumas horas da noite cuidando do fogo do
carijo ou estando em confraternização nesse momento, permite essa experiência
noturna, que em geral está muito escassa nos dias de hoje. O passar à noite propor-
ciona a percepção de dinâmica da rotação da Terra e simbolicamente a existência de
dois mundos naturais, o dia e a noite, mudando a percepção, e mudando de fato a
presença de outros representantes da fauna, ou seja, nichos ecológicos diferentes.
O fato dos estudantes se retirarem de seus cotidianos e imergirem alguns dias
em uma outra realidade estimula os órgãos dos sentidos, pois se configura em mui-
tas novidades, estimulando a inteligência. É sinônimo de aventura, ao mesmo tempo
organizada pela intencionalidade pedagógica da vivência. Sair da “zona de conforto”
e abrir-se a novas experiências, conhecendo realidades e pessoas diferentes, tem
um efeito transformador na vida dos estudantes. Muitos(as) educandos(as) relataram
que as vivências do carijo foram transformadoras para suas vidas. Assim como o
carijo, outras vivências pedagógicas são vividas com intensidade, podendo ser mar-
cantes pessoalmente, e mais além, tudo que marca tem um efeito posterior à vivên-
cia, que é voltando ao cotidiano de cada pessoa, a reflexão sobre o vivido. Conforme
Maturana (2002), o aprender tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem
em nós de maneira contingente com a história de nossas interações.
O vivido e refletido tem um efeito sobre a formação de valores e visões de mun-
do de cada pessoa. É um processo dinâmico e que influencia as escolhas pessoais
em cada ser humano. Nesse aspecto, os escritos de Dilthey (1992), numa perspecti-
va filosófica e psicológica, parecem se aproximar do que entendemos como potencial
transformador das vivências, que para ele, elas são momentos carregados de signi-
ficado para a vida pessoal, o que terá influência nas visões de mundo.
Conhecer as realidades, as injustiças, “os paraísos”, aproximar-se e vincular-
-se a pessoas de outras culturas, faz crescer o sentido humanista, cosmopolita, faz
diminuir as ignorâncias e divisões que a sociedade incentiva, devido a interesses em
jogo. Por exemplo, o mercado muitas vezes nos apresenta uma cultura/ancestrali-
dade da Índia, de tão longe, não menos importante, porém na nossa mesma cidade
ou estado, estão comunidades guaranis, em processo de reivindicação por território,

351
muitas vezes vivendo insalubremente nas beiras das rodovias. Essas pessoas tam-
bém possuem sua ancestralidade, espiritualidade, seu idioma, enfim, outra cultura.
Segundo Maturana e Varela (1995), o processo do aprender está ontologica-
mente ligado ao viver, então, conhecer é fazer, fazer é conhecer. Seguindo esses au-
tores, o processo do aprender é social e se efetua através da linguagem. A linguagem
no histórico da evolução humana, é o que desenvolveu a (auto)consciência, e por
sua vez a noção de visões de mundo, de valores cultivados (MATURANA; VARELA,
1995). Dialogando com esta proposição, o trabalho artesanal com a erva-mate pode
ser interpretado como um conjunto de ser e fazer camponês, indígena, que organiza
e oferece significado para o trabalho no campo. Pode-se então assumir que trata-se
de conceber o trabalho como princípio educativo, uma vez que os conhecimentos
associados a esse trabalho configuram um domínio comportamental de grande inte-
resse para a educação em geral e para a Educação do Campo, em específico (FRI-
GOTTO; CIAVATTA, 2012).
A evolução de comportamentos sociais nos animais e especialmente na hu-
mana compreende um processo de cooperação, essencial à sua sobrevivência. Por
isso, a educação, implicitamente um fenômeno social processado através da lingua-
gem, só pode ser entendida como profícua em uma relação de cooperação, que em
outras palavras é fundada no amor. Ao ressaltar o amor como a emoção que funda-
menta a legitimação do outro na convivência, Maturana e Varela (1995) subsidiam
ações educativas com base no associativismo e cooperativismo como uma necessi-
dade do existir humano.

CONCLUSÃO

A realização das vivências do Carijo remetem para o campo da Educação a


potencialidade pedagógica dessas atividades organizadas com os povos do campo
e demais realidades do cotidiano das pessoas. Elas configuram um rechaço à edu-
cação bancária, criticada por Freire (2011), e vem ao encontro de várias abordagens
que vêm reivindicando e pondo em prática uma educação contextualizada às realida-
des locais (MOLINA, 2014).
As vivências do Carijo demonstram o que se compreende como um processo
educativo coletivo, em que todas as pessoas envolvidas participam, constroem co-

352
nhecimento, numa concepção e metodologia dialógicas.
As vivências proporcionam aos estudantes conhecerem as realidades, que
muitas vezes lhes são negadas ou parcializadas através dos atravessadores de in-
formação (mídia). O fato de conhecer realidades, compreende conhecer outras pes-
soas em situações diferentes, e por sua vez, diferentes necessidades, característi-
cas, cosmovisões e místicas em relação ao estar no mundo. Também, dessa maneira
se constrói o senso crítico tão necessário à civilidade.
Além de conhecer outras realidades, a imersão vivencial proporciona a (trans)
formação pessoal em termos de valores, visões de mundo ou cidadania. Esse as-
pecto é uma necessidade urgente para a formação humana, em termos de valores
universais, de vida em comum, de cuidado da nossa casa comum, como colocado
nessas palavras pela encíclica papal atual, em relação ao planeta Terra ou a Pacha-
mama. Em outras palavras a necessidade de formação e aplicação de valores con-
forme a noção de Suma Qamaña (Buen vivir, bem viver) dos povos originários dos
Andes.
Os valores de bem viver não se aplicam apenas ao cuidado da natureza, mas
aos cuidados entre nós pessoas e comunidades, em que cada ser humano se reco-
nheça no outro a possibilidade de existência digna e mútua. E para isso, é necessário
transpor as barreiras colocadas pela sociedade, haja vista o distanciamento entre as
pessoas, por uma série de aspectos, como de classe, cor, religião, ideologias, orien-
tação sexual, entre outros. Essas separações e a não oportunização de experiências
que proporcionam o “encontro de mundos” (pessoas) observamos como prejudiciais
à formação de valores comuns e para o bem comum. Como disse Maturana (2002),
para formar valores, há que vivê-los.
Enfim, as vivências do Carijo realizadas com estudantes universitários têm nos
provocado a refletir sobre o processo do aprender, da construção e troca de conhe-
cimentos, e mais além sobre o processo de transformação humana/cidadã. Vemos
sua potencialidade pedagógica para o público universitário, e em especial para a
formação de estudantes dos cursos de licenciatura, e por sua vez, para a educação
básica. Afinal, para que a escola supere a educação bancária, é necessário que isso
comece pela formação de professores(as).

353
REFERÊNCIAS

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355
10.48209/978-25-CAMPO6-7-2

PROCESSOS RESISTENTES NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
QUILOMBOLA
Dilmar Luiz Lopes96

96 Drº Dilmar Luiz Lopes. Doutor em Educação pela UFRGS, atua nos Curso de Pedagogia e
Licenciatura em Educação do Campo/Faced/Ufrgs. Email: [email protected]
QUESTÕES INTRODUTÓRIAS:

Este artigo é resultado de pesquisas sobre a Educação do Campo e o desafio


de práticas pedagógicas que acontecem nos territórios das comunidades dos quilom-
bos97. Uma reflexão de saberes em torno da dimensão ontológica, epistemológica da
educação e a diversidade cultural dos povos da diáspora.
Ao entender a educação como processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pes-
quisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifesta-
ções culturais (Art.1º da LDB, 1996). Já a educação escolar quilombola é compreen-
dida como uma modalidade educativa inscrita em suas terras e cultura, requerendo
pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural da comunidade. E
com a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola busca-se desenvolver uma pedagogia que respeite à diversidade étnica,
saberes, conhecimentos de cada comunidade. Ou seja, a Educação Escolar Quilom-
bola no seu artigo 9º, compreende: I - escolas quilombolas; II - escolas que atendem
estudantes oriundos de territórios quilombolas. Parágrafo Único Entende-se por es-
cola quilombola aquela localizada em território quilombola (DCNEEQ, 2012). A partir
disto, descrevo alguns achados da educação quilombola fundamentados na memória
histórica, em experiências das comunidades localizadas no Rio Grande do Sul.
Na abordagem metodológica destaca-se a perspectiva qualitativa, com os re-
cursos da observação participante, na aplicação de um questionário semi-estrutura-
do sobre a educação quilombola com 21 participantes, no decorrer do ano de 2015 e
2016. Procurei dar centralidade às lideranças que tinham mais experiência de vida e
exerciam um papel importante para a memória das comunidades de São Miguel e da
Palma, nos municípios de Restinga Seca e Santa Maria. A partir da seguinte questão:
que processos educativos emergem destes territórios que representam resistências?
As análises e interpretação possuem as contribuições teóricas (MUNANGA, 2001;
BENJAMIN, 1985; GILROY, 2001; GOMES, 2017; FREIRE, 1996). Os resultados
ora apresentados se traduzem em experiências de pesquisa na educação com as
97 Conforme Decreto 4887/20/11/2003, artigo 2º. Consideram-se remanescentes das comu-
nidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de
auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

357
comunidades remanescentes dos quilombos (LOPES, 2004, 2012). Sua dinamicida-
de potencializa os valores civilizatórios da cultura afro-brasileira onde o quilombola
reconstrói de maneira criativa seu mundo existencial em sintonia com suas memórias
ancestrais.
E esta pequena exposição objetiva buscar as origens e conceitos, modos de
organização dos quilombos, processos de disputas territoriais, as formas como ensi-
navam por meio das rodas de conversas e narrativas que servem como fundamento
da atividade educativa camponesa e direitos étnicos.

O QUILO MBO: ORIGEM E CONCEITOS

Como é de conhecimento, o uso do termo quilombo remonta ao período colo-


nial, tendo se constituído em um instrumento de repressão ao que se apresentava
como uma das principais formas de resistência à escravidão: a fuga do cativeiro e
esconderijo em locais de difícil acesso às forças repressivas. A grande referência
simbólica da ancestralidade negra nas Américas se deu com o quilombo de Palmares
que sintetizou um alto grau de organização política e social.
Enquanto categoria jurídica designava, portanto, uma afronta à ordem instituí-
da. Este significado se confrontava com o conteúdo semântico do idioma da matriz
lingüística africana banta: povoação e união, acampamento guerreiro na floresta ou
divisão administrativa (BANDEIRA, 2002, p. 217). A compreensão atual, porém, é de
que tais comunidades podem ter outras origens, tais como terras que tenham sido
compradas ou recebidas como herança por ex-escravos e seus descendentes.
Tanto no meio acadêmico quanto na sociedade civil organizada, o conceito co-
lonial de quilombo desconsidera “as várias possibilidades de enfrentamento de um
mesmo processo de espoliação racial, social e cultural esquece e escamoteia toda
uma gama variada e matizada de situações sutis, mas concretas, que se fizeram em
face de um processo injusto” (SILVA e BITTENCURT JR, 2004, p. 29). Tais confrontos
foram relativizados com a ordem escravocrata e pelo cativeiro da terra estabelecida
pela Lei de Terras de 1850. Como consequências, as comunidades quilombolas,
os agrupamentos negros que viviam em áreas periféricas ou em pequenas glebas
doadas por seus antigos senhores viram-se, com a lei de 1850, impossibilitados de
legalizarem suas apropriações, e passaram a ser considerados como ocupantes irre-

358
gulares de terras devolutas. Só as terras pouco produtivas e de difícil acesso ficaram
preservadas da ganância expansionista de grandes latifúndios.
Por remanescente de quilombos se entende hoje todo o agrupamento negro,
rural ou urbano, constituído durante o regime escravocrata ou logo após a abolição,
e que consolidou um “território como forma de construção de um espaço mínimo de
autonomia, no interior do qual lograram a reprodução econômica, biológica e social
em condições adversas” (Associação Brasileira de Antropologia – ABA,1994). Além
da ênfase à particularidade de tal historicidade e territorialidade, considera-se que
“quilombo vem a ser, portanto, o mote principal para se discutir uma parte da cidada-
nia negada” (LEITE, 1999: 141), a inserção de fato de determinados segmentos em
uma sociedade fortemente marcada por hierarquias raciais.
Várias pesquisas realizadas até aqui apontam que a constituição de territórios
negros, no transcorrer e após o desmantelamento do regime escravocrata, se deu a
partir das mais variadas estratégias de resistência mediadas entre conflito e negocia-
ção: o tradicional esconderijo/refúgio; doação testamental por parte do antigo senhor/
estancieiro (chamadas de dádivas ou deixas); compra com pagamento não só em
dinheiro, mas também com trabalho e/ou outros bens; posse de terrenos ‘devolutos’
e impróprios às atividades produtivas dominantes; recompensa por participação em
revoluções. Tais estratégias de territorialização não são mutuamente excludentes.
Pesquisas mais aprofundadas já realizadas em comunidades do Rio Grande do Sul
e o restante do Brasil indicam que áreas recebidas como ‘deixa’, além de abrigarem
negros libertos e alforriados, se constituíam em esconderijos preferenciais para es-
cravos fugidos (LEITE, 2002: 95; ANJOS, 2004: 39).
O processo de resistência de africanidades negra retoma sua força com o sur-
gimento do quilombismo, conjunto de proposições lançado pelo ativista negro Abdias
do Nascimento, o qual permeia o movimento negro a partir dos anos 80. Tal conjun-
to de proposições é impulsionado pelas críticas intelectuais ao mito da democracia
racial vigente no Brasil, pelo movimento dos negros americanos por direitos civis e
pelas lutas anticoloniais da África meridional.
Porém, somente na esteira da intensa mobilização ocorrida por ocasião do
Centenário da Abolição da Escravatura, no ano de 1988, aprova-se na nova Cons-
tituição Federal o Art. 68 - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - onde

359
se inscreveu que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que este-
jam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos”. O que representa um grande avanço no processo
de reparações dos territórios de povos tradicionais no país, em consonância com o
decreto 4.887/03 que regulamenta o procedimento para identificação, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos.
É importante ainda destacar a concepção de reparações que orientou a
intervenção dos movimentos antirracismo internacional e brasileiro nos últimos anos,
o que significou o reconhecimento pelo Estado - baseado nas decisões da III Con-
ferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, realizada em Durban (RSA), no ano de 2001. Naquela
conjuntura, o colonialismo e a escravidão cometidos no passado, foram considera-
dos crimes de lesa-humanidade e que as novas gerações de negros que trazem na
pele as marcas mais evidentes da sua descendência africana, sofrem ainda hoje as
consequências desse crime. A partir dessa conjunção de fatores iniciam alguns mo-
vimentos reparatórios que tem como mote a questão racial e uma agenda efetiva que
reconheçam a importância das comunidades remanescentes quilombolas no país.

QUILOMBOS NO SUL E A DISPUTAS POR TERRITÓRIOS

A história social da colonização no Rio Grande do Sul se caracteriza pela cons-


tante destruição dos territórios de resistência das comunidades negras pela estrutura
fundiária ora dominante.
Destaca-se então que regimes diferenciados de apropriação de recursos con-
solidaram fronteiras étnicas e territorializaram o Rio Grande do Sul. O esvaziamento
com que a literatura sul-rio-grandense apresenta as terras a serem ocupadas por
essas ondas migratórias, sob o termo “apropriação de terras devolutas” registra a
forma como os euro descendentes varreram agrupamentos indígenas e negros do
mapa étnico do Estado. No contexto das disputas pela posse da terra no Rio Gran-
de do Sul, a população africanizada, no nosso entender, propulsora e precursora do
desenvolvimento da economia gaúcha, através de sua utilização no trabalho compul-
sório das charqueadas e nas fazendas gaúchas é uma das principais responsáveis
pela demarcação e guarda das fronteiras limítrofes do país. Ocorre que em poucos

360
momentos da historiografia oficial tem a comunidade negra reconhecida a sua impor-
tância estratégica no processo de formação do Estado.
Os africanos trazidos a região sul eram provenientes de várias nações africa-
nas (Angola, Benguela, Cabinda, Congo, Mina, Moçambique, Monjolo, Nagô, Oyó e
outros), eles trouxeram consigo uma cultura rica e diversificada: religiosidade, prática
de artesanato, cultivo da terra, manufatura, artes, construção. Bem como os saberes
e fazeres na pecuária e em diversos outros ofícios rurais e urbanos. Os seus territó-
rios passam a se constituir desde as primeiras fugas até os processos de emancipa-
ção que começaram em 1884 ( MAESTRI, 2006).
Somente entre os anos 1998 e 2002, foi desenvolvido o primeiro laudo antro-
pológico na comunidade quilombola de Casca, município de Mostardas98. Desta pri-
meira pesquisa exitosa foi assinado o convênio entre a Fundação Cultural Palmares
e a Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social no governo gaúcho para
elaboração de estudos técnicos em: Morro Alto, município de Maquiné e Osório, São
Miguel e Rincão dos Martimianos, em Restinga Seca; Arvinha e Mormaça, em Sertão.
Esses estudos acabaram produzindo uma densa bibliografia publicada através
da linha editorial da UFRGS: comunidades tradicionais99.
Posteriormente, foi criada a legislação estadual que reconhece os direitos qui-
lombolas por dentro da constituição estadual100. O que representou um marco im-
portante para os procedimentos administrativos e judiciais com o apoio científico,
por meio de etnografias e grupos de pesquisas antropológicos das universidades
federais. Observa-se que o envolvimento destes pesquisadores com os povos tradi-
cionais permitiu, especialmente a partir da utilização da história oral101, cartografias
como fonte de pesquisas, que as comunidades tradicionais se tornassem protagonis-
tas em processos emancipatórios. Segundo os últimos dados do Incra/RS temos no

98 Vide: Leite, Ilka Boaventura. O legado do testamento: a Comunidade de Casca em perícia.


Porto Alegre: Editora da UFRGS; Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.
99 Barcellos, Daisy Macedo de [et al.]. Comunidade negra de Morro Alto: historicidade, identi-
dade e territorialidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Fundação Cultural Palmares, 2004; Anjos,
José Carlos Gomes dos [et al]. São Miguel e Rincão dos Martimianos: ancestralidade negra e direi-
tos territoriais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
100 Lei n° 11.731, de 09 de janeiro de 2002 e Decreto 41.498 de 25 de março de 2002.
101 A oralidade tem sido veículo de resgate da história africana e dos quilombos. Muito embora
também devamos considerar a possibilidade da história oral funcionar como um elemento da afri-
canidades haja vista que a população negra também teve negado o acesso a escolarização e ao
aprendizado da escrita.

361
momento noventa e nove processos abertos para reconhecimento dos territórios ne-
gros. Quatro territórios titulados e referidos acima. Treze com Portarias de Reconhe-
cimento da Presidência do INCRA, vinte e dois Relatórios Técnico de Identificação e
Delimitação. E possui trinta e quatro Relatórios Antropológicos produzidos, com doze
Relatórios esperando elaboração de RTIDs, e sessenta e cinco processos parado
aguardando condições financeiras, operacionais. O que demonstra que a temática
permanece em disputa política e conceitual. Sob a perspectiva da ciência sua contri-
buição é no sentido de alargar o espaço de representação política, tanto nos sensos
de justiça, como na emergência das experiências quilombolas como mais uma mo-
dalidade educativa a contribuir nas arenas de políticas públicas.
Na contemporaneidade, podemos afirmar que esse movimento da relação en-
tre os processos de territorialização e a demarcação/reconhecimento da identidade
quilombola constitui um “campo” de pesquisa (BORDIEU, 2004). Ou ainda, a identi-
dade emerge a partir da afirmação dos sujeitos políticos que se organizam, como for-
ma de reação a processos de violência física e simbólica que colocam coletividades
em ameaça. Ao analisar essa temática, geralmente parte-se da premissa de que
temos um passado glorioso que testemunha nossa humanidade. Por exemplo, as
pessoas pensam que todos os quilombos foram resultados de lutas históricas. E esta
é apenas uma perspectiva que ficou presa no passado colonial. Para ser exato, não
há nenhuma identidade quilombola que possa ser designada por um único termo, ou
que possa ser nomeada por uma única palavra; ou que possa ser subsumida a uma
única categoria. Ela é constituída, de variantes formas, através de uma série de práti-
cas subjetivo-objetivas como um campo de batalha operando com base nas relações
de força manifestadas dentro dos grupos de poder e de decisão, níveis de discurso,
imagem que informam o campo ideológico de uma dada cultura (BORDIEU, 2007). A
crítica até aqui não é contra o pertencimento, mas contra o preconceito que designa
a esse grupo um status inferior.
Na atualidade, esta identidade é bastião de suas lutas pelo reconhecimento de
direito ao território via ancestralidade. Ela afirma-se na representação política forjada
nas organizações que presidiram seus pleitos de estudos pela demarcação e titula-
ção dos territórios quilombolas. Assim, os usos de recursos e os saberes desenvolvi-
dos sobre o território e elaborados ao longo do tempo constroem sua representação

362
de territorialidades negras (ACEVEDO e CASTRO,1993).
O que nos cabe enquanto pesquisador é captar os elementos de africanidades
resistentes que constituem o espaço vivido nestes territórios. Na pesquisa de dou-
toramento, pude entender os significados, os recursos, as estratégias de resistência
que vão emergindo no campo. Ao retomar a memória quilombola como pano de fun-
do, destaco alguns aspectos de suas resistências.

MEMÓRIAS QUILOMBOLAS: AFRICANIDADES EM RESISTÊNCIAS

O estudo da cultura quilombola com dinâmicas africanas nos reporta a metáfo-


ra da casa, onde a porta funciona como um percurso de entrada/saída para as várias
dimensões de uma construção ontológica. Os elementos de africanidades que vão
se constituindo ao longo do percurso histórico que tem início em África e se prolonga
nas várias experiências negras pelo mundo. Uma perspectiva diaspórica que consi-
dera os elementos da epistemologia, da política, cultura e história que nos formam.
E constitui outras narrativas que estão ligadas a natureza material, cultural, espiri-
tual, no espaço vivido da comunidade. Uma dinâmica que representa elementos das
africanidades que estão na origem da memória quilombola e se dá por meio de: a)
rodas de conversa: rodar, circular, dialogar, ouvir/falar, aprender/ensinar, enquanto
ferramenta de compreensão, interpretação do mundo das coisas, das narrativas e
metáfora contadas que são passadas de geração em geração. Funciona como ca-
minho para reatar o fio da história que foi rompido pela colonização. O caminho é
através do diálogo de sabedoria, pelos mais velhos, adultos, jovens e crianças que se
encontram presentes nas rodas de conversa. Muitas vezes, pode ser utilizado como
recurso metodológico para avançar na pesquisa, e assim, estabelecer os vínculos
necessários à dimensão existencial, social, educacional da comunidade quilombola.
A ponta do fio está com os mais velhos, agora será preciso passar às gerações
mais novas para que a memória não se perca, a história quilombola não se esvazie.
Será necessário retornar ao passado para reencontrar os pontos que ligam o fio e
não se perder no labirinto de informações do presente, tendo como linha condutora a
memória histórica. Paulinho da Viola atualiza essa relação com a seguinte rima: “Não
sou eu que vivo no passado / é o passado que vive em mim”.

363
A roda de conversa serve também como uma tática política para constituir o
acesso a uma educação que vem de casa e se prolonga na escola. Ao considerar a
educação enquanto processo de aprendizagem que brota da casa e território quilom-
bola por meio das práticas, saberes que se fortalecem através da “roda de conversa”.
Paulo Freire conceitua de círculo de cultura em suas diversas experiências educativa
(FREIRE, 1978). Numa dimensão educativa que relaciona os tempos/espaços da
casa/escola; ensino/aprendizagem; professor/aluno, história/vida no qual a dinâmica
de estudo se faz com o protagonismo das comunidades estudadas. Em que a edu-
cação é organicamente ligada à cultura quilombola do campo, e pode emergir numa
nova relação de forças e servir como instrumento eficaz para formulação do projeto
político pedagógico e formação continuada de professores. O ponto de partida e
chegada da educação passa necessariamente pela experiência da comunidade, com
suas práticas pedagógicas e sociais. Em síntese, um percurso pedagógico capaz de
retroalimentar esta memória, através das rodas102 que recupera uma das direções
das africanidades. b) A dimensão das narrativas103: torna-se um recurso pedagógico
em que as comunidades quilombolas têm buscado recuperar um saber historicamen-
te sedimentado pela memória e que passa de geração em geração. Não de manei-
ra estática, mas dialeticamente, articulado aos aspectos culturais e simbólicos que
orientam suas vidas. É um processo fazedor do mundo, bem como um recurso reve-
lador do mundo. A realidade e o significado das histórias contadas geram a busca por
uma nova voz que tem no horizonte a justiça.
Pedagogicamente falando, essas narrativas e metáforas não são respostas
prontas para pensar uma educação quilombola, mas se tornam insights para trazer
à tona a memória rebelde do grupo que se orienta pelos elementos de eticidade e
liberdade. Também se apresentam na forma de novos saberes que operam na pers-
pectiva de africanidades e potencializam novas teorias pedagógicas, no intuito de
materializar a educação.

102 A roda é um dos elementos dinâmicos da cultura africana: roda de conversas, roda de sam-
ba, roda de batuque e outras rodas de saberes.
103 História contada por alguém. Narração de acontecimentos, ações, fatos ou particularidades
relativas a um determinado assunto. (Dicionário Aurélio, Editora Positivo,2010).

364
Para José Carlos dos Anjos, a premência primeira que rege a estruturação des-
sas narrativas é uma tentativa de recolocar em ordem o mundo vivido.

Efetivamente, todo o conjunto de narrativas pertinente à fundação de qui-


lombos nos remete para a polarização entre o tempo do cativeiro e o tempo
pós-abolição. Essas narrações nos apresentam um passado amorfo, no qual
se cristaliza um único acontecimento ― desafio à ordem escravista. Esse
desafio constitui o fundamental da esquematização da concepção de justiça
e caráter do povo. [...] a memória coletiva cristaliza uma série de ícones que
opõem a liberdade ao cativeiro, a bondade à injustiça, a submissão ao caráter
(ANJOS, 2004, p. 64).

Essas narrativas nos ajudam a entender a origem do território, configurada


pelo mulato e o desafio da hierarquia racial; o negro negociando na escravidão; e os
senhores brancos seduzindo o grupo ora com regras de justiça, ora como represen-
tação da injustiça. Do ponto de vista pedagógico, o fator determinante é a reflexão
que tal fato provoca. Essas histórias narradas reforçam as experiências coletivas e
práticas de resistência na manutenção de seus modos de vida característicos num
determinado lugar.
Em síntese, ao recontar a história de comunidades quilombolas procura-se ter-
ritorializar as africanidades insurgentes que garantem direitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do quilombo como sinônimo de fuga de escravos ao quilombo como símbolo


resistência, expressão cunhada pelas proposições ativistas de Abdias do Nascimen-
to. O aquilombamento remete para os processos de resistência cotidiana, para possi-
bilidades de negociação dos africanos e seus descendentes. Assim procurei resgatar
processos organizativos dos descendentes de africanos que atualizam, ainda hoje,
diversas formas de reprodução no território direcionada para a sustentabilidade e
sociabilidades fortalecidas pelo parentesco.
Em que a memória coletiva é mantida por meio de narrativas que vão se consti-
tuindo como amálgama para enfrentar os desafios deste contexto de exclusão racial.
Ao contar histórias, mais importante que o seu conteúdo é o fato de que durante o
processo de interpretação, a força dramática da narrativa é celebrada como forma. O
conteúdo simples das histórias é dominado pelo ato ritual da narrativa em si mesma.

365
Todavia, esses relatos do cotidiano também são formas políticas de expressar espa-
ços vividos da cultura quilombola. Elas enfatizam os pontos de interseção e a consti-
tuição de um pensamento plural em contraposição a um pensamento único; ao tratar
da cultura negra e a negritude. Tudo isso para compreender as africanidades como
um repositório no qual a consciência da cultura tradicional possa ser condensada em
formas ainda mais potentes.
Nos quilombolas, o status de escravizados para o status de cidadãos os levou a
indagarem quais seriam as melhores formas possíveis de existência social e política.
A memória da escravidão, ativamente preservada como recurso intelectual vivo em
sua cultura expressiva, ajudou-os a gerar um novo conjunto de respostas para essa
indagação. Eles tiveram de lutar, muitas vezes por meio de sua fé, para manterem a
unidade entre a ética e a política (GILROY, 2001, p. 99). O artigo aponta para uma
história quilombola que tem sua raiz nas africanidades resistentes, mas não se apre-
senta como única. Os processos de enunciação fortalecem experiências coletivas na
manutenção de suas culturas, reivindicações e lutas sociais em reconhecimento de
seus territórios.
Com estas considerações, as narrativas atualizadas continuam tendo funções
importantes a cumprir na constituição dos territórios negros. Hoje podemos afirmar
que é para não perder essa memória que constituem valores civilizatórios africanos
que são incorporados pela educação em diferentes espaços da sociedade brasileira.

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368
10.48209/978-26-CAMPO6-7-2

A BNCC E A GEOGRAFIA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA:

AS ESCOLAS DE COMUNIDADES

RURAIS DE RESTINGA SECA/RS


Altair Groff104
Angelita Zimmermann105
Ane Carine Meurer106

104 Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGGEO/


UFSM. E-mail: [email protected].
105 Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGGEO. E-mail:
[email protected]
106 Doutora em Educação, Docente no Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPG-
GEO/UFSM. E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), como documento estrutu-


rante da matriz curricular do ensino fundamental e médio, tem um papel fundamental
no currículo de escolas do campo ou da cidade. Este texto107 objetiva discutir a reso-
lução em vigor, desde 2017, e sua relação com os processos de ensino e de aprendi-
zagem da área das ciências humanas, mais especificamente da Geografia, com base
em duas escolas do campo do município de Restinga Seca, no Rio Grande do Sul.
Em abordagem qualitativa, fundamenta-se em teóricos e dados da pesquisa de
campo realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental Olmiro Pulmann Cabral
(EEEF) e a na Escola Municipal de Ensino Fundamental Manuel Albino Carvalho
(EMEF), as quais funcionam nas localidades do Silêncio e São Miguel dos Carvalhos,
respectivamente, além do uso de fotografias e entrevistas em forma de diálogo.
Entre os principais fundamentos de análise estão os de Luiz Carlos de Freitas,
por meio do livro A Reforma Empresarial da Educação, Nova direita, velhas ideias
(2019); a Resolução108 CNE/CP Nº 2, publicada no dia 22 de dezembro de 2017, que
institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular; o livro de Iara
Vieira Guimarães, intitulado Ensinar e aprender Geografia na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (2018); e os argumentos de José Gimeno Sacristán, discutidos na
obra O que significa o currículo? (2013). Embora seja um ensaio, com reflexões ini-
ciais, a consistência do conteúdo aqui desenvolvido poderá dar suporte e incentivar a
busca por mais estudos e outras perspectivas para o ensino da Geografia no Ensino
Fundamental e Médio.
Compreendemos a problemática educacional que envolve o fechamento de es-
colas rurais como consequência das políticas públicas implementadas no país, uma
delas a BNCC para a Educação Básica que, em suas entrelinhas, reduz a Geografia
ao todo que engloba as Humanas (Sociologia, Filosofia, Geografia e História) em
um componente curricular só, ou seja, desvaloriza a amplitude de conhecimentos já

107 Este artigo se originou das discussões ocorridas na disciplina de Tópicos Especiais em
Geografia D (2020), ministrada pela Professora Ane Carine Meurer, no Curso de Doutorado em
Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO), da Universidade Federal de
Santa Maria, a qual teve como base a BNCC – Base Nacional Comum Curricular.
108 Ver em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=-
79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192 . Acesso em 10 de mar.
2021).

370
sistematizados, assim como o ensino e o trabalho de educadores que tiveram uma
formação e profissionalização especifica que possa constituir a articulação com as
demais. Portanto, a partir do olhar dos autores mencionados, defendemos a discipli-
na de Geografia, no Ensino Fundamental e Ensino Médio, argumentando em favor da
manutenção das escolas do campo e do trabalho destes profissionais da educação.

FICOU A RESISTÊNCIA: DUAS DAS SETE ESCOLAS NO CAMPO DE


RETINGA SECA/RS

As Escolas do Campo constituem resistências nas comunidades que dela par-


ticipam. São apropriadas ao acolhimento da cultura de crianças e juventudes que
ainda trazem o brilho de uma perspectiva de vida condizente à de seus pais, irmãs,
irmãs, vizinhos, vizinhas, amigos e amigas. Estas escolas são fontes objetivas e sub-
jetivas que alimentam, valorizam e materializam o saber constituído pelas pessoas
do lugar. São espaços de ensino e de aprendizagem recíproca de conhecimentos e
discernimentos ao compartilharem desafios, anseios, brincadeiras, canções, danças,
festas, amizades e tradições.
Contudo, no município de Restinga Seca, no centro do Rio Grande do Sul,
somente sete, das 62 (sessenta e duas) escolas que existiam, continuam em fun-
cionamento no campo. Neste texto, destacaremos duas: Escola Estadual de Ensino
Fundamental Olmiro Pulmann Cabral e a Escola Municipal de Ensino Fundamental
Manuel Albino Carvalho.
Quais as justificativas da gestão pública federal, estadual e municipal para o
progressivo fechamento destas instituições?
Freitas (2017) defende que fechar escolas é um projeto deflagrado nas legisla-
ções do país, a começar pela BNCC (2017), que orienta a educação básica brasileira,
destacando o modo sutil e progressista colocado na lei, “[...] é esta visão social que
também embasa as “soluções” propostas pela engenharia da reforma empresarial na
educação. Pensando a escola como uma “empresa”, as escolas de menor qualidade
devem sucumbir às de maior qualidade, sendo fechadas.” (FREITAS, 2017, p. 28).
Segundo o autor, as formas de manipulação institucionalizadas nos documentos le-
gais levam ao fechamento e são contundentes:

Impedir os processos de organização social dos mais desfavorecidos; não


transferir impostos para os menos favorecidos e barrar os processos de re-

371
distribuição de renda; destruir a organização dos trabalhadores, a atuação
dos sindicatos e confederações; destruir a atuação e organização dos mo-
vimentos que lutam pelos direitos humanos; atuar contra os imigrantes e
contra ações de preservação do meio ambiente; desregulamentar a atuação
das corporações; privatizar tudo que for possível; propor formas de proteção
constitucional quase que irrevogáveis, que evitem o impacto de eventuais
decisões contrárias ao livre mercado, entre outras. Tudo isso em alto e bom
som (FREITAS, 2017, p. 28).

Em concordância e decorrência, os decretos municipais instituíram em sua ação


– Decretos de desativação e extinção das escolas do campo - o Decreto Nº 26/2002
delineou a extinção de 43 escolas no Município de Restinga Seca/RS. Desde os
decretos de 1987, e nos anos sucessivos, vem sucedendo um processo legislativo
de desativação das escolas neste município, bem como em todo o país e América
Latina. O estudo de mestrado de Groff (2016) sistematizou uma histórica desterrito-
rialização que comprova essa política de fechamento, conforme a discussão feita por
Freitas (2017).

A pesquisa de Groff (2016) demonstra a desativação de 55 escolas do campo


que deixaram de existir nas comunidades do município de Restinga Seca/RS, e as
consequências à vida camponesa destes lugares, entre elas, a Escola Cândido A.
Fagundes, como podemos ver na Figura 1, a seguir:

Figura 1 – Escola Desativada Cândido A Fagundes - Rincão dos Martimianos

Fonte: autor, 2020

372
O prédio da Escola Cândido A. Fagundes, localizado no Rincão dos Marti-
mianos, constituía um território escolar e comunitário, cujo o fechamento ocasionou
a necessidade de transporte a outros lugares onde funcionam escolas, inclusive de
crianças da Educação Infantil, com idades entre 4 anos a 5 anos e 11 meses. Esta
escola com infraestrutura adequada, quatro salas aula, próxima à área urbana, pode-
ria estar ativa pelo menos até o 4º ano de escolarização destes estudantes.
Como mencionamos, das 62 escolas do perímetro rural do município, perma-
necem em funcionamento apenas 07 escolas, sendo duas estaduais e cinco munici-
pais. Neste texto, referendamos somente duas (Figuras 02 e 03) em atividade, sendo
uma municipal e outra estadual. Em 2019, salienta-se que 40% da população de
Restinga Seca estava assentada no campo, ou seja, do total de habitantes, 6.745 no
âmbito rural e 8.669 na área urbana (SEBRAE, 2020, p. 10).
Significa dizer, sobretudo, que para que o poder público concretize as imposi-
ções legais para a educação brasileira tem recorrido às políticas que possam remediar
os problemas, isto é, o transporte escolar torna-se uma necessidade aos municípios
do país e, ao mesmo tempo, precisa ser batalhado pelas populações camponesas
como um direito das crianças, jovens e adultos. Portanto, há uma inversão de valores
já que este não deveria se constituir em direito substitutivo das escolas que existiam
nestes territórios.
Ferreira e Brandão (2017) advertem sobre o transporte de estudantes para os
centros urbanos.

Não seria menos desgastante, física e psicologicamente, para os alunos do


campo, estudar nas escolas do campo, próximas às suas residências, de-
senvolvendo conhecimento sobre a realidade nacional, regional e local, res-
peitando suas peculiaridades – terra, produção e comercialização – do que
se deslocarem por muitos quilômetros, desde a madrugada, cansados, em
veículos muitas vezes inaptos, para estudarem em local distante de seu terri-
tório? (FERREIRA e BRANDÃO, 2017, p. 81).

Em Restinga Seca, observamos que as escolas que permanecem com ativi-


dades escolares estão centradas num perímetro rural em que circunvizinham co-
munidades como São Miguel Novo, São Miguel dos Carvalhos, Santa Rosa, Lomba

373
Alta e Silêncio, o que dinamiza um movimento de resistência entre os sujeitos e as
instituições de formação. Nas demais localidades, duas das escolas que estão em
atividade, localizam-se em pontos mais distantes da cidade, ou seja, na comunidade
do Jacuí e da Colônia Borges.

O território camponês é o espaço de vida do camponês. É o lugar ou os luga-


res onde uma enorme diversidade de culturas camponesas constrói sua exis-
tência. O território camponês é uma unidade de produção familiar e local de
residência da família, que muitas vezes pode ser constituída de mais de uma
família. Esse território é predominantemente agropecuário, e contribui com a
maior parte da produção de alimentos saudáveis, consumidos principalmente
pelas populações urbanas. (FERNANDES, 2012, p. 744).

As escolas do campo de Restinga Seca buscam incentivar os jovens à constru-


ção dos conhecimentos e oportunidades de escolha em dar continuidade às ativida-
des da agricultura. Nas duas em abordagem, existem muitas dificuldades, porém o
sentimento da equipe de professores em realizar um trabalho significativo é contínuo
e motivador.
Reconhecemos a vivência de um ano atípico, histórico de pandemia, em decor-
rência da Covid-19, em que as restrições são inerentes aos processos de ensino e de
aprendizagem das escolas. Porém, são sete escolas no campo nestes municípios,
algo a ser considerado e defendido para a manutenção destas e das crianças e dos
profissionais da educação em suas comunidades.
Explicitamos a seguir duas escolas que seguem ativas nas comunidades, como
mencionamos, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Manuel Albino Carvalho109,
conforme a figura (2):

109 Durante a pesquisa de campo tivemos a satisfação em encontrar um aluno egresso da


Universidade Federal de Santa Maria/RS, que residiu na Casa do Estudante (CEU/02) no mesmo
período em que um dos autores deste artigo, sendo atualmente professor e diretor da EEEF Olmiro
Pohlmann Cabral do Silêncio, e com atuação constante e comprometida com os estudantes, com
a escola e com a comunidade, com o território.

374
Figura 2 – Escola Municipal de Ensino Fundamental Manuel Albino Carvalho

Fonte: autor, 2020

Nesta escola estiveram matriculados 103 (cento e três) estudantes em 2020,


nos turnos manhã e tarde, na Educação Infantil e Ensino Fundamental, conforme o
Quadro 1, abaixo:

Quadro 1: Matrículas da EMEF Manuel Albino Carvalho

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 8º
Modalidades PRÉ A PRÉ B
ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO

Números de
10 05 17 07 10 08 11 06 07 10 11
alunos

Turno T T M M M T T T T M M

Fonte: EMEF Manuel Albino Carvalho e Secretaria Municipal de Educação do município, 2020.

Conforme a Figura 3, trazemos a segunda instituição em atividade, a Escola


Estadual de Ensino Fundamental Olmiro Pohlmann Cabral, da localidade de Silêncio,
em Restinga Seca/RS. Nesta estiveram matriculados somente 13 (treze) alunos em
2020, como podemos ver em posterior Quadro 2.

375
Figura 3 - Escola Estadual de Ensino Fundamental Olmiro Pohlmann Cabral

Fonte: autor, 2020

Quadro 2: Matrículas da EEEF Olmiro Pohlmann Cabral

Modalidades 2º ANO 3º ANO 4º ANO

Números de alunos 03 07 03

Turno M M M

Fonte: Direção da EEEF Olmiro Pohlmann, 2020



A figura 4, abaixo, mostra a entrega do material pedagógico escolar feita pelo
Professor João Carlo Dias Trindade e a equipe de trabalho da Escola Municipal Ma-
nuel Albino Carvalho nas casas dos estudantes, em tempo de distanciamento social,
decorrente da Pandemia.

376
Figura 4 – Entrega de material aos estudantes, durante a Pandemia

Fonte: autor, 2020

E, junto à equipe de professores que entregava os materiais, estava mais um


egresso da UFSM, do Curso de Educação Especial, o Professor Adriano Zinn. Este
educador relatou que trabalhar na escola do campo, especificamente na EMEF Ma-
nuel Albino Carvalho, “é agradável e significativo”, pois os pais são interessados, os
alunos estão constantemente buscando auxílio, ajudando nas atividades propostas e
que, inclusive durante a Pandemia, mesmo que em muitas localidades não haja sinal
de telefonia e internet, os responsáveis receberam o material com atividades escola-
res em casa com entusiasmo e interesse.
Freitas (2017) disserta que o Estado mínimo está na base das atuais legisla-
ções, e que mesmo que o teor legal se pareça defensável dos alunos, dos trabalha-
dores, dos oprimidos da sociedade capitalista, o que se visualiza são políticas de res-
trição de recursos destinados à educação superior que teve suas vagas estagnadas

377
durante mais de 30 anos, isto é, de 1964 a 2005, foi impossibilitado que mais estu-
dantes, especialmente os camponeses, concorressem às vagas nas universidades.
Freitas (2017) vem e se manifestando, juntamente com profissionais da edu-
cação, sociólogos, entre outros, em defesa do contraditório em relação ao fechar es-
colas no campo. Ao analisar a BNCC, este autor tem contribuído com elucidações e
proposto alterações, inclusive na elaboração de uma outra BNCC mais comprometi-
da e voltada aos interesses da população estudantil, especialmente aos que estudam
em escolas públicas.

Neste caminho, o indivíduo cria para si uma narrativa na qual se vê como


parte do mercado e, portanto, competindo com seus semelhantes pelo seu
próprio sucesso, que só dependeria dele mesmo. Empurrado pelas altera-
ções nas regras das relações trabalhistas, o livre mercado passa a ser a única
possibilidade de que ele exercite a sua “liberdade” de ser bem-sucedido – em
confronto com seus semelhantes – sem interferências do Estado (e dos sin-
dicatos). Ao eliminar direitos sociais, transformando-os em “serviços a serem
adquiridos”, o neoliberalismo derruba a proteção social, que tornou o traba-
lhador mais exigente (e mais caro) frente ao empresário – exatamente por
contar com proteção social do Estado (p. ex. saúde, educação, previdência,
leis trabalhistas). Desprotegido, o trabalhador acaba por ser obrigado a acei-
tar as imposições do mercado. (FREITAS, 2017, p. 24110)

Quais alternativas tem a classe trabalhadora frente a essa realidade? Com-


preendemos que haja comprometimento de intelectuais orgânicos, pensadores e
instituições públicas que buscam a defesa de uma educação pública, gratuita e de
qualidade que seja dos (e para os) povos tradicionais e filhos de trabalhadores que
estão subjugados pelo capital. Contudo, essa luta, que é também dos sujeitos sociais
do campo, precisa ser contínua e coletiva com o propósito de fecundar e desenvolver
um projeto social emancipatório e sustentável, sem o comprometimento com o mer-
cado e sua competitividade.
É importante salientarmos os diversos movimentos contínuos de luta e resistência
de povos tradicionais existentes no Brasil e América Latina que articulam projetos
buscando condições de vida digna para coletivos e para o planeta, por exemplo, o
Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) que luta por terra, educação e vida,

110 Conforme Freitas (2017), isso, associado às alterações tecnológicas no interior da produção
e à guerra contra as centrais sindicais e movimentos sociais, compõe o cenário de contraposição à
queda nas taxas de acumulação de riqueza.

378
e a ASSESSOAR - Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (2020),
com sede em Francisco Beltrão/PR, que sem movimenta em defesa do não fecha-
mento de escolas no campo, como podemos observar na figura 05:

Figura 5 – Campanha do Assessoar juntamente com os MST

Fonte: Assessoar, 2020

Freitas (2017, p. 12) questiona sobre “qual agenda está embutida na BNCC? O
que significa este movimento mundial que proclama reformas para que a educação
seja de qualidade para todos? Qual qualidade? Quem são estes reformadores?”. Em
relação à aplicabilidade dos recursos públicos, o autor critica as chamadas escolas
charter, salientando que “quando um aluno deixa uma escola da comunidade e vai
para uma escola charter, sua parcela de financiamento proporcional vai com ele,
enquanto o distrito continua sendo responsável por muitos custos que esses fundos
apoiavam” (FREITAS, 2017, p. 55).
Conforme o autor, as escolas charter estão em ação em algumas cidades do
nordeste brasileiro, cuja ideologia se origina dos Estados Unidos. Ocorre que as em-
presas americanas (ou de países em que elas estiverem implantadas) se beneficiam
dos recursos públicos do nosso país, levando para as escolas charter alunos das
escolas públicas, através da oferta de bolsas de estudos, para então tais empresas
multinacionais obterem recursos públicos ou amortizações nos Impostos de Renda.

379
A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E A GEOGRAFIA

Como dissemos, a Geografia sistematizada como ciência humana e compo-


nente curricular está colocada na Base Nacional Comum Curricular (2017) no âmbito
que envolve as Humanas (Sociologia, Filosofia, Geografia e História).
Conforme Sacristán (2013), a intencionalidade de desenvolver uma educação
emancipatória fica comprometida e difícil de se realizar perante às contradições e
os interesses de corporações financeiras e empresas multinacionais empenhadas
usufruir da sociedade dividida em classes e em manter uma parcela significativa com
o papel de trabalhar para a classe hegemônica. Nesta perspectiva, tem-se que as
eleições continuam sendo vencidas por partidos que defendem o capital, em detri-
mento daqueles que poderiam projetar e desenvolver políticas públicas advindas das
necessidades e significados dos sujeitos que se movimentam, resistem e lutam por
educação e pela produção de bons alimentos e em defesa da biodiversidade e da
soberania alimentar nos territórios em que (re)produzem suas vidas.

A persistência e o aumento das desigualdades entre indivíduos e os povos, a


degradação do meio ambiente, o esgotamento dos recursos não renováveis,
os perigos impostos pela técnica e pela ciência desvinculada de valores, mo-
rais (o desenvolvimento de armas, a manipulação genética) começam a pôr
em dúvida a ideia de progresso na qual o binômio tecnologia-ciência se apoia
(SACRISTÁN, 2013, p. 33).

Retomando as indagações iniciais, precisamos articular a estas, as questões


que fundamentam a Base Nacional Comum Curricular. Na BNCC (2017) e o ensino
da Geografia, dispostas nesta resolução, visto que, conforme demonstrado nas pági-
nas 359 a 394 do documento, do 1º ano ao 9º do Ensino Fundamental, as unidades
temáticas são todas com o mesmo formato, colocadas conforme a Figura 6, abaixo:

380
Figura 6 - Relação Unidades Temáticas e Objetos do Conhecimento da Geografia –
7º ano

Fonte: BNCC, 2017, p. 386.

Como podemos observar, em cada unidade temática apresentada consta o


objeto de conhecimento a ser desenvolvido em cada ano escolar. Entretanto, como
podemos verificar, esse objeto se repete da mesma forma às demais disciplinas,
trocando-se somente o conteúdo do Componente Curricular e as Habilidades corres-
pondentes. Isso comprova a desvalorização dos conhecimentos específicos e das
particularidades interdisciplinares que possam possibilitar uma transdisciplinaridade
do saber/conhecimento.
As incongruências e inconsistências encontradas na BNCC, destacadas por es-
tes estudiosos, compreendem o todo do documento, como indica Guimarães (2018).
A autora ressalta que o texto inicial que apresenta a proposta é demasiado curto, não
chegando a dez páginas, e que embora seja destinado a evidenciar os fundamen-
tos, os objetivos, os conceitos e as unidades temáticas que sustentam a estrutura

381
curricular apresentada, demonstra somente um tecnicismo exacerbado. Afirma ainda
que, embora o documento tenha sinalizado um importante problema como o da desi-
gualdade social que, de acordo com a UNICEF (2018), 32 milhões (61%) de crianças
e adolescentes brasileiros são afetados de alguma forma com a pobreza, seria ne-
cessário ultrapassar a necessidade de mudanças técnicas do ensino, mas planejar a
realização de mudanças políticas no país.
Em concordância, Freitas adverte que é preciso resistir por uma BNCC que
seja pensada pela base.

Lutar pela revogação da Base Nacional Comum Curricular atual (fundamental


e médio), substituindo-a por outra, que seja uma referência para os Estados,
construída com os educadores e com os pais, bem como revogar a Lei da
Reforma do Ensino Médios (FREITAS, 2017, p. 144).

O autor defende que a BNCC (2017) foi discutida por alguns anos, porém quan-
do o Vice-Presidente Michel Temer assumiu o governo federal, a comissão encarre-
gada de organizar o processo, no Governo Dilma, foi destituída e uma nova cons-
tituída. A partir disso, em num período bastante exíguo, a Resolução foi publicada
atendendo às políticas do Ministério da Economia: privatizar instituições públicas o
máximo possível, destituir as instituições públicas, implantar o estado mínimo, buscar
modelos e formas em outros países, como o Chile e os Estados Unidos, sem consi-
derar a realidades educacional e social do Brasil.
Faz-se urgente e necessário confrontarmos, contradizermos e buscarmos uma
Educação Pública com uma BNCC condizente ao proposto pela Lei 9394/1996, ou
seja, que possa dar suporte para cada componente e área do conhecimento, assim
como à disciplina de Geografia e que possa ser ministrada dentro da área humana
correspondente em conjunto com as demais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Base Nacional Comum Curricular destinada à Educação Básica tem um pa-
pel preponderante no currículo do Ensino Fundamental e Médio, seja em escolas do
campo ou da cidade. Em análise reflexiva este foi um ensaio sobre o tema, mas que
pretende abrir novas discussões em relação a esta resolução, em vigor desde 2017,
e sua relação com os processos de ensino e de aprendizagem da Geografia.

382
As duas escolas do campo do município de Restinga Seca, no Rio Grande do
Sul, em destaque no texto, continuam em atividade como resistência camponesa
contra as incisivas imposições do mercado que não mede esforços para fechá-las.
Desse modo, a continuidade da Escola Olmiro Pulmann Cabral e da Escola Manuel
Albino Carvalho faz parte do grande desafio que se impõe no sentido de uma educa-
ção que possa atender efetivamente os sujeitos em seus lugares de vida.
O conhecimento geográfico tem sido uma epistemologia fundamental para pos-
sibilitar que os sujeitos em formação reconheçam o território como um espaço a ser
produzido pela luta coletiva, conforme as necessidades comuns de camponeses,
que seguem resistindo aos desafios e contradições do agronegócio. A apropriação
destes conhecimentos, em processos de ensino e de aprendizagem em escolas do
campo, pode ser um modo efetivo para que as comunidades em movimento possam
fortalecer o lugar e a função social da escola, na direção da continuidade e do não
fechamento de escolas como estas, em Restinga Seca/RS.
Mais que pedagógica, a Base Nacional Comum Curricular precisa assegurar
politicamente quais epistemologias específicas da Geografia serão capazes de con-
tribuir para a territorialização das escolas e dos sujeitos do campo. Compreendemos
a questão educacional que envolve o fechamento de escolas e a consequente des-
territorialização de saberes, conhecimentos, valores comunitários, produção de bons
alimentos e continuação da humanidade, como consequência das políticas públicas
implementadas no país.
Defendemos a Geografia como disciplina a ser ministrada no Ensino Funda-
mental e Ensino Médio e que seja tema de discussão nas abordagens das institui-
ções de ensino superior de modo a potencializar espaços públicos que articulam ter-
ritório, educação e dignidade humana. A luta continua, a começar pela revogação da
BNCC em vigor e a constituição de outra que seja produzida pela base, pela classe
trabalhadora.

REFERÊNCIAS

BNCC - Base Nacional Comum Curricular. Resolução CNE/CP nº 2. Ministério


da Educação.  Publicada a. dia 22 de dezembro de 2017. Disponível em: http://por-
tal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp-
002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 10 de

383
mar. 2021.

ASSESSOAR, FEDEL, André de Souza et al. Educação do Campo: direito nosso,


dever do Estado! ASSESSOAR, Francisco Beltrão, Paraná. 2020. Disponível em:
https://assesoar.org.br/ educação-do-campo-direito-nosso-dever-do-estado/. Acesso
em: 22 de Jan. 2020.

FERREIRA, F. de J.; BRANDÃO, E. C. Fechamento de Escolas do Campo no


Brasil e o Transporte Escolar entre 1990 e 2010: na contramão da Educação do
Campo. Imagens da Educação, v, 7, n. 2, p. 76-86, 2017.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Território camponês. In: CALDART, Roseli Sa-


lete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. (Orgs.).
Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, p. 744-747, 2012.
FREITAS, Luiz Carlos de. A REFORMA EMPRESARIAL DA EDUCAÇÃO: Nova
direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

GROFF, A. Desterritorialização das Escolas do Campo no município de Dona


Francisca/RS. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Santa Maria, Pro-
grama de Pós-Graduação em Geografia – PPGGEO, 2016.

GUIMARÃES, Iara Vieira. Ensinar e aprender Geografia na Base Nacional Comum


Curricular (BNCC). Ensino Em Re-Vista, Uberlândia, MG, v. 25, nº Especial, p.
1036-1055, 2018

BRASIL. Secretaria de Educação. Parâmetros curriculares nacionais: geografia


Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF, 1998.

SACRISTÁN, José Gimeno. O que significa o currículo? In: Saberes e Incertezas


sobre o Currículo (recurso eletrônico). Org.: José Gimeno Sacristán. Porto Alegre:
Penso, 2013.

SEBRAE: Perfil_Cidades_Gauchas-Restinga_Seca.pdf – SEBRAE 2019. Disponível


Inhttps://datasebrae.com.br/municipios/rs/Perfil_Cidades_Gauchas-Restinga_Seca.
pdf, Acesso em: 14 nov 2020

384
10.48209/978-27-CAMPO6-7-2

NOTAS DE UMA ETNOGRAFIA


DA PEDAGOGIA DOS POVOS
ATINGIDOS POR BARRAGEM: UMA
EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO DO
CAMPO NO AGRESTE PARAIBANO111
Givanilton de Araújo Barbosa112

111 Apresentei este estudo no “I seminário nacional de educação popular e movimentos sociais
do campo: V encontro de pesquisas e práticas em educação do campo da Paraíba” realizado no
Centro de Educação da UFPB, no ano de 2019. Sua primeira versão teve o título:estudo antropoló-
gico acerca da “pedagogia dos povos atingidos” por barragem. Já o presente conteúdo se refere ao
relatório desta pesquisa onde ampliei a sistematização de dados etnográficos, configurando uma
nova versão dos resultados preliminares.
112 Mestrando em Antropologia e Licenciado em Ciências Sociais pela UFPB. givaniltonbarbo-
[email protected]
1. INTRODUÇÃO

Antes de falar da Pedagogia dos povos atingidos por barragem, gostaria


de destacar brevemente a noção de cultura local neste processo. Um território é
construído socialmente, onde culturas e políticas são produzidas constantemente,
isto é, atividades produtivas à manutenção social resultam numa dinâmica social que
pode modificar tanto os modos de vida social quanto da localidade (GLUKCMAN,
1987).
Quanto ao estudo interpretativo da cultura local, representa um esforço social
para “aceitar a diversidade entre várias maneiras que seres humanos têm de construir
suas vidas no processo de vivê-las” (GEERTZ, 1997, p. 29). Os povos ribeirinhos,
por exemplo, podem apresentar seus próprios modos de vida. No entanto causas e
efeitos permitem criar novas configurações sociais e territoriais.
Geertz (1997, pp. 13-15) afirma que ao abandonar a tentativa de explicar
fenômenos sociais através de uma metodologia que os tece em redes gigantescas
de causas e efeitos, teria que tentar explicá-los colocando-os em estruturas locais
de saber, isto é, “ a cultura é adquirida, os costumes variam, o mundo é composto
por uma variedade de tipos humanos”. Ou seja, a compreensão da diversidade de
culturas implica em considerar um princípio norteador: o da alteridade.
Segundo Geertz (1997, p. 115) o conceito de cultura “implica em analisar o
senso comum e não necessariamente seu exercício, deve, portanto, iniciar-se por
um processo em que se reformule esta distinção com reflexão prévia aos problemas
sociais cotidianos”. E para Velsen (1987):

“A cultura não é meramente um sistema de convicções e práticas formais. É


essencialmente formada por reações individuais a um padrão tradicionalmente
determinado e por variações deste padrão; e, realmente, nenhuma cultura
jamais poderá ser entendida se a atenção especial não for dedicada a esta
variação de manifestações individuais” (p. 355).

Dessa maneira, o estudo antropológico pode permitir identificar as mudanças


em sociedade, ao mesmo tempo leva em conta a alteridade e particularidades das
relações socioculturais e ambientais que foram estabelecidas em um território. Isto
posto, o presente conteúdo se refere a um relatório de pesquisa sobre a Pedagogia
dos Povos Atingidos Por Barragem do Brasil.

386
Trata-te de um estudo etnográfico que analisará a criação e finalidade da
pedagogia dos povos atingidos por barragem; traçará o seu percurso; mapeará as
práticas pedagógicas articuladas ao movimento social, desde seu ponto de vista
histórico, e contextualizará a condição dos atingidos por barragem.
Adotei a abordagem qualitativa como caminho metodológico e sistematizei os
dados etnográficos prévios por meio de uma revisão bibliográfica. Considero como
teoria antropológica para o estudo da cultura local os seguintes autores: (CLIFFORD,
2002), (MALINOWSKI,1978) e (GEERTZ, 1989).
Já o percurso da história do Movimento dos Atingidos por Barragem no Brasil
(MAB, 2005) também faz parte dos passos metodológicos, visando caracterizar tanto
a criação da “Pedagogia dos Povos Atingidos” (MEDEIROS, 2010) quanto a formação
da Política Educacional do MAB (2005).
Outro passo metodológico importante é o estudo dos princípios da Educação
do Campo (BRASIL, 2010), (CALDART, 2004) e (MANÇANO e MOLINA, 2004),
articulados ao conceito de Movimentos Sociais (GONH, 1995), enquanto ações
coletivas para entendimento da realidade social da população pesquisada. Em suma,
aponto três terrenos etnográficos (BARBOSA, 2017) que são aspectos sociais de
cada contexto da pesquisa, identificados nesse primeiro momento.
Ao assinalar a pedagogia dos povos atingidos do MAB (2005) aponto a questão
local da implantação do Movimento dos atingidos por barragem nas comunidades
atingidas pela barragem de Acauã no ano de 2000, que envolve as comunidades
Cajá e Melancia do município de Itatuba, comunidade da Costa de Natuba e Pedro
Velho de Aroeiras, agreste do Estado da Paraíba.
Há também investigação da abordagem do uso pelo MAB da concepção de
Educação do Campo (CALDART, 2009), adotada pelo Movimentos dos Atingidos por
Barragem (2005) para a formação e organização coletiva do movimento da população
atingida de Acauã.
A justificativa desta pesquisa se concentra na identificação de novas práticas
educativas associadas aos movimentos sociais na cultura local, se configurando em
uma região enquanto demanda. Haja vista, tais novas práticas educativas, ligadas à
políticas educacionais, resultam de novas demandas sociais, diante de uma sociedade
cada vez mais globalizada e em constante mudança, especialmente atreladas às

387
populações do campo atingidas por barragem.
Diante do exposto, resta saber: enquanto política pública de educação do
movimento dos atingidos por barragem do Brasil, como se constituiu a Pedagogia
dos povos atingidos por barragem nos reassentamentos atingidos de Acauã?

2. MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

Conforme discutido em Gohn (2011, p. 333) os movimentos sociais sempre


fizeram parte da construção das sociedades, pois são mecanismos vitais ao proces-
so de mudança do meio social. São, portanto, um dos meios de conversão de uma
sociedade em uma nova realidade a partir da ação coletiva:

“Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas


por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
politizam suas demandas e criam um campo político de força social na so-
ciedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações
desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade
coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade
decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base
referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo” (GOHN,
1995, p. 44).

Neste sentido os movimentos sociais se caracterizam, sobretudo, pelo senti-


mento de coletividade voltado à resolução de problemas, seja de ordem política, eco-
nômica ou sociocultural, que são de interesse compartilhado do grupo. Há, então, a
criação de uma percepção acerca de movimentos sociais, a Educação, podendo agir
de maneira pedagógica no “processo formativo libertário emancipatório” nos espaços
de vivências (FREIRE, 1984).
Para Gohn (1995) é importante perceber o viés marxista de análise crítica sobre
as mudanças sociais, isto é, os movimentos sociais podem possibilitar a organização
de um grupo social insatisfeito com mudanças impostas pelo sistema capitalista.
Portanto é importante perceber os movimentos sociais do ponto de vista da
cultura local; neste caso, a análise também pode partir da relação entre comunidade
e escola observando suas particularidades e finalidades; se há articulações entre
proposta de educação contextualizada e da politização ou sistematização das de-
mandas sociais locais.

388
3. A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Da politização das demandas pelos movimentos sociais podem surgir diversas


propostas de políticas públicas articuladas à direitos sociais da Constituição Federal
do Brasil (1988). A Política de Educação do Campo é uma demanda social oriunda
das experiências históricas dos povos do campo (FERNANDES e MOLINA, 2004).
Conforme Caldart (2009, p.36) discutir sobre a Educação do Campo hoje, bus-
cando ser fiel aos seus objetivos de origem, nos exige um olhar de totalidade, em
perspectiva, com uma preocupação metodológica, sobre como interpretá-la, combi-
nada a uma preocupação política, de balanço do percurso e de compreensão das
tendências de futuro para poder atuar sobre elas.
Segundo Caldart a “Educação Rural” situa-se em uma educação eurocêntri-
ca colonizadora, onde seu objetivo principal é de colonizar o outro para que possa
atender suas necessidades para a manutenção do capital estrangeiro e nacional,
sobretudo desconsiderando os modos de vida dos trabalhadores do campo e tornan-
do-os assalariados, por sua vez, acarretando a desvalorização dos modos de vida do
Campo:

“Pensar a Educação do Campo é estar junto com uma concepção de Campo


de significados e assumir uma visão de totalidade dos processos sociais, é
reconhecer os processos históricos brasileiros que formou o modelo de socie-
dade, é garantir avanços institucionais que percebam a valorização da vida
cultural e social do Campo, é perceber a exploração da força de trabalho que
resultou na pobreza extrema e desvalorização do campo” (CALDART, 2004,
p. 5).

Dessa maneira, os modos de vida são revistos por meio da perspectiva da


Educação, porém, levando em consideração todas as esferas da vida social [cultura,
economia local, trabalho e renda, saberes tradicionais, território e outros] que abran-
gem direta e indiretamente as populações do campo em questão.
Trata-se também de acionamentos de dispositivos institucionais do campo jurí-
dico que regulam políticas sociais locais do cenário social em questão, uma vez que
envolve a comunidade em sua totalidade considerando seus conflitos e saberes no
processo de vivê-los, considerando tanto seu passado quanto o presente.

389
Dito isto, as especificidades da Educação do campo são formas de reaver os
modos de vida das famílias, e de que essa população se reconheça como tal, poden-
do permitir a valorização e pertencimento de sua própria organização:

A Educação do Campo é uma Política Pública que propõe reaver a trajetória


dos modos de vida de comunidades, saberes e fazeres do Campo. Revisitar
as trajetórias de vida da população camponesa, atenuando para as mudanças
sociais devido a inserção da industrialização e que distanciou o Camponês
de sua própria identidade e pertencimento enquanto camponês (CALDART,
2004, p. 7).

É necessário reconhecer essas transformações sociais do ponto de vista


capitalista e de projeto internacional, por outro lado, requer formação humana
para situar as pessoas a reconhecer seu contexto social e possibilitar o acesso da
população do Campo à Universidade, e construir o diálogo entre esses espaços na
produção de conhecimento.
Portanto, ao falar de Educação do Campo, enquanto Política Pública, Nasci-
mento (2009, p. 189) considera “um processo de construção de um projeto Popular
Alternativo de desenvolvimento para o Brasil e para a realidade camponesa”, especi-
ficando novos valores éticos e culturais.
Ou seja, a Educação do Campo ocupa-se em pensar o campo e sua gente; seu
modo de organização social; do trabalho; espaço geográfico; da organização política;
de suas identidades culturais; celebrações e seus conflitos.
Segundo Fernandes e Molina (2004), de 1997 a 2004, ocorreu a especialização
da Educação do Campo através de diversos movimentos sociais, discutindo a esco-
larização das populações do campo; construção de materiais didáticos apropriados,
valorizando as práticas dos educandos e permitindo maior participação nos seminá-
rios locais, regionais e nacionais:

“A ideia de criação da Política Educacional de Educação do Campo nasceu


em julho de 1997, quando da realização do Encontro Nacional de Educadores
da Reforma Agrária – ENERA, na Universidade de Brasília (UnB) promovido
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, em parceria
com a UnB, Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, a Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO e
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB no processo de cons-
trução partindo de estudos, pesquisas e reflexões realizadas a respeito das
diferentes realidades do campo” (FERNANDES e MOLINA, 2004, p. 4).

390
Com base em muitos estudos e pesquisas, professores e pesquisadores
de diferentes áreas de conhecimento possibilitaram a legalização da modalidade
de ensino, a educação do campo, pelo decreto nº 7.352, de 4 de novembro de
2010 (BRASIL, 2010), aprovando a Política de Educação do Campo, que por sua
vez representa todas as experiências dos povos do campo, sendo indispensável
seu Art: 2º, em que constam seus princípios, a saber: Respeito à diversidade do
campo; Incentivo à formulação de projetos político pedagógicos específicos para as
escolas do campo; Desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da
educação do campo; Valorização da identidade da escola do campo por meio de
projetos pedagógicos com conteúdo curriculares e metodologias adequadas às reais
necessidades dos discentes do campo; Controle social da qualidade da educação
escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do
campo (BRASIL, 2010).
Segundo Fernandes e Molina (2004, p. 4-7) a área da Educação do Campo é
analisada a partir do conceito de território como espaço político, onde se realizam
determinadas relações sociais, que se transformam em projeto de desenvolvimento
socioeconômico, cultural e ambiental, e contribuem para transformar a realidade.
De tal modo que “trabalhar na terra, tirar da terra a sua existência, também exige
conhecimentos que são construídos nas experiências cotidianas e como também na
escola”.
Quanto às experiências cotidianas, o território é um espaço de relações
socioculturais, de disputas e de ligações afetivas, também construído entre grupo
sociais, isto é, “compreender a territorialidade como o conjunto daquilo que se vive
pelo conjunto no cotidiano”, as relações de trabalho, familiares, comunitárias, de
consumo, de tal modo a não homogeneizar a sociedade (SOUZA e PEDON, 2007,
p. 136).
Souza e Pedon (2007) discutem que a construção da identidade no território
é um processo que se constrói ao longo do tempo, tendo como principal elemento
o sentimento de pertencimento do indivíduo ou grupo com seu espaço de vivência;
e pertencer ao espaço em que se vive; conceber o espaço como lócus das práticas
sociais e culturais, ou seja, onde se tem o enraizamento de sociabilidade, há o espaço
com caráter de território.

391
De modo geral, a educação do campo faz parte da política educacional
brasileira como modalidade de ensino e aprendizagem para além dos muros da
escola, e implanta cursos de graduação e pós-graduação nos diferentes territórios
brasileiros.
A Educação do Campo é resultado de um longo processo histórico dos
povos do campo, de suas lutas sociais por direitos, especialmente, em resposta às
desigualdades educacionais, e da ausência de escolas de qualidade, que garantem
o direito desses povos à educação e contemplam suas culturas e modos de vida.

3.1 Terreno etnográfico I

A história dos atingidos por barragem

O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) vem constituindo uma história
de luta e resistência social junto de populações ribeirinhas e outras. De acordo
com Maria José Reis (2007, p. 473), estudiosa da área, no Brasil o movimento dos
atingidos por barragens teve início por volta do final da década de 1970, na região do
alto Uruguai RS/SC, devido aos prejuízos de grandes implantações de hidrelétricas
em busca da produção de energia elétrica.
De maneira simultânea, comunidades ribeirinhas, como agricultores, pescadores
e indígenas vêm sendo deslocadas de seus lugares e reassentadas distantes do rio,
de modo que passam a ter seus direitos violados.
O MAB como um movimento de luta constante junto aos atingidos atua na
assessoria de organização e pautas de reivindicação diante de órgãos oficiais do
Estado brasileiro, objetivando a fim de reconstruir a infraestrutura de educação, saúde
e habitação dignas para exercício de uma plena cidadania das populações atingidas.
Elaboraram sua própria política de mobilização ao longo do tempo de sua atuação
junto às populações para consolidação desta causa (REIS, 2007).
Segundo Santos (2015, pp.115-117), ao discutir o tema com base na teoria de
Carlos Wainer, o “conceito de atingido” diz respeito ao reconhecimento e legitimação
de direitos de seus detentores. Ou seja, é estabelecer que determinado grupo social,
família ou indivíduo é atingido por certo empreendimento; significa reconhecer a
violação de direitos, o legítimo direito de ressarcimento, indenização, reabilitação ou

392
reparação.

Em meio a isso, acontece a realocação de populações ribeirinhas em
reassentamentos, na maioria, em lugares áridos, tornando sua principal característica
a perda da qualidade de vida, e ao mesmo tempo, a perda de qualidade ambiental.
Portanto, o surgimento da categoria social de “atingidos por barragem” está
relacionada à construção de identidades individuais e coletivas de interações sociais,
políticas, e produção de cultura de um povo; isso se constrói ao longo da vida social
se configurando numa resistência coletiva (SANTOS, 2015).

3.2 Terreno etnográfico II

A pedagogia dos povos atingidos por barragem

Ao considerar o período de redemocratização do Brasil, que favoreceu a


construção e fortalecimento de lutas sociais, houve também a organização de novos
movimentos e demandas (GOHN, 1995). Com base nisso, destaco a construção da
“Pedagogia dos povos atingidos” por barragem (MEDEIROS, 2010).
Em meio a tantas contribuições destaco a organização do 1º Encontro “Coletivo
de Educação”, realizado entre os dias 07 a 10 de agosto de 2004, na Cidade de Luziânia
no Estado de Goiás. O seminário contou com a participação de 30 colaboradores
ligados à Educação de 14 Estados brasileiros, incluindo Estados nordestinos, como
Sergipe, Ceará e Paraíba.
Outro levantamento foi a mobilização diante da proposta, de forma coletiva,
dos coordenadores Estaduais que se integraram ao Coletivo de Educação, em traçar
o Projeto inicial de Educação do Movimento dos Atingidos por Barragem do Brasil.
Dessa maneira, a proposta de pensar uma “Pedagogia dos Povos Atingidos por
Barragem” consiste substancialmente em:

“qualificar por meio de práticas educativas o processo de conscientização,


participação e organização das pessoas, que direta ou indiretamente sofreram
modificações nas condições de vida em consequência da implementação
de barragens, e também realizando planejamento para a capacitação nos
Estados com viabilidade para o desenvolvimento do processo de formação
dos Educadores à nível nacional” (MAB, 2005, pp. 25-36).

393
A partir deste encontro um projeto de educação foi elaborado com as demandas
recolhidas e lançado naquele mesmo ano, denominado “A Pedagogia dos Povos
Atingidos”, a fim de adotar os princípios da Educação do Campo para o entendimento
da população local. A coordenação Nacional do Movimento de Atingidos por Barragem
do Brasil sistematizou uma proposta de educação ampla e consistente para ser
implantada nas comunidades reassentadas.
Assim, os coordenadores estaduais se articularam com os coordenadores
nacionais para a implantação do projeto de educação nas respectivas regiões foram
viabilizadas parcerias com as secretarias dos Estados e Municípios na elaboração de
políticas sociais voltadas às populações atingidas.
Um aspecto importante foi a vinculação da proposta educativa do MAB (2005) às
questões, desafios e mobilizações em prol também da Educação do Campo (2010),
mas com diretrizes e perspectivas próprias, dando respaldo às reivindicações de
políticas públicas de desenvolvimento e de educação específicas, direcionadas aos
camponeses com identidade, trabalho, cultura, história e suas formas e estágios de
organização, visando a abrangência de todos os níveis de escolaridade.
Diante da uma proposta formulada enquanto política pública de educação foram
realizados acordos e convênios entre o Movimento dos Atingidos por Barragem e
instituições públicas. Passa, então, a ser constituída uma rede de articulação estadual
para mobilizar as comunidades atingidas para o enfrentamento e reivindicações no
processo de solucionar os problemas socioeconômicos e ambientais vividos por elas.
Reincide também na proposta de Educação do MAB Brasil (2005) o
reconhecimento do campo como espaço de vida, moradia e trabalho, resultando na
necessidade de justiça e humanização dos povos atingidos que vivem nesse espaço
e que foram historicamente excluídos do direito à Educação e à Cultura eruditas.
Tal proposta educativa lista uma série de diretrizes, dentre elas: diagnosticar as
necessidades de Educação dos povos atingidos; fortalecer sua história e cultura;
mapear financiamentos, editais, convênios e parcerias; elaborar projetos específicos
e materiais didático-metodológicos para o trabalho pedagógico (MAB, 2005).
Um aspecto importante nesse processo são as articulações político-educacio-
nais; iniciativas do MAB diante de instituições públicas e privadas. A ocorrência mais
emblemática foi com o Ministério de Educação e Cultura - MEC, para a aquisição de

394
convênios, especialmente no período de 2004 a 2016, com muitas intermitências.
Conforme discutido por Medeiros (2010), este tipo de convênio possibilitou às entida-
des adotar uma linha teórico-metodológica própria, principalmente para a Alfabetiza-
ção de Jovens e Adultos.
Dessa forma, tendo sido garantidas as condições básicas de financiamento
do Projeto, o MAB seguiu a linha própria do Movimento (MEDEIROS, 2010). Com
essas iniciativas e reivindicações do MAB nacional foram adquiridos convênios com
estatais e desenvolvidas atividades através das políticas educacionais, garantindo as
especificidades que o movimento defende.
A Educação de jovens e Adultos (EJA) foi uma das principais pautas da
Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem, através de um convênio do MAB
nacional com o MEC e ELETROBRAS. Neste projeto houve duas etapas, de 8 meses
cada, contemplando todos os reassentamentos atingidos por barragem.
Diante de uma questão social tão complexa há nesse processo a criação
da Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem: de inspiração Freiriana (1983:
1984), considera o índice de vulnerabilidade socioeconômica, de analfabetismo
e escolaridade incompleta das populações que são atingidas por implantação de
barragens, tanto de hidrelétricas quanto barragens de abastecimento de centros
urbanos:

“[...] os atingidos precisam conhecer a História do Brasil dentro do cenário


mundial, a organização da estrutura da sociedade para compreender sua
conjuntura local, o funcionamento do capitalismo internacional para entender
o capitalismo nacional, o poder político das esferas nacional e internacional
para compreender o poder político local, dessa maneira, levando em conta
o conhecimento por meio da interdisciplinaridade, complementaridade e
totalidade” (MAB, 2005, pp. 37-40).

Seu currículo contempla uma estrutura na perspectiva de circunscrever o


indivíduo atingido. Medeiros (2010, p. 209), ao observar os objetivos da pedagogia
do MAB, afirma que sua proposta contém: I. Fonte sociocultural; II. Fonte Político-
organizativa; III. Fonte epistemológica e IV. Fonte Psicossocial.
Já no ano de 2015 foi desenvolvido o projeto Brasil Alfabetizado, convênio entre
o MAB e o Governo do Estado da Paraíba. Desta vez, o projeto também contempla
a Educação de Jovens e Adultos nos reassentamentos, agenciadas pela secretaria

395
de Educação do Estado e o Movimento dos Atingidos por Barragem; o segundo
encarregando-se de fazer a mobilização em cada reassentamento.
De modo geral a coordenação do MAB Nacional (2005) considerou um avanço
como movimento social organizado, inserindo a Educação na sua agenda política
como um direito social a ser conquistado (MEDEIROS, 2010).
Ao mesmo tempo, o MAB preocupou-se em conquistar espaços próprios de
Educação Formal, garantindo certificação oficial e práticas educativas que consolidem
a conscientização dos atingidos num contexto de resistência, organização e luta com
populações atingidas por barragens em diferentes territórios do Brasil.

3.3 O terreno etnográfico III

Os atingidos de Acauã

A pesquisa de campo ocorre em uma área territorial considerando três reassen-


tamentos agrovilas: Sítio Cajá e Sítio Melancia, localizados no município de Itatuba,
e do distrito de Pedro Velho, do município de Aroeiras, todos no agreste do estado
da Paraíba.
Medeiros (2010) e Barbosa (2017) discutem os efeitos nas comunidades ri-
beirinhas desde o ano 2000, período em que aconteceu a implantação da barragem
de Acauã, na bacia hidrográfica do rio Paraíba, também sinalizam o profundo rom-
pimento com o lugar junto do rio, além de perdas de terras, atividades produtivas e
deslocamentos para reassentamentos em agrovilas.
Ao analisar o levantamento do dossiê organizado pelo MAB sobre os efeitos
causados nas comunidades atingidas por Acauã (Dossiê sobre a situação da popula-
ção atingida por Acauã 2005: 2007) constatei que há em média 5 mil habitantes atin-
gidos pela represa. Com base nesse levantamento optei por continuar a estudar esta
região, pois também residi em uma das comunidades atingidas por Acauã, no sítio
Cajá. Com minha inserção no curso de Licenciatura em Ciências Sociais na UFPB
passei a estudar o tema atingidos por barragem, resultando em ações extensionistas
e em meu trabalho de conclusão de curso.
Nesta perspectiva, ao identificar um fator crucial na localidade pesquisada,
que foi a existência da Pedagogia dos povos atingidos, venho sistematizando a

396
pesquisa para levantar essa demanda local provocada pela questão educacional e
socioambiental.
Portanto, as contribuições principais da pedagogia dos povos atingidos por
barragem nos reassentamentos atingidos pela barragem de Acauã são: a experiência
de implantação da educação de jovens e adultos (EJA) (MEDEIROS, 2010), do
acionamento da política de educação do campo e de articulações com prefeituras
municipais locais e governo do Estado. Resta saber como estão essas ações, as
quais pretendo apresentar nos próximos resultados.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O estudo preliminar analisou os primeiros resultados de um relatório de pesquisa


sobre a “Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem” do Movimento dos Atingidos
por Barragem do Brasil. Foram discutidos aspectos teóricos e metodológicos que
permitiram iniciar o mapeamento sobre os processos educacionais referentes ao
movimento dos atingidos por barragem e da educação do campo em um terreno
etnográfico.
Por conseguinte, identifica-se que há uma articulação nacional do Movimento
dos Atingidos por Barragem com a política de educação, imbricada com a realidade
social dos povos do campo e seus efeitos causados por implantação de barragens de
Acauã no Estado da Paraíba.
Na região da barragem de Acauã vem se configurando um contexto social
de luta e resistência social dos povos do campo: ribeirinhos em reassentamento,
agricultores e pescadores, com um expressivo caráter protagonista, diante de políticas
educacionais com direcionadas à Educação do Campo, enquanto papel revitalizador
da população local.
Portanto, a Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem demonstra um caráter
democrático, pois leva em conta os modos de vida dos atingidos e suas demandas
articuladas à política de Educação do Campo. Também permite compreender
a importância e o significado dos movimentos sociais, no papel de assegurar às
populações atingidas por barragem o direito à Educação, bem como o potencial nas
articulações para reconstrução social em reassentamento.

397
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OS CENTROS EDUCATIVOS
FAMILIARES DE FORMAÇÃO EM
ALTERNÂNCIA E A EDUCAÇÃO
DO CAMPO
Aline Guterres Ferreira113
José Vicente Lima Robaina114
José Geraldo Wizniewsky115

113 Doutoranda em Educação em Ciências: química da vida e saúde (UFRGS). Mestra em Ex-
tensão Rural, Especialista em Educação Ambiental, Licenciatura Plena em Formação de Professo-
res para Educação Profissional, Zootecnista (UFSM). Licenciada em Educação do Campo – ciên-
cias da natureza (UFRGS). [email protected]
114 Pós Doutorado em Educação e Educação do Campo (UFRGS), Doutor em Educação (UNI-
SINOS), Professor do Departamento de Ensino e Currículo (FACED/UFRGS). joserobaina1326@
gmail.com
115 Doutor em Agroecología, Sociología y Estudios Campesinos, (UCO-ES), Mestre em Exten-
são Rural (UFSM), Professor Titular do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural
(CCR/UFSM). [email protected]
INTRODUÇÃO116

Historicamente as populações do campo, quando não eram excluídas, sofreram


para acessar o sistema educacional ofertado pelo poder público, pois a orientação
pedagógica do referido sistema não contemplava as realidades e necessidades
das comunidades rurais. No decorrer dos anos o sistema educacional foi disposto e
orientado a transmitir e reproduzir os conteúdos programáticos urbano-centrado, ou
seja, não contextualizados ao campo, sendo assim nomeado de Educação Rural. Uma
educação que servia apenas como forma de alienação e dominação das populações
do campo, que incentivava o êxodo rural e a desvalorização da cultura e tradições
destes povos. A autora Roseli Caldart afirma que as populações do campo sempre
foram reféns de políticas públicas referentes à educação de formas negligentes e
que desvalorizasse o lugar e seus atores sociais. Como podemos identificar em suas
palavras.

Se levarmos em conta que na história do Brasil, toda vez que houve alguma
sinalização de política educacional ou de projeto pedagógico específico isto
foi feito para o meio rural e muito poucas vezes com os sujeitos do campo.
Além de não reconhecer o povo do campo como sujeito da política e da
pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeitá-lo a um tipo de educação
domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos. (CALDART,
2002, p. 19).

Nas últimas décadas, do século passado e nas primeiras do atual, a discussão


sobre uma educação contextualizada, que conheça a realidade dos seus estudantes,
que respeite sua cultura e que valorize suas tradições, tomou notoriedade a partir das
populações do campo e se tornou presente nas instituições de ensino e pesquisa, e
ainda, no poder público. Uma Educação do Campo presente fisicamente no campo
e realizada em conjunto com suas populações. Não aquela educação pensada para/
na zona urbana e transferida para o meio rural, ainda, de acordo com Caldart (2002,
p. 19): “trata-se de uma educação dos e não para os sujeitos do campo. Feita sim
através de políticas públicas, mas construídas com os próprios sujeitos dos direitos
que as exigem.”.

116 Este capítulo é originário da Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em


Extensão Rural defendida em 2014 na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

402
Entende-se que a Educação do Campo não está restrita a uma determinada
população, mas sim deve ser desenvolvida com todos os povos que se expressam
no campo, como camponeses, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais,
assentados da reforma agrária, trabalhadores assalariados e tantos outros que lutam
pela sua identidade cultural, humana, social, política e ambiental. Povos que possuem
pluralidade étnica, geográfica, organizativa, religiosa, entre outras diversidades que
se constroem as características locais e ambientais. Trazemos os traços e identidade
da Educação do Campo como expressa a autora Roseli Caldart:

Nossa proposta é pensar a Educação do Campo como processo de construção


de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo,
gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta
de suas organizações. Isto quer dizer que se trata de pensar a educação
(política e pedagogia) desde os interesses sociais, políticos, culturais de
um determinado grupo social; ou trata-se de pensar a educação (que é
um processo universal) desde uma particularidade, ou seja, desde sujeitos
concretos que se movimentam dentro de determinadas condições sociais de
existência em um dado tempo histórico. A Educação do Campo assume sua
particularidade, que é o vínculo com sujeitos sociais concretos, e com um
recorte específico de classe, mas sem deixar de considerar a dimensão da
universalidade: antes (durante e depois) de tudo ela é educação, formação de
seres humanos. (CALDART, 2004, p.12).

Portanto, é importante desenvolver uma Educação do Campo que consiga junto


aos seus estudantes problematizar a realidade, aliar a reflexão com ação tornando-
os atores do seu desenvolvimento local, familiar, comunitário e que consigam unir
conhecimentos escolares e técnicos com saberes empíricos.
Os Centros Educativos Familiares de Formação em Alternância (CEFFA´s), em
todos esses anos de atuação no Brasil e pelo mundo, possuem esses princípios
e respeitam as especialidades das populações do campo. É uma alternativa de
educação para os estudantes, oriundos do meio rural, suas famílias e comunidade
onde as escolas estão inseridas. Visto que muitos movimentos sociais do campo não
aceitam a educação descontextualizada disponível pelo poder público, e dessa forma
podem constituir-se em atores dos processos de ensinos e aprendizagens de seus
filhos, (FERREIRA, 2014).

403
Neste capítulo, abordaremos a origem das CEFFA´s, os pilares que as compõem
e ainda seus princípios que caracterizam a Educação do Campo, a partir de uma
apreciação bibliográfica.

DA FRANÇA AO BRASIL: O CAMINHO DA MAISON FAMILIALE RURALE


AO CENTRO EDUCATIVO FAMILIAR DE FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA

No interior da França, na década de 30, nascem as primeiras Maisons Familiales


Rurales (MFR), a partir do diálogo entre agricultores familiares e os representantes
religiosos e sindicais da região, ao perceberem o desinteresse de seus filhos à
educação escolar da época, caracterizada como urbanizante e excludente. Os
agricultores familiares em conjunto a esses representantes construíram uma proposta
educacional de formação “fundamentada em conhecimentos da vida quotidiana e
no saber que se encontra nas escolas, ou seja, enraizados pela relação entre o
empírico e o científico” (Cristina Vergutz, 2013, p. 29). Livre das amarras burocráticas
e não sendo refém das teorias pedagógicas tradicionais, esse grupo pensou uma
formação que compartilhava responsabilidades educacionais entre os pais e as forças
sociais locais. Assim construíram uma fórmula de escola baseada na Pedagogia da
Alternância que promove uma partilha do poder educativo entre os atores do meio,
pais e os formadores da escola, (GIMONET, 1999).
Este novo sistema educacional, portanto, aliava os estudos escolares com os
afazeres da propriedade familiar. Era uma experiência educacional voltada para as
necessidades dos agricultores familiares, que teria como partida os conhecimentos já
existentes nas comunidades rurais e se somariam a esses os saberes escolares, sem
que os filhos dos agricultores familiares fossem viver na cidade para dar continuidade
aos seus estudos. O processo educacional dos estudantes estava organizado em
alternar um período na Paróquia Católica da comunidade rural, tutelados pelos
representantes religiosos e sindicais, e outro período retornavam às propriedades
familiares, dando continuidade aos seus estudos a partir da prática e dos seus saberes
cotidianos. Caracterizando uma formação em alternância e sob a responsabilidade
das famílias e das organizações sociais locais, que estaria pautada na formação
técnica, geral e humana em ambos os ambientes educacionais, (FERREIRA, 2014).

404
A partir da década de 40 houve uma expansão das MFR´s pelo território
Francês e abertura da primeira Escola de Monitores, professores dessas instituições,
e também da União Nacional das Maisons Familiales Rurales. Já na década de 60
este modelo educacional chega à Itália e lá são criadas as Scuola Della Famiglie
Rurali, as primeiras Escolas Famílias Agrícolas. Na América Latina essas instituições
escolares irmãs são reunidas pelos Centros Educativos Familiares de Formação por
Alternância, que segundo o autor Costa.

A sigla CEFFA significa: Centros Educativos Familiares de Formação em


Alternância. Que nesse caso congregam várias instituições que trabalham com
a Pedagogia da Alternância. No caso do Brasil: As Escolas Família Agrícola,
as Casas Familiares Rurais e outros Centros de Formação que se utilizam da
Pedagogia da Alternância e observam seus quatro pilares: Associação Local,
Alternância, Formação Integral e Desenvolvimento do Meio. (COSTA, 2012,
p. 43).

Sobre as CEFFA´s, a autora Luci Mary Pacheco, discorre sobre os objetivos


da rede e ainda os percursos formativos dos estudantes alternantes e os ambientes
percorridos no processo de aprendizagem.

Os CEFFA´s são associações de famílias, profissionais e instituições que


assumem a responsabilidade do desenvolvimento e da promoção do mundo
rural através de ações educativas integrais e de formação profissional, como
resposta a um problema comum. Para isso se baseiam na pedagogia da
alternância, que implica uma aprendizagem prática a partir da experiencia
no ambiente de trabalho e na sala de aula, portanto, uma continuidade de
aquisição de conhecimentos obtidos através da alternância de espaço e
tempo entre o mundo rural socioprofissional e a escola. (PACHECO, 2010,
p. 89).

A nomenclatura CEFFA nasce em 2001 em um evento sobre Pedagogia da


Alternância (PA) na Argentina, para referenciar e reunir as experiências educacionais
que desenvolvem seu processo formativo a partir desta, entre elas, são as Casas
Familiares Rurais (CFR´s), as Escolas Famílias Agrícolas (EFA´s), as Escolas
Comunitárias Rurais, entre outras.
Nos anos seguintes, essas experiências educacionais são difundidas pelos cincos
continentes e em 1975 em Dacar no Senegal é criada a Associação Internacional dos
Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR). Uma instituição representativa

405
que possui objetivo de fomentar e desenvolver as instituições escolares e estabelecer
relações com organismos internacionais, difundindo os princípios dos CEFFA´s
definidos em seus estatutos e velando por sua correta aplicação, de acordo com
García-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010).
No Brasil, em meados da década de 60, em uma conjuntura política que
se caracteriza como um governo militar-civil-empresarial, chegam as primeiras
experiências de EFA´s pelo sul do Estado do Espírito Santo, vinculadas ao Movimento
de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). Com intuito de acolher
e oportunizar educação aos agricultores familiares empobrecidos pela política do
intervencionismo econômico estatal que excluía a agricultura familiar em detrimento
da grande empresa agrícola moderna, segundo Begmani (2002). A partir da década
de 70 essas experiências são difundidas em alguns Estados brasileiros na tentativa
de sanar a indisponibilidade histórica de escolas no meio rural para a população do
campo. A primeira Casa Familiar Rural (CFR) nasce em solo brasileiro pelo Estado
de Pernambuco, no município de Riacho das Almas, em meio a uma população do
campo abandonada e esquecida pelo poder público e assolada pelos longos períodos
de secas. Ainda, existem registros que experiencias pioneiras no Estado de Alagoas
no início da década de 80.
Na região Sul do Brasil, as CFR´s se disseminam através do Estado do Paraná
no final dos anos 80 e hoje estão presentes nos três Estados do Sul. Essas instituições
unificam-se através da rede da Associação Regional das Casas Familiares Rurais
(ARCAFAR). Atualmente, a rede ARCAFAR é constituída pela ARCAFAR/NORTE
e NORDESTE, que compreende os Estados do Pará, Amazonas e Maranhão e a
ARCAFAR/Sul, que compreende os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. A autora Lucy Mari Pacheco destaca os objetivos que embasam essa proposta
educacional no Rio Grande do Sul (RS).

Entre outros objetivos, os centros surgem como uma possibilidade de


educação apropriada às necessidades sociais e históricas para conter o
êxodo, desenvolver o campo, superando as condições de pobreza, abandono,
entre outras mazelas existentes no campo, através de uma formação integral
dos alunos e de suas famílias. (PACHECO, 2010, p. 91).

406
Podem ser constatados a fidelidade aos valores e princípios das experiências
precursoras do velho mundo. Mas ao chegar em terras latinas, são inevitáveis as
adaptações nessas instituições escolares à realidade da construção histórica, social,
econômica, cultural e ambiental do país e do continente.
As EFA´s, chegam ao RS no final da primeira década do século 21, a partir
da Associação Gaúcha Pró- Escolas Famílias Agrícolas (AGEFA), associação local
mantenedora, filiada a União Nacional das Escolas Família Agrícolas do Brasil
(UNEFAB), que de acordo com Costa (2012, p. 46) “congrega todas as associações
regionais e suas EFAs todo território nacional, capacitando técnicos agrícolas ou
em agropecuária em nível médio, embora algumas EFAs funcionem com ensino
fundamental também.”. Ambas instituições, as CFR´s e as EFA´s, são filiadas a
Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR),
que segundo García–Marirrodriga e Puig-Calvó (2010, p. 47) “representa as diferentes
Instituições promotoras de Escolas de Formação por Alternância para jovens do meio
rural. [...] tem como objetivo fomentar e promover o desenvolvimento dos CEFFA no
mundo.”.
Com mais de duas décadas no Estado Gaúcho essas instituições escolares
já demonstram contribuições significativas para o desenvolvimento das populações
do campo e para o avanço e fortalecimento das construções epistemológicas da
Educação do Campo, como afirma Costa.

Não resta dúvida que essa unificação de bandeira, na luta pela Pedagogia da
Alternância, entre CFRs e EFAs vem promovendo o desenvolvimento de uma
educação do campo, cada vez mais qualificada e voltada para as comunidades
onde os estudantes estão inseridos, oportunizando a esses jovens do meio
rural e suas famílias, possibilidades concretas de uma maior qualidade de
vida no campo. Gerando assim, renda e desenvolvendo da forma mais eficaz
possível o meio rural, valorizando o conhecimento das famílias e vizinhos,
fortalecendo a agricultura familiar e as relações comunitárias através da
solidariedade. (COSTA, 2012, p. 47).

São necessárias e urgentes alternativas de educação escolar às populações


do campo que historicamente foram excluídas dessa rede, e quando ofertadas
escolas no meio rural pelo poder público, o sistema educacional não possibilita o
comprometimento e a responsabilidade com os conhecimentos das populações do
campo, sua emancipação e desenvolvimento. Instituições balizadas na Pedagogia

407
da Alternância permitem a qualificação dos estudantes do campo pelo acesso à uma
educação de qualidade pautada na realidade das comunidades rurais e atendendo
suas reais necessidades a partir da compartilha e união dos saberes e conhecimentos,
para além da transmissão de conteúdos programáticos tradicionais. Para esse caminho
de sucesso, devem ser respeitadas os quatro pilares de sustentação da Pedagogia
da Alternância, possibilitando a organicidade do seu desenvolvimento através dos
seus Instrumentos Pedagógicos, que possibilita aos estudantes do campo a opção
de permanecer no campo.

OS QUATRO PILARES QUE COMPÕEM OS CENTROS EDUCATIVOS


FAMILIARES DE FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA

Os quatro pilares que sustentam a rede CEFFA´s, são a Associação Local, a


Alternância, a Formação Integral e o Desenvolvimento do Meio. Na formação inicial
das MFR´s, seus criadores tinham como objetivos um projeto de desenvolvimento de
uma região e um projeto educativo para os adolescentes (FORGEARD, 1999). Estes
quatro pilares são essenciais para uma instituição ser caracterizada como Centro
Educativo Familiar de Formação em Alternância, a qual possui objetivo institucional
de promoção e desenvolvimento das pessoas e do meio, através da formação integral
dos sujeitos em formação. Segundo Costa (2012) os pilares que regem os CEFFA´s
são inegociáveis e construídos cotidianamente, a Associação Local e a Alternância,
entendidas como meios para chegar às finalidades, que são a Formação Integral e o
Desenvolvimento do Meio.
Associação Local é formada por todos os atores do processo educativo,
tais como pais ou responsáveis dos estudantes, egressos da rede, líderes das
comunidades e todos aqueles que buscam uma educação diferenciada, parceiros
das instituições públicas e privadas. De acordo com Calvó (2002, p. 127): “um
instrumento de solidariedade, de trabalho em grupo, de participação local, de partilha
de experiências a partir dos atores locais, beneficiários do sistema”. A Associação
Local representa judicialmente o CEFFA´s, assim é a instância administrativa que
responde legalmente e adota a função de regulação dos fatores da alternância dentro
e fora deste movimento. É um espaço compartilhado de gestão com participação
democrática, discutindo todos os assuntos relacionados à formação pedagógica,

408
gestão econômica, e a vida cotidiana dentro do CEFFA´s. Espaço de participação
e diálogo entre os responsáveis dos estudantes com os demais membros, como
Monitores e administradores, no que tange os rumos da formação pedagógica, bem
como o conhecimento das suas realidades. Costa destaca a importância de uma
Associação Local gestando o CEFFA´s:

A Associação Local representa a ligação entre as demandas familiares e


comunitárias dentro da escola, tencionando sempre o CEFFA a estar conectado
com a realidade, para buscar construir alternativas frente às necessidades
do meio em que está inserido. Desta forma o poder de decisão numa EFA
recai basicamente sobre a sua Associação Local, daí a importância de os
agricultores/pais estarem na vanguarda dessa instituição, para que ela tenha
compromisso com os principais interessados nesse processo de ensino-
aprendizado, ou seja, as famílias, juntamente com os jovens. (COSTA, 2012,
p. 124).

Em relação a promoção do diálogo e da corresponsabilidade entre os atores,


o autor Calvó (1999), destaca que Associação é uma organização local de base
participativa, na qual as famílias, as comunidades, as instituições locais, os profissionais
do setor, junto aos promotores e as pessoas presentes no meio e comprometidas
com o projeto, são os responsáveis pela gestão e o desenvolvimento do meio onde
ocorre os processos educativos.
Um importante pilar da rede CEFFA´s é a Alternância, a qual não deve ser
resumida no deslocamento tempo-espaço dos estudantes, o(a) alternante. Abreviando
em um tempo na escola, no qual aprende técnicas e um tempo em casa no qual
aplica essas técnicas, isto é a maneira superficial de se pensar a Alternância. García-
Marirrodriga e Puig-Calvó (2010) afirmam que: “a formação por alternância não pode,
nem deve reduzir-se, [...], a simples relações binárias do tipo; teoria e prática.”. A
Pedagogia da Alternância é um processo de aprendizagens e ensinos complexo, que
se origina na problematização da prática, passa pelo nível teórico reflexivo e retorna
a prática com novos questionamentos. Ou seja, parte do concreto (prática), para o
abstrato (conhecimento) e retorna para a prática (concreto enriquecido pelos saberes
e conhecimentos).
Na família e comunidade, os estudantes observam, realizam pesquisas
participativas diagnósticas sobre a realidade, quando retornam ao CEFFA´s é o

409
momento de reflexão, da análise da realidade, de comparações, generalizações e
sínteses, em conjunto com Monitores e, principalmente, com seus colegas. Quando
retornam à família e comunidade, é o momento de experimentar, de transformar e
também de novas interrogações e pesquisas. Portanto, os estudantes tornam-se
atores principais dos seus processos de aprendizagens em conjunto com os Monitores,
colegas, famílias e comunidade, assim ocorrendo à construção do conhecimento.
A alternância como uma práxis educacional, permite que os estudantes aprendam
a partir dos seus conhecimentos de origem e que não tenham que se afastar do seu
seio familiar, evitando assim perder o vínculo com o campo. Daí a importância dos
Instrumentos Pedagógicos enquanto ferramentas que permitem um compartilhamento
direto e imediato de saberes entre a família e comunidade e o CEFFA´s, que mantem
o diálogo para promoção efetiva da construção do conhecimento. Podemos destacar,
a abertura da família e da comunidade para aquele estudante, pois são ambientes
pedagógicos e devem ser explorados físicos e culturalmente. Gimonet (2002) destaca
a importância aos estudantes em adentrar na realidade ambiental, econômica e social
da sua unidade produtiva familiar e comunidade.

A alternância permite ao adolescente entrar no mundo dos grandes, quer


dizer, no mundo dos adultos. Ela lhe dá possibilidades de encontrar um lugar,
uma posição social, uma consideração, um reconhecimento. [...] ela o ajuda
a encontrar e construir seu presente e, por meio dele, vislumbrar o futuro.
(GIMONET, 2002, p. 121).

Está inserção social dos estudantes é consequência também, segundo Calvó


(1999) da práxis da Alternância Integrativa. Nesta Alternância existe uma verdadeira
colaboração, cogestão, coabitação, coação, onde o meio social/profissional intervém
na escola e está intervém no meio. Com intervenção na educação – formação dos
estudantes pela alternância, que não se limitam a um ou a dois atores, mas se estendem
a toda complexidade do mundo que envolve a vida destes (família, amigos, trabalho,
economia, cultura, escola, política...), onde nenhum dos elementos que intervêm é
passivo, todos são parceiros, coautores, corresponsáveis, comprometidos.
A formação que a rede CEFFA´s proporciona não é resumida a formação do
ensino básico ou profissionalizante, mas sim a Formação integral, a qual abrange

410
aspectos técnicos-profissionais, intelectual, humano, social, econômico, ecológico,
espiritual e de cidadania. Visto que, uma das prioridades dos CEFFA´s é a Formação
integral da pessoa humana e seu desenvolvimento com qualidade e dignidade da
vida do campo, compondo mais um de seus pilares.
Segundo Calvó (1999), a Formação Integral considera a totalidade, a
integralidade da pessoa como ser humano e tudo aquilo que pode enriquecer a sua
formação, considerando todos os ângulos: formação escolar, formação profissional,
formação social, educação, cidadania, projeto de vida, economia, família, meio. E
os elementos que intervêm na Formação integral dos estudantes pela Alternância
são: família; monitores; grupo de estudantes, amigos, capacidades, programa oficial,
escola, cultura local, projetos, meio social, trabalho, economia e outros. Para o mesmo
autor citado, essa formação que leva em conta a totalidade dos elementos formativos,
influi e colabora também na formação de todos os aspectos da pessoa humana,
tais como, intelectuais, técnicos, científicos, profissionais, humanos, sociológicos,
artísticos, filosóficos, econômicos, espirituais, éticos, ecológicos e outros fatores.
García-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010, p. 62), afirmam que a Formação
integral se preocupa em, “Formar pessoas em valores humanos, promotoras do
desenvolvimento pessoal e coletivo, com uma capacidade de compromisso social
no meio onde se encontra.”. A Formação integral não se resume apenas aos muros
dos CEFFA´s, pela Pedagogia da Alternância, e o uso correto dos seus Instrumentos
Pedagógicos, o meio familiar e comunitário também são centros pedagógicos de
construção do conhecimento, segundo Caliari (2002, p. 84), “efetivada a partilha da
responsabilidade da família no processo educativo do jovem [...] todas as ações são
compartilhadas em comum entre escola – família – comunidade.”. É um movimento
interligado dos conteúdos ministrados pelos Monitores e a realidade dos estudantes,
ainda de acordo com o mesmo autor (2002, p. 83), “O jovem vai estudar tanto na
família como na escola e a cada tema investigado há um encadeamento lógico do
assunto com os conteúdos das outras disciplinas.”. A Formação Integral se desenvolve
em vários espaços junto a rede CEFFA´s, em conjunto com os respectivos atores do
processo educativo, tais como pais, familiares, comunidade, instituições, parceiros
e sociedade, os quais também são responsáveis pela construção pedagógica e

411
humana dos estudantes.
De acordo com Nascimento (2005), a educação e Formação Integral dos
estudantes, além da formação geral e profissional leva em consideração todas as
dimensões da pessoa humana, buscando descobrir, valorizar e desenvolver as
capacidades de cada jovem, num tratamento personalizado, através do espírito da
iniciativa, criatividade, trabalho de grupo, senso de responsabilidade e de solidariedade,
ajudando a construir o projeto de vida/profissional junto com a família e o meio em
que vive. E a partir desta Formação Integral, o egresso da rede CEFFA´s é capaz de
transformar sua realidade.
O último pilar que sustenta a rede CEFFA´s, para assim caracterizá-la, é o
Desenvolvimento do Meio. Este deve inicialmente resgatar as identidades dos
estudantes como pertencentes àquele meio social, comunitário e familiar, bem como
de todos os atores do processo educativo, como se observa na autora Vergutz (2013,
p. 70): “traduz num trabalho de reconhecimento e valorização do sujeito, da sua
família, da sua comunidade [...] de todas as relações que possibilitem este ou esta
jovem atuarem e refletir valorizando os saberes locais.” Desde o nascimento deste
sistema educacional, uma de suas finalidades era o desenvolvimento de uma região
através de um projeto educativo para os estudantes.
O Desenvolvimento do Meio respeita a abrangência da rede CEFFA´s, no
que tange ao meio geográfico, populacional, cultural, religioso, que possuem maior
diversidade de culturas e a sua reprodução. Após o reconhecimento dos estudantes
como pertencentes a este meio, é desenvolvido sua percepção do meio como um todo,
não apenas o desenvolvimento econômico, quebrando o pensamento fragmentado e
limitado apenas nas questões monetárias. O Desenvolvimento do Meio perpassa pelas
questões sociais, ambientais, econômicas, culturais, ecológicas e religiosas daquela
região. É distinto da lógica mercadológica de desenvolvimento, onde a degradação e
contaminação ambiental pelo excessivo uso de maquinários, implementos agrícolas
e o abuso de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos é mitigado pelos altos índices de
produtividade. Ainda, são refletidas a histórica exclusão das populações do campo
pela negligência de políticas públicas e serviços básicos, (FERREIRA, 2014).
A rede CEFFA´s preconiza o Desenvolvimento do Meio a partir da congregação

412
dos saberes tradicionais de origem das populações do campo aos conhecimentos
técnicos científicos escolares, dos parceiros e instituições que integram os atores
do processo educativo e são responsáveis pela Formação Integral dos estudantes.
Portanto, o desenvolvimento de uma agricultura responsável, que tenha menor impacto
negativo no ambiente e na sociedade e que saiba harmonizar o desenvolvimento
produtivo com a preservação ambiental. Como cita o autor Nascimento.

O CEFFA, através da educação, busca contribuir para o Desenvolvimento


Local Sustentável Solidário, através da formação dos jovens, suas famílias e
demais atores envolvidos, tendo como enfoque principal o fortalecimento da
agricultura familiar e inserção profissional e empreendedora dos jovens no
meio rural. (NASCIMENTO, 2005, p. 24).

Portanto, é entendido o Desenvolvimento do Meio em conjunto a formação


pedagógica e humana dos estudantes dessas escolas do campo. Calvó (1999, p. 24)
destaca “que o Desenvolvimento local através da ação educativa dos jovens e adultos,
fazendo deles os verdadeiros atores do progresso, como elemento necessário,
podemos encará-lo, como um meio, mas também como um fim, um objetivo.”. A partir
destes quatro pilares, pode-se definir um CEFFA e suas contribuições à realidade
dos estudantes, famílias e comunidades. Esses quatro pilares devem ser respeitados
e desenvolvidos interligados para conhecer e, se necessário, transformar a realidade
ao seu redor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando analisado a oferta escolar para as populações do campo, nos


defrontamos com a exclusão escolar, currículos descontextualizados e o constante
fechamento de escolas no meio rural. O debate sobre essas questões levou a
inúmeros avanços, tais como a proposição teórico metodológico da Educação do
Campo, a qual possui sua gênese na Pedagogia da Alternância, no Brasil. Nascida
no velho mundo, na França, essa proposta educacional chega em terras Latinas
em uma conjuntura inóspita aos contextos sociais e ambientais, apesar disso, sua
difusão ocorre na maioria dos Estados brasileiro. Na atualidade, essas experiências
propiciaram contribuições importantes à formação integral dos estudantes do campo
e ao desenvolvimento do meio das comunidades onde estão inseridas, a partir da

413
organização da associação local e a práxis teórico metodológico da pedagogia da
alternância.
Essas são caracterizadas como Centros Educativos de Formação em
Alternância que coadunam os conteúdos escolares aos conhecimentos das
populações do campo, ressignificando a educação e tornando-a mais significativa aos
estudantes, famílias e comunidades rurais. Ainda, compartilham a responsabilidade
educacional entre os atores sociais que refletem a importância de uma educação
contextualizada e compatível com as necessidades e realidades das populações do
campo. Reconhecem outros espaços de educação para além dos muros da escola,
valorizando e considerando os processos educacionais no ambiente familiar e
comunitário.
Entendemos que essas experiências educacionais contribuem na oferta e
desenvolvimento da educação às populações do campo, pois essas constituem seu
processo educacional junto aos conhecimentos dessas, ressignificando e tornando-
os curricular.

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2013.

416
SOBRE OS ORGANIZADORES
ANE CARINE MEURER

Possui Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Dom


Bosco (1987), Mestrado em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (1997) e Doutorado em Educação pela
Universidade Federal da Bahia (2003). Atualmente é professor da Universidade Fe-
deral de Santa Maria, atuando como Diretora do Centro de Educação da UFSM. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e Movimentos Sociais,
atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Educação do Campo, Pro-
jeto Político-Pedagógico, e Formação de Professores.
IVANIO FOLMER

Graduado em Geografia Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria


(2014). Mestre em Geografia pelo Programa de Pós Graduação em Geografia-PP-
GGEO/UFSM (2018). Doutorando em Geografia-PPGGEO/UFSM com previsão de
término em 2022. Participante de diversos projetos de pesquisa e extensão, com as
temáticas de Educação no campo; Educação Ambiental; Gênero e sexualidade; Mor-
talidade Infantil; Catadores e Memória e Patrimônio Cultural. É professor da Rede Es-
tadual do RS na Área das Humanas - Componente Curricular: Geografia. Tutor EAD
no Curso Licenciatura em Educação do Campo UAB/UFSM desde 2018. Integrante
do Grupo de Pesquisa em Educação e Território- GPET.
RICARDO SANTOS DE ALMEIDA

Mestrado: Geografia pela UFS (2016). Especializações: Práticas Assertivas da Edu-


cação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos - com Ênfase em Di-
dática pelo IFRN (2020), Geografia Humana e Econômica pela UNINTER (2019),
Administração Pública pela UCAM (2016); Geografia e Meio Ambiente pela UCAM
(2014); Educação do Campo pela UCAM (2013); Formação para a Docência do Ensi-
no Superior (2011). Graduações: Pedagogia pela UNINTER (2018), Geografia Licen-
ciatura pela UFAL (2014), Gestão de Pequenas e Médias Empresas pela FAA (2009).
Desenvolve pesquisas relacionadas às temáticas: agronegócio, território e territoriali-
dades, processos de ensino-aprendizagem em Geografia e Educação do/no campo.
Docente da rede pública de Porto Calvo/AL e da Educação Básica Técnica e Tecnoló-
gica Substituto de Geografia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Alagoas Campus Marechal Deodoro. Pesquisador do: Núcleo de Estudos Agrários
e Dinâmicas Territoriais (NUAGRÁRIO/UFAL) desde 2009; Grupo de Estudos e Pes-
quisa em Análise Regional (GEPAR/UFAL); Geoprocessamento e a Cartografia no
Ensino de Geografia (GCEG/UFAL) desde 2016; e Núcleo de Pesquisa e Extensão
em Educação de Jovens, Adultos e Idosos e Campesinos (NUPEEJAIC/UNEAL) des-
de 2020. E-mail: [email protected].
www.arcoeditores.com /arcoeditores @arcoeditores [email protected]

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