Livro Ebook Saberes e Resistencias Miranda e Ana
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SABERES, DIÁLOGOS E
RESISTÊNCIA
Organizadores
Ane Carine Meurer
Ivanio Folmer
Ricardo Santos de Almeida
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
SABERES, DIÁLOGOS E RESISTÊNCIA
10.48209/978-65-994306-7-1
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Adilson Tadeu Basquerot e Silva Prof. Dr. Mateus Henrique Köhler -
– UNIDAVI/SC UFSM- Santa Maria/RS
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Profa. Msc. Jesica Wendy Beltrán Profa. Dra. Liziany Müller Medeiros -
-UFCE- Colômbia UFSM- Santa Maria/RS
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Profa. Dra Fabiane dos Santos Ramos - Prof. Dr. Camilo Darsie de Souza -
UFSM- Santa Maria/RS UNISC- Santa Cruz do Sul/RS
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Dr. João Riél Manuel Nunes Vieira de Prof. Dr. Dioni Paulo Pastorio - UFRGS -
Oliveira Brito - Porto Alegre/RS
UAL - Lisboa- Portugal. http://lattes.cnpq.br/7823646075456872
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Prof. Dr. Leonardo Bigolin Jantsch -
Profa. Dra. Alessandra Regina Müller UFSM- Palmeira das Missões/RS
Germani - http://lattes.cnpq.br/0639803965762459
UFFS- Passo Fundo/RS
http://lattes.cnpq.br/7956662371295912 Prof. Dr. Leandro Antônio dos Santos
-UFU– Uberlândia/MG
Prof. Dr. Everton Bandeira Martins - http://lattes.cnpq.br/4649031713685124
UFFS - Chapecó/SC
http://lattes.cnpq.br/9818548065077031 Dr. Rafael Nogueira Furtado -
UFJF- Juiz de Fora/MG
Prof. Dr. Erick Kader Callegaro Corrêa - http://lattes.cnpq.br/9761786872182217
UFN- Santa Maria/RS
http://lattes.cnpq.br/2363988112549627 Dra. Angelita Zimmermann -
UFSM- Santa Maria/RS http://lattes.
Prof. Dr. Pedro Henrique Witchs - UFES cnpq.br/7548796037921237
- Vitória/ES
http://lattes.cnpq.br/3913436849859138 Profa. Dra. Francielle Benini Agne
Tybusch –
Prof. Dr.Thiago Ribeiro Rafagnin - UFN- Santa Maria/RS
UFOB http://lattes.cnpq.br/4400702817251869
http://lattes.cnpq.br/3377502960363268
Prefácio
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4761390738481571
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9224-7489
Moisés da Luz
Marcelo Vaz Pupo
Altair Groff
Angelita Zimmermann
Ane Carine Meurer
SOBRE OS ORGANIZADORES
IVANIO FOLMER.............................................................................418
WILLIAMS
15
advindos da cidade com o intuito de superar os problemas rotineiros, como a seca,
característica daquela região.
Nessa perspectiva, pensando a partir deste lugar, faz-se relevante discutir a
cultura do campo como tendo seus modos de produção e de construção de signifi-
cados e valores próprios, inserida em uma cultura nacional e que tem contribuições
importantes para a sociedade como um todo. Farei isto por meio dos textos acima
citados, sempre os confrontando e dialogando com a realidade do campo, a partir
das experiências enquanto sujeito do campo, professor e pesquisador.
16
expressa isso nas instituições, nas artes e no conhecimento” (WILLIAMS, 2015a,
p. 5). Tomamos o campo como lugar de enfrentamento, cuja organização social é
marcada por desafios, como as lutas pela terra, contra a seca, assistência do Estado
no que se refere à produção, dentre outras. Contudo, esses desafios são em gran-
de medida superados pela participação ativa de movimentos sociais, cooperativas,
associações e sindicatos rurais e outras organizações específicas do campo. São
instituições muitas das vezes com economias próprias, que produzem conhecimento
e articulam ideias a fim de melhorar a vida no meio rural. Além disso, a cultura cam-
ponesa é expressa em movimentos artísticos preservados durante anos, como a
literatura, a música, o artesanato, a pintura, dentre outros.
Sabemos que os processos de industrialização acarretaram na centralização
do poder na cidade. O ideal urbano foi e continua sendo propagado pelas elites,
pela mídia e, por vezes, pelo próprio Estado. Essa disseminação da cultura urbana
tem influência na cultura do campo, isso é um fato. É inegável que determinados
padrões sejam por vezes adotados, tendo em vista a ampla divulgação da mídia para
o consumo de bens e serviços. No entanto, os sujeitos do campo não são meramen-
te influenciáveis, como tal ideal tende a induzir. A metáfora do velho mascate, que
Williams (2015a) cita, diz-nos muito acerca dessa questão. O autor, por meio desta,
posiciona-se criticamente em relação a como a classe trabalhadora da Inglaterra do
século XX é vista, inclusive por meio das próprias áreas do conhecimento.
Essa metáfora nos ajuda a entender que as pessoas do campo não são aliena-
das, que têm seus meios próprios de pensar e rejeitar as coisas e não são meramen-
te influenciáveis. Aqueles que estão na posição de prestígio, da elite, podem imaginar
que estão lhes manipulando, mas na verdade eles rejeitam muito mais do que ima-
ginam e têm seus próprios padrões no seu próprio campo, que vão de encontro aos
17
que aqueles da elite urbana tenta impor.
Do mesmo modo, Williams (2015a), em suas considerações sobre a cultura
inglesa – que, como já foi dito, diz-nos muito sobre as relações de poder atuais entre
campo e cidade, acredita que a classe trabalhadora não deve, de forma alguma, ser
pensada como separada da cultura, apesar de estar suprimida de determinados pro-
cessos às custas da dominação imposta. Nesse sentido, o autor pontua que
Isso leva Williams a não aceitar o termo “massa de ignorantes” ao se referir aos
trabalhadores, como faziam os marxistas, que ele critica. Ele concorda com o fato de
que a cultura de dominação de classe está restrita a uma classe pequena, mas deixa
claro que isso não deve acarretar na inferiorização da cultura daqueles que não fa-
zem parte da elite. O modo de vida de uma sociedade, segundo o autor, é marcado
por produções e conquistas de diferentes classes, inclusive da própria burguesia. Ele
admite que “o tempo livre conquistado pela burguesia nos legou muitas coisas de va-
lor cultural” (WILLIAMS, 2015a, p. 11), porém, esse fato não quer dizer que a cultura
burguesa se caracteriza como a própria cultura contemporânea. Existem diferentes
obras de arte, de conhecimento e produção de significados naquelas culturas que
não estão na posição de prestígio, mas que dizem muito sobre uma cultura nacional.
Nessa perspectiva, cabe pontuar que os trabalhadores do campo não necessa-
riamente vão aceitar e/ou ter desejo por tudo o que venha a ser disseminado como
ideal pela classe burguesa urbana atual, embora possam incorporar determinadas
coisas, se for de seu interesse. Do mesmo modo, suas produções também estão
marcadas no modo de vida da sociedade em geral, apesar de não ser dado o devido
valor, assim como Williams (2015a) descreve as relações da cultura inglesa (mais
uma vez tomando o duplo lugar de sujeito com suas origens na classe trabalhadora
e de acadêmico com modo de vida diferente), na qual encontramos ressonância com
a discussão atual.
18
Há um modo distinto de vida da classe trabalhadora a que, eu pelo menos,
dou muito valor – não porque fui criado nesse modo, uma vez que, de certa
forma, agora vivo de um jeito diferente. Penso que esse modo de vida, com
sua ênfase na vizinhança, obrigações mútuas e progresso comum, como ex-
presso nas grandes instituições políticas e industriais da classe trabalhadora,
é de fato a melhor base para uma sociedade inglesa futura. Quanto às artes e
ao aprendizado, são, em um sentido real, uma herança nacional que está, ou
deveria estar, disponível para todos (WILLIAMS, 2015a, p. 11-12).
Pensando por outro lado, os avanços acarretados pela globalização, que, ape-
sar de ser uma forma de expansão por todo o mundo de um ideal urbanocêntrico
ocidental, são importantes no que se refere às tecnologias e à facilidade de acesso
a bens e serviços pela população do campo. Assim como Williams (2015a) pontua
sobre a relevância da revolução industrial para os povos do campo daquela época
na Inglaterra, devemos reconhecer que tais tecnologias facilitam a vida no campo e
contribuem para avanços nos processos de produção na agricultura e na pecuária, a
título de exemplo. O autor destaca essa questão por meio de sua própria experiência,
quando conta:
Hoje, a máquina a vapor e o motor a óleo, aos quais Williams se referia, são as
modernas máquinas agrícolas e até aplicativos que facilitam a produção. Obviamen-
te nem todos os produtores do campo têm acesso a esses serviços, mas ao passo
que a tecnologia tem avançado, a vida de mais pessoas do campo tem sido facilitada.
Da mesma forma, também há pontos negativos nesses avanços. Mas o fato é que os
trabalhos manuais, árduos e arriscados têm sido substituídos por equipamentos que
tiram o peso do produtor. As instituições, que oferecem serviços de educação, saúde,
assistência, dentre outros, também têm avançado no sentido de facilitar o acesso
às pessoas do campo. Williams (2015a) faz uma crítica àqueles que, em grande
19
medida, são contra determinados avanços para os trabalhadores que vieram com a
Revolução Industrial:
Não tenho paciência para ouvir a cantilena de sempre contra tudo isso, a sa-
ber, o desprezo com que muitos se referem ao encanamento, aos minicarros,
à aspirina, aos contraceptivos, à comida enlatada. Mas respondo a esses
fariseus: água suja, latrina, andar cerca de quilômetros todos os dias para
chegar ao trabalho, dores de cabeça, mulheres desgastadas, fome e uma
dieta monótona. Os trabalhadores, tanto do campo como da cidade, não vão
dar ouvidos (e têm todo o meu apoio) a qualquer versão de nossa sociedade
que parta do pressuposto de que essas coisas não representam um progres-
so, e não apenas um progresso mecânico, extrínseco, mas um avanço real da
própria vida (WILLIAMS, 2015a, p. 15).
Além dessas questões, o autor também acredita que esse novo contexto para
os trabalhadores possibilita uma maior liberdade, uma maior compreensão e uma
maior margem para opinar (WILLIAMS, 2015a). Para a população do campo, estar
conectada aos avanços possibilita à classe trabalhadora estar em uma interação
mais efetiva com o que acontece, pensar e agir criticamente, podendo assim buscar
melhorias para além do seu canto de terra.
Nesse sentido, Williams trata da capacidade da classe trabalhadora, descrita
como as massas4, de fazer uma leitura inteligente e posicionar-se criticamente em
meio a produções culturais e opiniões da imprensa. Mais uma vez trazendo o exem-
plo de sua família, cita a facilidade do seu pai em entender questões complexas da
sociedade e confrontar informações por meio da leitura. Ele afirma que essa capaci-
dade do seu genitor “trata-se apenas de inteligência, mesmo que parcialmente for-
mada” (WILLIAMS, 2015a, p. 19-20). Com isso, ele nos diz que, apesar de algumas
pessoas terem pouco acesso à educação, são capazes de ler e interpretar fatos de
forma crítica, sob um olhar que leva em conta a experiência e o contato com a vida
real nas situações mais cotidianas.
Tendo em vista essas questões, a educação se torna um instrumento essencial
para formar cidadãos ainda mais críticos. Dessa forma, faz-se primordial facilitar o
acesso à educação e promover um currículo contextualizado para a população do
campo. Assim, Williams (2015a) pontua que é importante reconhecer que a educa-
ção também é algo comum, que se caracteriza como um “[...] processo de dotar todos
4 O autor afirma que “as massas não existem de fato, o que existem são modos de ver pes-
soas como massas (WILLIAMS, 2015, p. 16).
20
os membros da sociedade com a totalidade de seus significados comuns e com as
habilidades que lhes possibilitarão retificar esses significados, à luz de suas próprias
experiências pessoais e comuns” (WILLIAMS, 2015a, p. 21). Ou seja, os sujeitos do
campo devem estar em contato com conhecimentos que são comuns à sociedade,
mas trabalhados de forma que dê margem para que possam criticar esses próprios
conhecimentos, por meio de suas vivências em seu contexto cultural, e que atenda
às suas necessidades. Do mesmo modo, a educação também deve permitir que
esses sujeitos também produzam conhecimento no ambiente escolar, assim como o
fazem em outras instâncias.
Nessa perspectiva, Williams (2015b) acredita que a criação de significados e
valores não pode se restringir a uma minoria. Essa ideia é por muitas vezes dissemi-
nada, ao se pensar na elite urbana como a única encarregada dessa criação. Con-
tudo, é preciso reafirmar que a cultura do campo, assim como outras historicamente
subjugadas, tem grandes contribuições para a criação dos significados e valores
da sociedade em geral. O fato é que, assim como a análise de Williams acerca da
Grã-Bretanha contemporânea, essas pessoas eram excluídas pelo próprio sistema
educacional, no que se refere aos significados construídos por seus antepassados e
à participação ativa na evolução destes e de outros significados (WILLIAMS, 2015b).
Isso se dá por conta, dentre outros fatores, da propagação da cultura burguesa urba-
na e seus significados como aquilo que é ideal. Nesse sentido, as críticas de Williams
são pertinentes, quando ele afirma que
Não seria uma cultura comum (embora seja possível chamá-la de cultura em
comum) se alguns segmentos existentes de experiência, organizados de uma
maneira particular, fossem simplesmente propagados – e ensinados – a ou-
tros, de modo que então os tivessem como um domínio comum. Segue-se, a
partir da ênfase original, que a cultura de um povo só pode ser o que todos os
seus membros se empenham em criar no ato de viver: que a cultura comum
não é a disseminação geral do que uma minoria queira dizer e crer, mas a
criação de uma condição na qual o povo como um todo participe da articula-
ção de significados e valores e das consequentes decisões entre este e aque-
le significado, entre este e aquele valor (WILLIAMS, 2015b, p. 54).
21
que emite significados e outros que apenas os recebem. Seria mudar a lógica de que
a cultura urbana produz significados e estes são repassados à população do campo
como aquilo que é ideal. Do mesmo modo, seria também colocar essas pessoas do
campo como protagonistas da criação de seus próprios significados, que também
podem ser emitidos e recebidos por outros. Isto é, para que envolva uma corroboração
de todos (WILLIAMS, 2015b).
Por este ângulo, Williams (2015b) afirma que, para que haja uma cultura
comum, é preciso uma democracia educada e participativa. Em outras palavras, de
acordo com o autor, seria uma educação amplamente disponibilizada, que viesse
a fornecer meios para que os sujeitos estivessem qualificados para participar ati-
vamente do processo de construção de significados e valores. A questão é que, no
caso da educação do campo, quando disponibilizada para todos de uma determinada
região, os sujeitos enquanto aprendizes foram historicamente educados a partir de
um padrão urbano, que não lhes permitia ter voz ativa no processo de aprendizagem.
Isso acarretou em uma tentativa de imposição de conhecimentos e pensamentos de
uma cultura urbana, que, ensinados como a imagem do ideal, moldaram a ideia de
cultura nas escolas do campo. Nesta linha, Williams aborda mais um ponto relevante
para esta discussão, quando diz que
Qualquer sociedade rumo à qual possamos nos mover terá, antes de tudo,
uma complexidade tão considerável que nesse sentido ninguém poderá pos-
suir “propriedade cultural” da mesma forma, inevitavelmente, as pessoas al-
cançarão aspectos diferentes da cultura, escolherão aquele em vez deste,
prestarão atenção neste e esquecerão aquele. Se for um ato de escolha, é
inteiramente bem-vindo; se a decisão do que é acessível e do que é omitido
for um ato de escolha alheia, então com certeza desaprova-se (WILLIAMS,
2015b, p. 57).
22
podendo ser os conhecimentos advindos da cultura urbana, inclusive, ou simples-
mente negando-os.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
WILLIAMS, Raymond. A ideia de uma cultura comum. In: ______. Recursos da Es-
perança. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
23
10.48209/978-65-CAMPO6-7-3
LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR
EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
CAMPINA GRANDE:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
A Educação do Campo é uma política pública que nos últimos anos vem se
fortalecendo no Brasil. Essa política pública é caracterizada como o pagamento de
uma dívida histórica do Estado aos sujeitos do campo, que tiveram negado o direito a
uma educação de qualidade, uma vez que os modelos pedagógicos marginalizavam
os sujeitos do campo, já que se vinculavam ao mundo urbano, desconhecendo a di-
versidade sociocultural do povo brasileiro. Desta forma, Caldart (2002) destaca que
os sujeitos do campo têm direito a uma educação pensada, desde o seu lugar e com
a sua participação, ligada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais.
A partir desse direito surgiu o curso de Licenciatura em Educação do Campo,
voltado para formar profissionais para atuarem nas escolas do campo, tendo assim
uma formação diferenciada das outras licenciaturas, pois o Curso de Licenciatura em
Educação do Campo visa formar sujeitos para atuarem por área de conhecimento e
não por disciplinas isoladas, gerando assim uma maior amplitude na área de atuação
dos profissionais da Licenciatura em Educação do Campo.
Partindo do pressuposto de que a Licenciatura em Educação do Campo tem
por objetivo formar professores para atuarem por área de conhecimento, nos surgiu
a inquietação de entendermos como se dá o processo formativo do(a) licenciando(a)
em Educação do Campo da Universidade Federal de Campina Grande.
Assim sendo, essa pesquisa tem por objetivo apresentar o surgimento e o per-
curso formativo da Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da Universi-
dade Federal de Campina, tendo por base o Projeto Pedagógico do Curso Interdis-
ciplinar em Educação do Campo.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
25
pesquisa no Projeto Pedagógico do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo
da Universidade Federal de Campina Grande.
Os dados foram analisados a partir de uma abordagem qualitativa, apresenta-
dos através de quadros e discutidos de forma descritiva.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
26
ser predominante dentro e fora da universidade, num ponto de vista de que o campo
é uma divisão sociocultural, que deve ser superado e não sustentado. Por isso con-
cordamos com Silva quando a mesma afirma que:
Dessa forma, se compreende que na década de 1940 existia uma grande luta
pelo direito à escola, impedindo assim o acesso ao saber estruturado, gerando assim
uma repetição do capital para qualificar mão de obra boa e barata.
Ainda segundo Silva (2011), no dia a dia das relações sociais do campo/rural
observa-se como os valores da sociedade urbana são impostos de forma acentua-
da, fazendo uma mistura de velhos e novos elementos como partes do processo de
modernização conservadora capitalista, nas relações sociais de produção e vai-se
construindo uma concretude e um entendimento do campo sem uma perspectiva de
desenvolvimento sustentável, e, portanto, sem gente.
Essas maneiras de avanço do capitalismo no campo juntamente com o modelo
de educação rural contribuíram para a desterritorialização e a erradicação dos povos
do campo de seu ambiente, e da busca da zona urbana como única perspectiva de
vida e de sobrevivência. Essa determinação leva a uma drástica perda de valores
de uma cultura, a perda de identidade, por este motivo a escola precisa também ser
pensada como lugar de resistência dessa imposição (CALDART, 2002).
De acordo com Molina (2015), as mudanças na ideia de educação rural para
educação do campo não se deram unicamente pela verificação da escola rural, mas
também pela rejeição ao processo conservador de modernização para o campo, pro-
tegido pelo poder político e pelas elites agrárias. A educação do campo é contrária
ao modelo de desenvolvimento capitalista que combina latifúndio e agronegócio, pois
estes são grandes culpados pela exclusão e morte dos camponeses. A educação do
campo numa nova concepção está ligada à reforma agrária e à agricultura campone-
sa e agroecológica.
27
A emergência da educação do campo caracteriza-se pela ausência, pela expe-
riência e pela proposição. O Estado deveria assegurar o direito dos sujeitos do cam-
po à escolaridade, e a uma formação consistente e contextualizada para professores
trabalharem nessas escolas do campo. Dessa forma, a experiência que é desenvol-
vida pelos movimentos sociais e organizações não governamentais foram as bases
para a elaboração da proposta da educação do campo (AUDER e VENDERMINI
(2012).
A partir de 1980 começaram a surgir Centros de Educação Popular que eram
constituídos em sua maioria por militares cristãos, estudantes intelectuais que pro-
curavam recuperar a concepção de educação popular que tiveram seus trabalhos
iniciados na década anterior, e tinha a finalidade de ajudar os movimentos sindicais e
populares que começavam a se rearticular no país (PIRES, 2012).
Segundo Silva (2011), esses Centros de Educação Populares tiveram uma
grande contribuição para a implantação do movimento de Educação do Campo e
das práticas educativas desenvolvidas por organizações desde o final dos anos de
1980. Tais centros tinham o trabalho voltado para a “convivência com o semiárido”,
e já existia o debate sobre a necessidade de se reinventar as escolas localizadas
na zona rural, além de se ter formação inicial e continuada para os educadores que
iriam atuar no campo, e também trazer a contextualização da educação como forma
de mostrar o real significado do ensino/aprendizagem e, principalmente, de colocar a
escola em conversa com a realidade, os sujeitos e as organizações sociais.
A declaração de que as pessoas do campo têm direito a uma educação con-
textualizada com a sua realidade surgiu para oferecer aos sujeitos do campo uma
educação voltada para sua vida, sua cultura e sua forma de trabalhar, que hoje em
dia conhecemos como Educação do Campo (PIRES, 2012).
Ainda segundo Silva (2011), das argumentações levantadas pelos movimentos
da sociedade civil organizada e de iniciativas de instituições de ensino superior, re-
queridos nos anos de 1990, torna-se questão estratégica e temática a formação de
docentes para a educação básica. Algumas iniciativas foram fundamentais na forma-
ção e apresentação da Educação do Campo como:
28
vamente em julho de 1998 e em 2004, a articulação nacional das expe-
riências educativas da Pedagogia da Alternância nos Centros de Forma-
ção Familiar por Alternância - CEFFAS em 2000, a articulação da Rede
de Educação do Semiárido Brasileiro - RESAB em 2000, a Marcha das
Margaridas que reivindicou a criação da Coordenação de Educação do
Campo em 2004 (SILVA, 2011 pg. 411).
29
po. É de conhecimento público o documento da Coordenação Geral de Educação do
Campo/SECAD/MEC que, dentre outras questões destaca:
30
ção fundamental para implantação dos futuros profissionais da Educação do campo
no mercado de trabalho (SANTOS, 2013).
Através do CONSED, quatro universidades Federais foram convidadas a de-
senvolver uma experiência piloto, foram ela: Universidade de Brasília - UnB, Univer-
sidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal da Bahia - UFBA e a
Universidade Federal de Sergipe - UFS. Atualmente temos 42 novos cursos de Licen-
ciatura em Educação do Campo, totalizando 46 cursos em todo território brasileiro.
Segundo Molina (2015), o curso de Licenciatura em Educação do Campo tem
como alvo a escola de Educação Básica, com destaque na construção da Organiza-
ção Escolar e do Trabalho Pedagógico para os anos finais do Ensino Fundamental e
do Ensino Médio. Os cursos têm como objetivo preparar educadores para irem além
da docência e operarem na gestão de processos educativos escolares e na gestão
de processos educativos comunitários.
De acordo com a organização da carga horária do mencionado curso, utiliza-se
o regime de alternância, isto é, os graduandos alternam períodos presenciais con-
centrados de aulas na universidade, equivalentes a semestres de cursos regulares.
Esses momentos são chamados de “tempo/espaço escola-curso”. As atividades a
serem desenvolvidas pelos alunos nos seus locais de trabalho e moradia, orientadas
pelos professores, ou pela coordenação do curso, ou pelas assembleias dos próprios
estudantes serão desenvolvidas no que o curso denomina de “tempo/espaço comu-
nidade-escola do campo” (SILVA, 2011).
A organização curricular estrutura-se, observando a oferta de disciplinas, em
três níveis de formação articulados e integrados: a) formação básica; b) formação
integradora; c) formação específica. Nesse sentindo, Rodrigues (2002) destaca que
a educação do campo requer uma formação que ultrapasse a educação formal, por
esta estar ligada às fronteiras que impedem os sujeitos de desenvolverem um projeto
histórico de emancipação humana.
31
e as Universidades Públicas, dentre as quais a UFCG aderiu desde o princípio. O
processo de criação deste curso em nível nacional foi romper com a formulação do
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
– PROCAMPO, com o primeiro passo da Secretaria de Educação Continuada, Alfa-
betização e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC.
32
pedagógicas necessárias para concretizá-la como direito humano e como ferramenta
do desenvolvimento social. O curso tem ainda como objetivos específicos habilitar
professores (as) para a docência multidisciplinar na educação do campo nas seguin-
tes áreas de conhecimento: Linguagens e Códigos, Ciências Humanas e Sociais e
Ciências Exatas e da Natureza, e formar educadores (as) para atuação na Educação
Básica com competências a fazerem a gestão de processos educativos e a desen-
volverem estratégias pedagógicas que visem à formação de sujeitos autônomos e
criativos capazes de produzir soluções para questões inerentes a sua realidade, vin-
culadas à construção de um projeto de desenvolvimento sustentável para o país.
A Licenciatura em Educação do Campo se estabelece pela sua especificidade
de formar professores (as) para atuar nas escolas básicas do campo, preparando
e estimulando educadores para uma atuação que vá além da docência e dê conta
da gestão dos processos educativos que acontecem na escola e nos seus arredo-
res. Para isso seu projeto pedagógico se caracteriza para se desenvolver de modo
articulado, ensino, pesquisa e extensão para habilitar professores para a docência
multidisciplinar nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio por meio
de um currículo organizado por áreas de conhecimentos.
O curso está organizado no regime presencial e adotando o sistema de créditos
com abordagem na metodologia da alternância, o curso compreende um total de 235
créditos e 3.525 horas, a serem integralizadas, no mínimo, em oito e, no máximo,
em doze períodos letivos, com aulas concentradas em três dias da semana: quartas,
quintas e sextas.
O trabalho pedagógico, conforme a metodologia da alternância é desenvolvido
em dois tempos: tempo escola e tempo comunidade. O tempo academia – que é o
tempo de formação na academia, desenvolvido na Unidade Acadêmica de Educação
do Campo do CDSA/UFCG na cidade de Sumé. O tempo comunidade – compreen-
dido como o tempo de exercício da prática pedagógica, da pesquisa e da extensão é
desenvolvido nos locais de trabalho/moradia dos estudantes.
A matriz curricular está organizada em três dimensões da formação docentes
articuladas e integradas: Formação básica, formação específica e formação Inte-
gradora.
33
A formação básica tendo como base o estudo da literatura pertinente e a
análise crítica de distintas realidades educacionais, inclui, entre outros aspectos, a
“utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de
aprendizagem”. Caracteriza-se pela formação geral do alunado, incluindo conheci-
mentos que subsidiam a docência, quanto às dimensões filosófica, sociológica, his-
tórica, política, psicológica, econômica, cultural etc.
A formação específica está voltada às áreas de atuação profissional e englo-
ba: os conhecimentos básicos para a prática pedagógica em cada área do conhe-
cimento para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio do
campo; e a gestão, coordenação, avaliação do trabalho pedagógico, a criação e uso
de textos, materiais didáticos, procedimentos, metodologias e processos de aprendi-
zagem que abrangem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira.
Engloba, portanto, conhecimentos designados à capacitação do docente para
os conteúdos e metodologias específicas de sua área de atuação, além de conhe-
cimentos desejando uma maior modernização da formação docente frente às trans-
formações de uma sociedade complexa e plural. Dessa forma, são propostas as
seguintes áreas de aprofundamento: Ciências Humanas e Sociais, Ciências Exatas
e da Natureza e Linguagens e Códigos.
34
O graduando em Licenciatura em Educação do Campo trabalha com um re-
pertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos
teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada pelo exercício da profis-
são, fundamentando-se em interdisciplinaridade, contextualização, democratização,
pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Este repertório
se constituir por meio de múltiplos olhares, próprios das ciências, das culturas, das
artes, da vida cotidiana, que proporcionam leitura das relações sociais e étnico-ra-
ciais, também dos processos educativos.
Entre o período de setembro de 2009 a dezembro de 2020 houve algumas mu-
danças no seu projeto inicial da Licenciatura em Educação do Campo, entre eles po-
demos destacar: dias do tempo academia, forma de ingressar no curso e inserção de
novas disciplinas no percurso formativo. Essas mudanças são frutos de debates en-
tre o NDE, colegiado do curso, alunos e docentes que estão finalizando a elaboração
de um novo Projeto Pedagógico do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
35
e profissional.
Nesse contexto a Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da
UFCG é de grande relevância para a educação, devido a sua especificidade de for-
mar professores (as) para atuar nas Escolas Básica do Campo, preparando educado-
res para uma atuação que vá além da docência e dê conta da gestão dos processos
educativos que acontecem na escola e no seu entorno. Para tanto seu projeto pe-
dagógico se caracteriza para se desenvolver de modo articulado ensino, pesquisa e
extensão para habilitar professores para a docência multidisciplinar nos Anos Finais
do Ensino Fundamental e no Ensino Médio por meio de um currículo organizado por
áreas de conhecimentos numa perspectiva interdisciplinar, diferenciando das demais
licenciaturas que formam por campo disciplinar.
REFERÊNCIAS
Gil, Antônio Carlos, Métodos e Técnicas de Pesquisa Sociais 6. ed.. São Paulo:
Atlas, 2012.
PIRES, Ângela Monteiro Pires. Educação do Campo Como Direito Humano. São
Paulo: Cortez, 2012.
36
RODRIGUES. ROMIR. Reflexões Sobre a Organização Curricular por Área de
Conhecimento In:___. CALDART. Roseli Salete et al (Org). Caminhos para trans-
formação da Educação: Reflexões desde práticas da Licenciatura em Educação do
Campo. São Paulo: Expressão Popular: 2002. P. 101-126
37
10.48209/978-65-CAMPO6-7-4
PARAIBANO7
39
de 2000 nas comunidades ribeirinhas atingidas pela barragem de Acauã no Município
de Itatuba, agreste do Estado da Paraíba.
Em meio a isso, há também a investigação da abordagem do uso pelo MAB da
concepção de Educação do campo (CALDART, 2009) pelo MAB (2005). Ao mesmo
tempo investigo a formação e organização coletiva da população atingida no MAB
Acauã, e sua configuração enquanto mobilização e resistência social.
Diante do exposto, resta saber, enquanto problemática de pesquisa: Como
se constituiu e, ao mesmo tempo vem se revelando, no âmbito nacional e local, a
pedagogia dos povos atingidos por barragem, enquanto política pública de educação
do movimento dos atingidos por barragem do Brasil?
A justificativa principal desta pesquisa se concentra na identificação de novas
práticas educativas associadas aos movimentos sociais na cultura local, em um
determinado território brasileiro.
Haja vista, tais novas práticas educativas, ligadas a políticas educacionais,
resultam de novas demandas sociais, diante de uma sociedade cada vez mais
globalizada e em constante mudanças, especialmente atreladas a populações do
campo atingidas por barragem.
DESENVOLVIMENTO
A cultura local
40
Geertz (1997, pp. 13-15) explica que ao abandonar a tentativa de explicar
fenômenos sociais através de uma metodologia que os tece em redes gigantescas de
causas e efeitos, em vez disso teria que tentar explicá-los colocando-os em estruturas
locais de saber, por sua vez “a cultura é adquirida, os costumes variam, o mundo é
composto por uma variedade de tipos humanos”.
Ou seja, a expressão de compreensão da diversidade de culturas implica
em considerar um princípio norteador, o da alteridade, outra que para que haja o
entendimento da cultura local também implica na aceitação do outro.
Geertz (1997, pp. 29-86) propõe que o estudo interpretativo da cultura representa
um esforço para aceitar a diversidade entre várias maneiras que seres humanos tem
de construir suas vidas no processo de vive-las, isto é, para o autor é necessário que
o antropólogo veja o mundo do ponto de vista dos nativos.
Quanto ao conceito de cultura, (GEERTZ, 1997, p. 115) implica em analisar o
senso comum e não necessariamente seu exercício, deve, portanto, iniciar-se por
um processo em que se reformule esta distinção com reflexão prévia aos problemas
sociais cotidianos.
Logo isso, demonstra a dedicação do pesquisador especialmente o antropólogo
no uso de suas atribuições, de um olhar treinado, de uma sensibilização de um olhar
para a cultura local, uma vez que o significado é, está para compreender os modos
de vida dos sujeitos como eles são e por eles mesmo, isto é, fazendo com que haja
a possibilidade que eles falem por eles.
41
decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base
referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo (GOHN,
1995, p. 44).
A Educação do campo
A politização das demandas sociais pelos movimentos sociais pode surgir di-
versas propostas de políticas públicas sociais articuladas aos direitos sociais da
Constituição Federal do Brasil (1989), nesta ocasião a modalidade da Educação do
campo é uma demanda social oriunda das experiências históricas dos povos do cam-
po (FERNANDES; MOLINA, 2004).
Conforme afirma Caldart (2009, p.36) discutir sobre a Educação do campo hoje,
e buscando ser fiel aos seus objetivos de origem, nos exige um olhar de totalida-
de, em perspectiva, com uma preocupação metodológica, sobre como interpretá-la,
combinada a uma preocupação política, de balanço do percurso e de compreensão
das tendências de futuro para poder atuar sobre elas.
Segundo Caldart a “Educação rural” situa-se em uma educação eurocêntrica
colonizadora, onde seu objetivo principal é de colonizar o outro para que possa aten-
42
der suas necessidades para a manutenção do capital estrangeiro e nacional sobre-
tudo desconsiderando os modos de vida dos trabalhadores do campo e tornando-os
assalariados, por sua vez, acarretando a desvalorização dos modos de vida do Cam-
po, ou seja,
Dessa maneira, os modos de vida são revistos por meio da perspectiva de Edu-
cação, porém levando em conta todas as esferas da vida social [cultura, economia
local, trabalho e renda, saberes tradicionais, território e outros] que abrangem direta
e indiretamente as populações do campo em questão.
Trata-se também de acionamentos de dispositivos institucionais do campo jurí-
dico que regulam políticas sociais locais do cenário social em questão, uma vez que
envolve a comunidade em sua totalidade considerando seus conflitos e saberes no
processo de vivê-los considerando tanto seu passado quanto o presente.
Dito isto, as especificidades da Educação do campo são formas de reaver os
modos de vida das famílias, como também faz com que essa população se reconhe-
ça como tal podendo permitir a valorização e pertencimento a sua organização social
própria,
43
Portanto, ao falar de Educação do Campo, enquanto Política Pública, Nasci-
mento (2009, p. 189) considera “um processo de construção de um projeto Popular
Alternativo de desenvolvimento para o Brasil e para a realidade camponesa”, sendo
assim, especificando novos valores éticos e culturais.
Ou seja, a Educação do campo ocupa-se em pensar o campo e sua gente, seu
modo de organização social, do trabalho, espaço geográfico, da organização política,
de suas identidades culturais, celebrações e seus conflitos.
Segundo Fernandes e Molina (2004), de 1997 a 2004 aconteceu a especiali-
zação da Educação do Campo através de diversos movimentos sociais, discutindo
a escolarização das populações do campo, construção de materiais didáticos apro-
priados, valorizando as práticas dos educandos permitindo maior participação nos
seminários locais, regionais e nacionais.
44
escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do
campo (BRASIL, 2010).
Segundo Fernandes e Molina (2004), o campo da Educação do Campo é
analisado a partir do conceito de território como espaço político onde se realizam
determinadas relações sociais transformado em projeto de desenvolvimento
socioeconômico, cultural e ambiental contribuindo para transformar a realidade.
De tal modo que, “trabalhar na terra, tirar da terra a sua existência, também exige
conhecimentos que são construídos nas experiências cotidianas e como também na
escola” (FERNANDES; MOLINA, 2004, pp. 4-7).
Quanto as experiências cotidianas, o território é um espaço de relações
socioculturais, de disputas e de ligações afetivas, também é um território socialmente
construído entre grupo sociais, isto é, “compreender a territorialidade como o conjunto
daquilo que se vive pelo conjunto no cotidiano”, as relações de trabalho, familiares,
comunitárias, de consumo, de tal modo a não homogeneizar a sociedade (SOUZA;
PEDON, 2007, p. 136).
Já a construção da identidade no território, Souza e Pedon (2007) afirmam
ser um processo que se constrói ao longo do tempo, tendo como principal elemento
o sentimento de pertencimento do indivíduo ou grupo com seu espaço de vivência
e este sentimento de pertencer ao espaço em que se vive, de conceber o espaço
como lócus das práticas sociais e culturais, ou seja onde se tem o enraizamento de
sociabilidade ao mesmo tempo dá a esse espaço o caráter de território.
De modo geral, a educação do campo faz parte da política educacional brasileira,
é uma modalidade de ensino e aprendizagem para além dos muros da escola, outra
que ao longo de sua institucionalização vem sendo implantado cursos de graduação
e pós-graduação nos diferentes territórios brasileiros.
Logo, a Educação do campo é resultado de um longo processo histórico dos
povos do campo, de suas lutas sociais por direitos, especialmente em resposta às
desigualdades educacionais e da ausência de escolas de qualidade e que garantissem
o direito desses povos à educação de qualidade, contemplando suas culturas e
modos de vida.
45
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Terreno etnográfico I
História de atingidos por barragem
Estudar o tema atingidos por barragem no Brasil implica abordar uma complexa
46
interações sociais, políticas e produção de culturais de um povo, isso se constroi ao
longo da vida social se configurando numa resistência coletiva.
Terreno etnográfico II
A pedagogia dos povos atingidos por barragem
47
Com uma pedagogia dos povos atingidos (MEDEIROS, 2010), a Coordenação
Nacional do Movimento de Atingidos por Barragem do Brasil sistematizou uma proposta
de educação ampla e consistente para ser implantada nas comunidades reassentadas.
Assim, os coordenadores Estaduais se articularam com os coordenadores nacionais
para a implantação do projeto de educação nas respectivas regiões, ao mesmo
tempo foram viabilizadas parcerias com as secretarias dos Estados e Municípios na
elaboração de políticas sociais voltadas as populações atingidas.
Um aspecto importante identificado foi a vinculação da proposta educativa do
MAB (2005) às questões, desafios e mobilizações em prol também da Educação
do Campo (2010), mas com diretrizes e perspectivas próprias, dando respaldo às
reivindicações de políticas públicas de desenvolvimento e de educação específicas
direcionadas para os camponeses com identidade, trabalho, cultura, história e suas
formas e estágios de organização desses povos, visando a abrangência de todos os
níveis de escolaridade.
Diante da uma proposta formulada enquanto política pública de educação foram
realizados acordos e convênios entre o Movimento dos atingidos por barragem e
instituições públicas. Em conformidade passa a ser constituída uma rede de articulação
Estadual no intuito de mobilização das comunidades atingidas para o enfrentamento
e reivindicações no processo de solucionar os problemas socioeconômicos e
ambientais vividos por elas.
Diante disso, também reincide na proposta de Educação do MAB Brasil (2005)
o reconhecimento do campo como espaço de vida, moradia e trabalho, resultando a
necessidade de justiça e humanização dos povos atingidos que vivem nesse espaço
e que foram historicamente excluídos do direito à Educação e à Cultura erudita.
Dessa maneira, tal proposta educativa lista uma série de pretensões como
Diretrizes, entre elas: diagnosticar as necessidades de Educação dos povos atingidos;
fortalecimento de sua história e cultura; Mapear financiamentos, Editais, convênios
e parcerias; Elaboração de Projetos específicos; Elaboração de material didático-
metodológicos para o trabalho pedagógico (MAB, 2005).
Um aspecto importante nesse processo são as articulações político-
educacionais, em meio a isso, iniciativas do MAB diante de Instituições Públicas
de Estado, por sua vez podendo consistir em articulações também com Instituições
48
privadas.
Por sua vez, a ocorrência mais emblemática foi com o Ministério de Educação
e Cultura - MEC, para a aquisição de convênios, especialmente no período de 2004
a 2016, com consecutivas intermitências. Conforme discutido por Medeiros (2010),
este tipo de convênio possibilitou que as entidades conveniadas poderiam adotar a
linha teórico-metodológica própria principalmente para a Alfabetização de Jovens e
Adultos.
Dessa maneira, tendo sido garantidas as condições básicas de financiamento
do Projeto, o MAB seguiu a linha própria do Movimento (MEDEIROS, 2010). Com
essas iniciativas e reivindicações do MAB nacional foram adquiridos convênios
com estatais e desenvolvidas atividades através das Políticas Educacionais, assim,
garantindo as especificidades que o Movimento defende.
A Educação de jovens e Adultos (EJA), foi uma das principais pautas da
pedagogia dos povos atingidos por barragem, através de um convênio do MAB
nacional com o MEC e ELETROBRAS, neste projeto houveram duas etapas de 8
meses cada, contemplando todos os reassentamentos atingidos por barragem.
Diante de uma questão social complexa, há nesse processo justificativas
indispensáveis que resultou na criação da Pedagogia dos Povos Atingidos por
barragem: de inspiração Freiriana (1984), considera o alto índice de vulnerabilidade
socioeconômica, de analfabetismo e escolaridade incompleta.
49
Já no ano de 2015 foi desenvolvido o projeto Brasil Alfabetizado, ocorrendo
também um importante experiencia, o convênio entre o MAB e o Governo do Estado da
Paraíba, desta vez, o projeto também contempla a Educação de jovens e adultos nos
reassentamentos, agenciadas pela secretaria de Educação do Estado e o Movimento
dos atingidos por barragem, este segundo encarregando-se de fazer a mobilização
em cada reassentamento.
De modo geral a coordenação do MAB nacional (2005) considerou que ocorreu
um avanço significativo na sua organização como Movimento Social Organizado,
inserindo a Educação na sua Agenda Política (MEDEIROS, 2010), concebendo a
Educação como um direito social e na disposição para atuar na conquista desse
direito.
Ao mesmo tempo o MAB preocupou-se em conquistar espaços próprios de
Educação Formal, garantindo Certificação Oficial e com práticas Educativas que
consolidem a conscientização dos atingidos num contexto de resistência, organização
e luta com populações atingidas por barragens em diferentes territórios do Brasil.
Esta pesquisa vem ocorrendo em uma área territorial considerando três reas-
sentamentos agrovilas, são eles: sítio Cajá e sítio Melancia localizados precisamente
no município de Itatuba e do distrito de Pedro Velho do município de Aroeiras, todos
no agreste do Estado da Paraíba. Nessa região, no ano de 2000 foi instalada a bar-
ragem de Acauã, seus efeitos socioculturais, ambientais e econômicos foram inúme-
ros causando perdas e deslocamento territorial.
Consequentemente, de acordo com o levantamento realizado pela comissão
especial de direitos humanos formada para avaliar os impactos negativos no de 2005
(CCEDH, 2005: 2007) constatou que há uma média de 5 mil habitantes atingidos pela
represa.
O interesse de estudar esta região se deu por eu ter residido em uma das
comunidades atingidas, o Sítio Cajá zona rural de Itatuba-PB. Diante disso, com
minha inserção no curso Licenciatura em Ciências Sociais na UFPB, passei a
50
estudar o tema atingidos por barragem, a partir da cultura local, especialmente à luz
da Antropologia.
Nesta perspectiva, partindo de um olhar antropológico esta pesquisa foi
iniciada no ano de 2016 por meio de projeto de extensão universitária na escola
do sítio reassentamento Cajá. Ou seja, por meio da prática extensionista permitiu
meu retorno a comunidade com um olhar analítico sobre a questão educacional e
socioambiental, tais questões provocadas pela implantação da barragem de acauã
(BARBOSA, 2017).
Portanto, a partir do momento que identifiquei a proposta da pedagogia dos
atingidos na região (MEDEIROS, 2010), enquanto política educacional local e nacional
do Movimento dos atingidos por barragem (MAB, 2005) iniciei um mapeamento da
população atingida por Acauã, momentos históricos dos movimentos sociais no Brasil,
a implantação do MAB nas comunidades, e suas articulações às demandas sociais,
especialmente a uma política educacional.
CONCLUSÃO
51
Outra que permite compreender a importância e significado dos Movimentos Sociais
organizados, no papel de assegurar às populações atingidas seus direitos.
REFERÊNCIAS
BARTH, Fredrik. A análise da cultura nas sociedades complexas. In, Barth, Fredrik.
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Livraria. 2000. p. 107-140.
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FERNANDES, Bernardo Mançano, MOLINA, Mônica Castagna. O campo da educa-
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54
10.48209/978-65-CAMPO6-7-5
PROJETOS DE TRABALHO NA
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
A CROMATOGRAFIA DE PFEIFFER
COMO POSSIBILIDADE DE
(RE)DESENHO AMBIENTAL NO
PÓS-PANDEMIA
Fábio Fernandes Villela9
Oliver Humberto Naves Blanco10
56
bem como a elevação de escolaridade associada à qualificação social e profissional,
possibilitando novas aprendizagens.
57
Histórico-Crítica de Saviani, procurando apontar as contribuições do método dialético
na elaboração e execução de projetos de trabalho. O processo didático, proposto por
Gasparin (2002), foi elaborado a partir de Saviani (2012). Para um exemplo prático
dessa proposta, sugerimos a leitura de Villela (2018).
Aliado a essa metodologia, foi utilizada a experiência de EJA desenvolvida
no âmbito do “Projeto Unesp de Educação de Jovens e Adultos” (doravante, Peja -
Unesp). O Peja - Unesp foi criado na Unesp no ano de 2000, na época, vinculado ao
Programa Unesp de Integração Social Comunitária, da Pró-Reitoria de Extensão Uni-
versitária – PROEX, com o objetivo de estabelecer uma política pública para a edu-
cação de jovens e adultos, buscando parcerias comunitárias locais e visando à con-
tribuição de recursos para a formação de cidadãos/leitores críticos e participativos,
bem como a de professores com a visão de “educadores populares”. Atualmente, o
Peja é desenvolvido em oito campus da Unesp (Araçatuba, Araraquara, Assis, Bau-
ru, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio Preto), contando com
recursos humanos e materiais da Pró-Reitoria de Extensão Universitária – PROEX
para o desenvolvimento de seus trabalhos (Cf. Villela, 2016b e Villela et al., 2007).
Somado a essas duas experiências metodológicas (Projetos de Trabalho e
EJA), foi utilizada a desenvolvida em Villela (2014), especificamente o projeto: Cen-
tro Virtual de Estudos e Culturas do Mundo Rural. Essa ferramenta foi desenvolvida
como recurso didático e ferramenta no ensino de sociologia para os alunos do curso
de pedagogia da Unesp de São José do Rio Preto (SP), doravante Rio Preto, e es-
tendido, posteriormente, para escolas que manifestaram interesse em desenvolver
tópicos da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. O projeto utiliza a metodo-
logia de blog, um website frequentemente atualizado, por meio do qual os conteúdos
aparecem em ordem cronológica inversa. Podem conter textos, imagens, áudios,
vídeos e animações. Esta metodologia possibilita a disseminação do conhecimento
produzido pela universidade na internet gratuitamente. A comunidade se relaciona
através dos conteúdos, possibilitando a transmissão de informação, fazendo da web
um espaço de leitura, escrita, participação e reflexão.
O blog de aula, por exemplo, foi utilizado como uma ferramenta do Peja - Rio
Preto em um dos trabalhos desenvolvidos no Centro de Convivência do Idoso, do-
58
ravante CCI. No Peja – Rio Preto do CCI, o foco central foi o desenvolvimento de
práticas de letramento/escrita no contexto da tecnologia digital (Cf. Komesu; Tenani,
2010). Nesse sentido, os jovens, adultos e idosos puderam adquirir conhecimentos
básicos de informática (word, internet, facebook, blogs, etc.).11 Além do desenvolvi-
mento de práticas de letramento/escrita em contexto da tecnologia digital, os objeti-
vos do Peja - Unesp são: preparar os alunos para ler e escrever na Língua Materna
(LM); empregar, com discernimento, o sistema de numeração decimal e as opera-
ções fundamentais na resolução de problemas do dia-a-dia; conhecer os direitos,
deveres e leis que regem o mundo do trabalho; desenvolver noções de saúde física,
psicológica e mental; discutir questões relativas à preservação do meio ambiente. O
trabalho do Peja – Rio Preto no CCI configura-se como uma parceria entre a Unesp e
a Secretaria Municipal de Assistência Social de Rio Preto12 e tem por objetivos gerais
inserir a população da terceira idade13, no processo de inclusão digital, considerando
as necessidades impostas por uma sociedade tecnológica. Passamos aos resultados
e a discussão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
59
elementos da práxis dos cursos de extensão: fosfito, picumã, caldas minerais, água
de vidro, biofertilizantes e a cromatografia de Pfeiffer (Cf. Blanco, 2017).
60
desenho ambiental recomendamos a leitura de Pérez-Rubio (1994 e 2003) e Villela
(2016a). Cromatografia, do grego croma, significa “cor” e grafein,“escrever”. É o ter-
mo coletivo para um conjunto de técnicas laboratoriais para a separação de misturas.
A cromatografia foi inventada pelo biólogo italiano, filho de imigrantes russos, Tswett
em 1910 e tornou-se um segmento sofisticado da ciência do solo (BLANCO, 2017).
O autor nos mostra como elaborar a cromatografia:
O que é um croma? É muito mais que uma análise bioquímica do solo. É um holo-
grama (cada parte contém a informação do todo) dos efeitos do Sol nos ciclos bio-
geoquímicos metabolizados no solo vivo. Sua harmonia circular (auréola) indica a
quantidade de carbono no solo e a glória (fenômeno óptico) da integração à biodiver-
sidade e vida do solo como em um caleidoscópio. Quanto maior a harmonia, maior e
constante é a transformação e fluidez de energia, sem perdas neste solo analisado.
No microcosmo do cromatograma vemos a luta entre fusão e a gravidade, onde a vida
(fusão) é a animação dos minerais, uma força contra a gravidade, conforme Vernad-
sky. Quanto mais simples e sem vida, as substâncias permanecem mais próximas
ao centro gravitacional do cromatograma (caso dos metais/minerais). Quanto mais
complexas e vitais as substâncias, mais próximas à superfície ou borda de fusão do
cromatograma (BLANCO, 2017).
61
Figura 2 - Cromas de Pfeiffer
62
co; (2) milho crioulo, com preparo mínimo do solo com calagem, farinha de rocha e
aplicado biofertilizantes durante seu desenvolvimento, além da utilização do sistema
de Milpa (consórcio de milho, feijão-de-corda e abóbora); (3) a mesma semente do
milho crioulo anterior, cultivada pelo produtor Aguinaldo (São Pedro/SP). O sistema
de produção utilizado foi o convencional.
Segundo Naves (2020), o produtor suspeita que o milho foi contaminado com
pólen de milho transgênico. Os “Cromas” na Figura 3, a seguir, nos revelam essa
possibilidade: (4) contra prova, do mesmo Croma anterior; (5) milho transgênico,
identificado como 2B63PW; (6) milho fresco convencional de Mercado. Nestes Cro-
matogramas de cereais, fica evidente a diferença de um milho crioulo comparado ao
milho transgênico: as conexões do DNA: citosina, guanina, adenosina, parece que
são “falhadas”; comprovando que a indústria alterou a proteína do milho, conforme
Naves (2020). Sobre os malefícios à saúde do milho transgênico consultar Villela
(2014).
63
Fonte: Blanco (2020).
64
final. A seguir analisamos a escrita dos participantes dos cursos.
A escrita de participantes dos cursos, nos anos de 2016 a 2019, que se apresen-
ta no Quadro 1, expressa a passagem de uma visão caótica da realidade ao conhe-
cimento científico proporcionado pelo projeto, onde se infere a realidade através de
novas formas de pensar (Outras postagens podem ser conferidas em: Villela, 2014).
Trata-se da manifestação do aperfeiçoamento intelectual dos participantes, os quais,
de forma contínua, se desafiam dialeticamente a transformar a contradição existente
entre o velho (prática social inicial) e o novo (prática social final), conforme Gasparin
(2002). A escrita presente nas postagens representa um dos pontos de chegada do
processo pedagógico do projeto, comprovando que o processo de contra-hegemonia
abre espaços de luta e deslocamentos e possibilita a reversão das formas de domínio
material e imaterial (Cf. Moraes, 2002). A seguir as postagens dos participantes dos
cursos (transcrita exatamente como no original).
65
Participante L. 17/07/12 13:58
Nesta segunda parte do Curso Território Caipira – Saúde do Solo, exploramos de maneira pra-
tica a Cromatografia de Pfeiffer (ou cromatografia circular) que permite ao agricultor ter autono-
mia com uma visão integral do solo da propriedade, analisando também a evolução do manejo
agroecologico que esteja fazendo, acompanhando as sucessivas etapas com aferição dos re-
sultados e progressos.
As Caldas Minerais preparadas tem dupla função. Agem para nutrir e também, em casos emer-
genciais, podem ter ação nos sintomas/vetores das doenças.
Elas permitem autossuficiência em relação à industria já que a maioria dos insumos são de fácil
acesso e outros podem vir da propriedade ou da região.
O uso conjunto das técnicas aprendidas podem dar ao agricultor um grande empoderamento já
que o solo revitalizado e remineralizado certamente retribuirá com alimentos saudáveis, geobio-
diversos, nutritivos e abundantes.
66
Conforme podemos observar na escrita das participantes acima, a opção teó-
rico-metodológica pela perspectiva da pedagogia histórico-crítica, contribui para a
valorização dos conhecimentos científico-culturais, base para a transformação da
realidade. Conforme aponta Saviani (2012), a apropriação dos conhecimentos his-
toricamente produzidos pela humanidade deriva do processo de mediação, em de-
corrência das relações das pessoas entre si e a cultura. A escrita das participantes
indica a superação do senso comum em direção à consciência filosófica. A escrita
deixa transparecer que o educando reconhece elementos de sua situação, apontan-
do a necessidade de intervir na realidade, transformando-a no sentido de ampliação
da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens.
O mérito da reorganização das práticas sociais iniciais das participantes do
curso está no processo didático da pedagogia histórico-crítica, cujo método de inves-
tigação e de elaboração do conhecimento científico tem por base o desvendamento
da teoria do valor-trabalho de Marx. Esse aporte teórico-metodológico contribui para
novas relações de ensino e aprendizagem e auxiliam tanto na formação dos alunos,
quanto na dos professores. Um projeto de trabalho nessa perspectiva teórico-meto-
dológica é um excelente instrumento didático, tendo em vista o processo dialético
presente na sua metodologia de ensino e aprendizagem.
CONCLUSÃO
67
outros, possibilitando novos desenhos ambientais para Nuestra América, conforme
Pérez-Rubio (2003).
Por fim, cabe destacar: (6) a contribuição para a produção e sistematização de
metodologias inovadoras de EJA, na educação do campo; e (7) o aprimoramento de
teorias pedagógicas e experiências educativas, no que diz respeito às Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs) e outras ferramentas tecnológicas na educa-
ção no campo. O projeto foi desenvolvido em um espaço de EJA, conforme Brasil
(2000), onde esse ambiente engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou in-
formal, no qual pessoas consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas ha-
bilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas
e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua
sociedade. No ambiente de EJA, as situações reais devem constituir o núcleo da or-
ganização da proposta pedagógica a ser desenvolvida. Para tanto, o desafio da EJA
é integrar em sua organização curricular o trabalho e a elevação de escolaridade. A
partir dessas ideias, o “arco ocupacional” trabalhado foi a produção rural familiar e
a qualificação social e profissional. O resultado desse trabalho é a articulação dos
saberes dos educandos com as diferentes áreas do conhecimento, possibilitando a
vivência de novos valores, o desencadeamento de ações coletivas, bem como a ele-
vação de escolaridade associada à qualificação social e profissional, possibilitando
novas aprendizagens aos educandos no território caipira.
REFÊRENCIAS
68
site para edição e gerenciamento de blogs. Net, Araçatuba-SP, 2013. Disponível
em: < http://oextensionista.blogspot.com.br/2013/05/milho-crioulo-cunha.html#.Vl-
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BOFF, L. Às agressões, como nos responde a Mãe Terra. Website pessoal. Net,
Petrópolis-RJ, 2019. Disponível: < https://leonardoboff.org/2019/08/15/as-agressoes-
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MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo, 2002.
MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 35 coisas que você
precisa saber sobre o MST. Website corporativo. Net, Brasília-DF, 2020. Disponí-
vel: < https://mst.org.br/2019/01/18/35-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-o-mst/
>. Acesso em 30 jun. 2020.
_____. Y el perro ladra y la luna enfria. Fernando Salinas: diseño, ambiente y es-
peranza. México: UNAM, UAM-A, UIA, 1994.
70
2 jul. 2020.
_____. Cultura ambiental no território caipira: história e saberes tradicionais das mu-
lheres do noroeste paulista. Retratos de Assentamentos. v. 19, p. 323 - 350, 2016a.
Disponível em: < http://www.uniara.com.br/nupedor/revista-retratos/ >. Acesso em 2
jul. 2020.
_____. Blog de aula centro virtual de estudos e culturas do mundo rural. Projeto de
Extensão Universitária. Pró-Reitoria de Extensão da Unesp – Proex/Unesp. Net,
São José do Rio Preto – SP, 2014. Disponível em: < http://www.cecmundorural.com.
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_____. a escola da justiça global. 2009-2010. Supervisão: Profª. Drª. Liliana Rolf-
sen Petrilli Segnini. Monografia (Pós-Doutorado). Faculdade de Educação, Universi-
dade Estadual de Campinas.
71
10.48209/978-65-CAMPO6-7-6
FUNDAMENTAL
Ilza Alves Pacheco14
Suely Cristina Soares da Gama15
Kleide Ferreira de Jesus16
14 Mestre em Ciências, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Educado-
ra/REME/MS, [email protected]
15 Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Espe-
cialista em Gestão Escolar/Curso de Gestores UFMS, Pedagoga pela IES, Gestora na Rede Muni-
cipal de Campo Grande - Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) – [email protected]
16 Doutoranda em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) – kleideferreira@
hotmail.com
INTRODUÇÃO
73
12-1963. Elevado à categoria de município com a denominação de Anastácio, pela
lei estadual nº. 2143, de 18-03-1964, desmembrado de Aquidauana. Sede no atual
distrito de Anastácio. Constituído de 2 distritos: Anastácio e Palmeiras (ex-Jango),
ambos desmembrados de Aquidauana.
Instalado em 01-01-1965, o nome de Anastácio foi escolhido em homenagem
ao primeiro morador oficial do povoado, o italiano Vicente Anastácio, cuja residência
centenária foi à primeira de alvenaria erguida no povoado e ainda hoje se destaca na
esquina das avenidas Manuel Murtinho e Porto Geral.
O município é tipicamente agropecuário, formado por chácaras, sítios, fazen-
das e assentamentos, com uma população de mais de 23.000 habitantes numa área
de 2.949,21 km². O bioma típico é o cerrado.
A agricultura é mais para subsistência temos o arroz, o feijão e o milho. Tam-
bém há a plantação da mandioca por conta das farinheiras artesanais. A farinha do
Pulador é conhecida em todo o estado, daí o nome da Festa da Farinha que já faz
parte do calendário cultural de festas do município.
As escolas do campo do município de Anastácio oferecem a Educação Básica
nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, este último com par-
ceria do governo do estado e município em 02 extensões.
Considerando que a realidade do aluno do campo difere muito da realidade do
aluno da zona urbana e que a matemática sempre foi um componente curricular na
qual muitos alunos têm dificuldades e que trabalhamos há muitos anos com o ensino
fundamental e observando o baixo rendimento e dificuldades na aprendizagem desse
componente curricular, percebemos que por meio dos jogos e do uso da linguagem
concreta, poderíamos contribuir para auxiliá-los a compreender melhor o abstrato;
desse modo, muito embora haja muitas pesquisas e estudos dirigidos ao desenvolvi-
mento do processo de ensino e aprendizagem, a escola do campo tem pouco acesso
a estes materiais, que estão centrados na arte do brincar como forma de aprender.
Por este motivo, utilizou-se dos jogos com regras criadas e discutidas com as
próprias crianças para o desenvolvimento do raciocínio e de atitudes positivas como
integração e socialização por meio de atividades realizadas em grupo.
74
A ESCOLA POLO MUNICIPAL RURAL
75
Para o autor, o professor em sua tarefa de transmitir o conhecimento não só
precisa como deve usar o lúdico em suas aulas para atingir seus objetivos como
educador, mas ele vai ainda mais longe ao dizer que ao “enriquecer o ambiente com
diversos jogos”, o educador permite aos educandos que estes descubram por si só
os conceitos que estão sendo transmitidos ao manipular os jogos compreendendo
suas regras e objetivo.
Como essas regras e objetivo podem ser adaptados para atender a pratica-
mente todas as situações de vida, o uso dos jogos para ensinar, se enquadra em
qualquer contexto que se deseje usá-los como ferramenta auxiliar de trabalho e fixa-
ção de conteúdos.
Apesar dos jogos serem efetivos para ensinar e transmitir conteúdos a alunos
de praticamente todas as idades, Petry & Quevedo (1993, p.33) consideram que eles
vão se tornando mais significativos e eficientes na medida em que o aluno vai pro-
gredindo pela livre manipulação e uso contínuo deles o que os capacita a construir
e reconstruir os contextos e objetos aprendidos através deles, sendo capacitados a
criar ou recria-los a partir da sua compreensão.
Isso porque para esses autores um jogo representa uma situação, problema
ou contexto a ser compreendido ou resolvido, o que estimula e desafia o raciocínio
no sentido de resolver o problema ou entender o contexto, ainda segundo eles, esse
processo deve ser concretizado durante a infância consistindo numa síntese progres-
siva de assimilação com acomodação.
Dessa maneira, representando o jogo uma situação, problema ou contexto a
ser compreendido ou resolvido, e a solução a essas indagações devem ser solucio-
nadas de modo prover o aluno de ferramental que proporcione a ele condição de
propor respostas não só para o momento imediato, como também para os que se
apresentem no futuro.
Nas palavras dos autores:
Outro autor que trata desse tema é Oliveira (2004), o qual faz a seguinte propo-
76
sição com relação a esse assunto:
Nesse sentido, jogos usados como estratégia e ensino têm o objetivo de agilizar
a aprendizagem. A aplicação dessa estratégia ocorre para acentuar a autoestima, a
cognição e inclusive a afetividade dos envolvidos no processo. Em geral nessas oca-
siões há um redimensionamento da estrutura comportamental dos alunos e outros
aspectos, pois afloram condutas que em situações normais não seriam expostas.
Ainda segundo Oliveira (2004), o lúdico contribui para o desenvolvimento do
ser humano com o uso de jogos por estimular a interação entre as pessoas por impor
regras que possibilitam ao jogo transcorrer sem conflitos insolúveis entre os partici-
pantes.
Uma das áreas onde os jogos têm se mostrado bastante eficiente no auxílio
ao aprendizado, é a matemática, onde uma diversidade deles pode ser usada como
apoio ao aprendizado.
Os jogos podem ser usados como recurso para a transmissão dos conteúdos
de diversos componentes curriculares, como: história, geografia, português, etc, en-
tretanto é especialmente no ensino da matemática onde a maior parte dos alunos
tem dificuldades para compreender e reter os conteúdos que eles podem ajudar.
Principalmente no Ensino Fundamental, existem diversas maneiras de usar os
jogos com o objetivo de facilitar de jogos como o Baralho da Multiplicação, o Jogo da
Argola, a Corrida da Bicicleta, o Jogo Linha-Coluna, o Dominó da Adição o ensino de
77
matemática. Alguns exemplos de jogos que podem ser usados com alunos.
Cada jogo pode ser usado para demonstrar como se operacionaliza determi-
nado cálculo, um jogo de soma e subtração, demonstra aos alunos não só como se
realiza cada operação como também fixa o resultado de somas e subtrações por re-
petição continuada das operações. Eles também ajudam a desenvolver o raciocínio
lógico, pois, obrigam o aluno a fazer relacionamentos entre as operações efetuadas
e os resultados obtidos.
Assim:
78
contram cotidianamente em suas casas e no campo para confeccionar os jogos que
usariam em sala de aula para desenvolver os conteúdos que os professores queriam
transmitir. Nesse sentido adequamos a seguinte definição de Kalhil (2003) “O con-
junto de tarefas ou ações previamente planificadas que conduzem ao cumprimento
de objetivos preestabelecidos baseados numa metodologia elaborada para tal fim
durante o processo pedagógico”. (KALHIL, 2003, p.40)
Assim os professores (re)construíram sua própria metodologia para desenvol-
ver a aplicação dos jogos no contexto do ensino de matemática, criando, adaptan-
do e planejando de modo que os alunos se sentissem envolvidos e participantes do
processo.
Nesse processo, tal como preconizado em textos de Vygotsky, percebemos que
além de uma excelente forma para transmitir conteúdos, os jogos também propor-
cionam maior adequação emocional e social aproximando do grupo, mesmo aqueles
alunos mais tímidos e arredios, proporcionando um espaço de interação e troca de
experiências onde as barreiras se desfaziam e os indivíduos se aproximavam uns
dos outros deixando medos ou preconceitos de lado.
Em meio a tudo isso, vê-se como disse Moreira que:
Aprendizagem deve ser não só significativa, mas também crítica [...] uma es-
tratégia necessária para sobreviver na sociedade contemporânea. Aprendiza-
gem significativa crítica é aquela perspectiva que permite ao sujeito fazer par-
te de sua cultura e, ao mesmo tempo estar fora dela [...] um ensino centrado
na interação entre professor e aluno enfatizando o intercâmbio de perguntas
tende a ser crítico e suscitar a aprendizagem significativa crítica. (MOREIRA,
2000)
79
ELABORAÇÃO DOS JOGOS COM OS PROFESSORES E OS ALUNOS DO
3ª ANO
80
didático, também teve o objetivo de trabalhar a consciência ecológica dos alunos,
demonstrando que alguns itens que são descartados podem ser reaproveitadas de
forma produtiva preservando-se o meio ambiente ao mesmo em que se constrói al-
ternativas de aproveitamento.
Também os jogos foram usados considerando a realidade diária dos alunos re-
solvendo questões do tipo: - A porca teve seis leitõezinhos. Foram vendidos quatro
a R$ 22,00 cada um. Em quantos reais importou o total da venda ?; minha mãe com-
prou uma galinha por R$ 10,00. A galinha teve seis pintinhos, que foram vendidos por
R$ 3,00 cada um. Quanto minha mãe ganhou?
Após alguns dias usando os jogos dessa maneira com os alunos, observou-se
que tanto o desempenho, como o rendimento de cada aluno no momento de resolver
as atividades melhorou, continuando nesse processo, o resultado para alguns alunos
que ainda encontravam dificuldades para resolver contas de adição, subtração e mul-
tiplicação, logo mais percebeu-se que estavam começado a resolver os exercícios
sozinhos sem precisar de interferência.
Os alunos contribuíram com a confecção dos jogos levando para a escola gar-
rafas Pet de dois litros e papelão para a confecção dos jogos, eles estavam ansiosos
para começar. Combinamos que duas vezes na semana, que a última aula seria
exclusivamente para a confecção dos jogos. Percebemos que até o rendimento em
sala melhorou, pois eles estavam ansiosos para dar início a confecção. A sala era
arrumada com os materiais à disposição e antes de dar início à confecção de cada
jogo explicávamos qual seria o objetivo daquele jogo. Observamos que durante o
trabalho havia interação, socialização, união e participação de todos. Percebeu- se
que quando eles confeccionam o seu próprio material de estudo valorizam muito
mais. Atividade realizada, nas fotos 01 e 02:
Regras do jogo: 1 aluno para marcar; quantas jogadas irá fazer por exemplo: (de-
terminar 5 jogadas para cada participante). O aluno que for escolhido para marcar,
deverá apontar as jogadas que cada aluno acertar. Ganha o jogo quem acertar mais.
81
Objetivos: Estimular atenção e a concentração do calculo mental.
82
Calculo Mental (cartas)
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático.
Material necessário: papel manilha ou cartolinas para confecção dos cartões, fita
crepe para plastificar as peças, pincel atômico para escrever os números, como
pode ser visto nas fotos 03 e 04:
83
Jogo da tabuada(baralho)
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático e auxilia o alu-
no em seu processo de aprendizagem de Matemática, foto 05:
Jogo Linha-Coluna
Objetivo: conhecer linha e coluna além de estabelecer relação de ordem entre os
números e calculo metal, como ser visto na foto 06:
84
Dominó da adição
Objetivo: estimular o cálculo mental e o raciocínio lógico-matemático e auxilia o alu-
no em seu processo de aprendizagem de Matemática, podemos observar na foto 07:
Ao termino do projeto dos jogos realizou-se uma exposição na escola para toda
a comunidade escolar. E pelos ótimos resultados do projeto, realizou-se uma reunião
na escola para escolher os trabalhos os quais seriam apresentados na Mostra de
Ciência e Artes de Anastácio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
85
aluno e que também proporcionasse interesse nesses alunos, o rendimento da turma
do 3º ano mudou e até os alunos das outras salas queriam participar das atividades.
Percebemos que por meio de jogos e desafios, os alunos foram estimulados a
desenvolver o raciocínio lógico, estabelecendo a criatividade na busca por estraté-
gias diferenciadas que colaboram para o seu aprendizado.
Pode-se notar que há carência de jogos na escola e evidentemente nas salas
de aulas, bem como a necessidade de conhecer novos jogos, além de proporcionar
aos alunos maior aprendizagem e rendimento, auxiliando no desenvolvimento do ra-
ciocínio lógico, da criatividade, da interação e da socialização.
Nesse sentido foi gratificante trabalhar com os professores e os alunos na ela-
boração e na confecção dos jogos, pois, o interesse e estimulo pelo novo e pelo ma-
terial que todos ajudaram a criar trouxe novas perspectivas para eles e que também
estimulou o raciocínio criando outras regras para o jogo.
Comparando a avaliação que foi realizada a (sondagem) antes da construção
dos jogos e a avaliação após a construção verificou-se que houve um melhor rendi-
mento dos alunos do 3º ano.
Observou-se que no dia da Exposição e Apresentação do trabalho em questão
houve interação, socialização, união, descontração e envolvimentos de todos dos
pais, alunos, professores e de toda a comunidade escolar.
Assim, percebeu-se que a utilização de materiais alternativos para construir os
jogos usados nas aulas, quando avaliado no contexto do ensino da matemática, pro-
porcionou aos alunos um a melhor compreensão dos conceitos desenvolvidos nas
aulas teóricas, tornando-os interessantes e agradáveis, desenvolvendo sua capaci-
dade de observação e reflexão, uma maior aproximação com a Região e sua cultura,
sendo que permitiu a interação entre alunos e professores, transformando-se em
um espaço de construção coletiva do conhecimento, como também demonstrou que
nesse espaço a situação de aprendizagem pode-se utilizar de materiais alternativos
que deixam sua função primária e passam a ser didáticos, transmitindo informação
com a intenção de provocar, por meio do desafio, o uso da intuição, para a partir dela,
fazer com que o aluno questione, procure regularidades, tome decisões mas, princi-
palmente, que tenha coragem de resolver os problemas a ele apresentados por si só.
86
Dessa forma, conclui-se que há uma necessidade em se trabalhar com jogos e
principalmente direcionando para o componente curricular de matemática, pois am-
plia o conhecimento dos alunos, possibilitando que eles tenham um senso de fortale-
cimento da autoestima a partir do momento em que conseguem compreender o abs-
trato, por meio do lúdico é possível mostrar a criança um universo de possibilidades
para a construção do conhecimento.
REFERÊNCIAS
PETRY, Mary Rose; QUEVEDO, Zelia Rodrigues. A magia dos jogos na alfabetiza-
ção. Porto Alegre: Kuruap, 1993.
87
VAZIRO, Z.C.M. Laboratório de Matemática Escolar – Série Laboratório de Mate-
mática Escolar – Caderno 0. Goiânia: Gráfica e Editora Vieira, 2001.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fortes, 1984.
88
10.48209/978-65-CAMPO6-7-7
DO ACAMPAMENTO À FORMAÇÃO
DE ASSENTAMENTOS RURAIS: A
CONQUISTA DA TERRA E A BUSCA
DAS FAMÍLIAS POR MELHORES
CONDIÇÕES DE VIDA
Alessandra Regina Müller Germani17
Ana Paula Schervinski Villwock18
A formação dos assentamentos no país tem sido uma das principais respostas do
Estado aos conflitos relacionados às lutas populares e as demandas sociais pelo direito
de acesso à terra. É uma ação pontual e localizada, que não enfrenta a desigualdade
social existente no campo, mas que contribui timidamente para atenuar conflitos e
modificar lentamente a estrutura agrária do Brasil. Contudo, apesar dos percalços,
vários estudos apontam que os assentamentos apresentam resultados bastante
significativos (SAUER, 2005; BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; MEDEIROS e
LEITE, 2009; DE FREITAS COCA, 2013; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).
Os assentamentos rurais representam, portanto, um novo momento no contexto
da luta pela terra desenvolvida pelos diferentes movimentos sociais. Significa que a
terra já foi conquistada, dando início a uma nova etapa da caminhada que envolve
a organização das famílias a serem assentadas e a estruturação de uma nova
comunidade rural.
Desta maneira, este capítulo apresenta os resultados encontrados a partir de
uma pesquisa bibliográfica realizada na perspectiva de reunir subsídios teóricos para
sustentar nossas reflexões em sala de aula e em outros espaços de debate acerca
do tema. Os dados foram coletados e sintetizados durante o primeiro semestre de
2018, utilizando-se diferentes fontes bibliográficas. Sendo selecionadas produções
de autores reconhecidos no cenário nacional e que se destacam na produção de
conhecimentos sobre o tema.
DESENVOLVIMENTO
90
BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; MATTEI, 2013; GUERRERO, BERGAMASCO
e ESQUERDO, 2016).
Esses dados mostram que independente de ter viabilizado para as populações
excluídas acesso à terra, por meio do aumento do número de assentamentos e de
famílias assentadas, em nada alterou o quadro geral de concentração da propriedade
da terra no cenário nacional, evidenciando que há muito para se fazer em relação a
desconcentração e a ociosidade da terra no Brasil (SPAVOREK, 2003; BERGAMASCO
e FERRANTE, 2005; MATTEI, 2013; GUERRERO, BERGAMASCO e ESQUERDO,
2016).
A obtenção de terras para o assentamento se dá por meio da desapropriação
de terras, regularização fundiária, reconhecimento de projetos já existentes,
reassentamento de atingidos por grandes obras de infraestrutura, entre outros.
Não são assentados somente camponeses sem-terra, mas também comunidades
tradicionais, posseiros, colonos, parceiros, seringueiros, trabalhadores urbanos
vivendo de ocupações temporárias e à margem do mercado de trabalho formal, entre
outros, demonstrando a diversidade dos assentamentos rurais e seus beneficiários.
Os assentamentos são implantados não só para aqueles que querem entrar na terra,
mas para aqueles que nela querem permanecer, com condições dignas de vida
(SOUZA-ESQUERDO e BERGAMASCO, 2011; DE FREITAS COCA, 2013).
Neste sentido, a literatura sobre a diversidade dos atores envolvidos nos
processos de criação e consolidação dos assentamentos no país é vasta, além
dos demandantes pela terra, que também se apresentam sob diferentes formas
(assalariados, parceiros, posseiros, etc), estão presentes outros, como: governo
federal, o INCRA, o Poder Judiciário, os governos estaduais e seus respectivos órgãos
de terra, as secretarias estaduais de agricultura e seus organismos de assistência
técnica, prefeituras, organizações não-governamentais, entidades vinculadas às
igrejas, entidades de representação como sindicatos, Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, Via Campesina, associações de produtores, cooperativas,
entidades patronais, entre outros. Cada um expressando seu pensamento e força
política em relação à implementação dos assentamentos (MEDEIROS e LEITE,
2009).
91
Frente à diversidade deste contexto, as formas de luta pela terra e pela Reforma
Agrária no país se configuram de diferentes formas, sendo que a partir da década
de 1990, num contraponto as tradicionais estratégias de resistência que foram
desenvolvidas pelos camponeses frente à expropriação pelo capital na década de 1950
e, sobretudo entre 1970 e meados da década de 1980 na fase de apogeu do avanço
do capital sobre a agricultura brasileira, e com as ações do MST, a ocupação seguida
da construção de acampamentos ganham visibilidade e consequentemente, projeção
política e jurídica (MEDEIROS, 2004; SOUZA-ESQUERDO e BERGAMASCO, 2011).
A foto abaixo retrata a ocupação realizada na Fazenda Annoni que ocorreu
na madrugada de 29 de outubro de 1985 e contou com o envolvimento de 1.500
famílias. Essa ocupação é reconhecida como um marco da retomada da luta pela
terra no fim da ditadura militar e também como berço da organização do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra - MST no país.
92
na forma de Coletivos, que são instâncias coletivas de decisão, sobre os diversos
assuntos pertinentes ao funcionamento dos acampamentos, pois os acampados
enfrentam muitas dificuldades neste período, tais como: doenças, fome, exposição
às intempéries, a fragilidade dos barracos, violência, entre outras. Este é um período,
na qual as pessoas, pelo convívio, rompem com as suas identidades anteriores,
recriando relações e valores, práticas sociais e formas organizativas. Como ainda
não chegaram ao seu lugar definitivo, ainda não alcançaram a sua nova identidade:
o de ser assentado (SAUER, 2005; MARTINS, 2009; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).
Neste sentido, abaixo segue um dos registros fotográficos do barraco em que
estava alojado a família do Sr. José Estevão da Silva durante o período do acampamento
na Fazenda Annoni, em 1985. Salienta-se que nesta realidade, os barracos foram
sendo montados com madeiras, taquaras, algumas retiradas do mato e cobertas
com lonas pretas. Como eram muitas as famílias, elas foram se organizando por
proximidade e conforme os municípios de origem, sendo os barracos erguidos um
próximo ao outro, porque não se tinha muito espaço disponível naquela área.
93
As pessoas lutavam em busca de uma perspectiva que seja capaz de
garantir-lhes, através do trabalho e da produção, a liberdade, a sobrevivência e a
continuidade da vida (reprodução social). A busca pelo trabalho é parte fundante do
processo de luta e conquista da terra. O direito ao trabalho significa muito mais que
um emprego ou ocupação, pois viabiliza liberdade e fartura no sustento da família.
Lutam, portanto, por melhores condições de vida e por um lugar que lhes permita
enraizamento e pertencimento. O acesso à terra representa, portanto, um lugar
de trabalho, de produção e de vida, um novo momento na experiência de vida dos
assentados (SAUER, 2005; BERGAMASCO e FERRANTE, 2005; FIGUEIREDO E
PINTO, 2014).
Neste sentido, os assentamentos podem ser compreendidos como um lugar
onde diferentes histórias de vida se cruzam se encontram ou, decorrentes dos
acampamentos, se reencontram. Desse momento, surge a construção de novos
processos sociais de interação que dão origem a identidade social de assentado.
Esses atores sociais e políticos terão a possibilidade de desenvolver processos
organizativos internos que podem resultar na criação de associações, cooperativas,
grupos de produção, roças ou investimentos comunitários, etc. Também a criação de
outros mecanismos que permitam a interação do grupo social, como igrejas, escolas,
centros comunitários e de lazer, grupos de trabalho, entre outros, que contribuem
para a organização e sustentabilidade dos projetos de assentamento. Mesmo que no
interior do assentamento haja conflitos e diferenças culturais, isso não se constitui
em aspectos desmobilizadores (SAUER, 2005).
Abaixo segue a foto de alguns dos lugares onde as famílias se reúnem, ginásio
e igreja, na Comunidade 16 de Março, no Assentamento da antiga Fazenda Annoni.
94
Figura 4 - Registro fotográfico de alguns locais da Comunidade 16 de Março
95
como assentados, todo o candidato que se inscreve e após entrevista é selecionado
para ingressar no Programa de Reforma Agrária, sendo concedido, portanto, o
direito ao uso de terra identificada, incorporada ou em processo de incorporação ao
Programa (BRASIL, 2002; RAMIRO, 2008).
O esforço para padronizar os conceitos e ajustá-los à legislação faz emergir
uma definição meramente técnica do que seja assentamento e assentados. Neste
sentido, sobre os assentados, Guerrero, Bergamasco e Esquerdo (2016), fazem
questão de mencionar que o assentado é também a pessoa que busca seus direitos,
coloca em risco a sua vida e a de seus familiares na luta pela terra. Luta, portanto,
por um pedaço de terra e pela conquista de seus direitos.
A constituição dos assentamentos no país não foi acompanhada de um
planejamento prévio de localização e de oferta de bens sociais, de equipamentos
e serviços públicos por parte do Estado. Muitos enfrentaram e enfrentam situações
adversas em relação às condições de sua instalação, que dispersos geograficamente,
desencadearam uma série de reinvindicações ligadas principalmente à infraestrutura
básica, como construção e/ou melhorias de estradas, saúde e educação, condições
para escoamento da produção, entre outros. Com isso, fica evidente que a criação
e manutenção dos assentamentos vêm caminhando de forma lenta e fortemente
dependente da vontade política dos governantes, gerando consequências por vezes
negativas na vida dos assentados e reforçando a necessidade de se manterem
organizados e em luta constante pelos direitos e justiça social (MEDEIROS e LEITE,
2009; FIGUEIREDO E PINTO, 2014).
CONCLUSÃO
96
REFERÊNCIAS
BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta.
A qualidade dos assentamentos da reforma agrária: a polêmica que nunca saiu de
cena. Brasília: NEAD, 2005.
BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luís Antônio C. O que são
os assentamentos rurais? São Paulo: Brasiliense, 1996.
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. As novas faces do rural e a luta por Terra no Brasil
Contemporâneo. Nómadas, n. 20, p. 210-219, 2004.
97
SPAROVEK, Gerd. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira.
São Paulo: Páginas & Letras. Editora e Gráfica, 2003.
98
10.48209/978-65-CAMPO6-7-8
SOBERANIA E SEGURANÇA
ALIMENTAR: UM RELATO
DE PRÁTICA DOCENTE NA
MODALIDADE À DISTÂNCIA
Alessandra Regina Müller Germani19
100
Para a operacionalização das aulas, além de um docente para a mediação do
conhecimento, a disciplina contou com o apoio de um tutor pedagógico do Curso, o
qual tinha a responsabilidade de estar fomentando e acompanhando os educandos
durante o desenvolvimento das atividades previstas no cronograma.
Neste sentido, o presente capítulo tem a finalidade de apresentar a experiência
de estruturação de um cronograma de aulas da disciplina de Soberania e segurança
alimentar, na perspectiva de socializar essa forma de organização didático-pedagó-
gica adotada na modalidade de ensino à distância. Cabe salientar que as temáticas
da Soberania e da segurança alimentar surgem de maneira inter-relacionadas na
realidade, porém por uma questão didático-pedagógica desenvolveu-se uma divisão
em unidades de aprendizagem para facilitar o aprofundamento de cada um dos sub-
temas que envolvem o conjunto de conteúdos da disciplina.
DESENVOLVIMENTO
101
A primeira etapa do cronograma de aula ocorreu no período de 24/08/2020 a
06/09/2020, e teve a intenção de desencadear o processo educativo-reflexivo sobre
o tema da Soberania e segurança alimentar trazendo à tona a realidade da produção
dos alimentos que consumimos no país. Para isso, disponibilizou-se dois filmes/ do-
cumentários para os educandos, sendo o primeiro chamado “O Veneno está na mesa
I - 2011” e o segundo denominado “O Veneno está na mesa II - 2014”, ambos com
direção de Silvio Tendler.
Para apoiar a apreensão dos conteúdos propiciados pelos filmes/documentá-
rios, também se disponibilizou um estudo dirigido contendo questões relacionadas
aos pontos essenciais em que os educandos deveriam se ater em cada um dos
filmes/documentários, que após preenchidos deveriam ser postados na Plataforma
moodle.
Neste sentido, no estudo dirigido foram realizados os seguintes questionamen-
tos aos educandos: De onde vêm os alimentos que consumimos diariamente? Como
os alimentos eram produzidos no Brasil até a década de 1940? Quais as técnicas
agrícolas utilizadas para a produção desses alimentos? Em que quantidade esses
alimentos eram produzidos? Quais mudanças ocorreram na produção de alimentos
em nosso país a partir da segunda metade do século XX? Quais as técnicas agríco-
las passaram a ser utilizadas para a produção desses alimentos? Em que quantidade
esses alimentos são produzidos na atualidade? Essa nova forma de produzir a partir
da segunda metade do século XX trouxe sérias repercussões para a vida humana
e para a natureza. De acordo com os filmes/documentários quais seriam as possi-
bilidades de mudanças frente a essa nova forma de produzir alimentos? Explique, a
partir dos estudos que vocês têm desenvolvido no Curso e dos filmes/documentários,
qual o seu pensamento sobre essas mudanças ocorridas na produção de alimentos
no país?
Abaixo segue registro ilustrativo da Plataforma moodle, de como estes mate-
riais pedagógicos foram postados e disponibilizados para os educandos.
102
Figura 2 – Registro da primeira etapa do cronograma da disciplina
103
a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) estabeleceu o conceito
de soberania alimentar vigente no país. Sendo assim estabelecido:
104
Figura 3 – Registro da segunda etapa do cronograma da disciplina
105
temporais, diagramas, entre outras. As dúvidas presentes nesta etapa de construção
do conhecimento dos educandos foram resolvidas mediante mensagens enviadas
via Plataforma moodle para a tutoria e para a docente.
A terceira etapa, realizada no período de 21/09/2020 a 04/10/2020, tratou-se-
dos conteúdos relacionados ao item 1.2 Soberania alimentar e movimentos sociais,
o qual ocorreu por meio da disponibilização de dois artigos científicos e um estudo
dirigido. Assim, a partir da leitura dos artigos científicos, bem como apoiado nos de-
mais conteúdos estudados, os educandos foram estimulados a pesquisar em seus
municípios ou na região que residem, um exemplo de atividade que envolvesse os
movimentos sociais e a prática da promoção da soberania alimentar, apresentado na
forma de um resumo expandido com até 1.000 palavras, e contendo: título, introdu-
ção, desenvolvimento e conclusão.
Nesta atividade foram citados os mais diversos exemplos de experiências com
vistas a promoção da soberania e segurança alimentar tanto nos municípios, como
na região onde os polos educacionais se encontram fixados. Dos 99 educandos, 59
fizeram a entrega do estudo dirigido. Porém, alguns mencionaram no decorrer desta
etapa que estavam encontrando dificuldades em visualizar experiências dessa na-
tureza nos seus municípios, bem como na região, sendo orientado para que então
fossem apresentadas outras experiências, de cunho institucionais, como de prefeitu-
ras, escolas, etc e que pudessem traduzir, de certo modo, a realidade daquele deter-
minado local.
No período de 05/10/2020 a 18/10/2020, ocorreu a quarta etapa das aulas, na
qual abordou-se o item 1.3 Direito à Soberania Alimentar. Para esse período, dispo-
nibilizou-se um artigo científico intitulado Direito humano à alimentação adequada e
responsabilidade, de autoria de Juliane Caravieri Martins Gamba e Zélia Maria Car-
doso Montal, publicado na Revista Semina: Ciências Sociais e Humanas em 2009,
no qual as autoras evidenciam a importância do direito humano à alimentação ade-
quada e destacam a responsabilidade internacional na implementação de políticas
públicas para a geração de alimentos saudáveis.
106
Aos educandos coube a tarefa de desenvolver uma leitura investigativa desse
material, elencando os pontos que mais lhes chamaram a atenção. Sendo que as
dúvidas a respeito desse conteúdo foram resolvidas por mensagens via Plataforma
moodle. E como se tratava de um texto de síntese, foram poucos os questionamen-
tos acerca dessa etapa da disciplina.
Na sequência dos conteúdos, realizou-se a quinta etapa, no período de
19/10/2020 a 01/11/2020, na qual iniciou-se a UNIDADE 2 - SEGURANÇA ALIMEN-
TAR, mais especificamente o item 2.1 Conceito e princípios da Segurança Alimentar.
Assim, como material pedagógico desse período, disponibilizou-se dois artigos cien-
tíficos que apresentavam os conteúdos relacionados a conceituação e princípios que
regem a Segurança Alimentar. E na perspectiva de orientar a apreensão dos con-
teúdos, disponibilizou-se um estudo dirigido, contendo duas questões norteadoras a
serem respondidas e postadas na Plataforma moodle.
Na primeira questão os educandos tinham que apresentar e argumentar de
maneira sintética a evolução conceitual da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN,
considerando que esta ocorre em nível internacional e nacional e caracteriza-se como
um processo contínuo que acompanha as diferentes necessidades de cada povo e
de cada época. A forma de apresentação ficou a critério de cada educando, podendo
ser na forma textual ou em esquemas, diagramas, linhas de tempo, entre outras.
E na segunda questão, eles tinham que apresentar a relação desta temática da
evolução conceitual da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN com a sua futura
prática como educadores do campo. A intenção era que os educandos pudessem
interligar com a realidade da docência os conhecimentos apreendidos até esse mo-
mento. Podendo para isso se apoiar em autores para subsidiar essa resposta.
Dos 99 educandos, 64 postaram as suas atividades. E ao realizar a leitura
e análise das produções dos educandos, evidenciou-se uma certa fragilidade em
relação a segunda questão, principalmente em relação a inserção desse tema no
cotidiano do fazer docente. Além disso, a maioria não se apoiou em autores para
subsidiar seus argumentos. Essa fragilidade encontrada foi apontada aos educandos
via mensagem na Plataforma moodle.
107
A sexta etapa ocorreu de 02/11/2020 a 15/11/2020, na qual desenvolveu-se
o item 2.2 Segurança alimentar como tentativa de erradicação da fome. Para isso,
disponibilizou-se outro documentário, intitulado “Por Uma Vida Melhor”, de Thereza
Jessouroun, cujo registro fotográfico segue abaixo, e que retrata a realidade da se-
gurança alimentar e nutricional no Brasil.
Neste documentário destaca-se que todo homem tem direito ao acesso perma-
nente à água e à alimentação adequadas, em quantidade e qualidade suficientes,
que lhe permitam uma vida saudável. Apesar disso, o Brasil ainda luta para superar
deficiências graves nesta área, em especial no que se refere ao histórico problema
da fome.
E para refletir sobre o que foi apresentado, os educandos foram estimulados,
por meio de um estudo dirigido, a elaborar uma síntese deste documentário, res-
saltando os aspectos que mais lhes chamaram a atenção, e relacionando estes as-
pectos com os conteúdos que já foram abordados na disciplina. Sendo esta sínte-
se estruturada contendo uma introdução, desenvolvimento, conclusão e referências
(opcional), e apresentado no máximo em duas laudas.
108
Essa atividade foi postada na Plataforma moodle pelos educandos, sendo que
dos 99 matriculados, 61 fizeram a entrega. Ao analisar as atividades foi possível
identificar que eles conseguiram captar a essência do conteúdo que estava sendo
posto no documentário, porém alguns educandos apresentaram certas fragilidades
no modo de estruturação da apresentação escrita, mas que acabou não comprome-
tendo significativamente a leitura da síntese como um todo.
E por fim, a sétima etapa, desenvolvida no período de 16/11/2020 a 29/11/2020,
onde tratou-se do item 2.3 As leis de Segurança Alimentar. Para isso, disponibilizou-
-se dois materiais pedagógicos para o desenvolvimento de uma leitura investigativa,
reforçando que a legislação tem uma característica de ir sendo modificada ao longo
das diferentes gestões governamentais. No primeiro documento apresenta-se a le-
gislação básica que compõe o marco legal do Sistema Nacional de Segurança Ali-
mentar e Nutricional (Sisan) e regulamenta o funcionamento do Consea, sendo este
publicado em 2017. A intenção desta publicação naquele período era de servir como
manual de consulta rápida as conselheiras, conselheiros, agentes públicos e obser-
vadores, contribuindo para uma participação ativa e informada no Conselho.
O segundo documento trata do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nu-
tricional, vigência 2016-2019. O Plano é o principal instrumento da Política Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional ‐ PNSAN, instituída pelo Decreto nº 7.272/2010
e nele estão previstas as diferentes ações do governo federal que se propõem a res-
peitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada para
todas as pessoas que estão no Brasil.
E assim, encerramos a disponibilização gradativa do conjunto de conteúdos
aos educandos, ressaltando que a avaliação do processo de ensino- aprendizagem,
neste caso, se deu por meio da análise dos estudos dirigidos apresentados de ma-
neira individual pelos educandos, e que tinham uma pontuação valorativa e um pra-
zo para serem postados na Plataforma moodle. Os três primeiros estudos dirigidos
valiam um ponto cada um; o quarto estudo dirigido valia quatro pontos e por fim, o
quinto estudo valia três pontos, totalizando dez pontos.
Considerando o quantitativo de postagens e os contatos realizados no decorrer
da disciplina, identificamos uma adesão significativa dos educandos as atividades
propostas, sendo que na maioria os prazos e combinações de postagens foram cum-
109
pridos. Ao final, disponibilizou-se ainda mais duas datas para que os educandos que
tivessem estudos dirigidos em atraso pudessem fazer a devida entrega.
Nesse período de desenvolvimento das etapas de organização da disciplina,
destaca-se também como ponto positivo a interação dos educandos com o tutor e
com o docente, via mensagens da Plataforma moodle, para a retirada de dúvidas e
também para que demais comunicações pudessem ser feitas sempre que necessá-
rio, permitindo que o fluxo de informações pudesse circular de maneira clara entre
todos os participantes da disciplina, tendo em vista que se trata de uma disciplina que
ocorre na modalidade a distância, e a fluidez da comunicação se torna essencial.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
110
dá outras providências. Diário Oficial da União. 18 set 2006. [internet]. [acesso
em 27 de jan 2021]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm
111
10.48209/978-65-CAMPO6-7-9
EDUCAÇÃO DO CAMPO E OS
DESMONTES NO PRESENTE
GOVERNO BOLSONARO
Sávio Da Silva Aureliano20
Janicleide Vieira Da Silva21
Amanda Gomes Dos Santos22
113
Deste modo, com as informações adquiridas e estudadas, o desenvolvimen-
to do trabalho será alçado, com reflexões acerca da temática proposta. O primeiro
subtópico trata a respeito do desmonte do Pronera, programa este, essencial para o
fortalecimento da Educação do Campo, no qual ela está indo por ruínas. o segundo
subtópico vem mostrando a ações de fechamento das escolas do campo, tal fato traz
inúmeras consequências negativas para os camponeses, e esse fechamento vem se
acirrando ainda mais. O terceiro subtópico, traz uma reflexão na preponderância de
como o desmonte na Educação do Campo afeta a sua atuação, diante os campone-
ses e o campo brasileiro, por meio de medidas do atual governo.
O presente trabalho traz como metodologia a pesquisa bibliográfica, sendo ela
realizada através de livros, artigos, noticias, sites, entre outros meios, ela contribuiu
para um leque de informações e conhecimentos valiosos para a pesquisa, leitores e
pesquisadores.
Portanto, os descasos vêm aumentando gradativamente, e ao chegar no go-
verno Bolsonaro existem medidas ainda mais perversas, pois os movimentos sociais
do campo são atacados, bem como o ensino, os investimentos destinados à Edu-
cação do Campo, e as estruturas educacionais. Os resultados vão confirmar essas
condutas destruídora da Educação do Campo, contra os camponeses, com os dados
levantados e por meio da bibliografia, este conjunto de informações dão uma respos-
ta plausível para responder as inquietações.
DESENVOLVIMENTO
nera, e como cabe salientar, o presente governo busca atingir a todos que estão
presentes no campo. Portanto, os regressos realizados atribuim-se, principalmente,
dentro da educação no que tange ao Pronera, desta forma, se abre em uma cadeia
de desfechos negativos.
Quando os recursos são reduzidos, afetam desde os professores até os cam-
poneses, universidades e etc.., pois há uma interligação entre estes setores, visto
114
que foi conseguida uma ligação entre eles ao longo do fortalecimento do programa.
Podemos observar como esses sujeitos estão interligados de acordo com os projetos
educacionais, no qual Santos (2012) afirma que:
115
Ações de fechamento das escolas do campo
O fechamento das escolas do campo vem se alogando em meio aos governos
petistas, após o golpe com Temer, e atualmente no governo Bolsonaro. Entretanto,
as ameaças de fechamentos das escolas se acentuam e se agravam durante o atual
governo, pois a sua proposta radical de fechamento dessas escolas acarretará na
saída de milhares de camponeses do seu território para as escolas urbanas, e esco-
las nucleadas.
Os ataques do governo Bolsonaro às escolas do campo se concernem a ações
como a redução dos recursos financeiros destinados ao Pronera, a imposição na sua
campanha eleitoral para o fechamento de escolas, além da criminalização do MST24,
como bem afirma a Brasil de fato (2019) em sua publicação:
Perante a exposicação destes fatos relatados pela Brasil de Fato (2019), mos-
tra-se um governo despreocupado em relação ao campo, camponeses, e à Educa-
ção do/no Campo. Vislumbra-se uma imagem nefasta de um governante que ignora
e menospreza o quão importante é uma escola no campo, e o quão transformadora
é a educação perante os povos do campo.
Todo esse conjunto de ações e pensamentos do governo Bolsonaro se alinha
quando se levantam dados para proceder como é colocada a questão das matrículas
nas escolas do campo, e compreende-se essa relação quando o Censo Escolar de
2019 foi divulgado. De acordo com a reportagem da Brasil de Fato (2020):
116
Assim, observa-se nessa relação que as matrículas nas escolas rurais diminuí-
ram no ano de 2019. Ou seja, as implementações do atual governo surtiram efeitos
negativos no campo, deixado a margem milhares de crianças, jovens e adultos com
uma educação sucateada e regredindo por medidas de um desgoverno. No entanto,
as escolas, a educação e os camponeses resistem contra todas essas retaliações.
Como os desmontes na Educação do Campo no governo Bolsonaro afeta
negativamente a sua atuação
Para que a Educação do Campo seja efetivada de forma ativa, coerente, posi-
tiva, crítica e abragente, se faz necessário uma série de ações que vislumbre positi-
vamente em suas condutas. O fortalecimento desta, irá se refletir perante os campo-
neses, milhares de jovens, crianças e adultos por todo o Brasil, com uma educação
voltada ao interesse camponês, disvinculado de um mercado avassalador tanto edu-
cacional quanto econômico.
Como perspectiva de alcance aos objetivos da Educação do Campo, busca-se
uma transformação social dos presentes camponeses, a educação como promoto-
ra da ruptura de uma desigualdade social no Brasil. Como no campo brasileiro se
encontram índices elevados do contraste desigual, os camponeses e universidades
federais e estaduais do Brasil se vinculam por um educação promotora de rupturas.
Porém, em contra-mão, vem o governo federal atual com suas ações negligenciado-
ras, como no caso do decreto 10.252/2020.
Segundo o FONEC25 (2020), o governo Bolsonaro publicou, no dia 21 de feve-
reiro de 2020, o Decreto 10.252/2020 que altera a estrutura regimental do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. O governo alterou a estrutura
regimental e de cargos, o Decreto muda profundamente as competências do órgão,
desta forma serão exercidas as competências do INCRA com outro viés, ao qual se
adeque as ações do governo, neste contexto o INCRA passou por profundas mudan-
ças e banalizações.
No que tange a afetação na Educação do Campo, podemos citar o referido
caso da extinção da Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, esta
117
responsável pelo Pronera. Portanto, se vê em total desestruturação. Como bem afir-
ma o FONEC (2020):
118
camponeses. Portanto, o MST (2005) ratifica:
RESULTADOS E DISCUSSÃO
26 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal foi desenvolvido por meio de parceria entre
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil, a Fundação João Pinhei-
ro (FJP) e o Ipea, a partir de metodologia adaptada do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Global.
119
educação no meio rural, entretanto, o IDHM do meio urbano supera o rural em todos
os estados brasileiros, mas não chega a ser o ideal para um nível educacional de
ótima qualidade.
120
necessite.
Porém, durante os anos de governo do PT27, a Educação do Campo conseguiu
conquistas e avanços no meio educacional camponês, fruto de lutas dos movimentos
sociais do campo e dos camponeses, reivindicando políticas públicas as quais be-
neficiassem a educação nesta área. De fato, pode-se dizer que houve evolução no
presente meio em que os governos petistas estavam presentes, ações em prol dos
camponeses e da educação foram colocadas em prática. Como bem afirma Souza
(2013):
Contudo, percebe-se que ainda existem muitas lacunas para serem fechadas e
muitos desafios para serem superados. Os governos do PT, em seus anos de atua-
ção, propiciaram progressos para a Educação do Campo, embora poderiam ter reali-
zado muito mais. Todavia, ressalta-se que, após o golpe de 2016 e no atual governo
Bolsonaro, os retrocessos na Educação do Campo estão se efetivando amargamen-
te e parecem estar aumentando gradativamente.
No período de atuação do governo Temer, a Educação do Campo sofreu com
muitos retrocessos os quais impactaram diretamente em sua estrutura. Como o con-
gelamento de investimentos públicos nas áreas de saúde e educação por 20 anos,
aprovação das reformas do ensino fundamental e médio, além das questões traba-
lhistas que afetam também os trabalhadores do campo.
Ou seja, a continuidade do desmonte segue em execução perante a Educação
do Campo, como bem mostra os dados de fechamento das escolas rurais na tabela
1 entre os anos de 1997 a 2018, e o número de matrículas nestas escolas entre os
121
anos de 2016 a 2019 na tabela 2, eles refletem o descaso perante a educação.
Tabela 1 - Número de estabelecimentos de ensino – Educação Básica
Indicadores
Valor
Valor Valor Valor
referência Apurado
Apurado 2017 Apurado 2018 Apurado 2019
2016
Variação
Indicador
% de
2019 em
Polari-
relação
Unida- Ín- dade
Da- a
de de Data Índice di- Data Índice Data Índice Data Índice
ta referên-
Medi- ce cia
Número da
de
Matrícu- Nú-
las mero
em Abso-
escolas luto
do
campo 31 31 31 31 Quanto
5.885. 5.573. 5.473. 5.328
/12 /12 /12 /12 maior -9,45
139 385 588 .818
/2015 /2017 /2018 /2019 melhor
122
A tabela 2 mostra que, no campo, entre 2016 e 2019, o número de matrícu-
las nas escolas foi sendo gradualmente menor, chegando a um resultado negativo.
Durante este período ocorreu o golpe de 2016 e a eleição do presidente Bolsonaro.
Portanto, o fechamento das escolas do campo ganhou continuidade no governo Te-
mer e Bolsonaro, bem como os ataques bem mais acentuados contra a educação,
camponeses, e os movimentos sociais.
Mesmo diante de todos esses desmontes na Educação do Campo, sabe-se o
quão frutífera é a educação para os camponeses e os resultados positivos que ela
exerce. Desta forma, segundo o MST (2020).
Como tal afirma o MST em sua colocação, observa-se que muitos campone-
ses(as) foram beneficiados por ações das lutas por melhores condições educacional
no campo. Isto perpassa por construção de escolas no território camponês, acesso à
educação e alfabetização, jovens camponeses em cursos técnicos e superiores com
apoio das universidades públicas, todo esse conjunto de conquistas só é possível por
meio da união, luta, e articulação de todos que se fazem presente na busca por uma
educação melhor e de qualidade.
E não para só com essas conquistas, a Educação do Campo reflete nas pro-
duções acadêmicas feita pelos camponeses(as) nas suas pesquisas e estudos, ou
seja, além de vivenciarem uma educação voltada para eles, produzem conhecimento
sobre a situação real do campo. De acordo com Santos (2019):
123
A produção acadêmica a respeito do Pronera como citado acima, revela a
importância em que os camponeses tratam este programa, bem como a Educação no
Campo brasileiro. Sendo assim, colaborando para o conhecimento cientifico com uma
produção diversificada, dentre elas temos: monografias, artigos científicos e livros,
todos à disposição da sociedade brasileira para leitura e obtenção de conhecimento.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
124
MST. Dossiê MST Escola: documentos e estudos, 1990-2001. São Paulo: Expres-
são Popular, 2005.
125
10.48209/978-10-CAMPO6-7-2
127
UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LUTA CAMPESINA NO BRASIL
128
constituído em torno de um trabalho extenuante, árduo, sofrido e mal remunerado.
Durante a primeira metade do século XX, a economia brasileira passou a
adquirir novas características pertinentes ao processo do capitalismo industrial, o
qual indicava a necessidade de uma maior especialização da classe operária. Ao
ponto em que o meio urbano crescia, paralelamente ao avanço da mecanização,
exigindo, na visão do patronato, um maior investimento nos moldes de uma educação
direcionada para o mercado de trabalho, coube, apenas, a um percentual exíguo
da população do meio rural, a oferta, de uma educação basicamente instrumental,
elementar e formadora de mão de obra. Com a priorização do urbano, o rural
permaneceu desassistido de políticas efetivas e específicas para o atendimento das
necessidades de seus sujeitos. Vale ressaltar que até a década de 1950 não havia,
por parte do Estado Brasileiro, um investimento significativo para o desenvolvimento
educacional do meio agrário o objetivo fundamental era o de formar pessoas para o
mercado de trabalho nos centros urbanos que surgiram paulatinamente ao avanço
tecnológico, fato este preponderante para a incidência do êxodo rural, marcante
na biografia da população brasileira, bem como para a desvalorização da cultura
camponesa, provavelmente, consequência do silenciamento da memória desses
agentes ao longo da nossa história. (RODRIGUES; BONFIM, 2017).
Devido ao vertiginoso crescimento populacional, houve um inchaço dos grandes
centros urbanos despertando as atenções governamentais para o desenvolvimento
de políticas públicas voltadas para as populações periféricas das grandes cidades e
das zonas rurais. A década e 1960 foi marcada pelo desenvolvimentismo industrial,
mais acentuado e acelerado do que as décadas anteriores, o que intensificou o
fluxo migratório Campo/Cidade exigindo do Estado a elaboração de medidas que
contivessem esse deslocamento visto com preocupação pelas elites brasileiras como
afirma (RICARDO et al, 2007, p.11):
129
homem ao meio e o estímulo de vocações profissionais”.
Todavia, este processo, não serviu apenas como pano de fundo para o
fortalecimento das lutas pela terra, iniciadas na segunda metade da década de
1940 com as Ligas Camponesas32, como também, potencializou a mobilização da
31 Foi denominada de Revolução Verde as inovações tecnológicas que ocorreram na agri-
cultura, a partir da década de 1940, com o objetivo de obter uma maior produtividade através do
desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo, utilização de agrotóxicos e meca-
nização no campo atendendo os anseios do capitalismo industrial no aumento pelo lucro e redução
dos custos com a mão de obra humana. (LAZZARI; SOUZA, 2017).
32 Devido à imensa dificuldade de abertura de um sindicato rural – precisando da aprovação
do Estado, as primeiras Ligas Camponesas nascem em 1945 como forma de associação civil sob
iniciativa do recém- legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB). A formação das Ligas foi uma
tentativa de estabelecer uma aliança entre proletários e camponeses contra o latifúndio e o impe-
130
sociedade civil urbana na busca por direitos. Nos anos finais do regime ditatorial,
diante do processo de abertura política e após anos de luta contra a repressão o
sistema educacional brasileiro passou a adquirir novos atributos diante do discurso
de redemocratização do país. A década de 80, além de marcar o fim do regime
militar, culminou com a promulgação da Constituição, em 1988, alcunhada como
“Constituição Cidadã”, devido ao seu caráter universal e democrático, a qual garantiu
o direito à cidadania as pessoas que outrora não eram reconhecidos na sociedade,
como analfabetos, indígenas e trabalhadores rurais. Vale ressaltar a importante
participação de diversos movimentos sociais que buscavam, além do direito a moradia
digna, o acesso à terra, e a incessante busca por uma educação de qualidade como
cita Ricardo (2007, p.12):
rialismo. A proposição do PCB era a de um inicial pacto entre operários, camponeses e burguesia
nacional a fim de superar o feudalismo existente no campo, para então poder estabelecer uma luta
contra o capitalismo e a sua superação via o comunismo. (BRITO, 2015, p. 75-76).
33 O Município de Iguaçu, Estado da Guanabara (Rio de Janeiro) foi criado no dia 15 de janeiro
de 1833, com sua sede instalada às margens do Rio Iguassú, que serviu durante muito tempo como
rota comercial para o escoamento de produtos. (Sacramento, 2018).
131
cerne do movimento camponês no Brasil. Tendo como marco inicial a política indus-
trial promovida por Getúlio Vargas, a partir da década de 1930, observa-se uma re-
configuração não só dos aspectos políticos e econômicos, como também nos sociais.
A inexistência de uma justiça que defendesse os interesses dos trabalhadores rurais
permitia com que a produção, principalmente, dos pequenos agricultores, fosse, pra-
ticamente, expropriada pelo grande capital e centros urbanos, de maneira a tornar
o trabalho no campo algo excessivo e exploratório. Além disso, essa massa de tra-
balhadores se tornou, na medida em que a industrialização avançava, numa grande
fonte de mão de obra operária para o trabalho nas indústrias e nos centros urbanos
cabendo-lhes, assim, baixos salários. Como consequência deste modelo houve um
aumento da superexploração das classes trabalhadoras tanto na cidade quanto no
campo produzindo uma violenta e previsível luta de classes. (BRITO, 2015).
Diante deste contexto paradoxal, típico do capitalismo, o qual, no momento,
dependia da exploração da classe trabalhadora para o sucesso da implantação da
industrialização, os trabalhadores rurais constataram que havia a necessidade de se
organizarem, todavia, as representações Estatais da época dificultavam a criação
de sindicatos rurais. Foi neste universo, como citado anteriormente, que surgiram
as primeiras Ligas Camponesas em 1945, este sistema de associação civil ganhou
forma com o apoio e a influência do, então, legalizado Partido Comunista Brasileiro
(PCB) que tinha como objetivo superar a exploração no campo a partir do acerto,
num primeiro momento, entre operários, camponeses e burguesia nacional, para en-
tão sistematizar a luta contra o capitalismo e, assim, a tão inspirada superação pelo
caminho do comunismo. Contudo esta aliança entre trabalhadores rurais e PCB so-
freu algumas transformações devido ao retorno, por força do Estado, do partido à
ilegalidade forçando as Ligas Camponesas a se rearranjarem, sem, porém, deixarem
de exercer o seu caráter insurgente.
132
nesa, levando a existência de associações ligadas ou não ao PCB (então
na ilegalidade) e ocorrendo também congressos rurais, que iniciavam timida-
mente um retorno às mobilizações e criavam um vocabulário comum de luta
e práticas de resistência. (BRITO, 2015, p. 76).
133
do imaginado, as terras da Baixada se tornaram em um campo de intensas disputas
advindas da dicotomia existente entre os interesses dos agricultores (posseiros e
lavradores), frente aos dos especuladores (grileiros e administradores).
Além do cenário nacional que desenhava-se, a partir da influência do desen-
volvimento das Ligas Camponesas, da ascendência do PCB e dos diversos agentes
sociais como militantes, políticos e membros da Igreja Católica, os quais marcaram
a organização e luta dos trabalhadores do campo no Estado do Rio de Janeiro, os
conflitos por terras na Baixada possuíam, também, em sua essência o imaginário da
“posse”, ou seja, o ideal de quem teria realmente o “direito” sobre uma determinada
propriedade. Aquele que há tempos vivia e/ou sobrevivia do que produzia tendo toda
uma relação de afetividade não só com a terra como também com a localidade? Ou
aquele que de alguma forma se dizia proprietário, por ter em suas mãos um docu-
mento, muitas das vezes espúrio, marcado pela grilagem, atestando-lhe o direito
sobre a terra reclamada? Diante deste contexto, os conflitos se intensificaram e ad-
quiriram amplitude como explica GRYNSZPAN (1987, p. 84).
134
vam pela extrema violência como o uso desproporcional da força, da queimada das
lavouras, da derrubada de propriedades, da prisão e do assassinato de posseiros.
Um caso emblemático deste período foi a associação dos lavradores de Pedra Lisa,
atualmente pertencente ao município de Japeri, no Estado do Rio de Janeiro. Antes
de emancipação da cidade, em 1991, a localidade fazia parte das terras iguaçuanas,
sendo marcada por uma série de contendas entre posseiros e especuladores, por
este motivo os trabalhadores do campo se organizaram de maneira a fazer frente ao
poder hegemônico tanto local como estadual, tendo na figura do agricultor Bráulio
Rodrigues37 uma emblemática liderança.
Natural da cidade mineira de Januária, nascido no ano de 1922, o “Seu Bráu-
lio”, como é conhecido, ficou órfão aos quatro anos de idade, sendo, por este motivo,
internado em um asilo de menores na capital, Belo Horizonte. Durante sua juventude
desempenhou diversas atividades profissionais, como sapateiro, jornaleiro e vende-
dor de laranjas, na cidade de Volta Redonda. Neste período, durante meados da dé-
cada de 1930, exerceu a profissão de apontador na Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), devido a sua personalidade combativa ao protestar contra as injustiças, as
quais os operários eram submetidos na fábrica foi demitido trocando o trabalho na
fábrica pelo trabalho no campo em Nova Iguaçu, na região da Pedra Lisa como des-
creveu em entrevista ao Jornal da Baixada no ano de 1979.
135
Sociedade dos Lavradores e Posseiros de Pedra Lisa desempenhou um papel impor-
tante na resistência dos agricultores, pois além se comprometer na luta pelo direito à
posse da terra, possuía o papel de conscientizar o trabalhador e seus familiares de
que aquele era o seu local e por isso deveriam se mobilizar:
A área vinha sendo ocupada desde o começo dos anos de 1940 e passou a ter a entrada e saída
de lavradores regulada por uma comissão formada pelos que ali viviam e trabalhavam e que esta-
vam organizados na Sociedade. Um de seus fundadores foi José Teodoro, conhecido como José
Matias, assassinado anos mais tarde por grileiros locais. (MAIA, 2015, p. 251).
136
Edição n°5, 1979, p.5).
137
CONCLUSÕES
138
REFERÊNCIAS
BRITO, Ricardo José Braga Amaral de. A Luta Camponesa e a Repressão Durante
a Ditadura Empresarial-Militar (1964 -1985). Rio de Janeiro: Revista Habitus, volu-
me 13, n° 1, jul, 2015. (p. 72-87).
CALDART, Roseli Salete [et. AL]. Dicionário da Educação do Campo. São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
139
MOLINA, Mônica (org). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão.
Brasília, MDA, 2006.
140
10.48209/978-11-CAMPO6-7-2
Este artigo foi possível a partir de pesquisa realizada por alunos do primeiro
ano do Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), polo de Alfredo Wagner, sob coordenação de um
professor orientador nas disciplinas de Vivência Compartilhada I e II.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo funciona em regime de alter-
nância, estratégia curricular de fazer com que a LEdoC esteja organizada em mo-
mentos pedagógicos, que interagem, chamados de “tempo universidade” e “tempo
comunidade”. Na UFSC estes momentos, no primeiro ano do curso, são viabilizados
pela disciplina de Vivência Compartilhada, que contempla planejamento, preparação,
realização, acompanhamento e supervisão, assim como a avaliação. A disciplina Vi-
vência Compartilhada objetiva envolver o acadêmico num processo educativo uno,
buscando articular a experiência escolar propriamente dita, a ocorrer no interior da
universidade, neste caso no município de Alfredo Wagner, com a experiência de tra-
balho e vida no seio da comunidade onde convive e trabalha o estudante.
O objetivo principal deste trabalho é estabelecer uma perspectiva de práxis en-
tre “tempo universidade e tempo comunidade”, apresentando resultados concretos à
luz da pedagogia da alternância. De maneira geral, a pesquisa permitiu além de uma
análise concisa do território bom retirense, um diagnóstico preliminar da educação
desse município.
O trabalho de pesquisa de campo iniciou-se a partir de leitura preliminar do De-
creto Federal 7.352 (BRASIL, 2010). A discussão em torno de uma educação para as
escolas do campo que contemple os anseios dos sujeitos que vivem nesse espaço,
não seria efetiva se não fosse considerado o processo de formação de professores.
Sendo assim, em 2007, as primeiras experiências de LEdoC foram realizadas em
quatro universidades: Universidade Federal de Brasília (UNB), Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Fe-
deral de Sergipe (UFS).
A escolha de Bom Retiro se deve ao fato de o território compor a oitava turma
da UFSC - polo de Alfredo Wagner, com a presença de dez estudantes. As atividades
142
foram desenvolvidas no ano de 2017, aprofundando a pesquisa em vários aspectos,
tais como: sociais, econômicos, políticos, estrutura fundiária, saúde e educacionais.
Na perspectiva de desenvolver no educando a sensibilidade e a competência
para análises de um território (em geral, um município), entendido como um espaço
geográfico sobre ação antrópica, considerando-se as relações sociais nele existentes,
bem como as determinações que elas geram, buscou-se aprimorar uma metodologia
participativa em todas as etapas de trabalho, de forma a preparar paulatinamente um
“Diagnóstico do Município”, com aspectos voltados à ação em Educação do Campo.
Buscou-se promover a articulação com – e entre – as diferentes disciplinas que
compõem o primeiro e o segundo semestre do curso de Educação do Campo, bem
como uma facilitação na relação com as instituições/organizações dos territórios/mu-
nicípios em que foram realizados os Tempos Comunidade.
O ponto de partida foi a construção de forma autônoma e participativa dos
Planos de Estudos (PA), por meio do envolvimento dos estudantes na indicação das
temáticas a serem pesquisadas, com base em seus conhecimentos sobre o território.
Os PA são os alicerces do desenvolvimento do trabalho de pesquisa e da análise dos
pesquisadores (professor e estudantes) durante o tempo comunidade. É preciso lem-
brar que no processo de construção de um diagnóstico, o educador do campo deve
considerar pontos mínimos do território: história e economia, questão agrária/estru-
tura fundiária, movimentos sociais/organização da sociedade civil; meio ambiente e
impactos ambientais da ação humana; educação e escolarização; saúde; sujeitos do
campo, mulheres, dentre outros.
Ao longo dos semestres foram realizados oito tempos comunidade, com três vi-
sitas intermediárias em cada semestre para acompanhar e orientar os estudantes na
coleta de dados da pesquisa e para estabelecer e reforçar as relações institucionais
com parceiros locais. Resumidamente, a metodologia utilizada constituiu-se de en-
trevistas com sujeitos chaves das comunidades, atores do poder público, estudantes
das redes municipal e estadual e professores, nas quais os pesquisadores procura-
vam colocar em prática os métodos aprendidos durante os tempos universidade.
Em relação à localização geográfica da área de estudo, o município de Bom
Retiro, localiza-se no estado de Santa Catarina (latitude 27º47’50” sul e longitude
143
49º29’21” oeste), na região serrana, com população estimada em 10.060 habitantes,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2020). Sua
população, segundo IBGE (2010), entre 2000 e 2010, cresceu a uma taxa média
anual de 1,16%, enquanto no Brasil foi de 1,17%, no mesmo período. Nessa década,
a taxa de urbanização do município passou de 66,98% para 71,76%. Entre 1991 e
2000, a população do município cresceu a uma taxa média anual de 1,17%, no esta-
do esta taxa foi de 1,85%; já no Brasil foi de 1,63%. Na década, a taxa de urbaniza-
ção do município passou de 56,42% para 66,98%.
De maneira geral, Bom Retiro pode ser considerado um município pequeno,
com atividades econômicas voltadas para o setor primário, porém a maioria de sua
população vive na região urbana do território. Esse fato é corroborado pelo processo
migratório interno (migração rural-urbana e inter-regional) para esta cidade que foi
intenso nos últimos anos.
Cabe aqui uma pequena reflexão sobre o entendimento que tenho sobre esta
questão. Parto do princípio de que o município tem a obrigação de conhecer suas
necessidades e seus limites, seus recursos humanos, naturais, econômicos, finan-
ceiros, entre outros. Assim, acredito que nos municípios há fontes de produção de
conhecimentos às quais os mesmos devem dar oportunidades por intermédio das
escolas. As escolas, por sua vez, têm condições de construir o conhecimento sobre
cada bairro, comunidade, cada recurso natural (solo, vegetação, água, sementes,
etc.), produção e abastecimento.
Por outro lado, tem-se um dilema: como fazer estudos sobre a realidade local
se há um currículo para cumprir? Começo partindo da premissa de que o conheci-
mento do currículo não é algo diferente do conhecimento da realidade. Neste senti-
do, a metodologia usada na Educação do Campo permite fazer com que o currículo
possa ser o estudo da realidade através das disciplinas. Essa opinião vai corroborar
a ideia de Educação Popular (EP), apresentada por Moura (2003, p.67), de que “A
EP é a que tem em seu bojo, em sua filosofia, em seus currículos, em sua finalidade,
preparar as pessoas para um projeto de sociedade”.
144
Pensar em como colocar em prática essa forma de conjeturar e agir, exige do
professor reflexões sobre o processo educacional que tem na avaliação um caráter
permanente de acompanhamento, monitoramento, uma vez que a educação é um
processo no qual as pessoas não se formam de uma só vez, em saltos grandes. Po-
de-se pensar na mesma linha de raciocínio sobre o conhecimento. Nele não existe
somente o limite entre o certo e o errado, mas sim a compreensão inicial, incompleta,
dos conceitos e da realidade, que vai amadurecendo, tomando formas mais aperfei-
çoadas e completas. O produto final do conhecimento, de uma ação é, por vezes, o
resultado inesperado desse processo. Assim, faz sentido pensar a avaliação como
um processo antes, durante e depois das ações. Avaliação dos valores, das atitudes,
dos conhecimentos, dos processos e dos conteúdos.
Discorrer a respeito da realidade do território por essa ótica é refletir sobre a
vida, o trabalho e a escola dos sujeitos. Nosso trabalho enquanto educadores do
campo só faz sentido quando temos condições críticas de perceber que essas rea-
lidades se apresentam para as famílias rurais e urbanas, assim como para os estu-
dantes, como se tudo tivesse a ver entre si, e não como mundos distintos, isolados.
De tal sorte, que a vida é o campo maior do conhecimento, o trabalho e a escola são
partes e dimensões da vida, em condições de interagir, de apoiar e manter relações
uma com as outras (MOURA, 2003). Ainda, em conformidade com o autor:
Mediante esta reflexão, tratar a realidade local passa a ser uma missão do edu-
cador do campo. O olhar ao território é uma condição sine qua non, na qual o rural e o
urbano, que na maioria das vezes nos são apresentados como dimensões bipolares,
como se houvesse uma lacuna nítida entre os dois e como se a separação pudesse
ser definida pela prefeitura ou pelo legislativo local, que decidem onde começa e
termina o limite urbano/rural, ou mesmo, como se as realidades fossem meramente
espaciais e físicas. Também, nessa toada, existe a conotação cultural de que o rural
é sinônimo de atraso, “matutice”, de lugar distante e isolado; onde as pessoas falam
145
errado ou mesmo onde as relações são livres com a natureza e os animais. E há
a conotação social, com a pobreza, moradias precárias, falta de higiene, de lazer.
Todas essas características em oposição à cidade, que se apresenta como sendo o
lugar onde tem luz, médico, emprego, escolas, pessoas que falam correto.
Neste território de hoje, as relações entre rural e urbano transcendem todas
essas conotações. As contribuições de Veiga (2002), no livro “Cidades Imaginarias”,
ao analisar os números oficiais do Estado, nos dão essa dimensão. A partir do autor,
vê-se que esses modos de vida se transcendem, interpenetram-se, interagem. O
rural não se identifica somente como agrícola e o urbano com o arruados de casas,
com postos de saúde e escolas. Os meios de comunicação, as TVs a cabo estão em
todos os espaços, os modos e costumes estão se influenciando de uma dimensão a
outra. Ou seja, ser do campo não é mais um estigma, e ser da cidade não é mais um
status social. Pode-se viver muito bem ou muito mal em qualquer um dos espaços.
De maneira geral, a pesquisa proposta aos estudantes pautava-se não somen-
te em um resgate da cidadania, da história dos sujeitos do campo, mas também por
uma redefinição de espaço rural a partir das noções que englobam as dimensões
cultural, produtiva, territorial e ambiental. Que não opõe cidade e campo, mas em que
ambos se completam e, quanto mais harmoniosos e valorizados forem suas funções
e relações, mais desenvolvimento será alcançado no território. Os conceitos de ter-
ritórios que estão sendo tratados no Brasil atualmente por diversos autores (HAES-
BAERT, 2007; SAQUET, 2006; SANTOS, 2005) inspiram relações complementares
e não opostas.
A educação no município teve início em 1907, com uma escola privada adven-
tista, em funcionamento até os dias atuais. O sistema público de ensino se iniciou em
1941, com o Grupo Escolar Alexandre de Gusmão, hoje Escola de Educação Básica
Alexandre de Gusmão. No interior havia escolas isoladas e multisseriadas só até a
4ª série. Atualmente, todas as escolas do meio rural são municipais e com a nomen-
clatura de “Escola do Campo”, porém, apesar do nome indicar que a escola é do
campo, o ensino reproduz a realidade urbana, quando deveria beneficiar e atender
às realidades locais (do campo) dos educandos.
146
Em relação ao transporte escolar, há uma frota terceirizada e outra própria do
município, que atende apenas seis localidades. Foi perceptível, a partir das entrevis-
tas com estudantes usuários, que as condições dos ônibus utilizados para o transpor-
te não são adequadas, sendo que eles chegam a perder aulas por este motivo.
A alimentação é feita nas próprias escolas. A Secretaria de Educação faz a
compra dos alimentos através de licitação (30% da verba é destinada para compra
de produtores da agricultura familiar). Apesar de esta ser uma cota legal, a prefeitura
prioriza comprar alimentos de origem da agricultura familiar.
Na rede municipal há três creches (duas na zona urbana e uma na zona rural).
Há cinco escolas no meio urbano e oito no meio rural, conforme a Tabela 1. Algumas
dessas escolas ainda são multisseriadas.
147
Núcleo Municipal São José (pré-escolar) 68
Núcleo Municipal São José (ensino fundamental) 219 Normal
Fonte: Elaborada pelo autor, com dados extraídos de Bom Retiro (2017)
Além das escolas de ensino municipal, o município conta com o Núcleo Avan-
çado de Ensino Supletivo – NAES, que atende 28 estudantes com idades entre 15
e 50 anos; conta também com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais –
APAE, que atende 98 alunos a partir dos três meses de vida. E também tem a Escola
de Ensino Infantil Beija Flor, com 72 crianças em idades entre dois anos e meio a seis
anos.
Diariamente, 117 estudantes vão a Lages para estudar em universidades lo-
cais e cursos técnicos, utilizam transporte escolar e fazem parte de uma associação
organizada por eles que recebe auxílio da prefeitura. Dez estudantes vão a Alfredo
Wagner (polo UFSC) com transporte particular, sem ajuda de custo da prefeitura. Há,
ainda, 15 estudantes que vão para uma escola particular em Urubici, município vizi-
nho. No município, há, também, uma escola particular de idiomas que atende cerca
de 190 alunos e dois polos de ensino superior (à distância-Ead).
Bom Retiro conta também com duas escolas estaduais, uma de ensino funda-
mental e outra de ensino médio. Na escola de Educação Básica Alexandre de Gus-
mão, que oferece o ensino fundamental, estudam 795 alunos, sendo 597 que moram
no perímetro urbano e 198 que vem do perímetro rural, entre seis e quinze anos
de idade. Alguns alunos que tinham distorção idade/série foram transferidos para o
NAES. Na escola Alexandre de Gusmão atuam 56 professores, mas nem todos são
habilitados, e a maioria é Admitido em Caráter Temporário – ACT.
148
A Escola de Ensino Médio Valmir Omarques Nunes tinha 247 estudantes em
2017. Devido à recente inauguração (no ano de 2017) não se tem dados oficiais
pelo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), sendo que os dados
de acompanhamento são estimativas da própria escola, onde o índice estimado de
reprovação está em 3%, o que deixa o índice de aprovação em torno dos 95% a 97%.
Conta com 27 professores, sendo apenas quatro efetivos e os demais ACTs. Apenas
dois professores não atuam na sua área de formação.
A faixa etária dos estudantes é de 14 a 18 anos. Tem duas grades curriculares
(ensino médio convencional de primeiro ao terceiro ano e cursos técnicos em Agro-
pecuária e Informática). A partir do ano de 2018 conta também com ensino integral,
que é uma proposta do Governo Federal e tem novos cursos técnicos na área têxtil
e pós-médio.
Além desses dados, a pesquisa permitiu inferir números gerais do município
referentes a distorção idade/série. A Tabela 2 mostra essa distorção idade/série em
todas as escolas do município.
149
para que as aulas sejam de excelência.
Sobre o futuro em relação a qual curso querem fazer após o ensino médio,
foram apresentadas inúmeras opções. Chama a atenção um baixo índice de alunos
que querem fazer cursos de licenciatura. Além disso, é expressiva a quantidade de
estudantes que estão no último ano do ensino médio, mas que ainda não sabem o
que querem cursar no ensino superior.
A Tabela 3 mostra os dados sobre todas as escolas do município em relação a
aprovação, reprovação e desistência de estudantes.
Índices gerais
Reprovação Abandono Aprovação
Etapa escolar
% % %
Anos Iniciais
8,2 (58) 0,3 (3) 91,5 (117)
(Ensino Fundamental)
Anos Finais (Ensino Fundamental) 28,9 (168) 3,2 (19) 67,9 (134)
150
Como se pode observar, há muitas reprovações nos anos finais do ensino fun-
damental, o que contribui para o aumento da distorção idade/série. Não se pode
deixar de destacar que os índices de aprovação são bons nos anos iniciais do en-
sino fundamental e no ensino médio, porém nos anos finais do ensino fundamental
o índice é bem baixo, deixando o município entre os cinco piores índices do estado,
de acordo com sítio eletrônico do QEdu. De modo geral, como mostra a tabela 3, o
índice de abandono é baixo, o que significa afirmar que são poucos estudantes com
idade escolar fora da escola.
Quanto ao IDEB dos anos iniciais do ensino fundamental, Bom Retiro, em 2015,
apresentou média de 5,1 na rede estadual de educação, a qual se encaixa dentro das
metas estabelecidas pelo Governo Federal. Em relação aos anos finais do ensino
fundamental, a média que em 2005 estava entre 4,0 e 4,9, em 2015 baixou para 3,8.
151
nidades para estudarem na sede municipal.
Assim, temos alguns dados sobre o quadro atual da educação de Bom Retiro
(escolas, quantidade de alunos e tipografia), tendo como base a educação pública.
Na Tabela 1, chama atenção o fato de duas escolas terem três alunos, apenas,
em suas equipes, número extremamente pequeno, mesmo sendo escolas do interior
do município. Inevitável são as perguntas: quais são os motivos que impulsionam
um número tão pequeno de estudantes nessas escolas? O que move professores e
alunos a se manterem ativos com uma quantidade tão pequena de estudantes? Por
que o poder local não as fechou, nucleando-as? Contraditoriamente, por outro lado,
temos uma escola com 287 estudantes. O que explica essa quantidade é o processo
de nucleação que vem ocorrendo nos últimos anos no território, acompanhando uma
tendência estadual de fechamento de escolas do campo.
A nucleação das escolas, segundo a secretaria de educação, iniciou-se no ano
de 1998, com o intuito de diminuir o grande número de escolas isoladas, a qual, na
visão dos administradores locais passaram a “dar prejuízos” aos cofres públicos.
Para viabilizar essa ação, foram determinados os locais onde seriam implantados
os núcleos (conforme Tabela 1), de tal forma que alunos de comunidades vizinhas
poderiam “facilmente” se deslocar até a escola, utilizando o transporte do município
como meio. Para atender essa demanda de estudantes, o município conta com um
total de 108 profissionais na área da educação, sendo eles professores, monitores e
estagiários (Professores – 87; Monitores - 9; Estagiários – 12).
Além das unidades de ensino municipais, Bom Retiro conta também com duas
escolas estaduais que desempenham papel fundamental dentro da educação do mu-
nicípio. Merece destacar a quantidade de estudantes da Escola Alexandre de Gus-
mão, bem como seu quadro de professores. Tradicional na cidade, por longo tempo
abrigou os ensinos fundamental e médio. Hoje, a função de oferecer ensino médio
cabe à Escola Valmir Omarques Nunes, onde, além do ensino médio normal, tam-
bém oferece cursos técnicos à comunidade regional.
Somando todas as escolas do município, o número total de alunos matricu-
lados é de 1.943 e, para esta demanda, o total de professores é de 178. Além de
professores, outros profissionais trabalham na área da educação ocupando cargos
de diretores, coordenadores, merendeiras, motoristas, serviços gerais, entre outros.
152
Para gerenciar a educação do município, o poder público local pode contar
com convênios e verbas advindas dos dois entes (federal e estadual) e fundos volta-
dos à educação. O município tinha, no período da pesquisa, um investimento de R$
3.744.736,73, que ultrapassava 25% da renda total. No quadro a seguir estão lista-
dos os valores de benefícios recebidos pelo município para a educação.
Fonte: Elaborado pelo autor, com dados extraídos de Bom Retiro (2017).
153
Segundo Brasil (2016), o valor mínimo aplicado em educação deve ser de 25%
do orçamento da prefeitura e, de acordo com as informações da Secretaria de Edu-
cação do município, de janeiro até outubro de 2017, o valor aplicado já ultrapassava
29% do seu orçamento, chegando à cifra de quase quatro milhões de reais.
Outro fator importante que a pesquisa aponta é que há uma defasagem no qua-
dro de professores habilitados para ministrar as disciplinas curriculares normais. Par-
te dos professores não é habilitada e a grande maioria é ACT. Além disso, em uma
escola pesquisada, pôde-se observar que a relação aluno/professor é conturbada, e
o uso de entorpecentes, no entorno da unidade escolar, é um fator que prejudica e
preocupa a ainda mais esta relação.
Em relação às metodologias de ensino/aprendizagem, notou-se que alguns
professores oferecem resistência aos novos métodos de ensino, mostrando, então,
que o procedimento tradicional é o que prevalece. Cabe, porém, considerar que a di-
ficuldade encontrada por esses docentes, às vezes, decorre de salas de aula lotadas,
muitos alunos sem materiais, desinteressados, desestimulados e, em alguns casos,
obrigados, por lei, a frequentar a escola. Estes motivos, aliados à falta de estrutura
das escolas, à carga horária excessiva e à falta de materiais, acabam desmotivando
os professores e contribuem para que as aulas não sejam estimulantes.
A principal reclamação dos entrevistados (professores, técnicos e alunos) foi a
falta de recursos em suas escolas. Muitos deles queriam poder fazer mais pela edu-
cação, porém se deparam com essa dificuldade. Por fim, a pesquisa mostrou ser o
transporte escolar a principal preocupação dos administradores públicos. Os dados
colhidos com representantes da Secretaria de Educação corroboram que a munici-
palidade tem um gasto bem maior com transportes escolares (aluguéis, reposição de
peças quebradas, manutenção de frota, dentre outros), do que manter uma escola
multisseriada no interior do município. Assim, cabe refletir se não seria mais prudente
e viável manter as escolas na área do campo, ao invés do processo de nucleação.
Para além das questões financeiras, manter as escolas do campo significa também
primar por questões culturais e pela preocupação com o bem-estar dos alunos, já
que muitos ônibus usados para transportar os estudantes encontram-se em péssi-
mas condições de trafegabilidade.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
155
_____. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 95. Altera o Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
emendas/emc/emc95.htm>. Acesso em 23 de ago. 2018.
http://qedu.org.br/cidade/641-bom-retiro/distor-
cao-idadeserie?dependence=0&localization=0&stageId=initial_years&year=2016.
Acesso em 25 de out. de 2018.
156
10.48209/978-12-CAMPO6-7-2
EDUCAÇÃO ESCOLAR NO
ENFRENTAMENTOS PARA
EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO
DO CAMPO
Vangilson Ferreira Bispo41
158
O Assentamento está estruturado em uma agrovila com aproximadamente 212
casas, construídas a margem da Avenida Brasil, via que corta o assentamento, sen-
do o acesso principal e outras construídas em ruas secundarias. A velha estrutura
da fazenda foi muito utilizada pelos assentados como sede da associação, salão
de festas, posto de saúde, escola, almoxarifado, salão de atividades culturais entre
outros. O assentamento possui setores específicos (Produção, Educação, Saúde,
Juventude, Frente de massa, gênero entre outros), seguindo a mesma linha do MST
responsável pela organização do assentamento juntamente como a Associação e os
coordenadores de núcleos.
Atualmente o assentamento Menino Jesus possui uma escola com seis salas
de aula construída pelo poder publico estadual porem é utilizada também pelos alu-
nos matriculados na rede publica municipal. Isso depois de muitos enfrentamentos
para liberação desse espaço pois, o mesmo foi conquistado através de muitas lutas
e mobilizações pelas famílias da comunidade. O prédio funciona duas escolas: O
Colégio Estadual do Campo Menino Jesus e a Escola Municipal Fabio Henrique de
Cerqueira. A gestão é compartilhada e existe um diretor pelo estado e outro pelo mu-
nicípio onde o mesmo é assentado e residente na comunidade. Os professores da
escola municipal são todos da cidade e não tem vínculo nenhum com a luta do MST
e nem com a Educação do Campo. Há grande dificuldade em trabalhar as especifi-
cidades da escola do campo geralmente trazem os mesmos métodos e conteúdos
trabalhados na cidade.
159
Almeida, e o secretário de educação, Sr. Fernando Cunha, para discutir a questão
da educação das crianças sem-terra, que estavam no acampamento. Porém os mes-
mos não aceitaram abrir escola para atender essa demanda, alegando que não ha-
veria uma garantia destas famílias permanecerem na área. Mesmo sem aceitação do
poder público municipal, a escola foi criada com duas turmas multisseriadas, tendo
como professores voluntários Vangilson Bispo e Eliana Silva.
Durante este período, a direção do movimento continuou insistindo e revin-
dicando juntamente com as famílias a abertura da escola e efetivação das turmas.
Diante de muita luta, vinculou-se os estudantes à escola municipal Everaldo Pinheiro
dos Reis localizada na Fazenda Serrado no município de Água Fria. A direção desta
escola ficou por conta de uma diretora que administrava varias escolas pequenas
no distrito de Paraíba. Nesse período houve um aumento significativo de educando,
devido a chegada de muitas famílias no acampamento, e nessa mesma medida foi
aparecendo professores formados para acampar e se ingressava na educação para
dar conta da demanda da escola.
Em 2005 foi aprovada na câmara de vereadores a mudança do nome da es-
cola para Escola Municipal Fabio Henrique de Cerqueira, nome este discutido na
comunidade e aprovada por maioria por ser um militante do MST que lutava por
educação de qualidade para as famílias sem-terra. A partir desse momento foi no-
meado um professor assentado para a direção da Escola o qual trabalhava com
toda equipe de professores e agentes públicos participante do MST. Houve um longo
período em que os serviços de limpeza e merenda da escola seriam realizados por
pais voluntários bem como a ciranda infantil que desde o início das atividades da
escola vinha acontecendo. O poder público não dava a assistência necessária para
o bom funcionamento da escola. As aulas funcionavam em casas velhas da antiga
fazenda na maioria das vezes deteriorada, sem banheiro adequado, telhado, piso e
portas estragadas, quadro de giz e cadeiras velhas que já haviam sido usadas por
outras escolas. Diante de todas essas dificuldades enfrentadas, o MST sempre fazia
reivindicação da construção de uma escola de qualidade ao poder público municipal
e estadual, porem sempre negada pelos órgãos públicos. Somente em 2009 foi apro-
vado o projeto da escola pelo poder público estadual e finalmente a obra foi concluída
160
em novembro de 2010. Apesar da conclusão das obras, chegou o período de iniciar o
ano letivo 2011, e ainda não havia sido inaugurado o prédio da escola. Dessa forma
a comunidade se uniu e discutiu que deveria ocupar a escola devido a precariedade
dos espaços que estavam sendo utilizados como salas de aula. Educadores, pais e
educandos entraram para escola, iniciaram o desenvolvimento das atividades do ano
letivo e continuam até os dias atuais sem a inauguração.
Em 2008 aconteceu um concurso público no município para professores com
vagas exclusivas para a escola municipal Fabio Henrique de Cerqueira, sendo que
nenhum dos educadores do assentamento ficou entre as vagas, devido a uma falha
na comunicação sobre a prova de título. A partir de 2009, houve grandes mudanças
na educação escolar dos educandos da escola municipal Fabio Henrique de Cerquei-
ra, com a chegada dos novos professores vindos da cidade e a saída dos professo-
res do assentamento, os quais conheciam e viviam toda realidade dos educandos.
No período em que o quadro de professores da escola era composto por participante
do MST, havia a participação dos encontros de formação promovidos pelo setor de
educação do Movimento, e isso colaborava na implementação da pedagogia do mo-
vimento sem-terra, baseado no método de Paulo Freire, trabalhando e valorizando
a realidade dos educandos. Dessa forma, havia o canto do hino, músicas do movi-
mento sem-terra, apresentação de mística, trabalhava-se os símbolos do movimento,
participavam do concurso de arte e desenho promovido pelo setor de educação, par-
ticipação da horta escolar entre outras atividades. As crianças da escola participaram
de diversos encontros dos sem terrinha a nível estadual, regional e de brigada. Havia
uma sintonia entre a escola, comunidade e movimento sem-terra. A partir do momen-
to em que os educadores da cidade chegaram a escola se tornou uma extensão da
educação da cidade, porque não houve mais um trabalho voltado para realidade dos
educandos, e os professores não tinham nenhum interesse em participar de nenhu-
ma atividade ligado ao movimento sem-terra principalmente se ocorresse fora do seu
turno de trabalho.
Outra dificuldade que a escola enfrenta é a rotatividade de professores que
acontece quase todos os anos, que acabava dificultando o trabalho de formação dos
educadores e estudantes. A coordenação pedagógica da escola passou a ser com-
161
partilhada com outras do município, deixando de lado as especificidades da comuni-
dade. Atualmente a escola funciona atendendo da ciranda infantil ao fundamental I,
com 120 educandos matriculados, 5 professores de 20 horas, um diretor (núcleo), um
vice diretor, um secretário, um porteiro, 3 agentes públicos e uma ajudante de ciran-
da. A escola trabalha com os programas Mais Educação nas modalidades de canteiro
sustentável, letramento, capoeira e esporte escolar. Tem ainda o programa mais cul-
tura na modalidade de samba de roda, e tem a parceria com o Pibid Diversidade com
os estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
do Estado da Bahia (Uneb) de Itaberaba onde são desenvolvidas oficinas ligadas a
leituras, escrita, matemática e arte.
“... é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem sendo em-
pregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido satisfatoriamen-
te para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos, sua
cultura e seu padrão de vida”.
Portanto está claro que não é prioridade para a elite dominante que está a fren-
te da Educação resolver o problema do analfabetismo no Brasil nem tão pouco elevar
o nível de escolaridade da classe trabalhadora principalmente do povo do campo.
162
Para que haja uma escola no Campo, os movimentos sociais tem se organizado e
lutado muito na defesa de uma educação de qualidade voltado para a realidade dos
sujeitos que ali atua. De acordo com Caldart:
163
Afirma Andréa (2011, p 87) “os fazeres docentes, assim como as práticas familiares
e as demais relações sociais estabelecidas, não estão descolados de uma realidade
social e cultural que os conformam”.
Para Nascimento a educação básica do campo possui três características fun-
damentais: é um projeto político-pedagógico da sociedade civil que busca intervir nos
fundamentos da educação brasileira; é um projeto popular alternativo para o Brasil e
um projeto popular de desenvolvimento para a realidade campesina. Baseado ainda
nessas características Nascimento ainda afirma que a concepção de escola do cam-
po procura defender os interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura
camponesa.
A Educação do Campo tem sido uma das maiores política pública para a classe
trabalhadora no meio rural, onde através de alguns programas tais como: Pro-Jovem
Campo – Saberes da Terra escolarizou milhares de jovens agricultores/as familiares
em nível fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), inte-
grado à qualificação social, profissional em Agricultura Familiar e Sustentabilidade
em diversas regiões do Brasil. De acordo com Nascimento o curso é organizado
assim:
164
alternância facilitava o acesso de muitos jovens. Uma das dificuldades enfrentada
na escola que participo era falta de material, falta de alguns educadores e atraso no
pagamento.
Outro programa ligado às políticas de educação do campo importante é o Pro-
grama de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo –
Procampo. Segundo Nascimento:
165
sociais, ambientais, políticas e éticas (Nascimento). Nascimento afirma ainda que:
É nesse sentido que muitos jovens e adultos estão sendo formado em diversos
cursos espalhados pelo Brasil em diversas áreas do conhecimento. O assentamento
Menino Jesus já tem pessoas que foram beneficiadas nos cursos de Direito,
Agronomia, Pedagogia, Letras e cursos técnicos em Agropecuária e Gestão.
As políticas de Educação do campo vêm sendo implementadas no país no
tocante à formação dos camponeses. Porém, ainda há um limite no que se refere a
garantia da atuação desses profissionais nas suas comunidades para que possa im-
plementar a aprendizagem que adquiriu com os cursos que lhe foi oferecido.
Os educadores que trabalham no município de Água Fria, grande parte vem das
cidades circunvizinhas de outra realidade, portanto não se importa com a realidade
do município, e nem das especificidades das comunidades como garante a LDB no
seu artigo 28. Enquanto isso muitos filhos dos trabalhadores do assentamento Meni-
no Jesus estão qualificados e não consegue ser contratado para trabalhar na escola.
Um dos grandes problemas enfrentado na Escola Municipal Fabio Henrique
são os conteúdos iguais os da cidade, os professores despreparados pra lhe dar
com o púbico da reforma agrária, a falta dos professores, o atraso do transporte que
conduz os professores, a não valorização da luta do MST entre outros. É preciso que
os movimentos sociais continuem a luta de novas turmas pelo PRONERA, mas tam-
bém que intensifique a luta para garantir os profissionais formados exercendo suas
funções nas suas comunidades de origem.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Na medida em que foi sendo discutida a educação de maneira geral foi obser-
vado que já houve grandes mudanças na educação escolar do Assentamento Meni-
no Jesus. Uma das questões bem visíveis é o espaço físico que antigamente eram
espaços improvisados e atualmente tem seu próprio prédio. O ensino aprendizagem
166
também mudou porque antes quando os professores eram moradoras da comunida-
de conseguiam discutir melhor as questões especificas da melhoria da comunidade
além de participarem das atividades promovidas pelo MST no intuito de conquistar
mais benefício para as pessoas residentes no assentamento Menino Jesus. Com o
quadro de professores atual está muito difícil discutir as questões relacionadas com o
luta dos trabalhadores e da educação do campo. Os educadores não tem disponibili-
dade para participar dos cursos de formação promovido pelo setor de educação local
ou estadual do MST. As pessoas que já se capacitaram através dos cursos formais
ou não formais promovidos pelo MST ligados a política do PRONERA muitas vezes
ainda não tiveram oportunidade pra colocar seus conhecimentos em pratica devido
às burocracias do estado no que se refere aos concursos públicos. Ainda há uma
grande distância entre o que o movimento social prega na questão de formação para
seu povo especialmente os estudantes de suas escolas e o que é ofertado pelo poder
púbico municipal. Na verdade, o Secretaria de educação do município não respeita
a Lei de Diretrizes e Base que no seu artigo 28 garante adaptação às peculiaridades
da vida rural e de cada região.
Já houve várias tentativas de implementação do art. 28 da LDB no que se re-
fere aos conteúdos curriculares, as metodologias apropriadas, organização escolar
própria incluindo adequação do calendário e outras especificidades, mas sempre
houve resistência pela secretaria municipal de educação de Água Fria.
REFERÊNCIAS
167
NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. POLÍTICAS “PÚBLICAS” E EDUCAÇÃO DO
CAMPO: EM BUSCA DA CIDADANIA POSSÍVEL? Acessado em 20/06/2016: http://
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168
10.48209/978-13-CAMPO6-7-2
CAMPO, TERRITORIALIDADE,
43 Nem toda escola instalada no campo é uma escola do campo, na acepção crítica de Edu-
cação do Campo, porém, uma escola do campo precisa, necessariamente, ser instalada no campo.
Educação para, no ou do campo é uma temática que gera polêmicas entre diversos setores da
sociedade brasileira, inclusive no âmbito acadêmico (BEZERRA NETO, 2016; CALDART, 2012;
CASSIN; NALLI, 2016; MORAES, 2019).
170
Trata-se de uma temática relevante e atual, uma vez que essa política tem di-
versas implicações – diretas e indiretas, imediatas e mediatas, individuais e coletivas
– para o direito à educação escolar dos povos do campo. Além disso, a educação
(a ser) propiciada aos povos do campo é um tema debatido tanto da perspectiva do
tempo presente quanto da perspectiva do tempo passado, em âmbitos nacional e
internacional (CELESTE FILHO, 2020; MORAES, 2019).
Para a realização deste estudo, documental e bibliográfico, analisaram-se do-
cumentos oficiais do governo federal brasileiro relacionados ao tema em tela, à luz
de bibliografias atinentes às temáticas do fechamento de escolas no/do campo, da
Educação do Campo, da educação em movimentos sociais e da gestão democrática.
Portanto, povos do campo é uma categoria ampla, que abrange vários povos
com singularidades diversas, porém, com uma característica comum, qual seja, vi-
vem no e do campo.
Conforme as DCNs (BRASIL, 2013, p. 125), “[...] a Educação do Campo, trata-
da como educação rural na legislação brasileira, incorpora os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura e se estende também aos espaços pesqueiros,
caiçaras, ribeirinhos e extrativistas [...]”.
171
No entendimento de Caldart (2012, p. 259, grifos da autora),
A Lei nº 12.960, de 2014 (BRASIL, 2014b), que altera a LDBEN (BRASIL, 1996),
determina critérios básicos para o fechamento de escolas no/do campo:
Taffarel e Munarim (2015, p. 47), fazendo referência a essa lei, apontam que
ela foi instituída “[...] em 27 de março do mesmo ano [2014] para coibir esse ato [de
fechamento de escolas] autoritário, abusivo, discricionário e, por fim, criminoso, que
vem sendo praticado por autoridades educacionais em quase todos os estados e
municípios brasileiros.” Ainda segundo esses autores,
172
MUNARIM, 2015; TORRES; SILVA; MORAES, 2015).
Ainda que implementada de forma, em tese, pontual e dispersa, ao se conside-
rar os dados gerais referentes a essa política, constata-se expressiva quantidade de
escolas no/do campo fechadas em diferentes localidades do território nacional. Se-
gundo Taffarel e Munarim (2015, p. 46), “[...] os dados do Censo Escolar Inep/MEC,
assim como os dados do II PNERA [...] demonstram que ao longo da última década,
o número de escolas do campo brasileiras fechadas é enorme. As escolas foram re-
duzidas em 31,46%, ou seja, 32.512 unidades foram fechadas.” Esses autores desta-
cam, ainda, que “A última lista divulgada pelo MEC (INEP) aponta que 4.084 escolas
municipais e estaduais foram fechadas no decorrer de 2014, quase absolutamente
todas no campo.” (TAFFAREL; MUNARIM, 2015, p. 47).
A política de fechamento de escolas no/do campo está relacionada a diversos
fatores, principalmente econômicos, que envolvem os âmbitos internacional, nacio-
nal, estadual e municipal. Tanto esses fatores quanto esses âmbitos são, em alguma
medida e em determinados casos, imbricados entre si. Essa política, como apontado,
gera vários impactos negativos para o direito à educação escolar dos povos do cam-
po (MARTINS, 2004; TORRES; SILVA; MORAES, 2014, SILVA; MORAES; TORRES,
2015)44.
Além dos desdobramentos mencionados por esses e por outros autores, a po-
lítica de fechamento pode ter outros impactos, como, por exemplo, na territorialidade
e na gestão democrática das escolas públicas no/do campo.
TERRITORIALIDADE
173
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
174
[...] o território camponês é uma unidade espacial, mas também é o
desdobramento dessa unidade, caracterizada pelo modo de uso desse es-
paço que chamamos de território, por causa de uma questão essencial que
é a razão de sua existência. A unidade espacial se transforma em território
camponês quando compreendemos que a relação social que constrói esse
espaço é o trabalho familiar, associativo, comunitário, cooperativo, para
o qual a reprodução da família e da comunidade é fundamental. A prática
dessa relação social assegura a existência do território camponês, que, por
sua vez, promove a reprodução dessa relação social. Essas relações sociais
e seus territórios são construídos e produzidos, mediante a resistência, por
uma infinidade de culturas camponesas em todo o mundo, num processo
de enfrentamento permanente com as relações capitalistas. (FERNANDES,
2012, p. 746, grifos do autor)
[...] a população assentada do Mário Lago se depara, ainda hoje, com proble-
mas de transporte, na manutenção dos ônibus, na conservação das vias no
interior do assentamento, no tempo de deslocamento das crianças de suas
casas à escola, na dispersão das crianças assentadas atendidas em cinco
escolas diferentes, na resistência das crianças dos bairros em aceitar as as-
sentadas, a dificuldade dos pais em atender aos chamados das escolas e na
participação desses e das crianças nas atividades escolares fora do horário
de aula.
175
Com base nos apontamentos apresentados, considera-se que o fechamento
de escolas no/do campo e, por conseguinte, a transferência dos seus estudantes
para escolas em áreas urbanas ou para outras escolas no/do campo, porém, em
comunidades distantes de suas residências, resulta em deslocamentos diários, não
raramente envolvendo trajetos longos e demorados, o que implica, em determinados
casos, para além dos desdobramentos enunciados, desterritorialização desses estu-
dantes, ainda que em tempo parcial (MARTINS, 2004; SILVA; MORAES; TORRES,
2015)45.
Apontamentos de Folmer e Meurer (2019, p. 26-27) contribuem para a com-
preensão de impactos da desterritorialização, bem como da problematização realiza-
da neste texto: “[...] a desterritorialização significa o desarraigamento de povos, ati-
vidades sociais e econômicas que envolvem a comunidade, significando uma perda
de cultura que outrora estava ligado àquele espaço.”
Por isso considera-se que ocorre a desterritorialização, pois estudantes são
deslocados dos respectivos territórios e enviados a outros territórios, fenômeno que
tem implicações políticas, econômicas e culturais, não só para esses estudantes,
mas também para suas famílias e outros membros das suas comunidades. Dessa
perspectiva, mesmo as escolas localizadas no campo e que concentram os estu-
dantes oriundos de escolas fechadas incorrem, em determinadas circunstâncias, em
algum nível de desterritorialização.
No entendimento de Folmer e Meurer (2019, p. 30), “Não só há um fechamento.
Há uma desarticulação e por sua vez uma desterritorialização da Escola do Campo.”
Além dos impactos anteriormente enunciados, a desterritorialização, decorrente
da política de fechamento, afeta, também, o dispositivo legal da gestão democrática.
GESTÃO DEMOCRÁTICA
176
A LDBEN, consoante com a Constituição determina no artigo 3º, que “O ensino
será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VIII - gestão democrática do
ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;” (BRASIL,
1996). No artigo 14, a LDBEN diz que
177
ção escolar em âmbito local, isto é, em questões da alçada decisória da escola.
Partindo do que apontam Dal Ri e Vieitez (2008) e Silva e Dal Ri (2019b), dentre
outros autores, a gestão democrática, não sem contradições, tem, também, potencial
de contribuir para avanços na implementação de projetos contra-hegemônicos de
(auto)educação, como, por exemplo, os levados a termo por movimentos sociais de
povos do campo.
Assim, retrocessos no dispositivo legal da gestão democrática tendem a re-
percutir na possibilidade do tensionamento da educação oficial, com vistas a demo-
cratizá-la, ainda que dentro da lógica institucional. Dessa forma, torna-se oportuno e
necessário que seja (re)colocada em tela, a partir de outro patamar e de perspectivas
das classes trabalhadoras, a questão da gestão democrática do ensino público, pois,
enquanto as classes trabalhadoras estiverem à margem dos processos decisórios,
a tendência é de que a educação continue a ser concebida, executada e gerida ex-
clusivamente – ou seja, sem disputas em âmbito institucional – da perspectiva das
classes dominantes.
Considerando-se apontamentos de Caldart (2012), Bezerra Neto (2016), Mo-
raes (2019), dentre outros autores, constata-se que a educação escolar propiciada
aos povos do campo foi historicamente concebida, executada e gerida por institui-
ções, organizações, intelectuais ou profissionais alheios ao campo e/ou às classes
trabalhadoras, a exemplo do que aponta Moraes (2019) sobre os ruralistas do ensino.
Esses apontamentos históricos remetem a debates contemporâneos sobre a
educação para, no e do campo46.
O dispositivo da gestão democrática propicia aporte legal e ético-político para
que as classes trabalhadoras – não sem contradições – reivindiquem e exerçam o
direito à participação nos processos decisórios da escola.
Iniciativas do MST de ocupação ou de posse são uma forma de disputar com
o Estado e com as classes dominantes, nos planos teórico e empírico, a educação
das classes trabalhadoras (MARTINS, 2004; SILVA; DAL RI, 2019a; 2019b). Dal Ri e
Vieitez (2008, p. 317, grifo dos autores) consideram o projeto educativo do MST
46 Por um lado, não se desconsidera que a Educação do Campo é recente na educação brasi-
leira. Por outro lado, considera-se que, ainda que com outros termos e especificidades das diferen-
tes conjunturas e sujeitos, gérmens desses debates já estavam presentes, há décadas, em pautas
de movimentos populares.
178
[...] uma posição política e educacional de primeira grandeza por suas cono-
tações sociais inclusivas, ou seja, o MST é partidário incondicional da escola
pública e gratuita. Ao que devemos acrescentar o termo de democráticas, por
nosso prognóstico decorrente da análise.
47 Destaca-se que, ainda que com outros termos e com significativas diferenças entre si, a
gestão democrática é um princípio transcendente e comum a projetos educativos de alguns dos
principais movimentos sociais das classes trabalhadoras, desde meados do século XIX, com desta-
que para o cartismo britânico, o marxismo, o socialismo utópico e, na atualidade, o MST e o Zapa-
tismo, além de outras iniciativas de menor repercussão na literatura acadêmico-científica (SILVA;
DAL RI, 2019b).
48 Ressalta-se que iniciativas de resistência e auto-organização de determinadas frações das
classes trabalhadoras, desde o momento histórico da Revolução Industrial até a atualidade, ten-
dem a incluir projetos de (auto)educação (SILVA; DAL RI, 2019b).
179
FECHAMENTO DE ESCOLAS: PARA ALÉM DO ÂMBITO LOCAL
180
que propiciem as condições adequadas, materiais e simbólicas, de vida aos povos
do campo. A existência e o funcionamento adequado – em termos de quantidade e
de qualidade – de equipamentos públicos de uso coletivo são fundamentais para a
qualidade de vida dos povos do campo. A escola do campo – portanto, no campo – é
um dos equipamentos públicos de uso coletivo mais estratégicos para a viabilidade
de determinados projetos dos povos do campo (SILVA; MORAES; TORRES, 2015;
TORRES; SILVA; MORAES, 2015). Folmer e Meurer (2019, p. 29) contribuem para
exemplificar a relevância da escola do campo para povos do campo, em especial
para assentados da reforma agrária:
181
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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186
10.48209/978-14-CAMPO6-7-2
188
do pelos depoentes é o deslocamento, observam que a escola na comunidade facilita
o acesso à educação, além de estar localizada no espaço de vivência dos alunos,
promovendo, de certa forma, a valorização do local, dos hábitos e costumes dessas
comunidades em que estão inseridas. Mas, nem sempre a escola desenvolve méto-
dos de ensino que estimulam os alunos a valorizarem as experiências vivenciadas
por eles e seus familiares, como destaca o depoente A, “a escola da comunidade da
Linha Boa Vista não aborda assuntos referente a lida no campo, muito menos sobre a
nossa cultura. São valores que vão se perdendo, pois, as nossas crianças observam
outra forma de viver, mais fácil, do que o trabalho na lavoura e na horta”. (Diário de
Campo, 2018). “Os professores também não ajudam, poucos são os do nosso muni-
cípio, e nem um é daqui da comunidade, muitos vêm de outros municípios da região
para lecionar no Sete de Setembro”, destaca o depoente B. (Diário de Campo, 2018).
“Uma das preocupações da comunidade da Linha Barreira é o reduzido número de
crianças em idade escolar, e a Secretaria de Educação do Município está cogitando
a hipótese de nucleação”, revela o depoente C (Diário de Campo, 2018).
Os espaços rurais geralmente são territórios com pouca densidade demográfi-
ca, porém essa característica não se aplica ao município de Sete de Setembro/RS,
onde a população rural aumentou nos últimos anos. Fenômeno pouco valorizado e
explorado, tanto pelo poder público como pelos munícipes, pois essas sociedades/
comunidades produzem paisagens específicas, por meio do trabalho cotidiano e es-
tabelecem relações recíprocas entre os membros dessas comunidades com a esco-
la. Assim, a escola do campo poderia constituir-se como representante e reprodutora
das histórias, memórias do espaço em que está inserida, ou seja, incluir no processo
de ensino e aprendizagem as formas, cores, estruturas, cheiros, processos, funções
e sabores, ou seja, os traços daqueles e daquelas que construíram/produziram o es-
paço geográfico rural de Sete de Setembro (RS).
O presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma analise da educa-
ção do campo no município de Sete de Setembro, onde as escolas não demonstram
um trabalho sobre o assunto, fazendo com que torne necessário a realização de um
estudo apurando os fatores que demonstre a não aplicação do ensino sobre o recor-
189
rente assunto.
A educação do campo deve ser implementada nas escolas onde o município
apresente um número elevado de moradores camponeses, com isso o ensino levará
para os alunos a importância de compreender o trabalho que é realizado no meio
rural.
É importante destacar que a população do campo e a educação do campo tem
objetivos de produzir e reproduzir a realização de bens que agrega valores para o
município. De acordo com O Decreto 7352/2010 em seu artigo 1º conceitua popula-
ção de campo e escola do campo:
Escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fun-
dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situa-
da em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do
campo (BRASIL, 2010).
190
res como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e
estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e
ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho;
191
Figuras 1 e 2: Escola Estadual de Ensino Médio São Roque
192
Figuras 3 e 4: Escola Municipal de Ensino Fundamental Gaúcha
193
Figuras 5 e 6: Escola Municipal de Ensino Fundamental Sargento Pedro Krinski
194
Figuras 7 e 8: Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora do Carmo
195
REFERÊNCIAS
196
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CONTRIBUIÇÕES DO “TRABALHO
DE CAMPO”
(GEOGRAFIA E ANTROPOLOGIA)
51 Singelamente dedicado à Profa. Dra. Mirian Cláudia Lourenção Simonetti, que dedicou par-
te significativa de sua vida à educação pública e à questão da terra (e da Terra!).
52 Em determinados casos, por cautela metodológica, utilizam-se verbos no pretérito, pois este
trabalho apresenta dados com base em um momento específico do curso. Destaca-se, porém, que
o uso do pretérito de forma alguma sugere que essa situação tenha perdurado ou mudado após
aquele momento.
53 Opta-se por utilizar o termo interlocução – e não interdisciplinaridade –, pois, partindo do
entendimento de Fazenda (2003), interdisciplinaridade extrapolaria uma aproximação pontual de
disciplinas, como ocorreu com a atividade mencionada, o que não afeta a sua relevância.
198
zada fora desses ambientes eram os estágios curriculares obrigatórios, no caso de
estudantes que optam pela licenciatura. Portanto, essas atividades ocorriam não por
iniciativa de docentes ou da universidade, mas, por força da legislação. Havia, tam-
bém, projetos de extensão, porém, com configurações diferenciadas em relação ao
trabalho de campo.
Durante o trabalho de campo, os estudantes, comumente organizados em gru-
pos, entrevistaram assentados e acampados sobre questões relacionadas, dentre
outros aspectos, ao cotidiano nesses territórios, sendo as formas de encaminha-
mento e as temáticas das entrevistas e observações previamente definidas. Além
disso, os estudantes participaram de atividades culturais concebidas e executadas
pelos assentados. Entre as atividades desenvolvidas estiveram a apresentação da
história do Assentamento, que incluiu o processo de conquista daquelas terras, por
intermédio do projeto de reforma agrária; manifestações artístico-culturais; visitas a
lotes, a espaços e instalações de produção, além de outros momentos de interação,
individual ou coletiva, com assentados.
Os dados apresentados neste texto são decorrentes de observação participante,
entrevistas semiestruturadas e de formulários (GIL, 1987) respondidos por estudantes
que participaram da atividade em tela. Considera-se pertinente a apresentação do
ponto de vista discente, pois – recorrendo a palavras de Munakata (2012), ao tratar
da questão do livro didático –, os estudantes são sujeitos quase sempre em elipse na
educação escolar.
Sim, é importante, porque nas Ciências Sociais o curso é muito teórico e, de-
pendendo da área que cada um vai seguir é bom ter alguma experiência ou
199
prática. (ESTUDANTE F)
Acredito que o papel do cientista social não é apenas teórico, deve ser tam-
bém prático, empírico. A ida a campo durante a formação, por este motivo, é
de extrema importância para a nossa formação. (ESTUDANTE I)
[...] a gente lê muito no curso, mas [...] quando chega na prática, é difícil.
Aquele texto de Antropologia54 teve outro sentido pra mim, depois do assen-
tamento, porque, além de ser um texto difícil, pra mim ele era muito abstrato.
[...] Acho que, agora, quanto eu ler textos da Antropologia, eu vou saber juntar
as peças, porque antes eu ficava me perguntando sobre [o] para quê ler al-
guns textos dessa disciplina [...]. (ESTUDANTE J)
[...] iniciativas como esta, tão importantes e [que nas outras disciplinas] não se
dão da mesma forma. (ESTUDANTE H)
[...] uma atividade muito importante para a nossa formação enquanto cientis-
tas sociais. A considero desta forma, por tratar-se da primeira atividade empí-
rica realizada após um ano e meio de curso. (ESTUDANTE I)
54 Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronislaw Malinowski.
200
Para mim foi, de verdade, a primeira vez que eu participo de uma atividade
como essa. Me apaixonei ainda mais pelo curso. Eu já adorava o curso, mas
essa atividade prática me deu uma outra noção, deu outro sentido para mim,
para poder ver como eu aplico o que aprendo nas disciplinas. (ESTUDANTE
K)
201
produtividade colocadas aos docentes. O trabalho de campo requer condições ade-
quadas, tanto para estudantes (vários realizam trabalho remunerado e/ou não têm
disponibilidade para ausências mais prolongadas do trabalho e/ou da família, dentre
outras situações adversas), quanto para docentes (tempo, outros compromissos aca-
dêmicos, verbas, equipamentos etc.).
Outro ponto destacado foi a interlocução entre as disciplinas de Fundamentos da
Geografia e de Fundamentos da Antropologia, durante uma das edições do trabalho
de campo. Apresentam-se, a seguir, pontos de vista de alguns estudantes:
Creio [que] a interlocução entre as duas disciplinas [...] é muito produtiva, con-
siderando que o ambiente visitado, pela sua idiossincrasia político-territorial e
de ser um lugar onde as relações sociais ocorrem de forma diferente, tornou
um terreno muito fértil para o trabalho nas duas disciplinas. (ESTUDANTE A)
55 Esse estudante faz referência aos textos estudados na disciplina de Fundamentos de An-
tropologia com vistas especificamente ao trabalho de campo, quais sejam, Argonautas do Pacífico
Ocidental, de Bronislaw Malinowski, e Treinando a observação participante, de William Foote-Whi-
te.
202
2011, na qual ocorreu a interlocução, e da de 2012, na qual não ocorreu a interlocução,
disseram que eram perceptíveis e significativas as diferenças decorrentes da não
interlocução, tanto em relação aos seus próprios desempenhos, quanto em relação
aos desempenhos de outros estudantes. Isso porque, como apontado, na edição de
2011, houve, em ambas disciplinas, uma preparação específica para a realização do
trabalho de campo.
Quanto à pertinência e à viabilidade da realização de atividades análogas
ao trabalho de campo, porém, envolvendo outras disciplinas do curso, todos
os participantes responderam afirmativamente. Alguns posicionamentos são
apresentados a seguir:
Claro, a disciplina de política, por exemplo, está bem relacionada ao tema, de-
vido ao amplo estudo dos movimentos sociais. Embora exista a possibilidade
de envolvimento com outras disciplinas, isso fica um tanto delicado, devido às
particularidades destas. (ESTUDANTE A)
Acho que um trabalho conjunto que envolva todas as áreas do curso é impor-
tante, já que as disciplinas têm uma ligação. (ESTUDANTE C)
203
Entretanto, alguns estudantes apresentaram ressalvas em relação à pertinên-
cia e à viabilidade de realização de atividades análogas ao trabalho de campo envol-
vendo outras disciplinas desse curso:
[...] eu adoraria, mas acho que não daria tão certo como esta, porque seriam
muitos professores a serem envolvidos. E também acho que nem toda disci-
plina dá certo para isso, por exemplo, Filosofia e Psicologia. (ESTUDANTE L)
Sim, se conseguir que seja agradável e que seja levado a sério, tanto para
quem coordena o trabalho de campo, quanto para o aluno. (ESTUDANTE F)
204
que não são incomuns visitas de estudantes a acampamentos e assentamentos da
reforma agrária, inclusive nos mencionados neste texto, porém, não raramente, são
atividades sem vínculo formal curricular ou então são organizadas por estudantes ou
suas entidades.
O trabalho de campo teve repercussões para além dos aspectos mais pedagó-
gicos, isto é, voltados para as finalidades das disciplinas. Alguns participantes desta-
caram outras contribuições dessa atividade para a sua formação:
Foi uma experiência boa. É um trabalho muito importante, pois nos permite
conhecer a verdadeira realidade do movimento dos sem-terra. (ESTUDANTE
C)
[...] acho que para vocês, que são do interior, pode até parecer estranho, mas,
eu sou muito urbanoide, eu nunca tive oportunidade de estar numa área ru-
ral. Eu ia muito para o litoral, mas, ruralzão, como aqui, nunca. Eu via o rural
quando passava pelas rodovias, mas nunca pude parar, conversar com eles,
pisar na terra, respirar esse ar [...]. (ESTUDANTE K)
[...] você viu quando [nome citado suprimido intencionalmente] falou sobre
o que a sua mãe disse, quando ele falou que ia no assentamento? A minha
situação é bem parecida com essa. Eu imaginava totalmente o contrário do
que eu vi. [...] Quando eu contar pra minha mãe que eu estive lá, ela vai ter
um ataque [...]. (ESTUDANTE J)
205
po, suas informações acerca da questão da reforma agrária, dos movimentos sociais
do campo e assuntos correlatos eram pautadas pela mídia hegemônica. Outros abor-
daram a imagem difundida por essa mídia:
[...] o trabalho de campo foi a atividade com a qual [...] mais e melhor [...] pude
aprender, conhecendo empiricamente sobre reforma agrária e Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra [...], rompendo com pré-noções e estereóti-
pos. (ESTUDANTE I)
[...] no caso dos sem terra foi ótima a troca de experiências e a desconstrução
de estereótipos criados pelas diversas mídias. (ESTUDANTE B)
[...] a visão que eu tinha deles era toda estereotipada, porque tudo o que eu
sabia deles era pelo Jornal Nacional [...] Na faculdade, meus assuntos de in-
teresse são outros, então, diferente de algumas pessoas aqui, eu não estudo
essas questões [...]. Eu saí com uma outra visão sobre eles [...]. (ESTUDAN-
TE K)
[...] foi marcante para mim. E não só para mim, acho que para todo mundo.
Oportunidade única. Eu nunca me imaginei em um acampamento de pessoas
sem-terra. [...] Aprendi pra caramba. Eu quero ir para a Antropologia e esse
trabalho está me ajudando a entender a parte metodológica, porque quando
a gente lê a bibliografia, parece fácil, mas quando a gente ‘cai no campo’, aí a
coisa pega, porque é preciso colocar a teoria na prática [...]. (ESTUDANTE M)
206
[...] eu achei importante, porque vai me ajudar bastante, porque no próximo
ano eu quero submeter minha bolsa de iniciação científica e tem bastante
coisa que eu tenho dúvidas. Aqui, por exemplo, eu consegui esses detalhes
metodológicos, do como fazer na prática, do como explicar no projeto, enfim,
essas coisas burocráticas que a gente precisa fazer. (ESTUDANTE L)
Para Silva Júnior (1996, p. VII), “[...] espera-se ainda e principalmente que a
universidade não se reduza à tarefa da formação profissional sem colocar em ques-
tão os rumos dessa formação e sem analisar criticamente as determinações que
envolvem a formação pretendida e oferecida.” Dessa perspectiva, o compromisso da
universidade extrapola a dimensão estritamente pedagógica.
Simonetti (2011, p. 7) argumenta que “A demanda por terra dos Sem Terra e
suas experiências realizadas nos acampamentos e assentamentos, clama por com-
preensão visto que nenhuma sociedade pode pensar em mudanças sem refletir pro-
fundamente sobre todos os seus segmentos sociais.”
Ressalta-se o potencial educativo dos movimentos sociais contra-hegemôni-
cos, inclusive para fins de constituição de uma visão crítica acerca da sociedade
(AGUIRRE ROJAS, 2012; BARBOSA, 2016; DAL RI; VIEITEZ, 2008), bem como das
atividades de extensão para a formação dos estudantes (FERNANDES et al, 2016;
LOUREIRO, 2010).
Conforme Cassin e Goldschmidt (2014, p. 12),
[...] com relação aos assentamentos rurais, inferimos que os ataques que eles
têm sofrido pela elite e também pela classe média são a potencialidade edu-
cativa e formativa que carregam. Do ponto de vista educativo, em seu sentido
mais amplo, de processos de introjeção e incorporação das experiências vi-
venciadas nos acampamentos com as ocupações, as assembleias, formação
de coletivos, as marchas e atos, como também cursos e oficinas que os mo-
vimentos sociais possibilitam para os acampados e apoiadores vão constituir
um conjunto de ações educativas tácitas e intencionais que elevam o nível de
consciência política dos envolvidos.
207
Considera-se que o trabalho de campo propiciou elementos que contribuíram
para uma noção mais ampla e aprofundada de um dos mais prementes e históricos
problemas sociais no Brasil, qual seja, a questão do latifúndio, que tem várias impli-
cações políticas, econômicas e culturais. Contribuiu, ainda, para uma melhor com-
preensão de outras questões históricas e relevantes que afetam a sociedade brasi-
leira e que implicam algum tipo de imbricação com o latifúndio, como, por exemplo,
a relação entre campo e cidade, a reforma agrária, a questão ambiental, a migração,
o agronegócio (e seu contraponto, a agroecologia), a educação no/do56 campo, os
equipamentos públicos de uso coletivo, os conflitos sociais no campo, dentre ou-
tros temas que afetam principalmente (mas não somente) acampados e assentados
da reforma agrária e também, em alguma medida, outros segmentos de povos do
campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
56 Por um lado, nem toda escola instalada no campo é uma escola do campo, na acepção crí-
tica de Educação do Campo. Por outro lado, uma escola do campo precisa ser, necessariamente,
instalada no campo. Educação para, no ou do campo é uma questão que gera polêmicas entre di-
versos setores da sociedade brasileira, inclusive no âmbito acadêmico (CALDART, 2012; CASSIN;
NALLI, 2016; MORAES, 2019).
208
segmentos da universidade mais vinculados a movimentos populares e defensores
de uma maior inter-relação entre a universidade e a sociedade. Entretanto, por outro
lado, o pensamento hegemônico no Ensino Superior brasileiro tem, cada vez mais,
impulsionado perspectivas que prejudicam a indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.
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211
10.48209/978-16-CAMPO6-7-2
A PRODUÇÃO SUCROALCOOLEIRA NA
PARAÍBA E O DESENVOLVIMENTO DO
TERRIOTÓRIO CAMPONÊS NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
DO/NO CAMPO
Lenira Lins da Silva57
Juliane Faustino da Silva58
Edvaldo Carlos de Lima59
213
que continua em evidência são os conflitos de classes entre os grandes produtores
agroindustriais e a população campesina, que é usada como mão de obra barata e
explorada nos canaviais e nas destilarias em trabalhos análogos à escravidão. Po-
rém isso não acontece somente na Paraíba, mas em todo o Brasil e, com mais força,
no Centro-Sul.
Partindo desse contexto de conflitos, o objetivo central deste trabalho é de
analisar o antagonismo territorial existente entre dois territórios distintos: o território
do agronegócio canavieiro e o território camponês. Atrelada a esse descompasso, a
educação do campo surge como um instrumento de resistência e de reinvindicação
dos/as trabalhadores/as rurais. Portanto, reuniram-se informações com o propósito
de responder ao seguinte problema da pesquisa: Como a educação do campo pode
influenciar diretamente o projeto de desenvolvimento do campo?
Nessa perspectiva, é necessário compreender o papel da educação do/no
campo para o desenvolvimento territorial dos assentamentos de reforma agrária em
relação ao avanço do capital agroindustrial da cana-de-açúcar no estado na Paraíba.
Visivelmente nos leva a analisar de que forma as práticas de ensino e os conteúdos
trabalhados nas unidades escolares existentes nos assentamentos podem contribuir
para uma formação que ultrapasse as barreiras do capital.
O estudo territorial sobre a produção sucroalcooleira pode contribuir para que
possamos compreender a atual realidade da questão agrária na Paraíba e a luta
pela terra e pela educação do/no campo. É importante não apenas para o meio aca-
dêmico, mas também para os/as trabalhadores/as do campo, em sua luta histórica
e espacial, por meio da articulação dos movimentos sociais para ter acesso à terra.
Com esse intuito, apresentamos os resultados das nossas pesquisas, desenvolvida
na Universidade Estadual da Paraíba, Campus III - Guarabira-PB, na Iniciação Cien-
tifica (PIBIC), cota 2019/2020, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Os resultados contidos neste trabalho são relevantes para que possamos en-
tender as contradições existentes na expansão da agricultura capitalista, por meio da
produção da monocultura da cana na Zona da Mata paraibana. Diante dessa reali-
dade, as escolas que trabalham na perspectiva da educação do/no campo assumem
214
o desafio de desenvolver uma educação nas unidades escolares que transforme e
forme para além dos interesses capitalistas. Uma educação direcionada para um
projeto maior voltado para o desenvolvimento territorial do campo.
Para dar respaldo ao objetivo proposto, utilizou-se como procedimento me-
todológico uma pesquisa bibliográfica, baseado em uma pesquisa teórica, através
de leituras realizadas na Iniciação Científica. A leitura das obras de autores como
Fernandes (2012), Lima (2013), Feliciano (2006), Caldart (2012), Oliveira (2007),
entre outros, que trabalham com temas relevantes como desenvolvimento territorial,
reforma agrária, questão agrária e educação do campo foi muito importante para
fundamentar este artigo.
Para desenvolver a contento o tema proposto, foi necessário, além de consul-
tar as bibliografias citadas, recorrer a sites renomados, como CONAB, NOVACANA,
UNICA e IBGE. Esses canais de pesquisas são ferramentas importantes para o aces-
so a informações e dados estatísticos, com o objetivo de expor resultados organiza-
dos em tabelas satisfatórios para se entender a pesquisa.
No que diz respeito à estrutura, este artigo foi dividido em três subtítulos. No
primeiro, apresenta-se o desenvolvimento, que traz alguns conceitos importantes
para se entender o tema proposto; no segundo, aborda-se o contexto da produção
sucroalcooleira na Paraíba, com foco na Zona da Mata, destacando os principais mu-
nicípios e a quantidade de cana processada entre os anos de 2010 e 2020; no tercei-
ro item, apresentam-se os resultados e as discussões a respeito da importância das
lutas históricas dos movimentos sociais para se ter acesso à terra e, principalmente,
os conteúdos que devem ser trabalhados nas escolas do campo, com o objetivo de
manter a identidade campesina e como plano para o desenvolvimento territorial do
campo e a soberania alimentar na contramão da monocultura da cana-de-açúcar.
DESENVOLVIMENTO
215
gócio canavieiro, com seus impactos socioambientais, tem se expandido com muita
rapidez.
No Brasil, a forte atuação do setor sucroalcooleiro tornou-se um dos temas
mais debatidos por grandes estudiosos da questão agrária brasileira, porque seus
impactos não abrangem somente a grande concentração de terras, mas também a
expropriação dos camponeses e dos indígenas e a exploração da força de trabalho
em situações precárias semelhantes ao trabalho escravo. Além desses problemas,
podemos citar os sérios impactos ambientais provocados pela monocultura da ca-
na-de-açúcar. Para Fernandes (2008), no contexto atual, a questão agrária envolve
uma disputa territorial entre a agricultura familiar e a agricultura capitalista como di-
ferentes totalidades.
Em seus estudos, Oliveira (2007) assevera que, por meio do processo de mo-
dernização, a agricultura se tornou submissa ao modo de produção capitalista. O
mais preocupante, contudo, é constatar que, para efetivar a estrutura agrária contem-
porânea, é necessário concentrar terra com base em grandes latifúndios, concentrar
renda, sujeitar os camponeses ao trabalho assalariado e acumular capital. Não é
exagero afirmar que, nesse contexto, as transformações ocorridas com a entrada do
capital no campo começaram a dar forma à estrutura agrária atual, que visa monopo-
lizar a agricultura. Em todo esse processo, houve mudanças nas relações socioeco-
nômicas no espaço rural.
Conforme explicado acima, é interessante afirmar que o modo de produção ca-
pitalista é o grande responsável pela divisão de classes, que se configura como uma
ampla desigualdade. Preocupa o fato de que o paradigma do capitalismo agrário visa
destruir o campesinato, e transformá-lo de acordo com sua lógica de produção seria
uma espécie de metamorfose, em que o camponês passa a ser agricultor familiar,
segundo Fernandes (2008), porque, à medida que os camponeses adentram a lógica
do capital, sua identidade e características próprias vão sendo perdidas.
Uma questão que precisa ser compreendida é o fato que, em meio ao processo
contraditório de desenvolvimento do capitalismo, a agricultura familiar se enquadra
na ótica do capitalismo porque é capaz de entrar no mercado e de se modernizar e
negociar. Trata-se inegavelmente da diferença entre a agricultura camponesa e a
216
agricultura familiar. A primeira entende o campo como uma forma de vida e de liber-
dade e demonstra um vínculo com a terra. Já a segunda apresenta uma dimensão
voltada para se integrar ao mercado e à comercialização na busca por resultados
(FELICIANO, 2006). O autor deixa claro que seria um erro não admitir que a visão
de desenvolvimento do campesinato apresenta dimensões que assumem sentidos
totalmente diferenciados para o desenvolvimento do campo.
Ressalte-se, entretanto, que o modelo de desenvolvimento baseado no agro-
negócio é totalmente excludente e serve como máquina de manobra para o capitalis-
mo organizar o espaço agrário visando aos seus interesses meramente comerciais.
Para isso, é necessário ocupar outros territórios, o que gera conflitos (FERNANDES,
2008). Esse processo ocorre com a territorialização do agronegócio no território cam-
ponês e indígena, inserção de máquinas, sementes transgênicas, agrotóxicos para
expandir a produção da monocultura para a exportação.
O modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio é totalmente excluden-
te e serve como máquina de manobra para o capitalismo organizar o espaço agrário
visando aos seus interesses mercadológicos com incentivos políticos governamen-
tais. “Para isso, é necessário ocupar outros territórios. Desse modo, as políticas pro-
movem o fortalecimento das relações capitalistas em detrimento das não-capitalistas”
(FERNANDES, 2008, p. 53). Esse processo ocorre com a territorialização do agro-
negócio, no território camponês e no indígena, a inserção de máquinas, sementes
transgênicas e agrotóxicos, com o objetivo de expandir a produção da monocultura
para a exportação, que aumentam consideravelmente o desemprego.
Em tese, o Nordeste brasileiro é parte importante da questão agrária atual,
porque foi uma das primeiras regiões colonizadas no país, razão por que é palco de
conflitos e de resistência de vários movimentos sociais, ao longo da história, e cujos
trabalhadores lutam contra a dominação do agronegócio. Esse embate dos movi-
mentos sociais ocorre em forma de acampamentos e assentamentos. De acordo com
Lima (2011),
217
e precarizados no trabalho de corte da cana nas usinas de açúcar e etanol
(LIMA, 2011, p.111).
218
A educação do campo é um paradigma erguido a partir da questão agrária,
portanto, é um território imaterial, que foi se constituindo como parte das políticas
ideológicas pautadas na visão campesina, como refere (CAMACHO, 2013). Contudo,
o debate sobre essa concepção de educação concretiza-se em uma percepção de
campo como território em disputa, entre o modo de viver do camponês e as formas
de territorializar o agronegócio. Na verdade, a educação do campo opta por uma luta
que envolve liberdade e emancipação dos sujeitos, com elementos socioeducativos
que prezem pela manutenção da identidade e da cultura camponesa, em contraposi-
ção à ideia destrutiva dessas particularidades pelo capital agroindustrial.
Convém enfatizar que, na Paraíba, a produção de etanol vem expandindo a pro-
dução de cana-de-açúcar. Dessa forma, o capital em forma de agronegócio também
expande seus territórios. Essa realidade vem causando sérios problemas ambientais
e sociais decorrentes de sua forma exploratória e destrutiva. Consequentemente, a
complexidade da realidade contraditora imposta no campo vem gerando conflitos
liderados pelos movimentos sociais em contraposição ao avanço do capital. Assim,
com sua proposta de emancipação, o “paradigma da educação do campo” concebe
a educação como um instrumento de reivindicação e de resistência. Nesse sentido,
seu objetivo é de lutar para desterritorializar o agronegócio e, por conseguinte, terri-
torializar o camponês.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
219
ro Choque do Petróleo (FAPESP). De certo modo, a gasolina derivada do petróleo foi
substituída pelo etanol. Isso foi considerado uma das maiores conquistas. Assim, um
aspecto sobremaneira importante a ser ressaltado é a geração de energia “sustentá-
vel” com a produção sucroenergética, cuja matéria-prima é o bagaço da cana, visto
também como estratégia para reduzir a emissão de CO2.
De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) dis-
ponível no IBGE, o Brasil produziu cerca de 667.532.475 toneladas de cana-de-açú-
car em 2019 e reduziu a produção de 1.0% em relação a 2018. Entretanto, isso
não influenciou a economia, que resultou em 31,1 toneladas de açúcar na safra de
2018/2019, com estimativa de crescimento de 3,8 %, na safra de 2019/2020. Quanto
ao etanol derivado da cana-de-açúcar, foram produzidos 33.8 bilhões de litros na sa-
fra de 2018/2019, com estimativa de crescimento de 4,6% para a safra de 2019/2020,
segundo a CONAB.
Esse crescimento é resultado do clima e das chuvas favoráveis, porém esses
percentuais são confrontados pelos pesquisadores da UNICA, que contesta as infor-
mações divulgadas pela Conab por considerá-las otimistas, pois o período de estia-
gem, em algumas regiões, pode reduzir a produção nacional da cana e comprometer
sua qualidade na próxima safra.
De acordo com o levantamento de dados referentes à produção de cana-de-
-açúcar publicados pela UNICA, a cultura está presente em cerca de 1,2% do terri-
tório nacional, concentrada, principalmente, na Nas Regiões Centro-Sul e Nordeste.
Esse quadro se deve à presença da lavoura em 30% dos municípios do país.
Vale mencionar que o Nordeste é considerado a segunda maior região produto-
ra de cana-de-açúcar, e os principais estados que a produzem são Alagoas, segundo
Pernambuco e Paraíba. Na Paraíba, a Zona da Mata é principal área produtora. Isso
é resultado do processo de territorialização pelos colonizadores e por ser uma área
litorânea próxima à capital, João Pessoa, onde se concentram as atividades econô-
micas e é fácil escoar mercadorias.
Lima (2011), em sua tese de Doutorado, refere-se à Zona da Mata utilizando
outro termo - “Zona da Cana” - pois o que antes era Zona da Mata Atlântica hoje pra-
ticamente não existe, em prol do desenvolvimento do capital agroindustrial. Na Paraí-
ba, ela é composta de 30 municípios e ocupa uma extensão territorial de 5.232.396
220
Km2. Seis principais municípios vêm se destacando, demonstrando uma produção
canavieira significativa destinada à produção de açúcar e de etanol: Pedras de Fogo,
Santa Rita, Mamanguape, Rio Tinto, Sapé e Cruz do Espírito Santo.
Por esse motivo, conforme explicado acima, todas as usinas ativas estão situa-
das na Zona da Mata. A tabela 2 mostra o total de usinas, os grupos empresariais, os
municípios onde estão localizadas e o tipo de produto.
Unidades
ativas na
Grupo Empresarial Municípios Produto
Paraíba
Unidade Agroval
Grupo Japungu Santa Rita Açúcar
Unidade Japungu
Grupo Japungu Santa Rita Álcool
D’Pádua
Usina D’Pádua Rio Tinto Álcool
Álcool e
Companhia Usina São João Usina São João Santa Rita
açúcar
Álcool e
Grupo Soares de Oliveira Usina Açúcar Alegre Mamanguape açúcar
221
A tabela 3 nos mostra também, o processo de territorialização do agronegócio
canavieiro na Zona da Mata Paraibana, com 8 grupos empresariais, 9 unidades
sucroalcooleiras ativas, produtoras de açúcar e álcool. Uma trabalha exclusivamente
na produção de açúcar (Agroval), duas são mistas produzem açúcar e álcool (São
João e Açúcar Alegre), as outras cinco apenas álcool (Giasa, Tabu, Japungu, Miriri e
Unidade Sapé) (JORNAL DA PARAIBA, 2019). Na tabela 2, apresenta-se a evolução
da produção da cana-de-açúcar, etanol e de açúcar, entre 2010 e 2020, na Paraíba,
demonstrando algumas oscilações na produção, entre 2013 e 2014 e 2016 e 2017.
222
provavelmente, por falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dos
estados do Nordeste (TARGINO; MAIA FILHO; MOREIRA, 2010).
Segundo o IBGE, a cana ainda é o principal produto cultivado na Paraíba. Em
2018, ocupava uma área de 125,29 mil hectares, com a participação do seu potencial
produtivo de 1,37% da produção brasileira, e ultrapassa outros produtos essenciais
para a sobrevivência dos paraibanos, como batata doce, feijão, macaxeira, fava etc.
A pesar dos reflexos negativos com a seca do ano anterior, entre 2017 e 2018, a
produção cresceu. A tabela 2, apresenta uma expectativa de crescimento para 2019
e 2020 e demonstra um grande potencial produtivo, pois a Paraíba tem solo e clima
favoráveis para o seu desenvolvimento.
Entretanto, segundo o IBGE a cana ainda é o principal produto cultivado na Pa-
raíba. Em 2018 e 2019, ocupava uma área de 125,29 mil hectares e 5.589 milhões de
toneladas processadas apresentando uma leve queda em relação a 2017/2018, com
5.900 milhões de toneladas processadas (CONAB, 2019). A participação do seu po-
tencial produtivo é de 1,37% da produção brasileira e ultrapassa outros produtos de
subsistência como: batata-doce, feijão, macaxeira, fava. Porém, para a safra de 2019
e 2020, a produção atingiu 6.599 milhões de toneladas de cana-de-açúcar processa-
da, provavelmente, a quantidade de chuvas, investimentos em irrigação e fertilização
podem ser a causa do aumento na produção (JORNAL DA PARAÍBA, 2019).
Como sabemos, o Brasil é o pioneiro na tecnologia voltada para a produção do
etanol e seu uso e considerado como uma alternativa altamente renovável. Todavia,
o país tem uma grande extensão territorial de terras direcionadas ao cultivo da cana.
Fica evidente que houve pontos positivos, como a redução de emissão de gases e a
geração de emprego para o corte da cana, por exemplo. No Nordeste, o corte ainda é
feito manualmente, e a matéria-prima para a geração de energia é o bagaço da cana.
Entretanto, é um processo contraditório, pois provoca sérios danos ambientais e a
exploração dos recursos naturais de nosso país.
Outro aspecto a ser considerado é a necessidade de muita terra para o cultivo,
que suscita uma grande concentração fundiária e contribui para expandir o agrone-
gócio, principalmente com o evento da modernização. Isso leva a outras consequên-
cias sérias, como a drástica redução das lavouras de alimentos e a expropriação e
223
a expulsão dos camponeses e indígenas do seu território. Infelizmente essa é uma
realidade presente no Brasil desde o período colonial. Seguindo essa premissa, o
setor sucroalcooleiro é um dos que mais representa a superexploração da força de
trabalho em condições análogas às do escravo nos canaviais durante o eito do corte.
Além dos péssimos salários, as formas degradantes durante o corte acarretam sérios
problemas de saúde.
Portanto, como destacamos anteriormente, a retração da produção de alimen-
tos em detrimento do cultivo da cana, é resultado da expansão do setor sucroalcoo-
leiro que contribui, indiscutivelmente, para essa atual tendência. Doravante, essa ex-
pansão canavieira na Paraíba e no Brasil, deixou sequelas irreparáveis provocando
graves problemas ambientais com a retirada da vegetação nativa em áreas florestais,
poluição dos rios e grandes problemas sociais provocando um número elevado de
expulsão dos trabalhadores de suas terras (EGLER, TAVARES, 1984).
Nesta atual conjuntura, é importante destacar a pressão social feita pelos mo-
vimentos sociais, no campo da Reforma Agrária, e a resistência às relações de do-
minação do capital sucroalcooleiro. Uma das formas de lutar é ocupando terras que
não cumprem sua função social. O MST é um dos principais movimentos que lideram
essas ocupações em todo o país. Nesse embate, a educação do campo assume um
papel importante – o de formar sujeitos emancipados capazes de lutar pelos direitos
ligados ao projeto de desenvolvimento territorial utilizando a agroecologia como alter-
nativa sustentável nos acampamentos e nos assentamentos. Esses aspectos serão
tratados com mais detalhes no item a seguir.
É importante entender que a educação do campo não deve ser pensada apenas
como uma política voltada para o processo de alfabetização, pois sobretudo os
saberes adquiridos na escola devem comportar outras dimensões do conhecimento e
envolver assuntos como reforma agrária, meio ambiente, economia, política, cultura,
cidadania e identidade, para que o campo seja entendido a partir de suas várias
dimensões, e não, apenas, como um espaço de produção do agronegócio. Ora, um
224
território que conglomera todas essas dimensões deve considerar que o processo
de desenvolvimento territorial precisa estar atrelado, principalmente, à valorização
da soberania alimentar60 em uma perspectiva voltada para a sustentabilidade. Nesse
sentido, a prática agroecológica é uma ótima possibilidade para o desenvolvimento
socioeconômico.
De acordo com Fernandes (2008), existem duas visões antagônicas de desen-
volvimento: o agronegócio, que concebe o campo como um lugar para produzir mer-
cadoria, que é atrasado, precisa se modernizar para produzir agricultura capitalista e
é visto como território homogêneo, sem relações sociais, e a agricultura camponesa,
que entende o campo como um modo de viver e de produzir alimentos.
As relações sociais fazem parte das dimensões territoriais, isto é, educação,
saúde, cultura, organizações políticas e comerciais etc. É importante ressaltar que,
como a educação está dentro do território, precisa comportar suas particularidades.
Camacho (2013, p.342) assevera que “A escola tem que ter a territorialidade campo-
nesa. Se a escola não se atentar para estas especificidades, será um ‘corpo estra-
nho‖’ no território camponês”. É possível compreender que a educação do campo faz
parte da dialética camponesa visando criar e recriar seu modo de viver.
Nesse contexto, a educação é uma ferramenta de luta, porque a educação do/
no campo não deve ser dissociada dos movimentos sociais e da reforma agrária,
porquanto foi na luta por terra que ela surgiu. Isso implica afirmar que a educação do
campo influencia diretamente o projeto de desenvolvimento do campo. Assim, preo-
cupa-nos o teor dos conteúdos que vêm sendo trabalhados nessas escolas, porque
devem ser transformados, adaptados ao contexto local e valorizar as práticas e a
cultura dos sujeitos do campo. Entretanto, isso não é o que vem acontecendo, pois a
educação do campo faz parte do sistema educacional brasileiro que é engessado e
padronizado com o intuito de formar para o mercado de trabalho.
Para Camacho (2013), a educação do campo não precisa de um ensino padro-
nizado, mas de lápis, caderno, enxada, trator e professores capacitados para lidar
com essa realidade e preparar o conhecimento para a vida. Então, conteúdos como
60 Soberania alimentar é o conjunto de políticas públicas e sociais que deve ser adotado por
todas as nações, em seus povoados, municípios, regiões e países, a fim de se garantir que sejam
produzidos os alimentos necessários para a sobrevivência da população de cada local (DICIONÁ-
RIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO P,714, 2012).
225
movimentos sociais, reforma agrária, ocupação de terras, agroecologia, desenvolvi-
mento sustentável e contradições do capitalismo são adequados e devem ser traba-
lhados nas unidades escolares levando em consideração as especificidades regional
e local. Outro aspecto que deve ser ressaltado é que os livros didáticos distribuídos
nas escolas públicas não contemplam as complexidades do campo, aliás, são os
mesmos utilizados nas escolas urbanas, e a maioria dos professores também são
urbanos.
Então, considerando esse cenário, como a educação do/no campo pode ser
uma ferramenta de desenvolvimento territorial na Paraíba? Responder a essa per-
gunta não é fácil, porque, na estrutura agrícola desse estado, a produção de ca-
na-de-açúcar domina e, consequentemente, gera dependência na população para
trabalhar nas usinas, nas destilarias e, sobretudo, no eito do corte da cana.
Em contrapartida, na Paraíba, as escolas lideradas pelo MST, depois de erguer
seus acampamentos e de conquistarem seus assentamentos, não se opuseram a
cobrar da Secretaria da Educação dos respectivos municípios a construção de esco-
las. O objetivo do MST é de ofertar um ensino que articule o trabalho, a educação e
a terra, com o propósito de educar sujeitos emancipados, por meio de uma formação
crítica (CALDART, 2012). Para isso, é imprescindível desenvolver políticas educacio-
nais que contemplem as múltiplas diversidades, a fim de atender à população cam-
pesina paraibana como protagonista de sua realidade não apenas como escopo de
manobra dos usineiros.
CONCLUSÃO
226
De modo geral, no Brasil, a cana-de-açúcar é a principal matéria-prima para
a produção do etanol. Com o PROÁLCOOL e incentivos governamentais, sua pro-
dução tende a crescer, principalmente se os biocombustíveis forem ampliados, e o
CO2 for reduzido. Na Paraíba, a cana ainda é o principal produto agrícola, em que
os grandes e os pequenos produtores enxergam uma oportunidade de adquirir mais
renda. Entretanto, a agricultura capitalista canavieira é o setor que mais explora a
força de trabalho em condições degradantes. Por outro lado, os movimentos sociais
continuam a lutar contra o avanço do capital no campo e por acesso a terra.
Assim, devido à importância do tema, a educação do campo está vinculada ao
projeto de desenvolvimento do campo na Paraíba e no Brasil como um todo. Nesse
sentido, a educação é vista como dimensões necessária para transformar os sujeitos
em pessoas emancipadas, porque, a escola é considerada um espaço de comparti-
lhamento de conhecimentos que devem ser utilizados para manter e desenvolver o
território dos camponeses.
REFERÊNCIAS
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento sem Terra. 4. ed. São Paulo: Ex-
pressão Popular, 2012, 448 p.
227
FERNANDES, Bernardo Mançano. Educação do campo e território camponês no
Brasil. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.). Por uma educação do campo: Campo -
Políticas Públicas - Educação. 7a..ed. Brasília: INCRA/MDA, p.39-65. 2008.
LIMA, Edvaldo Carlos de. Dissidência e fragmentação da luta pela terra na “Zona da
cana” nordestina: o estado da questão em Alagoas, Paraíba e Pernambuco. 2011.
266 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Pernambuco, Re-
cife, 2011.
228
10.48209/978-17-CAMPO6-7-2
DA ALTERNÂNCIA DISCURSIVIZADA
PELAS LICENCIATURAS EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO61
Lucas Martins Flores62
61 Uma primeira versão deste texto foi apresentado no SIFEDOC 2018 – Seminário Regio-
nal de Educação do Campo da Região Centro do Rio Grande do Sul e encontra-se publicado nos
Anais desse Evento, disponível em: < https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/369/2018/11/Anais-SI-
FEDOC-2018..pdf > Acesso em 22 mar. 2021. p. 388 – 401.
62 Professor no Instituto Federal Farroupilha (IFFar) Campus Jaguari. Licenciado em Letras,
Português, Inglês e respectivas Literaturas, Mestrado em Letras (UCPEL) e Doutorado em Letras
(UFSM). [email protected]
Stories matter. Many stories matter.
Stories have been used to dispossess and to malign but stories can also be used to
empower and to humanize.
Stories can break the dignity of the people, but stories can also repair that broken
dignity63.
Chimamanda Adichie: O perigo da história única.
230
lançamento do edital de oferta desses cursos no Brasil (2012), refletir sobre (um)a
história da Pedagogia da Alternância, “metodologia65” adotada nesses cursos, e da
forma como ela é discursivizada nos PPC em questão.
Refletir sobre a Educação do Campo, sobre a Pedagogia da Alternância, en-
fim, sobre os Projetos de Curso que desenvolvem essas noções – práticas – se faz
importante66 como constituição de um arquivo a ser lido e interpretado. Penso ar-
quivo como “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”
(PÊCHEUX, [1975] 1994, p. 57), para então, fazer recortes desse arquivo para po-
der reconhecer as evidências práticas que organizam essas leituras e, nas palavras
de Pêcheux (1994) “mergulhar a leitura literal (enquanto apreensão do documento)
numa leitura interpretativa”, constituindo assim, um trabalho de relação do arquivo
com ele mesmo, em uma série de conjunturas, ao mesmo tempo em que se dá um
trabalho da memória, da história e da língua.
Interessante observar que essa “escolha” de trabalhar com os Projetos Políti-
cos Pedagógicos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo das instituições
do Rio Grande do Sul, já é um recorte realizado para a constituição desse arquivo. Na
posição que assumo – na Análise de Discurso de perspectiva pecheuxtiana – isso se
justifica, porque o que me interessa não é a abrangência de leitura sobre o arquivo,
nem a quantidade de fontes consultadas, mas o tratamento que esse arquivo e essas
fontes merecem. O que me interessa não são todas, nem a quantidade de histórias
contadas, mas as possibilidades de se contar uma ou outra história a partir daquilo
que lemos, enxergamos e/ou analisamos.
Orlandi (1984, p. 14) afirma que “recorte é uma unidade discursiva”. E por uni-
dade discursiva, “entendemos fragmentos correlacionados de linguagem-e-situa-
ção”. “Assim, um recorte é um fragmento da situação discursiva”. Desse modo, um
segundo recorte que faço para apresentar tal trabalho, está direcionado ao que me
proponho a ler nestes Projetos Políticos Pedagógicos, que se trata sobre a proposta
231
de funcionamento do Curso de Licenciatura em Educação do Campo: a Pedagogia
da Alternância. Esses recortes que ora realizo se dão pelo fato de meu interesse em
descrever o funcionamento do discurso sobre a Pedagogia da Alternância nesses
documentos, compreendendo que o lugar em que situo tal reflexão não se baseia em
uma descrição do texto, mas sim, uma teorização sobre o discurso, observando o
seu funcionamento a partir de um quadro epistemológico em que se unem o histórico,
o linguístico, atravessado por uma teoria psicanalítica em que enquadra a noção de
sujeito.
Nesse sentido, constituo o corpus deste trabalho pelos recortes discursivos
(RD), compreendendo: a) os critérios vinculados à questão de pesquisa; b) que es-
sas materialidades discursivas pertencem a espaços e tempos discursivos distintos;
c) que esses recortes projetam gestos de interpretação que permitem a compreen-
são de sentidos além de uma memória institucionalizada, mas especialmente, efei-
tos de sentido nesse espaço tempo e d) que esses recortes – regularidades entre
os PPC – compreendem uma totalidade ilusória dos sentidos sobre a Pedagogia da
Alternância.
Assim, por meio de um gesto interpretativo, reflito sobre como os Projetos Pe-
dagógicos dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo do Rio Grande do
Sul apresentam e descrevem a Pedagogia da Alternância. A partir dessa reflexão,
projeto delinear o horizonte de retrospecção da Pedagogia da Alternância, com base
em Sylvain Auroux (2008), traçando (um)a história de como ela foi/ está sendo im-
plantada no Brasil.
vem sendo implantada desde 2007 pelas universidades, com o apoio do Ministério
de Educação67. “O curso propõe-se atender a uma nova demanda, as populações do
campo, que historicamente lutam por uma educação diferenciada de qualidade, que
respeite as especificidades da vida neste contexto”, afirma o PPC da Universidade
67 Observo que esse apoio do Ministério da Educação inexiste atualmente (2021). Decidi de-
marcar esse posicionamento da época de escrita do trabalho primeiro, porque, indiretamente, ele
demarca a necessidade de os Cursos de Licenciaturas em Educação do Campo serem tratados
como uma Política de Estado e não somente uma política governamental.
232
Federal do Rio Grande do Sul.
De acordo com Caldart (2011, p. 96), o curso nasceu das proposições da II
Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em 2004. Por meio
de uma comissão instituída pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do
Campo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad)
e com representante do Iterra, a proposta específica começou a ser construída no
MEC, em 2005, mas, a autora afirma que foi em novembro de 2006, que o MEC de-
cidiu convidar universidades para a realização de projetos-piloto do curso.
Caldart (2011, p. 96) menciona que quatro projetos-piloto foram desenvolvidos:
o primeiro, uma parceria entre Iterra e UnB, com aprovação da criação institucional
do curso realizada em julho de 2007, com o vestibular e início da primeira etapa
ainda em setembro de 2007. Ela explica que essa turma aconteceu em Veranópolis,
RS, na sede do Iterra, com uma organização curricular de etapas constituídas pela
alternância entre Tempo Escola e Tempo Comunidade. Os outros projetos-piloto são
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS) (CALDART, 2011).
A partir do início das turmas dos projetos-pilotos, o MEC criou um programa es-
pecífico de apoio à implantação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo
(o Procampo), lançando anualmente editais de convocação às Instituições de Ensino
Superior públicas para que apresentem projetos de criação da nova Licenciatura,
dentro dos mesmos parâmetros da proposição inicial. Isso é exposto no PPC da
Licenciatura em Educação do Campo de todas as instituições analisados, como por
exemplo, o Instituto Federal Farroupilha Campus Jaguari que afirma: “a proposta
está em consonância com o Edital de Chamada Pública Nº 02, de 31 de agosto de
2012, chamada pública para seleção de Instituições Federais de Educação Superior
– IFES, objetivando a criação de cursos de Licenciatura em Educação do Campo”.
Nesse edital (2012), é claramente exposto como devem ser apresentados os
projetos de cursos para serem aprovados pelo edital, no que diz respeito ao seu fun-
cionamento:
233
regulares cumpridas em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e Tem-
po-Comunidade. Entende-se por Tempo-Escola os períodos intensivos de
formação presencial no campus universitário e, por Tempo-Comunidade, os
períodos intensivos de formação presencial nas comunidades camponesas,
com a realização de práticas pedagógicas orientadas (BRASIL68, 2012, p. 2).
234
vista que preciso distanciar-me de minha prática cotidiana no Curso de Licenciatura
em Educação do Campo do Instituto Federal Farroupilha Campus Jaguari.
A distância é grande entre a ideia ou o conceito e a prática de alternância, e
aqueles que percorrem logo o percebem (Gimonet, 2007, p. 19). Nas Maisons Fa-
miliales Rurales (MFR) na França, elaborou-se “uma metodologia progressiva” no
tempo e ajustada em função dos contextos, da evolução das formações, dos públicos
recrutados, até mesmo das exigências administrativas. E de lá para cá, conhecimen-
tos teóricos práticos foram sendo constituídos e transformados. Como se vê, o públi-
co da Pedagogia da Alternância em suas origens eram públicos específicos, o que
vemos hoje, é essa prática sendo aplicada em cursos de formação de professores
do/no/para o campo em Universidades e Institutos Federais brasileiros.
Desse modo, Auroux (2008) explica que o ato de saber (a produção do conhe-
cimento) “não é ele mesmo algo sem relação à temporalidade”, ou seja, é necessário
tempo para saber sobre um conhecimento instantâneo. É a partir de um horizonte
de retrospecção, isto é, conjunto de conhecimentos antecedentes que fazem com
que se represente a Pedagogia da Alternância hoje, talvez, diferentemente, do modo
como era em outros lugares e momentos. Isso não significa afirmar que uma ou outra
está certa ou errada. “É necessário tempo para saber” (AUROUX, 2008, p. 141).
Da mesma maneira que o horizonte de retrospecção constitui saberes ante-
riores, segundo Auroux, o horizonte de projeção antecipa, idealiza, imagina, uma
projeção do que está por vir. Na França, quando da criação das MFR, criaram-se al-
guns traços fundamentais de uma identidade comum, mas evidentemente que previa
parâmetros constantes e evolutivos (Gimonet, 2007, p. 14). O que se tem hoje, em
termos da legislação da Pedagogia da Alternância é a última Nota Técnica Nº 3/2016
da SECADI que afirma que:
235
compreender como se dá esse funcionamento do processo discursivo que vem da
“pedagogia da alternância” para “regime de alternância”, como mencionado na última
nota técnica em que, em nenhum momento, nomeia-se “pedagogia”, mas sim “regi-
me”. Isso justifica meu interesse em refletir sobre essa memória da/ na atualidade
nesse processo discursivo. No Edital (2012), como apresentado anteriormente, utili-
za-se “regime”, na literatura e nos PPCs dos Cursos, utiliza-se “pedagogia”, na última
nota técnica (2016), “regime”. Entre “regime” e “pedagogia”, os sentidos não estão
somente nas palavras, mas também na relação com a exterioridade, nas condições
em que elas são produzidas. “Regime” e “pedagogia” significam pela história e pela
língua.
Sobre esses marcos iniciais da Pedagogia da Alternância, Calvó e Gimonet
(2013) observam que a Pedagogia da Alternância “não é monopólio” no que diz res-
peito a sua criação, porque já tem séculos. Eles destacam nesse processo, os Com-
pagnos du devoir ou aprendizes-companheiros e seu Tour de France, construindo
castelos, palácios e catedrais; os monges e a construção de monastérios na idade
média que já aplicavam uma forma de alternância trabalho-escola; os irmãos das
escolas cristãs e suas escolas dominicais.
O livro Educação do Campo: origens da Pedagogia da Alternância no Brasil
de Paolo Nosella (2012) conta as origens da Pedagogia da alternância no Brasil, e é
uma obra de caráter documentativo, de acordo com o autor, em que se publica a dis-
sertação de mestrado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
em março de 1977, cujo título é: Uma nova educação para o meio rural: sistematiza-
ção e problematização da experiência educacional das escolas da família agrícola do
Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. O autor não é apenas um
historiador observador das origens dessa experiência pedagógica, sobretudo, partici-
pou diretamente, desde 1968, do trabalho de criação das primeiras Escolas da Famí-
lia Agrícola (EFAS) da Pedagogia da Alternância no Brasil (NOSELLA, 2012, p. 18).
Nosella para introduzir sobre a vida do Padre Granereau, afirma que “A história
de uma ideia é também é história de um homem e, de certa forma, é também a his-
tória da época e dos problemas vividos por ele” (2012, p. 45). O Padre Granereau,
nascido em 1885, na França, desde a sua juventude, o padre preocupou-se com o
desinteresse, por parte do Estado e da Igreja, frente ao problema do homem do cam-
236
po. Na época, acreditava-se que para os filhos de agricultores se tornarem sábios
e instruídos, deveriam necessariamente mudar para os grandes centros urbanos,
observa Nosella. Dessa necessidade de traçar um novo olhar para os homens do
campo, para a escola rural, surgiu a Pedagogia da Alternância. Vê-se claramente
o funcionamento da ideologia sendo posta em evidência: dois “aparelhos ideológi-
cos”69: a) de estado e b) religioso funcionando sob um sujeito padre. Que movimentos
escolares da época na França proporcionaram esse processo de valorização ao que
está na cidade e ao que está no campo de forma diferenciada? Que políticas aí estão
em jogo? Qual a relação da igreja nesse processo? O que ela pregava? E seria o que
a igreja pregava a mesma posição do padre?70
A Europa, nesse período pós-primeira guerra mundial, vivia uma efervescência
de pensamentos liberais, socialistas, nacionalistas, e social cristão, corroboram An-
drade e Andrade (2012, p. 63). De acordo com os autores,
Como se percebe as primeiras MFR teve grande contribuição dos setores pro-
gressistas da Igreja Católica e no Brasil não foi diferente. Em 1968, uma organização
filantrópica e sem fins lucrativos de inspiração cristã constitui o Movimento de Edu-
cação Promocional do Espírito Santa (MEPES) liderado pelo padre jesuíta Humberto
Pietrogrande, sacerdote de Anchieta – ES, afirmam Andrade e Andrade (2012, p. 64),
237
de acordo com Nosella. Esse movimento de criação dessa fundação pode ser visuali-
zado no fragmento abaixo em que Nosella (2012, p. 64) apresenta um fragmento dos
Cadernos (1970), demonstrando os envolvidos: estado e igreja:
Além do MEPES, fundado em 1968, de acordo com Araújo (2005, p. 90), fun-
dou-se também a Associação dos Amigos do Estado Brasileiro do Espírito Santo –
AES, Organização não governamental, criada na Itália, para ajudar no processo de
implantação, assinatura de convênios e arrecadação de recursos para a manutenção
das escolas que, além de dar esse suporte, viabilizou intercâmbios entre brasileiros e
italianos. Vale ressaltar que esse processo de implantação dessas escolas no Brasil
se deu no auge da ditatura militar no Brasil, que de acordo com Araújo (2005)
[...] período em que o campo sofreu um processo de tal abandono por parte
dos poderes públicos, excluindo a agricultura familiar. As políticas públicas
para o campo, naquela época, estavam centradas na grande produção agro-
pecuária, no modelo de agricultura patronal, voltado para as monoculturas e
o mercado externo, associado à sofisticação tecnológica, conhecida como
modernização conservadora (ARAÚJO, 2005, p. 91).
238
rio distinguir saberes tácitos dos saberes que configuram formas de representação.
O filósofo francês observa que
239
vida”. Importa-me aqui refletir brevemente sobre essa “representação” dos saberes
enquanto discursivização produzida por sujeitos em diferentes espaços: a) de um
lado, o sujeito que produz conhecimento científico, o da academia e b) de outro, um
sujeito do campo, no campo (rural) que discursiva saberes para os seus, através
da transmissão de aprendizagens e imitação. Encontra-se aí, talvez, a preocupação
como apontada no PPC da UFFS (RD2), de que exige “por parte dos professores”
“um esforço na apropriação, problematização e proposição do próprio método”.
Essas preocupações apontam para o que Auroux (2008, p. 126) corrobora, [...]
“sabe-se que se sabe aquilo que se sabe. Evidente, às vezes não é absurdo dizer
que se sabia, mas que não sabia o que se sabia”, demonstrando que nesse jogo de
representações, o sujeito precisa ser encarado não como um sujeito biológico, objeti-
vo, que sabe tudo, que sempre quer ter todas as respostas e que quando não as tem,
representa tê-las, mas um sujeito que representa (no inconsciente) e é representado
(no real) a todo momento, um sujeito sócio histórico que interpela e é interpelado pela
língua e pela ideologia em seus processos discursivos nos seus diferentes tempos
e espaços, que falha, que se contradiz. É nesse sentido, que concordo com Petri
(2004, p. 25), quando afirma que a representação está sempre sujeita à opacidade
da linguagem e dos sentidos.
No recorte do PPC que trago abaixo, demonstra-se como se dá o funciona-
mento prático das organizações dos tempos escola e comunidade no Curso de Dom
Pedrito. Ao contrário das outras organizações, o PPC da Licenciatura em Educação
do Campo de Dom Pedrito/RS utiliza-se unicamente da nomeação “regime” como se
percebe no recorte abaixo:
240
os educandos realizam atividades em suas comunidades de origem, sejam
elas escolas, acampamentos, assentamentos de reforma agrária, proprieda-
des rurais. Entre algumas das atividades previstas para o TC estão: pesquisa
sobre a realidade, registro destas experiências, implementação de ações pe-
dagógicas, vivências que possibilitem a partilha de conhecimentos, desen-
volvimento de projetos de aprendizagem. Todas as atividades são orientadas
no TE, e acompanhadas pelos professores mediadores nos meses de julho a
dezembro e nos meses de março a junho (Unipampa, 2013, p. 29).
Neste texto (em sua primeira versão apresentado no SIFEDOC em 2018), dis-
corro sobre o processo formativo de uma proposta pedagógica que nasceu nos anos
60 com influência da igreja e que vem desde lá, através de uma luta dos movimentos
sociais em prol de uma educação diferenciada àqueles que vivem no e do campo,
buscando espaço em meio à produção do conhecimento acadêmico de universida-
des e institutos federais brasileiros.
Para tanto, utilizo-me de Projetos Pedagógicos de Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo do Rio Grande do Sul ofertados via Edital proposto pelo MEC
em 2012, para descrever uma relação entre o que é demandado politicamente por
um edital e o que é apresentado pelas instituições ofertantes, no que diz respeito à
proposta de funcionamento dos cursos.
Essa proposta, ora nomeada como Pedagogia da Alternância, ora como Regi-
me de Alternância, como construída e apresentada nos Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo do RS não atribui diferenças de
sentidos entre a “pedagogia” e o “regime”, pois eles centram suas explicações no
funcionamento das práticas do curso, em seus diferentes tempos, o da escola e o da
241
comunidade, a fim de atender a um Edital e poder ofertar o curso nessas instituições.
No entanto, uma vez que caminhamos teoricamente alicerçados por uma teo-
ria discursiva de interpretação que busca compreender a língua fazendo sentido,
enquanto trabalho simbólico-social, constitutivo do sujeito e respectivamente de sua
história, é importante descrever o funcionamento dos discursos que institucionalizam
saberes sobre essa proposta nos cursos, às vezes, nomeando “regime”, outras “pe-
dagogia”, interpelados ideologicamente em uma memória de saberes que entra em
funcionamento, inconscientemente, para “optar” dizer de um modo que não de outro.
“Usar uma palavra não é usar outra, e fazer recortes em regiões de sentidos
sem ter nenhuma garantia de um entendimento absoluto é inscrever-se em redes de
filiações de sentidos, memórias e esquecimentos constitutivos do dizer” (FLORES,
2019, p. 65). Essas filiações de sentidos, entre o “regime” e a “pedagogia”, remetem
a memórias e a circunstâncias que mostram que os sentidos não estão somente nas
palavras, mas em uma relação com as condições em que elas são produzidas, com
uma relação com a exterioridade e com a historicidade que nelas se constitui.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Sandra Regina Magalhães. Escola para o trabalho, escola para a vida:
o caso da Escola Família Agrícola de Angical – Bahia. 2005. Dissertação (Mestrado
em Educação e Contemporaneidade) – Universidade do Estado da Bahia, Salvador,
2005.
242
ção, Diversidade e Inclusão – SECADI. Nota Técnica Conjunta Nº 3/2016/GAB/
SEACADI. 2016. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=39261-nt-conjunta-03-2016-setec-sesu-secadi-pd-
f&category_slug=abril-2016&Itemid=30192> Acesso em 19 de junho de 2016.
ORLANDI, Eni. Pulcinelli. Segmentar ou recortar. In: Série Estudos. Nº 10. Faculda-
des Integradas de Uberaba (linguística: Questões e Controvérsias), 1984.
PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: Orlandi, Eni P. (Org.) Gestos de leitura:
da história no discurso. Tradução Bethania S. C. Mariani. Campinas, SP: Unicamp,
[1975] 1994.
243
Projetos de Cursos
244
10.48209/978-18-CAMPO6-7-2
246
entender se o Curso está indo ao encontro das pessoas inseridas ou que têm o de-
sejo de se inserir na Educação do Campo, para assim traçarem metas e estratégias
para a construção do perfil do egresso almejado no Projeto Pedagógico.
247
tará a metodologia adotada. Em seguida, trará os resultados e discussões e, conse-
cutivamente, as considerações finais.
248
Os cursos de LEdoC funcionam em regime de alternância entre tempos forma-
tivos presenciais na universidade (tempo universidade) e nas comunidades e escolas
rurais (tempo comunidade), de modo a propiciar a integração entre os conteúdos
acadêmicos e a realidade dos estudantes e ao mesmo tempo não reforçando a alter-
nativa de saírem do campo para estudar na cidade (MOLINA, 2015; 2017).
Além da alternância, as LEdoCs são cursos multidisciplinares, formando para
a docência por área de conhecimento, de forma a ampliar a oferta dos níveis de
escolarização nas escolas do campo (MOLINA, 2015). Assim, foram criados cursos
para as áreas: Artes, Literatura e Linguagens; Ciências Humanas e Sociais; Ciências
da Natureza e Matemática e Ciências Agrárias.
As LEdoCs possuem o caráter de ação afirmativa, pois contribuem para dimi-
nuir a histórica desigualdade de acesso à Educação Superior dos povos do campo.
Por isso, a condição para o ingresso nesses cursos é que os seus candidatos
tenham vínculo com o campo, como professores ou outros profissionais da educa-
ção sem formação superior na modalidade licenciatura em exercício nas escolas do
campo, nos centros de alternância, em experiências educacionais alternativas de
Educação do Campo, em instituições da sociedade civil ou entidades não governa-
mentais que atuam na defesa de direitos das populações do campo, jovens e adultos
de comunidades do campo que tenham o Ensino Médio concluído e ainda não te-
nham formação em nível superior; participantes de instituições e movimentos sociais
que atuam no espaço socioterritorial do campo, que tenha o ensino médio concluído
e ainda não tenham formação em nível superior (UFPI, 2018).
Essas exigências se fazem para garantir a formação integral desses sujeitos que
habitam, trabalham e vivem no e do campo, na busca de sua identificação enquan-
to sujeitos de direitos (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004; SANTOS, 2012).
249
Conforme apresenta Silva Júnior e Netto (2011) a Educação do Campo não deve ser
entendida como uma proposta de educação, mas sim como uma crítica a uma rea-
lidade historicamente determinada e por uma concepção de educação e de campo.
Essa constante luta vem proporcionando avanços significativos que marcam e soli-
dificam os ideais não só por educação, mas por condições de vida digna para esses
povos (SANTOS, 2012). Tal luta mobiliza a população camponesa em prol de uma
escola e de uma educação que seja de fato do campo e para o campo, com currícu-
lo próprio e, principalmente, profissionais que entendam e vivenciam a realidade do
campo.
DESENVOLVIMENTO
Contexto e sujeitos
250
Além da seleção diferenciada, o Curso também possui uma sistemática de fun-
cionamento exclusiva na Instituição de Ensino, ocorrendo no modo de alternância,
adaptado às condições de vida dos povos campesinos, de modo que consigam aliar
sua formação com seu espaço de trabalho. A alternância no Curso é organizada da
seguinte maneira: durante os meses de janeiro, parte de fevereiro, julho e parte de
agosto, acontece em tempo integral o tempo universidade; e nos meses de fevereiro,
março, abril, agosto, setembro, outubro é realizado o tempo comunidade.
A pesquisa foi realizada de setembro de 2017 a janeiro de 2018 com 76 estu-
dantes de uma LEdoC da UFPI, no campus Senador Helvídio Nunes de Barros, na
cidade de Picos, Piauí. A turma de concluintes ingressou no Curso no ano de 2014
e a de ingressantes em 2018. O Curso é organizado em oito blocos. Possui enfoque
na área de Ciências da Natureza, contemplando, por isso, em sua matriz curricu-
lar, componentes referentes aos conhecimentos físicos, químicos e biológicos, além
de componentes pedagógico-didáticos, conforme as diretrizes curriculares para as
licenciaturas. Também contempla componentes que tratam da história, da organiza-
ção e dos fundamentos teóricos e metodológicos da Educação do Campo, bem como
a sua relação com os movimentos sociais camponeses.
251
Ministério da Educação (MEC) e que foram a base para a delimitação dos perfis de
concluintes e dos projetos pedagógicos dos Cursos desde a sua implantação. A pes-
quisa documental seguiu as orientações de Cellard (2008) sobre como levar em con-
ta as condições de produção dos documentos e o cuidado com a sua autenticidade,
sendo estes obtidos em páginas institucionais da UFPI e do MEC.
As questões objetivas do questionário foram tabuladas em planilhas no software
Excel para a construção de gráficos comparativos. As questões discursivas foram
submetidas à análise categorial, conforme Creswell (2008). Dessa forma, a análise
contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa.
A análise dos dados do questionário conjuntamente com os documentos per-
mitiu confrontar as características dos ingressantes e concluintes, permitindo inferên-
cias sobre mudanças no perfil dos sujeitos que são atendidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
252
do campo, bem como para a juventude camponesa que nelas possa vir a atuar” (MO-
LINA, 2017, p. 594).
Quanto ao gênero dos educandos, mesmo com a sua redução com o tempo,
a presença feminina ainda é majoritária na LEdoC. Embora isso seja o esperado de
uma licenciatura, conforme atestam outras pesquisas (BRITO; MOLINA, 2019), re-
presenta no contexto da Educação do Campo uma vitória, pois a presença e lideran-
ça da mulher nas atividades educativas escolares e comunitárias, alavancada pela
formação na LEdoC, pode ser um indicativo da diluição da cultura patriarcal campo-
nesa e de empoderamento da mulher do campo (FALEIROS; FARIAS, 2017).
Dezenove municípios puderam ser identificados como tendo sujeitos atendidos
pela LEdoC (FIG. 1). Nove municípios da região sudeste piauiense foram apontados
como local de residência dos concluintes: Campo Grande do Piauí, Geminiano, Inhu-
ma, Itainópolis, Jaicós, Massapê do Piauí, Picos, Valença do Piauí e Vila Nova do
Piauí (FIG. 2). Quanto aos ingressantes, 16 municípios foram destacados (FIG. 2),
alguns localizados muito próximo à Picos, cidade sede do campus Senador Helvídio
Nunes de Barros, onde é ofertada a LEdoC, como Geminiano (distante cerca de 18
km de Picos) (FIG. 1). No entanto, há alunos oriundos de municípios relativamente
distantes, como Palmeirais (situado a 261 km de distância de Picos), São Miguel do
Fidalgo (a 167 km de Picos) e Patos do Piauí (a 99 km de Picos) (FIG. 1).
253
Figura 1 – Mapa da distribuição dos municípios do estado do Piauí com destaque
para aqueles atendidos pelo Curso de Licenciatura em Educação do Campo, Ciên-
cias da Natureza, campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Universidade Federal
do Piauí.
254
Figura 2 - Municípios em que residem os sujeitos da pesquisa
255
da internet e 3,6% por meio de notícia em jornal. A menor proporção de indicação por
outras pessoas para os alunos concluintes é justificável pois estes, que ingressaram
em 2014, possuíam apenas como referência os estudantes das duas turmas das LE-
doCs, uma na cidade de Oeiras e outra em Jaicós, oferecidas com base em editais
específicos (BRASIL, 2008; 2009), em projetos especiais de turmas únicas (MOLI-
NA, 2017). Assim, o fato de o Curso, agora como política permanente e regular na
instituição (BRASIL, 2012), fez com que os próprios estudantes contribuíssem para a
sua divulgação, permitindo que pessoas dos mais distintos lugares tivessem acesso
e interesse no ingresso.
Com relação à formação em Ensino Superior, 76,2% dos concluintes declara-
ram já ter concluído algum curso de graduação, enquanto 23,8% possuíam o Ensino
Médio completo. Para os ingressantes essa relação foi representativamente diferente
pois, apenas 3,6% possuíam formação superior, enquanto 96,4% apenas o Ensino
Médio. Essa informação é mais uma evidência da eficácia dos mecanismos institu-
cionais de ação afirmativa, pois um dos requisitos para o ingresso na LEdoC é que o
estudante ainda não tenha formação em nível superior. Um dos objetivos do Curso,
previsto no seu Projeto Pedagógico (UFPI, 2017, p. 23, grifo nosso) é “habilitar pro-
fissionais em exercício na educação fundamental e média, que ainda não possuam
a titulação mínima exigida pela legislação educacional em vigor”. Embora reduzido,
o ingresso ainda contínuo de alunos com formação em nível superior indica a neces-
sidade de mais medidas para que a seleção de candidatos tenha realmente caráter
de ação afirmativa.
Sobre o exercício de alguma atividade laboral, 61,9% dos concluintes declara-
ram trabalhar e 38,1% não exerciam nenhuma função no mercado de trabalho. Den-
tre os que trabalhavam, 61,5% eram professores da Educação Básica em escolas
públicas, enquanto 38,5% trabalhavam em outras atividades, como o sindicalismo,
o radialismo, a gestão escolar, dentre outros. Com relação ao trabalho dos ingres-
santes, apenas 29,1% deles afirmaram desenvolver alguma atividade remunerada.
Destes, 56,3% declararam trabalhar em atividades ou setores diversos, como babá,
aula de reforço, técnico em áudio, lava jato, escola, vendedora, network e prefeitura.
Além deles, 37,5% declararam trabalhar no campo, seja na “roça” ou com irrigação
ou como técnico agrícola; e apenas um sujeito (6,3%) declarou ser professor.
256
Esses resultados representam uma mudança no perfil do ingressante no Curso,
tendo em vista que a maior parte da primeira turma, a dos concluintes, era constituída
pelo profissional que atuava nas escolas do campo sem formação em licenciatura ou
com licenciatura em outra área do conhecimento. Os ingressantes, por sua vez, além
de não possuírem formação superior, na sua grande maioria, não atuam nas escolas
do campo, sendo constituída por uma significativa quantidade de trabalhadores do
campo.
Essa mudança pode ter implicações para o planejamento do Curso, cujo ca-
lendário e tempos de alternância foram organizados para possibilitar o ingresso de
educadores na Educação Superior sem que precisem abandonar o trabalho na esco-
la básica para elevarem sua escolarização (MOLINA, 2017). Agora, a preocupação,
com essa mudança de perfil, é evitar que o ingresso de jovens e adultos do campo
na LEdoC reforce a alternativa de deixarem a vida no território rural (MOLINA, 2017).
A pesquisa também buscou identificar as expectativas que motivaram os sujei-
tos a optarem pela LEdoC. A alternativa com o maior número de respostas dada pe-
los concluintes foi a identificação com um curso de licenciatura voltado para o campo
(61,9%), seguida pela possibilidade de ingresso no Ensino Superior (14,3%). Outras
respostas foram atribuídas, como: aperfeiçoar conhecimentos e adquirir habilidades
para atuar com alunos do campo; estudar em uma instituição reconhecida pela qua-
lidade de ensino; precisar de uma licenciatura por estar em sala de aula; por falta de
opção; por já trabalhar em escola do campo. Cada uma delas foi dada por um con-
cluinte, representando 23,8% da amostra.
A escolha da LEdoC para os ingressantes também ocorreu pela identificação
com um curso de licenciatura voltado para o campo (36,4%); pelo fato do curso pro-
porcionar o estudo em uma instituição reconhecida (32,7%); pela possibilidade de in-
gresso no ensino superior (29,1%); e pela identificação com a docência (1,8%). Esse
resultado indica que o Curso, além de contar com um público que ingressa pela afi-
nidade à proposta, constitui uma grande oportunidade, se não a única, de ter acesso
à universidade. Essa expectativa está consonância com o propósito da criação das
LEdoCs na esteira do Procampo (Molina, 2015).
257
CONCLUSÃO
258
de seleção, na matriz curricular, no calendário e na organização didático-pedagógica
do Curso. Enfim, o estudo do perfil de ingressantes e concluintes tem um importante
papel para assegurar o desenvolvimento da LEdoC como uma ação afirmativa para
a população do campo da região.
REFERÊNCIAS
259
______. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
Edital de chamada pública Nº 02, de 31 de agosto de 2012. Diário Oficial [da Re-
pública Federativa do Brasil], Brasília, DF, n. 173, 05 set. 2012. seção 3, p. 59-60.
260
CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes,
2004, p. 19-62.
SILVA JÚNIOR, A. F.; NETTO, M. B. Por uma educação do campo: percursos histó-
ricos e possibilidades. Entrelaçando. Revista Eletrônica de Culturas e Educação
Caderno temático: Cultura e Educação do Campo, n. 3, p. 45-60, nov. 2011.
261
10.48209/978-19-CAMPO6-7-2
EDUCAÇÃO DO CAMPO E
EDUCAÇÃO MUSICAL COMO
PROJETOS DE EMANCIPAÇAO
HUMANA
Fernando Vieira da Cruz76
Dayana Aparecida Marques de Oliveira Cruz77
263
envolvidos. Estes processos de mútuas transformações são chamados de refração.
Esta breve exposição do aporte teórico e alguns conceitos que utilizaremos durante o
texto é feita apenas para cumprir a clareza de onde partimos as discussões. Cumpre
ainda dizer, que este aporte teórico se funda no materialismo histórico dialético com
certa clareza de onde partem também as concepções de educação do campo com
as quais dialogaremos.
Seguindo, a partir da perspectiva anunciada trazemos o objetivo deste texto
em discutir as possíveis aproximações e diálogos presentes em concepções da edu-
cação musical e da educação do campo observando alguns princípios norteadores
presentes em ambas. Dentre os princípios, ressaltamos a convergência das discus-
sões sobre uma educação mais igualitária que considera o estudante como protago-
nista de seu processo de ensino-aprendizagem. Portanto, encontramos em autoras
que discutem a educação do campo como Caldart (2004) e Freitas (2011), alguns
pontos de contato com o debate realizado no âmbito da educação musical por Pen-
na (2008, 1999), Souza (2004) e Schroeder (2005). Identificamos profícuos diálogos
para a formação integral do ser, para uma educação mais igualitária e integradora,
para o reconhecimento das diversidades e valorização da cultura, dos saberes e das
formas de expressões locais.
Para cumprir o objetivo proposto utilizamos da revisão bibliográfica sobre edu-
cação do campo e educação musical pelos autores apontados anteriormente. O texto
está organizado em duas partes. A primeira apresenta o apontamento de algumas
dicotomias limitantes em ambas as áreas em discussão. Na segunda parte aprofun-
damos a discussão sobre a superação de tais dicotomias a partir do arcabouço teó-
rico adotado. Por fim, trazemos as considerações finais sobre as possibilidades de
diálogo levantadas durante o texto.
264
superação da verticalidade impositiva da cultura instrumentalizada por uma visão
excludente de educação.
No caso da educação do campo, busca-se a superação da antinomia rural e ur-
bano na qual se reafirma estereótipos acerca dos modos de vida no campo como an-
tiquado/atrasado e na cidade como moderno/avançado. Essa dicotomia foi reforçada
nas propostas que ficaram conhecidas como educação rural com início no Brasil na
década de 1930. O discurso em prol da “modernização” do campo subjugava-o como
sinônimo de atraso por não se adequar ao sistema produtivo imposto de forma verti-
calizada (FREITAS, 2011). As transformações no campo impactaram a organização
do território brasileiro culminando em mudanças não só no campo, mas também nas
cidades (SANTOS, 1998). Tais transformações estiveram baseadas no modelo de
desenvolvimento agroindustrial adotado como referência a partir da Revolução Verde
da década de 1970. Este modelo atenuou os conflitos e contradições existentes no
campo a partir da disputa de poder entre os grandes latifundiários e os movimentos
sociais, trazendo à tona a discussão sobre a questão agrária no debate político na-
cional.
A resistência protagonizada pelos movimentos sociais do campo, como no caso
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aprofundou as discus-
sões sobre a concentração fundiária e a produção no campo brasileiro através da
luta pela reforma agrária e pela adoção de novas práticas de cultivo como a agroeco-
logia (FERNANDES, 2019). Tais embates abarcaram diferentes aspectos da vida no
campo, incluindo o reconhecimento da necessidade da luta pelo direito à educação
gestada numa concepção multidimensional do próprio campo (FERNANDES, 2006).
Neste sentido, a educação do campo busca reconhecer as identidades e valorizar os
saberes do campo, sendo contrária à velha premissa da educação rural que impôs,
durante muito tempo, a perpetuação das desigualdades sociais no campo buscando
adequar-se às demandas da modernidade urbana e industrial (FREITAS, 2011).
Podemos apontar também a velha dicotomia entre a educação em espaços
formais e informais discutida por Caldart (2007), diretamente relacionada à persistên-
cia das citadas abordagens (tradicionais) de ensino. Embora os movimentos sociais
reconhecem e reivindicam para o campo a formação escolar, eles também advertem
para a necessidade da escola estar pautada na materialidade do campo. Em outras
265
palavras, a escola precisa atender as particularidades dos sujeitos sociais concre-
tos do campo tendo como referência um recorte de classe, abrangendo também a
universalidade da educação e no empenho em “construir uma educação do povo do
campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele” (CALDART, 2004, p. 3 –
grifos da autora). Tais reivindicações faz valer a função da escola enquanto espaço
coletivo de construção do saber (CRUZ, 2020b).
Enfim, por mais que o embate pelo fim das dicotomias, muitas vezes, denuncie
a necessidade de tratamento de fortes contradições, a discussão precisa avançar
em densidade e amplitude. É preciso encarar tais contradições para não cair ou se
render ao modelo liberal de sociedade amparada pela repetição de projetos educa-
cionais impositivos e instrumentalizados. Pois, enquanto a educação não coloca em
pauta a emancipação humana da população historicamente oprimida, ela estará a
mercê deste mesmo modelo de sociedade, conforme discutido por Caldart (2007).
A mesma necessidade de superação das dicotomias também se faz presente
no âmbito da educação musical. Uma situação já bem conhecida é aquela advinda
da contraposição entre música popular e música de tradição europeia (destarte, mú-
sica erudita). Esta visão dicotômica supervaloriza o padrão europeu de cultura, músi-
ca e repertório em detrimento das manifestações populares e locais. Ela vem sendo
historicamente reforçada pela reprodução do ensino de música que visa a formação
profissional de instrumentistas voltados à performance da música erudita, vigente e
predominante até meados do século XIX. Este ensino (destarte, ensino tradicional)
ainda é predominante em escolas de música especializadas, conservatórios e cursos
de graduação em música, bacharelado (PENNA, 1999). As práticas que comumente
mais as caracterizam estão ligadas ao desenvolvimento das habilidades técnicas
instrumentais, referidas como uma forma de treinamento automatizado da execução
do repertório da música erudita.
O embate a este modelo vem sendo protagonizado por diferentes propostas
de educação musical surgidas a partir do início do século XX. De modo geral, elas
trazem a ideia da participação ativa dos estudantes em seu processo de formação e
a educação musical atrelada a um projeto de formação integral do sujeito. Por isso,
o reconhecimento dessas propostas como “métodos ativos em educação musical”
(FONTERRADA, 2008). Em sua maioria, estas propostas são visitadas pelas ideias
266
da Escola Nova (SCHROEDER, 2005). No entanto, algumas delas, sobretudo aque-
las praticadas nas escolas de educação básica, penderam para uma prática que
enfatiza a “liberdade criativa e a expressão pessoal”. Essa mudança ocorreu em
detrimento do esvaziamento dos conteúdos específicos da linguagem musical, os
quais na maioria das vezes são supervalorizados verticalmente no ensino tradicio-
nal (PENNA, 1999, p. 60). Chamamos essas propostas de propostas de vanguarda,
assim como foram denominadas por Schroeder e Schroeder (2011)78. Em suma, os
métodos ativos são diversos sendo que alguns ainda continuam fortemente atrelados
à execução instrumental como é o caso da proposta de Shinichi Suzuki. As propostas
de vanguarda estão mais atreladas ao esvaziamento dos conteúdos da música tonal
como é o caso da proposta do compositor Murray Schafer. Logo, estão postas dife-
rentes dicotomias que se entrelaçam: música erudita e música popular; ensino tradi-
cional e o ensino de vanguarda; música tonal e estéticas de vanguarda (serialismo,
música concreta, eletrônica entre outras); e assim por diante.
O caminho para a superação dessa dicotomia ainda está em disputa e preci-
sa equilibrar-se para não cair na supervalorização dos conteúdos em detrimento de
processos pedagógicos mais igualitários, nem tampouco no esvaziamento dos pro-
cessos pedagógicos em função da supervalorização dos conteúdos (PENNA, 1999).
Neste sentido, é preciso considerar as propostas que dão espaço a cultura, música e
repertório local, ligadas ao cotidiano dos estudantes. Expressões de ampla gama de
possibilidades incluindo, inclusive, a música de massa (PENNA, 2008). Estas produ-
ções, presentes no cotidiano dos estudantes, não se limitam ao entretenimento como
é afirmado pelo senso comum. Elas estão relacionadas à construção de identidade
dos sujeitos, bem como aos diferentes modos de vida e de significação musical vi-
venciadas por eles (SOUZA, 2004).
Observamos a busca por um processo de ensino emancipatório que inclua e
valorize a vivência e as demandas dos estudantes tanto nestas propostas de educa-
ção musical intencionadas como na educação do campo. Por isso, em ambas estão
presentes a resistência, a contestação e o questionamento do paradigma hegemôni-
co imposto historicamente pelos países centrais como referência de cultura e socie-
dade, representados pelos velhos modelos dicotômicos.
78 Demarcamos como faremos para nos referirmos a estas propostas sem a intenção de
rotulá-las ou categorizá-las, o que não está em voga nos objetivos deste texto.
267
SUPERANDO AS DICOTOMIAS
A compreensão das práticas sociais dos alunos e suas interações com a ci-
dade, o lugar como espaço do viver, habitar, do uso, do consumo e do lazer,
enquanto situações vividas, são importantes referências para analisar como
vivenciam, experimentam e assimilam a música e a compreendem de algum
modo (SOUZA, 2004, p. 10).
268
inferimos que seja possível adicionamos o campo igualmente “como espaço do viver,
habitar, do uso, do consumo e do lazer” de modo digno como pauta a ser discutida na
educação musical. O que se mostra nos discursos e na própria construção identitária
dos sujeitos.
269
discursos se materializam no diálogo com as teorias pedagógicas que ajudam a
construir a concepção de Educação do Campo reafirmando a materialidade, a histori-
cidade e o movimento dialético na formação e desenvolvimento humano (CALDART,
2012). Tal concepção busca superar o ensino pautado em esquemas de transmissão
de conhecimento, treinamento e domínio de habilidades técnicas, conceituações e
práticas mais próprias de vertentes verticalizadas do campo educacional. Estas pro-
postas são representações alinhadas às concepções de educação projetadas em ou-
tros lugares e oportunizada à população do campo de modo alheio à sua realidade,
necessidades e lutas. Essa dinâmica acontece no contexto de sociedade capitalista
no qual a educação ofertada ao camponês visa a formação instrumentalizada de mão
de obra para o agronegócio. Todavia, encontra a resistência protagonizada pela so-
ciedade civil organizada pelo direito à terra e à vida digna (CALDART, 2004).
As teorias pedagógicas com as quais a educação do campo dialoga são as se-
guintes: pedagogia socialista, pedagogia do oprimido, pedagogia do movimento. De
acordo com Caldart (2004), a pedagogia socialista indica a necessidade de pensar a
realidade dos sujeitos do campo, da organização coletiva, e do entendimento da cul-
tura como um processo histórico. A necessidade de pensar a realidade dos sujeitos
do campo aparece também como preocupação central na pedagogia do oprimido,
cuja base teórico-epistemológica advém da prática da educação popular como pro-
jeto emancipador, discutido por Paulo Freire (CALDART, 2004). Por fim, a pedago-
gia do movimento também aglutina alguns pontos comuns indicados na pedagogia
socialista e pedagogia do movimento, todavia, ela só pode ser entendida a partir da
observação do próprio processo de formação da educação do campo por meio das
contribuições dos movimentos sociais, sobretudo os movimentos sociais do campo
(CALDART, 2004). Logo, sob a ótica da pedagogia do movimento é impossível de-
sassociar a educação do campo da luta pela terra e do reconhecimento das popula-
ções nele territorializadas (camponeses, indígenas, quilombolas e ribeirinhos). Para
a educação do campo, pensada em diálogo com estas teorias pedagógicas, é basilar
a valorização dos modos de vida e de interação com a natureza, incluindo formas
de produção não-hegemônicas como a agroecologia popular. Em outras palavras,
a valorização do lugar, dos sujeitos e da cultura como processo histórico é a única
270
possibilidade da efetivação de um projeto de educação.
Logo, superar as velhas dicotomias é uma forma de ampliar e aprofundar as
discussões do fazer educacional tanto na educação do campo quanto na educa-
ção musical. É importante salientar que entendemos os diferentes extratos das duas
áreas educacionais. Enquanto a educação do campo representa as condições, obje-
tivos e lutas construídas na especificidade da vida no campo, a educação musical se
faz presente em diferentes contextos de vida como possibilidade discursiva. Porém,
nas duas áreas e dentro das perspectivas aqui postas, ambas apontam para a su-
peração das dicotomias excludentes da diversidade tanto dos modos de vida quanto
dos discursos nelas presentes.
Para a superação dos processos de imposição cultural presentes nas velhas di-
cotomias é preciso enxergar então as necessidades específicas da realidade de vida
dos estudantes levando em conta sua pluralidade de contextos. O caminho possível
que apontamos está no imbricar da concepção de música como linguagem com al-
guns princípios apontados na Educação do Campo. Entendemos que as dicotomias
presentes em ambas as áreas tem em sua base a mesma raiz da imposição do pa-
drão europeu de modernidade que é referência na comparação entre manifestações
culturais e formas de vida distintas a fim de hierarquizá-las. A resistência à hierar-
quização da cultura, dos saberes e dos modos de vida é um ponto profícuo para o
diálogo entre a educação do campo e a educação musical.
Pela concepção de educação musical adotada, o aprendizado musical ocorre
a partir dos seus discursos postos em prática em um contexto social comum aos in-
terlocutores. Os discursos são refratados (transformados e ressignificados) a cada
diálogo, provocam outros discursos e diálogos que os respondem e trazem consigo
as transformações dos seus interlocutores. Assim, os discursos, diálogos, sujeitos e
grupos sociais são continuamente transformados. O uso da linguagem musical é tan-
to resultante do sujeito histórico quanto motivo de suas transformações de vida. Esta
forma de entendimento se aproxima de como a formação do sujeito é vista também
na educação do campo:
Afirmar que o ser humano se forma na luta social é reafirmar que ele se
constitui como humano na práxis, que se educa na dialética entre transfor-
271
mação das circunstâncias e autotransformação. É a atividade que forma o
ser humano; mas a atividade que humaniza mais radicalmente é aquela que
exige a autotransformação que passa pela compreensão teórica da realidade
(CALDART, 2012. p. 552).
A educação musical que não se desvincula da vida social dos estudantes pode
atrelar-se aos seus projetos de vida e de sociedade, para além disto, pode contribuir
com o protagonismo do sujeito em seu processo de desenvolvimento.
272
pria concepção discursiva da música como forma de linguagem o seu fundamento
de aprendizado. Antes de ensinar a música é preciso ter em mente qual música se
intenciona ensinar. Sendo a música a ser ensinada aquela que é compreendida nas
situações reais de diálogos musicais, é na realidade da vivência dos alunos que
reside seu êxito. Portanto, a educação musical pensada no campo precisa incluir o
sujeito camponês como seu protagonista e a cultura, trabalho, costumes e valores do
campo como sua materialidade concreta. Para além dos limites das discussões teó-
ricas e pensamentos mais próprios do campo educacional são estes protagonismos
e materialidades que colocam diferentes propostas em contato, por apontarem em
uma mesma direção da intencionalidade de seus ensinos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
273
iluminam as necessidades da educação a ser pensada no contexto camponês a con-
cepção de música como linguagem se mostra pertinente para fazer força no embate
pelas transformações intencionadas no campo e na resistência de sua cultura.
REFERÊNCIAS
274
desigualdades territoriais na sociedade contemporânea. Alfenas: Editora Univer-
sidade Federal de Alfenas, 2019, p. 38-59.
275
10.48209/978-20-CAMPO6-7-2
A INVISIBILIDADE DO CAMPESINATO
81 Um debate mais aprofundado dessa questão pode ser verificado no Trabalho de Conclusão
de Curso de Ana Júlia de Almeida Rosa, realizado em 2020, com o título: Campesinato e Livro Di-
dático em Miranorte.
277
O campesinato brasileiro tem como característica importante, desde sua origem,
uma forte mobilidade espacial, ele “zanza a procura de terra”, enquanto o camponês
europeu tem no enraizamento territorial sua característica mais forte.
A história da formação e do desenvolvimento da sociedade brasileira vem de-
monstrando que o mundo rural não acabou e que também o campesinato está ai,
Moura (1986, p. 17-18) diz que “é mais correto falar em recriação, redefinição e até
diversificação do campesinato do que fazer uma afirmação finalista. Nem mesmo
nas sociedades socialistas é possível falar numa abolição do trabalho familiar cam-
ponês”. Portanto, precisamos buscar elementos para enfrentar essa história de frente
sem excluir quem tem muito a contribuir.
Martins (1981), diz que esse conceito foi introduzido em nosso contexto a par-
tir da segunda metade do século XX. Para este autor, até pouco tempo, quando se
falava de camponês era comum se recorrer a palavras como “caipira”, “caiçara, “ta-
baréu”, “caboclo”, “roceiro”, entre outras dependendo da região a que se referia, diz
o seguinte:
278
novas terras uma importante alternativa de recriação social do campesinato. Neste
sentido, temos observado que no caso do campesinato, mais do que a terra, há uma
importante herança deixada que é o seu modo de vida, como patrimônio que tem sido
de fato transmitido (Wanderley, 1996).
Um aspecto importante dessa herança imaterial é a educação. Um autor que
aborda a conjuntura de direito e contextualização da educação é Sérgio Haddad
(2012). Segundo o autor, idealizar a educação como direito de um indivíduo, cor-
responde a entender que a educação deve se fazer presente em meio aos direitos
imprescindíveis ao desenvolvimento da dignidade de todo ser humano de forma ínte-
gra. Sendo assim, o direito à educação precisa ser garantido a todos os indivíduos,
independentemente de qualquer outro fator ou território, seja urbano ou rural. Con-
cordamos com Haddad, pois
Por meio da educação, são acessados os bens culturais, assim como nor-
mas, comportamentos e habilidades construídas e consolidadas ao longo da
história da humanidade. Tal direito está ligado a características muito caras à
espécie humana: a vocação de produzir conhecimentos, de pensar sobre sua
própria prática, de utilizar os bens naturais para seus fins e de se organizar
socialmente (HADDAD, 2012, p.215).
279
do dia-a-dia do educando. Ou seja, há um corte entre o que a escola ensina, pensa
e faz e a vida das crianças e de suas famílias, principalmente no caso de crianças
que estudam em escola rurais, ou que vivem no campo e são transportadas para a
escola urbana.
A autora relata sobre as dificuldades deparadas quanto à habilidade dos edu-
cadores em desenvolverem um trabalho que possibilite que os educandos sintam-se
correspondidos na ação educativa, principalmente em relação ao trabalho e contexto
escolar, ou seja, a permanência dos alunos está intrinsecamente associada ao que
lhe é proposto. Mas é imprescindível notar que os profissionais da educação não são
preparados e qualificados em uma formação que lhes proporcione um desenvolvi-
mento formativo para ministrar um trabalho coerente de acordo com a realidade do
aluno camponês, o que ocasiona ao educador um desprendimento em exercer suas
atividades nas instituições localizadas nas áreas rurais. Isso coloca uma responsabi-
lidade maior para as instituições que formam professores para os anos iniciais, como
é o caso da formação do pedagogo.
280
norteia as ações desenvolvidas pela escola, tornando-se um desafio, por exigir es-
forço e participação coletiva da equipe escolar. Segundo Vasconcelos (2004, p. 43)
“o projeto político pedagógico é um instrumento teórico metodológico que visa ajudar
a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, cons-
ciente, sistematizada, orgânica e o que é essencial participativa”.
Assim, a escola é responsável pela promoção do desenvolvimento do cidadão,
no sentido pleno da palavra. Então, cabe a ela definir-se pelo tipo de cidadão que de-
seja formar, de acordo com a sua visão de sociedade. Cabe-lhe também a incumbên-
cia de definir as mudanças que julga necessário fazer nessa sociedade, através das
mãos do cidadão que irá formar. Veiga (1995, p. 56), alerta que “no que diz respeito
à escola, é preciso que as decisões institucionais, para que se efetivem, partam da
prática cotidiana, sendo, portanto, necessário conhecê-las, identificando suas carac-
terísticas e formas de expressão”.
Portanto, é no projeto educativo da escola que reside parte significativa dos
desencontros, bem como os motivos dessa relação. É no projeto da escola que se
anuncia a formação intencionada. Sabe-se que há dificuldades de realizar de forma
coerente essa formação cumprindo o projetado, inclusive porque a instituição escolar
é abandonada pelo poder público que, não coloca à disposição dos trabalhadores
da escola e das comunidades internas e externas, os recursos necessários para o
desenvolvimento de suas atividades.
Especificamente no caso da escola de ensino fundamental, objeto desse es-
tudo, buscando o seu PPP percebemos alguns elementos da história da Escola Mu-
nicipal de Tempo Integral Antônio Pereira de Sousa. A mesma foi criada pela Lei N°
007-89 em 25 de outubro de 1989 e recebeu esse nome em homenagem a um dos
principais pioneiros do Município de Miranorte -TO.
Os alunos atendidos por esta unidade de ensino são pessoas vindas de várias
regiões do Brasil, sendo bem diversificada a condição social dos alunos, sendo mais
proeminentes famílias de média e baixa renda e filhos de camponeses, residentes na
periferia da cidade e no campo e que são transportados todos os dias para a escola.
É muito evidente o esforço da instituição em realmente cumprir seu papel tanto
educacional como social. Porém, mais evidentes ainda são as falhas tanto da esco-
281
la-instituição, como de profissionais (professores, coordenadores, diretores), é nítida
em determinados casos, a falta de conhecimento e de preparo da escola como um
todo no atendimento aos alunos e as famílias oriundas do campo.
Compreende-se também que há outros elementos que jogam “contra” a escola
e a comunidade nesse processo, por isso que somente parte dos (des)encontros
estão no seu projeto educativo. O que pensar/dizer acerca da formação de professo-
res no Tocantins e em Miranorte? Que papel desempenha, no contexto do trabalho
escolar, as condições de trabalho dos trabalhadores da escola (são contratados, in-
dicados por políticos, são concursados)? A formação dos professores nos cursos de
formação inicial das instituições de ensino superior82 no Tocantins indica que rumos
na constituição das identidades Docentes? E como aparece em seus projetos de cur-
sos a educação de crianças do campo?
Consideramos importante neste processo o debate acerca do currículo. Apro-
priando-se do debate da obra de Arroyo (2011), “Currículo, território em disputa” com-
preende-se que as classes populares, assim como os docentes no contexto do seu
trabalho compreenderam que há disputas não somente por direitos mais amplos na
sociedade, mas que também o próprio projeto de escola e educação faz parte desse
processo, como diz o autor:
Se há muita vida lá fora, também há muita vida disputada nas salas de aula.
Há muitas disputas lá dentro e muitas disputas fora sobre a função da escola
e sobre o trabalho de seus profissionais. Sinal de que o território da esco-
la ainda é importante para a sociedade e, sobretudo, para as crianças, os
adolescentes, os jovens e adultos populares e para seus professores (as). A
escola é disputada na correlação de forças sociais, políticas e culturais. Nós
mesmos, como profissionais da escola, somos o foco de tensas disputas (AR-
ROYO, 2011, p. 12-13).
82 A maioria dos cursos de graduação da UFT- Universidade Federal do Tocantins são de li-
cenciatura. O Câmpus de Miracema oferta o Curso de Pedagogia e somente agora (2019) aparece
na proposta pedagógica desse curso (com definição de disciplinas especificas) preocupação com
a formação de populações indígenas e do campo.
282
O ensino deveria ser mais flexível e culturalmente adaptado do que é, tanto
no campo quanto na cidade. A educação básica na cidade é quase que ape-
nas projeção da ideologia de classe média do educador. O mesmo acontece
no campo. Prevalece ainda entre nós a concepção de que o educador não
precisa ser educado, não precisa ser ressocializado para a sua missão de
educar.
Nesse sentido, quase que se pode considerar a escola urbana, inadaptada,
como um campo de concentração onde se realiza o trabalho forçado da acul-
turação compulsória dos educandos, tendo por referência uma cultura urbana
em grande parte postiça, mais ficção do ideário urbano do professor e da po-
lítica educacional do que expressão da realidade urbana em que o aluno vive
(MARTINS, 2004/2005, p. 31-32).
Considerando essas questões podemos ver que estamos distante de ter uma
escola que se constitua como um espaço de diálogo voltado para seu público interno
e externo. Há muito que se fazer para que a escola articule um trabalho que não seja
somente reprodutor de ideologias que dominam.
A seguir apresenta-se discussão acerca do livro didático e o modo como inte-
grantes da escola pensam sobre as crianças filhos e filhas de camponeses transpor-
tados para estudar todos os dias na escola urbana localizada na cidade.
283
RESULTADOS E DISCUSSÃO: CONCEPÇÕES SOBRE O CAMPONÊS
NO TRABALHO DA ESCOLA
284
Esse modo de pensar sobre o camponês pode ajudar a entender alguns proble-
mas vividos pela escola, mas também pelos camponeses. Compreendemos que essa
diversidade de opiniões é saudável, mas também é algo problemático se pensarmos
no ponto de vista de inclusão do aluno campesino. Pois são estes profissionais que
no dia a dia da escola precisam trabalhar pela integração positiva e assertiva destes
estudantes, o que fica muito complicado sendo que não possuem nem ao menos um
conceito de camponês ajustado entre si. Felizmente concordam que a terra é o prin-
cipal instrumento de trabalho do camponês.
Solicitou-se que as integrantes da escola indicassem características que se
aplicam ao camponês. Eis as respostas:
Mais uma vez, com base nas respostas das entrevistadas, percebemos o equí-
voco da escola em relação ao modo como pensa acerca do camponês e como esse
pensar se propaga no ambiente escolar, ao afirmarem, Por exemplo: que devido ao
desenvolvimento do capitalismo o “campesinato é uma classe em extinção” ao mes-
mo tempo em que se tem inúmeros alunos residentes do campo nas salas de aula,
nos fazendo refletir sobre o quanto esses sujeitos são invisibilizados, pouco conhe-
cidas, suas culturas, seus modos familiares, o compromisso e a dedicação ao seu
trabalho.
Segundo a diretora, coordenadora e professora, os camponeses têm fácil aces-
so a crédito e apoio de políticas públicas para continuar produzindo alimentos; porem
a realidade é bem diferente, a começar que não é fácil ter acesso a esse credito, sem
mencionar as altas taxas de juros. A Coordenadora indica que tendo em vista o de-
senvolvimento do capitalismo e da mecanização da produção no campo, o campesi-
nato é uma classe em extinção. Porém, esta é uma afirmação demasiada exagerada.
Embora tenha havido enorme êxodo rural, os camponeses ainda são responsáveis
pela maior parte da produção de alimento no Brasil.
285
Quando perguntou-se se existem alunos filhos de camponeses que estudam
na escola e foi solicitado que falassem sobre a presença deles na escola, a professo-
ra respondeu que “Sim e que há uma parceria entre a unidade escolar e os alunos”.
Já as respostas da coordenadora e diretora foram assim:
Sendo assim, não dá para dizer que a escola tem uma parceria com os alunos
do campo. Pois, é nítido que a questão da distância atrapalha, tanto que a assidui-
dade dos alunos não é a mesma porque eles chegam cansados. Às vezes muitos
profissionais pedagogos que estão dentro da escola poderiam fazer algo a mais para
ajudar, buscando uma solução para esse tipo de problema. Muitos simplesmente se
acomodam e ficam esperando que outras pessoas venham de fora para fazer o que
é papel deles, ou seja, lutar pelos direitos dos alunos camponeses.
Buscando trazer para as reflexões, o cotidiano da sala de aula e as impressões
da professora acerca das crianças do campo neste espaço, foram feitas as seguintes
questões: como o professor pode ajudar um aluno camponês?; Quais as orientações
que a escola ou a Secretaria Municipal de Educação oferta aos professores para tra-
balhar com as crianças do campo? e ainda se a realidade do aluno do campo e da
cidade é a mesma?. A professora respondeu que a melhor forma de ajudar o aluno
do campo é “Trabalhando sua realidade” e que “não há orientações para os profes-
sores”; disse ainda “Que a realidade do campo e da cidade é a mesma e que usando
as tecnologias não há diferença”.
Já a Diretora e Coordenadora pensam semelhante ao que foi informado pela
professora, pois as mesmas disseram que “Não há uma orientação especifica que
separe os alunos do campo e os da cidade e que eles recebem a mesma forma de
trabalho que os demais”. E que em relação aos alunos que vivem no campo ou na
cidade, “Não há diferenças, poucas hoje em dia. Apenas diferença comportamental
quase inexpressiva”.
Ficou evidente nestas respostas as dificuldades tanto da Secretaria Municipal
de Educação de Miranorte -TO, como também da escola e do corpo docente para a
286
efetividade de um trabalho pedagógico que leve em conta a diversidade do seu pú-
blico. Orientações especificas para se trabalhar com esses alunos são essenciais e
imprescindíveis; outro ponto a ser visto como preocupante é que não é possível um
corpo docente acreditar que as realidades do campo e da cidade são as mesmas,
trabalhar a realidade do aluno campesino supõe ter noção disso. Definitivamente não
dá! É necessário que o município crie políticas e ações pedagógicas que qualifiquem
as ações das escolas e de seus profissionais.
Muito do que se viu nas falas dos integrantes da escola, está intrinsecamente
ligado a ação de intolerância social e cultural, a falta de respeito para com os colegas
que vivem no meio rural, e a falta de apoio tanto dos governantes que não conseguem
inserir verdadeiramente na sociedade, políticas públicas que busquem uma melhor
inserção destes alunos vindos do campo, como também dos professores que muitas
vezes por falta de preparo e recursos pedagógicos são incapazes de proporcionar
uma melhor interação entre os alunos que vem do campo com costumes e culturas
diferentes dos alunos que já estão inseridos nos espaços urbanos.
Questionadas sobre o acolhimento aos alunos do campo pela escola ou se já
houve caso de marginalização, a Diretora disse: “Os alunos são muito bem acolhi-
dos, não há diferença entre o tratamento dos alunos do campo e os da cidade”. Já a
Coordenadora informou que “Nunca são excluídos; são tratados de igual forma”.
Porém, o que se pôde constatar com as visitas de observação na escola é que
os alunos são sim alvo de preconceitos e brincadeiras de mal gosto. Existe o bullying,
existe a exclusão, existe conceitos errôneos, tudo isso entre os alunos; não por mal-
dade, mais sim, por falta de instrução e pela reprodução de uma visão dominante
marginalizadora sobre os camponeses.
Em relação ao livro didático a professora, a coordenadora e a diretora coloca-
ram as seguintes informações, quando questionadas sobre como é feita a escolha/
seleção do livro didático utilizado na escola. A professora simplesmente informou que
a escolha é feita “Pelos professores”, sem mais informações. Já a coordenação e
direção disseram o seguinte: “Vários livros de várias editoras são expostos na escola
e num dia (x) todos os professores através do manuseio, escolhem os livros” (Direto-
ra). “É feita uma analise de exemplares no final do ano para escolha do livro didático”
(Coordenadora).
287
Retomando o que fora afirmado pelas integrantes da escola, Miranda e Luca
(2004, p. 126) afirmam que com a criação do PNLD, “... progressivamente foram sen-
do incluídas no programa as distintas disciplinas componentes do currículo escolar
e o programa foi se delineando no sentido de incorporar os professores no processo
de escolha dos livros didáticos”. É apropriado afirmar, concordando com Fernandes
(2011, p. 2), que:
288
os livros didáticos apenas lendo com os alunos e explicando as temáticas”. Destaca-
-se que não foram registrados nenhuma outra forma de se trabalhar os conteúdos, o
que representa uma falha da instituição. Embora a professora afirme que os campo-
neses são retratados nos livros assim como são no seu cotidiano, é sabido que estes
são retratados de forma muito superficial e na maioria das vezes de forma errada e
preconceituosa. O livro de fato não mostra a realidade da vida no campo a partir da
condição do camponês.
Copatti e Callai (2018, p. 241) argumentam que muitos dos conteúdos dos li-
vros didáticos que chegam a estas escolas são elaborados para atender de modo
geral a todas as instituições de educação pública do Brasil, e não há uma tradição de
produção de livros específicos para as escolas do campo. Considerando a extensão
territorial e a diversidade brasileira, Callai questiona se “[...] É possível um livro único
que oriente todos os alunos de todo o território brasileiro considerando a nossa diver-
sidade geográfica numa perspectiva global, mas também em escala local?” (COPA-
TTI; CALLAI, 2016, p. 295). Diante disso, como estabelecer o que é mais adequado
para determinado lugar/determinada região?
No livro utilizado pela escola não vimos muito esforço para trazer os modos
de vida dos alunos filhos de camponeses e que moram no campo para a realidade
da sala de aula. Não aparecem os contextos em que vivem as crianças e os jovens
do campo, algumas peculiaridades que poderiam ser mais bem expostas no sentido
de contemplar as vivências destes grupos. Por exemplo que experiências têm estas
crianças e jovens do campo? Que diversões experimentam? O que é significativo
para eles?
Os autores do livro didático ao debaterem as transformações nas paisagens no
campo o fazem mostrando duas imagens, ambas do Estado de São Paulo. A primeira
com trabalhadores na colheita manual do café, em 1902, na cidade de Ribeirão Pre-
to. A segunda, com uma máquina (trator) sendo utilizada na colheita do café na cida-
de de Alvinlândia, em 2016. Na sequência das imagens os autores fazem o seguinte
questionamento: “quais são as diferenças entre as duas paisagens mostradas nas
fotos?”. E pede para assinalar a resposta, dentre as seguintes indicações: “presença
de cultura de trigo; uso de máquinas; existência de silos; quantidade de trabalhado-
res”. Infere-se que os autores esperam a marcação de duas alternativas como corre-
289
tas: “Uso de máquinas e Quantidade de trabalhadores” (Silva e Junior, 2018, p. 74).
Muitos outros elementos poderiam ser explorados para trazer esse debate para
o espaço onde a escola e os alunos estão articulados, mas também para trazer mais
aprofundamento para essa discussão, por exemplo, discutindo a natureza do traba-
lho manual no campo, não somente com a cultura do café e a introdução do uso de
maquinas para o processo produtivo no campo e suas consequências para as pes-
soas.
Que implicações esse processo trouxe ou está trazendo para o uso da terra e
as pessoas na região de Miranorte? Sabe-se que esses elementos podem ser levan-
tados pelo trabalho do professor. Isso significa buscar outras referências de leituras e
análises desses processos na sociedade brasileira. No entanto também é preciso se
questionar se o pedagogo em sua formação básica está habilitado a trabalhar com
os conteúdos geográficos levando em conta essas possibilidades. A nosso ver não é
isso que vemos em nossa formação inicial.
Dando sequência aos questionamentos com os profissionais de ensino da es-
cola, foi solicitado que avaliassem o transporte escolar dos alunos do campo. As
respostas merecem reflexão, pois a professora simplesmente informou que “A ava-
liação é ótima”. Já a diretora e a coordenadora buscaram trazer mais elementos para
o debate. A diretora disse: “Os pontos negativos são porque os ônibus são velhos,
além do mais, os alunos residem bem distante da escola/zona urbana”. E por fim,
acabou dizendo que “quando os antigos ônibus se quebram todos são informados”.
A coordenadora disse que “Os pontos negativos não se aplicam ao transporte, mas
sim, às rotas que são longínquas e com vias bastante deterioradas”.
O transporte escolar é uma política pública no campo da educação que está
articulada, por um lado com as lutas das populações que vivem no campo para garantir
educação para seus filhos, mas por outro lado também é utilizada como instrumento
para atender aos interesses políticos dos grupos locais a serviço da apropriação dos
recursos públicos e dos seus interesses econômicos e políticos.
Em nossa região, e o caso de Miranorte não está excluído desse processo,
acrescenta-se a isso as dificuldades relacionadas às grandes distâncias, estradas
ruins, veículos velhos e sem manutenção e outros problemas próprios quando se fala
do atendimento a população que vive no campo.
290
Sabemos que o abandono e a marginalização das populações rurais é o que
sobressai nas relações com o poder público. O testemunho dos integrantes da escola
demonstra isso, embora também revelem uma concepção de naturalização dessa
situação. Não acreditamos que essa situação seja natural ou que não existe outra
forma de funcionamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
291
O campo é tão dinâmico quanto o espaço urbano. É lógico que não é a mesma
coisa, mas isso não significa que vamos negar às pessoas do campo (especialmen-
te às crianças filhos de camponeses) conhecimento sobre a vida urbana e também
dificultar as possibilidades de realizar diálogos mais proveitosos entre as crianças do
campo e da cidade quando as mesmas dividem o mesmo espaço de sala de aula. A
paisagem da escola também vive processos de mudanças significativos e um deles
poderia se articular com o fortalecimento da diversidade cultural existente dentro dela
e da sociedade, portanto, um espaço onde pode frutificar muitos saberes e resistên-
cias dos diferentes sujeitos ali articulados.
REFERENCIAS
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cionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio: Expressão Popular, 2012. P. 215 222.
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da: uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
292
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MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tania Regina de. O livro didático de história hoje:
um panorama a partir do PNLD. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 48, dez. 2004,
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RIBEIRO, Marlene. Educação Rural. In: CALDART, Roseli Salete. et al.(Org). Dicio-
nário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio: Expressão Popular, 2012. P. 293 - 299
SILVA, Edilson Adão Cândido da; JUNIOR, Laércio Furquim. Conectados Geogra-
fia, 3º ano: Componente curricular: Ensino fundamental, anos iniciais. 1. Ed. São
Paulo: FTD, 2018.
293
10.48209/978-21-CAMPO6-7-2
O MONITOR DE EFA:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 83
Este artigo relata uma experiência de monitoria em uma Escola Família Agríco-
la (EFA), a partir dos princípios teórico-metodológicos da Pedagogia da Alternância
(PA).
A Pedagogia da Alternância é uma metodologia educativa que une tempos e
espaços diversos por meio dos instrumentos pedagógicos: Plano de Estudo (PE);
Atividade de Retorno; Colocação em Comum; Síntese Coletiva; Visita e Viagem de
Estudo; Intervenção Externa; Tutoria; Caderno de Acompanhamento; Caderno da
Realidade; Estágio e Projeto Profissional do Jovem (PPJ). Nesse processo, os es-
tudantes permanecem duas semanas na escola em sistema de internato e duas se-
manas com a família em suas comunidades e, nesses tempos e espaços, recebem o
acompanhamento dos monitores e das famílias.
A Escola Família Agrícola adota essa Pedagogia e, com base em seus princí-
pios e instrumentos pedagógicos, oferece uma formação integral e libertadora, prin-
cipalmente para os filhos de camponeses, valoriza a agricultura familiar e a agroe-
cologia, por meio de um projeto de Campo e de sociedade emancipadores (AMEFA,
2018).
O texto encontra-se organizado em 4 partes; no primeiro e segundo itens, é
apresentado o conceito de EFA, as especificidades da atuação profissional e os de-
safios do monitor nos tempos e espaços que permeiam a Pedagogia da Alternância.
Em seguida, são sistematizados os resultados e discussão desse estudo, revelando
a complexidade da profissão monitor de EFA e suas nuanças e, por fim, são tecidas
as considerações finais, que apontam a necessidade de outras reflexões, tais como
sobre o lugar ocupado pelo monitor de EFA na sociedade, na política e na Educação
do Campo.
São objetivos deste relato de experiência discutir a relação do monitor com a
Pedagogia da Alternância e identificar os desafios enfrentados pelos educadores na
atuação profissional. Atendendo ao propósito deste trabalho, adotou-se a metodolo-
gia de sistematização da experiência vivida pela autora na Escola Família Agrícola
Tabocal, localizada no município de São Francisco, Minas Gerais. A discussão teó-
rica baseia-se em leituras feitas em Veiga (1998), Begnami (2003), Marirrodriga e
295
Calvó (2010), Cruz (2014), Freitas (2015) e AMEFA (2018). A escolha desses textos
pauta-se pela relevância do conteúdo para a discussão sobre o monitor de EFA e as
especificidades da profissão, pois apresentam um diálogo que permeia a relação do
monitor com a Pedagogia da Alternância em diferentes tempos, espaços e contextos,
discute a profissionalização docente, atuação e a importância desses educadores
para as EFA e a Educação do Campo.
Por meio desse relato, é possível identificar elementos que sustentam a impor-
tância dos monitores para as EFA, a Educação do Campo e demais educadores e
espaços formativos, revela os desafios e enfrentamentos diários desses profissionais
que buscam a materialidade de uma educação numa nova perspectiva de formação
humana e profissional.
296
adolescentes, mas também, de jovens e adultos”.
Os 4 pilares fundamentais dos CEFFA são classificados em dois princípios-
-meios, a associação e a alternância, e dois princípios fins, a formação integral e o
desenvolvimento do meio. Os primeiros, intitulados meios, proporcionam a mate-
rialidade dos considerados finalidades, e assim são tidos como indissociáveis, pois
dialogam entre si e não funcionam de forma fragmentada.
No cumprimento da sua função social, a EFA, sustentada pelos princípios da
Pedagogia da Alternância, proporciona para os jovens e adultos uma formação que
perpassa as áreas técnica, profissional, humana, intelectual, ética e espiritual, que
se tornam mecanismos para concretizar o desenvolvimento do espaço onde vivem.
A EFA é um espaço educativo com princípios, ideologias e práticas que a carac-
teriza e faz tornar possível uma formação humana, crítica e que busca a emancipa-
ção, sobretudo dos camponeses que, na história, foram invisibilizados pelas políticas
educacionais.
297
ele quem apoia e contribui com cada jovem, convertendo-se em seu amigo fiel, orien-
tador no âmbito intelectual, profissional e humano (MARIRRODRIGA; CALVÓ, 2010).
Dessa forma, para atuar como monitor é necessário que se tenha habilidades
múltiplas que não se limitam ao saber pedagógico e técnico, uma vez que deve con-
siderar a totalidade e a complexidade da Pedagogia da Alternância. “O monitor deve
ser capaz de suscitar a vocação formadora das famílias e responsáveis de alternân-
cia durante a estadia dos alunos no meio socioprofissional. Portanto, é um formador
de adultos, além de um formador de jovens” (MARIRRODRIGA; CALVÓ, 2010, p.75).
Diante dessas considerações é importante entender por que o uso do termo
monitor e não professor.
O termo monitor
298
monitores pela organicidade da sessão escolar, que consiste em dividir e acompa-
nhar as tarefas (atividades práticas) diárias a serem desempenhadas pelos alunos,
tais como os cuidados e limpeza do espaço escolar. Também é função do monitor
acompanhar a organização dos dormitórios, supervisionar os horários a serem cum-
pridos pelos estudantes que compreendem os momentos de acordar, de realizar as
atividades práticas, de estar em sala de aula e de manter silêncio no período noturno.
Além disso, ele deve acompanhar a disciplina dos alunos e orientá-los no cumpri-
mento das normas internas da instituição.
A equipe de monitores também se ocupa das atividades que envolvem os ins-
trumentos pedagógicos, que são elementos essenciais para a concreticidade da Pe-
dagogia da Alternância, como a Tutoria que é o acompanhamento personalizado feito
pelos monitores a um grupo de alunos, o que permite o estreitamento do vínculo com
as famílias dos jovens por meio do Caderno de Acompanhamento e a construção do
Plano de Estudo. Esse Plano consiste na organização e elaboração dos enfoques de
pesquisa, assim como a sistematização das informações da pesquisa, em conjunto
com os estudantes por meio da colocação em comum e síntese coletiva.
Outra atividade sob responsabilidade dos monitores é o planejamento e acom-
panhamento dos estudantes na Visita e Viagem de Estudo, tendo em vista o tema do
Plano de Estudo trabalhado. Nessa atividade, eles buscam parceiros para promover
a Intervenção Externa, momento de troca de experiências acerca do tema do Plano
de Estudo. As orientações e acompanhamento do Estágio, do Projeto Profissional do
Jovem, e do Caderno da Realidade, são outras funções atinentes ao monitor (MA-
RIRRODRIGA; CALVÓ, 2010).
Diante disso, percebe-se que “a concepção de espaço e tempo do monitor da
EFA e do ‘professor tradicional’ é diferente, incluem atribuições e um comportamento
diferenciado diante da proximidade com os alunos e suas famílias, comunidades que
ocorre na escola de Alternância” (FREITAS, 2015, p.145).
Considerando-se as atribuições e o papel do monitor da EFA, “a seleção e a
formação dos formadores é um problema considerável” (MARIRRODRIGA; CALVÓ,
2010, p.70), tanto a inicial quanto a continuada, para o movimento das EFA, a Edu-
cação do Campo, os estudantes e famílias. Desse modo, é pertinente enfatizar que
a formação inicial do monitor para atuar na Educação Básica é mediante a formação
299
em curso superior de licenciatura (VEIGA,1998), assim como para os demais profes-
sores.
Nesse sentido, Veiga (1998, p. 84) acentua que “a profissionalização do magis-
tério implica necessariamente ressaltar a importância da articulação entre a formação
inicial e a continuada. [...] e ambas complementam-se como elementos essenciais
à construção da identidade profissional”. Diante do exposto, é oportuno considerar:
como a formação inicial e continuada dos monitores é percebida pelas EFA?; a for-
mação inicial em curso de licenciatura tem sido considerada como um fator impor-
tante para docência nas EFA? Essas são provocações que demandam reflexões
importantes para a comunidade escolar e a Educação do Campo.
Cruz (2014, p.102) ressalta que
[...] ser monitor na EFA e cumpridor de seu papel de formador crítico vai muito
além de ministrar disciplinas e aplicar os instrumentos da pedagogia da alter-
nância, na medida em que exige o seu compromisso pessoal, ético e política
com a vida dos estudantes e suas famílias [...].
300
RESULTADOS E DISCUSSÃO
301
É interessante sublinhar, também, que na atuação do monitor na EFA, por
meio do convívio diário, constrói-se o vínculo afetivo entre a equipe de trabalho com
os alunos, as famílias, e existe uma troca e uma aprendizagem contínua nos espaços
e nas relações construídas através do movimento da Pedagogia da Alternância.
Há, portanto, possibilidades e provocações que propõem debates e reflexões
acerca da Educação do Campo, das EFA e dos monitores, no que diz respeito aos
saberes, as lutas e a resistência desses espaços e sujeitos.
CONCLUSÃO
302
debates e (re) construção de concepções acerca do profissional monitor, sua atuação
e sua importância. E, para outras discussões, é relevante indagar “qual lugar é ocu-
pado pelo monitor de EFA na sociedade, na política e na Educação do Campo? ” O
que demanda outras reflexões.
REFERÊNCIAS
303
10.48209/978-22-CAMPO6-7-2
ESCOLAS DO CAMPO E
COMUNIDADES: POSSIBILIDADES
DE FORTALECIMENTO DIANTE DA
AMEAÇA DO FECHAMENTO
Vanessa Dal Canton86
Carine Busatto 87
Adivane Bresolin88
305
e formação. Participou da pesquisa um aluno de cada ano (5º, 6º, 7º, 8º e 9º) a
partir da aprovação da direção das escolas e convite aos mesmos que se reuniram
em sala separada dos demais para responder ao questionário. Como membros da
comunidade, foi entrevistada uma pessoa do Círculo de Pais e Mestres, o presidente
da comunidade, dois pais e/ou mães de alunos da respectiva escola e um membro
da comunidade que não tenha filho estudando na escola. O objetivo da entrevista
era ter a opinião destas pessoas quanto à representatividade da escola para o
desenvolvimento e/ou manutenção da comunidade.
Para compor o quadro teórico da pesquisa utilizou-se de um estudo bibliográfico
acerca das concepções básicas da Educação do Campo, com o objetivo de
contextualizar, compreender e balizar a realidade a ser estudada. Num segundo
momento do trabalho foi realizada a coleta, análise e interpretação dos dados que
expressaram a realidade pesquisada, no intuito de conhecer o desenho da educação
do campo nos municípios de Frederico Westphalen, Iraí e Liberato Salzano. Assim
também está organizado este trabalho.
A pesquisa de cunho qualitativo buscou responder a inquietação inicial deste
projeto trazendo para dentro do processo os atores que fazem parte dele e assim,
buscar possibilidades juntos, pois, a resposta deve vir do interior sendo trabalhada de
forma horizontal. Teve-se como preocupação inicial levar à comunidade a discussão
sobre a importância de se permanecerem abertas as escolas do campo, já que elas
se incluem num projeto maior que configura a manutenção das comunidades e da
vida no meio rural. Além disso, as entrevistas e questionários responderam de forma
positiva, na sua grande maioria, alternativas de fortalecimento das escolas do campo.
306
sociais foram realizadas em busca de dar visibilidade à importância deste modo de
vida e modalidade de ensino.
Os movimentos se organizavam em torno de um objetivo, criar uma política que
favorecia e defendia a identidade desse grupo para garantir uma Educação que seja
no Campo e do Campo. Pois, estavam convictos de que “No Campo”, teriam suas
escolas no lugar onde viviam, e “Do Campo”, teriam uma metodologia pensada e
planejada para essa realidade. Como exemplifica Caldart (2002, p. 26): “No, o povo
tem direito a ser educado no lugar onde vive. Do, o povo tem direito a uma educação
pensada desde seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais.”
É neste sentido que a educação do campo continua sendo um desafio para o
Brasil, pois existe uma diferença social e política da educação rural. O movimento
de busca por uma educação adequada à realidade dos sujeitos do campo iniciou-
se basicamente pela luta ao acesso a terras, já que no Brasil, a disparidade em
quantidade de área de terras é enormemente assustadora. A questão educacional
vem em seguida para reforçar esse movimento, criar mais sustentação e resistência
para manter essa estratégia do modo de vida.
A educação do campo trabalha através do diálogo, está vinculada aos valores da
participação e democracia. São ações exercidas pelo povo e para todos. A educação
do campo é vinculada a uma forma de vida específica que foi conquistada através
de muitas lutas e mobilizações sociais. Para tanto, é uma modalidade de educação
pensada, criada e planejada pelos indivíduos do campo para o educando que vive
no campo. Certamente com um propósito único e direcionado para essa população
que apresenta constantes situações de dificuldades no modo de vida e de produção
em geral.
Conforme a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul – SEDUC/RS (2018),
a educação do campo envolve diversos níveis e modalidades de ensino, possui
legislação própria e está vinculada a um projeto de desenvolvimento sustentável,
articulado com outras instituições ligadas ao meio rural. O objetivo é qualificar os
espaços escolares e garantir o acesso à educação, contribuindo para a permanência
dos jovens no meio rural.
307
Para garantir que este projeto de educação do campo se desenvolva com
efetividade é fundamental que os profissionais tenham acesso à formação específica
para trabalhar com tal realidade. Não é possível estabelecer relação entre educação
e trabalho quando não se consegue adentrar na realidade daqueles com quem se
trabalha. Preocupado com esta dificuldade, Pinto (1981 apud RIBEIRO, 2012, p.
296) refere-se aos professores justificando que eles “não recebem uma formação
adequada para lidar com a realidade do campesinato, por isso seu desinteresse em
estabelecer relações com as comunidades, quando encaminhados a trabalhar nas
áreas rurais.”
De fato, a formação dos profissionais deveria estar na base de um plano ou
projeto da educação do campo. Se não existe formação adequada, também não
pode haver interrogações sobre um trabalho educativo que não vá ao encontro de
práticas em favor do campo. No entanto, tem-se conhecimento de exemplos de
escolas do campo que conseguem fazer a diferença mesmo enfrentando uma série
de dificuldades. Exemplos estes que têm conseguido força suficiente para evitar o
fechamento de escolas.
308
fatores. Com todos os pontos ressaltados pode-se sim haver uma grande transforma-
ção na educação do campo.
As Diretrizes Complementares da Educação Básica do Campo (2008) afirmam
o oferecimento das condições para a viabilidade de quaisquer atividades com respeito
às diversidades dos sujeitos do campo. As diretrizes asseguram ainda que as escolas
do campo devem oferecer todo acervo pedagógico e de infraestrutura, o qual seria
nada mais que um direito de qualquer aluno usufruir. Porém, como mencionado nas
entrevistas das escolas pesquisadas, não é assim que acontece na realidade. As
escolas têm dificuldade para manter estruturas físicas básicas, pois, são poucos os
recursos devido ao baixo número de alunos e o repasse ocorre a partir da quantidade
de matrículas.
Conforme observado nos relatos, nos últimos anos, escolas do campo são
ameaçadas por políticas que afirmam “reduzir gastos” e pela diminuição do número
de alunos. Políticas que não consideram que os alunos têm direito de acessar uma
educação de qualidade com propósitos afins a sua realidade. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) garante em seu Artigo 28 a oferta
de um sistema de ensino diferenciado para o campo que promova as adaptações
necessárias à sua adequação, levando em consideração às peculiaridades do
campo. Neste sentido, os conteúdos e metodologias são organizados de acordo com
a realidade levando em consideração o ciclo agrícola e as condições climáticas de
cada região.
Observa-se nos municípios das escolas entrevistadas que comunidades que
não possuem escolas em funcionamento são comunidades com menos moradores
e com participação reduzida em qualquer que for o evento. Pode-se dizer então que
uma escola fechada contribui para o enfraquecimento da comunidade na qual está
inserida. São notáveis as diferenças de comunidades que possuem escola funcio-
nando, pois, são mais ativas, mais participativas e organizadas. Parece que existe
um ânimo diferente, algo que move as pessoas a se empenharem por uma mesma
causa. Este é um bom motivo pela luta de permanência das escolas do campo.
Neste sentido, as escolas podem colaborar para a permanência dos jovens no
campo, utilizando-se de ferramentas que venham contribuir, incentivar, fortalecer o
309
gosto pelas atividades agrícolas, que deem embasamento para o cultivo de alimen-
tos, a geração de empregos, renda e qualidade de vida no campo.
Com relação ao papel das comunidades no enfrentamento da ameaça de
fechamento das escolas do campo, pode ser citada a lei 12.960/2014 que acrescenta
ao artigo 28 da LDB 9394/96 o seguinte:
É nesta ótica que a comunidade se faz muito importante na luta contra atos
de governos que pretendem fechar escolas do campo. Se a lei deixa claro que as
escolas juntamente com suas comunidades podem reivindicar adaptações e melhoras
para incentivar o aluno a permanecer no campo, acredita-se que as escolas serão
fechadas se a comunidade escolar não estiver preparada para lutar pelo direito de
permanência no campo.
310
utilizados na merenda escolar. Como o terreno da escola é muito extenso, cultivamos
batata-doce, milho, amendoim, feijão e mandioca, além de árvores frutíferas.”
A Escola 2 afirma que quando possível desenvolve ações voltadas à perma-
nência do jovem no campo. Aborda como exemplos, a participação em Feiras, Dias
de Campo e outras atividades em parceria com a Emater/RS ASCAR. Com relação
à aproximação com esta entidade de extensão rural, as outras duas escolas também
afirmam sua contribuição, mas é enfatizada pela Escola 3 que afirma ter a presença
dos extensionistas durante todas as ações principais que dizem respeito à agricultu-
ra.
As Escolas 1 e 3 já sofreram ameaças de fechamento. Os principais motivos
são: o baixo número de alunos e corte de gastos. Conforme relato dos profissionais
da Escola 3, no início do ano (2018) a mesma foi informada pela SEDUC - Secretaria
da Educação do Rio Grande do Sul - que funcionaria em apenas um turno, porém,
com a mobilização e o apoio da comunidade, foi revertida esta situação. Os docentes
reiteram que o que teve grande influência para o não fechamento foram as ações
desenvolvidas através do projeto voltadas a atividades do campo e isto levou a um
comprometimento ainda maior da equipe escolar com a comunidade em geral.
É possível perceber a influência de projetos como os citados acima e a presença
da comunidade no momento de tomar a decisão de fechar uma escola do campo.
Assim, o exemplo da Escola 1 demonstra a força do povo unido por uma mesma
causa já que a escola foi ameaçada de fechamento em duas ocasiões, conforme
explica:
311
projetos e/ou práticas voltadas à realidade do campo é a que mais se destaca seguida
de uma formação adequada aos profissionais e o aumento do número de alunos.
Correlacionada ao baixo número de alunos, realidade enfrentada pela maioria
das escolas do campo, está a dificuldade financeira e a falta de recursos humanos,
o que por vezes acarreta na sobrecarga de trabalho como relata a Coordenadora
Pedagógica da Escola 1: “Por ser uma escola com um número baixo de alunos, dis-
pusemos de poucos recursos humanos, uma vez que são vários projetos desenvolvi-
dos, sobrecarregando alunos, professores, funcionários e, principalmente, direção”.
Sobre a dificuldade financeira, a Diretora da mesma escola complementa: “[...] O que
mantém financeiramente nossa escola é a Nota Fiscal Gaúcha que desenvolvemos
um grande trabalho e a produção de alimentos na própria escola, também tenho que
ressaltar a contribuição dos pais.”
Abaixo são relacionadas todas as alternativas que os docentes afirmam ser
importantes para o fortalecimento das escolas do campo e as dificuldades que estas
enfrentam. Em negrito, as respostas que apareceram com mais frequência.
312
As escolas que relataram terem sofrido ameaça de fechamento, enfatizaram
o baixo número de alunos como principal motivo para esta atitude de governantes.
De fato, isto é uma dificuldade real das escolas, haja vista, o campo possui menos
gente e as famílias têm menos filhos. Reunir alunos de duas escolas do campo é uma
alternativa apresentada por uma moradora da Comunidade 1. No município existem
duas escolas próximas, porém, uma estadual (Escola 1 que participou da pesquisa)
e outra municipal. A sugestão dela é que os alunos da municipal (são em menor
quantidade) viessem estudar na estadual. Esta é uma possibilidade já enunciada
pela Administração Municipal aos docentes da escola, porém, estes rejeitaram de
imediato até o presente momento.
Conforme docentes da Escola 2, outra dificuldade que enfrentam é a
desmotivação e desinteresse dos alunos. Segundo eles, a maioria dos pais delega
suas funções para a escola, não cumprindo seu papel primordial em casa. A escola
responsabilizada por este e outros tantos compromissos, não consegue dar conta,
fazendo aquilo que pode com o que tem, convivendo ainda com a desvalorização
profissional.
No que tange a participação da comunidade na vida escolar, a Escola 1 enfatiza
sua realidade como bastante positiva, relatando a participação ativa dos pais quando
convidados para virem à escola e fazem muitas doações de alimentos, principalmente.
Avaliam como excelente e de suma importância o envolvimento das famílias na vida
escolar. A Escola 2 entende que a comunidade poderia participar mais e a Escola 3,
comenta que ainda algumas famílias não se envolvem na vida escolar, outras têm
resistência em participar, mas quando solicitadas, a maioria participa.
Em face do exposto, salienta-se que o espaço rural apresenta-se como um es-
paço de possibilidades. Sobre isto, Arroyo et al (2004, p.15) diz que:
Esta visão do campo como um espaço que tem suas particularidades e que é
ao mesmo tempo um campo de possibilidades da relação dos seres humanos
com a produção das condições de sua existência social, confere à educação
do campo o papel de fomentar reflexões sobre um novo projeto de desenvol-
vimento e o papel do campo neste projeto. Também o papel de fortalecer a
identidade e a autonomia das populações do campo e ajudar o povo brasileiro
a compreender que não há uma hierarquia, mas uma complementaridade:
cidade não vive sem campo que não vive sem cidade.
313
A educação do campo precisa ser pensada a partir das singularidades de cada
espaço valorizando os saberes populares e a cultura dos seus sujeitos. Assim, é que
a proposta pedagógica de cada escola precisa ser configurada como práticas edu-
cativas em favor dos sujeitos do campo a partir das suas realidades diversas, pois,
torna-os atores e autores do próprio processo educativo relacionando seus conhe-
cimentos empíricos com saberes científicos que impulsionam a transformação do
espaço onde vivem e produzem.
A entrevista com discentes buscou conhecer a representatividade da escola
para suas vidas e formação. Para elucidar as respostas dos alunos, apresenta-se
abaixo a figura que aborda a partir de palavras-chave o que mais ficou saliente nas
respostas de acordo com as respectivas interrogações:
314
aulas são mais proveitosas e com isso há uma melhor aprendizagem e tornam
os alunos unidos e participativos e nós respeitamos os professores.
A escola colabora com nossa permanência no campo porque é ali que apren-
demos como devemos trabalhar para poder em casa praticar, onde aumenta
o amor pela terra, é na escola que aprendo que devo comer alimentos saudá-
veis e sem agrotóxico através de palestras e de práticas.
315
bagagem de conhecimentos ampliada. Além disso, “‘educar é humanizar’, é cultivar
os aprendizados de ser humano”. (CALDART, 2003, p. 52). As pessoas aprendem
umas com as outras, aprendem fazendo, lutando, produzindo e reproduzindo cultura,
afirma a autora.
Em conversa com membros das comunidades, envolvendo pais/mães de
alunos, representante do Círculo de Pais e Mestres e presidente da comunidade,
buscou-se compreender qual a representatividade da escola para o desenvolvimento
e/ou manutenção da comunidade. De maneira geral, pode ser afirmada a grande
importância de uma escola para a comunidade. Os entrevistados reconhecem que na
relação de troca que há entre uma e outra, acontece a valorização e reconhecimento
das pessoas e do lugar onde vivem. A escola representa vida ativa das pessoas que
a constituem e estas por sua vez, envolvem-se com as causas da escola de maneira
comprometida e atuante.
Na figura abaixo, é possível visualizaras as principais respostas que foram
obtidas durante entrevistas.
316
Nas três escolas, há a ocorrência de respostas que afirmam a participação da
comunidade em eventos organizados pela escola. Na Escola 1, por exemplo, aconte-
ce o envolvimento de uma para com a outra, ou seja, quando acontecem eventos na
comunidade, a escola colabora nos trabalhos, assim, a escola pode também contar
com a ajuda dos membros da comunidade em suas programações. “Na escola a gen-
te se sente em casa”, afirma um membro do Conselho da comunidade da Escola 1.
Vale ressaltar as colocações do presidente do Conselho Escolar e de um mem-
bro da comunidade da Escola 1 quando afirma que essa aproximação que exis-
te entre comunidade e escola depende muito das pessoas que fazem a gestão de
cada um dos locais. “O gestor carrega os demais para o mesmo rumo” – afirmam.
O exemplo disso é a premiação que a escola ganhou com o trabalho feito acerca da
Nota Fiscal Gaúcha e a colaboração da comunidade com a merenda escolar. Outra
iniciativa é a oferta de cursos ministrados pela Emater/RS ASCAR dentro da escola,
oportunizando a participação não só de alunos, mas também da comunidade.
“Poderia haver mais incentivo por parte do governo às escolas do campo, assim
os jovens se motivariam a ficar no campo ao invés de ir até a cidade para estudar”,
sugere um pai/mãe de aluno da Escola 1. Uma proposta educativa para o campo
precisa se preocupar com o desenvolvimento deste espaço como um todo não o vi-
sualizando como um mero instrumento de reprodução do sistema capitalista vigente.
Assim, a educação do campo configura-se como importante instrumento, mas não o
único, para desenvolver este espaço em seus aspectos sociais, econômicos e am-
bientais.
317
CONCLUSÃO
318
ameaças de fechamento. Os projetos que envolvem os alunos em ações com hor-
ta, pomar, estufa, jardinagem entre outros cultivos, demonstraram ser instrumentos
colaboradores no fortalecimento de vínculo com a terra, com a origem, com o lugar,
enfim, pode-se resumir em vínculo de pertencimento. As respostas quanto à repre-
sentatividade da escola aos alunos pode comprovar esta afirmação. Mesmo peque-
nos, reconhecem a escola como “segunda casa” e já apresentam alternativas de luta
contra o fechamento. Isto significa preocupar-se com uma instituição que é importan-
te na vida deles.
A comunidade por sua vez reconhece e enaltece o valor de uma escola no e
do campo. As pessoas se mostram mais ativas, organizadas, comprometidas, preo-
cupadas com uma causa maior, ou seja, com a formação e permanência dos jovens
no campo. Talvez, ainda seja necessário, buscar mais pessoas para a luta, não só da
comunidade, mas também lideranças e/ou representantes de entidades que possam
colaborar com projetos que venham ao encontro do fortalecimento de práticas edu-
cativas que somem num plano de permanência das escolas do campo.
Diante disso, tem-se o reconhecimento do papel fundamental dos profissionais
da educação que promovem todas estas ações. Mesmo com dificuldades de falta de
recursos humanos e financeiros, com lacunas na formação, as escolas conseguem
fazer a diferença e integrar a comunidade escolar em suas ações. Sabe-se que o
educador do campo precisa cada vez mais se comprometer com a educação e com
os sujeitos que ali se encontram conhecer as peculiaridades culturais, sociais, eco-
nômicas e políticas do campo.
A educação do campo é fruto de muitas lutas, principalmente dos movimentos
sociais, para tanto não pode cair no esquecimento de governos e lideranças, pois ela
está inserida num projeto maior que engloba o desenvolvimento das pessoas e do
lugar onde vivem e produzem. Cada vez mais, se faz necessária a articulação entre
escola e comunidade local, entre os conhecimentos científicos e saberes/fazeres do
campo.
Práticas de fortalecimento são importantes pontos de apoio da escola do cam-
po. Inicialmente, a legislação específica assegura direitos, assim, a escola precisa fa-
zer sua parte ou continuar fazendo, com ações voltadas ao campo com a integração
319
cada vez maior da comunidade. Tais práticas de fortalecimento só serão desveladas
dentro do próprio processo e movimento feito por seus atores sociais. Por isso, a
importância de olhar para si e para os arredores contrastando tal realidade com um
projeto global.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei n.º 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ministé-
rio da Educação. Brasília, 1996.
CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo. In: Caldart, R.S.; Pereira, I.B.;
Alentejano, P.; Frigotto, G. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro,
São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
CALDART, Roseli Salete. Movimento Sem Terra: lições de Pedagogia. Revista Cur-
rículo sem Fronteiras. V. 3, nº 1, p. 50-59. 2003.
MOLINA, Mônica Castagna; SÁ, Lais Mourão. In: Caldart, R.S.; Pereira, I.B.; Alentejano,
P.; Frigotto, G. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
320
RIBEIRO, Marlene. Educação Rural. In: Caldart, R. S.; Pereira, I. B.; Alentejano, P.;
Frigotto, G. (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
321
10.48209/978-23-CAMPO6-7-2
89 Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Educação pela Uni-
versidade Federal da Paraíba. Caicó/RN. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6288-9405, Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6705733173478276, [email protected].
90 Graduação em Física pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduação em Peda-
gogia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestrado em Educação pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa/PB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7067072831352386, OR-
CID: https://orcid.org/0000-0002-5497-0147, [email protected]
91 Docente do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Alagoas Campus Marechal Deo-
doro e da rede pública municipal de Porto Calvo/AL. Doutorando em Geografia pela Universidade
Federal de Santa Maria, Estudiante del Doctorado en Ciências de la Educación pela Universidad
Interamericana. Maceió/AL, Brazil, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1266-2557, Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5955679764505968, [email protected]
INTRODUÇÃO
323
de Educação de Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional
(BRASIL, 2018). Desta maneira, é um programa específico para os jovens da modali-
dade da educação de jovens e adultos, entretanto se exclui os adultos do Programa,
uma vez que o limite da idade é de 18 aos 29 anos de idade.
Para fazer jus a problematização que subsidia a presente pesquisa, qual seja,
como está presente a ordem do discurso da qualificação para os camponeses? Lan-
çamos mão da metodologia que foi desenvolvida pelo procedimento da análise ar-
queológica do discurso (AAD) de Michel Foucault (2010). Para fins de escavar os
enunciados acerca da profissionalização dos sujeitos do campo, bem como descre-
ver a formação técnica específica para a cultura dos camponeses. Em sendo assim,
o Programa será analisado destacando os enunciados sobre a profissionalização e
formação técnica, correspondente à qualificação dos jovens e adultos do campo.
Por conseguinte, o programa é uma iniciativa interessante que promove a inclu-
são social dos jovens e adultos do campo, entretanto o seu modus operandi tal como
enunciado “tempo escola e tempo comunidade” o tempo comunidade apresenta es-
pecificidades lacunares que promova a qualificação dos jovens para atuarem melhor
nos manejos cultivares.
324
respeito da identidade individual, das diferenças e singularidades. É um espaço de-
mocratizado e de autonomia do protagonismo dos sujeitos em sua diversidade.
Para Freire em educação como prática da liberdade, declara que o círculo de
cultura promove a liberdade a participação, assim é definido que:
325
Quadro 1: estrutura pedagógica do caderno do programa ProJovem Campo – Sabe-
res da Terra
Problematização
Síntese
Síntese
provisórias
Pesquisa
Síntese geral
Tempo escola de
Círculos de diálogo
Educativos
Mapeamento por
acolhida Integração de
Instrumentais
desenho
Base conceitual e
saberes
Operativos
Socialização dos
metodológica Jornadas
saberes
pedagógicas
Continua e
Grupos de estudo e
processual
de trabalho
326
enunciadas, evidenciadas, mostradas, sinalizadas.
Ao que concerne aos enunciados Foucault (2010, p. 36) menciona que “os
enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no tempo formam um conjunto, se
referem a um único e mesmo objeto”. O objeto enunciativo é a educação de jovens,
adultos e idosos como direito para os povos do território camponês, que será esca-
vado nos documentos supracitados. Logo, “o conjunto de enunciados está longe de
relacionar com um único objeto, formado de maneira definitiva, e de conservá-lo in-
definidamente como horizonte de realidade inesgotável” (FOULCAULT, 2010, p. 36).
Isso porque os enunciados estão sempre em reelaboração, as causas da EJAI para
os povos do campo são diversas e há uma realidade inesgotável e indefinida de pro-
blematizações, por isso que há regularidade enunciativa, pois em algum momento os
enunciados se intercruzam.
Para Foucault (2010, p. 37) define um conjunto de enunciados no que ele tem
de individual consistiria em descrever a dispersão desses objetos, apreender todos
os interstícios que os separam, medir as distâncias que reinam entre eles – em ou-
tras palavras formular sua lei de repartição. Desta forma, não dá para abordar os
mesmos sujeitos de duas modalidades educacionais sem considerar o conjunto de
enunciados específicos de cada modalidade e dos seus sujeitos. Dentro do conjunto
de enunciados existem o que Foucault (2010, p. 40) denomina de “uma unidade dis-
cursiva se a buscássemos não na coerência dos conceitos, mas em sua emergência
simultânea ou sucessiva, em seu afastamento, na distância que os separa e, even-
tualmente em sua incompatibilidade”. Desta feita, a unidade discursiva está presente
no que emerge de forma simultânea ou sucessiva, distância e incompatibilidade, isto
é, as dispersões.
A unidade discursiva acontece conforme também regular, a saber por regulari-
dade Foucault (2010, p. 42) afirma que “uma ordem em seu aparecimento sucessivo,
correlações em sua simultaneidade, posições assimiláveis em um espaço comum,
funcionamento recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas”. É interessante,
que a regularidade pode ocorrer na dispersão, isto é, a depender da posição que
o sujeito ocupa em relação ao objeto. Como já fora enunciado, os objetivos que
permeiam a presente reflexão é descrever a ordem do discurso enunciado nos do-
cumentos brasileiros da Educação de Jovens, Adultos e Idosos para os campone-
327
ses; escavar nos documentos legais sobre as práticas pedagógicas específicas para
contemplar a identidade a cultura dos camponeses e mapear os materiais didáticos
necessários para a promoção do ensino-aprendizagens aos camponeses.
Assim sendo, a formação discursiva que se forma em relação aos objetivos
supracitados conduz ao procedimento analítico e argumentativo acerca do objeto de
estudo. Para Foucault (2010) há uma complexidade no procedimento da formação
discursiva, pois
328
Teoria Crítica Geral da Educação” (AGRICULTURA FAMILIAR, 2010).
Para promover a qualificação profissional, um enunciado que aparece onze ve-
zes no caderno do educador, como a qualificação de jovens voltada para a formação
e o fortalecimento de espaços de organização social, oportunidades de qualificação
técnica e tem como objetivo proporcionar um certificado de qualificação profissional
nas cinco ocupações do arco ocupacional produção rural familiar (AGRICULTURA
FAMILIAR, 2010). As cinco ocupações que permeiam o arco ocupacional são “Sis-
temas de Cultivo, Sistemas de Criação, Extrativismo, Aquicultura e Agroindústria”
(AGRICULTURA FAMILIAR, 2010, p. 17).
329
Figura 2 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 2
330
Figura 3 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 3
331
Figura 4 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 4
332
Figura 5 - Caderno Pedagógico Educadoras e Educadores 5
333
A Educação popular é um movimento próprio que enseja na atuação dos mo-
vimentos sociais que prima pelos processos de transformação social. Nesta pers-
pectiva, importa ressaltar que a Educação popular contribui para a atuação de forma
protagonista dos sujeitos que antes eram narrados pelos quem detinham o poder e
hoje o jargão dos processos educativos está nas mãos dos coletivos de direito. Deste
modo é assinalado por Xavier (2019, p. 2) assinala sobre o discurso, pois
334
Ao escavar o Documento base nacional de preparação a VI CONFINTEA (2008),
houve uma ressalva importante sobre o ProJovem Campo – Saberes da Terra, pois
ficou enunciado que, a:
335
Ressalta-se que geograficamente os estados da região Nordeste se destacam
com as demandas dos jovens e adultos do campo, a interrogação que fica é: todas
as vagas disponíveis são ocupadas, ou seja, a matrícula é efetivada? Como erradicar
o analfabetismo com números expressivos de vagas disponíveis? A realidade política
pode ter implicações nestes dados, pois é preciso fazer valer a intersetorialidade do
programa para que de fato tenha êxito e que a elevação do nível de escolarização e
a qualificação profissional possam subsidiar a transformação e a emancipação social
dos jovens e adultos que compõem a EJAI.
Assinalações conclusivas
A presente pesquisa possibilitou escavar nos cadernos do Programa ProJovem
Campo Saberes da Terra a regularidade enunciativa sobre qualificação profissional
voltada para os jovens do campo que integram também a modalidade da educação
de jovens e adultos, assim a formação técnica se destaca em todos os cadernos,
com menos regularidade no caderno 3, este trata do exercício da cidadania dos jo-
vens, bem como da inserção dos jovens nas políticas públicas.
A estrutura pedagógica dos cadernos escavados foi possível identificar que
está concernente com o círculo de cultura vivenciado no movimento da educação
popular, uma pedagogia essencialmente democrática, onde os que ensinam e apren-
dem são conectados pelo diálogo, tendo assim o respeito expressivo as culturas e
identidades dos sujeitos envolvidos no círculo de cultura, é um movimento onde os
alunos falam, escrevem, desenham, vão a aulas de campo, fazem pesquisas, inter-
venções técnicas, aulas práticas, buscam, criam e são protagonistas do conhecimen-
to no movimento duplo de socializar o que sabe e de saber o que ainda não sabia.
Nesta pesquisa, de/enunciamos um achado importante neste programa, pois
ele não promove o acesso e a permanência de todos os sujeitos que não tiveram a
escolarização na idade própria, por ser um programa voltado aos jovens de 18 aos
29 anos, inviabilizando assim a universalização da educação e a erradicação do
analfabetismo.
Vale salientar que por se tratar de um programa, não chega a todos os mu-
nicípios e estados, uma vez que é por aderência, e deste modo, nem todas as au-
toridades políticas estão voltadas para as especificidades do campo, é tanto que o
336
ProJovem urbano sempre tem mais matrículas disponíveis do que o ProJovem rural.
A formação técnica é destacada com ênfase nos cadernos 1, 2, 4 e 5, sobretudo
no 5 caderno que trata especificamente do Desenvolvimento Sustentável e Solidário
com Enfoque Territorial, no nosso modo de entender sobre as práticas dos cultivares,
das criações e de todo o labor que permeia a vida do homem e da mulher do campo.
Desse modo, a ordem do discurso da qualificação profissional para os camponeses,
evidencia a necessidade para além do ler e escrever, dando ênfase a qualificação
profissional para o desenvolvimento de uma agricultura familiar e sustentável. Assim
sendo, a educação dos jovens e adultos que vivem no campo brasileiro é viabilizada
pelo programa ProJovem Campo – Saberes da terra com dupla finalidade a elevação
do nível de escolaridade e a qualificação profissional e social destes sujeitos de di-
reito, fomentando uma formação integral por meio da prática da educação popular e
seus círculos de cultura, com diálogo, respeito aos múltiplos sujeitos e aos múltiplos
saberes.
REFERÊNCIAS
ALCÂNTRA, Marcos Angilus Miranda de; CARLOS, Erenildo João. Análise arqueo-
lógica do discurso: uma alternativa de investigação na educação de jovens e adul-
tos (EJA). Intersecções (Jundiaí), v. 6, p. 59-73, 2013.
337
BRASIL. Economia solidária: caderno pedagógico educadoras e educadores /
Coordenação: Armênio Bello Schmidt, Sara de Oliveira Silva Lima, Wanessa Zavare-
se Sechim. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2010.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 6. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra,
1967.
338
10.48209/978-24-CAMPO6-7-2
A POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA
E DE TRANSFORMAÇÃO HUMANA
NAS VIVÊNCIAS DE FABRICAÇÃO
ARTESANAL DE ERVA-MATE
Moisés da Luz92
Marcelo Vaz Pupo93
340
cial desde os tempos das colônias espanholas e portuguesas, é então incorporada
ao modo de vida desses imigrantes, que passam a manejá-la e processá-la artesa-
nalmente, ampliando assim a rede de relações socioeconômicas em torno do mate.
A reprodução de práticas de conhecimento necessárias para a qualidade de
vida das comunidades humanas é um traço do campesinato latino americano. O
exemplo da erva-mate ilustra bem essa afirmação, de modo que buscamos eviden-
ciar, neste capítulo, a importância pedagógica das vivências com a fabricação artesa-
nal da erva-mate. Tratando-se de um bem com valor de uso histórico e culturalmente
dado, o estudo integrado do mate apresenta grande potencial de correlação entre
conhecimento, identidade e experiência, elemento indispensável para ações interdis-
ciplinares e emancipatórias no âmbito escolar e não escolar.
Defendemos que o processo educativo de crianças e adolescentes e a forma-
ção de docentes deve alinhar-se definitivamente aos esforços sociais de manutenção
e aperfeiçoamento de práticas locais com esse caráter.
341
contempla as experiências de fabricações artesanais, que igualmente poderiam ter
incentivos para uma industrialização de pequena escala ou adequada ao processo
artesanal.
Por contradição, desse período até o presente, o Rio Grande do Sul hoje im-
porta em torno de 50% da matéria-prima para processar a erva-mate, e permitiu a
derrubada dos antigos ervais mesmo tendo o chimarrão como parte intrínseca de
sua tradição. Consequentemente, apenas algumas regiões ficaram dedicadas para
o cultivo da erva-mate, considerando seus relevos mais íngremes, que não foram
propícios para o avanço da agricultura industrializada, o que mobilizou a implantação
de polos industriais ervateiros.
CARIJO: FABRICAÇÃO ARTESANAL DE ERVA-MATE
342
intrínseco a todas as famílias que fabricam erva-mate artesanalmente, somado a
um histórico de manutenção e incremento da base de recursos, retroalimentando-se
com a entrada no ramo agroecológico e em cooperação. Como parte fundamental da
base de recursos está a mata nativa e os ervais, sendo que em alguns casos a erva-
-mate é nativa da floresta. Dessa forma, essas famílias puderam investir na atividade,
tornando-se a principal fonte de renda.
Enquanto base conceitual, a agroecologia proporciona uma estrutura de análi-
se e interpretação do ecossistema manejado, levando em conta o trabalho humano e
a tecnologia empregada nesse manejo. Enquanto ação social e coletiva, a agroeco-
logia estabelece uma rede de relações, com base na cooperação e na reciprocidade,
que sustentam práticas, conhecimentos, técnicas e métodos que dinamizam as re-
lações ecológicas, econômicas e culturais de uma determinada região (VAZ PUPO,
2018).
Em boa medida, essa rede de relações — que organiza o modo camponês de
apropriação da natureza — representa a resistência exercida pela agricultura familiar
e camponesa para que siga existindo, mesmo sob condições adversas, que con-
tinuamente são impostas pelo sistema capitalista. Ao manter vivos valores de uso
com base histórica e cultural, a agricultura familiar e camponesa se torna o segmento
social com melhor capacidade de explorar, de maneira sustentável, o potencial endó-
geno dos ecossistemas.
Através de um projeto sobre patrimônio imaterial, executado pela cooperativa
Catarse, de Porto Alegre, e financiado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional (IPHAN), entre 2012 e 2014, essa prática ancestral foi amplamente
popularizada por meio de um filme94 documentário e a realização de eventos para a
produção de erva-mate artesanal. Além do filme, produziu-se um livro (LUZ, 2014),
onde se descreve detalhadamente a prática do carijo e fatores relacionados à resis-
tência camponesa entre guaranis, quilombolas e famílias agricultoras.
O carijo é a estrutura de secagem da erva-mate, por vezes também menciona-
do como a totalidade desse método de fabricação artesanal. Ao que tudo parece, ele
se constitui como um primeiro salto produtivo, conjugando-se a prática guarani com
o interesse comercial e de acúmulo dos primeiros colonizadores estrangeiros. Pois
94 http://carijoofilme.blogspot.com
343
os guaranis, segundo diversos relatos, quando não utilizam o carijo, costumam secar
um feixe de erva-mate pendurado acima de um fogo de chão, o denominado “maca-
co”, desta forma, secando as folhas e macerando-as para o mate, à medida de suas
necessidades, sem haver uma produção para acúmulo.
O carijo proporciona aumentar a produção de erva-mate sem perder determina-
das dimensões culturais, espirituais e de contato com a natureza (figura 1), que não
aparecem no barbaquá, um método também artesanal, porém de maior produção,
mas que para a secagem, o fogo é acendido a uma distância ao redor de 10 m, o
que não exige o cuidado permanente da combustão, e por sua vez retira o risco de
incêndio, que está presente no carijo. A seguir, apresenta-se uma descrição das eta-
pas do carijo.
344
Fonte: acervo do primeiro autor (a,c,d,e). Cooperativa Catarse http://carijoofilme.blogspot.com/ (b,
f).
Poda
A poda da erva-mate é realizada em ervais nativos e cultivados, sendo que es-
tes existem em sistema de monocultivo ou em sistema agroflorestal. Historicamente
existe a figura chamada “tarefeiro”, que é o trabalhador contratado por patrões ou
ervateiras, responsável por essa atividade. Em determinados contextos, como há
em Misiones, na Argentina, fazem parte do grupo social mais excluído da população
(MARCONE, 2018), já que não possuem posse ou título de terra. Diferente da situa-
ção da agricultura familiar ou de populações tradicionais, que por possuírem seus
territórios, manejam a erva-mate com autonomia.
A poda acontece com o uso de facão, respeitando-se a lua, que não pode
ser durante a lua Nova, mas preferencialmente as melhores fases são a Cheia e a
Crescente. Também o ideal é seguir a melhor época do ano, em que as árvores não
estejam em fase reprodutiva, por isso, as podas se concentram mais entre maio e
setembro. Cada árvore podada volta a ser podada a cada 2 ou 3 anos, para que os
galhos fiquem compridos, facilitando a segunda etapa – o sapeco, e assim também
345
as folhas vão estar mais maduras. Em geral, costuma-se tirar toda a ramagem da
árvore, deixando-se apenas galhos pequenos.
Sapeco
O sapeco é a passagem dos galhos sobre uma fogueira alta, pelo tempo de al-
guns segundos, gerando a crepitação das folhas. Com isso se preserva a cor verde e
se quebram substâncias químicas naturais que deixariam um gosto muito amargo no
produto. Após o sapeco, é realizada a “quebra” ou “desgalha”, em que são separados
os galhos finos com as folhas, formando-se feixes ou amontoando-os sobre o chão,
para depois serem levados para cima do carijo.
Secagem
O carijo consiste em uma armação de madeira, com quatro moirões susten-
tando varas roliças ou de bambu, distanciadas paralelamente entre 10 a 15 cm uma
da outra, e a uma altura do chão em torno de 1,30 m. Uma espécie de estrado. São
construídos no interior da selva, junto aos ervais, ou perto de casa, comumente pró-
ximo de algum curso d’água.
A secagem da erva-mate é um momento de folclore, de confraternização, de
convivência com a natureza, especialmente a dimensão noturna, considerando os
corpos celestes. Pois por tradição e coerência ao manejo do fogo, a secagem ge-
ralmente inicia no final da tarde, seguindo noite adentro. Pelo folclore gauchesco
chama-se a “ronda do carijo”. A motivação para seguir desperto pela madrugada
depende da companhia e da animação das pessoas presentes, pois é um momento
propício para cantar e praticar instrumentos musicais.
Cancheamento
No outro dia pela manhã, a erva estará seca, estando pronta para o canchea-
mento, que é a fragmentação dos ramos, o que facilita a última etapa, o soque. O
cancheamento mais rústico é o realizado com facões de madeira sobre uma “cancha”,
que pode ser uma prancha de madeira, um reboque de madeira, ou uma estrutura de
madeira em formato “V”. A erva cancheada, então, fica com os galhinhos quebrados
e as folhas em pedaços, que em parte já está em estilo “pura folha” ou tererê. Com o
cancheamento, a erva pode ser ensacada, para fins de transporte.
346
Soque
A moagem da erva pode ser realizada no pilão, manualmente, ou em soques
mecânicos, com duas ou mais mãos de pilão, sendo movidos através de motores a
eletricidade, combustão ou pela força da água (roda d’água, turbina d’água).
AS VIVÊNCIAS DO CARIJO
95 Mobilizada pelo primeiro autor em sua carreira, como estudante de Biologia, profissional do-
cente do ensino básico, técnico e universitário, estudante de mestrado em Desenvolvimento Rural,
e como integrante dos projetos executados pela cooperativa Catarse, de Porto Alegre, RS.
347
de encontro e mobilização, foram ao longo do tempo mostrando sua riqueza entre as-
pectos da construção do conhecimento, da cultura, da autonomia, da biodiversidade,
da saúde, da segurança alimentar, e inclusive como dimensão pedagógica.
As vivências foram realizadas pelo tempo entre 2 a 4 dias, geralmente na forma
de acampamento, quando estudantes universitários tiveram que se deslocar para as
comunidades rurais ou montaram o acampamento no próprio espaço da universi-
dade, caso do Carijo organizado no campus da UNIPAMPA, em Dom Pedrito, como
parte das atividades acadêmicas do curso de licenciatura em Educação do Campo e
do Encontro Internacional dos Povos do Campo.
O Carijo é uma atividade coletiva, onde todas as pessoas participam de todas
as etapas do processamento da erva-mate, culminando com a degustação do chi-
marrão. Também é uma vivência pedagógica, em que estudantes saem da sala de
aula, para realizarem um conjunto de atividades práticas, em interação com pessoas
das comunidades rurais, como agricultores, quilombolas e indígenas, ou mesmo a
interação com a comunidade acadêmica da universidade e seus visitantes, quando
o Carijo é realizado dentro do campus. O aprendizado e a troca de saberes se pro-
cessa a partir de um trabalho ou prática coletiva, entremeado de atividades culturais
e em contato com a natureza envolvente.
Em geral a agenda de atividades do Carijo segue a sequência das etapas da
fabricação artesanal. Para ilustrar a programação, apresenta-se um roteiro para três
dias de evento:
- (roda de conversa)
Tarde: - Sapeco
348
Noite: - Secagem da erva-mate (ronda do carijo)
349
imigração, hábitos, folclore, economia. Poesia, música, contos. Habilidades artísti-
cas. Conhecimentos espirituais, místicos.
350
confraternização, a observação do fogo, do céu e seus corpos celestes, a atenção
para os ruídos noturnos, como da fauna.
A vivência de passar pelo menos algumas horas da noite cuidando do fogo do
carijo ou estando em confraternização nesse momento, permite essa experiência
noturna, que em geral está muito escassa nos dias de hoje. O passar à noite propor-
ciona a percepção de dinâmica da rotação da Terra e simbolicamente a existência de
dois mundos naturais, o dia e a noite, mudando a percepção, e mudando de fato a
presença de outros representantes da fauna, ou seja, nichos ecológicos diferentes.
O fato dos estudantes se retirarem de seus cotidianos e imergirem alguns dias
em uma outra realidade estimula os órgãos dos sentidos, pois se configura em mui-
tas novidades, estimulando a inteligência. É sinônimo de aventura, ao mesmo tempo
organizada pela intencionalidade pedagógica da vivência. Sair da “zona de conforto”
e abrir-se a novas experiências, conhecendo realidades e pessoas diferentes, tem
um efeito transformador na vida dos estudantes. Muitos(as) educandos(as) relataram
que as vivências do carijo foram transformadoras para suas vidas. Assim como o
carijo, outras vivências pedagógicas são vividas com intensidade, podendo ser mar-
cantes pessoalmente, e mais além, tudo que marca tem um efeito posterior à vivên-
cia, que é voltando ao cotidiano de cada pessoa, a reflexão sobre o vivido. Conforme
Maturana (2002), o aprender tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem
em nós de maneira contingente com a história de nossas interações.
O vivido e refletido tem um efeito sobre a formação de valores e visões de mun-
do de cada pessoa. É um processo dinâmico e que influencia as escolhas pessoais
em cada ser humano. Nesse aspecto, os escritos de Dilthey (1992), numa perspecti-
va filosófica e psicológica, parecem se aproximar do que entendemos como potencial
transformador das vivências, que para ele, elas são momentos carregados de signi-
ficado para a vida pessoal, o que terá influência nas visões de mundo.
Conhecer as realidades, as injustiças, “os paraísos”, aproximar-se e vincular-
-se a pessoas de outras culturas, faz crescer o sentido humanista, cosmopolita, faz
diminuir as ignorâncias e divisões que a sociedade incentiva, devido a interesses em
jogo. Por exemplo, o mercado muitas vezes nos apresenta uma cultura/ancestrali-
dade da Índia, de tão longe, não menos importante, porém na nossa mesma cidade
ou estado, estão comunidades guaranis, em processo de reivindicação por território,
351
muitas vezes vivendo insalubremente nas beiras das rodovias. Essas pessoas tam-
bém possuem sua ancestralidade, espiritualidade, seu idioma, enfim, outra cultura.
Segundo Maturana e Varela (1995), o processo do aprender está ontologica-
mente ligado ao viver, então, conhecer é fazer, fazer é conhecer. Seguindo esses au-
tores, o processo do aprender é social e se efetua através da linguagem. A linguagem
no histórico da evolução humana, é o que desenvolveu a (auto)consciência, e por
sua vez a noção de visões de mundo, de valores cultivados (MATURANA; VARELA,
1995). Dialogando com esta proposição, o trabalho artesanal com a erva-mate pode
ser interpretado como um conjunto de ser e fazer camponês, indígena, que organiza
e oferece significado para o trabalho no campo. Pode-se então assumir que trata-se
de conceber o trabalho como princípio educativo, uma vez que os conhecimentos
associados a esse trabalho configuram um domínio comportamental de grande inte-
resse para a educação em geral e para a Educação do Campo, em específico (FRI-
GOTTO; CIAVATTA, 2012).
A evolução de comportamentos sociais nos animais e especialmente na hu-
mana compreende um processo de cooperação, essencial à sua sobrevivência. Por
isso, a educação, implicitamente um fenômeno social processado através da lingua-
gem, só pode ser entendida como profícua em uma relação de cooperação, que em
outras palavras é fundada no amor. Ao ressaltar o amor como a emoção que funda-
menta a legitimação do outro na convivência, Maturana e Varela (1995) subsidiam
ações educativas com base no associativismo e cooperativismo como uma necessi-
dade do existir humano.
CONCLUSÃO
352
nhecimento, numa concepção e metodologia dialógicas.
As vivências proporcionam aos estudantes conhecerem as realidades, que
muitas vezes lhes são negadas ou parcializadas através dos atravessadores de in-
formação (mídia). O fato de conhecer realidades, compreende conhecer outras pes-
soas em situações diferentes, e por sua vez, diferentes necessidades, característi-
cas, cosmovisões e místicas em relação ao estar no mundo. Também, dessa maneira
se constrói o senso crítico tão necessário à civilidade.
Além de conhecer outras realidades, a imersão vivencial proporciona a (trans)
formação pessoal em termos de valores, visões de mundo ou cidadania. Esse as-
pecto é uma necessidade urgente para a formação humana, em termos de valores
universais, de vida em comum, de cuidado da nossa casa comum, como colocado
nessas palavras pela encíclica papal atual, em relação ao planeta Terra ou a Pacha-
mama. Em outras palavras a necessidade de formação e aplicação de valores con-
forme a noção de Suma Qamaña (Buen vivir, bem viver) dos povos originários dos
Andes.
Os valores de bem viver não se aplicam apenas ao cuidado da natureza, mas
aos cuidados entre nós pessoas e comunidades, em que cada ser humano se reco-
nheça no outro a possibilidade de existência digna e mútua. E para isso, é necessário
transpor as barreiras colocadas pela sociedade, haja vista o distanciamento entre as
pessoas, por uma série de aspectos, como de classe, cor, religião, ideologias, orien-
tação sexual, entre outros. Essas separações e a não oportunização de experiências
que proporcionam o “encontro de mundos” (pessoas) observamos como prejudiciais
à formação de valores comuns e para o bem comum. Como disse Maturana (2002),
para formar valores, há que vivê-los.
Enfim, as vivências do Carijo realizadas com estudantes universitários têm nos
provocado a refletir sobre o processo do aprender, da construção e troca de conhe-
cimentos, e mais além sobre o processo de transformação humana/cidadã. Vemos
sua potencialidade pedagógica para o público universitário, e em especial para a
formação de estudantes dos cursos de licenciatura, e por sua vez, para a educação
básica. Afinal, para que a escola supere a educação bancária, é necessário que isso
comece pela formação de professores(as).
353
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2011. 253 p.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2006. 93
p.
LUZ, M. Carijo: saber cultural do Rio Grande do Sul, símbolo da resistência e conhe-
cimento indígena e camponês na fabricação artesanal de erva-mate. Porto Alegre:
CATARSE. 2014. 148p.
354
MOLINA, M.C. (org.) Licenciaturas em Educação do Campo e o ensino de Ciên-
cias Naturais: desafios à promoção do trabalho docente interdisciplinar. Brasília:
MDA, 2014. 268 p. (Série NEAD Debate; 23).
VAZ PUPO, M. Por uma Ciência Popular da Vida: Educação do Campo, Agroe-
cologia e Tradição Biocultural. 2018. 286 p. Tese de doutorado (Doutorado em
Ensino de Ciências e Matemática). Instituto de Física Gleb Wataghin. Universidade
Estadual de Campinas. Campinas, SP. 2018.
355
10.48209/978-25-CAMPO6-7-2
PROCESSOS RESISTENTES NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
QUILOMBOLA
Dilmar Luiz Lopes96
96 Drº Dilmar Luiz Lopes. Doutor em Educação pela UFRGS, atua nos Curso de Pedagogia e
Licenciatura em Educação do Campo/Faced/Ufrgs. Email: [email protected]
QUESTÕES INTRODUTÓRIAS:
357
comunidades remanescentes dos quilombos (LOPES, 2004, 2012). Sua dinamicida-
de potencializa os valores civilizatórios da cultura afro-brasileira onde o quilombola
reconstrói de maneira criativa seu mundo existencial em sintonia com suas memórias
ancestrais.
E esta pequena exposição objetiva buscar as origens e conceitos, modos de
organização dos quilombos, processos de disputas territoriais, as formas como ensi-
navam por meio das rodas de conversas e narrativas que servem como fundamento
da atividade educativa camponesa e direitos étnicos.
358
gulares de terras devolutas. Só as terras pouco produtivas e de difícil acesso ficaram
preservadas da ganância expansionista de grandes latifúndios.
Por remanescente de quilombos se entende hoje todo o agrupamento negro,
rural ou urbano, constituído durante o regime escravocrata ou logo após a abolição,
e que consolidou um “território como forma de construção de um espaço mínimo de
autonomia, no interior do qual lograram a reprodução econômica, biológica e social
em condições adversas” (Associação Brasileira de Antropologia – ABA,1994). Além
da ênfase à particularidade de tal historicidade e territorialidade, considera-se que
“quilombo vem a ser, portanto, o mote principal para se discutir uma parte da cidada-
nia negada” (LEITE, 1999: 141), a inserção de fato de determinados segmentos em
uma sociedade fortemente marcada por hierarquias raciais.
Várias pesquisas realizadas até aqui apontam que a constituição de territórios
negros, no transcorrer e após o desmantelamento do regime escravocrata, se deu a
partir das mais variadas estratégias de resistência mediadas entre conflito e negocia-
ção: o tradicional esconderijo/refúgio; doação testamental por parte do antigo senhor/
estancieiro (chamadas de dádivas ou deixas); compra com pagamento não só em
dinheiro, mas também com trabalho e/ou outros bens; posse de terrenos ‘devolutos’
e impróprios às atividades produtivas dominantes; recompensa por participação em
revoluções. Tais estratégias de territorialização não são mutuamente excludentes.
Pesquisas mais aprofundadas já realizadas em comunidades do Rio Grande do Sul
e o restante do Brasil indicam que áreas recebidas como ‘deixa’, além de abrigarem
negros libertos e alforriados, se constituíam em esconderijos preferenciais para es-
cravos fugidos (LEITE, 2002: 95; ANJOS, 2004: 39).
O processo de resistência de africanidades negra retoma sua força com o sur-
gimento do quilombismo, conjunto de proposições lançado pelo ativista negro Abdias
do Nascimento, o qual permeia o movimento negro a partir dos anos 80. Tal conjun-
to de proposições é impulsionado pelas críticas intelectuais ao mito da democracia
racial vigente no Brasil, pelo movimento dos negros americanos por direitos civis e
pelas lutas anticoloniais da África meridional.
Porém, somente na esteira da intensa mobilização ocorrida por ocasião do
Centenário da Abolição da Escravatura, no ano de 1988, aprova-se na nova Cons-
tituição Federal o Art. 68 - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - onde
359
se inscreveu que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que este-
jam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos”. O que representa um grande avanço no processo
de reparações dos territórios de povos tradicionais no país, em consonância com o
decreto 4.887/03 que regulamenta o procedimento para identificação, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos.
É importante ainda destacar a concepção de reparações que orientou a
intervenção dos movimentos antirracismo internacional e brasileiro nos últimos anos,
o que significou o reconhecimento pelo Estado - baseado nas decisões da III Con-
ferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, realizada em Durban (RSA), no ano de 2001. Naquela
conjuntura, o colonialismo e a escravidão cometidos no passado, foram considera-
dos crimes de lesa-humanidade e que as novas gerações de negros que trazem na
pele as marcas mais evidentes da sua descendência africana, sofrem ainda hoje as
consequências desse crime. A partir dessa conjunção de fatores iniciam alguns mo-
vimentos reparatórios que tem como mote a questão racial e uma agenda efetiva que
reconheçam a importância das comunidades remanescentes quilombolas no país.
360
momentos da historiografia oficial tem a comunidade negra reconhecida a sua impor-
tância estratégica no processo de formação do Estado.
Os africanos trazidos a região sul eram provenientes de várias nações africa-
nas (Angola, Benguela, Cabinda, Congo, Mina, Moçambique, Monjolo, Nagô, Oyó e
outros), eles trouxeram consigo uma cultura rica e diversificada: religiosidade, prática
de artesanato, cultivo da terra, manufatura, artes, construção. Bem como os saberes
e fazeres na pecuária e em diversos outros ofícios rurais e urbanos. Os seus territó-
rios passam a se constituir desde as primeiras fugas até os processos de emancipa-
ção que começaram em 1884 ( MAESTRI, 2006).
Somente entre os anos 1998 e 2002, foi desenvolvido o primeiro laudo antro-
pológico na comunidade quilombola de Casca, município de Mostardas98. Desta pri-
meira pesquisa exitosa foi assinado o convênio entre a Fundação Cultural Palmares
e a Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social no governo gaúcho para
elaboração de estudos técnicos em: Morro Alto, município de Maquiné e Osório, São
Miguel e Rincão dos Martimianos, em Restinga Seca; Arvinha e Mormaça, em Sertão.
Esses estudos acabaram produzindo uma densa bibliografia publicada através
da linha editorial da UFRGS: comunidades tradicionais99.
Posteriormente, foi criada a legislação estadual que reconhece os direitos qui-
lombolas por dentro da constituição estadual100. O que representou um marco im-
portante para os procedimentos administrativos e judiciais com o apoio científico,
por meio de etnografias e grupos de pesquisas antropológicos das universidades
federais. Observa-se que o envolvimento destes pesquisadores com os povos tradi-
cionais permitiu, especialmente a partir da utilização da história oral101, cartografias
como fonte de pesquisas, que as comunidades tradicionais se tornassem protagonis-
tas em processos emancipatórios. Segundo os últimos dados do Incra/RS temos no
361
momento noventa e nove processos abertos para reconhecimento dos territórios ne-
gros. Quatro territórios titulados e referidos acima. Treze com Portarias de Reconhe-
cimento da Presidência do INCRA, vinte e dois Relatórios Técnico de Identificação e
Delimitação. E possui trinta e quatro Relatórios Antropológicos produzidos, com doze
Relatórios esperando elaboração de RTIDs, e sessenta e cinco processos parado
aguardando condições financeiras, operacionais. O que demonstra que a temática
permanece em disputa política e conceitual. Sob a perspectiva da ciência sua contri-
buição é no sentido de alargar o espaço de representação política, tanto nos sensos
de justiça, como na emergência das experiências quilombolas como mais uma mo-
dalidade educativa a contribuir nas arenas de políticas públicas.
Na contemporaneidade, podemos afirmar que esse movimento da relação en-
tre os processos de territorialização e a demarcação/reconhecimento da identidade
quilombola constitui um “campo” de pesquisa (BORDIEU, 2004). Ou ainda, a identi-
dade emerge a partir da afirmação dos sujeitos políticos que se organizam, como for-
ma de reação a processos de violência física e simbólica que colocam coletividades
em ameaça. Ao analisar essa temática, geralmente parte-se da premissa de que
temos um passado glorioso que testemunha nossa humanidade. Por exemplo, as
pessoas pensam que todos os quilombos foram resultados de lutas históricas. E esta
é apenas uma perspectiva que ficou presa no passado colonial. Para ser exato, não
há nenhuma identidade quilombola que possa ser designada por um único termo, ou
que possa ser nomeada por uma única palavra; ou que possa ser subsumida a uma
única categoria. Ela é constituída, de variantes formas, através de uma série de práti-
cas subjetivo-objetivas como um campo de batalha operando com base nas relações
de força manifestadas dentro dos grupos de poder e de decisão, níveis de discurso,
imagem que informam o campo ideológico de uma dada cultura (BORDIEU, 2007). A
crítica até aqui não é contra o pertencimento, mas contra o preconceito que designa
a esse grupo um status inferior.
Na atualidade, esta identidade é bastião de suas lutas pelo reconhecimento de
direito ao território via ancestralidade. Ela afirma-se na representação política forjada
nas organizações que presidiram seus pleitos de estudos pela demarcação e titula-
ção dos territórios quilombolas. Assim, os usos de recursos e os saberes desenvolvi-
dos sobre o território e elaborados ao longo do tempo constroem sua representação
362
de territorialidades negras (ACEVEDO e CASTRO,1993).
O que nos cabe enquanto pesquisador é captar os elementos de africanidades
resistentes que constituem o espaço vivido nestes territórios. Na pesquisa de dou-
toramento, pude entender os significados, os recursos, as estratégias de resistência
que vão emergindo no campo. Ao retomar a memória quilombola como pano de fun-
do, destaco alguns aspectos de suas resistências.
363
A roda de conversa serve também como uma tática política para constituir o
acesso a uma educação que vem de casa e se prolonga na escola. Ao considerar a
educação enquanto processo de aprendizagem que brota da casa e território quilom-
bola por meio das práticas, saberes que se fortalecem através da “roda de conversa”.
Paulo Freire conceitua de círculo de cultura em suas diversas experiências educativa
(FREIRE, 1978). Numa dimensão educativa que relaciona os tempos/espaços da
casa/escola; ensino/aprendizagem; professor/aluno, história/vida no qual a dinâmica
de estudo se faz com o protagonismo das comunidades estudadas. Em que a edu-
cação é organicamente ligada à cultura quilombola do campo, e pode emergir numa
nova relação de forças e servir como instrumento eficaz para formulação do projeto
político pedagógico e formação continuada de professores. O ponto de partida e
chegada da educação passa necessariamente pela experiência da comunidade, com
suas práticas pedagógicas e sociais. Em síntese, um percurso pedagógico capaz de
retroalimentar esta memória, através das rodas102 que recupera uma das direções
das africanidades. b) A dimensão das narrativas103: torna-se um recurso pedagógico
em que as comunidades quilombolas têm buscado recuperar um saber historicamen-
te sedimentado pela memória e que passa de geração em geração. Não de manei-
ra estática, mas dialeticamente, articulado aos aspectos culturais e simbólicos que
orientam suas vidas. É um processo fazedor do mundo, bem como um recurso reve-
lador do mundo. A realidade e o significado das histórias contadas geram a busca por
uma nova voz que tem no horizonte a justiça.
Pedagogicamente falando, essas narrativas e metáforas não são respostas
prontas para pensar uma educação quilombola, mas se tornam insights para trazer
à tona a memória rebelde do grupo que se orienta pelos elementos de eticidade e
liberdade. Também se apresentam na forma de novos saberes que operam na pers-
pectiva de africanidades e potencializam novas teorias pedagógicas, no intuito de
materializar a educação.
102 A roda é um dos elementos dinâmicos da cultura africana: roda de conversas, roda de sam-
ba, roda de batuque e outras rodas de saberes.
103 História contada por alguém. Narração de acontecimentos, ações, fatos ou particularidades
relativas a um determinado assunto. (Dicionário Aurélio, Editora Positivo,2010).
364
Para José Carlos dos Anjos, a premência primeira que rege a estruturação des-
sas narrativas é uma tentativa de recolocar em ordem o mundo vivido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
365
Todavia, esses relatos do cotidiano também são formas políticas de expressar espa-
ços vividos da cultura quilombola. Elas enfatizam os pontos de interseção e a consti-
tuição de um pensamento plural em contraposição a um pensamento único; ao tratar
da cultura negra e a negritude. Tudo isso para compreender as africanidades como
um repositório no qual a consciência da cultura tradicional possa ser condensada em
formas ainda mais potentes.
Nos quilombolas, o status de escravizados para o status de cidadãos os levou a
indagarem quais seriam as melhores formas possíveis de existência social e política.
A memória da escravidão, ativamente preservada como recurso intelectual vivo em
sua cultura expressiva, ajudou-os a gerar um novo conjunto de respostas para essa
indagação. Eles tiveram de lutar, muitas vezes por meio de sua fé, para manterem a
unidade entre a ética e a política (GILROY, 2001, p. 99). O artigo aponta para uma
história quilombola que tem sua raiz nas africanidades resistentes, mas não se apre-
senta como única. Os processos de enunciação fortalecem experiências coletivas na
manutenção de suas culturas, reivindicações e lutas sociais em reconhecimento de
seus territórios.
Com estas considerações, as narrativas atualizadas continuam tendo funções
importantes a cumprir na constituição dos territórios negros. Hoje podemos afirmar
que é para não perder essa memória que constituem valores civilizatórios africanos
que são incorporados pela educação em diferentes espaços da sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
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de pleitos. In: ANJOS, José Carlos Gomes dos; SILVA, Sergio Baptista da (org.).
São Miguel e Rincão dos Martimianos: ancestralidade negra e direitos territoriais.
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366
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ANJOS, José Carlos Gomes e SILVA, Sergio Baptista da. São Miguel e Rincão dos
Martimianos: ancestralidade negra e direitos territoriais. Porto Alegre, Editora da
UFRGS, 2004.
367
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Cultura,1991.
368
10.48209/978-26-CAMPO6-7-2
A BNCC E A GEOGRAFIA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA:
AS ESCOLAS DE COMUNIDADES
107 Este artigo se originou das discussões ocorridas na disciplina de Tópicos Especiais em
Geografia D (2020), ministrada pela Professora Ane Carine Meurer, no Curso de Doutorado em
Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO), da Universidade Federal de
Santa Maria, a qual teve como base a BNCC – Base Nacional Comum Curricular.
108 Ver em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=-
79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192 . Acesso em 10 de mar.
2021).
370
sistematizados, assim como o ensino e o trabalho de educadores que tiveram uma
formação e profissionalização especifica que possa constituir a articulação com as
demais. Portanto, a partir do olhar dos autores mencionados, defendemos a discipli-
na de Geografia, no Ensino Fundamental e Ensino Médio, argumentando em favor da
manutenção das escolas do campo e do trabalho destes profissionais da educação.
371
distribuição de renda; destruir a organização dos trabalhadores, a atuação
dos sindicatos e confederações; destruir a atuação e organização dos mo-
vimentos que lutam pelos direitos humanos; atuar contra os imigrantes e
contra ações de preservação do meio ambiente; desregulamentar a atuação
das corporações; privatizar tudo que for possível; propor formas de proteção
constitucional quase que irrevogáveis, que evitem o impacto de eventuais
decisões contrárias ao livre mercado, entre outras. Tudo isso em alto e bom
som (FREITAS, 2017, p. 28).
372
O prédio da Escola Cândido A. Fagundes, localizado no Rincão dos Marti-
mianos, constituía um território escolar e comunitário, cujo o fechamento ocasionou
a necessidade de transporte a outros lugares onde funcionam escolas, inclusive de
crianças da Educação Infantil, com idades entre 4 anos a 5 anos e 11 meses. Esta
escola com infraestrutura adequada, quatro salas aula, próxima à área urbana, pode-
ria estar ativa pelo menos até o 4º ano de escolarização destes estudantes.
Como mencionamos, das 62 escolas do perímetro rural do município, perma-
necem em funcionamento apenas 07 escolas, sendo duas estaduais e cinco munici-
pais. Neste texto, referendamos somente duas (Figuras 02 e 03) em atividade, sendo
uma municipal e outra estadual. Em 2019, salienta-se que 40% da população de
Restinga Seca estava assentada no campo, ou seja, do total de habitantes, 6.745 no
âmbito rural e 8.669 na área urbana (SEBRAE, 2020, p. 10).
Significa dizer, sobretudo, que para que o poder público concretize as imposi-
ções legais para a educação brasileira tem recorrido às políticas que possam remediar
os problemas, isto é, o transporte escolar torna-se uma necessidade aos municípios
do país e, ao mesmo tempo, precisa ser batalhado pelas populações camponesas
como um direito das crianças, jovens e adultos. Portanto, há uma inversão de valores
já que este não deveria se constituir em direito substitutivo das escolas que existiam
nestes territórios.
Ferreira e Brandão (2017) advertem sobre o transporte de estudantes para os
centros urbanos.
373
Alta e Silêncio, o que dinamiza um movimento de resistência entre os sujeitos e as
instituições de formação. Nas demais localidades, duas das escolas que estão em
atividade, localizam-se em pontos mais distantes da cidade, ou seja, na comunidade
do Jacuí e da Colônia Borges.
374
Figura 2 – Escola Municipal de Ensino Fundamental Manuel Albino Carvalho
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 8º
Modalidades PRÉ A PRÉ B
ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO ANO
Números de
10 05 17 07 10 08 11 06 07 10 11
alunos
Turno T T M M M T T T T M M
Fonte: EMEF Manuel Albino Carvalho e Secretaria Municipal de Educação do município, 2020.
375
Figura 3 - Escola Estadual de Ensino Fundamental Olmiro Pohlmann Cabral
Números de alunos 03 07 03
Turno M M M
376
Figura 4 – Entrega de material aos estudantes, durante a Pandemia
377
durante mais de 30 anos, isto é, de 1964 a 2005, foi impossibilitado que mais estu-
dantes, especialmente os camponeses, concorressem às vagas nas universidades.
Freitas (2017) vem e se manifestando, juntamente com profissionais da edu-
cação, sociólogos, entre outros, em defesa do contraditório em relação ao fechar es-
colas no campo. Ao analisar a BNCC, este autor tem contribuído com elucidações e
proposto alterações, inclusive na elaboração de uma outra BNCC mais comprometi-
da e voltada aos interesses da população estudantil, especialmente aos que estudam
em escolas públicas.
110 Conforme Freitas (2017), isso, associado às alterações tecnológicas no interior da produção
e à guerra contra as centrais sindicais e movimentos sociais, compõe o cenário de contraposição à
queda nas taxas de acumulação de riqueza.
378
e a ASSESSOAR - Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (2020),
com sede em Francisco Beltrão/PR, que sem movimenta em defesa do não fecha-
mento de escolas no campo, como podemos observar na figura 05:
Freitas (2017, p. 12) questiona sobre “qual agenda está embutida na BNCC? O
que significa este movimento mundial que proclama reformas para que a educação
seja de qualidade para todos? Qual qualidade? Quem são estes reformadores?”. Em
relação à aplicabilidade dos recursos públicos, o autor critica as chamadas escolas
charter, salientando que “quando um aluno deixa uma escola da comunidade e vai
para uma escola charter, sua parcela de financiamento proporcional vai com ele,
enquanto o distrito continua sendo responsável por muitos custos que esses fundos
apoiavam” (FREITAS, 2017, p. 55).
Conforme o autor, as escolas charter estão em ação em algumas cidades do
nordeste brasileiro, cuja ideologia se origina dos Estados Unidos. Ocorre que as em-
presas americanas (ou de países em que elas estiverem implantadas) se beneficiam
dos recursos públicos do nosso país, levando para as escolas charter alunos das
escolas públicas, através da oferta de bolsas de estudos, para então tais empresas
multinacionais obterem recursos públicos ou amortizações nos Impostos de Renda.
379
A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E A GEOGRAFIA
380
Figura 6 - Relação Unidades Temáticas e Objetos do Conhecimento da Geografia –
7º ano
381
curricular apresentada, demonstra somente um tecnicismo exacerbado. Afirma ainda
que, embora o documento tenha sinalizado um importante problema como o da desi-
gualdade social que, de acordo com a UNICEF (2018), 32 milhões (61%) de crianças
e adolescentes brasileiros são afetados de alguma forma com a pobreza, seria ne-
cessário ultrapassar a necessidade de mudanças técnicas do ensino, mas planejar a
realização de mudanças políticas no país.
Em concordância, Freitas adverte que é preciso resistir por uma BNCC que
seja pensada pela base.
O autor defende que a BNCC (2017) foi discutida por alguns anos, porém quan-
do o Vice-Presidente Michel Temer assumiu o governo federal, a comissão encarre-
gada de organizar o processo, no Governo Dilma, foi destituída e uma nova cons-
tituída. A partir disso, em num período bastante exíguo, a Resolução foi publicada
atendendo às políticas do Ministério da Economia: privatizar instituições públicas o
máximo possível, destituir as instituições públicas, implantar o estado mínimo, buscar
modelos e formas em outros países, como o Chile e os Estados Unidos, sem consi-
derar a realidades educacional e social do Brasil.
Faz-se urgente e necessário confrontarmos, contradizermos e buscarmos uma
Educação Pública com uma BNCC condizente ao proposto pela Lei 9394/1996, ou
seja, que possa dar suporte para cada componente e área do conhecimento, assim
como à disciplina de Geografia e que possa ser ministrada dentro da área humana
correspondente em conjunto com as demais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Base Nacional Comum Curricular destinada à Educação Básica tem um pa-
pel preponderante no currículo do Ensino Fundamental e Médio, seja em escolas do
campo ou da cidade. Em análise reflexiva este foi um ensaio sobre o tema, mas que
pretende abrir novas discussões em relação a esta resolução, em vigor desde 2017,
e sua relação com os processos de ensino e de aprendizagem da Geografia.
382
As duas escolas do campo do município de Restinga Seca, no Rio Grande do
Sul, em destaque no texto, continuam em atividade como resistência camponesa
contra as incisivas imposições do mercado que não mede esforços para fechá-las.
Desse modo, a continuidade da Escola Olmiro Pulmann Cabral e da Escola Manuel
Albino Carvalho faz parte do grande desafio que se impõe no sentido de uma educa-
ção que possa atender efetivamente os sujeitos em seus lugares de vida.
O conhecimento geográfico tem sido uma epistemologia fundamental para pos-
sibilitar que os sujeitos em formação reconheçam o território como um espaço a ser
produzido pela luta coletiva, conforme as necessidades comuns de camponeses,
que seguem resistindo aos desafios e contradições do agronegócio. A apropriação
destes conhecimentos, em processos de ensino e de aprendizagem em escolas do
campo, pode ser um modo efetivo para que as comunidades em movimento possam
fortalecer o lugar e a função social da escola, na direção da continuidade e do não
fechamento de escolas como estas, em Restinga Seca/RS.
Mais que pedagógica, a Base Nacional Comum Curricular precisa assegurar
politicamente quais epistemologias específicas da Geografia serão capazes de con-
tribuir para a territorialização das escolas e dos sujeitos do campo. Compreendemos
a questão educacional que envolve o fechamento de escolas e a consequente des-
territorialização de saberes, conhecimentos, valores comunitários, produção de bons
alimentos e continuação da humanidade, como consequência das políticas públicas
implementadas no país.
Defendemos a Geografia como disciplina a ser ministrada no Ensino Funda-
mental e Ensino Médio e que seja tema de discussão nas abordagens das institui-
ções de ensino superior de modo a potencializar espaços públicos que articulam ter-
ritório, educação e dignidade humana. A luta continua, a começar pela revogação da
BNCC em vigor e a constituição de outra que seja produzida pela base, pela classe
trabalhadora.
REFERÊNCIAS
383
mar. 2021.
384
10.48209/978-27-CAMPO6-7-2
111 Apresentei este estudo no “I seminário nacional de educação popular e movimentos sociais
do campo: V encontro de pesquisas e práticas em educação do campo da Paraíba” realizado no
Centro de Educação da UFPB, no ano de 2019. Sua primeira versão teve o título:estudo antropoló-
gico acerca da “pedagogia dos povos atingidos” por barragem. Já o presente conteúdo se refere ao
relatório desta pesquisa onde ampliei a sistematização de dados etnográficos, configurando uma
nova versão dos resultados preliminares.
112 Mestrando em Antropologia e Licenciado em Ciências Sociais pela UFPB. givaniltonbarbo-
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
386
Trata-te de um estudo etnográfico que analisará a criação e finalidade da
pedagogia dos povos atingidos por barragem; traçará o seu percurso; mapeará as
práticas pedagógicas articuladas ao movimento social, desde seu ponto de vista
histórico, e contextualizará a condição dos atingidos por barragem.
Adotei a abordagem qualitativa como caminho metodológico e sistematizei os
dados etnográficos prévios por meio de uma revisão bibliográfica. Considero como
teoria antropológica para o estudo da cultura local os seguintes autores: (CLIFFORD,
2002), (MALINOWSKI,1978) e (GEERTZ, 1989).
Já o percurso da história do Movimento dos Atingidos por Barragem no Brasil
(MAB, 2005) também faz parte dos passos metodológicos, visando caracterizar tanto
a criação da “Pedagogia dos Povos Atingidos” (MEDEIROS, 2010) quanto a formação
da Política Educacional do MAB (2005).
Outro passo metodológico importante é o estudo dos princípios da Educação
do Campo (BRASIL, 2010), (CALDART, 2004) e (MANÇANO e MOLINA, 2004),
articulados ao conceito de Movimentos Sociais (GONH, 1995), enquanto ações
coletivas para entendimento da realidade social da população pesquisada. Em suma,
aponto três terrenos etnográficos (BARBOSA, 2017) que são aspectos sociais de
cada contexto da pesquisa, identificados nesse primeiro momento.
Ao assinalar a pedagogia dos povos atingidos do MAB (2005) aponto a questão
local da implantação do Movimento dos atingidos por barragem nas comunidades
atingidas pela barragem de Acauã no ano de 2000, que envolve as comunidades
Cajá e Melancia do município de Itatuba, comunidade da Costa de Natuba e Pedro
Velho de Aroeiras, agreste do Estado da Paraíba.
Há também investigação da abordagem do uso pelo MAB da concepção de
Educação do Campo (CALDART, 2009), adotada pelo Movimentos dos Atingidos por
Barragem (2005) para a formação e organização coletiva do movimento da população
atingida de Acauã.
A justificativa desta pesquisa se concentra na identificação de novas práticas
educativas associadas aos movimentos sociais na cultura local, se configurando em
uma região enquanto demanda. Haja vista, tais novas práticas educativas, ligadas à
políticas educacionais, resultam de novas demandas sociais, diante de uma sociedade
cada vez mais globalizada e em constante mudança, especialmente atreladas às
387
populações do campo atingidas por barragem.
Diante do exposto, resta saber: enquanto política pública de educação do
movimento dos atingidos por barragem do Brasil, como se constituiu a Pedagogia
dos povos atingidos por barragem nos reassentamentos atingidos de Acauã?
388
3. A EDUCAÇÃO DO CAMPO
389
Dito isto, as especificidades da Educação do campo são formas de reaver os
modos de vida das famílias, e de que essa população se reconheça como tal, poden-
do permitir a valorização e pertencimento de sua própria organização:
390
Com base em muitos estudos e pesquisas, professores e pesquisadores
de diferentes áreas de conhecimento possibilitaram a legalização da modalidade
de ensino, a educação do campo, pelo decreto nº 7.352, de 4 de novembro de
2010 (BRASIL, 2010), aprovando a Política de Educação do Campo, que por sua
vez representa todas as experiências dos povos do campo, sendo indispensável
seu Art: 2º, em que constam seus princípios, a saber: Respeito à diversidade do
campo; Incentivo à formulação de projetos político pedagógicos específicos para as
escolas do campo; Desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da
educação do campo; Valorização da identidade da escola do campo por meio de
projetos pedagógicos com conteúdo curriculares e metodologias adequadas às reais
necessidades dos discentes do campo; Controle social da qualidade da educação
escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do
campo (BRASIL, 2010).
Segundo Fernandes e Molina (2004, p. 4-7) a área da Educação do Campo é
analisada a partir do conceito de território como espaço político, onde se realizam
determinadas relações sociais, que se transformam em projeto de desenvolvimento
socioeconômico, cultural e ambiental, e contribuem para transformar a realidade.
De tal modo que “trabalhar na terra, tirar da terra a sua existência, também exige
conhecimentos que são construídos nas experiências cotidianas e como também na
escola”.
Quanto às experiências cotidianas, o território é um espaço de relações
socioculturais, de disputas e de ligações afetivas, também construído entre grupo
sociais, isto é, “compreender a territorialidade como o conjunto daquilo que se vive
pelo conjunto no cotidiano”, as relações de trabalho, familiares, comunitárias, de
consumo, de tal modo a não homogeneizar a sociedade (SOUZA e PEDON, 2007,
p. 136).
Souza e Pedon (2007) discutem que a construção da identidade no território
é um processo que se constrói ao longo do tempo, tendo como principal elemento
o sentimento de pertencimento do indivíduo ou grupo com seu espaço de vivência;
e pertencer ao espaço em que se vive; conceber o espaço como lócus das práticas
sociais e culturais, ou seja, onde se tem o enraizamento de sociabilidade, há o espaço
com caráter de território.
391
De modo geral, a educação do campo faz parte da política educacional
brasileira como modalidade de ensino e aprendizagem para além dos muros da
escola, e implanta cursos de graduação e pós-graduação nos diferentes territórios
brasileiros.
A Educação do Campo é resultado de um longo processo histórico dos
povos do campo, de suas lutas sociais por direitos, especialmente, em resposta às
desigualdades educacionais, e da ausência de escolas de qualidade, que garantem
o direito desses povos à educação e contemplam suas culturas e modos de vida.
O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) vem constituindo uma história
de luta e resistência social junto de populações ribeirinhas e outras. De acordo
com Maria José Reis (2007, p. 473), estudiosa da área, no Brasil o movimento dos
atingidos por barragens teve início por volta do final da década de 1970, na região do
alto Uruguai RS/SC, devido aos prejuízos de grandes implantações de hidrelétricas
em busca da produção de energia elétrica.
De maneira simultânea, comunidades ribeirinhas, como agricultores, pescadores
e indígenas vêm sendo deslocadas de seus lugares e reassentadas distantes do rio,
de modo que passam a ter seus direitos violados.
O MAB como um movimento de luta constante junto aos atingidos atua na
assessoria de organização e pautas de reivindicação diante de órgãos oficiais do
Estado brasileiro, objetivando a fim de reconstruir a infraestrutura de educação, saúde
e habitação dignas para exercício de uma plena cidadania das populações atingidas.
Elaboraram sua própria política de mobilização ao longo do tempo de sua atuação
junto às populações para consolidação desta causa (REIS, 2007).
Segundo Santos (2015, pp.115-117), ao discutir o tema com base na teoria de
Carlos Wainer, o “conceito de atingido” diz respeito ao reconhecimento e legitimação
de direitos de seus detentores. Ou seja, é estabelecer que determinado grupo social,
família ou indivíduo é atingido por certo empreendimento; significa reconhecer a
violação de direitos, o legítimo direito de ressarcimento, indenização, reabilitação ou
392
reparação.
Em meio a isso, acontece a realocação de populações ribeirinhas em
reassentamentos, na maioria, em lugares áridos, tornando sua principal característica
a perda da qualidade de vida, e ao mesmo tempo, a perda de qualidade ambiental.
Portanto, o surgimento da categoria social de “atingidos por barragem” está
relacionada à construção de identidades individuais e coletivas de interações sociais,
políticas, e produção de cultura de um povo; isso se constrói ao longo da vida social
se configurando numa resistência coletiva (SANTOS, 2015).
393
A partir deste encontro um projeto de educação foi elaborado com as demandas
recolhidas e lançado naquele mesmo ano, denominado “A Pedagogia dos Povos
Atingidos”, a fim de adotar os princípios da Educação do Campo para o entendimento
da população local. A coordenação Nacional do Movimento de Atingidos por Barragem
do Brasil sistematizou uma proposta de educação ampla e consistente para ser
implantada nas comunidades reassentadas.
Assim, os coordenadores estaduais se articularam com os coordenadores
nacionais para a implantação do projeto de educação nas respectivas regiões foram
viabilizadas parcerias com as secretarias dos Estados e Municípios na elaboração de
políticas sociais voltadas às populações atingidas.
Um aspecto importante foi a vinculação da proposta educativa do MAB (2005) às
questões, desafios e mobilizações em prol também da Educação do Campo (2010),
mas com diretrizes e perspectivas próprias, dando respaldo às reivindicações de
políticas públicas de desenvolvimento e de educação específicas, direcionadas aos
camponeses com identidade, trabalho, cultura, história e suas formas e estágios de
organização, visando a abrangência de todos os níveis de escolaridade.
Diante da uma proposta formulada enquanto política pública de educação foram
realizados acordos e convênios entre o Movimento dos Atingidos por Barragem e
instituições públicas. Passa, então, a ser constituída uma rede de articulação estadual
para mobilizar as comunidades atingidas para o enfrentamento e reivindicações no
processo de solucionar os problemas socioeconômicos e ambientais vividos por elas.
Reincide também na proposta de Educação do MAB Brasil (2005) o
reconhecimento do campo como espaço de vida, moradia e trabalho, resultando na
necessidade de justiça e humanização dos povos atingidos que vivem nesse espaço
e que foram historicamente excluídos do direito à Educação e à Cultura eruditas.
Tal proposta educativa lista uma série de diretrizes, dentre elas: diagnosticar as
necessidades de Educação dos povos atingidos; fortalecer sua história e cultura;
mapear financiamentos, editais, convênios e parcerias; elaborar projetos específicos
e materiais didático-metodológicos para o trabalho pedagógico (MAB, 2005).
Um aspecto importante nesse processo são as articulações político-educacio-
nais; iniciativas do MAB diante de instituições públicas e privadas. A ocorrência mais
emblemática foi com o Ministério de Educação e Cultura - MEC, para a aquisição de
394
convênios, especialmente no período de 2004 a 2016, com muitas intermitências.
Conforme discutido por Medeiros (2010), este tipo de convênio possibilitou às entida-
des adotar uma linha teórico-metodológica própria, principalmente para a Alfabetiza-
ção de Jovens e Adultos.
Dessa forma, tendo sido garantidas as condições básicas de financiamento
do Projeto, o MAB seguiu a linha própria do Movimento (MEDEIROS, 2010). Com
essas iniciativas e reivindicações do MAB nacional foram adquiridos convênios com
estatais e desenvolvidas atividades através das políticas educacionais, garantindo as
especificidades que o movimento defende.
A Educação de jovens e Adultos (EJA) foi uma das principais pautas da
Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem, através de um convênio do MAB
nacional com o MEC e ELETROBRAS. Neste projeto houve duas etapas, de 8 meses
cada, contemplando todos os reassentamentos atingidos por barragem.
Diante de uma questão social tão complexa há nesse processo a criação
da Pedagogia dos Povos Atingidos por Barragem: de inspiração Freiriana (1983:
1984), considera o índice de vulnerabilidade socioeconômica, de analfabetismo
e escolaridade incompleta das populações que são atingidas por implantação de
barragens, tanto de hidrelétricas quanto barragens de abastecimento de centros
urbanos:
395
de Educação do Estado e o Movimento dos Atingidos por Barragem; o segundo
encarregando-se de fazer a mobilização em cada reassentamento.
De modo geral a coordenação do MAB Nacional (2005) considerou um avanço
como movimento social organizado, inserindo a Educação na sua agenda política
como um direito social a ser conquistado (MEDEIROS, 2010).
Ao mesmo tempo, o MAB preocupou-se em conquistar espaços próprios de
Educação Formal, garantindo certificação oficial e práticas educativas que consolidem
a conscientização dos atingidos num contexto de resistência, organização e luta com
populações atingidas por barragens em diferentes territórios do Brasil.
Os atingidos de Acauã
396
pesquisa para levantar essa demanda local provocada pela questão educacional e
socioambiental.
Portanto, as contribuições principais da pedagogia dos povos atingidos por
barragem nos reassentamentos atingidos pela barragem de Acauã são: a experiência
de implantação da educação de jovens e adultos (EJA) (MEDEIROS, 2010), do
acionamento da política de educação do campo e de articulações com prefeituras
municipais locais e governo do Estado. Resta saber como estão essas ações, as
quais pretendo apresentar nos próximos resultados.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
397
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dor e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro. Contracapa Livraria. 2000.
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398
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113-140.
400
10.48209/978-28-CAMPO6-7-2
OS CENTROS EDUCATIVOS
FAMILIARES DE FORMAÇÃO EM
ALTERNÂNCIA E A EDUCAÇÃO
DO CAMPO
Aline Guterres Ferreira113
José Vicente Lima Robaina114
José Geraldo Wizniewsky115
113 Doutoranda em Educação em Ciências: química da vida e saúde (UFRGS). Mestra em Ex-
tensão Rural, Especialista em Educação Ambiental, Licenciatura Plena em Formação de Professo-
res para Educação Profissional, Zootecnista (UFSM). Licenciada em Educação do Campo – ciên-
cias da natureza (UFRGS). [email protected]
114 Pós Doutorado em Educação e Educação do Campo (UFRGS), Doutor em Educação (UNI-
SINOS), Professor do Departamento de Ensino e Currículo (FACED/UFRGS). joserobaina1326@
gmail.com
115 Doutor em Agroecología, Sociología y Estudios Campesinos, (UCO-ES), Mestre em Exten-
são Rural (UFSM), Professor Titular do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural
(CCR/UFSM). [email protected]
INTRODUÇÃO116
Se levarmos em conta que na história do Brasil, toda vez que houve alguma
sinalização de política educacional ou de projeto pedagógico específico isto
foi feito para o meio rural e muito poucas vezes com os sujeitos do campo.
Além de não reconhecer o povo do campo como sujeito da política e da
pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeitá-lo a um tipo de educação
domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos. (CALDART,
2002, p. 19).
402
Entende-se que a Educação do Campo não está restrita a uma determinada
população, mas sim deve ser desenvolvida com todos os povos que se expressam
no campo, como camponeses, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais,
assentados da reforma agrária, trabalhadores assalariados e tantos outros que lutam
pela sua identidade cultural, humana, social, política e ambiental. Povos que possuem
pluralidade étnica, geográfica, organizativa, religiosa, entre outras diversidades que
se constroem as características locais e ambientais. Trazemos os traços e identidade
da Educação do Campo como expressa a autora Roseli Caldart:
403
Neste capítulo, abordaremos a origem das CEFFA´s, os pilares que as compõem
e ainda seus princípios que caracterizam a Educação do Campo, a partir de uma
apreciação bibliográfica.
404
A partir da década de 40 houve uma expansão das MFR´s pelo território
Francês e abertura da primeira Escola de Monitores, professores dessas instituições,
e também da União Nacional das Maisons Familiales Rurales. Já na década de 60
este modelo educacional chega à Itália e lá são criadas as Scuola Della Famiglie
Rurali, as primeiras Escolas Famílias Agrícolas. Na América Latina essas instituições
escolares irmãs são reunidas pelos Centros Educativos Familiares de Formação por
Alternância, que segundo o autor Costa.
405
que possui objetivo de fomentar e desenvolver as instituições escolares e estabelecer
relações com organismos internacionais, difundindo os princípios dos CEFFA´s
definidos em seus estatutos e velando por sua correta aplicação, de acordo com
García-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010).
No Brasil, em meados da década de 60, em uma conjuntura política que
se caracteriza como um governo militar-civil-empresarial, chegam as primeiras
experiências de EFA´s pelo sul do Estado do Espírito Santo, vinculadas ao Movimento
de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). Com intuito de acolher
e oportunizar educação aos agricultores familiares empobrecidos pela política do
intervencionismo econômico estatal que excluía a agricultura familiar em detrimento
da grande empresa agrícola moderna, segundo Begmani (2002). A partir da década
de 70 essas experiências são difundidas em alguns Estados brasileiros na tentativa
de sanar a indisponibilidade histórica de escolas no meio rural para a população do
campo. A primeira Casa Familiar Rural (CFR) nasce em solo brasileiro pelo Estado
de Pernambuco, no município de Riacho das Almas, em meio a uma população do
campo abandonada e esquecida pelo poder público e assolada pelos longos períodos
de secas. Ainda, existem registros que experiencias pioneiras no Estado de Alagoas
no início da década de 80.
Na região Sul do Brasil, as CFR´s se disseminam através do Estado do Paraná
no final dos anos 80 e hoje estão presentes nos três Estados do Sul. Essas instituições
unificam-se através da rede da Associação Regional das Casas Familiares Rurais
(ARCAFAR). Atualmente, a rede ARCAFAR é constituída pela ARCAFAR/NORTE
e NORDESTE, que compreende os Estados do Pará, Amazonas e Maranhão e a
ARCAFAR/Sul, que compreende os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. A autora Lucy Mari Pacheco destaca os objetivos que embasam essa proposta
educacional no Rio Grande do Sul (RS).
406
Podem ser constatados a fidelidade aos valores e princípios das experiências
precursoras do velho mundo. Mas ao chegar em terras latinas, são inevitáveis as
adaptações nessas instituições escolares à realidade da construção histórica, social,
econômica, cultural e ambiental do país e do continente.
As EFA´s, chegam ao RS no final da primeira década do século 21, a partir
da Associação Gaúcha Pró- Escolas Famílias Agrícolas (AGEFA), associação local
mantenedora, filiada a União Nacional das Escolas Família Agrícolas do Brasil
(UNEFAB), que de acordo com Costa (2012, p. 46) “congrega todas as associações
regionais e suas EFAs todo território nacional, capacitando técnicos agrícolas ou
em agropecuária em nível médio, embora algumas EFAs funcionem com ensino
fundamental também.”. Ambas instituições, as CFR´s e as EFA´s, são filiadas a
Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR),
que segundo García–Marirrodriga e Puig-Calvó (2010, p. 47) “representa as diferentes
Instituições promotoras de Escolas de Formação por Alternância para jovens do meio
rural. [...] tem como objetivo fomentar e promover o desenvolvimento dos CEFFA no
mundo.”.
Com mais de duas décadas no Estado Gaúcho essas instituições escolares
já demonstram contribuições significativas para o desenvolvimento das populações
do campo e para o avanço e fortalecimento das construções epistemológicas da
Educação do Campo, como afirma Costa.
Não resta dúvida que essa unificação de bandeira, na luta pela Pedagogia da
Alternância, entre CFRs e EFAs vem promovendo o desenvolvimento de uma
educação do campo, cada vez mais qualificada e voltada para as comunidades
onde os estudantes estão inseridos, oportunizando a esses jovens do meio
rural e suas famílias, possibilidades concretas de uma maior qualidade de
vida no campo. Gerando assim, renda e desenvolvendo da forma mais eficaz
possível o meio rural, valorizando o conhecimento das famílias e vizinhos,
fortalecendo a agricultura familiar e as relações comunitárias através da
solidariedade. (COSTA, 2012, p. 47).
407
da Alternância permitem a qualificação dos estudantes do campo pelo acesso à uma
educação de qualidade pautada na realidade das comunidades rurais e atendendo
suas reais necessidades a partir da compartilha e união dos saberes e conhecimentos,
para além da transmissão de conteúdos programáticos tradicionais. Para esse caminho
de sucesso, devem ser respeitadas os quatro pilares de sustentação da Pedagogia
da Alternância, possibilitando a organicidade do seu desenvolvimento através dos
seus Instrumentos Pedagógicos, que possibilita aos estudantes do campo a opção
de permanecer no campo.
408
gestão econômica, e a vida cotidiana dentro do CEFFA´s. Espaço de participação
e diálogo entre os responsáveis dos estudantes com os demais membros, como
Monitores e administradores, no que tange os rumos da formação pedagógica, bem
como o conhecimento das suas realidades. Costa destaca a importância de uma
Associação Local gestando o CEFFA´s:
409
momento de reflexão, da análise da realidade, de comparações, generalizações e
sínteses, em conjunto com Monitores e, principalmente, com seus colegas. Quando
retornam à família e comunidade, é o momento de experimentar, de transformar e
também de novas interrogações e pesquisas. Portanto, os estudantes tornam-se
atores principais dos seus processos de aprendizagens em conjunto com os Monitores,
colegas, famílias e comunidade, assim ocorrendo à construção do conhecimento.
A alternância como uma práxis educacional, permite que os estudantes aprendam
a partir dos seus conhecimentos de origem e que não tenham que se afastar do seu
seio familiar, evitando assim perder o vínculo com o campo. Daí a importância dos
Instrumentos Pedagógicos enquanto ferramentas que permitem um compartilhamento
direto e imediato de saberes entre a família e comunidade e o CEFFA´s, que mantem
o diálogo para promoção efetiva da construção do conhecimento. Podemos destacar,
a abertura da família e da comunidade para aquele estudante, pois são ambientes
pedagógicos e devem ser explorados físicos e culturalmente. Gimonet (2002) destaca
a importância aos estudantes em adentrar na realidade ambiental, econômica e social
da sua unidade produtiva familiar e comunidade.
410
aspectos técnicos-profissionais, intelectual, humano, social, econômico, ecológico,
espiritual e de cidadania. Visto que, uma das prioridades dos CEFFA´s é a Formação
integral da pessoa humana e seu desenvolvimento com qualidade e dignidade da
vida do campo, compondo mais um de seus pilares.
Segundo Calvó (1999), a Formação Integral considera a totalidade, a
integralidade da pessoa como ser humano e tudo aquilo que pode enriquecer a sua
formação, considerando todos os ângulos: formação escolar, formação profissional,
formação social, educação, cidadania, projeto de vida, economia, família, meio. E
os elementos que intervêm na Formação integral dos estudantes pela Alternância
são: família; monitores; grupo de estudantes, amigos, capacidades, programa oficial,
escola, cultura local, projetos, meio social, trabalho, economia e outros. Para o mesmo
autor citado, essa formação que leva em conta a totalidade dos elementos formativos,
influi e colabora também na formação de todos os aspectos da pessoa humana,
tais como, intelectuais, técnicos, científicos, profissionais, humanos, sociológicos,
artísticos, filosóficos, econômicos, espirituais, éticos, ecológicos e outros fatores.
García-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010, p. 62), afirmam que a Formação
integral se preocupa em, “Formar pessoas em valores humanos, promotoras do
desenvolvimento pessoal e coletivo, com uma capacidade de compromisso social
no meio onde se encontra.”. A Formação integral não se resume apenas aos muros
dos CEFFA´s, pela Pedagogia da Alternância, e o uso correto dos seus Instrumentos
Pedagógicos, o meio familiar e comunitário também são centros pedagógicos de
construção do conhecimento, segundo Caliari (2002, p. 84), “efetivada a partilha da
responsabilidade da família no processo educativo do jovem [...] todas as ações são
compartilhadas em comum entre escola – família – comunidade.”. É um movimento
interligado dos conteúdos ministrados pelos Monitores e a realidade dos estudantes,
ainda de acordo com o mesmo autor (2002, p. 83), “O jovem vai estudar tanto na
família como na escola e a cada tema investigado há um encadeamento lógico do
assunto com os conteúdos das outras disciplinas.”. A Formação Integral se desenvolve
em vários espaços junto a rede CEFFA´s, em conjunto com os respectivos atores do
processo educativo, tais como pais, familiares, comunidade, instituições, parceiros
e sociedade, os quais também são responsáveis pela construção pedagógica e
411
humana dos estudantes.
De acordo com Nascimento (2005), a educação e Formação Integral dos
estudantes, além da formação geral e profissional leva em consideração todas as
dimensões da pessoa humana, buscando descobrir, valorizar e desenvolver as
capacidades de cada jovem, num tratamento personalizado, através do espírito da
iniciativa, criatividade, trabalho de grupo, senso de responsabilidade e de solidariedade,
ajudando a construir o projeto de vida/profissional junto com a família e o meio em
que vive. E a partir desta Formação Integral, o egresso da rede CEFFA´s é capaz de
transformar sua realidade.
O último pilar que sustenta a rede CEFFA´s, para assim caracterizá-la, é o
Desenvolvimento do Meio. Este deve inicialmente resgatar as identidades dos
estudantes como pertencentes àquele meio social, comunitário e familiar, bem como
de todos os atores do processo educativo, como se observa na autora Vergutz (2013,
p. 70): “traduz num trabalho de reconhecimento e valorização do sujeito, da sua
família, da sua comunidade [...] de todas as relações que possibilitem este ou esta
jovem atuarem e refletir valorizando os saberes locais.” Desde o nascimento deste
sistema educacional, uma de suas finalidades era o desenvolvimento de uma região
através de um projeto educativo para os estudantes.
O Desenvolvimento do Meio respeita a abrangência da rede CEFFA´s, no
que tange ao meio geográfico, populacional, cultural, religioso, que possuem maior
diversidade de culturas e a sua reprodução. Após o reconhecimento dos estudantes
como pertencentes a este meio, é desenvolvido sua percepção do meio como um todo,
não apenas o desenvolvimento econômico, quebrando o pensamento fragmentado e
limitado apenas nas questões monetárias. O Desenvolvimento do Meio perpassa pelas
questões sociais, ambientais, econômicas, culturais, ecológicas e religiosas daquela
região. É distinto da lógica mercadológica de desenvolvimento, onde a degradação e
contaminação ambiental pelo excessivo uso de maquinários, implementos agrícolas
e o abuso de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos é mitigado pelos altos índices de
produtividade. Ainda, são refletidas a histórica exclusão das populações do campo
pela negligência de políticas públicas e serviços básicos, (FERREIRA, 2014).
A rede CEFFA´s preconiza o Desenvolvimento do Meio a partir da congregação
412
dos saberes tradicionais de origem das populações do campo aos conhecimentos
técnicos científicos escolares, dos parceiros e instituições que integram os atores
do processo educativo e são responsáveis pela Formação Integral dos estudantes.
Portanto, o desenvolvimento de uma agricultura responsável, que tenha menor impacto
negativo no ambiente e na sociedade e que saiba harmonizar o desenvolvimento
produtivo com a preservação ambiental. Como cita o autor Nascimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
413
organização da associação local e a práxis teórico metodológico da pedagogia da
alternância.
Essas são caracterizadas como Centros Educativos de Formação em
Alternância que coadunam os conteúdos escolares aos conhecimentos das
populações do campo, ressignificando a educação e tornando-a mais significativa aos
estudantes, famílias e comunidades rurais. Ainda, compartilham a responsabilidade
educacional entre os atores sociais que refletem a importância de uma educação
contextualizada e compatível com as necessidades e realidades das populações do
campo. Reconhecem outros espaços de educação para além dos muros da escola,
valorizando e considerando os processos educacionais no ambiente familiar e
comunitário.
Entendemos que essas experiências educacionais contribuem na oferta e
desenvolvimento da educação às populações do campo, pois essas constituem seu
processo educacional junto aos conhecimentos dessas, ressignificando e tornando-
os curricular.
REFERÊNCIAS
CALDART, Roseli Salete. Por uma Educação do Campo: traços de uma identidade
em construção. In: KOLLING Edgar Jorge, CERIOLI Paulo Ricardo e CALDART,
Roseli Salete, (Orgs.). Educação do Campo: identidade e políticas públicas. Brasília:
Articulação nacional por uma educação do campo, 2002. (Coleção Por Uma Educação
do Campo, n.º 4).
414
CALVÓ, Pedro Puig. Centros Familiares de Formação em Alternância. In: Pedagogia
da Alternância: Alternância e Desenvolvimento. Primeiro Seminário Internacional.
Salvador: UNEFAB, 2ª ed. 1999.
COSTA, João Paulo Reis. Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC:
uma contribuição ao desenvolvimento da região do Vale do Rio Pardo a partir
da pedagogia da alternância. 225 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento
Regional) – Universidade de Santa Cruz do Sul, 2012.
415
PACHECO, Luci Mary Duso. Práticas Educativas Escolares de Enfrentamento
da Exclusão Social no Meio Rural: A Pedagogia da Alternância e a Casa
Familiar Rural em Frederico Westphalen. Dissertação (Mestrado em Educação).
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo. 2010.
416
SOBRE OS ORGANIZADORES
ANE CARINE MEURER