Ustulação
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4 USTULAÇÃO
4.1 INTRODUÇÃO
É a transformação de um composto sólido em outro, mais adequado ao processamento
metalúrgico, por meio de uma reação química heterogênea1 do tipo:
A(s) + B(g) = C(s) + D(g).
O produto C − dependendo do valor da temperatura − também pode acontecer de estar
no estado líquido ou no gasoso − principalmente quando se tratar de cloretos ou oxi-cloretos.
Com a ustulação, procura-se transformar sulfetos em (i) óxidos:
MeS + 1,5 O2 = MeO + SO2 ,
ou (ii) sulfatos:
MeS + 2 O2 = MeSO4;
e, também, óxidos em haletos, segundo:
MeO + 2 Cl2 = MeCl4 + 0,5 O2.
As razões para o emprego da ustulação são variadas, por exemplo: os sulfetos são de
difícil redução pelo carbono, os sulfatos podem ser dissolvidos seletivamente em água e os
haletos, por causa do seu baixo ponto de fusão ou ebulição, podem ser destilados de uma
massa contendo impurezas. O mercúrio é o único metal obtido por ustulação, a partir do HgS
− a fonte mineral mais importante desse metal −, e pode ser representada por:
HgS(s) + O2(g) = Hg(g) + SO2(g)
O gás empregado nas diferentes reações de ustulação varia de acordo; normalmente
usa-se o oxigênio do ar com os sulfetos (por exemplo, na metalurgia extrativa do Zn, Cu e Pb)
e cloro ou flúor com os óxidos (na obtenção de Ti, Zr e U − entre outros).
A ustulação dos sulfetos é realizada normalmente em uma temperatura abaixo do
ponto de fusão das duas fases sólidas envolvidas, usualmente abaixo de 900-1000°C; por
outro lado − de ordem para que as reações se realizem com uma velocidade suficiente − em
geral acima dos 500-600°C. Para a produção de sulfatos, a temperatura não pode ser muito
elevada; idealmente, o tratamento deve ser conduzido entre 600 e 800°C, pois estas
substâncias tendem a se decompor quando submetidas à temperaturas muito altas.
Uma característica importante da ustulação dos sulfetos é a sua exotermicidade; se
isto, por um lado, permite a economia de combustível, por outro, traz o risco de
transformações indesejadas (fusão, ebulição) de substâncias da carga, provocadas pelo
aquecimento excessivo.
A ustulação cloretante (halogenação) dos óxidos é realizada por volta dos 900-
1000°C. Caso seja feita com o uso de compostos químicos sólidos como, por exemplo, de
CaCl2, ao invés de Cl2, segundo:
MeO + CaCl2 = MeCl2(g) + CaO,
a temperatura deve ser ainda mais elevada, por volta dos 1250°C. Ela pode ainda ser
combinada com uma redução carbotérmica − como na cloretação do rutilo:
TiO2 + C + 2Cl2 = TiCl4 + CO2
Uma possível complicação na halogenação dos óxidos é a produção paralela de oxi-
cloretos como, por exemplo, WOCl4, VOCl3, NbOCl3, que freqüentemente são voláteis e de
difícil separação dos outros cloretos gasosos (posteriormente, na redução do cloreto à metal, o
oxigênio contaminará o produto).
A halogenação dos sulfetos segundo:
MeS + Cl2 + O2 = MeCl2 + SO2 e
MeS + CaCl2 + 1,5 O2 = MeCl2 + SO2 + CaO
1
Ou seja, com o envolvimento de diferentes fases.
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equilíbrio termodinâmico tem uma pressão parcial de SO2 elevada 2. Uma vez que o sistema
esteja nessa condição, o oxigênio colocado em contato com o sulfeto reagirá produzindo
óxido e SO2. Mantendo-se, pois, um excesso de oxigênio na composição da atmosfera do
reator, o valor da razão pSO2 / [pO2]1,5 (valor conhecido como quociente de reação, Q) será
inferior à K, e a fase estável será a MeO (o inverso também é verdadeiro − neste caso, a fase
privilegiada seria o MeS).
Para se determinar a composição da atmosfera, envolvendo também na composição as
espécies químicas SO2 e SO3, são necessárias equações estequiométricas que relacionem entre
os reagentes ou produtos esses constituintes.
O número máximo de equações linearmente independentes, R, que podem ser escritas
para o sistema homogêneo, é dado pela regra de estequiometria de Gibbs:
R≤N–C
(N é o número de espécies químicas; C é o número de componentes); como N = 4 (O2, SO2,
SO3 e S2) e C = 2, (S e O), nesse caso, o número é igual à dois. Estas equações, por facilidade,
devem ser escolhidas dentre aquelas reações estequiométricas que se conhecem os valores de
∆Gº como, por exemplo:
S2 + 2O2 = 2 SO2 e
SO2 + 0,5 O2 = SO3.
As equações de equilíbrio, correspondentes, são:
K1 = p[SO2]2 / pS2 ⋅ [pO2]2 e
K2 = pSO3 / pSO2 ⋅ [pO2]0,5;
elas formam um sistema de duas equações e quatro incógnitas (as pressões parciais dos
gases); adicionando-se ao sistema a reação de ustulação do sulfeto em óxido de que estamos
tratando, obtém-se um sistema de três equações e quatro incógnitas que pode ser resolvido se
as pressões parciais dos componentes da atmosfera forem definidas em função da
concentração de um deles (ou, conforme já visto, com a escolha de uma quarta equação, por
exemplo, a da pressão total). O gás escolhido por causa da sua importância como reagente, é
novamente o oxigênio.
A reação do oxigênio com o sulfeto pode, teoricamente, produzir simultaneamente
outras substâncias como, por exemplo: MeSO4 e Me, segundo:
MeS + 2 O2 = MeSO4 e
MeS + O2 = Me + SO2.
além do MeO. Como garantir, então, a produção daquela, dentre as três, na qual estamos
interessados? Para responder a esta indagação devemos examinar mais atentamente quais são
as condições de um equilíbrio termodinâmico entre múltiplas fases (multifásico).
Repetindo-se o mesmo raciocínio, de se determinar as pressões no equilíbrio entre
fases, mudando-se porém a reação para envolver novas fases condensadas, podemos descobrir
as composições da atmosfera que definem as condições de equilíbrio entre elas. Os valores de
log (pSO2) obtidos em função de log (pO2) podem ser graficados para uma visão integral do
equilíbrio do sistema Me-S-O. Este gráfico (Figura 4.1) é conhecido pelos nomes de
diagrama de Kellogg (em homenagem ao seu idealizador: H.H. Kellogg), ou diagrama de
áreas de predominância − uma vez que as linhas dividem-no em áreas onde, em cada uma
delas, apenas uma única das fases condensadas é predominante.
O diagrama de Kellogg ficará cada vez mais completo quanto maior for o número de
fases que resolvermos considerar. Partindo-se de um sistema contendo MeS e O2, podemos −
em princípio − produzir qualquer uma delas, bastando para isto seguir as condições
2
Esse aparente paradoxo se deve à regra mais difundida da ‘lei da ação das massas’! As duas regras, contudo,
não se contradizem, e a aparente incoerência é solucionada quando lembramos do conceito de K – ao lado do
conceito de quociente de reação, Q, mais associado ao ‘princípio de Le Chatelier’.
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É fácil perceber, pelo que foi exposto acima, que a linha da reação de transformação
de sulfeto em metal tem inclinação positiva; a inclinação também é positiva para a reação:
MeS + 1,5O2 = MeO + SO2,
mas pode ser negativa para outras reações como, por exemplo, para:
MeO + 0,5O2 + SO2 = MeSO4.
Quando a reação não envolve a espécie química SO2, a inclinação é ‘infinita’ (linha vertical):
Me + 0,5O2 = + MeO e
MeS + 2O2 = MeSO4.
e, quando não envolve O2, é nula (linha horizontal) − este caso não está presente aqui.
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Conforme pode ser visto na Figura 4.1, a operação de ustulação também pode ser
usada na produção de um metal; a temperatura adequada difere consideravelmente de um
metal para outro. Para metais como o Pb e o Cu, a reação ocorre abaixo dos 1000°C −
portanto, na faixa usual de ustulação − e, para metais mais ativos, como o Ni, Fe e Zn, a
temperatura é tão alta que, para fins práticos, pode ser considerada como ‘impossível’;
industrialmente, o único metal obtido por este método é o mercúrio.
Fig. 4.2 Fases condensadas estáveis do sistema Me-S-O, em função das pressões
parciais de O2 , SO2 e do inverso da temperatura
Além das representações isotérmicas já vistas, também pode-se construir gráficos que
representam log(pO2) em função de 1/T − para valores constantes de log(pSO2). A inclinação,
I, da linha que representa o equilíbrio entre duas fases condensadas quaisquer pode ser
calculada por:
I = d log (pO2) / d 1/T.
Como K é o único termo na equação que é função da temperatura (e, portanto, de 1/T), a
inclinação pode ser expressa por:
I = d log (K) / d 1/T.
Como a equação de van’t Hoff nos diz que:
d ln(K) / d 1/T = - ∆H° / 2,303 ⋅ R ,
então:
I = - ∆H° / 2,303 ⋅ R .
Essa equação é válida para todas as reações estequiométricas, porém, pela necessidade
de se normalizar as equações para a comparação, torna-se imperativo que a variação da
entalpia da reação seja fornecida numa mesma base − por exemplo, por mol de O2. Mesmo
que o valor da entalpia varie consideravelmente, de um metal para outro, os diagramas
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