PLÁGIO

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PLÁGIO

Universidade em tempos de plágio

Plagiar nunca foi tão fácil e freqüente nas universidades brasileiras, principalmente depois
da popularização da internet. Os professores universitários são obrigados a duvidar de
todos os trabalhos entregues pelos alunos. “O plágio nas universidades se tornou uma
pandemia”, lamenta Lécio Augusto Ramos, professor de metodologia da pesquisa do curso
de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá e orientador de trabalho de
conclusão de curso da cadeira de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense
(UFF).

Segundo ele, há um grande processo intenso de apropriação indevida de frases, parágrafos


e até trabalhos inteiros nos cursos de graduação e pós. Embora exista uma legislação
especifica sobre direitos autorais e o Código Penal estabeleça punições, a cópia se torna
cada dia mais comum entre os estudantes. “O plágio intelectual é indefensável e está
presente em todos os níveis, do jornalismo à academia”, ressalta Lécio.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a cópia também tem sido detectada de
forma freqüente. Ana de Alencar, professora de Teoria Literária da Faculdade de Letras da
UFRJ, conta que o tema se tornou recorrente nas conversas entre os professores, que
aplicam nota zero quando identificam o furto teórico. Ana, no entanto, não dramatiza a
questão. Acha que o desenvolvimento tecnológico provocou uma revisão do debate sobre
direitos autorais. Mesmo assim, considera o plágio inaceitável.

Ruim como certos chopes

Rosa Benevento, coordenadora do departamento de Comunicação Social da UFF, que


engloba os cursos de jornalismo, publicidade e cinema, revela que, tão grave quanto o
plágio, foi descobrir que a cópia, em muitos casos, não ocorre exatamente por má-fé, mas
porque o aluno aprendeu a plagiar no ensino médio: “Isso me alertou para o tipo de ensino
de pesquisa e elaboração de trabalho que esses alunos estão aprendendo antes de chegar
à faculdade. Isso é muito preocupante”, avalia.

Rosa conta que a identificação cada vez mais regular de trabalhos com plágios obrigou a
faculdade a realizar palestras de orientação sobre o assunto. “A idéia é mostrar para eles
que o mais importante é criar e não copiar”. Para os alunos, copiar é preciso. Exercitar o
intelecto, nem tanto.

Seja por desconhecimento ou má-fé, o fato é que nunca se viram na história do ensino
brasileiro tantos plágios identificados, segundo os professores entrevistados. A maioria dos
alunos ignora ou finge não saber que a cópia sem citação da fonte tem conseqüências
jurídicas nas esferas civil e penal.

O advogado Rodrigo Borges Carneiro, especialista em direitos autorais e propriedade


intelectual, diz que o plágio configura o crime de violação dos direitos do autor, tipificado
no artigo 184 do Código Penal. O plagiário pode ser condenado a pena de detenção de três
meses a um ano, ou multa. Caso a violação consista “em reprodução total ou parcial, com
intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, (...)
sem autorização expressa do autor, (...) ou de quem os represente”, a pena será de “dois a
quatro anos de reclusão, e multa”.

A lei de direitos autorais (9.610/1998), que regula a matéria, estabelece que “ninguém
pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la,
comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor” (artigo 33). O artigo 7 da lei define as
obras intelectuais protegidas pela lei (os textos de obras literárias, artísticas ou científicas,
obras dramáticas, composições musicais etc.) e o artigo 22 diz que os direitos morais e
patrimoniais sobre a obra criada pertencem ao autor. É óbvio, mas é a lei, que, não raro, é
óbvia.

Direito autoral, na definição de Henrique Gandelman no livro “O que você precisa saber
sobre direitos autorais”, “é a proteção jurídica das formas de expressão originais e
criativas, tanto de idéias como de conhecimento e sentimentos humanos”. Mais claro do
que isso, só chope de má qualidade servido em certos barzinhos da predileção dos
universitários.

O uísque como padrão

No Brasil, os direitos do autor foram reconhecidos legalmente pela primeira vez em 1891,
com a primeira constituição republicana. A matéria passou a ser regida pelo Código Civil a
partir de 1917, mas em 1973 entrou em vigor uma lei específica (lei 5.988). Atualmente,
como já dito, os direitos autorais são regulados pela lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Além das normas internas, o país aderiu a cinco tratados internacionais que protegem a
propriedade intelectual: Convenção de Berna; Convenção Universal; Convenção de
Genebra; e Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao
Comércio (TRIPs).

O conceito de copyright, porém, é bem mais velho. Surgiu na Inglaterra mais de um século
antes da inserção da matéria na constituição brasileira. Foi durante o reinado da rainha
Ana, mais precisamente em 1709, que se elaborou o Copyright Act, segundo Gandelman
em seu livro sobre direitos autorais.

A coroa passou a proteger por 21 anos, idade de um uísque de ótima qualidade, as cópias
impressas de determinadas obras registradas formalmente. As obras não impressas eram
protegidas durante 14 anos, pouco mais do que o padrão de um scotch mais do que
razoável. Até então, sob a vigência do Licensing Act, de 1662, só os editores comiam o
pirão. Os autores chupavam dedo.

Na França, os autores conseguiram fazer valer seus direitos no final do século XVIII. A
Revolução Francesa em 1789, que, além das decapitações, teve na defesa dos direitos
individuais uma de suas marcas mais significativas, foi o estopim para que o conceito do
copyright inglês fosse incorporado à legislação do país de Rabelais.

De lá para cá, a legislação foi se aperfeiçoando no mundo ocidental. E, em 1948, a


Organização das Nações Unidas (ONU), na assembléia geral realizada em 10 de dezembro,
inseriu na Declaração Universal dos Direitos Humanos que todo homem tem “direito à
proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção literária,
artística ou científica de qual seja o autor” (artigo 27, parágrafo 2).

Aranhas em teia alheia

Desde a popularização da internet, o uso muitas vezes indiscriminado do conteúdo


disponível na rede gera debates intermináveis sobre a propriedade intelectual e sua
proteção legal. Estabeleceu-se a confusão (para alguns, uma certeza inabalável) de que os
textos disponíveis para leitura e consulta pudem ser reproduzidos ad nauseam sem ao
menos um pedido de permissão por e-mail - que dirá remuneração. Quem escreve sabe
que, na world wide web, as aranhas se incumbem de espalhar a teia alheia.
E se os internautas estão se criando e sendo criados sob a mentalidade do desrespeito com
a proteína mental alheia, alguns intelectuais referendam a velhacaria e estimulam o crime.

Pierre Lévy, popstar do pensamento sobre o mundo digital, teve a desfaçatez de escrever
no seu livro “O que é virtual” que a “distinção do original e da cópia há muito perdeu
qualquer pertinência” na internet. Ele acha que “não há mais um texto, discernível e
individualizável, mas apenas texto, assim como não há uma água e uma areia, mas água e
areia”.

Se o pecado fosse apenas a obviedade, tudo estaria resolvido. Mas o problema é de outra
ordem. E muito mais grave. Lévy quer vender a idéia abjeta de que no espaço virtual não
cabe falar em originalidade e autoria. O texto, como obra individual, se perderia num
imenso sopão de letrinhas. Assim, não haveria razões para se estabelecer critérios de
qualidade. Qualquer viúva de Bukowski seria colocada na altura de Philip Roth, para
ficarmos em autores contemporâneos.

Lécio Ramos, professor da Universidade Estácio de Sá, atribui a quatro fatores o


crescimento do plágio intelectual:

1- A deformação na formação educacional e intelectual de alunos, professores e demais


profissionais da área;
2- A diluição ética do que é e do que não é lícito fazer;
3- A facilidade trazida pela internet, que coloca à disposição, em escala geométrica, muitos
textos para quem quiser copiar;
4- A falta de tempo e pressão para produzir trabalhos.

Amigo e alcagüete

D.G, aluno de direito na UniverCidade no Rio de Janeiro, diz que 90% dos trabalhos que
entregou na faculdade são plagiados de textos disponíveis na internet. O acadêmico revela
que copia pela praticidade, agilidade e certeza de que assim terá um trabalho de melhor
qualidade do que se fizesse por conta própria.

E sobre o aspecto ético e legal, tão caros ao direito? “Na verdade, nunca parei para pensar
nisso. Quase todos os meus colegas na faculdade também copiam da internet ou copiam
trabalhos que foram feitos assim”, diz D.G. “Mas sei que o maior prejudicado serei eu
mesmo.”

O plágio se tornou um problema tão sério que os professores universitários ouvidos por
NoMínimo defendem a adoção imediata de um trabalho pedagógico de conscientização e o
ensino mais eficaz de como pesquisar e usar as fontes de informação. Ana Alencar, da
UFRJ, acha fundamental seduzir o aluno despertando-lhe o interesse pelo desenvolvimento
intelectual. E ela não propôs chopada nem churrasco, mas aulas dinâmicas.

Rosa Benevento, da UFF, diz que os professores podem coibir o plágio acompanhando o
desenvolvimento do aluno. “Conhecendo o aluno, é possível perceber imediatamente se o
trabalho que ele produziu está de acordo com sua formação e rendimento.”

Lécio Ramos, da Estácio de Sá, acha que esse é um dos caminhos, mas lembra aos
professores que consultar um programa de metabusca também é importante para verificar
a origem da cópia. Na maioria das vezes, o Google denuncia imediatamente a fonte do
furto intelectual. O programa criado por Sergey Brin e Larry Page é, ao mesmo tempo,
grande amigo dos plagiários e o mais eficiente alcagüete dos jovens criminosos.

Por tão suspeito quanto o mordomo


Há três tipos muito comuns de plágio, segundo o professor da Estácio de Sá:

- plágio integral - a transcrição sem citação da fonte de um texto completo;


- plágio parcial - cópia de algumas frases ou parágrafos de diversas fontes diferentes, para
dificultar a identificação;
- plágio conceitual - apropriação de um ou vários conceitos, ou de uma teoria, que o aluno
apresenta como se fosse seu.

Muitos alunos, para engabelar os professores, deixam para entregar os trabalhos no fim do
prazo na esperança de que o acúmulo de textos para corrigir impeça a descoberta do
plágio.

Uma dica para não copiar por erro ou ignorância (excluindo a má-fé) é seguir as
recomendações de Umberto Eco no livro “Como se faz uma tese em ciências humanas”. O
professor italiano cita exemplos bastante claros de uma “paráfrase honesta”, “uma falsa
paráfrase” e uma “paráfrase textual que evite o plágio”. Ali está o caminho das pedras.

O plágio ampliou as responsabilidades do professor, que, pela regularidade com que


encontra trechos copiados, opta por aplicar uma nota zero ou solicitar ao aluno que refaça
corretamente o trabalho. Alguns são diretamente encaminhados ao departamento
responsável para as devidas punições, que começam com uma advertência e podem
culminar na expulsão da universidade.

E se engana quem acha que só os alunos se valem do plágio. “Tivemos casos aqui até de
professores plagiando trabalhos de outros professores”, revela Rosa Benevento, da UFF.
Um dos casos mais notórios, que não envolve internet, foi apontado pelo diplomata José
Guilherme Merquior, intelectual de primeira e uma espécie de pitbull das polêmicas. Num
texto para a “Folha de S. Paulo” em julho de 1989, Merquior revelou a “desatenção” da
professora de filosofia Marilena Chauí ao inserir vários parágrafos do pensador francês
Claude Lefort, sem citar a fonte, no seu livro “Cultura e democracia”.

O filósofo Roberto Romano, num texto para o “Correio Popular” de setembro de 2005,
lembra que “movido pela piedade e diante dos lamentos dramáticos por ela encenados”,
tentou defendê-la. E levou “merecidas pauladas de Merquior”. Romano revela que um
figurão “importantíssimo no Panteão da esquerda”, único a não se sentir indignado com
Merquior, “disse clara e distintamente:Ela colou”. Lefort, professor e amigo de Marilena,
tentou publicamente salvar a aluna da acusação, mas Merquior não havia deixado abertura
para refutações.

Nenhuma instituição está salva do plágio e os alunos passaram a ser tão suspeitos quanto
o mordomo dos romances policiais. E, se a cara de pau dos plagiários não tem nada de
virtual, a velha assassinada não é mais uma vovozinha rica, mas o presente e o futuro
intelectual de uma nação.

Fonte: http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=3974. Acesso em:


14 mar. 2008

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