666 e Vicarius Filli Dei

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Ano 3 Nmero 2 2.

Semestre 2007
www.unasp.edu.br/kerygma
pp.92-95

VII JORNADA BBLICO-TEOLGICA 2007


VICARIUS FILII DEI: SUA ORIGEM E USO NA IASD
COMO INTERPRETAO DE APOCALIPSE 13:181
Luiz Gustavo S. Assis
Graduando em Teologia pelo Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP
Monografia apresentada em abril de 2007
Orientador: Rodrigo P. Silva, Th.D.
[email protected]

Resumo: Nesse artigo fao uma busca histrica da origem e do uso da expresso vicarius Filii
Dei como interpretao de Apocalipse 13:18 nos crculos adventistas. Aps esse background
histrico, discorrerei brevemente sobre o uso desse ttulo no meio adventista, bem como sobre
da validade hermenutica do mesmo para a interpretao do nmero 666.
Palavras-chave: Apocalipse; papado; 666.

VICARIUS FILII DEI: ITS ORIGIN AND USE IN THE SDA


AS AN INTERPRETATION OF REVELATION 13:18
Abstract: In this article well make an historical research of the origin and use of the expression
Vicarious Filii Dei as an interpretation of Revelation 13:18. After this historical background, I will
briefly analyze the use of this title in the Adventist environment and the hermeneutical validity of
it as an interpretation of the number 666.
Keywords: Revelation; Papacy; 666.

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As interpretao mais popular no meio adventista para o nmero 666, citado em


Apocalipse 13:18, a utilizao do suposto ttulo papal vicarius Filii Dei. Entre as muitas
questes a serem levantadas a partir desse assunto, o que nos interessa nesse artigo a
confiabilidade histrica dessa expresso e a validade de seu uso nos crculos adventistas.
1. ORIGEM DO TTULO
O documento Doao de Constantino a mais antiga referncia do suposto ttulo papal
vicarius Filii Dei. Tendo sido escrito no perodo da Idade Mdia, esse o mais antigo relato
eclesistico que confere a Pedro a autoridade de ser substituto do Filho de Deus2. Por quase
600 anos, o catolicismo o considerou como genuno, mesmo porque aproximadamente dez
papas o utilizaram como prova de sua autoridade temporal3.
A meno do nome Constantino sugere que esse documento deve ter sido escrito nos
dias desse imperador, no sculo 4 A.D. Porm, Lorenzo Valla, por algum tempo secretrio do
papa humanista Nicolau V, em 1440 escreveu uma crtica literria e histrica demonstrando
que a Doao de Constatino era um documento forjado, que provavelmente foi composto em
meados do sculo 9 A.D.4.
2. VICARIUS FILII DEI EM AUTORES PROTESTANTES
O escritor protestante mais antigo a relacionar o a expresso vicarius Filii Dei ao nmero
666 foi o alemo Andreas Helwig (ca. 1572-1643). Esse erudito foi professor de lnguas bblicas
e letras clssicas por quase trs dcadas. Em 1612, Helwig escreveu sua obra Antichristus
Romanus, na qual reuniu 15 ttulos nas lnguas latina, grega e hebraica, que na soma de suas
letras, dariam a cifra apocalptica. Tal obra no enfatizou o ttulo vicarius Filii Dei, mas o
considerou apenas como mais uma das pretenses da Igreja de Roma.
Segundo Helwig, quatro fatores eram essenciais para um nome ser aplicado ao nmero
apocalptico: (1) a soma deveria dar a cifra correta; (2) teria que concordar com a ordem papal;
(3) deveria ser um nome do prprio anticristo, no um ttulo dado por seus inimigos; (4)
teria que ser um ttulo usado pelo o anticristo para a sua auto-ostentao. Porm, essa
interpretao
se tornou comum entre autores de diversas denominaes em meados da Revoluo
Francesa
(1789-1799), quase duzentos anos aps a publicao de sua obra5.
Autores protestantes como Amzi Armstrong (1771-1827)6, os presbiterianos William Linn
(1752-1808)7 e David Austin (1760-1831)8 e Robert Shimeall9, aplicaram ao nmero 666 os
ttulos Ludovicus (latim), Lateinos (grego), Romith (hebraico) e vicarius Filii Dei. Referente a
esse ltimo, John Bayford, em sua obra Messiahs Kingdom (ca. 1820), afirmou que sua
utilizao era dificilmente satisfatria e que a expresso correta ainda estava para ser
descoberta10. Percebe-se assim, que desde o sculo 19, j havia certa relutncia em aplicar
esse ttulo ao nmero 666.
3. VICARIUS FILII DEI EM AUTORES ADVENTISTAS
Muitos dos pioneiros do movimento adventista foram contemporneos dos autores
protestantes mencionados anteriormente. Sendo assim, natural encontrarmos semelhana
entre as interpretaes de Apocalipse 13:18 de ambos os grupos. Foi por meio dos trabalhos
de Uriah Smith, decano da interpretao proftica nos crculos adventistas11, que se atribuiu a
expresso vicarius Filii Dei ao papado. Smith assim entendia: a expresso mais plausvel que
temos visto sugerir contendo o nmero da besta o ttulo que o papa toma para si mesmo e
permite que outros lhe apliquem. Esse ttulo Vicarius Filii Dei, que quer dizer Substituto do
Filho de Deus. Tomando as letras deste ttulo que os latinos usavam como numerais e dandolhes o seu valor numrico, temos exatamente 666.12
A interpretao de Smith causou um impacto significativo no adventismo, a ponto de
John N. Andrews, o expoente teolgico mais importante dessa denominao, adot-la na

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reimpresso de sua obra The three angels of Revelation XIV, 6-12, em 1877. Os anos
posteriores presenciaram uma expanso dessa viso, por meio dos trabalhos pblicos e
impressos de alguns evangelistas adventistas ao redor do mundo. Stephen. N. Haskell, por
exemplo, ao tratar do tema de Apocalipse 13, enfatizou apenas vicarius Filii Dei13.
O mesmo foi feito pelo autor brasileiro Aracely Mello ao afirmar que existem fatos
comprobatrios de que Vicarius Filii Dei o ttulo verdadeiro do Papa e de Roma Papal.14
Roy Alan Anderson, importante nome no evangelismo adventista, utilizou ttulos como
stur (aramaico), italika ekklesia, he latine Basilia (grego) e vicarius Filii Dei (latim)15 Por sua
vez, o evangelista argentino Daniel Belvedere limitou a interpretao do nmero 666 a
expresso substituto do Filho de Deus16e C. Mervyn Maxwell adotou essa mesma posio17.
Este quem sabe seja o principal motivo para o ttulo vicarius Filii Dei ser associado com
Apocalipse 13:18 por tantos adventistas. Porm, por mais popular que seja essa interpretao,
inegvel que existem inmeros problemas na sua aplicao ao relato bblico.
4. PROBLEMAS INTERPRETATIVOS
Como vimos anteriormente, o documento mais antigo a mencionar esse ttulo a
Doao de Constantino. A implicao disto que essa interpretao se baseia numa falso
decreto da Idade Mdia. Da mesma forma, h certa controvrsia envolvendo a inscrio de
vicarius Filii Dei na mitra papal.
A publicao Our Sunday Visitor, uma popular revista catlica americana, mencionou por
duas ocasies que havia, de fato, uma inscrio na tiara do papa. A primeira meno foi em
1914, e a segunda no ano seguinte. Porm, existe uma terceira citao que nega qualquer tipo
de inscrio na coroa do pontfice romano. E no h qualquer tipo de evidncia que prove o
contrrio18
Provavelmente, esse assunto teve incio com um incidente envolvendo W. W. Prescott,
um dos pioneiros da segunda gerao adventista. Um evangelista chamado C. T. Everson
visitou o Museu do Vaticano e tirou algumas fotografias de diversas tiaras papais, usadas ao
longo dos sculos. Nenhuma inscrio havia em sequer uma delas. Prescott foi autorizado para
utilizar as fotos na ilustrao de um dos seus artigos. Porm, a Southern Publishing
Association, quando preparava a publicao da verso atualizada da obra de Smith, contratou
um artista que inseriu as palavras vicarius Filii Dei. A sede mundial da IASD ordenou que a
impresso fosse interrompida e que removessem as fraudes fotogrficas19.
Em 1935, a revista Our Sunday Visitor desafiou o perodico adventista Present Truth,
que nessa poca tinha como editor Francis D. Nichol, a provar que a expresso substituto do
Filho de Deus era um ttulo oficial do papa. Nichol consultou a Prescott para solucionar esse
problema. Prescott afirmou que no era possvel responder ao desafio, j que os adventistas
baseavam essas argumentaes em fontes questionveis.20 Devido esse incidente, a sede
mundial da IASD sugeriu que tal interpretao jamais fosse utilizada novamente21.
Ironicamente, hoje est a interpretao mais popular entre os adventistas.
Em novembro de 1948, Leroy E. Froom publicou sua resposta para uma pergunta
referente a inscrio na tiara do papa. Aps negar qualquer tipo de grafia na mitra papal,
Froom afirmou que como arautos da verdade, devemos proclam-la verdadeiramente, e que
em nome da verdade e honestidade este peridico protesta contra algum membro da
associao ministerial da denominao adventista do stimo dia. Segundo ele, a verdade no
necessita de um fabricao para ajud-la22
Alm desses problemas, necessrio dizermos que esse recurso exegeticamente
desnecessrio. O pregador escocs Robert Fleming Jr. (ca. 1600-1716), por exemplo, jamais
utilizou vicarius Filii Dei na suas abordagens sobre o anticristo e chegou mesma posio dos
adventistas respeito desse poder, isto , o catolicismo apostlico romano23.
CONCLUSO
evidente, portanto, que o uso da expresso vicarius Filii Dei aplicado ao nmero 666
de Apocalipse 13:18 controvertida e questionvel. Visto que sua origem est ligada a um

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documento forjado. Como declarou Froom, nesse assunto, ns devemos honrar a verdade e
meticulosamente observar o princpio da honestidade ao lidar com as evidncias sobre todas
as circunstncias24.

1 Esse artigo parte de uma pesquisa em desenvolvimento sobre a histria da interpretao do nmero
apocalptico 666 na histria do cristianismo.
1 Bettenson, H. Documentos da igreja crist, So Paulo, ASTE, 1998, 171.
3 Coleman, Christopher B. The Treatise of Lorenzo Valla on the Donation of Constantine, Canada:
University of Toronto Press, 1993, 1 e 2. Essa obra foi originalmente publicada em 1922.
4 Cairns, Earle E. O cristianismo atravs dos sculos, So Paulo, Vida Nova, 2006, 213.
5 Froom, Leroy E. The Prophetic Faith of Our Fathers, Washington, D.C.: Review and Herald
Publishing
Association, 1954, vol. 2, 605-608.
6 O ttulo da obra A syllabus of lectures on the visions of the Revelation
7 O ttulo de seu trabalho Discourses on signs of the times
8 O ttulo de sua obra A prophetic leaf, citada em Froom, op. cit., 342 .
9 Damsteegt, P. Gerard. Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission, Berrien Springs,
MI: Andrews University Press, 1997, 206.
10 Froom, op. cit., 412.
11 Timm, Alberto R. O santurio e as trs mensagens anglicas: fatores integrativos no desenvolvimento
das doutrinas adventistas. Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitria Adventista, 2004, 137-138.
12Nichol, Francis D. (ed.). Seventh-day Adventist Biblical Commentary. Hangesrtown, MD: Review and
Herald Publishing Association, 1980, vol. 10, 1009.
13 Haskell, Stephen. N. The Story of the Seer of Patmos. Nashville, TN: Southern Publishing
Association,
1905. p. 105.
14 Mello, Aracely S. A verdade sobre as profecias do Apocalipse. Taquara, RS: Grafiacs, 1982. 202-203.
15 Anderson, Roy A. As Revelaes do Apocalipse. Tatu, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988. 151.
16 Belvedere, Daniel. Seminrio revelaes do Apocalipse. Tatu, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1987,
102.
17 C. Mervyn Maxwell. Uma nova era segundo as profecias do Apocalipse. Tatu, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1998. 431.
18 Nichol, Francis D. ed. op. cit., vol. 9. 1071.
19 Valentine, Gilbert. W.W. Prescott : Forgotten Giant of Adventism's Second Generation. Washington
D.C.: Review and Herald Pub. Association, 2005. 317.
20 Ibid., 318.
21 Ibid., 319.
22 Froom, Leroy E. Dubious Pictures of the Tiara, The Ministry, novembro de 1948, 35.
23 Torres, Milton Luiz. Contenes Quanto Interpretao Tradicional de 666 em Apocalipse 13:18.
Revista teolgica SALT-IAENE, Cachoeira, BA, v. 2, n. 1, 1998. 64.
24 Froom.Dubious Pictures of the Tiara, 35.

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