Manual Doenças Infecciosas - Francisco Antunes (2012) PDF
Manual Doenças Infecciosas - Francisco Antunes (2012) PDF
Manual Doenças Infecciosas - Francisco Antunes (2012) PDF
2 Edio
2012
Manual sobre
Doenas Infecciosas
2 Edio
2012
Francisco Antunes
(editor)
PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com
Manual sobre
Doenas Infecciosas
2 Edio
2012
Francisco Antunes
(editor)
PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com
Autores
Alice Ribeiro
Elsa Nunes
Emlia Valadas
A. Melio Silvestre
Eullia Galhano
Ana Horta
Carla Rodrigues
Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra
Ctia Carnide
Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra
Eduardo Monteiro
Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra
Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra
F. Carvalho Arajo
Francisco Antunes
Germano do Carmo
Helena Carmona
Henrique Lecour
III
Isabel Aldir
Patrcia Pacheco
Joana Quaresma
Paula Valente
Joaquim Oliveira
Saraiva da Cunha
Servios Farmacuticos
Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa
Kamal Mansinho
Manuela Doroana
Servio de Infecciologia
Hospital Fernando de Fonseca
Amadora
Pediatra
Membro da Comisso Nacional de Vacinao
Lisboa
Soraia Almeida
Susana Boavida
Teresa Paixo
Epidemiologista
ndice
Seco Ttulo
Autor
N Pg.
Prefcio
VII
VIII
Teresa Paixo
Emlia Valadas
13
Antimicrobianos
Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos
Joo Paulo Cruz
25
Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos
Francisco Antunes
35
Carbapenemes
Germano do Carmo
51
Glicopeptdeos
Francisco Antunes
59
Macrlidos e quetlidos
A. Mota Miranda
61
Cloranfenicol e tetraciclinas
F. Carvalho Arajo
85
Quinolonas Ana Rita Silva
93
Rui Sarmento e Castro
Aminoglicosdeos A. Melio Silvestre
107
Francisco Antunes
Sulfonamidas e suas associaes
Francisco Antunes
113
Outros antibacterianos Miguel Arajo Abreu
115
Susana Boavida
Rui Sarmento e Castro
Antivricos
Francisco Antunes
135
Antifngicos
Patrcia Pacheco
143
Antiparasitrios
Kamal Mansinho 155
Francisco Antunes
167
Francisco Antunes 171
Spsis
Francisco Antunes
179
185
Infees respiratrias
Pneumonia aguda
Bronquite aguda e crnica
10
Alice Ribeiro
287
11
Endocardite infecciosa
Germano do Carmo
305
12
13
Joaquim Oliveira
345
14
Infees intra-abdominais
Manuela Doroana
361
203
251
15
Infeces gastrintestinais
Isabel Aldir
371
16
383
17
411
18
Francisco Antunes
433
19
Infeces oculares
Isabel Aldir
445
20
Tuberculose
Emlia Valadas
455
21
Patrcia Pacheco
467
22
Ana Horta
503
23
Infeco hospitalar
Joana Quaresma
513
24
Bioterrorismo
Henrique Lecour
529
25
Saraiva da Cunha
539
26
Imunizao
Paula Valente
549
Prefcio
As doenas infecciosas representam, actualmente, cerca de 15% da mortalidade mundial, principalmente devida a infeces respiratrias e diarreia,
seguidas pela infeco VIH/sida, tuberculose e malria. Estas doenas afectam,
predominantemente, as crianas e esto ligadas pobreza em pases da
frica subsariana, da Amrica Latina e do sudeste asitico.
As doenas infecciosas so, na maioria dos casos, da responsabilidade de
um agente nico, os seus mecanismos da transmisso so bem conhecidos e,
por ltimo, esto identificadas as medidas gerais e especficas de controle das
doenas (de proteco individual, de sade pblica ou vacinao). Todavia,
apesar destes progressos, apenas a varola foi eliminada a nvel mundial,
dado que, pela sua natureza, os microrganismos patognicos so, do ponto
de vista evolutivo, dinmicos e a lista de doenas que causam esto em
constante mutao e em crescimento contnuo.
As vacinas, os antibiticos e, mais recentemente, os antivricos tm salvo
milhes de vidas, sendo consideradas das maiores conquistas mdicas e em
sade pblica. Todavia, a histria traz memria que novos desafios
continuaro a emergir e a reemergir, no mbito das doenas infecciosas.
Assim, para a identificao, tratamento e preveno das doenas infecciosas
tem sido levado por diante o esforo, iniciado h mais de 100 anos, nos finais
do sculo XIX, para o reconhecimento e caracterizo (clnica e epidemiolgica) dos agentes patognicos, a determinao da resposta imunitria, o
desenvolvimento de novos testes de diagnstico, de estratgias de tratamento
e de preveno em sade pblica. Nos ltimos anos, nestas reas, novos e
importantes desenvolvimentos tm sido registrados e da a principal razo
desta 2.a edio revista do Manual sobre Doenas Infecciosas.
O editor agradece a todos aqueles que deram o seu contributo para que
esta obra se tornasse realidade.
Francisco Antunes
Outubro, 2012
VII
Prefcio
1. Edio (2003)
VIII
Seco 1
T. Paixo
T. Paixo
presentes numa populao, num momento cronolgico preciso. Os dois grandes indicadores sobre doenas infeciosas so constitudos pelos dados de
morbilidade e pela mortalidade (por causas especficas).
Existem mecanismos que nos permitem acompanhar as modificaes dos
padres epidemiolgicos das doenas infeciosas. A vigilncia epidemiolgica
definese como a observao contnua de todos os aspetos da ocorrncia e
disseminao de uma doena pertinentes para o seu controlo, com base na
obteno e na anlise sistemtica de informao clnica, demogrfica e laboratorial e do envio destas informaes s entidades responsveis pelo seu
controlo2. Os sistemas de vigilncia epidemiolgica so delineados segundo
as caractersticas das doenas ou fenmenos sob observao, e caracterizamse pela sua exequibilidade, uniformidade, sensibilidade e rapidez, permitindo aplicar as aes de conteno adequadas. Mais do que a exaustividade da recolha de informao, a possibilidade de rpida interveno e
controlo que definem estes sistemas6,7.
vrus herpes simplex, vrus do papiloma humano e a sndrome da imunodeficincia adquirida (sida)11. Para o grande grupo das doenas de transmisso
sexual, os fatores comportamentais so determinantes nas variaes da prevalncia e da incidncia.
Morbilidade
A informao sobre morbilidade reflete infeo, clinicamente, aparente,
no fornecendo indicaes sobre a morbilidade associada infeo subclnica
ou no diagnosticada.
No pas, existem diversos mecanismos destinados vigilncia epidemiolgica e ao controlo das doenas infeciosas, tendo por base o Sistema de
Declarao Obrigatria de Doenas Transmissveis (DDO), criado em 1949, e
atualizado de acordo com a evoluo do conhecimento cientfico, o qual
constitui um sistema para a vigilncia epidemiolgica de um conjunto de
doenas infeciosas, constantes de uma lista considerada de declarao obrigatria, formando um sistema de monitorizao contnua9. Em determinadas circunstncias, em que a gravidade do caso de doena infeciosa justifica
o seu acompanhamento nos servios mdicos (ambulatrio ou de urgncia)
ou o seu internamento hospitalar, possvel obter, retrospectivamente, informao sobre o diagnstico de alta, com base na informao fornecida
pelos Grupos de Diagnstico Homogneos, criados com fins de gesto hospitalar, mas com utilidade em sade pblica12,13.
As estatsticas referentes s doenas de declarao obrigatria [Classificao
Internacional das Doenas (CID)], 10.a reviso, so compiladas pela Direo
Geral da Sade, num total de 46 doenas de natureza bacteriana, parasitria,
vrica e, ainda, por riqutsias e por agentes no convencionais (pries). No
esto abrangidas, de momento, a gripe, a sida e alguns tipos de febres hemorrgicas. A anlise das tendncias temporais das doenas infeciosas reflete os padres epidemiolgicos mencionados quer de morbilidade, quer de
mortalidade.
No pas, as doenas infeciosas so monitorizadas com vrios objetivos
e de acordo com programas especficos, disponibilizando nos servios
pblicos informaes sobre os mesmos9-17,43. Deste modo, podem ser consideradas:
Doenas evitveis pela vacinao (PNV). As taxas de cobertura vacinal
para as diferentes regies do Pas; o nmero de casos notificados e a taxa
de incidncia anual, estudos microbiolgicos e serolgicos programados;
casustica de internamento hospitalar para situaes de evoluo grave.
Outras doenas infeciosas espordicas, epidmicas ou endmicas. O
nmero de casos notificados e a taxa de incidncia anual; sistemas sentinela
(gripe, poliomielite e paralisias flcidas agudas, tuberculose e meningite);
5
T. Paixo
Mortalidade
Nas 10 primeiras causas de morte em Portugal no figuram, especificamente, as doenas infeciosas, exceto em consequncia indireta da infeo
por VIH (diversas patologias, incluindo outras infees oportunistas, por
exemplo, tuberculose), vrus das hepatites B e C e vrus influenza (pneumonias). A Direo Geral da Sade publica estatsticas de mortalidade (o risco
de morrer), assim como o Instituto Nacional de Estatstica (INE). Estes dados
permitem uma anlise das causas de morte, segundo os principais componentes demogrficos e etiolgicos, segundo listas bsicas de classificao,
com base na CID 1018-20.
Capacidade de adaptao de determinados agentes microbiolgicos nocivos para a sade das populaes, assim como o benefcio para aqueles das
modificaes ecolgicas introduzidas por alguns dos fatores anteriores.
Rpida globalizao, tendo como consequncia imediata as fronteiras
perderem a sua eficcia na conteno da circulao e disseminao de materiais perigosos.
Incapacidade dos servios de sade de identificarem as situaes de
risco e de responderem em conformidade.
Considerase que para muitos dos problemas de sade emergentes o seu
conhecimento poderia ter sido antecipado. Assim no aconteceu e, como
consequncia, a sociedade no se encontrava convenientemente preparada
para atuar, desenvolvendo os mecanismos necessrios para diminuir o impacte negativo destes fatores. No entanto, a identificao, pela comunidade, de
fatores que podero ter influncia negativa sobre a sade das populaes,
cria expectativas e ansiedades (justificadas ou no) sobre a eficcia dos sistemas de vigilncia para a deteo de riscos pblicos22,23.
Na dcada de 70 do sculo passado, identificaramse novas doenas infeciosas (a doena do legionrio, doena de Lyme, febre hemorrgica por vrus
bola, sndrome do choque sptico, associada a Staphylococcus aureus,
culminando em 1981 com a descrio dos primeiros casos da sida)24,25. Entretanto, foram identificadas, nos EUA, parasitoses de origem zoontica, constituindo novos fatores de morbilidade em indivduos imunodeprimidos26.
Em 1992, o relatrio do Institute of Medicine intitulado Emerging infections: microbial threats to health in the United States alerta, pela primeira
vez, para as infees emergentes, que define como infees novas, reemergentes, ou infees resistentes aos antimicrobianos, infees cuja incidncia
cresceu nas ltimas duas dcadas ou que, num futuro prximo, se prev que
possam aumentar27. Em conformidade, enunciaramse 15 recomendaes,
muitas das quais se inseriam no mbito das atividades do Centers for Diseases
Control and Prevention (CDC), que responderam s necessidades identificadas,
elaborando um primeiro relatrio em 1994, atualizado em 1998, descrevendo
a poltica nacional e a cooperao internacional desejvel para os objetivos
mencionados28,29.
Em 1996, a Organizao Mundial da Sade (OMS), no seu The World
Health Report intitulado Fighting Diseases Fostering Development considera,
simplificando o problema, que a morbilidade registada a nvel mundial se
pode agrupar em velhas doenas/velhos problemas, velhas doenas/novos
problemas e novas doenas/novos problemas. Assim, identificou 29 novas
doenas infeciosas, sete doenas infeciosas emergentes e, no mbito de novas doenas/novos problemas, incluiu os acidentes, as doenas iatrognicas
e a toxicodependncia30.
No mesmo ano, a 49.a Assembleia Mundial da OMS estabeleceu como
metas para o perodo 19962000:
7
T. Paixo
Intensificar a vigilncia epidemiolgica das doenas infeciosas e desenvolver a investigao aplicada ao seu controlo.
Melhorar e desenvolver as infra-estruturas necessrias ao reconhecimento, notificao e resposta para as doenas infeciosas em ressurgimento
e reforar a capacidade internacional da preveno e controlo destas patologias.
Em 1998, os programas mencionados deram origem a um documento da
maior importncia, intitulado Preventing Emerging Infectious Diseases: A
Strategy for the 21st Century, elaborado pelo CDC e organizado segundo as
reas da vigilncia epidemiolgica e resposta adequada s situaes identificadas, desenvolvimento da investigao aplicada e criao de infra-estruturas, ensino de novas metodologias laboratoriais em locais e pases
carenciados, assim como aplicao de medidas de preveno e de controlo28.
Naquele documento, como exemplos das reas de interveno prioritrias,
destacavamse:
A preveno da ocorrncia de doenas infeciosas emergentes.
O estudo do fenmeno da resistncia aos antimicrobianos.
O estudo das doenas transmitidas por guas, alimentos e vetores e,
ainda, doenas zoonticas.
A preveno das doenas infeciosas transmitidas pelo sangue e pelos
seus derivados.
O estudo de doenas crnicas causadas por agentes infeciosos.
O desenvolvimento e a aplicao de vacinas.
O estudo de doenas (infeciosas) em indivduos imunodeprimidos e,
ainda, doenas associadas maternidade.
Doenas associadas a deslocaes de populaes viajantes, emigrantes
e refugiados.
Como resultados desta estratgia, o CDC espera melhorar o conhecimento sobre a epidemiologia das doenas emergentes a nvel mundial e, em
particular, nos EUA31. Em 2005, a Unio Europeia, de acordo com os compromissos assumidos com vrios pases, designadamente EUA, e com a OMS,
criou uma estrutura multinacional, destinada a colher, divulgar e gerir informao disponvel sobre a ocorrncia de casos de doenas infeciosas e outros
incidentes com importncia em sade pblica, permitindo uma rpida e
adequada interveno. Iniciase desta forma a atividade do European Centre
for Disease Prevention and Control em conjugao com diversos organismos
dos Ministrios da Sade dos estados-membros. Desde modo, tem incio um
novo perodo na sade pblica, com nfase na deteo precoce de acontecimentos com importncia na sade das comunidades, indo mais alm da
monitorizao de surtos e epidemias associados a patologias infeciosas, nomeadamente, o estudo de contaminantes biolgicos e risco para a sade
pblica, e uma nova rea, a biopreparao. Assim, no s se reforaram como
se estabeleceram novas bases para a colaborao entre pases.
8
T. Paixo
(especialmente comportamental), pois estes sero os fatores decisivos, determinando quais os microrganismos que iro aparecer (doenas emergentes)
ou reemergir (doenas em ressurgimento), obviamente influenciados pela
nossa capacidade de preveno de certas patologias mediante, por exemplo,
a vacinao. Os conflitos sociais podem alterar o precrio equilbrio biolgicomicrobiolgico quer inadvertidamente, quer deliberadamente, sob a forma
de aes envolvendo a utilizao de agentes patognicos.
Bibliografia
11
T. Paixo
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27. Institute of Medicine. Emerging infections: microbial threats to health in the United States. Washington:
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2001. http://www.unescap.org/pop/data_sheet/2001.
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Health Organization; 1996.
50. Comisso Europeia. Deciso N.o 2119/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. JOC 268 de 2/10/98
p 15 (verso Pt).
51. May L, Chretien JP, Pavlin JA. Beyond traditional surveillance: applying syndromic surveillance to developing
settings opportunities and challenges. BMC Public Health. 2009;9:242. http://www.biomedcentral.
com/147124589242, acedido 23/03/2012.
52. Relman DA, Hamburg MA, Choffnes ER, Mack A; Rapporteurs, Forum on Global Health. Global climate
change and extreme weather events: understanding the contributions to infectious diseases emergence:
workshop summary. http://www.nap.edu/catalog/12435.html, acedido 23/03/2012.
12
Seco 2
MECANISMOS DE DEFESA
DO HOSPEDEIRO
Emlia Valadas
1. Introduo
Nos ltimos anos, a Medicina conseguiu eliminar ou diminuir a prevalncia
de muitas doenas infeciosas consideradas como clssicas, ao mesmo tempo
que, tambm, contribuiu para o aparecimento de um grande nmero de
infees, resultado da interferncia com os mecanismos de defesa do hospedeiro. Estas so consequncia de procedimentos mdicos ou cirrgicos, tais
como a quimioterapia e a imunossupresso iatrognica.
Os indivduos saudveis podem proteger-se da infeo por microrganismos, recorrendo a mltiplos e diferentes mecanismos. Estes incluem barreiras
fsicas e anatmicas, fisiolgicas, a resposta inflamatria e, ainda, uma variedade de clulas, desde as clulas fagocticas e os eosinfilos, at s clulas
natural killer (NK). Todos estes mecanismos de defesa do hospedeiro esto
presentes, antes da exposio a microrganismos, no aumentam de intensidade pela exposio repetida e no discriminam perante a maioria das
substncias externas. Estes so os componentes da imunidade inata, inespecfica ou natural, que representa o sistema de defesa que controla a infeo
pelo microrganismo invasor na fase inicial e, apenas, durante algum tempo,
perodo necessrio para o desenvolvimento da imunidade especfica.
A imunidade adquirida ou especfica constituda por linfcitos B e T,
clulas que expressam recetores que reconhecem os microrganismos infetantes. Ao contrrio da imunidade inata, a adquirida especfica para diferentes
antignios e a sua magnitude aumenta com exposies repetidas a um determinado antignio. Este fenmeno constitui a memria imunitria e a base
da proteo induzida pela vacinao, em relao a algumas doenas infeciosas.
A combinao destes dois tipos de resposta imunitria permite a defesa contra
uma srie de agentes infeciosos, que vo desde os vrus aos nemtodos.
H um grupo de microrganismos, incluindo vrus, algumas bactrias, protozorios e fungos, que evoluram de forma a conseguir escapar maioria
dos mecanismos da defesa inata, protegendo-se no interior do citoplasma
da clula, onde nem o sistema complemento nem os granulcitos podem
atuar, no sentido de os destruir. Para o controlo destes microrganismos intracelulares, a imunidade adquirida eficaz fundamental. Exemplo da importncia deste mecanismo a maior prevalncia de infees por microrganismos
13
E. Valadas
E. Valadas
Nariz e nasofaringe
Staphylococcus spp
Difterides
Neisseria spp
Haemophilus spp
Orofaringe
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Neisseria spp
Haemophilus spp
Boca
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Actinomyces spp
Haemophilus spp
Pele
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Corynebacterium
Propionibacterium
Fungos
Bactrias anaerbicas
Espiroquetas
Fungos
Difterides
antiviral. O sistema complemento, ativado por uma srie de diferentes estmulos, controla a cascata enzimtica que resulta na destruio ou remoo
dos microrganismos.
Flora bacteriana
Um grande nmero de microrganismos vive, permanentemente, em estreita associao com o Homem (Figs. 1 A e B). Esta flora comensal constitui
16
Estmago
geralmente estril
Intestino delgado
Lactobacillus
Enterococcus spp
Difterides
Fungos (Candida)
Outras bactrias entricas
Bacilos anaerbicos Gram-negativo
Clon
Bactrias anaerbicas
Gram-negativo
Bacteroides spp
Fusobacterium spp
Gram-positivo
Eubacterium spp
Lactobacillus
Clostridium spp
Bifidobacterium
Streptococcus spp
Bactrias aerbicas
Difterides
Staphylococcus spp
Enterococcus spp
Streptococcus
pyogenes (grupo B)
Outras bactrias entricas
Fungos
Candida spp
17
E. Valadas
um ecossistema importante que protege o Homem da invaso por microrganismos patognicos9. Enquanto que na pele existem cerca de 1012 bactrias, no intestino este nmero eleva-se para 1014 (significando que h cerca
de 1012 bactrias por cada grama de fezes!), o que mostra bem a dimenso
da flora comensal. Os mecanismos atravs dos quais estas bactrias so benficas ao Homem incluem a competio com microrganismos patognicos para os
mesmos nutrientes e/ou para os mesmos recetores na clula hospedeira, a produo de substncias inibitrias, que suprimem o crescimento de outros microrganismos e a estimulao contnua do sistema imunitrio, de forma a manter
nveis baixos mas constantes de expresso de molculas do complexo major
de histocompatibilidade (CMH) nos macrfagos. Alguns autores, no entanto,
apontam para possveis efeitos negativos da colonizao por esta flora, tais
como a possibilidade de inflamao crnica de baixo grau10.
As espcies da flora comensal so, tambm, influenciadas por fatores
ambientais, tais como a dieta, as condies sanitrias ou os hbitos de higiene. Por exemplo, no intestino, so encontrados, com frequncia, lactobacilos
se o leite ou os seus derivados constiturem parte importante da dieta, enquanto que os protozorios (por exemplo, Giardia) so mais frequentes no
intestino de indivduos que vivem em ms condies sanitrias. Os doentes
com doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) tm, com maior frequncia,
Haemophilus influenzae na rvore traqueobrnquica, em comparao com os
indivduos saudveis, da a importncia do conhecimento da flora comensal
para a valorizao de espcies bacterianas encontradas em amostras clnicas.
Exemplo de alguns destes mecanismos o que se passa na mucosa vaginal, onde o glicognio produzido pelo epitlio metabolizado pelas bactrias comensais em cido lctico, diminuindo o pH para 4 e limitando a infeo por bactrias patognicas. Quando esta flora comensal perturbada por
antibiticos, a suscetibilidade a infees por agentes oportunistas, tais como
Candida, est aumentada. Da mesma forma, nos casos em que a flora intestinal perturbada pelo uso de antibiticos, pode haver, tambm, infeo
por bactrias patognicas.
No entanto, os microrganismos comensais podem, de igual modo, causar
doena se infetarem uma rea onde, por norma, no se encontram. O exemplo mais conhecido o de Escherichia coli, uma bactria comensal do intestino, que pode causar infeo quando introduzida no aparelho urinrio
atravs, por exemplo, de uma alglia.
Fagocitose
A fagocitose ou a ingesto de partculas extracelulares outro importante mecanismo de defesa e est presente em apenas algumas clulas especializadas, tais como neutrfilos, moncitos e macrfagos.
18
Temperatura
O facto da infeo por certos microrganismos estar dependente da temperatura bem conhecido. Este o caso de algumas micobactrias, como
Mycobacterium tuberculosis, a qual patognica para os mamferos e no
infeta animais de sangue frio, enquanto que Mycobacterium marinum, uma
micobactria que infeta animais de sangue frio, no causa infeo no Homem. Treponemas e gonococos so destrudos a temperaturas superiores a
40 oC, razo pela qual, antes da descoberta dos antibiticos, a elevao da
temperatura era usada para tratamento da sfilis do sistema nervoso central
(SNC) e das infees gonoccicas crnicas.
Resposta inflamatria
A leso tecidular causada por ferida ou por invaso de um microrganismo induz uma complexa sequncia de eventos conhecidos como resposta
inflamatria. Os quatro sinais cardinais de inflamao, descritos por Celsus
no sculo I d.C. (rubor, tumor, calor e dor) refletem as trs principais fases
que ocorrem durante a resposta inflamatria vasodilatao, aumento da
permeabilidade capilar e infiltrao por clulas com capacidades fagocticas. A vasodilatao ocorre medida que os vasos eferentes se contraem,
resultando na engorgitao da rede de capilares, responsvel pelo eritema
e pelo aumento de temperatura local. O aumento da permeabilidade capilar facilita o influxo de fluidos e de clulas para os tecidos, causando
edema e permitindo, tambm, a migrao de leuccitos para os tecidos,
entre as quais clulas fagocticas. medida que se d esta acumulao
de clulas fagocticas nos tecidos e que a fagocitose dos microrganismos
tem incio h, tambm, libertao de enzimas lticas que podem lesar as
clulas vizinhas. A acumulao de clulas mortas, de material digerido e de
fluidos formam o pus.
Os passos da resposta inflamatria so iniciados por uma complexa srie
de interaes, que envolvem mediadores qumicos, cuja interao , apenas,
parcialmente compreendida. Alguns desses mediadores derivam dos prprios
microrganismos, outros derivam das clulas lesadas em resposta leso
tecidular, enquanto que outros so produtos de leuccitos envolvidos na
resposta inflamatria. Entre os vrios mediadores qumicos contam-se as
protenas de fase aguda, cuja concentrao plasmtica aumenta, substancialmente, nas infees. Os produtos microbianos, tais como endotoxinas, podem estimular os macrfagos para libertar interleucinas (IL). A protena C
reativa, uma das protenas de fase aguda, produzida pelo fgado, em
resposta estimulao por IL-1 e IL-6. Esta protena liga-se ao polissacrido C
da parede celular de alguns microrganismos e esta ligao vai ativar o sistema
19
E. Valadas
4. Imunidade adquirida
A imunidade adquirida ou imunidade especfica revela a presena de um
sistema imunitrio capaz de reconhecer especificamente e de eliminar seletivamente os microrganismos. Ao contrrio da imunidade inata, a especificidade, a diversidade, a existncia de memria imunitria e o reconhecimento
do self do no-self so caractersticas da imunidade adquirida.
A especificidade do sistema imunitrio faz com que seja possvel distinguir diferenas subtis entre antignios, enquanto a sua diversidade
permite o reconhecimento especfico de bilies de estruturas diferentes.
H formao de memria a partir do momento em que o sistema imunitrio
responde a um determinado antignio, ou seja, h um rpido desenvolvimento de resposta imunitria se houver um segundo contacto com esse
mesmo antignio. Alm disso, o sistema imunitrio responde, apenas, a
antignios externos ao organismo, j que capaz de distinguir o self do
no-self (a origem das doenas autoimunes baseia-se na perturbao deste
mecanismo).
A existncia de uma resposta imune eficaz envolve dois grupos principais
de clulas, os linfcitos B e T e as clulas apresentadoras de antignio (antigen presenting cells [APC]) macrfagos, clulas dendrticas, etc.
20
E. Valadas
Antignio
ingerido por
endocitose ou
fagocitose
Complexo
pptido/molcula
CMH classe II
Pptido
vrico/CMH
classe I
Pptidos
Molculas CMH
classe II
Golgi
Pptidos
vricos
RER
ARN vrico
Ncleo
ADN vrico
Vrus
E. Valadas
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24
Seco 3
Antimicrobianos
Princpios gerais dos frmacos
antimicrobianos
1. Introduo
Os antibiticos so substncias qumicas que provocam a morte ou a inibio do crescimento de microrganismos. Podem ser produzidos pelos prprios microrganismos, por bactrias ou por fungos ou, ainda, serem total ou,
parcialmente, de origem sinttica1. Todavia, o termo antibitico , quase
sempre, utilizado tambm para incluir os agentes antibacterianos sintticos,
como as sulfonamidas e as quinolonas, que no so produzidos por microrganismos. Os antibiticos diferem, acentuadamente, nas suas propriedades
fsicas, qumicas e farmacolgicas, no espectro antibacteriano e, ainda, no
mecanismo de ao2.
2. Classificao e mecanismo de ao
dos antimicrobianos
Vrios esquemas foram sugeridos para classificar e agrupar os agentes
antimicrobianos. Do ponto de vista histrico, a classificao mais comum
baseia-se na estrutura qumica e no mecanismo de ao:
Agentes que inibem a sntese da parede celular bacteriana, como as
penicilinas e as cefalosporinas, que so, estruturalmente, semelhantes, assim
como agentes distintos, como cicloserina, vancomicina, bacitracina e os antifngicos imidazlicos (miconazol, cetoconazol e clotrimazol).
Agentes que atuam, diretamente, sobre a membrana celular do microrganismo, afetando a sua permeabilidade e resultando em extravasamento
de compostos intracelulares, nos quais se incluem a polimixina e o colistimetato, bem como os agentes antifngicos polinicos, nistatina e anfotericina
B, que se ligam aos esteris da parede celular.
Agentes que afetam a funo das subunidades ribossmicas 30S ou 50S,
causando inibio reversvel da sntese proteica, nos quais se incluiem os bacteriostticos cloranfenicol, tetraciclinas, eritromicina e clindamicina.
25
J.P. Cruz
bactrias com deficincia desses canais podem ser resistentes a estes frmacos. Outras carecem de sistemas de transporte necessrios para a entrada do
frmaco na clula bacteriana. Como muitos antibiticos so cidos orgnicos,
a sua penetrao pode depender do pH e, alm disso, a permeabilidade pode
estar alterada pela osmolaridade ou pelos vrios caties, que se encontram no
meio externo. Os mecanismos de transporte para certos frmacos so dependentes de energia e no funcionam em ambiente anaerbio. Quando o frmaco tem acesso ao local-alvo deve exercer um efeito deletrio para o microrganismo, de modo que as variaes naturais ou as modificaes adquiridas no
local-alvo, capazes de impedir a ligao ou a ao do frmaco, podem resultar em resistncia.
A resistncia pode ser adquirida atravs de mutaes ou transmitida verticalmente por seleo s clulas descendentes. Todavia, a resistncia mais
comum a adquirida por transferncia horizontal de determinantes de resistncia de uma clula dadora, quase sempre de outra espcie bacteriana,
por transformao, transduo ou conjugao. A resistncia adquirida, por
transferncia horizontal, pode sofrer disseminao rpida e ampla atravs
de propagao clonal da prpria estirpe resistente ou por trocas genticas,
entre a estirpe resistente e outras estirpes sensveis.
Fatores farmacocinticos
Embora seja de extrema importncia saber que o antibitico ativo in vitro
contra o microrganismo infecioso, este no constitui o nico fator a considerar.
A localizao da infeo pode, em grande parte, determinar a escolha do
frmaco e a via de administrao. A concentrao mnima do frmaco atingida no local infetado deve ser, aproximadamente, igual concentrao
inibitria mnima (CIM) para o microrganismo infecioso, embora, sempre que
possvel, seja aconselhvel atingir mltiplos desta concentrao.
O acesso dos antibiticos aos locais de infeo depende de mltiplos fatores. Se a infeo estiver localizada no lquido cefalorraquidiano (LCR), o
frmaco deve atravessar a barreira hematoenceflica, e muitos agentes antimicrobianos, que so polares em pH fisiolgico, fazem-no de modo insuficiente. Porm, outros, como a penicilina G, so, ativamente, transportados
do LCR para o plexo coroideu, atravs de um mecanismo de transporte
aninico. Todavia, a integridade da barreira hematoenceflica encontra-se
diminuda na infeo bacteriana ativa, dado que as junes de ocluso nos
capilares cerebrais abrem-se, resultando num aumento acentuado da penetrao de frmacos, mesmo polares5.
A penetrao de frmacos em locais infetados depende, quase sempre,
do processo de difuso passiva. Por conseguinte, a taxa de penetrao
27
J.P. Cruz
proporcional concentrao do frmaco livre no plasma ou no lquido extracelular. Assim, os frmacos que se ligam, extensamente, a protenas podem
no penetrar com a mesma amplitude, comparativamente com aqueles de
menor grau de ligao. Os frmacos que se ligam, fortemente, s protenas
podem exibir, tambm, atividade reduzida.
Do ponto de vista prtico, parece razovel tentar obter atividade antibacteriana no local da infeo, durante grande parte do intervalo posolgico. Isso
depende, at certo ponto, de o frmaco exibir inibio do crescimento dependente da concentrao (por exemplo, os aminoglicosdeos) ou do tempo (por exemplo,
os b-lactmicos). Dados experimentais sugerem que os aminoglicosdeos so, pelo
menos, to eficazes e menos txicos, quando administrados na forma de dose
nica diria do que quando administrados em intervalos mais curtos6-8. Estudos
realizados em doentes sugerem, tambm, que a administrao contnua de
aminoglicosdeos pode provocar toxicidade desnecessria.
O conhecimento do estdio dos mecanismos de eliminao de frmacos
no doente, tambm, essencial, sobretudo quando concentraes excessivas
no plasma ou nos tecidos podem provocar toxicidade grave. Os agentes
antimicrobianos e seus metabolitos so, em sua maior parte, eliminados,
principalmente, por via renal. Assim, por exemplo, os aminoglicosdeos, vancomicina ou flucitosina devem ser utilizados com muito cuidado, em doentes
com comprometimento da funo renal. Para os frmacos que so metabolizados ou excretados pelo fgado (eritromicina, cloranfenicol, metronidazol
e clindamicina) as doses devem ser reduzidas, em doentes portadores de
insuficincia heptica. A rifampicina e a isoniazida possuem, tambm, semividas prolongadas em doentes com cirrose. Se houver infeo do trato biliar,
a hepatopatia ou obstruo biliar podem reduzir o acesso do frmaco ao
local de infeo, tendo sido demonstrada a ocorrncia deste processo com
a ampicilina e com outros frmacos, normalmente excretados por via biliar2.
Via de administrao
Apesar da administrao oral ser preferida, sempre que possvel, recomenda-se, em regra, a administrao parenteral de antibiticos a doentes
em estado grave, para os quais necessrio atingir, rapidamente, concentraes previsveis do frmaco.
Fatores locais
A cura da infeo, com a utilizao de antibiticos, depende do modo
pelo qual os fatores locais no local da infeo afetam a atividade antimicrobiana do frmaco. O pus, que consiste em fagcitos, restos celulares, fibrina
e protena, liga-se aos aminoglicosdeos e vancomicina, com consequente
reduo da sua atividade antimicrobiana10. A ocorrncia de grandes concentraes de hemoglobina, em hematomas infetados, pode resultar na sua ligao s penicilinas e tetraciclinas, tendo, por consequncia, a reduo da
eficcia dos frmacos11. O pH nas cavidades dos abcessos e em outros locais
infetados (espao pleural, LCR e urina) , em regra, baixo, resultando em
acentuada perda da atividade antimicrobiana dos aminoglicosdeos, da eritromicina e da clindamicina12. Todavia, alguns frmacos como a clortetraciclina, a nitrofurantona e a metenamina so mais ativos neste meio cido.
As condies anaerbias encontradas nas cavidades dos abcessos podem,
tambm, reduzir a atividade dos aminoglicosdeos13. A penetrao dos agentes antimicrobianos em reas infetadas, como as cavidades de abcessos,
encontra-se diminuda, devido sua vascularizao reduzida. O sucesso para
o tratamento dos abcessos passa, em regra, pela drenagem cirrgica.
A presena de corpo estranho, em local infetado, reduz, acentuadamente,
a possibilidade de xito da teraputica antimicrobiana. Este fator tornou-se
29
J.P. Cruz
cada vez mais importante, na poca atual das prteses valvulares cardacas,
prteses articulares, pace-makers, prteses vasculares e vrios shunts vasculares e do sistema nervoso central (SNC). Aparentemente, a prtese percebida pelas clulas fagocitrias como um corpo estranho. Na tentativa de
fagocit-la e destru-la, ocorre desgranulao, resultando na depleo das
substncias bactericidas intracelulares. Por conseguinte, estes fagcitos so,
relativamente, ineficazes na destruio de microrganismos patognicos
bacterianos, podendo estes residir no interior daqueles, permanecendo
protegidos da maioria dos antimicrobianos14. Alm disso, os microrganismos podem ligar-se a corpos estranhos, atravs da elaborao de um substrato de glicoclix. Quando embebidos neste substrato, tornam-se, relativamente, resistentes s aes da maioria dos agentes antimicrobianos. Por
conseguinte, as infees associadas a corpos estranhos caracterizam-se por
frequentes recidivas e fracassos, mesmo com antibioterapia de longo prazo e
em altas doses. Em geral, o xito da teraputica requer a remoo do material
estranho.
Os agentes infeciosos que residem no interior de clulas fagocticas (por
exemplo, Salmonella spp, Brucella spp, Toxoplasma gondii, Listeria monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis e, nalguns casos, Staphilococcus aureus) podem, tambm, ser relativamente resistentes ao dos agentes
microbianos, visto que muitos desses frmacos penetram, inadequadamente,
nas clulas. A rifampicina e as fluoroquinolonas podem penetrar, adequadamente, nas clulas e destruir muitos microrganismos intraleucocitrios.
4. Efeitos adversos
Efeitos adversos podem ocorrer com a administrao dos antimicrobianos.
Com determinadas classes de frmacos, a alergia um efeito comum. Esta
pode ocorrer aps poucos ou vrios dias de tratamento, tendo como principais reaes o exantema e a febre. O exantema , em regra, de natureza
maculopapular, com prurido, do tipo urticariforme, mas pode ser, tambm,
embora menos vezes, semelhante sndrome de Stevens-Johnson e a outros
tipos de exantemas descamativos. A febre , por vezes, elevada, contudo no
ocorre mal-estar nem anorexia. Quatro tipos de reaes alrgicas imunolgicas podem ocorrer15:
Hipersensibilidade imediata (tipo I) as penicilinas tm baixo peso molecular e no revelam propriedades antignicas, mas quando associadas a
protenas do soro adquirem propriedades imunognicas (complexo hapteno-protena). A interao antibitico-IgE provoca libertao de mediadores
(histamina, serotonina e outras substncias). Estes mediadores podem provocar urticria, edema da laringe, espasmo brnquico com, ou sem, colapso
cardiovascular.
30
Anticorpos citotxicos (tipo II) anticorpos da classe IgG ou IgM antipenicilina ligam-se s clulas sanguneas e s clulas renais revestidas com
antignios de penicilina. A reao antignio-anticorpo mobiliza a ativao
do complemento, ocorrendo lise celular (anemia hemoltica, leucopenia,
trombocitopenia e nefrite).
Complexos imunes (tipo III) complexos circulantes b-lactmico-anticorpo
(IgG ou IgM) mobilizam o complemento, causando febre medicamentosa
(sete a 14 dias aps o incio da teraputica ou, mesmo, aps o tratamento).
Hipersensibilidade retardada os b-lactmicos so reconhecidos pelos
linfcitos T, ocasionando a libertao de citocinas, que amplificam a resposta imune, ocasionando inflamao e leso dos tecidos (por exemplo, dermatite de contacto), para alm de outras reaes de mecanismo desconhecido
(eritema, exantema maculopapular, fotossensibilidade, dermatite exfoliativa,
sndrome de Stevens-Jonhson).
A administrao parentrica de b-lactmicos produz mais reaes alrgicas
do que a administrao oral, sendo dependente da suscetibilidade individual.
Reaes cruzadas alrgicas tm sido observadas entre penicilinas, cefalosporinas
e carbapenemes15. No entanto, a toxidermia atribuda s substncias base de
penicilina no exclui o uso de cefalosporinas2. O aztreonam, monobactmico,
tem sido seguro quando utilizado em doentes alrgicos aos outros b-lactmicos15. Estes fenmenos alrgicos ocorrem, esporadicamente, numa incidncia
de 0,01%, tendo como soluo a mudana para outra classe de antimicrobiano.
O angioedema e a anafilaxia so reaes adversas de difcil tratamento, devendo ser excluda a prescrio dessa classe de antimicrobianos.
Com determinados agentes antimicrobianos a toxicidade mais comum,
estando a gravidade diretamente relacionada com a administrao excessiva
de frmaco (toxicidade dose-dependente). A toxicidade renal e surdez est
muito associada classe dos aminoglicosdeos, sendo dependente das concentraes sricas atingidas. Em relao classe dos glicopeptdeos relata-se a
ocorrncia de nefrotoxicidade, nomeadamente para a vancomicina, principalmente quando utilizada em doses de 15-20 mg/kg, atingindo Cmn > 15 mg/ml,
de acordo com os objetivos recentes de melhor relao farmacocintica/
farmacodinmica (PK/PD)16.
Para outros frmacos da nova classe das oxazolidinonas como a linezolida,
a toxicidade ao nvel da medula ssea , inclusiv, um fator limitativo da sua
utilizao por perodos prolongados, assim como em doentes com alteraes
hematolgicas ou renais (com dfice de produo de eritropoetina) pr-existentes17.
As convulses, associadas ao imepenem (classe dos carbapenemes), assim
como a elevao da CPK associada daptomicina (classe dos lipopeptdeos
cclicos), so reaes que podem, tambm, ocorrer2,18. Estes efeitos adversos
so especficos e, em regra, existe boa caracterizao para cada antimicrobiano2.
31
J.P. Cruz
5. Interaes medicamentosas
Alguns antimicrobianos da classe dos macrlidos, a rifampicina, os imidazis
e outros antifngicos, interagem com muitas outras substncias, aumentando ou
diminuindo a eficcia de ambos. Algumas destas interaes so crticas e existem,
mesmo, algumas combinaes que devem ser totalmente evitadas. O mecanismo
de interao utiliza, com frequncia, a mesma via enzimtica do metabolismo
heptico, aumentando ou diminuindo, assim, as substncias, simultaneamente,
sintetizadas [por exemplo, sistema isoenzimtico do citocrmio P450 (CYP450)].
Outro mecanismo de interao medicamentosa o efeito aditivo da combinao de dois agentes, com a mesma toxicidade. Assim, , por exemplo,
arriscado administrar anfotericina e gentamicina ou vancomicina e gentamicina, simultaneamente e por um perodo de teraputica longo, devido
potenciao da nefrotoxicidade. Outro exemplo decorre, ainda, da atividade
farmacodinmica paralela de alguns antimicrobianos, como a linezolida, em
que a sua capacidade de inibio dos recetores da monoamino-oxidase, leva
a que no deva ser administrada concomitantemente, ou nas duas semanas
aps a administrao deste tipo de medicamentos, a doentes a tomar outros
medicamentos que inibam as monoaminoxidases A ou B, como por exemplo
fenelzina, isocarboxazida, selegilina, moclobemida, inibidores da recaptao
da serotonina, antidepressivos tricclicos, agonistas do recetor da serotonina
5-HT1 (triptanos), agentes com aes simpaticomimticas diretas e indiretas
(incluindo broncodilatadores adrenrgicos, pseudoefedrina e fenilpropanolamina), agentes vasopressores (adrenalina, noradrenalina), agentes dopaminrgicos (dopamina e dobutamina), petidina ou buspirona17.
Tal como outras substncias devem ser evitadas durante a gravidez, tambm os antimicrobianos o devero ser. Algumas substncias so, claramente,
seguras, mas a segurana da maioria dos frmacos durante a gravidez no
, inteiramente, conhecida.
7. Concluso
A maioria das doenas infeciosas, particularmente infees bacterianas,
podero ser solucionadas recorrendo a uma srie variada de tratamentos. A
teraputica deve ser selecionada tendo em conta o que mais adequado ao
33
J.P. Cruz
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34
Seco 3 Antimicrobianos
Penicilinas, cefalosporinas
e monobactmicos
Francisco Antunes
1. Penicilinas
As penicilinas pertencem ao grupo dos b-lactmicos (Fig. 1) que actuam
sobre as protenas de ligao penicilina da parede celular bacteriana [penicillin binding proteins (PBPs)], impedindo a sntese do peptidoglicano, com
morte da bactria por efeito osmtico ou por digesto por enzimas autolticas. Os antibacterianos tm efeito bactericida, por aco durante a fase
de crescimento bacteriano1. Para alm das penicilinas, no grupo dos b-lactmicos esto includas as cefalosporinas, os monobactmicos e os carbapenemes.
A resistncia aos b-lactmicos devida a:
Modificaes nas PBPs (ou sua substituio por outras, reduzindo a
afinidade para o antibitico).
Inactivao por b-lactamases excretadas para o espao extracelular (bactrias Gram-positivo) ou presentes no espao periplasmtico (bactrias Gram-negativo), sendo a sntese daquelas mediada por plasmdeos ou por genes
do cromossoma.
Reduo permeabilidade ao antibitico, por alteraes nos poros da
parede bacteriana.
Tolerabilidade, por uma particular forma de resistncia, mantendo-se as concentraes inibitrias mnimas (CIMs) dentro de valores normais
em conjuno com um importante aumento das concentraes bactericidas mnimas (CBMs), para nveis 32 vezes mais altos, ou mais. Para estes
S
H2N
A
CH3
CH3
N
O
Penicilinase
COOH
35
F. Antunes
Penicilinas naturais
As penicilinas naturais so a benzilpenicilina ou penicilina G e a fenoximetilpenicilina (penicilina V):
Benzilpenicilina ou penicilina G, para administrao e.v. ou i.m., sob a
forma de sal sdico ou potssio, tendo uma semivida curta, instabilidade em
meio cido, sendo resistente penicilinase. A relativa semivida curta, dada a
sua rpida excreo renal, obriga injeco, cada quatro ou seis horas. Em Portugal est disponvel o sal potssico, na dose de 1-3 milhes UI, cada duas ou
quatro horas, por via e.v. ou de 600.000-1,2 milhes UI de 12-12 ou de 24-24 h,
por via i.m. Nas crianas, a dose de 100.000 a 250.000 UI/kg/dia em seis administraes. A semivida plasmtica de 30 min, a ligao s protenas de 50%, o
pico srico de 20 mg/l aps um milho de UI por via e.v., sendo o metabolismo heptico de 25% e a excreo renal de 70%. As concentraes biliares so
muito superiores s do soro. A sua aco estende-se das infeces por Gram-positivo [Staphylococcus aureus e epidermidis no produtores de penicilinases
(< 20%), estreptococos, pneumococos de quase todos os grupos, Streptococcus viridans e algumas estirpes de enterococos (com efeito bacteriosttico)],
sendo, tambm, activa sobre alguns bacilos Gram-positivo, como Corybacterium diphteriae, Bacillus anthracis, Listeria monocytogenes e alguns cocos
Gram-negativo, como Neisseria meningitidis e gonorrhoeae (> 20% resistentes) e, ainda, alguns bacilos Gram-negativo, como Haemophilus influenzae.
Muitos anaerbios Gram-positivo, como Clostridium spp (incluindo o agente
da mionecrose gangrenogasosa clostridial), Clostridium tetani e alguns anaerbios Gram-negativo, excepto Bacteroides fragilis, so sensveis penicilina G.
Para alm destes, a penicilina G activa contra Actimomyces spp, Treponema
pallidum, Leptospira spp e Borrelia spp. A penicilina G est indicada no tratamento de agentes penicilina-sensveis, como o caso da faringite, da amigdalite, da otite mdia, da endocardite estreptoccica, da meningite meningoccica e pneumoccica e da pneumonia pneumoccica. As reaces adversas
mais comuns so a hipersensibilidade, incluindo o choque anafilctico, para
alm da leucopenia e da trombocitopenia, em regra transitrias, estando,
36
Aminopenicilinas
As aminopenicilinas so a amoxicilina, a ampicilina, a bacampicilina, a
lenampicilina, a pivampicilina, a amoxicilina/clavulanato e a ampicilina/sulbactam4,5. As duas ltimas so associaes de aminopenicilinas a inibidores
das b-lactamases, o que permite o alargamento do espectro de actividade
dos antimicrobianos; para alm do cido clavulnico e do sulbactam, o terceiro principal inibidor daquelas enzimas o tazobactam6,7.
Em Portugal, esto no mercado a amoxicilina e a amoxicilina/cido clavulnico (Quadro 1). A ampicilina e a amoxicilina parentrica no esto disponveis em farmcia comunitria.
As aminopenicilinas so penicilinas semi-sintticas resistentes ao pH cido
do estmago, o que permite a sua administrao por via oral, possuindo um
espectro de aco mais amplo do que as penicilinas naturais. Porm, so
inactivadas pelas penicilinases produzidas por Staphylococcus aureus e epidermidis e, actualmente, uma percentagem significativa de estirpes de Escherichia coli resistente ampicilina e amoxicilina.
Amoxicilina, para administrao por via oral, i.m. ou e.v. A dose para o
adulto de 0,25-1 g, de 8-8 h, por via oral; 500 mg, de 8-8 h, por via i.m.
37
F. Antunes
ou de 0,5-1 g, de 6-6 h ou de 8-8 h, por via e.v. Nas crianas, at aos 10 anos,
a dose de 125-250 mg de 8-8 h; dos dois aos cinco anos de 750 mg de 1212 h; dos cinco aos 10 anos de 1,5 g de 12-12 h. Quanto via i.m. ou e.v., a
dose, nas crianas, de 50-100 mg/kg/dia, de 6-6 ou de 8-8 h. A sua biodisponibilidade de 80% (administrao por via oral), no sendo alterada pela
presena de alimentos no estmago, a semivida de uma hora, o pico srico de 8-10 mg/l, aps 0,5 g, por via oral e de 24 mg/l, aps 3 g, a ligao
s protenas de 20%, sendo o metabolismo heptico de 10% e a excreo
renal de 70% (filtrao glomerular e secreo tubular). As concentraes
biliares so mais altas do que no soro. O espectro de aco da amoxicilina
similar ao da penicilina, cobrindo, adicionalmente, algumas enterobactericeas. Os enterococos e Listeria monocytogenes so mais sensveis amoxicilina do que penicilina. Para alm dos cocos Gram-positivo, um nmero
significativo de bactrias Gram-negativo, como Haemophilus influenzae,
Neisseria spp e anaerbios e, ainda, vrias estirpes de Escherichia coli, Proteus
mirabilis, Salmonella spp e Shigella spp so sensveis amoxicilina. Para alm
dos estafilococos, produtores de b-lactamases, so resistentes Klebsiella spp,
38
Enterobacter spp, Serratia marcescens e Yersinia enterocolitica. As suas principais indicaes so o tratamento das exacerbaes da bronquite crnica e
das otites e, ainda, infeces urinrias e gonorreia, para alm do tratamento da lcera pptica, por erradicao do Helicobacter pylori, em associao
com o metronidazol e com inibidores da secreo gstrica cida. As reaces
adversas mais comuns so a toxicodermia (exantema maculopapular), nuseas, desconforto abdominal e diarreia.
Ampicilina, para administrao por via oral, i.m. ou e.v. A dose para o
adulto de 0,5-1 g, de 6-6 h ou de 8-8 h, por via oral; 1-2 g, de 4-4 h ou de
6-6 h, por via e.v. Nas crianas, a dose de 50 mg/kg, de 6-6 h; 100-200 mg/
kg/dia, divididos em quatro doses, por via i.m./e.v.
A sua biodisponibilidade de 40%, sendo a absoro reduzida com a
ingesto de alimentos. A semivida de 0,8-1 h, o pico srico de 3 mg/l
aps 0,5 g, por via oral, de 10 mg/l aps 0,5 g por via i.m. e de 40 mg/l aps
1 g por via e.v., a ligao protenas de 20%, sendo o metabolismo heptico de 10% e a excreo renal de 70%. O espectro de aco semelhante
ao da amoxicilina, porm mais activa contra Shigella spp, mas menos activa
contra Salmonella spp e Enterococcus spp. A ampicilina incompatvel com
solues contendo aminoglicosdeo, metronidazol, eritromicina, anfotericina
B, heparina e corticides, podendo, por outro lado, reduzir a absoro intestinal de contraceptivos e do atenodol. O exantema maculopapular est associado a doses elevadas de ampicilina, em associao com o tratamento com
alopurinol, infeco por VIH, mononucleose infecciosa, insuficincia renal ou
leucemia linftica.
Amoxicilina e cido clavulnico, disponvel para administrao por via
oral e e.v. A dose para o adulto de 250-500 mg de amoxicilina com 125 mg
de cido clavulnico, de 8-8 h ou de 12-12 h, por via oral; 1-2 g de amoxicilina com 100-200 mg de cido clavulnico, de 4-4 h ou de 6-6 h, por via oral.
Nas crianas, a dose de 40 mg/kg/dia de amoxicilina com 10 mg/kg/dia de
cido clavulnico, por via oral, fornecida em trs tomas. A sua biodisponibilidade de 75%, no sendo alterada pela administrao com alimentos; a
semivida de uma hora; o pico srico de 4 mg/l aps 125 mg, por via oral;
a ligao protenas de 22%, sendo o cido clavulnico biotransformado
em 50% (a amoxicilina metabolizada no fgado em 10%) e a sua excreo,
em 40%, por via renal (filtrao glomerular) a excreo renal da amoxicilina de 70%. A associao de amoxicilina com cido clavulnico aumenta o espectro de aco contra as bactrias com resistncia associada
produo de b-lactamases (mediada por plasmdeos) Staphylococcus spp
(excepto resistentes meticilina), Neisseria gonorrhoeae, Haemophilus
influenzae, Escherichia coli, Proteus mirabilis e vulgaris, Klebsiella spp,
Salmonella spp, Shigella spp, de betalactamases plasmdicas (Shigella spp) e
presena de b-lactamases cromossmicas (Moraxella catarrhalis, Klebsiella spp,
Bacteroides spp e Prevotella spp). Os efeitos colaterais gastrintestinais podem
39
F. Antunes
Isoxazolilpenicilinas
As isoxazolilpenicilinas so as penicilinas resistentes s b-lactamases
(penicilinases), sendo conhecidas a dicloxacilina, a flucloxacilina, a cloxacilina, a meticilina, a nafcilina e a oxacilina8. Em Portugal, esto disponveis
as duas primeiras (dicloxacilina e flucloxacilina), a dicloxacilina para administrao por via oral e a flucloxacilina para administrao por via oral,
i.m. e e.v.
Dicloxacilina, para administrao por via oral (Diclocil, 500 mg em
cpsulas), sendo a dose para o adulto de 0,25-1 g, de 6-6 h. Nas crianas,
a dose de 25 mg/kg/dia, fraccionada em quatro tomas. A sua biodisponibilidade de 50% e a administrao de alimentos diminui a sua absoro,
a semivida de 40 min, o pico srico de 15 mg/l, aps 0,5 g, a ligao s
protenas > 95%, sendo metabolizada no fgado em 10% e a excreo
renal de 60% (secreo tubular), sendo as concentraes biliares inferiores s do soro. A dicloxacilina activa contra Staphylococcus aureus produtores de b-lactamases. Porm, as estirpes resistentes meticilina so,
tambm, resistentes aco da dicloxacilina, sendo quatro a oito vezes
menos activa do que a penicilina G contra outros cocos Gram-positivo. Os
efeitos colaterais mais frequentes so a leucopenia (em tratamento prolongado, com doses elevadas), a hepatite colesttica, o aumento das transaminases e a necrose heptica.
Flucloxacilina, para administrao por via oral (250 e 500 mg/em cpsulas;
250 mg/5 ml em p) ou por via parentrica (Floxapen 500 mg para via i.m.
ou e.v.). A dose para adulto de 250 mg-1 g por via oral, de 6-6 h; 250-500 mg
por via i.m., de 6-6 h, ou 1-2 g por via e.v., de 4-4 h ou de 6-6 h (a dose pode
ser dupla nas infeces graves). Nas crianas, a dose de 25 mg/kg/dia, por via
oral, fraccionada em quatro tomas e, por via e.v., de 100-300 mg/kg/dia, fraccionada em quatro ou seis administraes. A semivida de duas horas,
sendo bem absorvida por via oral 250 e 500 mg induzem picos sricos de
11 e 15 mg/l, respectivamente, e a ligao s protenas de 95%, sendo
50-60% excretada pela urina. A actividade antibacteriana idntica da
dicloxacilina.
Ureidopenicilinas
As ureidopenicilinas tm, predominante, aco contra Pseudomonas
aeruginosa e microrganismos Gram-negativo, no contexto da infeco
40
hospitalar, sendo os agentes a carbenicilina, a indanil carbenicilina, a ticarcilina, a mezlocilina e a piperacilina9. Em Portugal, est disponvel,
apenas, a piperacilina, coformulada com tazobactam (um potente inibidor
das -lactamases).
A piperacilina-tazobactam tem um espectro de aco alargado, semelhante
ao dos carbapenemes e das cefalosporinas de 3.a gerao, para tratamento
das pneumonias, infeces da pele e tecidos moles, infeces intra-abdominais, infeces polimicrobianas e da neutropenia febril, em combinao com
um aminoglicosdeo. Estas penicilinas antipseudomonas ou de espectro de
aco alargado so indicadas para o tratamento das infeces causadas por
bacilos Gram-negativo, especialmente Pseudomonas aeruginosa. Devem ser
utilizadas em combinao com um outro antibitico antipseudomonas, em
particular um aminoglicosdeo, para as infeces por Pseudomonas aeruginosa, excluindo as do aparelho urinrio, pelo menos nos primeiros dias de
tratamento. As ureidopenicilinas, em particular a piperacilina, so, tambm,
activas contra Klebsiella spp, Enterobacter spp, Serratia marcescens e providencia. A dose usual para o adulto de 12 g de piperacilina/1,5 g de tazobactam, administrada na dose de 3,375 g (3 g de piperacilina e de 375 mg
de tazobactam) de 6-6 h, ou de 4,5 g, de 8-8 h. No tratamento das infeces
causadas por bactrias produtoras de -lactamases de espectro expandido
(Escherichia coli e Klebsiella spp) pode utilizar-se esta combinao teraputica de antimicrobianos, no entanto, face ao risco de insucesso teraputico
deve dar-se preferncia aos carbapenemes.
Piperacilina-tazobactam est disponvel na dose de 2 g/250 mg ou de
4 g/500 mg, em p para soluo injectvel ou para perfuso. A piperacilina-tazobactam pode ser administrada por injeco e.v. lenta (durante, pelo menos, trs a cinco minutos) ou por perfuso e.v. lenta (durante 20 a 30 minutos).
A dose de piperacilina-tazobactam em adultos de 2,250-4,50 g de 6-6 h ou
de 8-8 h. Esta ureidopenicilina pode causar bloqueio neuromuscular com
vecurnio e, em tratamentos prolongados, por trs ou mais semanas, leucopenia e neutropenia, interferindo, ainda, com a agregao de plaquetas,
porm, em menor extenso do que a carbenicilina e a ticarcilina.
Amidinopenicilinas
O pivmecilinam (Selecid 200 mg em cpsulas) a nica amidinopenicilina
disponvel em Portugal10. A dose para adultos de 200-400 mg, de 6-6 h ou
de 8-8 h. O seu efeito devido libertao de mecilinam, sendo, relativamente, bem absorvido, com pico srico de 2-5 mg/l, aps administrao de
400 mg de pivmecilinam (a que correspondem 273 mg de mecilinam). A semivida plasmtica de uma hora. A eliminao urinria de 50%, aps a
administrao de 200 mg, e de 30% aps 800 mg, sendo bem tolerado,
41
F. Antunes
2. Cefalosporinas
As cefalosporinas so antibiticos b-lactmicos, estrutural e farmacologicamente relacionados com as penicilinas11,12. Em geral, as cefalosporinas so
activas in vitro contra bactrias aerbicas e anaerbicas, sendo classificadas
em quatro classes (geraes) de 1.a, 2.a, 3.a e 4.a gerao de acordo com
o seu espectro de actividade (Quadros 2 e 3).
As cefalosporinas de 1.a gerao possuem espectro de actividade, essencialmente, para cocos Gram-positivo, incluindo estafilococos produtores de
b-lactamases. A sua actividade contra bactrias Gram-negativo limitada,
embora algumas estirpes de Neisseria spp, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus spp, Salmonella spp, Shigella spp, Fusobacterium spp e
Bacteroides spp (excepto fragilis) sejam susceptveis. Nenhuma das cefalosporinas de 1.a gerao activa contra enterococos, estafilococos meticilinarresistentes e Pseudomonas aeruginosa.
As cefalosporinas de 2.a gerao so activas contra os microrganismos
susceptveis s cefalosporinas de 1.a gerao, mas, ainda, mais activas sobre
bactrias Gram-negativo, incluindo Haemophilus influenzae (os produtores
de b-lactamases so, relativamente, resistentes). A cefoxitina, o cefotetam,
o cefmetazol e o cefamandol so activas contra Bacteroides fragilis. Relativamente aos enterococos, estafilococos meticilinarresistentes e Pseudomonas
aeruginosa a sua actividade , praticamente, nula, tal como foi referido para
as cefalosporinas de 1.a gerao.
As cefalosporinas de 3.a gerao so, em regra, menos activas in vitro do
que as cefalosporinas de 1.a gerao contra estafilococos, mas, pelo contrrio, apresentam espectro de actividade muito mais alargado contra bactrias
Gram-negativo, em comparao com as cefalosporinas de 1.a e 2.a gerao,
cobrindo Neisseria spp, Clostridium spp, Bordetella pertussis, Aeromonas spp,
Moraxella, Pasteurella spp, Vibrio spp, Borrelia burgdorferi e Leptospira spp
e a maioria das enterobactericeas, no sendo activas contra enterococos e
estafilococos meticilinarresistentes. A ceftazidima a que apresenta, de entre as cefalosporinas de 3.a gerao, maior actividade contra Pseudomonas
aeruginosa. O cefetamet pivoxil, a cefixima, a cefodoxima e o cefibuteno
42
Agente
Gerao
Via de administrao
cefalotina
1.
i.m., e.v.
cefazolina
1.a
i.m., e.v.
cefapirina
1.a
i.m., e.v.
cefalexina
1.a
oral
cefradina*
1.a
cefadroxil*
1.a
oral
cefatrizina*
1.a
oral
Microrganismos Gram-negativo
a) Adquiridos na comunidade
b) Adquiridos no hospital
estirpes multi-resistentes
c) Pseudomonas aeruginosa
d) Bacteroides fragilis
e) Cocos e enterobactericeas
cefaclor*
2.a
oral
cefeprozil*
2.a
oral
cefpodoxima
3.a
oral
cefamandol
2.a
i.m., e.v.
ceforanida
2.a
i.m., e.v.
cefuroxima*
2.a
cefonicida*
2.a
i.m., e.v.
cefixima*
3.a
oral
cefodizima*
3.a
i.m., e.v.
ceftibuteno
3.a
oral
cefotaxima*
3.a
i.m., e.v.
ceftizoxima
3.a
i.m., e.v.
ceftriaxona*
3.a
i.m., e.v.
cefetamet pivoxil*
3.a
oral
ceftazidima*
3.
i.m., e.v.
cefoperazona
3.a
i.m., e.v.
cefepima
4.a
i.m., e.v.
cefoxitina*
2.
i.m., e.v.
cefmetazol
2.a
i.m., e.v.
cefotetan
2.a
i.m., e.v.
ceftidoreno
3.a
oral
*Disponveis em Portugal.
esto disponveis para administrao por via oral, sendo inactivas contra
estirpes de Enterobacter spp e de Pseudomonas aeruginosa e tm actividade
limitada contra anaerbios. A cefixima , tambm, inactiva contra a maioria
dos estafilococos. A cefotaxima, a ceftriaxona e a ceftizoxima tm espectros
idnticos de actividade e boa difuso no sistema nervoso central (SNC). Nas
meningites, a dose total de cefotaxima de 8-12 mg para adultos e de
300 mg/kg/dia, por via e.v., para as crianas. A ceftriaxona apresenta semivida plasmtica mais longa, podendo ser administrada uma vez por dia.
As cefalosporinas de 4.a gerao tm espectro alargado de actividade
contra bactrias Gram-negativo, sendo, no entanto, activas in vitro contra
43
F. Antunes
Formulao
Nome comercial
cpsulas 500 mg
comprimidos 1.000 mg
suspenso oral 100 mg/ml
Ceforal
Cefadroxil Mylan, Ceforal
Ceforal
Cefatrizina 1.a
cpsulas 500 mg
suspenso oral 50 mg/ml
Macropen
Macropen
Cefradina 1.a
cpsulas 500 mg
comprimidos 1.000 mg
p para suspenso oral 250 mg/5 ml
p para suspenso oral 500 mg/5 ml
parentrica 1.000 mg/10 ml
Cefradur
Cefradur
Cefradur
Cefradur
Cefradur
Cefaclor 2.a
cpsulas 500 mg
comprimidos 750 mg
p para suspenso oral 25 mg/ml
p para suspenso oral 250 mg/5 ml
p para suspenso oral 375 mg/5 ml
Cefonicida 2.a
Monocid
Cefoxitina 2.a
Atralxitina,
Cefoxitina Labesfal
Cefeprozil 2.a
comprimidos 500 mg
p para suspenso oral 250 mg/5 ml
Procef
Procef
Cefuroxima 2.a
Cefetamet pivoxil
3.a
comprimidos 500 mg
Cefec
Cefec
Modivid
Modivid
Cefotaxima
Cefortam
Cefortam
Cefortam
i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,
Ceftriaxona
Ceftriaxona
Ceftriaxona, Rocephin
Ceftriaxona
Ceftriaxona, Rocephin
Ceftriaxona, Rocephin
Cefadroxil 1.
Cefodizima 3.a
Cefotaxima 3.a
a
Ceftazidima* 3.
Ceftriaxona
3.a
Ceftidoreno 3.a
Cefixima 3.
e.v.
e.v.
e.v.
e.v.
e.v.
e.v.
250 mg/2 ml
250 mg/5 ml
500 mg/2 ml
500 mg/5 ml
1.000 mg/3,5 ml
1.000 mg/10 ml
comprimidos 500 mg
Meiact. Spectracef
Cefixima, Tricef
Cefixima, Neocef, Tricef
44
3. Monobactmicos
Os monobactmicos so b-lactmicos monocclicos, que actuam por inibio
da sntese da parede bacteriana13.
O aztreonam (Azactam 1.000 mg para administrao por via parentrica
i.m. ou e.v.) o nico representante deste grupo, sendo a dose para adultos de 1-2 g, de 8-8 ou de 12-12 h (i.m. ou e.v.) e nas crianas de 100-150
mg/kg/dia (i.m. ou e.v.), dividida em trs ou quatro administraes. A semivida de 1,7 h, o pico srico de 100 mg/l, aps 1 g por via e.v., e de 50
mg/l aps 1 g i.m., a ligao s protenas de 60%, sendo, provavelmente,
degradado nos tecidos e a excreo renal de 70% (filtrao glomerular e
secreo tubular). As concentraes biliares so de 40 mg/l aps 1 g por via
e.v. O aztreonam actua, exclusivamente, sobre bactrias Gram-negativo, incluindo enterobactericeas, Pseudomonas aeruginosa, Yersinia spp, Pasteurella multocida, Capnocytophaga spp, Plesiomonas spp, Aeromonas spp, Haemophilus influenzae e Neisseria spp, no obstante a produo de
b-lactamases. O aztreonam est indicado nas cistites e pielonefrites, nas
pneumonias por bactrias Gram-negativo, nas septicemias, nas infeces da
pele (feridas ps-operatrias, lceras e queimaduras, nas infeces intra-abdominais, incluindo peritonites) e nas infeces ginecolgicas (endometrites e celulites plvicas). O aztreonam incompatvel em soluo com o
metronidazol e com a vancomicina. Se bem que raramente, pode acontecer
aumento moderado das transaminases, tendo-se, ainda, verificado prolongamento do tempo de protrombina e do tempo parcial de tromboplastina.
45
46
Cefprozil
Cefaclor
Cefadroxil
Cefradina
Cefalexina
a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.
c) 40 mg/kg/d oral
(em 3x)
40 mg/l
aps 1 g i.m.
13 mg/l
aps 0,5 g oral
30 mg/l
aps 1 g oral
c) 30 mg/kg/d oral
(em 2x)
a) 0,5-1 g/6-8 h
oral
16 mg/l
aps 0,5 g oral
12 mg/l
aps 1 g i.m.
c) 50 mg/kg/d
oral (em 4x)
a) 0,5-1 g/8-12 h
oral
17 mg/l
aps 0,5 g oral
a) 0,5-1 g/6-8 h
i.m., e.v., oral
c) 25-50 mg/kg/d
oral (em 4x)
18 mg/l
aps 0,5 g oral
30 mg/l
aps 1 g oral
c) 30 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 2x)
a) 0,5-1 g/6-8 h
oral
16 mg/l
aps 0,5 g oral
a) 0,5-1 g/8-12 h
oral
180 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 50-100 mg/kg/d
i.m., e.v.
Cefadroxil
64 mg/l
aps 1 g i.m.
a) 0,5-2 g/8 h
i.m., e.v.
Cefalozina
Pico srico
Dose
Agente
1,8 h
0,8 h
1,2 h
0,9 h
0,9 h
1,2 h
1,8 h
Semivida
20%
25%
20%
10%
10%
20%
80%
Ligao s protenas
hidrlise
Metabolismo
continua
renal 85%
renal 70%
renal 90%
renal 90%
renal 90%
renal 95%
Excreo*
F. Antunes
Cefotetan
Cefoxitina
Cefonicide
Cefuroxima
(axetil)
Cefamandol
Agente
c) 40-80 mg/kg/d
e.v. (em 2x)
160-230 mg/l
1-2 g e.v.
110 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 80-160 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 4-6x)
a) 1-2 g/12 h
i.m., e.v.
24 mg/l
aps 1 g i.m.
a) 1-2 g/4-8 h
i.m., e.v.
c) 20-50 mg/kg/d
i.m., e.v.
100 mg/l
aps 1 g i.m.
c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x) 15-30
mg/kg/d
oral (em 2-3x)
a) 1-2 g/d
i.m., e.v.
27 mg/l
aps 750 mg i.m.
100 mg/l
90 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 4-6x)
a) 0,75-3 g/8 h
i.m., e.v.
250-500 mg/8-12 h
oral (axetil)
25 mg/l
aps 1 g i.m.
80 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x)
a) 1-2 g/4-5 h
i.m., e.v.
Pico srico
Dose
3-5 h
0,8 h
4,5 h
1,4 h
0,8-1 h
Semivida
88%
70%
98%
40%
75%
Ligao s protenas
< 50%
Metabolismo
continua
renal 80%
renal 85%
renal 95%
renal 90%
renal 90%
Excreo*
47
48
60 mg/l
aps 1 g e.v.
ou 2 g i.m.
130 mg/l
aps 2 g e.v.
c) dados indisponveis
80 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x)
a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.
40 mg/l
aps 1 g i.m.
150 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 50-100 mg/kg/d
i.m., e.v.
(em 1-2 doses)
a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.
80 mg/l
aps 1 g i.m.
80 mg/l
aps 1 g e.v.
c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3-4x)
a) 1-2 g/12-24 h
i.m., e.v.
25 mg/l
aps 1 g i.m.
4,5 mg/l
aps 400 mg oral
Pico srico
a) 1-2 g/6-8 h
i.m., e.v.
a) adulto; c) criana.
*Por filtrao glomerular e secreo tubular.
Cefepima
Ceftazidima
Ceftriaxona
Cefotaxima
a) 200-400 mg/12-24 h
i.m., e.v.
Cefixima
c) 8 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 1-2x)
Dose
Agente
2h
1,8 h
8h
1h
3-4 h
Semivida
< 20%
20%
90%
40%
70%
Ligao s protenas
heptico 10%
50%
Metabolismo
renal 80%
renal 50%
Excreo*
F. Antunes
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49
Seco 3 Antimicrobianos
CARBAPENEMES*
Germano do Carmo
*A designao do frmaco, no singular, quer na farmacopeia portuguesa, quer no RCM do produto carbapenem.
O plural, aparece no pronturio teraputico como carbapenemes e no formulrio hospitalar como carbapenemos.
Optmos, no presente trabalho, pela primeira das duas opes.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
51
G. do Carmo
Antimicrobianos Carbapenemes
2. Espectro antimicrobiano
Os carbapenemes so, hoje, os antibiticos de espectro de aco antimicrobiano mais alargado. De facto, eles so eficazes contra a grande maioria
de bactrias Gram-negativo e Gram-positivo, aerbias e anaerbias, cocos e
bacilos5,15.
De entre a generalidade dos patognios humanos, apenas so resistentes
aos carbapenemes Xanthomonas maltophilia, Burkholderia cepacia, antes
designada por Pseudomonas cepacia, Enterococcus faecium e outros enterococos. Staphylococcus aureus e os coagulase negativo meticilinarresistentes
e, bem assim, os pneumocos resistentes ou de sensibilidade reduzida penicilina, que tm susceptibilidade varivel aos carbapenemes6.
Estes frmacos so, altamente, resistentes hidrlise provocada pela
maior parte das betalactamases. Ao invs, so fortemente inactivados por
53
G. do Carmo
3. Indicaes teraputicas
Como decorre do exposto, os carbapenemes so antimicrobianos da maior
importncia e pode dizer-se que o seu aparecimento constituu um indiscutvel avano no armamentrio teraputico anti-infeccioso. Contudo, apesar
do seu espectro de aco ser, verdadeiramente, nico, h que ter particular
cuidado com a sua utilizao, sob pena de a curto prazo se virem a perder as
capacidades teraputicas. Em termos genricos, pode dizer-se que so antibiticos a serem usados, apenas, em casos muito bem definidos, nomeadamente situaes clnicas graves em que se comprova, ou se suspeita, fortemente, de infeces mistas, aerbias e anaerbias e infeces nosocomiais,
causadas por microrganismos resistentes ou multirresistentes aos frmacos
comumente utilizados.
A sua associao a outros antibiticos, como glicopetpdeos e aminoglicosdeos, deve ser encarada, apenas em situaes excepcionais e o seu uso
profilctico , de todo, desaconselhado. Digamos, resumindo, que os carbapenemes, por todas as razes j apresentadas e pelo facto de no serem
medicamentos baratos, devem ser reservados para o tratamento, em monoterapia, de situaes clnicas graves ou muito graves, em especial aquelas
que no responderam a anteriores tentativas teraputicas ou cujos agentes
patognicos so, reconhecidamente, de difcil controlo.
Vejamos agora, caso a caso, as principais indicaes teraputicas destes
antibiticos.
Antimicrobianos Carbapenemes
G. do Carmo
Imipenem-cilastatina
Clearance da
creatinina
dose (g)
Int (h)
> 70
0,5-1
6-8
70-31
0,5
6-8
30-21
0,5
8-12
20-6
0,25-0,5
12
0,25-0,5
depois da dilise
> 50
0,5-2
50-26
0,5-2
12
nas meningites 2 g
3x/d, i.v.
25-10
0,25-1
< 10
0,25-1
24
< 30
0,5
24
Meropenem
Ertapenem
Insuficientes renais
Atendendo ao seu largo espectro de aco e s suas propriedades farmacocinticas e farmacodinmicas, os carbapenemes so, essencialmente,
antibiticos de eleio para o tratamento emprico em monoterapia das
infeces graves, septicemias com ou sem choque sptico, decorrentes de
infeces intra-abdominais, infeces de doentes neutropnicos e outros
casos de infeces nosocomiais, sem agente isolado ou com padro de sensibilidade complexo. Contudo, apesar do seu espectro de aco antibacteriano mpar, a ineficcia de actuao destes antibiticos diz respeito a alguns
dos patognios mais comuns e mais agressivos, responsveis pelas infeces
mencionadas, como so Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecium,
Staphylococcus aureus meticilinarresistentes e Acinetobacter spp. Em algumas destas situaes, e s nessas, poder, ento, encarar-se a possibilidade
de associao com aminoglicosdeos ou com glicopetpdeos.
No quadro 1 esto indicados os esquemas posolgicos dos carbapenemes
disponveis de momento no nosso Pas.
4. Reaces adversas
Desde os primeiros estudos animais que se comprovou que o imipenem
isoladamente tinha elevada toxicidade renal, causando necrose tubular
56
Antimicrobianos Carbapenemes
G. do Carmo
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58
Seco 3 Antimicrobianos
Glicopeptdeos
Francisco Antunes
Os glicopeptdeos so antibiticos que inibem a sntese do peptidoglicano, tal como acontece com os b-lactmicos, porm actuam em etapas metablicas diferentes. Para alm disto, alteram a permeabilidade da membrana
citoplasmtica bacteriana, o que explica a sua actividade contra protoplastos
e inibem, tambm, a sntese do ARN.
A resistncia natural dos microrganismos Gram-negativo explicada, principalmente, pela incapacidade dos glicopeptdeos penetrarem a parede bacteriana. O desenvolvimento de resistncia durante o tratamento muito
raro. A resistncia natural das estirpes de estafilococos tem-se revelado constante ao longo do tempo. A resistncia dos enterococos vancomicina tem
sido registada, sendo aquela cruzada com a teicoplanina.
Os nicos glicopeptdeos disponveis so a vancomicina (Glipep LP, Vancomicina CP, Vancomicina Alpharma, Vancomicina APS 500 ou 1.000 mg
e.v.) e a teicoplanina (Targosid 200 mg i.m., e.v.), que so utilizados para
tratar infeces graves por bactrias Gram-positivo (incluindo as multirresistentes), mas, tambm, para os casos em que os doentes so alrgicos penicilina1,2. A sndrome de red-man ou de red-neck (prurido, eritema, vermelhido
da regio superior do tronco, angio-edema e, mais raramente, colapso cardiovascular), est associada libertao de histamina dos basfilos e das mast
cells, quando a administrao do antibitico muito rpida (< 60 minutos).
Alguns dos problemas relacionados com a administrao dos glicopeptdeos so de ordem alrgica (febre, arrepios de frio, exantema e eosinofilia)
porm, menos frequentes com a teicoplanina do que com a vancomicina. A
nefrotoxicidade muito rara e reversvel, sendo potenciada com o uso, concomitante, de aminoglicosdeos, anfotericina B, ciclosporina e furosemida3.
Teicoplanina, para administrao i.m. e e.v. No adulto, a dose
de trs tomas de 6 mg/kg (400 mg), com intervalos de 12 h, seguidas por
6 mg/kg/dia em dose nica i.m. ou e.v. Nas crianas, a dose de trs tomas
de 10 mg/kg, com intervalos de 12 h, seguidas por 6-10 mg/kg/dia em dose
nica i.m. ou e.v. A semivida plasmtica de 40-70 h, a ligao s protenas
de 90%, o pico srico de 12 mg/l, aps 6 mg/kg i.m. e de 50 mg/kg, depois
de 6 mg/kg por via e.v., o metabolismo < 5% e a excreo renal de 80%.
No tratamento da endocardite e de outras infeces graves estafiloccicas, a
dose de 12 mg/kg/dia. No sendo absorvida por via oral, pode ser utilizada
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
59
F. Antunes
por esta via para o tratamento da colite pseudomembranosa (usando a formulao parentrica). A teicoplanina activa contra bactrias Gram-positivo,
incluindo, virtualmente, todas as estirpes de estafilococos produtores de
penicilinase e meticilina - sensveis e resistentes e, ainda, estirpes de pneumococos resistentes penicilina. A teicoplanina tem cerca de duas a quatro
vezes maior actividade intrnseca do que a vancomicina contra microrganismos sensveis, sendo cerca de duas vezes mais activa do que a vancomicina
contra Enterococcus faecalis. Algumas estirpes de estafilococos coagulase
negativa (Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus haemolyticus) so
resistentes teicoplanina e sensveis vancomicina. A teicoplanina incompatvel com solues contendo aminoglicosdeo, podendo apresentar hipersensibilidade cruzada com a vancomicina. A toxicidade renal rara, assim
como a febre e o exantema, a eosinofilia e a trombocitopenia4,5.
Vancomicina, para administrao por via e.v. No adulto, a dose de
30-50 mg/kg (em geral 2 g)/dia por via e.v., de 12-12 h; a administrao
deve ser lenta de, pelo menos, uma hora, dissolvida em 100-250 ml de dextrose ou de soluo salina, de 125-500 mg, de 6-6 h para a via oral (no
absorvida, com interesse a sua administrao por via oral para o tratamento
da colite pseudomembranosa) e de 10-20 mg por via intratecal. A dose para
crianas de 40 mg/kg/dia por via e.v., fraccionada em duas a quatro administraes. A semivida plasmtica de seis horas, a ligao s protenas de
10-50%, o pico srico de 25-40 mg/l, aps 1 g por via e.v., estando o metabolismo heptico aumentado, no caso de insuficincia renal, e a excreo
renal de 90-100% (por filtrao glomerular). A vancomicina tem espectro de
actividade semelhante teicoplanina, sendo bacteriosttica contra enterococos,
porm bactericida para 100% das estirpes, quando em associao com a
gentamicina (excepto para as estirpes com resistncia elevada aos aminoglicosdeos). A interaco com outros frmacos e os efeitos colaterais so comuns aos
glicopeptdeos, porm de realar que a heparina pode inactivar a vancomicina
(quando administrada no mesmo sistema), sendo, ainda, de referir que pode
precipitar em soluo com o cloranfenicol e com a netilmicina (evitar, ainda, a
sua associao em corticides, aminofilina ou penicilina G potssica).
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60
Seco 3 Antimicrobianos
MACRLIDOS e quetlidos
A. Mota Miranda
1. Introduo
Os macrlidos e os quetlidos compreendem um grupo de antibiticos
que tm em comum um anel de lactona macrocclico, ao qual se ligam um
ou mais acares, tm propriedades biolgicas afins, espectro antimicrobiano e indicaes clnicas semelhantes e podem desenvolver resistncia cruzada entre membros do mesmo grupo, de modo natural ou induzida e
especfica. Estes antimicrobianos so bacteriostticos ou bactericidas, consoante a sua concentrao e o microrganismo em causa, e atuam por inibio da sntese proteica bacteriana. Os macrlidos so teis e de utilizao
corrente no tratamento de infees da comunidade de pouca gravidade e,
tambm, no de vrias infees oportunistas em imunodeprimidos, assim
como no da sua preveno. J os quetlidos, inicialmente com as mesmas
indicaes clnicas, dada a sua toxicidade heptica, tm emprego limitado
e so, sobretudo, uma opo particular no tratamento da pneumonia aguda da comunidade. O espectro de ao idntico, atuando sobre cocos e
bacilos Gram-positivo e Gram-negativo, incluindo anaerbios, e, em particular, sobre microrganismos intracelulares. De entre estes, salientam-se Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae, Chlamydia spp, Coxiella burnetii, entre outros. So, ainda, a opo
preferencial de tratamento e profilaxia da infeo por Mycobacterium avium
complex (MAC).
A eritromicina, isolada em 1952, foi o primeiro macrlido a ser identificado e usado na prtica clnica, em particular, nas infees respiratrias e da
pele e tecidos moles1-4. Tem vindo a ser substituda pela claritromicina e
azitromicina, macrlidos mais recentes, com melhor tolerncia e biodisponibilidade oral, bem como melhor comodidade posolgica uma ou duas tomas dirias. Alm disso, apresentam atividade antimicrobiana mais ampla, o
que possibilita o seu uso no tratamento de algumas infees oportunistas
na sida e de infees por microrganismos resistentes1-4. No entanto, o seu
custo bastante mais elevado.
Estes antimicrobianos apresentam efeito ps-antibitico prolongado e
tm, por outro lado, importante ao anti-inflamatria2. Esta caracterstica
poder torn-los teis no tratamento da doena arterial coronria, provavelmente, pelo papel que algumas infees crnicas, como as provocadas por
Chlamydophila pneumoniae, e, tambm, o prprio processo inflamatrio
61
A. Mota Miranda
15 tomos de carbono
16 tomos de carbono
Derivados naturais
Eritromicina
Josamicina
Oleandomicina
Midecamicina
Troleandomicina
Miocamicina
Espiramicina
Derivados semissintticos
Roxitromicina
Claritromicina
Azitromicina
Diritromicina
Quetlidos
Telitromicina
A. Mota Miranda
Azitromicina
B. pertussis
0,06
0,06
0,06
0,03
Borrelia spp.
0,1
0,01
0,03
0,5
C. diphteriae
0,026
0,058
0,008
0,008
1,0-4,0
0,12-0,5
1,0-8,0
C. pneumoniae
0,25
0,25
0,03
0,25
C. trachomatis
0,25
0,25
0,015
C. jejuni
Claritromicina Telitromicina
Enterococcus spp.
Sensvel vancomicina
2,0
> 8,0
1,0
0,06
> 128,0
> 8,0
> 128,0
32,0
H. influenzae
8,0
2,0
16,0
2,0
H. pylori
0,25
0,5
0,015
0,5
L. pneumophila
0,5
0,5
0,046
0,125
MAC
64,0
4,0-8,0
32-64
> 128,0
M. catarrhalis
0,25
0,06
0,25
0,12
M. pneumoniae
0,015
0,015
0,015
0,015
N. gonorrhoeae
2,0
0,25
1,0
0,12
Resistente vancomicina
S. aureus
Sensvel meticilina
> 128,0
> 128,0
0,25
Resistente meticilina
> 128,0
>128
> 128,0
0,5
S. epidermidis
> 128,0
128,0
> 128,0
> 128,0
S. pneumoniae
Sensvel penicilina G
1,0
1,0
0,25
0,03
Resistncia intermdia
(CIM = 0,12-1,0 g/ml)
> 64,0
> 64,0
> 64,0
0,06
Resistente penicilina G
(CIM 2 g/ml)
> 64,0
> 64,0
> 64,0
0,25
0,06
0,25
0,06
0,015
>128,0
8,0
8,0
0,12
S. pyogenes
S. viridans
concentrao intracelular, o pH, entre outros aspetos. Em geral, os microrganismos so considerados suscetveis se a concentrao inibitria mnima
(CIM) 2 g/ml1,7.
Estes antibiticos tm amplo espectro de ao, incluindo os seguintes
microrganismos1-4:
64
Cocos Gram-positivo vrias espcies de Streptococci, incluindo pneumoniae, pyogenes, agalactiae e viridans, espcies de Staphylococci meticilinossensveis.
Bacilos Gram-positivo Corynebacterium diphtheriae, Listeria monocytogenes, Bacillus anthracis, Rhodococcus equi, Erysipelothrix spp, Lactobacillus spp.
Cocos Gram-negativo Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis,
Moraxella catarrhalis.
Bacilos Gram-negativo Haemophilus influenzae, Bordetella pertussis,
Campylobacter jejuni, Pasteurella multocida, Eiknella corrodens, Haemophilus
ducreyi, Gardnerella vaginalis, Vibrio cholerae, Helicobacter pylori.
Anaerbios Peptococcus spp, Peptostreptococcus spp, Clostridium perfrigens, Propionibacterium acnes, Eubacterium spp, Porphyromonas spp, Prevotella spp.
Agentes intracelulares Legionella pneumophila e outras espcies,
Chlamydophila pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Mycoplasma pneumoniae, Mycoplasma hominis, Coxiella burnetii.
Micobactrias MAC, Mycobacterium chelonae, Mycobacterium kansasii, Mycobacterium leprae.
Espiroquetas Treponema pallidum, Borrelia burgdorferi e outras espcies.
Parasitas Toxoplasma gondii, Plasmodium falciparum e outras espcies.
De um modo geral, a claritromicina mais ativa sobre os cocos Gram-positivo e o seu principal metabolito de degradao, 14-hidroxiclaritromicina, mais ativo contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. A azitromicina mais eficaz contra as
bactrias Gram-negativo, incluindo Haemophilus influenzae, Moraxella
spp,Campylobacter spp, Neisseria spp, Pasteurella spp, Eiknenella spp, Vibrio
cholera e, ainda, algumas enterobactericeas Escherichia coli, Salmonella
spp, Yersinia spp, Shigella spp. Apresenta, tambm, maior eficcia contra os
agentes bacterianos intracelulares.
A ocorrncia de resistncia aos macrlidos tem surgido em vrias regies
e este facto tem implicaes teraputicas8. A sensibilidade de Streptococcus
pneumoniae aos antimicrobianos apresenta amplas variaes geogrficas,
sendo a resistncia aos macrlidos, sobretudo observada para estirpes resistentes penicilina G, que atinge 40% para os isolados de resistncia intermdia a este antibitico e mais de 60% para os isolados resistentes (CIM
2 g/ml)1,2,8. Em Portugal essa taxa de 18,8%9. De modo semelhante, tm
surgido resistncias para Streptococcus pyogenes, que variam entre 15-60%,
sendo no nosso pas de 18,9%1,2,8,9. Em relao a Haemophilus influenzae
apenas 5,5% so resistentes claritromicina, no se observando resistncia
azitromicina9. Tambm, no foi encontrada resistncia de Moraxella catarrhalis aos macrlidos9. Torna-se, assim, importante ter esse conhecimento
atualizado, porque nos pases onde a incidncia de isolados resistentes aos
65
A. Mota Miranda
macrlidos ultrapassa 25% dever optar-se por outra teraputica1,2. As enterobactericeas e Pseudomonas aeruginosa so, naturalmente, resistentes
aos macrlidos e quetlidos1,2.
A resistncia adquirida aos macrlidos e quetlidos pode resultar de modificaes estruturais no local de unio do antibitico ao ribossoma, por
mecanismos de efluxo ativo, por efeito de enzimas inactivantes e por mutao
cromossmica1-3. A resistncia plasmdica mediada por uma metilase bacteriana que acarreta inativao enzimtica e impede a fixao do antibitico.
Esta resistncia origina resistncia cruzada entre os macrlidos e, tambm, com
as lincosamidas e estreptograminas. Este fenmeno no se observa com a
telitromicina que mantm a sua atividade contra essas estirpes resistentes.
O mecanismo de efluxo ativo, dependente do trifosfato de adenosina (ATP),
especfico dos macrlidos de 14 e 15 tomos de carbono e mediado por
uma protena da membrana celular de algumas bactrias que faz a desintegrao do macrlido. Esto ainda identificadas enzimas inactivantes esterases, capazes de hidrolisar ou modificar o anel lactnico, como se verifica
com as enterobactericeas e mutaes cromossmicas que, embora muito
raras, ocorrem nos genes da protena 50S do ribossoma.
3. Farmacocintica
Aps a absoro digestiva segue-se um ciclo entero-heptico complexo,
com excreo biliar at ao limite da saturao, passando a restante concentrao circulao sangunea para excreo urinria, a qual, em regra, no
ultrapassa 15%1-4. No quadro 3 mostram-se as principais caractersticas farmacocinticas dos macrlidos. De um modo geral, apresentam boa biodisponilidade oral, embora dependente da dose e com grandes variaes individuais. Os macrlidos mais antigos estavam dependentes da neutralizao da
acidez gstrica para boa absoro, facto ultrapassado com os mais recentes,
incluindo a telitromicina que tem maior estabilidade em meio cido. A ingesto com os alimentos no modifica a absoro das formas microcapsuladas de eritromicina, diritromicina, roxitromicina, claritromicina e telitromicina, mas aumenta a absoro do estearato de eritromicina e diminui, em
cerca de 50%, a da azitromicina, o que justifica a sua administrao uma
hora antes ou duas horas depois da refeio. O metabolismo , predominantemente, heptico e a eliminao biliar, exceto para a azitromicina, que
, principalmente fecal. Apenas entre 5-15% da dose ingerida eliminada
por via renal. Os metabolitos so inativos, exceto o principal metabolito da
claritromicina 14-hidroxiclaritromicina, que, como j se disse, tem atividade
intrnseca e sinergstica, sobretudo, sobre Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. As concentraes tecidulares so elevadas, atingindo, na
maioria dos macrlidos e quetlidos, concentraes superiores s sanguneas,
66
Dose
(mg)
Biodisponibilidade (%)
C. mx
(mg/l)
T. mx
(h)
T 1/ 2
(h)
Fixao s
protenas
250-1.000
50*
1,5
1,5
70-90
2,5-5,5
1,8
250-500
55
65
10-50
Azitromicina
250-500
37
0,4-3,6
2-3
12
Roxitromicina
150-300
80
7,8-10,8
12
75-95
500-1.000
1-2
1-2
15
Midecamicina
1.200
1,7
10
Miocamicina
600-900
1,3-3
1-2
45
Diritromicina
500
10
0,1-0,5
4-4,5
16-65
15-30
Espiramicina
1.000
35
1,5
2-3
10
Telitromicina
800
57
70
Josamicina
4. Tolerncia
Os macrlidos e os quetlidos tm boa tolerncia, sendo raros os efeitos
adversos e, geralmente, de pouca gravidade1-4. Os efeitos secundrios mais
67
A. Mota Miranda
5. Interaes medicamentosas
As interaes com o sistema enzimtico do citocrmio P450 (CYP450) so,
sobretudo, observadas com os macrlidos com 14 tomos de carbono, conquanto possam, tambm, ocorrer com os restantes e com a telitromicina1-4.
A azitromicina no interage de modo to significativo com essas enzimas,
provavelmente devido sua estrutura azlido, pelo que as interaes
68
A. Mota Miranda
6. Indicaes clnicas
O espectro de ao antimicrobiana dos macrlidos e da telitromicina
amplo, sendo estes antimicrobianos eficazes contra infees provocadas por
bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, micobactrias, espiroquetas e,
sobretudo, sobre vrios microrganismos intracelulares 1-4. Os principais
macrlidos usados na prtica clnica so a eritromicina, a claritromicina e a
azitromicina, sendo a telitromicina o nico quetlido identificado at esta
data. Os novos macrlidos e a telitromicina apresentam algumas particularidades em relao eritromicina, que os tornam mais teis no tratamento de infees por microrganismos sensveis1-4. Estes aspetos so o maior espectro antimicrobiano, incluindo sobre bactrias resistentes e sobre alguns agentes
oportunistas de infees em imunodeprimidos, a melhor biodisponibilidade
oral, a maior semivida e os menores efeitos adversos. As suas formas de
apresentao, posologia habitual e modo de administrao so apresentados
no quadro 4.
Os novos macrlidos so mais ativos sobre Legionella pneumophila, Chlamydia
trachomatis, Borrelia burgdorferi e Ureaplasma urealyticum, e tm atividade
semelhante sobre Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae.
A claritromicina mais eficaz contra espcies de Staphylococci meticilinossensveis e de Streptococci spp, bem como contra o MAC, Mycobacterium
leprae e Mycobacterium chelonae. A claritromicina potencia a ao da isoniazida, rifampicina, rifabutina, pirazinamida e etambutol sobre Mycobacterium tuberculosis, assim como, em associao com a pirimetamina, eficaz
sobre Toxoplasma gondii. O seu principal metabolito, 14-hidroxiclaritromicina, tambm ativo sobre esses microrganismos, principalmente, sobre Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, e exerce, em associao, efeito
aditivo. A azitromicina eficaz sobre as bactrias Gram-positivo, embora
menos ativa do que a claritromicina contra Staphylococci spp e Streptococci spp.
70
Dose unitria
Esquema posolgico
Eritromicina
Comprimidos 500 mg
E.v. 10 mg/kg/dia;
500 mg/dia
Comprimidos 500 mg
Roxitromicina
Telitromicina
Cpsulas 400 mg
72
Eritromicina
Azitromicina
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina (+ RFP)
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Azitromicina
Pneumonia M. pneumoniae
Azitromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina
pptica*
Macrlido
Doena
continua
Posologia
A. Mota Miranda
Claritromicina
+ amicacina
Azitromicina
Azitromicina
Azitromicina
Eritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Alaritromicina
Posologia
*Tratamento controverso no portador assintomtico, mesmo tendo em ateno o papel de H. pylori no carcinoma gstrico.
Azitromicina
Claritromicina
Profilaxia da MAC
Macrlido
Doena
73
74
Eritromicina
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Claritromicina
Quinolona
Penicilina G ou
penicilina V
Azitromicina
Quinolona ou
ceftriaxona
continua
Azitromicina
Clindamicina + quinino
Azitromicina
+ atovaquona
Doxiciclina, amoxicilina
ou cefuroxima
Cotrimoxazol
Azitromicina
Ceftriaxona ou
cefotaxima
Doena de Lyme
(exceto doena neurolgica e cardaca)
Cefuroxima ou
quinolona
Azitromicina
Eritromicina
Claritromicina
Ciprofloxacina,
doxiciclina, penicilina G
ou amoxicilina
Doxiciclina ou tetraciclina;
vrias aplicaes tpicas
Azitromicina
Infeo do aparelho respiratrio
superior /bronquite aguda e crnica por Claritromicina
H influenzae
Eritromicina
Carbnculo
Frmaco de eleio
Penicilina G, ceftriaxona
ou cefotaxima
Eritromicina
Acne vulgaris
Posologia
Macrlido
Doena
A. Mota Miranda
Eritromicina
Eritromicina
+ neomicina
Eritromicina
Claritromicina
Azitromicina
Azitromicina
+ pirimetamina
+ cido folnico
Doxiciclina ou tetraciclina
Frmaco de eleio
Amoxicilina, ampicilina
Pirimetamina +
sulfadiazina
Penicilina G
Cefoxitina
1.000 mg, oral
1.000 mg, oral
Administrar s 1, 2 e 11 (p.m.) do dia anterior cirurgia + clisteres
de limpeza a iniciar dois dias antes da cirurgia
Posologia
*Erisipela, impetigo, celulite, amigdalite, faringite, escarlatina, otite mdia aguda, sinusite aguda, bronquite aguda, exacerbaes agudas de DPOC, pneumonia.
Otite mdia aguda, sinusite aguda, bronquite aguda, exacerbaes agudas de DPOC, pneumonia.
Macrlido
Doena
75
A. Mota Miranda
Doente internado
Streptococcus pneumoniae
Streptococcus pneumoniae
Streptococcus pneumoniae
Mycoplasma pneumoniae
Mycoplasma pneumoniae
Staphylococcus aureus
Haemophilus influenzae
Chlamydophila pneumoniae
Legionella pneumophila e
outras espcies
Bacilos Gram-negativo
Vrus respiratrios*
Haemophilus influenzae
Legionella pneumophila e
outras espcies
Aspirao
Vrus respiratrios*
Antibitico
Macrlido* ou doxiciclina
Comorbilidades ou tratamento
antibitico nos trs meses precedentes
Internamento
Antibitico
Qualquer situao
Antibitico
Qualquer situao
Alergia penicilina
Fluoroquinolona + aztreonam
Suspeita de P. aeruginosa
Piperacilina-tazobactam** ou cefepima ou
imipenem ou meropenem + levofloxacina ou
ciprofloxacina ou piperacilina-tazobactam** +
aminoglicosdeo + azitromicina ou piperacilinatazobactam** + aminoglicosdeo +
fluoroquinolona
Pneumonia de aspirao
Nota: em regies com incidncia de resistncia (CIM 16 g/ml) de S. pneumoniae aos macrlidos, optar
por outro antimicrobiano.
*Eritromicina, claritromicina ou azitromicina.
Levofloxacina ou moxifloxacina ou gemifloxacina.
Amoxicilina (1 g cada 8 h) ou amoxicilina com cido clavulnico (2 g cada 12 h) ou, em alternativa,
ceftriaxona, cefpodoxina, cefuroxima ou doxiciclina.
Cefotaxima, ceftriaxona ou ampicilina ou ertapenem.
Cefotaxima, ceftriaxona ou amoxicilina com cido clavulnico.
**Aztreonam em doentes alrgicos ao b-lactmico.
A. Mota Miranda
A. Mota Miranda
duas vezes por semana) so opes eficazes em doentes infetados por VIH
e linfcitos T CD4+ 50/l. Na doena pulmonar invasiva por MAC, o tratamento idntico. Tambm, a claritromicina associada minociclina recomendada no tratamento da lepra.
No tratamento da toxoplasmose cerebral, em doentes imunodeprimidos, incluindo com sida, a azitromicina, na dose de 900-1.200 mg/dia por
via oral, associada pirimetamina e ao cido folnico, pode ser uma alternativa ao esquema teraputico convencional pirimetamina, sulfadiazina e cido folnico2,17,19-21. A durao do tratamento da fase aguda deve
ser de, pelo menos, seis semanas, ao qual se sucede um tratamento supressivo, que poder ser interrompido em doentes submetidos a tratamento
antirretrovrico, assintomticos, com supresso vrica e recuperao imutria linfcitos T CD4 + > 200/l por perodo > 6 meses. A claritromicina
tambm referida como uma opo de tratamento, mas na dose de
1.000 mg cada 12 horas. A elevada mortalidade observada em doentes com
sida, sujeitos a este esquema posolgico, no aconselha o seu uso17,21. A
espiramicina (3 g/dia) tem sido usada com sucesso na preveno da infeo
congnita por Toxoplasma gondii, reduzindo a transmisso materna em
cerca de 60%. No entanto, a espiramicina no atravessa a barreira placentria e, caso se documente infeo fetal, o tratamento consiste na associao
de sulfadiazina e pirimetamina.
Os macrlidos podem ser uma opo de tratamento penicilina G de
algumas infees da pele e dos tecidos moles, adquiridas na comunidade,
como erisipela, impetigo e celulite, habitualmente causadas por Streptococcus pyogenes ou por espcies de Staphylococci2-4. No entanto, a elevada
frequncia de estirpes resistentes coloca em plano secundrio o tratamento
com eritromicina, claritromicina ou azitromicina, tornando a telitromicina,
dado o seu perfil de resistncias, uma opo mais eficaz2,5.
A infeo por Helicobacter pylori associa-se, com frequncia, a doena
ulcerosa pptica, bem como reconhecido o potencial oncognico deste
microrganismo. O seu tratamento eficaz est associado cura da lcera pptica e diminuio da frequncia das recorrncias, mas no se sabe a sua
influncia no desenvolvimento do carcinoma gstrico. A claritromicina,
em monoterapia ou em associao a outros antimicrobianos, e o omeprazol ou outro inibidor da bomba de protes, tem-se revelado eficaz na
erradicao de Helicobacter pylori, com taxas de sucesso de 95%2-4. Ainda
no h estudos sobre o papel da azitromicina nesse tratamento.
Na profilaxia da febre reumtica e da endocardite infeciosa, os macrlidos no tm indicao prioritria. No entanto, a eritromicina, 250 mg cada
12 horas, por via oral, na febre reumtica, e a claritromicina ou azitromicina, na dose de 500 mg, uma hora antes de manipulao da cavidade oral
ou do aparelho respiratrio, podem ser opes em indivduos alrgicos
penicilina2.
81
A. Mota Miranda
Para finalizar, mencione-se o papel que pode ter a azitromicina na profilaxia da malria por Plasmodium falciparum resistente cloroquina2,22,23.
Dois estudos feitos em humanos com azitromicina em monoterapia mostraram a eficcia deste macrlido, na preveno da infeo por espcies de
Plasmodium, com taxas entre 70-90% de sucesso no Plasmodium falciparum
e maiores no Plasmodium vivax23,24. Tambm, in vitro, tem sido verificado
o sinergismo da azitromicina com a cloroquina, quinino e outros antimalricos. O seu emprego no tratamento do paludismo por Plasmodium falciparum no complicado provou ser eficaz em associao com o artesunato ou com o quinino24. Em grvidas, dada a segurana da azitromicina,
tm sido feitos estudos comparativos de azitromicina ou artesunato, ambos em associao com a sulfadoxina-pirimetamina, com resultados idnticos em termos de eficcia e segurana25.
7. Concluso
Os macrlidos, em particular, os mais recentes claritromicina e azitromicina e a telitromicina, todos anlogos estruturais de eritromicina, tm
vantagens significativas que incluem a maior biodisponibilidade oral, uma
semivida mdia mais longa, permitindo uma ou duas tomas dirias e, portanto, comodidade posolgica e adeso, elevadas concentraes tecidulares,
maior potncia antimicrobiana e menos efeitos adversos. Considerando o seu
espectro antimicrobiano, esto indicados em vrias situaes clnicas, sendo
em algumas delas, a primeira opo de tratamento. Neste contexto, deve
salientar-se a sua eficcia no tratamento de infees por microrganismos
intracelulares e a comodidade, eficincia e eficcia da azitromicina, ao permitir, em dose nica e sob observao direta, tratar vrias infees sexualmente transmissveis e prevenir a transmisso secundria, com os consequentes benefcios em sade pblica. A telitromicina, nico quetlido disponvel
at este momento, tem a vantagem de ser ativo contra vrios microrganismos resistentes aos macrlidos, mas a sua hepatotoxicidade um importante bice ao seu emprego.
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82
83
Seco 3 Antimicrobianos
Cloranfenicol e tetraciclinas
F. Carvalho Arajo
1. Cloranfenicol
Nome genrico e comercial
O cloranfenicol, originariamente extrado de culturas do fungo Streptomyces venezuelae (em 1947)*, foi, pouco tempo depois, obtido por sntese
qumica e comercializado (em 1949) pela empresa Parke Davis, que lhe atribuiu
o nome de chloromycetin, designao genrica que perdurou, por muitos
anos, no nosso Pas1,7.
A sua estrutura molecular a seguinte:
85
F. Carvalho Arajo
Vias de administrao
As habituais vias de administrao so a oral e a aplicao tpica. A forma
parentrica (ster hemisuccinato, intramuscular/endovenosa) encontra-se,
apenas, disponvel nas farmcias de alguns hospitais centrais.
Farmacocintica
Tanto o cloranfenicol, como o seu homlogo o tianfenicol so rapidamente absorvidos por via digestiva. Os seus steres sofrem um processo
de hidrlise (mediante a aco de esterases) a nvel gastroduodenojejunal,
que liberta as respectivas bases, terapeuticamente activas4-6.
Os picos sricos so atingidos em uma a trs horas aps a toma parcial
do antibitico.
Por via de regra, a semivida plasmtica do cloranfenicol de, aproximadamente, quatro horas.
Este antibitico quer por via oral, quer por via parentrica, atinge elevadas concentraes no fgado, nos pulmes, no bao, no tecido linftico, na
blis, na saliva, no LCR, assim como nos lquidos pleural, asctico, pericrdico
e sinovial.
O cloranfenicol atravessa, facilmente, a placenta e atinge, no feto, nveis
circulantes elevados; por outro lado, difunde-se muito bem, igualmente, no
leite das mes que alimentam os seus bebs ao peito, sendo, precisamente,
por isso que nunca se lhes deve prescrever o cloranfenicol, para no se correr o risco do conhecido Gray (grey) Baby Syndrome, de qual falaremos
adiante12,14-16.
O cloranfenicol o hemisuccinato atravessa, igualmente, muito bem, a
barreira hematoenceflica, mesmo na ausncia de processo inflamatrio
menngeo.
Estas excelentes qualidades farmacocinticas devem-se s reduzidas dimenses da sua molcula, sua lipossolubilidade muito marcada e sua
pequena ligao s protenas plasmticas (cerca de 25-50%).
O cloranfenicol excretado, principalmente, pelos rins (filtrao glomerular), na sua maior parte como um metabolito glicurnico, inactivo e atxico.
A excreo biliar mnima, porque o cloranfenicol glicuronoconjugado, a
nvel heptico, volta dos 90%. S 10% do antibitico absorvido escapa,
portanto, a esta biotransformao no fgado14,15.
86
Indicaes teraputicas
O cloranfenicol , nos dias de hoje, muito pouco utilizado na prtica
clnica diria.
Porm, como este antibitico muito barato, ele continuar a constituir o frmaco de eleio no tratamento da febre tifide e de outras doenas infecciosas nas comunidades de elevada endemicidade e de fracos
recursos econmicos, como sucede em certas regies da chamada frica
negra (abaixo do Sara) e em diversos pases da sia meridional e da Amrica do Sul.
Isto
87
F. Carvalho Arajo
Efeitos adversos
Alm da sndrome do beb cinzento, os efeitos colaterais indesejveis
mais graves so de natureza hematolgica (anemia aplstica irreversvel,
agranulocitose, trombocitopenia extrema e hiperssideremia)3-6,14. Mais raramente, tm sido descritas situaes de nevrite ptica, alopcia (em doentes
no tifosos), intolerncia gstrica, diarreia (por disbacteriose), colite pseudomembranosa (por seleco de Clostridium difficile) e reaces de hipersensibilidade cutnea (exantema de vrios tipos, incluindo as sndromes de Stevens-Johnson e de Lyell), assim como febre medicamentosa6,8,9,10,14,15.
Tem, ainda, interesse referir que o cloranfenicol potencia a aco da fenitona, da varfarina e de outros derivados cumarnicos, como o acenocumarol,
circunstncia a ter em linha de conta em situaes clnicas de comorbilidade9,15.
2. Tetraciclinas
Nome genrico e comercial
As tetraciclinas constituem um vasto grupo de antibiticos de largo espectro de aco, das quais trs delas foram obtidas a partir da fermentao
de vrias espcies de fungos por sntese qumica da molcula base, cuja estrutura a seguinte:
88
que propiciaram a aquisio de caractersticas fisicoqumicas diversas, susceptveis de beneficiarem e amplificarem as qualidades exibidas por esta importante
classe de antibiticos, caracterizada pela coexistncia de quatro ncleos benznicos, os quais formam a sua unidade molecular bsica. O nome de tetraciclinas provem, exactamente, da incluso desses quatro ciclos na molcula me15.
Do numeroso grupo de tetraciclinas semissintticas, investigadas em pormenor, somente algumas revelaram possuir interesse teraputico. As principais so as oito que apresentamos na listagem seguinte:
1. Clortetraciclina*
5. Rolitetraciclina
2. Oxitetraciclina*
6. Metaciclina
3. Tetraciclina*
7. Doxiciclina*
4. Demetilclortetraciclina
8. Minociclina*
Esto assinaladas com um asterisco (*) as que se encontram comercializadas
em Portugal, sob vrias formas de administrao e diversas marcas de fbrica.
Vias de administrao
As vias de administrao mais usadas entre ns so a oral e a tpica.
A via parentrica, disponvel noutros pases, , sobretudo, a endovenosa.
O sal mais utilizado o cloridrato de rolitetraciclina, que , de todos eles, o
que determina menor agressividade para as veias (menos flebites).
Farmacocintica
A absoro digestiva mais ou menos rpida consoante trs condies
ou circunstncias: 1) Composio qumica da tetraciclina; 2) concomitncia ou
no com a ingesto de alimentos (s refeies); 3) administrao oral de
certos frmacos em simultneo14,15.
ao nvel do estmago e dos segmentos proximais do intestino delgado
que a taxa de absoro maior, sendo mais elevada quando o antibitico
administrado fora das refeies. Como, porm, a tetraciclina causa, com
frequncia, intolerncia gstrica, a tendncia dos mdicos administr-la
com as refeies (para atenuar esse desagradvel efeito), o que claro est
ir reduzir, em certa medida, a sua concentrao srica13.
No se deve administrar tetraciclina juntamente com leite (e derivados)
nem com medicamentos que contenham clcio, magnsio e alumnio, uma
vez que as tetraciclinas se combinam com estes ies, diminuindo, fortemente, a sua absoro digestiva16.
Todavia, preciso estarmos atentos ao seguinte quer a doxiciclina quer
a minociclina (e s estas tetraciclinas) so, ao contrrio das demais, muito
pouco ou nada prejudicadas na sua absoro digestiva, quando ingeridas s
89
F. Carvalho Arajo
Indicaes teraputicas
As tetraciclinas constituem uma famlia de antibiticos de grande interesse no tratamento de muitas doenas infecciosas. So extremamente teis no
tratamento da febre escaronodular (e de outras riquetioses bem conhecidas
de todos, incluindo a mais recentemente descrita na Pennsula Ibrica, ou
seja, a tibola, provocada pela Rickettsia slovaka), da febre Q, das pneumonias
atpicas causadas por Mycoplasma pneumoniae, por Chlamydia pneumoniae e por Chlamydia psittaci, da doena de Nicolas-Fabre (linfogranuloma
90
venreo), da responsabilidade da Chlamydia trachomatis, assim como das infeces genitourinrias devidas a esta ltima bactria, a Mycoplasma hominis,
Mycoplasma genitalium e Ureoplasma urealyticum, da sfilis (primria e secundria, como alternativa penicilina benzatnica), das leptospiroses, das infeces
causadas por Moraxella (Branhamella) catharralis, da doena de Lyme e de
outras borrelioses, da brucelose, da tularmia e do granuloma inguinal (donovanose), provocada por Calymmatobacterium granulomatis, e, tambm, da doena de Ducrey, da ehrlichiose e da babesiose humanas. Para alm destas, as
tetraciclinas tm intensse no tratamento da infeco gstrica por Helicobacter
pylori (em combinao com o metronidazol, a claritromicina ou a amoxicilina),
de certas helmintoses (como as originadas por Enterobius vermicularis) e na
quimioprofilaxia da infestao por estirpes de Plasmodium falciparum, em
regies tropicais onde aquele esporozorio , manifestamente, resistente aos
demais antimalricos (como o caso da cloroquina), etc.6,8-11,13-17.
As tetraciclinas (sobretudo a minociclina) tm sido, tambm, utilizadas ad
libitum, pelos dermatologistas, no tratamento de certas formas de acne
vulgaris, com inegvel sucesso15.
Efeitos adversos
Os efeitos colaterais indesejveis mais frequentes verificam-se a nvel
gastrintestinal (nuseas, vmitos, enfartamento e diarreia). A diarreia pode
traduzir, apenas, um processo de disbacteriose no intestino grosso, autolimitado
pela paragem do antibitico ou, ento, embora mais raramente, assumir o
cariz de colite pseudomembranosa que, pela sua gravidade, impe o internamento hospitalar imediato.
A toxicidade heptica muito varivel; vai desde (apenas) uma moderada elevao das aminotransferases at insuficincia heptica grave, a qual,
ainda que excepcionalmente, pode conduzir ao coma e morte.
Ao nvel do aparelho renal, sobretudo quando as tetraciclinas, de uso oral, j
ultrapassaram, h muito tempo, o respectivo prazo de validade, pode surgir um
quadro de necrose papilar aguda, que se acompanha de insuficincia renal grave.
Ao nvel do esfago, na poro distal, junto ao crdia, pode surgir uma
lcera anelar, muito molesta e rebelde ao tratamento adequado.
Os doentes que se encontram sob teraputica com tetraciclina devem
evitar a exposio solar directa, pois, devido a um fenmeno de fotossensibilizao, a pele exposta (face, antebraos, mos e zonas descobertas do
peito) adquirem um aspecto spero, de cor acastanhada, muito inesttico e
desconfortvel.
A minociclina pode, com alguma frequncia, ser responsvel por aparatosos quadros de natureza neurolgica (tonturas, vertigens e ataxia) que, no
entanto, regridem, de forma rpida, com a paragem da medicao15.
91
F. Carvalho Arajo
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92
Seco 3 Antimicrobianos
QUINOLONAS
1. Introduo
A descoberta acidental do cido nalidxico, em 1962, a partir de um contaminante da sntese da cloroquina, veio permitir o desenvolvimento de uma
nova classe de frmacos que no mais deixou de se alargar.
O cido nalidxico (derivado 1, 8-naftiridina) mostrou ser um agente com
atividade moderada contra as enterobactericeas, com forte ligao s protenas
plasmticas, com m tolerncia e uso exclusivo por via oral. O seu uso foi inicialmente limitado, at dcada de 80, em que o desenvolvimento de resistncias de Shigella spp e de Escherichia coli a outras classes de antibacterianos,
levou sua utilizao em infees urinrias de gravidade moderada e diarreias.
Outros derivados (4-quinolonas) foram depois sintetizados, nomeadamente o cido oxolnico, quatro vezes mais potente que o seu precursor, o cido
pipemdico, que alargava um pouco o espectro antibacteriano, mas no
aumentava a atividade e ainda, o cido piromdico e a flumequina.
A introduo de flor na posio 6 do ncleo original (quinolena) veio
dar origem s fluoroquinolonas (nome frequentemente dado a toda a
classe), que tiveram grande desenvolvimento a partir de meados da dcada
de 1980. Alteraes sucessivas permitiram a sntese da norfloxacina, da
pefloxacina e da enoxacina e, finalmente, da ciprofloxacina e da ofloxacina, frmacos com maior espectro de ao e maior potncia, permitindo o
tratamento de infees graves e com possibilidade de utilizao por via
endovenosa. Estes novos frmacos apresentavam vrias limitaes, quanto
ao espectro antibacteriano, a alguns efeitos indesejveis, posologia e
interferncia com outros frmacos. Na dcada de 1990, foram sintetizadas
novas molculas, mais ativas contra outros agentes, mais potentes e de mais
fcil posologia.
Parte destes frmacos foram introduzidos em Portugal, embora alguns
tenham vindo a ser retirados do mercado devido sua toxicidade ou
efeitos adversos. De momento podem prescrever-se a ciprofloxacina, levofloxacina, lomefloxacina, moxifloxacina, norfloxacina, ofloxacina e plulifloxacina. Quinolonas promissoras como a gatifloxacina, a esparfloxacina
e a gemifloxacina foram retiradas do mercado ou viram o seu uso limitado
a situaes particulares, devido aos efeitos secundrios descritos aps o seu
lanamento.
93
Grupo II
Espectro alargado
A
Grupo III
Espectro amplo
A
Pefloxacina
Ofloxacina
Temafloxacina
Flumequina
Enoxacina
Tosufloxacina
Gatifloxacina
Moxifloxacina
Sitafloxacina
Grepafloxacina
cido pipemdico
Fleroxacina
Clinafloxacina
Rufloxacina
Gemifloxacina
Lomefloxacina
Trovafloxacina
B
Levofloxacina
Esparfloxacina
Adaptado de Bryskier2.
Antimicrobianos Quinolonas
Grupo II
Espectro alargado
Enterobacteriaceae
+
H. influenzae
M. catarrhalis
Neisseria spp
Staph. coag. negativa
Mycoplasma spp
P. aeruginosa
Acinetobacter spp
V. cholerae
M. tuberculosis
M. leprae
Grupo III
Espectro amplo
Grupo II
+
S. pneumoniae
Streptococcus spp
anaerbios
Adaptado de Bryskier2.
Streptococcus pyogenes e Streptococcus viridans, Staphylococci meticilinarresistentes (MRSA) e Enterococci e eram inativos contra os anaerbios.
A sntese das quinolonas do grupo III veio no s aumentar a eficcia
antibacteriana contra estes agentes mas, tambm, permitir atividade potente de alguns frmacos deste grupo sobre os pneumococos, mesmo quando
resistentes penicilina e aos macrlidos, e atividade varivel sobre anaerbios. No entanto, a ciprofloxacina continua a ser o frmaco desta classe com
maior atividade antipseudomonas.
Tal como acontece para as cefalosporinas, alguns autores classificam as
quinolonas em vrias geraes, tendo em conta o seu espectro e potncia.
Andriole considera quatro geraes (Quadro 3)1.
2.a gerao
3.a gerao
4.a gerao
cido nalidxico
cido oxolnico
Cinoxacina
cido piromdico
cido pipemdico
Flumequina
Norfloxacina
Ciprofloxacina
Enoxacina
Fleroxacina
Lomefloxacina
Ofloxacina
Pefloxacina
Rufloxacina
Levofloxacina
Esparfloxacina
Tosufloxacina
Gatifloxacina
Pazufloxacina
Grepafloxacina
Trovafloxacina
Clinafloxacina
Sitafloxacina
Moxifloxacina
Gemifloxacina
Adaptado de Andriole1.
Antimicrobianos Quinolonas
Um relatrio elaborado pela European Food Safety Authority (EFSA) e o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), encontrou, em 2009,
um nvel de resistncia, entre amostras de Salmonella enteritidis de 21,1%
para o cido nalidxico (n = 9,039) e 13,1% para a ciprofloxacina (n = 10,802).
Em Salmonella typhimurium este valor foi de 2,3% para a ciprofloxacina
(n = 6,677). Para Campylobacter jejuni, outra importante causa de diarreia,
a resistncia ao cido nalidxico foi de 53,1% (n = 2,662) e para a ciprofloxacina, de 53,3% (n = 6,355)10.
De acordo com dados do ECDC, o perfil de resistncias em 2010, em Portugal, foi para Escherichia coli de 27,3%, para Klebsiella pneumoniae de
31,4% e para Pseudomonas aeruginosa de 20,3%11. O Estudo Viriato, um
estudo nacional, prospetivo, multicntrico, encontrou entre 2003 e 2004,
0,4% de resistncia levofloxacina entre Streptococcus pneumoniae e 0%
entre Streptococcus pyogenes. Haemophilus influenzae e a Moraxella catharralis apresentavam 0% de resistncias ciprofloxacina12.
Um estudo realizado pela Faculdade de Farmcia da Universidade de
Lisboa, mostrou um decrscimo no consumo de quinolonas em ambulatrio
em Portugal Continental entre 2000 e 2007. De momento, este consumo
corresponde a 13,15% do uso total de antibiticos no nosso Pas. Apesar
deste decrscimo, Portugal mantm-se como um dos pases europeus com
um maior consumo de antibiticos. Em 2007, as quinolonas mais prescritas
foram a ciprofloxacina e a levofloxacina, seguidas da moxifloxacina13.
As quinolonas possuem um efeito bactericida dependente da concentrao. A sua atividade bactericida mais marcada ocorre cerca de 30 vezes acima
da concentrao inibitria mnima (CIM)14-17. Concentraes mais elevadas
do frmaco reduzem a sua atividade por inibio do ARN e da sntese proteica14. Esta classe possui um efeito ps-antibitico de cerca de uma a duas
horas. No esperado um efeito sinrgico quando usado em combinao
com outras classes (como b-lactmicos e aminoglicosdeos). A maioria destas
combinaes resulta num efeito neutro ou aditivo, contudo a utilizao da
ciprofloxacina e da rifampicina pode levar a um antagonismo frente a Staphylococcus aureus16.
Todas as fluoroquinolonas podem ser administradas por via oral e, algumas,
por via parentrica, tais como a ofloxacina, a levofloxacina, a pefloxacina, a
ciprofloxacina, a fleroxacina, a temafloxacina, a lomefloxacina, a gatifloxacina
e a trovafloxacina. A sua absoro , em regra, rpida, atingindo o pico
srico mximo entre os 45 e os 90 minutos.
Os frmacos deste grupo so eliminados por via renal ou biliar. Nos doentes
com insuficincia renal, em que a eliminao urinria importante, necessrio reduzir a dose para metade, sempre que a depurao da creatinina for
inferior a 50 ml/min.
As quinolonas so, em grau varivel, metabolizadas no fgado. Nos doentes com insuficincia heptica pode registar-se aumento da semivida e da
97
sua concentrao plasmtica, pelo que pode ser necessrio proceder a ajustamentos da dose.
As quinolonas mais recentes tm semivida maior do que as de 1.a e 2.a
gerao, permitindo, em muitos casos, uma s administrao diria. As quinolonas tm boa penetrao e atingem concentraes adequadas em vrios
tecidos e fluidos, como o pulmo e as secrees brnquicas, o rim e a urina,
a prstata e o lquido prosttico e seminal, o fgado e os tecidos da rea da
otorrinolaringologia. Algumas apresentam, ainda, boa penetrao em meninges inflamadas, particularmente algumas das mais recentes, mas so necessrios mais estudos que confirmem a sua utilidade em infees do sistema
nervoso central (SNC). A penetrao na pele e no tecido subcutneo moderada e no osso os resultados dos estudos disponveis so controversos.
Indicaes clnicas
a) Infees do aparelho respiratrio (sinusite bacteriana aguda, bronquite crnica, pneumonia da comunidade) as vantagens das quinolonas para
tratamento destas patologias so a sua excelente biodisponibilidade, possibilidade de administrao endovenosa ou oral, maior potncia contra Haemophilus influenza (comparados com macrlidos) e cobertura para agentes
intracelulares ou infees polimicrobianas. Devido possibilidade de desenvolvimento de resistncias, estes novos frmacos devem ser apenas utilizados
na pneumonia adquirida da comunidade (PAC) e no tratamento emprico da
pneumonia nosocomial grave, quando existe suspeita de pneumococo resistente. Na exacerbao da bronquite e na sinusite o seu uso deve ser restringido a situaes de falncia teraputica20.
98
Antimicrobianos Quinolonas
1.a gerao
Enterobacteriaceae
ITUs no complicadas
Via oral
Sem indicao para uso
Baixa concentrao
em infees sistmicas
srica
Baixa cobertura para
Gram-negativo
Lomefloxacina
Norfloxacina
Enterobacteriaceae
Via oral
Baixa concentrao
srica
Melhor cobertura
contra Gramnegativo
Cobertura limitada
para Gram-positivo
ITUs no complicadas
Sem indicao para uso
em infees sistmicas
Ofloxacina
Ciprofloxacina
Enterobacteriaceae
Agentes atpicos
P. aeruginosa (apenas a
ciprofloxacina)
Via oral e
endovenosa
Boa concentrao
srica, tecidular e
intracelular
Cobertura acrescida
para agentes atpicos
ITUs complicadas
Infees relacionadas
com cateteres
Gastrenterite
Prostatite
Infees nosocomiais
ISTs
No deve ser usada na
PAC devido baixa
atividade contra S.
pneumoniae
Enterobacteriaceae
Agentes atpicos
Streptococcus spp
Via oral e
endovenosa
Boa concentrao
srica, tecidular e
intracelular
Cobertura acrescida
para S. pneumoniae
Indicaes semelhantes
gerao anterior
PAC em doentes
hospitalizados ou se
suspeita de agentes
atpicos
PAC em doentes no
hospitalizados com
fatores de risco para
resistncia pneumoccica
Enterobacteriaceae
P. aeruginosa
Agentes atpicos
Streptococcus spp
S. aureus
meticilinassensvel
Anaerbios
cido nalixlico
2.a gerao
3.a gerao
Levofloxacina
Moxifloxacina
4.a gerao
Trovafloxacina
Prulifloxacina
Adaptado de: Owens RC Jr, Ambrose PG. Clinical use of the fluoroquinolones. Med Clin North Am.
2000;84:1447-69.
b) Infees urinrias complicadas e no complicadas a escolha das quinolonas justificada pela sua ampla atividade contra Gram-negativo e a elevada
concentrao genitourinria atingida pelas quinolonas, com excreo renal.
99
Antimicrobianos Quinolonas
As quinolonas podem induzir toxicidade cardaca, sobretudo quando usadas por via endovenosa. Um efeito potencialmente fatal o prolongamento
do intervalo QT, que pode provocar torsades de pointes ou outras arritmias
ventriculares. Algumas populaes tm um risco acrescido, como os doentes
idosos, com distrbios eletrolticos (hipocaliemia ou hipomagnesemia) ou
com patologia cardaca prvia28,33.
Reaes de hipersensibilidade cutnea, embora pouco frequentes (< 1%),
tm sido observadas. Todas as quinolonas podem causar fototoxicidade. Esta
pode variar desde ligeiro eritema at grave erupo bolhosa. A esparfloxacina, a fleroxacina e a lomefloxacina exibem maior potencial fototxico,
enquanto que a trovafloxacina, a moxifloxacina e a grepafloxacina produzem, apenas, fotossensibilidade moderada. Por este facto, a exposio luz
e a fontes de radiao ultravioleta artificiais deve ser evitada, durante o
tratamento com quinolonas34,35.
As quinolonas podem causar tanto hipo como hiperglicemia9. Este efeito
pode ocorrer com vrios frmacos, mas um risco mais elevado foi associado
gatifloxacina, levando sua remoo do mercado28. A levofloxacina foi
associada a um caso fatal de hipoglicemia36. Acredita-se que possa haver um
aumento de secreo de insulina, por inibio dos canais de potssio adenosina-trifosfato sensveis nas clulas b do pncreas37.
Algumas quinolonas foram retiradas do mercado devido a reaes adversas graves, como a temafloxacina (anemia hemoltica aplstica), trovafloxacina (hepatotoxicidade), grepafloxacina (prolongamento do intervalo QT) e a
clinefloxacina (fototoxicidade)38. A gatifloxacina foi, recentemente, retirada
do uso clnico devido a uma elevada incidncia de hiper e hipoglicemia39-43.
Antimicrobianos Quinolonas
Dose usual
Vias de administrao
Ciprofloxacina
Oral, 2x/d
e.v., 2x/d
70-85
Levofloxacina
500 mg
Oral, e.v./dia
70-85
Lomefloxacina
400 mg
Oral, e.v./dia
85-95
Moxifloxacina
400 mg
Oral, e.v./dia
95
Norfloxacina
400 mg
86
Ofloxacina
200, 400 mg
Oral, 2x/d ou
e.v., 2x/d
80
85-95
Pefloxacina
400 mg
83
A administrao conjunta de quinolonas e de anti-inflamatrios no esterides pode desencadear convulses. As quinolonas no parecem interferir,
de forma significativa, com os anticoagulantes, a digoxina, a glibenclamida,
os contracetivos e a ciclosporina.
eficaz no tratamento de infees do trato urinrio, ISTs (por Neisseria gonorrhoea ou Haemophilus ducrey, por exemplo), infees do osso, pele e
tecidos moles, infees intra-abdominais (em combinao com um agente
com atividade anaerbia), diarreias, infees respiratrias, otites e neutropenias febris (em combinao com um agente com boa atividade contra
Gram-positivo). Contudo, no deve ser considerada teraputica de primeira
linha em infees respiratrias por Streptococcus pneumoniae sensvel a
b-lactmicos. Atendendo sua excreo renal, a dose deve ser ajustada em
doentes com insuficincia renal. A emergncia de resistncias, em particular
na sia, tem limitado o seu uso em determinadas situaes (como a diarreia
do viajante), devendo a sua prescrio ser feita criteriosamente.
Levofloxacina
Este frmaco um ismero da ofloxacina e apresenta atividade antibacteriana duas a quatro vezes superior a essa quinolona. Devido sua longa
semivida pode ser administrada em dose nica diria. Pode ser usada por via
endovenosa e passar desta via para a oral, sem alterao da dose. Em comparao com as quinolonas anteriores, a levofloxacina apresenta, sobretudo,
uma maior atividade contra Streptococcus pneumoniae. Em ensaios clnicos
revelou eficcia global de 89% na erradicao deste agente44. Para alm das
indicaes comuns s quinolonas, pode ser usada no tratamento da PAC de
gravidade moderada a grave. O seu uso deve ser judicioso devido descrio
de resistncia de estirpes de pneumococos. Este frmaco , em geral, bem
tolerado. As reaes adversas mais frequentes so as nuseas e a diarreia,
quando administrada por via oral, e a flebite e o eritema no local da infuso,
quando o seu uso endovenoso. Efeitos mais graves, idnticos aos descritos
para as restantes quinolonas, so raros. A segurana e a eficcia da levofloxacina no esto estabelecidas em indivduos menores de 18 anos, pelo que
no deve ser usada abaixo desta idade.
Moxifloxacina
A moxifloxacina uma nova 8-metoxiquinolona, com ampla atividade
contra bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, anaerbios e alguns agentes atpicos, tendo sido introduzida, recentemente, em Portugal, mas apenas
para uso oral. Contra Streptococcus pneumoniae, a moxifloxacina revelou-se
mais ativa do que alguns b-lactmicos, a azitromicina, a claritromicina, a
eritromicina, a vancomicina e as outras quinolonas (exceto a trovafloxacina).
Contra estirpes de Streptococcus pneumoniae resistentes penicilina e aos
macrlidos, a moxifloxacina mostrou-se mais ativa do que os antimicrobianos
104
Antimicrobianos Quinolonas
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105
106
Seco 3 Antimicrobianos
Aminoglicosdeos
A. Melio Silvestre
Francisco Antunes
107
Aminoglicosdeos em
combinao
Antibiticos usados
Klebsiella spp
Amicacina,
gentamicina,
netilmicina,
tobramicina
Penicilina antipseudomonas;
cefalosporinas de 3.a gerao
Enterobacter aerogenes
Amicacina,
gentamicina,
netilmicina,
tobramicina
Penicilina antipseudomonas;
cefalosporinas de 3.a gerao
Pseudomonas aeruginosa
Tobramicina
Penicilina ou cefalosporina
antipseudomonas
Brucella abortus
Gentamicina ou
estreptomicina
Doxiciclina
Enterococcuss faecalis
Gentamicina
Penicilina G
Staphylococcus aureus
Gentamicina
Nafcilina
Staphylococcus epidermidis
Gentamicina
Vancomicina (rifampicina)
Neisseria gonorrhoeae
Estreptomicina
No
Aerbios Gram-negativo
Antimicrobianos Aminoglicosdeos
Aminoglicosdeos
Antibiticos activos na
parede celular
Enterococcus faecalis e
faecium
Estreptomicina, canamicina,
gentamicina, tobramicina,
netilmicina, sisamicina,
amicacina
Penicilina, ampicilina,
carbenicilina, nafcilina,
vancomicina
Streptococcus viridans
Estreptomicina
Penicilina
Streptococcus piogenes
Gentamicina
Penicilina, ampicilina
Staphylococcus aureus,
meticilina-sensvel
Canamicina, gentamicina,
tobramicina, netilmicina,
sisomicina
Nafcilina, oxacilina,
cefalotina, vancomicina
Staphylococcus aureus
meticilina-resistente
Gentamicina, tobramicina
Teicoplamina rifampicina
Staphylococcus epidermidis
meticilina-sensvel
Gentamicina, tobramicina
Staphylococcus epidermidis
meticilina-resistente
Gentamicina, tobramicina
Enterobactericeas
Gentamicina, tobramicina,
amicacina
Pseudomonas aeruginosa
Gentamicina, tobramicina,
amicacina, netilmicina,
sisomicina
Listeria monocytogenes
Estreptomicina, gentamicina
Penicilina, ampicilina,
imipenem
Corynebacteria grupo K
Gentamicina, tobramicina
Vancominica, teicoplamina
Piperacilina, cefalotina,
cefoxitina, cefotaxima
penicilinas (carbenicilina,
ticarcilina, mezlocilina,
azlocilina, piperacilina)
aztreonam, ceftazidima,
imipenem
enterococos ou por estreptococos, aps desejvel anlise prvia das respectivas concentraes inibitrias mnimas (CIM)13,14. A administrao destes
antibiticos deve ser separada no tempo, porque a sua interaco qumica
desencadeia inactivao dos aminoglicosdeos (Quadro 2)15-18.
A resistncia aos aminoglicosdeos est associada impermeabilizao da
membrana externa quer por mutao ou por deleo de uma porina, quer
por impermeabilizao da membrana citoplsmica, essncia da sua ineficcia
contra os anaerbios estritos. Alm destes registam-se, tambm, mecanismos
de inactivao enzimtica, por adeniltransferases, por fosfotransferases e por
acetiltransferases, localizadas em plasmdeos e transposes e, se bem que
raramente observados na clnica, alteraes de alvos nos ribossomas, por
alteraes mutacionais, impedindo a necessria interaco antibitico/alvo,
com inibio da sntese proteica pelo antibitico. As resistncias variam de
hospital para hospital e, dentro do mesmo hospital, de servio para servio,
109
110
Tobramicina
Estreptomicina
Espectinomicina
Netilmicina
Neomicina
Gentamicina
2h
2h
1h
2-2 h
3h
2h
Amicacina
10%
35%
10%
10%
mnima
10%
10%
Semivida Ligao s
protenas
Pico srico
Aminoglicosdeo Dose
nenhuma
nenhuma
nenhuma
nenhuma
nenhuma
nenhuma
nenhuma
90% renal
40-90% renal
90% renal
90-95% renal
100% renal
50-90% renal
90% renal
Metabolismo Excreo
Antimicrobianos Aminoglicosdeos
Nome registado
Gentamicina
Amicacina
Netilmicina
Tobramicina
dependendo da intensidade e das estratgias teraputicas, sendo fundamental, para a correcta deciso de teraputica, a cartografia de resistncias
hospitalares e os dados dos ndices de infeco hospitalar. A estreptomicina
liga-se subunidade 30S, no receptor S12, provocando erros de leitura da
mensagem codificada do ARNm, sendo, preferencialmente, utilizada na teraputica antituberculosa, em politeraputica com outros antituberculosos,
com adaptaes pontuais em casos de co-infeco com VIH e, tambm, na
teraputica da brucelose19-21. De entre os aminoglicosdeos , contudo, o que
tem menor nefro e ototoxicidade.
A canamicina tem, tambm, como mecanismos de aco a actuao na
protena S6 na subunidade 30S. Com prescrio oral eficaz na flora entrica, como preparao para a cirurgia do clon, em certas micobacterioses
atpicas (raramente) e em aplicaes tpicas na pele, no sendo aconselhada
durante a gravidez, por atravessar a barreira placentria. A neomicina tem,
tambm, mecanismos de aco idnticos, sendo a protena S6 o seu alvo na
subunidade 30S. til no pr-operatrio da cirurgia intestinal, para controlo
da flora intestinal e, tambm, nos casos de encefalopatia heptica. A gentamicina utilizada em infeces sistmicas graves e em endocardites bacterianas. A tobramicina, com mecanismo de aco idntico ao do gentamicina,
actua eficazmente, nas bactrias Gram-negativo, particularmente em Pseudomonas aeruginosa. A amicacina que, por estratgia pr-definida em alguns
hospitais, foi colocada como aminoglicosdeo de segunda linha, associa-se,
em regra, com os b-lactmicos nas infeces graves por bactrias Gram-negativo, incluindo Pseudomonas. Os efeitos iatrognicos, os mecanismos de
activao e de resistncia, so semelhantes aos do grupo, mas contudo est
referenciada maior estabilidade face maioria das enzimas inactivadoras
destes antibiticos, o que a coloca em posio preponderante nos casos de
formas resistentes aos outros aminoglicosdeos. A isepamicina, de mecanismo
de aco semelhante ao da amicacina, tem-se, contudo, mostrado eficaz,
111
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patients with symptomatic Mycobacterium avium complex infection. J Infect. 1993;26:67-70.
112
Seco 3 Antimicrobianos
Francisco Antunes
113
F. Antunes
Formulao
Nome comercial
Sulfadiazina
comprimidos 500 mg
Labdiazina
Trimetoprim-sulfametoxazol
comprimidos 480 mg
comprimidos 960 mg
Septrin
Bactrim forte,
Cotrimoxazol Ratiopharm,
Septrin DS
Bactrim
Septrin
Septrin IV
xarope 48 mg/ml
suspenso oral 48 mg/ml
e.v. 480 mg
trimetoprim sinergstica, sendo mais solvel na urina do que o sulfametoxazol. A hipersensibilidade frequente nos doentes com sida.
Trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX ou cotrimoxazol) corresponde
associao de trimetoprim com sulfametoxazol na proporo de 1:5, estando
disponvel para administrao por via i.m., e.v. e oral. No adulto, a dose de
160/800 mg de 8-8 h ou de 12-12 h, por via i.m., e.v. ou oral, e na criana de
6-12 mg de trimetoprim/kg por dia, para administrao por via e.v. ou oral. A
aco do cotrimoxazol bloqueia a sntese do cido flico, sendo o efeito sinrgico e bactericida. O TMP-SMX activo contra Staphylococcus aureus e
Staphylococcus epidermidis meticilina-resistentes, Moraxella catarrhalis,
Burkholderia cepacia, Stenotrophomonas maltophilia, Listeria spp e Nocardia
spp, Pneumocystis jirovecii, Plasmodium spp e algumas micobactrias atpicas,
sendo-lhe resistentes 50% das estirpes de Shigella spp, Proteus spp e Haemophilus influenzae, 30% das estirpes de Escherichia coli e 5% das estirpes
de Salmonella.
Bibliografia
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114
Seco 3 Antimicrobianos
Outros antibacterianos
1. Rifamicinas
Mecanismo de ao as rifamicinas impedem a iniciao da cadeia de
transcripo do ADN em ARN, conseguindo deste modo ter um efeito bactericida particularmente sobre bactrias Gram-positivo e micobactrias1.
Rifampicina
Vias de administrao e doses a rifampicina (RFP) apresentada em
comprimidos de 300 mg, em soluo oral a 2% e em frascos de 600 mg para
administrao e.v. No tratamento da tuberculose usam-se doses de 10 mg/
kg no adulto e no recm-nascido. Na criana, com menos de sete anos, podem usar-se 15 a 20 mg/kg. Este frmaco deve ser administrado em jejum
juntamente com os outros antibacilares. A administrao e.v. (10 mg/kg/dia)
deve ser feita lentamente e aps diluio. No tratamento de outras infees
usam-se doses bidirias de 10 a 15 mg/kg no adulto, de 10 mg/kg em doentes com menos de 15 anos e de 5 mg/kg no recm-nascido. Existem ainda
disponveis associaes fixas de vrios antibacilares comprimidos contendo 120 mg de RFP associados com 50 mg de isoniazida (INH) e 300 mg de
pirazinamida (PZA), mais utilizados na fase inicial do tratamento, e comprimidos contendo 300 mg de RFP e 150 mg de INH usados na fase de consolidao do tratamento.
Farmacocintica a RFP pode ser administrada por via oral ou em perfuso e.v. lenta. Aps uma toma de 600 mg por via oral, o pico mximo da
concentrao srica atingido em uma a quatro horas. Com alimentos, a
absoro do frmaco retardada e a concentrao plasmtica diminuda.
A RFP liga-se, fortemente, s protenas plasmticas (80%), tem semivida
que varia com a dose administrada (trs horas para a toma de 600 mg, cinco horas para a dose de 900 mg) e metabolizada pelo fgado e excretada
na bile. Em doses iguais ou superiores a 300 mg, a capacidade excretora do
fgado saturada e a RFP aparece na urina.
Este frmaco tem boa difuso em quase todos os tecidos. As concentraes
obtidas no pulmo, no fgado, na bile e na urina so, em geral, superiores
115
Outras rifamicinas
Rifamicina SV o colrio e a pomada oftlmica so utilizados no tratamento de conjuntivites. Este frmaco ativo contra Chlamydia trachomatis
e gonococo. As apresentaes como colutrio e a soluo para utilizao
local tm poucas aplicaes e podem contribuir para a seleo de bactrias
resistentes.
Rifabutina
Via de administrao e dose a rifabutina (RFB) comercializada em
comprimidos de 150 mg e a dose habitual de 300 mg/dia, que deve ser
ajustada em funo das associaes com outros frmacos.
Farmacocintica e interaes medicamentosas a RFB absorvida por
via digestiva, difunde bem em vrios tecidos e, particularmente no pulmo,
onde atinge concentraes bem mais elevadas do que no plasma, tem semivida de cerca de 16 h, a sua ligao s protenas de cerca de 20% e
excretada pelo fgado e pelo rim.
A RFB tem menor efeito indutor do CYP450 e pode ser usada no tratamento da tuberculose, em doentes infetados por VIH.
O fluconazol, o cetoconazol e a claritromicina aumentam a concentrao
srica da RFB, pelo que h que atender a possvel toxicidade aquando do
uso destas associaes. Para alm de toxicidade heptica, a RFB pode causar
artralgias, artrite, uvete, ulceraes orais e alterao da colorao da pele.
Espectro de ao a RFB tem atividade comparvel da RFP sobre as
estirpes sensveis a este frmaco. Um tero das estirpes resistentes RFP pode
118
Rifaximina
A rifaximina uma uma rifamicina no absorvida por via gastrintestinal, utilizada, apenas, no tratamento e preveno de distrbios do aparelho digestivo.
Via de administrao e dose a rifaximina comercializada em comprimidos de 200 mg, variando a dose entre os 600 e os 1.200 mg dirios.
Farmacocintica a absoro gastrintestinal da rifaximina muito baixa
(0,4%)9, pelo que, no possui, virtualmente, quaisquer interaes com outros
frmacos.
Espectro de ao e indicaes teraputicas a rifaximina foi aprovada
para o tratamento de diarreia infeciosa aguda e diarreia do viajante, tendo
mostrado ser to eficaz quanto a ciprofloxacina no tratamento da diarreia
causada por bactrias no invasivas10. No eficaz no tratamento da diarreia por
119
Campylobacter jejuni e outros agentes invasivos11, no tendo sido devidamente estudado o seu uso no tratamento de diarreias a Shigella spp e Salmonella spp.
Esta rifamicina, semelhana da RFP, ativa contra Clostridium difficile,
com a potencial vantagem de, no sendo absorvida, atingir altas concentraes no lmen intestinal.
Tendo em conta a importncia da eliminao das bactrias amoniagnicas
do lmen intestinal, no tratamento da encefalopatia heptica, a rifaximina
mostrou ter um papel importante no tratamento e preveno da encefalopatia heptica em doentes cirrticos12. Deve, no entanto, ser utilizada apenas
como teraputica de resgate em doena refratria ao tratamento com lactulose13.
Alguns
nomes comerciais
Rifadin cpsulas 300 mg, susp. oral 20 mg/ml, e.v. 600 mg (s por
importao).
Rifex cpsulas 300 mg.
Rimactan cpsulas 300 mg.
Em associaes Rifater, Rifinah, Tuberen.
Rifamicina-rifocina soluo tpica, i.m. (250 mg/3 ml).
RFB-Mycobutin cpsulas 150 mg.
Rifapentina-Priftin comprimidos 150 mg (no existe em Portugal).
Rifaximina-Xifaxam comprimidos de 200 mg.
2. Linezolida
Este frmaco pertence a um novo grupo de antibacterianos, as oxazolidinonas, de produo sinttica, que vm sendo desenvolvidos desde 1985.
Mecanismo de ao as oxazolidinonas inibem a sntese proteica, atuando, principalmente, na subunidade ribossmica 50S, embora se fixem, tambm, na subunidade 30S14.
Vias de administrao e doses a linezolida pode ser administrada por
via oral ou e.v. em doses de 400 a 600 mg de 12-12 horas.
Farmacocintica a biodisponibilidade, aps administrao oral, de
100%. O pico srico do produto atingido 1,5 horas aps uma dose oral de
250 mg e , ligeiramente, atrasado pela ingesto concomitante de alimentos.
A administrao de linezolida marcada permitiu concluir que cerca de 80 a
88% do frmaco eliminado pela urina nas 168 h seguintes e que o restante eliminado pelas fezes. A semivida de linezolida de cinco horas e a ligao s protenas de 31%.
A idade, o sexo e a insuficincia renal no parecem interferir com a cintica de linezolida.
120
Espectro de ao a linezolida tem boa atividade contra cocos Gram-positivo. Este frmaco eficaz contra estafilococos resistentes meticilina, embora seja menos ativo do que a vancomicina ou a teicoplanina. A linezolida
pode, tambm, ser eficaz em infees causadas por estafilococos com resistncia vancomicina15. O frmaco exibe boa atividade contra estafilococos coagulase-negativos e tem atividade comparvel da levofloxacina contra Streptococcus pneumoniae sensveis a este frmaco. A actividade da linezolida sobre
estirpes de pneumococos resistentes penicilina e ceftriaxona parece ser boa16.
Estreptococos b-hemolticos e do grupo viridans so, tambm, em geral, sensveis a linezolida. Em relao s infees causadas por Enterococcus spp, a
vancomicina tem maior eficcia do que a linezolida. Contudo, este frmaco
ativo nas infees enteroccicas, em que h resistncia vancomicina.
A linezolida exibe alguma atividade contra infees por Mycobacterium
tuberculosis, mas parece ser inativo contra micobactrias atpicas. A atividade de linezolida moderada ou fraca contra vrios agentes como Bordetella pertussis e parapertussis, Borrelia burgdorferi, Legionella pneumophila e
Mycoplasma pneumoniae.
Indicaes teraputicas a linezolida utilizada em infees causadas, principalmente, por cocos Gram-positivo sensveis ou resistentes aos outros antibacterianos. Dado que no apresenta resistncia cruzada com os antibiticos existentes, a linezolida uma boa alternativa para o tratamento destas infees
e, sobretudo, das originadas por estafilococos e pneumococos resistentes.
Reaes adversas a linezolida um inibidor da monoamino-oxidase,
podendo, por isso, induzir aumento da presso arterial. Em estudos clnicos
de fase II registaram-se, em 3% dos casos, efeitos adversos que obrigaram
interrupo do tratamento elevao significativa das aminotransferases,
pancreatite e fibrilhao. Outros efeitos menos importantes como nuseas,
vmitos e cefaleias, foram tambm observados.
Nome
comercial
Zyvox e.v. 600 mg, comprimidos 400 e 600 mg, suspenso oral 600 mg.
seis horas. Logo que a situao clnica permita pode utilizar-se a via oral em
doses de 1 a 2 g por dia em duas a quatro tomas.
Noutras infees usa-se a via oral em doses variveis consoante o agente
para Trichomonas vaginalis administram-se 250-500 mg a cada oito horas,
durante sete dias (ou 2 g em dose nica), para Giardia lamblia usam-se 250 mg
duas a trs vezes por dia, por cinco a sete dias (ou 2 g/dia durante trs dias),
para a amebase administram-se 750 mg a cada oito horas, durante 10 dias. Na
vaginose bacteriana pode usar-se a via oral (500 mg de 12-12 horas, durante
sete dias) ou a via intravaginal (5 g de gel de 12-12 horas, durante cinco dias).
Farmacocintica o metronidazol quase todo absorvido por via oral e
os alimentos no interferem com a sua absoro. As concentraes sricas,
aps administrao oral ou e.v., so proporcionais dose administrada. Este
frmaco tem uma semivida de oito horas e liga-se muito pouco s protenas
do plasma. A administrao vaginal do metronidazol resulta em picos sricos
mais baixos e quando usado sob a forma de supositrios, a absoro boa,
mas o pico srico retardado.
O metronidazol tem muito boa difuso tecidular, atingindo boas concentraes nos rgos e tecidos e, nomeadamente, no LCR e na placenta.
O metronidazol e seus metabolitos so, sobretudo, eliminados pela urina.
A dose deste frmaco deve ser reduzida em caso de insuficincia heptica.
No insuficiente renal podem ser necessrios ajustamentos da dose nos casos
em que a teraputica foi iniciada com doses elevadas.
Espectro de ao o metronidazol tem potente atividade bactericida,
sendo ativo contra grande parte das infees causadas por anaerbios, nomeadamente por Bacteroides fragilis e Bacteroides melaninogenicus, por
Prevotella spp, por Selenomonas spp, por Fusobacterium spp, cocos Gram-negativo anaerbios e por Clostridium spp.
Igualmente sensveis ao metronidazol so Treponema pallidum, espiroquetas orais, Campylobacter fetus, Gardnerella vaginalis e Helicobacter pylori. O metronidazol , por norma, eficaz contra Trichomonas vaginalis,
Giardia lamblia e Entamoeba histolytica17.
Indicaes clnicas devido sua boa difuso, o metronidazol constitui
uma boa escolha para as infees por anaerbios do sistema nervoso central
(SNC), do corao, do osso e articulaes, dos tecidos moles, da boca e dos
dentes14.
Outras indicaes, para o uso do metronidazol so a vaginose bacteriana,
a colite pseudomembranosa, a lcera pptica, causada por Helicobacter pylori (em associao com outros antibiticos) e a doena periodontal18,19.
O metronidazol , ainda, eficaz no tratamento da tricomonase vaginal,
do abcesso heptico amebiano, da giardase e de infees causadas por
Dientamoeba fragilis, na criana.
Reaes adversas o metronidazol , em geral, bem tolerado. Os principais efeitos adversos so convulses, encefalopatia, disfuno cerebral,
122
Outros nitroimidazis
Dos inmeros frmacos desta classe apenas dois para alm do metronidazol, esto disponveis em Portugal. O tinidazol, com propriedades farmacolgicas e espectro de ao sobreponveis s do metronidazol, apresenta
um tempo de semivida substancialmente superior, oferecendo o mesmo
potencial de cura com doses menores e menos efeitos secundrios20. O
secnidazol, rapidamente absorvido aps administrao oral e com a mais
longa semivida da classe, est indicado no tratamento da amebase intestinal,
giardase e tricomonase21.
Produtos
comerciais
4. cido fusdico
Mecanismo de ao o cido fusdico atua inibindo a sntese proteica. ,
em geral, bacteriosttico, mas em concentraes elevadas pode ser bactericida.
Vias de administrao e doses por via e.v. usam-se 500 mg (> 50 kg) ou
7 mg/kg (< 50 kg) de oito em oito horas. A dose habitual de utilizao oral
de 500 mg a cada 8 horas (adulto). A suspenso oral est disponvel para
crianas. Este frmaco pode usar-se topicamente (creme, pomada e gel) e em
gotas, para aplicao oftlmica.
Farmacocintica o cido fusdico bem absorvido por via oral, atingindo concentraes de 71 mg/l se administrado a cada oito horas. A administrao e.v. repetida permite atingir picos sricos de 123 mg/l. O cido fusdico liga-se, fortemente, s protenas plasmticas (95 a 97%), tem uma
semivida de cerca de 14 horas e tem boa penetrao no osso, na gordura
123
Nomes
comerciais
5. Fosfomicina
Mecanismo de ao a fosfomicina um antibitico bactericida, que
inibe a sntese dos precursores do peptidoglicano, componente essencial da
parede bacteriana.
Vias de administrao e doses a fosfomicina dissdica (e.v.) apresenta-se em frascos de 1 e 4 g e deve ser administrada, aps diluio, taxa de
124
Nome
comercial
6. Everninomicina
Este frmaco, de uso e.v., apresentava boa atividade contra enterococos
resistentes vancomicina, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis
ou Staphylococcus haemolyticus resistentes e pneumococos resistentes penicilina26. Foi retirado do mercado por problemas de toxicidade.
7. Clindamicina
A clindamicina um derivado semissinttico da lincomicina, um antibitico natural produzido pela actinobactria Streptomyces lincolnensis27.
Mecanismo de ao a clindamicina inibe a sntese proteica dos microrganismos suscetveis, atuando na subunidade 50S, nos mesmos locais em
que atuam os macrlidos e o cloranfenicol, especulando-se sobre a possibilidade destes frmacos poderem competir entre si se administrados em
conjunto28.
Vias de administrao e doses a clindamicina pode ser administrada
oralmente, com doses entre os 150 e os 350 mg, por norma em intervalos
de seis horas e por via e.v., com doses, habitualmente, entre 600 e 900 mg
em intervalos de oito horas.
Farmacocintica a biodisponibilidade aps administrao oral de 90%,
sendo ligeiramente atrasada, mas no diminuda, pela ingesto concomitante de alimentos29.
O pico srico atingido uma hora aps administrao oral e entre 20 a
45 minutos aps administrao e.v.
A clindamicina demonstrou uma boa penetrao em todos os tecidos, com
a exceo do LCR, onde mesmo na presena de meningite, revelou concentraes clinicamente irrelevantes30.
Espectro de ao a clindamicina tem boa atividade contra cocos Gram-positivo, incluindo a maior parte dos membros do gnero Staphylococcus e
Streptococcus, com a exceo do gnero Enterococcus, contra os quais no
possui qualquer atividade.
126
As bactrias aerbias e anerbias facultativas Gram-negativo (Pseudomonas aeruginosa, Legionella pneumophila, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e enterobactericeas) so intrinsecamente resistentes a este
antibitico31, com a notvel exceo da Capnocytophaga canimorsus, contra
a qual a clindamicina um dos antibiticos de primeira linha32.
A clindamicina ativa contra a maioria das bactrias anaerbias clinicamente relevantes33, apesar de nos ltimos anos se ter vindo a assistir a um
crescente aumento da resistncia dos bacterides de espcie fragilis a este
antibitico34.
Alguns protozorios clinicamente relevantes, tais como Toxoplasma gondii, Babesia microti e Plasmodium spp, so suscetveis a este antibitico, assim
como o o fungo Pneumocystis jirovecii35.
Indicaes teraputicas a clindamicina usada, primariamente, no tratamento de infees por bactrias anaerbias, incluindo infees dentrias
e da cavidade oral, infees do trato respiratrio e infees da pele e tecidos
moles. Durante anos foi usada no tratamento emprico de infees da cavidade abdominal, sendo atualmente desaconselhado o seu uso neste contexto pelo aumento crescente de resistncias de Bacteroides fragilis a este
agente34. A clindamicina pode ser ainda usada no tratamento de infees
por Gram-positivo, particularmente do gnero Streptococcus, em doentes
alrgicos penicilina. Tendo em conta a sua atividade contra alguns parasitas, pode ser usada em associao com outros frmacos, no tratamento da
toxoplasmose, babesiose, malria e pneumocistose35.
Estudos in vitro e in vivo revelaram que a clindamicina reduz a produo
de exotoxinas pelos estafilococos, tornando-a num importante antibitico
no tratamento da sndrome do choque txico36.
Reaes adversas at 30% dos doentes sofre de diarreia, em especial
aquando da toma por via oral, sendo que uma pequena percentagem destes
desenvolve colite pseudomembranosa, tornando-o no antibitico mais comummente associado a esta complicao31.
At 10% dos doentes pode apresentar exantema, mas erupes cutneas
severas so raras.
A administrao e.v. pode causar flebite, bem como a elevao das transaminases e da fosfatase alcalina, alteraes reversveis com a suspenso da
teraputica31.
Nome
comercial
8. Daptomicina
Mecanismo de ao a daptomicina um lipopeptdeo cclico ativo que
atua inibindo a sntese proteica.
Vias de administrao e doses nas infees da pele e tecidos moles a
dose de 4 mg/kg de 24-24 h, por via e.v., durante sete a 14 dias. Na bacteriemia por Staphylococcus aureus meticilinarresistente (MRSA) complicada
ou no com endocardite direita a dose de 6 mg/kg de 24-24 h, via e.v.,
durante duas a seis semanas37. Nos doentes com clearance de creatinina
< 30 ml/h, o intervalo de administrao aumentado para 48-48 h, sendo a
administrao feita no fim da sesso de hemodilise (se aplicvel)37. A funo
renal e a creatinina fosfoquinase (CPK) devem ser monitorizadas semanalmente, nos doentes com insuficincia renal medicados com daptomicina37.
Farmacocintica a sua atividade antimicrobiana bactericida relaciona-se
com a rea sob a curva de concentrao (ASC) e a concentrao inibitria
mnima (CIM).37 A semivida de 7-8 h e 50% do frmaco excretado por
via renal. A daptomicina tem uma baixa penetrao pulmonar e no LCR. Nos
doentes com clearance de creatinina < 80 ml/h, os estudos apontam para
uma diminuio da sua eficcia no tratamento da bacteriemia por MRSA
complicada ou no com endocardite direita37. Na gravidez um frmaco de
classe B37. Desconhecem-se as suas concentraes plasmticas no leite materno, devendo ser utilizada com precauo na mulher em amamentao37.
Interaes medicamentosas no so conhecidas interaes medicamentosas com a daptomicina37.
Espectro de ao ativa para Staphylococcus aureus, estafilococos
coagulase-negativos (CIM 0,5 ug/ml), estreptococos (CIM 0,25 ug/ml), enterococos suscetveis vancomicina Enterococcus faecalis (CIM 1-2 ug/ml),
Enterococcus faecium (CIM 4 ug/ml) e Clostridium perfringens (CIM 0,5-1 ug/
ml). Este frmaco no tem atividade para bactrias Gram-negativo.
Indicaes teraputicas est indicada nas infees da pele e tecidos
moles por microrganismos suscetveis e na bacteriemia por MRSA complicada
ou no com endocardite direita. No est indicada no tratamento da pneumonia, da endocardite das vlvulas esquerdas e no est estudada na endocardite de vlvulas protsicas37. Nas infees da pele e tecidos moles complicadas, a eficcia comparvel vancomicina/penicilina antiestafiloccica
para Staphylococcus aureus meticilinossensvel (MSSA), MRSA, Streptococcus
pyogenes, Enterococcus faecalis38. Na bacteriemia por MRSA, complicada ou
no com endocardite direita, as taxas de sucesso so sobreponveis ao tratamento com gentamicina associada vancomicina39. Nas infees osteoarticulares por MSSA ou MRSA associadas a bacteriemia, um estudo mostrou
taxas de sucesso sobreponveis ao tratamento com uma penicilina antiestafiloccica ou vancomicina, associadas gentamicina, pelo que a utilizao
da daptomicina nestes casos poder ser considerada40.
128
Efeitos adversos com maior frequncia podem ocorrer nuseas, vmitos, diarreia, cefaleias, exantema, aumento da CPK. Esto relatadas a
ocorrncia de pneumonia eosinoflica, de neuropatia perifrica e de alteraes da coagulao37.
Nome
comercial
9. Tigeciclina
A tigeciclina uma glicilciclina semissinttica resultante da introduo de
um grupo butilglicilamido na posio 9 do anel D da minociclina41.
Mecanismo de ao atua inibindo a sntese proteica ao ligar-se
subunidade 30S do ribossoma bacteriano e bloqueando a entrada de
molculas amino-acil-t-ARN no local A do ribossoma41. Geralmente, a tigeciclina considerada um antibitico bacteriosttico, embora atividade
bactericida tenha sido demonstrada para isolados de Streptococcus pneumoniae e Legionella pneumophila41,42.
Vias de administrao e dose a dose inicial de 100 mg, seguida de 50 mg
de 12-12 h por via e.v. A durao do tratamento geralmente de cinco a 14 dias,
dependendo da gravidade, do local de infeo, da situao clnica e da resposta
teraputica42. Com a tigeciclina no necessrio o ajuste da dose na insuficincia renal e na hemodilise. Na insuficincia heptica grave (Child-Pugh C) necessrio o ajuste da dose (100 mg dose nica, seguida de 25 mg de 12-12 h)42.
Farmacocintica a semivida de 37 h, com um grande volume de distribuio, baixas concentraes plasmticas e grande concentrao tecidular.
O frmaco metabolizado no fgado e grande parte eliminado pela via
biliar. Na insuficincia heptica grave, a clearance sistmica diminui em 55%
e a semivida aumenta em 43%42. O uso de tigeciclina na gravidez est associado a risco fetal (classe D) e desconhecem-se as suas concentraes plasmticas no leite materno, devendo ser utilizado com precauo na mulher em
amamentao42.
Interaes medicamentosas a tigeciclina pode aumentar as concentraes da varfarina, sendo necessria a sua monitorizao42.
Espectro de ao ativa contra estafilococos (incluindo MRSA), estreptococos (incluindo Streptococcus pneumoniae), enterococos, enterobactericeas
(exceto Proteus spp e Serratia marcescens), bacilos Gram-negativo no-entricos (Acinetobacter e Stenotrophomonas maltophilia, mas no contra Pseudomonas aeruginosa) e anaerbios (incluindo Bacteroides spp).
Indicaes teraputicas este frmaco est aprovado para infees da
pele e tecidos moles complicadas, infees intra-abdominais complicadas
e para a pneumonia adquirida na comunidade (PAC)42. Nas infees de pele e
129
tecidos moles complicadas, os estudos demonstram equivalncia vancomicina/aztreonam nas taxas de resposta clnica e na erradicao microbiolgica
de MRSA, MSSA e Streptococcus pyogenes43. Apenas num ensaio a tigeciclina revelou uma taxa de cura para enterococos vancomicinarresistentes (VRE)
sobreponvel da linezolida, pelo que so necessrios mais estudos para a
utilizao, com segurana, deste frmaco no tratamento do VRE44. Na infeo
intra-abdominal complicada as taxas de cura e erradicao microbiolgica
para a Escherichia coli, Streptococcus anginosus, Bacteroides fragilis e Klebsiella pneumoniae so semelhantes s obtidas com o imipenem45. Na PAC
por Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Legionella pneumophila, a sua eficcia equivalente da levofloxacina46. Nos doentes ventilados com pneumonia adquirida em meio hospitalar, a sua eficcia inferior do imipenem, no estando a sua utilizao recomendada 47. Num
estudo em doentes com infees graves por bactrias Gram-negativo multirresistentes, a tigeciclina pareceu ser segura e eficaz, incluido para Acinetobacter baumannii, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Enterobacter48.
No caso particular de Acinetobacter baumannii multirresistente (incluindo
carbapeneme resistente), um outro estudo mostrou que a tigeciclina tem
considervel atividade antimicrobiana, embora de forma no consistente,
pelo que no se recomenda a sua utilizao em monoterapia, particularmente na pneumonia associada ao ventilador ou na bacteriemia49. Em concluso,
a tigeciclina no melhor que a antibioterapia habitualmente preconizada
no tratamento de infees graves, incluindo as causadas por bactrias resistentes50.
Efeitos adversos comparativamente ao tratamento, habitualmente, preconizado, o efeito adverso mais frequente a intolerncia gastrintestinal
(nuseas, vmitos e diarreia). Menos vezes pode causar cefaleias, tonturas,
exantema, elevao da bilirrubina total, de aspartato aminotransferase (AST),
do tempo de protrombina e causar pancreatite41-43. Este frmaco pode cursar
com descolorao permanente do esmalte dentrio, se administrado na segunda metade da gravidez e durante a infncia at aos oito anos43.
Nome
comercial
Nomes
comerciais
Neomicina
Tem atividade contra muitas bactrias Gram-positivo e Gram-negativo,
incluindo Escherichia coli, Haemophilus influenzae, Proteus spp, Staphylococcus aureus e Serratia spp, sendo Pseudomonas aeruginosa, por regra, resistente. A neomicina muito usada em combinao com outros antibiticos,
antifngicos e corticosterides.
Nomes
comerciais
Baciderma, Bacitracina Neo-Zimaia, Bientrico, Cicatrin, Conjunctilone, Dermobitico, Dermovate, Dexaval, Dimicina, Enteromicina,
FML-Neo Liquifilm, Kenacomb, Neodavisolona, Neomicina, Otosporin,
Oto-Synalar Pimafucort, Polydexa, Polygynax, Predniderma, Synalar
N, Zotinar.
Polimixina B
ativa, quase exclusivamente, sobre bactrias Gram-negativo, sendo bactericida para a maior parte das bactrias aerbias Gram-negativo, incluindo
Pseudomonas aeruginosa, mas inativa contra bactrias do gnero Proteus e,
fracamente, ativa contra bactrias do gnero Providencia, Burkholderia e Serratia. usada na preveno e no tratamento de infees pouco complicadas
da pele, geralmente associada com neomicina e bacitracina.
Nomes
comerciais
Mupirocina
bastante eficaz em infees causadas por estafilococos, mesmo quando
resistentes meticilina e a outros antibiticos, e em infees estreptoccicas
131
Nome
comercial
Bactroban.
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132
133
Seco 3 Antimicrobianos
ANTIVRICOS*
Francisco Antunes
Nos ltimos anos, registaram-se progressos importantes no desenvolvimento de antivricos eficazes em diversas fases da replicao vrica, nas quais
se incluem a absoro, a penetrao, a libertao do invlucro, a transcripo
e a translao das protenas reguladoras, a replicao do genoma, a transcripo e a translao das protenas estruturais, a reconstituio do virio, a
maturao e a libertao1. A toxicidade tida como um dos maiores obstculos no desenvolvimento de antivricos, dada a dificuldade destes em distinguir, com preciso, entre as funes de algumas clulas humanas e a replicao vrica, tal como acontece com o efeito oncognico ou teratognico
potencial. Em contraste com os antibiticos, utilizados nas infeces bacterianas, so raros os antivricos de amplo espectro de aco, estando a maioria
deles indicados para uma nica e determinada infeco vrica.
1. Amantadina e rimantadina
A amantadina eficaz na profilaxia e no tratamento (menos activa) da
maioria das estirpes de vrus influenza A, mas no contra as estirpes B e C.
No entanto, mais recentemente, os isolados A/H1N1, H3N2 e H5N1 de vrus da
gripe mostraram resistncia a estes antivricos. A rimantadina parece ser
mais eficaz do que a amantadina na profilaxia e no tratamento da gripe
nos adultos e, apenas, no tratamento das crianas, sendo, de igual modo,
menos txica para o sistema nervoso central (a amantadina estimula as
catecolaminas, o que no acontece com a rimantadina). Os mecanismos de
aco envolvem o bloqueio do canal inico, formado pela protena M2, com
interferncia na libertao do invlucro viral, aps a entrada na clula, e,
possivelmente, na reconstituio do virio e na sua maturao. Quando
utilizada em profilaxia, a amantadina e a rimantadina reduzem o risco de
infeco em, pelo menos, 50% (no que diz respeito ao efeito profilctico,
esta percentagem idntica da proteco conferida pela vacina) e o
risco de doena em 70-90%. Para se conseguir maior eficcia devem ser
utilizadas nas 48 h aps o incio dos sintomas. A emergncia de resistncias
135
F. Antunes
2. Zanamavir e oseltamivir
O zanamavir e o oseltamivir so antivricos aparentados, com mecanismos semelhantes de aco e taxas semelhantes de eficcia contra vrus
influenza tipo A e tipo B2,3. Ambos so inibidores da neuraminidase. O
zanamavir inalado, sendo a biodisponibilidade de 10-20% da dose inalada. O oseltamivir administrado por via oral, sendo de 75% a biodisponibilidade, devendo ser reduzida a dose em insuficientes renais. Os efeitos
colaterais do zanamavir so mnimos, porm deve ser administrado com
precauo em doentes com doena respiratria crnica, dado que pode
causar broncospasmo. O oseltamivir pode causar nuseas e vmitos em 10%
dos doentes, pelo que se recomendam as tomas com as refeies, por forma
a reduzir aqueles efeitos. A prescrio de zanamavir e oseltamivir deve limitar-se aqueles casos com menos de 48 h de doena. Na dose de 10 mg/dia
para zanamavir e de 75 mg/dia para oseltamivir so eficazes na preveno
da infeco, respectivamente, de 30 e 50%, e na preveno da doena, respectivamente, de 67 e 84%.
3. Ribavirina
A ribavirina (RBV) um nuclesido anlogo da purina, com amplo espectro de aco in vitro contra vrus ARN e ADN, no estando esclarecido,
ainda, o seu mecanismo de aco. No tratamento das infeces por vrus
respiratrio sincicial (VRS) est licenciada a formulao para aerossol sem,
praticamente, efeitos colaterais (no disponvel em Portugal). Porm, nas
crianas (e em adultos) com doena pulmonar crnica obstrutiva ou com
asma, a deteriorao da funo respiratria tem sido associada utilizao
de RBV. De realar que a RBV no est indicada nas infeces respiratrias
por VRS com caractersticas benignas. Para alm das infeces por VRS, a
RBV tem sido utilizada no tratamento da hepatite A, do sarampo, das
infeces por vrus herpes simplex (VHS) e, com maior importncia, na
febre hemorrgica de Lassa e da febre hemorrgica da Coreia1. Dado que
atravessa bem a barreira hematoenceflica poder revelar-se til no tratamento de encefalites vricas por vrus bunya. A toxicidade hematolgica
136
Antimicrobianos Antivricos
4. Vidarabina
A vidarabina eficaz no tratamento das infeces por vrus herpes,
por inibio da sntese do cido nucleico, atravs de um ou mais mecanismos. No tratamento da encefalite por VHS, diminui a mortalidade de
70 para 28%, ao fim de um ms, e para 40% ao fim de seis meses5. Nos
recm-nascidos, com infeco do sistema nervoso central (SNC) ou disseminada por VHS, reduz a mortalidade de 74 para 38%, porm, apenas, 29%
dos sobreviventes esto clinicamente curados no final do primeiro ano.
Para alm destas indicaes, eficaz em aplicao tpica da queratoconjuntivite e da estomatite. Alm disto, usada no tratamento da zona
[infeco por vrus varicela zster (VVZ)], cutnea e visceral, nos doentes
imunocomprometidos (reduz a formao de novas leses, a eliminao do
vrus e encurta os episdios de nevralgia ps-herptica)5, nestes casos com
a utilizao por via e.v. (dada a fraca solubilidade da vidarabina requer um
volume enorme de lquido para a perfuso). A vidarabina no est disponvel em Portugal.
5. Anti-herpticos
O aciclovir, licenciado em 1995, considerado o antivrico mais eficaz, de
entre outros (ganciclovir e foscarnet). Mais recentemente passaram a estar
disponveis o famciclovir e o valaciclovir, tendo eficcia equivalente ou superior do aciclovir e, por outro lado, a sua farmacocintica, quando
administrada por vira oral, mais favorvel. O aciclovir um inibidor
potente de alguns vrus do grupo herpes, na presena da timidinaquinase, a qual induz a fosforilao daquele, na sua forma activa, de monofosfato de aciclovir. A maior eficcia do aciclovir relaciona-se com as
infeces por VHS, sendo menor para VVZ. O vrus de Epstein-Barr (VEB)
mais sensvel ao aciclovir do que o vrus citomeglico (VCM), sendo a
aco sobre o primeiro sobre a polimerase ADN-VEB e sobre o segundo,
praticamente nula, dado que VCM no produz a enzima responsvel pela
fosforilao do aciclovir na sua forma activa. O aciclovir est disponvel
em formulaes para uso e.v., oral e tpico. A administrao por via e.v.
est recomendada para o tratamento das infeces herpticas mucocutneas e genitais no imunocomprometido. Nestes casos, a eliminao do
vrus, o tempo de formao de leses novas e a durao dos sintomas esto
137
F. Antunes
6. Citocinas
Os interferes (INFs) tendo sido utilizados, eficazmente, no tratamento de
diversas infeces vricas, no sendo clara se a sua aco por efeito directo
sobre os vrus ou se, indirectamente, por mecanismos imunomodeladores. As
suas principais indicaes dizem respeito ao tratamento das infeces crnicas por vrus das hepatites B e C, ultimamente nas suas formulaes peguiladas8-10. Os INFs tm sido usados, ainda, no tratamento tpico dos condilomas genitais.
Antimicrobianos Antivricos
Nome comercial
Aciclovir
Cidofovir
Foscarnet
Ganciclovir
Valganciclovir
Interfero
Interfero peguilado
Valaciclovir
Zanamivir
Oseltamivir
Ribavirina
Lamivudina
Adefovir
Hepsera comp. 10 mg
Entecavir
Telbivudina
Tenofovir
*Excluem-se os anti-retrovricos
Utilizados no tratamento da hepatite B crnica e da infeco por VIH
F. Antunes
Antimicrobianos Antivricos
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141
Seco 3 Antimicrobianos
ANTIFNGICOS
Patrcia Pacheco
Polienos
Os polienos atuam ao nvel da membrana citoplasmtica do fungo, ligando-se, irreversivelmente, ao ergosterol. Para ter acesso ao ergosterol, os polienos devem, em primeiro lugar, atravessar a rgida parede celular do fungo.
Uma vez na membrana, promovem a abertura de poros que aumentam a
permeabilidade celular, levando sada de eletrlitos e morte celular. Os
polienos so fungicidas potentes, com amplo espectro de ao, atuando sobre
fungos filamentosos e leveduriformes. Apresentam, como principal limitao,
elevada toxicidade, resultante da semelhana estrutural entre o ergosterol e
o colesterol, pelo que o seu uso sistmico se restringe a infees fngicas graves.
Deste grupo fazem parte a nistatina (disponvel como medicamento tpico para
o tratamento da candidose oral), a natamicina (tpico para tratamento da
candidose vaginal) e a anfotericina B, a qual constituiu durante dcadas o
frmaco de referncia da teraputica antifngica sistmica. De forma a minimizar a toxicidade da anfotericina B desenvolveram-se preparaes lipdicas, mantendo efeito antifngico comparvel.
Azis
Os azis interferem na biossntese do ergosterol, atravs da inibio da
enzima lanosterol-demetilase, dependente do citocrmio P450 (CYP450). Esta
143
P. Pacheco
Imidazol
itraconazol
diminuio da concentrao
plasmtica do triazol
itraconazol
fluconazol
voriconazol
diminuio da concentrao
plasmtica do triazol
nefrotoxicidade
todos
fenitona
todos
toxicidade da fenitona
sulfonilureias
todos
hipoglicemia
varfarina
todos
hipocoaguabilidade
alprazolam e midazolam
todos
sedao
digoxina
itraconazol
toxicidade da digoxina
itraconazol
voriconazol
arritmias cardacas
potencialmente fatais
enzima tem papel fundamental na sntese do ergosterol, atuando, acessoriamente, na sntese do colesterol no mamfero. A atividade dos antifngicos
azis resulta da depleo do ergosterol e da acumulao de esterides txicos,
condicionando alteraes na estrutura e na funcionalidade das membranas
fngicas. Estes frmacos limitam o crescimento fngico (frmacos fungistticos)
e so ativos contra diversos fungos leveduriformes e filamentosos. Os azis, de
utilizao corrente, contm dois ou trs nitrognios no anel azol, sendo designados imidazis (cetoconazol, miconazol e clotrimazol) e triazis (fluconazol,
itraconazol, voriconazol e posaconazol), respetivamente. Os triazis, em comparao com os imidazis, apresentam maior afinidade para as enzimas fngicas, relativamente s enzimas humanas dependentes do CYP450, pelo que tm
menor toxicidade. Este facto determina que os imidazis sejam, essencialmente,
de aplicao tpica e os triazis de utilizao sistmica. Dentro do grupo dos
triazis, e apesar de apresentarem o mesmo mecanismo de atuao, existem
diferenas estruturais que determinam espectros de ao e propriedades farmacocinticas diferentes. Relativamente coadministrao com outros frmacos, todos os azis podem condicionar interaes medicamentosas, sendo o
itraconazol o que apresenta maior nmero de interaes (Quadro 1).
Alilaminas
As alilaminas atuam ao nvel da biossntese do ergosterol atravs da inibio da enzima esqualeno-epoxidase. Esta enzima, no dependente do
144
Antimicrobianos Antifngicos
Anlogos nucleosdeos
O nico frmaco disponvel a flucitosina, um antimetabolito que interfere com o metabolismo da pirimidina e, subsequentemente, na sntese e
funo do ADN/ARN fngico. A flucitosina convertida nas clulas fngicas
em 5-fluoruacilo pela enzima citosina desaminase, sendo seletivamente txica para os fungos que possuem esta enzima, nomeadamente, Candida spp
e Cryptococcus spp. S deve ser utilizado associado a outros antifngicos
(anfotericina ou fluconazol), devido emergncia de resistncias quando
utilizado em monoterapia. A flucitosina , rapidamente, absorvida aps
administrao oral, sendo este o modo de administrao preferencial. Em
adultos com funo renal normal a dose habitual 25-37,5 mg/kg, cada seis
horas (dose total diria 100-150 mg/kg). Em doses elevadas associa-se a depresso medular e hepatotoxicidade, sendo estes efeitos, habitualmente,
reversveis com a suspenso do tratamento. No caso de insuficincia renal
ou coadministrao de frmacos nefrotxicos (anfotericina ou ganciclovir,
por exemplo) conveniente proceder aos doseamentos sricos da flucitosina,
para ajuste das doses e minimizao da toxicidade.
Equinocandinas
As equinocandinas so o grupo de antifngicos sistmicos mais recentes
e apresentam um mecanismo de ao inovador, na medida em que atuam
na parede celular dos fungos, atravs da inibio da sntese de b-(1,3)-D-glucano, um componente da parede celular dos fungos filamentosos e leveduriformes, que no existe nas clulas dos mamferos. A destruio da
estrutura da parede celular conduz instabilidade osmtica e lise celular.
As equinocandinas so fungicidas para Candida spp, mas fungistticas para
145
P. Pacheco
Antimicrobianos Antifngicos
Formulaes
P. Pacheco
Manifestaes clnicas
Preveno
Reaes
idiossincrticas
choque anafiltico
convulses
fibrilhao ventricular
dose teste
Reaes dependentes
da infuso
pr-medicao corticide,
anti-histamnico
hipotenso
tromboflebite
perfundir em concentraes
0,1 mg/ml; adicionar 1.000 U
de heparina perfuso
Toxicidade imediata
Toxicidade retardada
Hematolgica
anemia normoctica/normocrmica
Renal
administrao de 500 ml de
soro salino previamente
perfuso
formulaes lipdicas reside no facto de a ligao da anfotericina estrutura lipdica permitir que o frmaco ativo esteja menos disponvel e seja menos
txica para as membranas contendo colesterol, das clulas do hospedeiro. O
termo anfotericinas lipossmicas, vulgarmente utilizado, deve ser evitado
uma vez que apenas um dos produtos um verdadeiro lipossoma. Cada
composto nico quanto ao seu contedo lipdico, configurao e contedo
molar de anfotericina B. As propriedades fsicas e qumicas do veculo lipdico condicionam a farmacocintica e a distribuio tecidular das diferentes
formulaes. Os lipossomas e os complexos lipdicos relacionados vo afetar
a distribuio do frmaco, devido sua captao seletiva pelo sistema retculo-endotelial, o que resulta numa diferente distribuio do frmaco, com
concentraes superiores no fgado, bao, gnglios linfticos e medula ssea.
A fagocitose destes complexos pode levar ao aumento da concentrao em
locais de infeo ativa ou inflamao. Nunca foi demonstrada eficcia clnica
superior destas formulaes, em relao anfotericina B convencional, para
nenhuma doena fngica, mas a sua menor toxicidade uma caracterstica
atrativa. Todas as formulaes lipdicas so menos nefrotxicas do que a convencional e a anfotericina B lipossmica est, claramente, associada a menor
incidncia de efeitos adversos relacionados perfuso. Associados s formulaes lipdicas foram descritos outros efeitos secundrios, particularmente hepticos, traduzidos por aumentos, transitrios, das transaminases, da fosfatase alcalina e das bilirrubinas sricas, reversveis com a suspenso da
teraputica. O elevado custo destas formulaes o principal obstculo sua
utilizao generalizada, em situaes que requeiram o uso de anfotericina,
148
Antimicrobianos Antifngicos
Fluconazol (Diflucan)
Vias de administrao oral e endovenosa.
Farmacocintica a absoro oral rpida e quase completa, apresentando as formulaes oral e endovenosa idntica biodisponibilidade (> 90%).
A administrao com alimentos no afeta a absoro. A semivida plasmtica
prolongada (20-30 h), o que permite a administrao nica diria. A ligao
s protenas plasmticas baixa, distribuindo-se, amplamente, nos tecidos e
no lquor (80% da concentrao srica). A dose utilizada varivel, consoante as situaes clnicas, usualmente de 100 a 400 mg/dia (podendo ser utilizadas doses at 800 mg/dia, sem significativo agravamento da toxicidade).
No primeiro dia de tratamento habitual administrar-se uma dose de impregnao (dobro da dose diria). A excreo feita, fundamentalmente,
por via renal, sendo 80% do frmaco eliminado inalterado.
Espectro de ao o fluconazol ativo, sobretudo, contra fungos leveduriformes, nomeadamente Candida spp e Cryptococcus neoformans. Algumas espcies de Candida, sobretudo no-albicans, podem ser resistentes.
Tambm, ativo contra fungos dimrficos, como Histoplasma capsulatum e
Coccidioidis immitis.
Indicaes teraputicas candidose cutnea, candidose oroesofgica, candidose disseminada e criptococose, nomeadamente a meningite criptoccica.
Efeitos adversos o fluconazol , em regra, bem tolerado. Podem ocorrer
alteraes gastrintestinais e hepatotoxicidade reversvel. Esto descritos casos
raros de eritema multiforme e de sndrome de Stevens-Johnson, o que determina suspenso imediata da teraputica.
Itraconazol (Sporanox)
Vias de administrao oral (cpsulas 100 mg e soluo oral 10 mg/ml),
existindo uma formulao endovenosa que no est disponvel em Portugal.
Farmacocintica a absoro oral varivel, consoante a formulao
administrada. As cpsulas apresentam menor biodisponibilidade, com concentraes sricas errticas. A formulao lquida com ciclodextrina, de introduo mais recente, apresenta melhor absoro, em particular quando
ingerida em jejum, atingindo concentraes sricas mais elevadas e previsveis. O itraconazol apresenta elevada taxa de ligao s protenas plasmticas (99%) e altamente lipoflico, pelo que atinge concentraes mais elevadas nalguns tecidos (tecido adiposo, fgado, pele e rim). A concentrao
no lquor mnima, embora penetre no parnquima cerebral. A semivida
plasmtica prolongada (64 h). A dose utilizada varivel, consoante as
149
P. Pacheco
Voriconazol (Vfend)10
Vias de administrao oral e endovenosa.
Farmacocintica a biodisponibilidade oral do voriconazol cerca de
95%, atingindo concentraes sricas mximas em menos de duas horas. A
administrao por via oral ou por via endovenosa condiciona idntico perfil
farmacocintico. O voriconazol apresenta uma taxa de ligao s protenas
plasmticas de 50-65%, distribuindo-se, amplamente, nos tecido incluindo
no lquor11. O voriconazol sofre extensa metabolizao heptica atravs das
enzimas do CYP450. Apresenta semivida plasmtica de, aproximadamente,
seis horas, tornando-se mais prolongada com a manuteno do tratamento
(apresenta farmacocintica varivel devido a um metabolismo saturvel). A
eliminao feita por via urinria e intestinal. A dose preconizada 6 mg/kg
endovenosa de 12-12 h (no primeiro dia, dose de impregnao) seguida de
4 mg/kg endovenosa de 12-12 h, em administrao lenta (duas horas). Quando os doentes toleram a teraputica oral, deve usar-se esta via, na dose de
200 mg (> 40 kg) ou 100 mg (< 40 kg), de 12-12 h. Nos doentes com insuficincia heptica deve proceder-se ao ajuste da dose de manuteno (50%
da preconizada). No caso de insuficincia renal, o voriconazol oral pode ser
administrado, no entanto o uso de voriconazol por via endovenosa deve ser
cauteloso, uma vez que pode ocorrer acumulao do excipiente. Este frmaco no deve ser utilizado durante a gravidez (teratognico nos animais) e a
experincia da sua utilizao em crianas muito limitada.
Espectro de ao Candida spp, Cryptococcus neoformans, Aspergillus
spp, Fusarium spp, Scedosporium spp e fungos dimrficos (Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis e Coccidioides immitis).
Indicaes teraputicas o voriconazol est aprovado para o tratamento
da aspergilose invasiva, das candidoses invasivas resistentes ao fluconazol e
das infees fngicas sistmicas causadas por Scedosporium spp e Fusarium
spp. Os estudos clnicos demonstraram superioridade do voriconazol comparativamente anfotericina B (melhores respostas e menos efeitos secundrios
graves) no tratamento da aspergilose invasiva, pelo que atualmente o
150
Antimicrobianos Antifngicos
Posaconazol (Noxafil)14,15
Vias de administrao oral (suspenso oral) 40 mg/ml
Farmacocintica o posaconazol absorvido lentamente aps administrao
oral, com picos sricos atingidos cerca de trs-quatro horas aps a ingesto. As
concentraes sricas mximas so atingidas quando a administrao ocorre
aps uma refeio com gorduras, verificando-se, tambm, maior biodisponibilidade quando a dose total preconizada por dia dividida em intervalos de seis
horas. Cada dose da suspenso de posaconazol deve ser administrada aps uma
refeio completa ou, em alternativa, aps um suplemento nutricional lquido.
O steady state atingido sete dias aps o incio do tratamento. O posaconazol
apresenta uma taxa de ligao s protenas plasmticas elevada (> 98%), com
volume alto de distribuio difundindo-se, amplamente, nos tecidos. Diferentemente dos restantes azis, o posaconazol no extensamente metabolizado
pelo CYP450 mais de 75% da dose administrada eliminada nas fezes,
predominantemente inalterada e o restante excretado como derivados glucoronidados na urina. Apresenta uma semivida plasmtica prolongada (35 h).
No so necessrios ajustes posolgicos na insuficincia heptica ou renal.
Espectro de ao Candida spp, Cryptococcus neoformans, Aspergillus
spp, Fusarium spp, Scedosporium spp e fungos dimrficos (Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis e Coccidioides immitis). Contrariamente,
a outros azis apresenta atividade tambm contra Mucorales spp.
Indicaes teraputicas o posaconazol est aprovado para o tratamento
da candidose oroesofgica e no tratamento de resgate de aspergilose invasiva,
fusariose, coccidioidomicose, cromoblastomicose e micetoma. Tambm foi aprovado na profilaxia de infees fngicas invasivas em doentes de alto risco, nomeadamente transplantados de medula ssea com doena de enxerto versus
hospedeiro e doentes neutropnicos com doenas hematoncolgicas. Embora
no tenha sido licenciado para o tratamento de mucormicoses, diversas publicaes sugerem fortemente a sua eficcia. As doses recomendadas para doentes
151
P. Pacheco
adultos so variveis, desde 100 mg/d (25 mg de seis em seis horas) na candidose orofarngea a 800 mg/d (200 mg de seis em seis horas) nas infees
fngicas invasivas.
Efeitos adversos o posaconazol habitualmente bem tolerado, sendo
os efeitos secundrios mais frequentes as cefaleias e alteraes gastrintestinais. Elevaes moderadas e transitrias das transaminases tambm podem
ocorrer. Foram reportados casos raros de colestase e falncia heptica durante o tratamento com posaconazol, pelo que aconselhvel a suspenso
do mesmo se surgirem sinais de insuficincia heptica.
Caspofungina (Cancidas)15-18
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 70 e 50 mg.
Farmacocintica a caspofungina apresenta extensa ligao s protenas
plasmticas (96%) e farmacocintica no linear com acumulao aumentada
medida que se aumenta a dose. A semivida plasmtica prolongada (nove10 horas) e a metabolizao ocorre, fundamentalmente, a nvel heptico. A
excreo , essencialmente, por via intestinal, pelo que no necessrio
ajuste posolgico nos doentes com insuficincia renal. Administra-se em
toma nica diria por via endovenosa, sendo a dose de carga no primeiro
dia de 70 mg e a dose de manuteno de 50 mg. Em doentes com doena
heptica moderada, est recomendado a reduo da dose de manuteno
para 35 mg/dia. A durao do tratamento deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente, na recuperao da imunodepresso e na resposta clnica.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas a sua utilizao foi aprovada para o tratamento da aspergilose invasiva em doentes refratrios ou intolerantes teraputica convencional (voriconazol e anfotericina B), tratamento de primeira linha na candidose invasiva em adultos e crianas e tratamento emprico da
febre no doente neutropnico. Alguns ensaios clnicos sugerem a sua potencial utilidade noutras situaes, nomeadamente, na candidose esofgica
refratria ao fluconazol, como alternativa anfotericina B17. A caspofungina
no deve ser administrada durante a gravidez e aleitamento.
Efeitos adversos a caspofungina , em regra, bem tolerada, ocorrendo
efeitos adversos em pequena percentagem dos doentes (< 4%), nomeadamente febre, nuseas, vmitos e flebite no local da perfuso. Em termos
laboratoriais, pode determinar, em cerca de 10% dos casos, elevao das
transaminases e ligeira reduo da hemoglobina.
Interaes medicamentosas a caspofungina no um inibidor de quaisquer enzimas do CYP450, pelo que a possibilidade de interaes medicamentosas menor do que com os azis, existindo, contudo, a possibilidade de
interaes medicamentosas com alguns frmacos (ciclosporina, tacrolmus,
152
Antimicrobianos Antifngicos
Anidulafungina (Ecalta)15
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 100 mg.
Farmacocintica a anidulafungina apresenta extensa ligao s protenas plasmticas (99%) e farmacocintica no linear com acumulao acrescida medida que se aumenta a dose. A penetrao no lquor negligencivel. A semivida plasmtica prolongada (24 h) e a via de metabolizao
diferente das restantes equinocandinas, ocorrendo degradao no enzimtica no sangue para um pptido inativo que excretado na bilis e fezes.
A excreo , essencialmente, por via intestinal (< 1% de excreo urinria)
pelo que no necessrio ajuste posolgico nos doentes com insuficincia
renal nem com insuficincia heptica. A anidulafungina no removida por
hemodilise. Administra-se em toma nica diria por via endovenosa, sendo a
dose de carga no primeiro dia de 200 mg e a dose de manuteno de 100 mg.
O ritmo de perfuso no deve exceder 1,1 mg/min. A durao do tratamento
deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente e na resposta
clnica. De um modo geral, o tratamento da candidose invasiva deve ser mantido durante 14 dias aps a ltima cultura positiva.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas na Europa a anidulafungina foi aprovada para o
tratamento de candidose invasiva em doentes no neutropnicos, tendo nos EUA
aprovao, tambm, para o tratamento de candidose esofgica e candidemia.
Efeitos adversos a anidulafungina , em regra, bem tolerada, ocorrendo efeitos adversos clnicos em pequena percentagem dos doentes, nomeadamente uma reao histaminrgica aguda relacionada com a perfuso rpida da formulao. Em termos laboratoriais, pode determinar elevao
transitria das transaminases.
Interaes medicamentosas a mais-valia da anidulafungina, comparativamente aos restantes membros da classe das equinocandinas, a ausncia
de interaes medicamentosas significativas
Micafungina (Mycamine)15,19
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 50 e 100 mg.
Farmacocintica a micafungina apresenta extensa ligao s protenas
plasmticas (99%) e, tal como os restantes membros desta classe, uma farmacocintica no linear com acumulao aumentada medida que se aumenta a dose. A penetrao no lquor negligencivel. A semivida plasmtica prolongada (10-17 h) e a via de metabolizao heptica, com
transformao enzimtica para metabolitos inativos excretados principalmente nas fezes e acessoriamente na urina. No necessrio ajuste posolgico
153
P. Pacheco
nos doentes com insuficincia renal nem com insuficincia heptica, estando,
contudo, desaconselhada a sua utilizao em doentes com insuficincia heptica grave. A micafungina no removida por hemodilise. Administra-se em toma
nica diria (100-150 mg/d) por via endovenosa, no sendo necessrio dose
de carga. A administrao deve ser lenta, ao longo de uma hora, de forma a
minimizar as reaes histaminrgicas. A durao do tratamento deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente e na resposta clnica.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas na Europa a micafungina foi aprovada para o
tratamento de candidose esofgica refratria e candidose invasiva em doentes no neutropnicos. Est, tambm, licenciada para utilizao em profilaxia
de infees por Candida spp, nos doente sujeitos a transplante medular.
Efeitos adversos a micafungina , habitualmente, bem tolerada, ocorrendo efeitos adversos clnicos em pequena percentagem dos doentes, nomeadamente uma reao histaminrgica aguda relacionada com a infuso
rpida da formulao e flebites no local de administrao. Embora muito
raros, foram descritos casos de disfuno heptica grave, com hepatite e
insuficincia heptica aguda fulminante.
Interaes medicamentosas embora a micafungina no seja um substrato major para o CYP450 apresenta algumas interaes mediadas por este
sistema, nomeadamente com itraconazol, nifedipina e sirolmus.
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154
Seco 3 Antimicrobianos
ANTIPARASITRIOS
Kamal Mansinho
1. Introduo
Neste captulo, sero descritos os antiparasitrios disponveis para o tratamento das parasitoses mais comuns em Portugal e ser efectuada referncia sucinta dos antiparasitrios para o tratamento das parasitoses menos
comuns ou inexistentes em Portugal. Os frmacos sero sistematizados tendo
em ateno as respectivas indicaes teraputicas, sendo as designaes
comerciais e as formulaes referidas de acordo com o Pronturio Teraputico 3, publicado em Junho de 2002 pelo Ministrio da Sade, atravs do
Infarmed1.
2. Antihelmintoses
Para alm da quimioterapia antihelmntica, o controlo das helmintoses
depende, fundamentalmente, da educao sanitria, do controlo dos vectores
e dos hospedeiros intermedirios e da melhoria das condies de salubridade e de higiene das populaes. Em relao s helmintoses intestinais, o
tratamento privilegiado de grupos alvo, tais como as crianas em idade escolar, apresenta relao de custoefectividade muito favorvel, particularmente,
quando a teraputica dirigida contra diversas espcies parasitrias2. Vrios
estudos sugerem que, por vezes, so necessrios repetidos tratamentos antiparasitrios para se atingir reduo efectiva da prevalncia das parasitoses
intestinais2. A prescrio alargada e frequente dos antihelmnticos encerra o
risco de emergncia de parasitas frmacoresistentes. Alguns relatos de
possvel resistncia dos ancilostomdeos a mebendazol parece confirmar-se
atravs de um estudo controlado efectuado no Mali, no qual foram comparados albendazol, mebendazol e pamoato de pirantel. Neste estudo,
apenas nos doentes tratados com albendazol se verificou reduo da eliminao dos ovos de ancilostomdeos nas fezes3.
A supresso prolongada de microfilariemia, em consequncia da prescrio de combinaes de antiparasitrios, nomeadamente dos compostos benzimidazis em conjunto com ivermectina ou com dietilcarbamazina, abre
novas perspectivas para a erradicao das filarioses4.
155
K. Mansinho
Antimicrobianos Antiparasitrios
Mebendazol
Registados no Pas1 Pantelmin e Toloxim.
Apresentao1 comprimidos de 100 mg e suspenso (20 mg/ml), para
administrao por via oral para os dois e, ainda, comprimidos de 500 mg de
Pantelmin.
Indicaes 5 antiparasitrio de amplo espectro com actividade contra:
Nemtodos intestinais idnticas ao albendazol, sendo a eficcia contra
Strongyloides stercoralis varivel e inferior do albendazol.
Nemtodos tissulares e sanguneos Toxocara canis, Toxocara catis (sndrome da larva migrante visceral), Cappilaria hepatica, Mansonella perstans,
Loa loa (dietilcarbamazina continua a ser o frmaco de eleio para o tratamento da loase).
Cstodos (vermes adultos intestinais e formas larvares tissulares)
Echinococcus granulosus (quisto hidtico) e Echinococcus multilocularis (albendazol tem maior actividade porque atinge maiores concentraes srica
e intraqustica), actividade discutvel contra Hymenolepis nana e Taenia spp,
sendo praziquantel e niclosamida os frmacos de eleio para o tratamento
das tnias.
Posologia7 adultos e crianas com idade superior a dois anos:
Maior parte dos nemtodos intestinais 100 mg 2x/dia, durante trs
dias ou 500 mg, em administrao nica, excepto para Enterobius vermicularis, cuja dose de 100 mg em administrao nica, repetindo-se o tratamento duas semanas depois.
Trichinella spiralis 200-400 mg 3x/dia, durante trs dias, seguido de
400-500 mg 3x/dia, durante 10 dias.
Clonorchis philippinensis 200 mg 2x/dia, durante 20 dias.
Mansonella perstans (frmaco de eleio) e Loa loa aps tratamento
ineficaz com dietilcarbamazina 100 mg 2x/dia, durante 30 dias.
Interaces1 os alimentos gordos aumentam a biodisponibilidade do
mebendazol. A cimetidina, ao inibir o metabolismo do mebendazol, potencia o risco dos efeitos adversos do mebendazol. A coadministrao de mebendazol com carbamazepina e fenintona reduz, por induo enzimtica, a
concentrao plasmtica de mebendazol.
Reaces adversas10 ocasionais dor abdominal, aumento das transaminases (nos tratamentos prolongados) e migrao de Ascaris para a boca e
para o nariz. Raras leucopenia, agranulocitose e hipospermia.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria C).
157
K. Mansinho
Pamoato
de pirantel
Piperazina
Registados no Pas1 Pipertox e Pipermel.
Apresentao1 Pipertox 125 mg/ml em xarope e Pipermel 1.000 mg/ml
em xarope, para administrao por via oral.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra nemtodos intestinais Ascaris lumbricoides e Enterobius vermicularis, praticamente substitudo por albendazol, mebendazol e pamoato de pirantel, por serem menos
txicos.
Posologia7 adultos:
Enterobius vermicularis 65 mg/kg dia, em administrao nica.
Ascaris lumbricoides 3,5 g, em toma nica, durante dois dias.
Interaces5 piperazina e pirantel so antagonistas, por isso no devem
ser administrados em combinao, podendo potenciar o efeito das fenotiazinas.
Reaces adversas10 ocasionais nuseas, vmitos, diarreia, dor abdominal e reaces alrgicas (broncospasmo e urticria), descoordenao motora, tonturas e confuso mental.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria C), disfuno heptica, epilepsia, doena renal grave e doena neurolgica.
158
Antimicrobianos Antiparasitrios
Ivermectina5
Registado no Pas nenhum, o Mectizan no est registado em Portugal.
K. Mansinho
Triclabendazol
Registado no Pas5 nenhum, o Fasinex no est registado em Portugal
para tratamento de patologia parasitria humana, sendo utilizado em medicina veterinria para o tratamento de fasciolose animal.
Apresentao12 comprimidos de 250 mg e soluo a 5%, para administrao por via oral.
Indicaes12,13 antiparasitrio com actividade contra tremtodos tissulares Fasciola hepatica (frmaco de eleio).
Posologia7,13 adultos 10 mg/kg, por via oral, em administrao nica
ou, nos casos mais graves, 20 mg/kg fraccionadas em duas administraes.
Reaces adversas13 nuseas, vmitos, dor epigstrica e dor no hipocndrio direito.
Contra-indicaes13 grvidas; experincia muito limitada em crianas.
Bitionol
Registado no Pas nenhum, o Bitin no est registado em Portugal.
3. Antiprotozooses
Ao contrrio dos helmintas, os protozorios so organismos unicelulares
que possuem organizao celular bsica, idntica das clulas eucariotas.
Nem todos os protozorios, que parasitam o organismo humano, so patognicos. Alguns so comensais, isto , so capazes de viver em harmonia com
o hospedeiro. Os progressos da investigao genmica tm proporcionado
conhecimentos para o desenvolvimento de novos alvos teraputicos, de vacinas e para a melhor compreenso dos fenmenos relacionados com a resistncia dos protozorios aos frmacos disponveis, possibilitando estratgias mais eficazes no controlo de algumas protozooses14.
Antimicrobianos Antiparasitrios
Tinidazol
Registado no Pas1 Fasigyn
Apresentao1 comprimidos de 500 mg, para administrao por via oral.
Indicaes1,15 antiparasitrio com actividade semelhante do metronidazol, sendo activo contra algumas (mas no todas) estirpes de Trichomonas
vaginalis resistentes ao metronidazol.
Posologia7 adultos e crianas:
Amebase intestinal ligeira a moderada 2 g em trs doses, durante
trs dias (adultos) e 50 mg/kg/dia em trs doses, durante trs dias (crianas
dose mxima 2 g).
Amebase intestinal grave e amebase extraintestinal 800 mg 3x/dia,
durante cinco dias (adultos), sendo a dose peditrica idntica anterior,
durante cinco dias.
Giardia lamblia 2 g em administrao nica.
161
K. Mansinho
Secnidazol
Registado no Pas1 Flagentil
Apresentao1 comprimidos de 500 mg, para administrao por via
oral.
Indicaes1 antiparasitrio com actividade semelhante do metronidazol.
Posologia1 adultos e crianas:
Amebase intestinal ligeira a moderada 2 g em dose nica (adultos) e
30 mg/kg/dia em dose nica (crianas).
Amebase intestinal grave e amebase extraintestinal 1,5-2,0 g, durante cinco dias (adultos), sendo a dose peditrica idntica anterior, durante
cinco dias.
Giardia lamblia e Trichomonas vaginalis 2 g, em administrao nica.
Reaces adversas1 ocasionais nuseas, vmitos, gosto metlico e
toxicodermia.
Contra-indicaes1 gravidez e amamentao, insuficincia heptica (reduzir a dose), com monitorizao da funo heptica, em tratamentos superiores a 10 dias.
Outros
frmacos
Antipaldicos
Cloroquina
Registado no Pas1 Resochina
Apresentao1 comprimidos 250 mg (equivalente a 150 mg de cloroquina base), para administrao por via oral. As formulaes para administrao
por via parentrica e xarope no esto registadas em Portugal.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax sensveis cloroquina (SC), Plasmodium malariae e
Plasmodium ovale.
Posologia7 adultos e crianas:
162
Antimicrobianos Antiparasitrios
Tratamento do paludismo no complicado (SC) 10 mg/kg de cloroquina base, seguido de 5 mg/kg, seis horas mais tarde e 5 mg/kg s 24 horas e
48 horas aps a administrao inicial.
Quimioprofilaxia antipaldica para as reas SC 5 mg/kg/semana de
cloroquina base, para iniciar uma semana antes do embarque para regio
endmica, prosseguir durante a estada e durante mais quatro semanas aps
o regresso.
Reaces adversas10 ocasionais prurido, vmitos, cefaleias, confuso
mental, despigmentao do cabelo, toxidermia, opacidade da crnea, perda
de peso, alopcia parcial, parsia dos msculos extraoculares, exacerbao
de psorase, eczema, outras dermatoses esfoliativas, mialgias e fotofobia;
raras leso retiniana irreversvel (especialmente quando a dose total excede 100 g), discromia das unhas e das mucosas, surdez neurolgica, miopatia
e neuropatia perifricas, bloqueio auriculoventricular, discrasia sangunea e
hematemeses.
Contra-indicaes1-5-10 insuficincia heptica e insuficincia renal (ajustar
a dose), epilepsia, psorase, miastenia gravis, deficincia de G6PD; gravidez
(categoria C) doses elevadas de cloroquina na mulher grvida podem causar danos neurolgicos no feto, no entanto, a vastssima experincia clnica
deste frmaco, quer em doses profilcticas, quer em doses teraputicas indica que a cloroquina pode ser usada com segurana durante a gravidez.
Quinino
Registado no Pas sulfato de quinino e dicloridrato de quinino, estando
disponvel, exclusivamente, para prescrio hospitalar.
Apresentao5 sulfato de quinino disponvel em comprimidos de 250 mg
e de 325 mg e em cpsulas de 200 mg, 300 mg e 325 mg; dicloridrato de
quinino, para administrao parentrica, em ampolas de 2 ml, contendo
300 mg/ml.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale, estando
indicado para o tratamento de Plasmodium falciparum complicado e de
Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax resistentes cloroquina.
Posologia7 adultos e crianas:
Paludismo complicado por Plasmodium falciparum dicloridrato de quinino, 20 mg/kg dose inicial de carga, diludo em soro dextrosado, em perfuso lenta
endovenosa, a correr durante quatro horas, seguindo-se, oito horas depois da administrao de carga, na dose de 10 mg de oito em oito horas endovenosa, durante sete dias. Logo que possvel, o quinino deve ser administrado por via oral, na
dose de 500-600 mg de oito em oito horas.
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax resistentes
cloroquina (RC) 10 mg/kg de sulfato de quinino, por via oral, de oito em
oito horas, durante trs a sete dias.
163
K. Mansinho
Reaces adversas5 frequentes cinchonismo (zumbidos, cefaleias, nuseas, dor abdominal, distrbios visuais); ocasionais surdez, hemlise macia
(febre biliosa hemoglobinrica), discrasia sangunea, fotossensibilidade, hipoglicemia, arritmias, hipotenso, febre, prurido, vmitos, cefaleias, confuso mental, despigmentao do cabelo, toxidermia, opacidade da crnea,
perda de peso, alopcia parcial, parsia dos msculos extraoculares, exacerbao de psorase, eczema, outras dermatoses esfoliativas, mialgias e fotofobia; raras cegueira e morte sbita (quando injectado rapidamente).
Contra-indicaes5 insuficincia renal (ajustar a dose), miastenia gravis,
deficincia em G6PD; gravidez (categoria X) em doses elevadas tem efeito
ocitcico e embriotxico, fetotxico e teratognico, podendo, no entanto,
ser prescrito no terceiro trimestre de gravidez para o tratamento de paludismo
grave.
Mefloquina
Registado no Pas1 Mephaquin
Apresentao1 comprimidos de 250 mg, para administrao por via oral.
Indicaes1,5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, resistentes cloroquina.
Posologia7,16 adultos e crianas:
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax (RC) no adulto,
750 mg seguido de 500 mg, 12 h mais tarde, por via oral; na criana, com peso
<45 kg, 15 mg/kg, seguido de 10 mg/kg, oito a 12 h mais tarde, por via oral.
Quimioprofilaxia antipaldica para as reas RC adultos, 250 mg/semana, a iniciar uma semana antes do embarque para regio endmica,
prosseguir durante a estada e durante mais quatro semanas, aps o regresso; crianas, a cronologia de administrao idntica do adulto e a dose
deve ser estabelecida de acordo com o peso <15 kg 5 mg/kg/semana;
15-19 kg 1/4 comprimido/semana; 20-30 kg 1/2 comprimido/semana;
31-45 kg 3/4 comprimido/semana; 45 kg um comprimido/semana.
Reaces adversas5 frequentes vertigens, cefaleias, nuseas, diarreia,
pesadelos, distrbios visuais e insnias; ocasionais confuso mental; raras
psicose, hipotenso, convulses, coma e parestesias.
Interaces1,5 com antiarrtmicos e com o quinino h risco acrescido de
potenciao da ocorrncia de arritmias; a mefloquina reduz a concentrao
srica dos anticonvulsivantes.
Contra-indicaes gravidez (categoria C)10; nos casos de administrao
acidental da mefloquina, em mulheres grvidas, no se verificou qualquer
efeito deletrio no recm-nascido17; contudo, em doses elevadas, este frmaco
mostrou ser teratognico em animais, a coadministrao da vacina viva atenuada oral contra a Salmonella typhi (Ty21a) e da mefloquina deve ser evitada,
porque a aco antibitica da mefloquina destri a estirpe vacinal de Salmonella typhi5; epilepsia, doena psiquitrica (depresso) e arritmias1, 5.
164
Antimicrobianos Antiparasitrios
Halofantrina
Registado no Pas1 Halfan
Apresentao1 comprimidos de 250 mg e suspenso oral a 20 mg/ml,
para administrao por via oral.
Indicaes1,5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, resistentes cloroquina.
Posologia7,18 adultos e crianas:
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax RC adultos,
500 mg cada seis horas, at perfazer a dose total de 1.500 mg, repetindo-se
o tratamento aps uma semana de intervalo; crianas, cronologia de administrao idntica do adulto e dose de acordo com o peso e com a idade
<40 kg 8 mg/kg de seis em seis horas, em trs tomas, repetindo aps uma
semana de intervalo.
Reaces adversas5 ocasionais nuseas, diarreia, dor abdominal, prurido, prolongamento do intervalo PR e do intervalo QTc no ECG, risco de
torsades de pointes e de arritmias mortais.
Interaces1,10 com frmacos susceptveis de prolongar o intervalo QT,
tais como antiarrtmicos, mefloquina, quinino, cloroquina, antidepressivos
tricclicos, antipsicticos, terfenadina, entre outros, os quais aumentam o
risco de desenvolvimento de arritmias graves; a halofantrina tem absoro
muito errtica, estando referido que a ingesto prvia de alimentos contendo gorduras, ao melhorar a absoro, aumenta a concentrao srica do
frmaco.
Contra-indicaes1 gravidez e amamentao, doena cardaca, histria
familiar de sndrome de QT prolongado ou outras situaes associadas com
esta sndrome (hipocaliemia, hipomagnesiemia e outras alteraes electrolticas).
Artemisinina e derivados, associao atovaquona-proguanilo (Malarone)
e associao sulfadoxina-pirimetamina (Fansidar) no esto registadas em
Portugal.
b)
Antileishmaniose
Antimoniato de meglumina
Registado no Pas10 Glucantime (prescrio hospitalar exclusiva).
Apresentao5 ampolas de 5 ml contendo 85 mg de antimnio/ml, para
administrao por via parentrica.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Leishmania spp.
Posologia7-19 adultos e crianas:
Leishmaniose visceral (kala-azar) 20 mg Sb/kg/dia, por via endovenosa
ou intramuscular, durante 20-28 dias.
Reaces adversas5 frequentes mialgias, artralgias, fadiga, nuseas,
aumento das transaminases, aplanamento ou inverso da onda T no ECG
e pancreatite; ocasionais fraqueza muscular, dor abdominal, hepatite,
165
K. Mansinho
bradicardia, leucopenia, trombocitopenia, exantema e vmitos; raras diarreia, prurido, leso do miocrdio, anemia hemoltica, insuficincia renal,
choque e morte sbita.
Contra-indicaes gravidez e amamentao, doena cardaca, hepatite
e nefrite.
Nota do editor
Esto disponveis no mercado em Portugal os seguintes derivados da
artemisinina, em combinaes teraputicas fixas (comprimido nico), Artemter lumefantrina (Airalam, Riamet, artenimol piperaquina (Eurartesim), artesunato mefloquina (Falcitrim). A atovaquona-proguanilo (Malarone) est, tambm, autorizada no Pas.
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166
Seco 4
Francisco Antunes
1. Introduo
De entre as mltiplas definies de febre, a proposta pela International
Union of Physiological Sciences Thermal Comission em 1987 uma das mais
consistentes com os conceitos correntes1. Assim, febre um estado de temperatura central elevada, a qual , muitas vezes, mas no necessariamente
componente das respostas de defesa de organismos multicelulares (hospedeiro) invaso de matria viva (microrganismos) ou inanimada, reconhecida
como patognica ou estranha pelo hospedeiro. Claude Bernard, em Frana,
no sculo XIX, estabeleceu os princpios da regulao da temperatura corporal
e foi, apenas, no incio do sculo XX, que a descoberta dos pirognios bacterianos (mais tarde identificados como endotoxinas) permitiu os primeiros
progressos no conhecimento dos mecanismos patognicos da febre (Fig. 1)2.
Na dcada de 1960, foi estabelecido o primeiro modelo neurolgico de
termorregulao que consagrava o papel principal do hipotlamo no controlo da temperatura e das suas variaes3. A resposta febril, da qual a febre
um dos componentes, uma reaco fisiolgica complexa doena, envolvendo a subida da temperatura central mediada por citocinas, a produo de
resposta de fase aguda (sonolncia, anorexia, modificaes e alterao na
sntese, respectivamente, de protenas e de hormonas, para alm da inibio
do metabolismo sseo, do balano negativo do azoto, da neoglicognese, da
alterao do metabolismo dos lpidos e das alteraes hematolgicas leucocitose, trombocitose e reduo na eritropoiese, com anemia). As protenas de
fase aguda revelam aumento da sua sntese (protenas de fase aguda positivas
protena C reactiva, amilide A srico e componentes do complemento e
muitas outras) ou diminuio desta (protenas de fase aguda negativas albumina e transferrina, por exemplo). Muitas das protenas de fase aguda
desempenham, aparentemente, um papel na modulao da inflamao e da
reparao dos tecidos e de activao dos sistemas fisiolgico, endocrinolgico
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
167
F. Antunes
Febre
Resposta perifrica
(conservao/produo de calor)
Moncitos, neutrfilos,
linfcitos, endotlio, clulas
gliais, mesngio, clulas
mesenquimatosas
Citocinas pirognicas
IL-1, TNF, IFN,
IL-6, IL-11, LIF, CNTF,
oncostatina M
Centro termorregulador
Prostaglandina E2
2. Pirognios e febre
Os pirognios endgenos so todas as citocinas capazes de produzir febre
ao agirem directamente sobre o hipotlamo (sem a interferncia de uma outra
citocina), tais como as IL-1, IL-6, IL-11, o FNT, os INFs, a protena inflamatria do
macrfago (PIM-1), o factor inibitrio da leucemia (FIL), o factor neurotrpico
ciliar (FNTC) e a oncostatina M. Um certo nmero de molculas endgenas, tais
como os complexos antignio-anticorpo, alguns andrognios, os cidos biliares
e as fraces do complemento tm a capacidade de induzirem reaco febril,
porm pela induo de produo de citocinas endgenas.
Os pirognios exgenos so, na maioria dos casos, toxinas, de microrganismos (ou de produtos destes) responsveis indirectos pela febre, induzindo
a produo de citocinas endgenas pelo macrfago, excepo das endotoxinas, as quais agem directamente sobre os centros termorreguladores
localizados no hipotlamo. A maioria dos pirognios exgenos so de origem
bacteriana, vrica ou fngica. A actividade biolgica da endotoxina bacteriana
reside no lpido A das bactrias Gram-negativo, no peptiglicano das Gram-positivo, assim como na toxina do choque txico do estafilococo e das exotoxinas
estreptoccicas, na parede dos fungos e no ARN dos vrus. Os complexos
antignio-anticorpo e os linfcitos pr-sensibilizados podem explicar a febre
no lpus eritematoso disseminado e na intolerncia medicamentosa.
169
F. Antunes
Francisco Antunes
1. Introduo
Em 1961, foi estabelecido por Petersdorf e Beesons a primeira definio
consensual de febre prolongada inexplicada (FPI), febre de origem desconhecida [fever of unknown origin (FUO)], nos EUA ou, ainda, como entre ns,
tambm se designa, sndrome febril indeterminada7. Para aqueles autores, FPI
era definida por febre superior a 38,3 oC (101 oF), documentada em vrias
ocasies, com durao superior a trs semanas, sem causa identificada aps uma
semana de avaliao em meio hospitalar. Nos ltimos 30 anos, os progressos
das tcnicas de diagnstico, o maior nmero de doentes neutropnicos e os
seropositivos para VIH, modificaram o espectro clnico e as etiologias da FPI,
tendo sido, recentemente, proposta uma nova definio e classificao desta8.
Assim, a FPI est, atualmente, codificada em quatro subtipos distintos da
doena FPI clssica, FPI nosocomial, FPI dos imunodeficientes e FPI associada infeco por VIH (Quadro 1).
2. FPI clssica
Na FPI clssica, a relativa frequncia das cinco categorias de doena
implicadas neste quadro (doenas infeciosas, neoplasias, doenas do tecido
conectivo, vrias outras doenas e causas no determinadas) depende da
regio geogrfica, idade do doente, tipo de hospital e outros fatores (Quadro 1). Na maioria das sries, a infeco a causa mais comum (25-50%
dos casos). Porm, em indivduos com mais de 65 anos, as doenas infecciosas so a segunda, se no mesmo a terceira causa de FPI10,11. Numa srie de
doentes com mais de 65 anos de idade, as doenas infecciosas foram identificadas em, apenas, 25% dos casos, a arterite temporal e outras conectivites
em 31% e os tumores em 12% (8% dos casos ficaram sem diagnstico, sendo
este nmero substancialmente inferior aos 30% no caso de FPI em adultos
jovens)11. Quanto mais prolongada for a febre, antes da primeira observao
mdica, tanto menor a probabilidade de se identificar a respetiva causa.
As doenas infecciosas mais frequentes nos adultos e nas crianas esto
descritas nos quadros 2 e 3, respectivamente*.
*As doenas raras responsveis por FPI no se esgotam nas referidas nos quadros 2 e 3
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
171
172
nfase da observao
infeces nosocomiais,
cancro, infeco, patologia
inflamatria no diagnosticada, complicaes ps-operatrias,
febre medicamentosa
hipertermia
Causas principais
nfase da histria
comunidade, clnica ou
hospital
hospital ou clnica
medicamentos, contactos,
factores de risco, viagens,
exposies, estdio
da infeco VIH
continua
Local de observao
Definio
FPI em imunodeficincia
FPI nosocomial
FPI clssica
F. Antunes
observao, grfico de
temperatura em ambulatrio,
investigao, evitar medicao
emprica
meses
semanas
Procedimento
Tempo de evoluo
da doena
Tempo de
investigao
Adaptado de Durack9.
imagiologia, biopsias,
velocidade de sedimentao,
testes cutneos
nfase na
investigao
FPI clssica
protocolos de tratamento
antimicrobiano
depende da situao
dias
horas
dias
meios de imagem,
culturas para bactrias
semanas
FPI em imunodeficincia
FPI nosocomial
Quadro 1. Sumrio das definies e principais caractersticas dos subtipos da FPI (continuao)
dias ou semanas
semanas ou meses
protocolos antimicrobianos,
vacinas, reviso do esquema de
tratamento, boa nutrio
173
174
pielonefrite
hepatite alcolica
embolia pulmonar
hepatite granulomatosa
enteropatia inflamatria
lpus eritematoso disseminado
angete necrosante
arterite temporal
febre medicamentosa
doena de Still
hematoma
vrus citomeglico
osteomielite
febre simulada
pericardite
linfoma/leucemia
tumor slido
infeco das vias biliares
tuberculose
endocardite
abcesso abdominal
infeco urinria complicada
Adaptado de Durack9.
meningite crnica
brucelose
infeco do cateter
candidose
infeco dentria
dissecao da aorta
vrus de Epstein-Barr
febre familiar mediterrnica
sndrome de Felty
linfadenite granulomatosa
doena de Fabri
artrite gonoccica
histoplasmose
leishmaniose
hemorragia cerebral
mixoma
malria
psitacose
flebite
pseudopoliartrite reumatismal
artrite reumatide
febre recorrente
sarcoidose
tiroidite
leptospirose
tularemia
sinusite
colite ulcerosa
mielofibrose
doena de Weber Christian
doena de Whipple
F. Antunes
pneumonia
amigdalite
meningite
sinusite
tuberculose
infeco estreptoccica
endocardite
vrus de Epstein-Barr
febre de origem central
septicemia
osteomielite
febre tifide
lpus eritematoso disseminado
virose
doena de Still
linfoma/leucemia
enteropatia inflamatria
febre simulada
infeco urinria sem diagnstico
Adaptado de Durack9.
eritroblastopenia
anemia ferropnica
eritema polimorfo
febre medicamentosa
alergia ao leite
doena de Behet
sinusite crnica alrgica
pneumonia de deglutio
perfurao apendicular
otite crnica
abcesso peritoneal
abcesso do fgado
brucelose
virus herpes simplex
virus citomeglico
doena da arranhadela do
gato
rickettsiose
histoplasmose
intoxicao
malria
larva migrans visceral
reumatismo articular agudo
colite ulcerosa
prpura reumatide
vasculite
tiroidite
tumor slido
175
F. Antunes
Das conectivites responsveis por FPI, nos adultos jovens so mais frequentes a doena de Still, o lpus eritematoso disseminado e as variantes da artrite reumatide, sendo mais frequentes nos doentes idosos a arterite temporal e a polimialgia reumtica.
3. FPI nosocomial
A FPI nosocomial uma doena que est associada a fatores de risco que
so apangio do hospital, tais como procedimentos cirrgicos, instrumentao respiratria ou urinria, cateteres intravasculares, medicamentos e imobilizao. Neste grupo destacam-se a tromboflebite sptica, a embolia pulmonar recorrente, a colite pseudomembranosa, a febre medicamentosa e a
sinusite (em unidades de cuidados intensivos, em especial naqueles doentes
com entubao nasotraqueal e nasogstrica).
7. Tratamento da febre
A utilizao de antipirticos (para reduzir especificamente as elevaes
da temperatura por pirognios endgenos ou exgenos) nem sempre
est recomendada, por poder interferir com o diagnstico ou com a
evoluo da doena, por serem responsveis por efeitos secundrios e,
principalmente, por serem inteis, quando a febre moderada. A aspirina um antipirtico de referncia [os salicilatos e os anti-inflamatrios
no-esterides (AINE) so inibidores da ciclo-oxigenase que bloqueia a
sntese de PGE2, induzida pelos pirognicos endgenos], sendo a dose recomendada de 10 a 15 mg/kg de 6-6 h na criana e de 325 a 500 mg de 4-4 ou
de 6-6 h no adulto. Em caso de alergia ao cido acetilsaliclico ou de contra-indicao, a alternativa de primeira escolha o paracetamol na dose de
0,5 mg a 1 g de 8-8 h no adulto e de 20 a 30 mg/kg/dia, em trs ou quatro
tomas na criana.
A febre de origem neoplsica no sensvel aos salicilatos e ao paracetamol, sendo a indometacina e o naproxeno os antipirticos de escolha
neste caso.
177
F. Antunes
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178
Seco 5
SPSIS
Francisco Antunes
1. Introduo
A nvel mundial, estima-se que 18 milhes de casos de spsis ocorram
anualmente. A spsis uma sndrome que pretende definir as disfunes
orgnicas no decurso de um processo infeccioso1,2. Todavia, este conceito
mantm-se controverso, dado que clnicos, intensivistas e especialistas em
doenas infecciosas tm empregue terminologias diferentes para situaes
idnticas, mas em que os quadros clnicos se sobrepem (por exemplo, spsis, spsis grave e choque sptico). Algumas dificuldades relacionam-se,
ainda, com a identificao da causa e da extenso da doena infecciosa.
Algumas doenas no infecciosas, como o caso do trauma, das queimaduras ou da pancreatite, podem assemelhar-se a um processo infeccioso de
evoluo aguda, sendo, de igual modo, catastrficas2. Se bem que os especialistas de doenas infecciosas tenham realado a importncia das infeces
bacterianas (por Gram-negativo e Gram-positivo), hoje sabe-se que parasitas, fungos e, mesmo, os prprios vrus podem causar manifestaes idnticas s da spsis por Gram-negativo. A definio proposta para spsis requer
uma infeco documentada ou suspeitada e uma resposta inflamatria sistmica (SIRS)1.
Um dos maiores avanos na investigao pr-clnica e clnica foi a identificao de vrios factores envolvidos na evoluo desfavorvel, tais como a
desregulao da resposta imunitria, os superantignios, as toxinas bacterianas e as anomalias da coagulao. Neste sentido, a spsis pode ser considerada como uma constelao de sintomas e sinais que representam a resposta imunitria do hospedeiro infeco, por efeito da interaco complexa
entre as toxinas bacterianas e os antignios, a qual responsvel pela
maioria das manifestaes clnicas3. No sentido de conciliar alguns dos conceitos da Comisso do American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine (ACCP/SCCM), so referenciados no quadro 1 os critrios
de diagnstico de spsis no adulto4.
Dada a utilizao frequente de antibiticos, no ambulatrio, comum,
na altura em que o doente admitido numa unidade hospitalar, que as
culturas para isolamento de agentes bacterianos patognicos sejam negativas em doentes com quadros clnicos de infeco grave.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
179
F. Antunes
2. Manifestaes clnicas
Os sintomas e os sinais mais frequentes associados s infeces bacterianas
no so exclusivo destes microrganismos, no entanto, obrigam execuo
imediata de hemoculturas, culturas do potencial (provvel) foco de desenvolvimento primrio da infeco e escolha da teraputica antimicrobiana
180
Spsis
Complicaes
febre
arrepios de frio
hiperventilao
hipotermia
leses cutneas
alterao do estado mental
hipotenso
hemorragia
leucopenia
trombocitopenia
falncia de rgo
pulmo cianose e acidose
rim oligria, anria e acidose
fgado ictercia
corao insuficincia congestiva
F. Antunes
3. Patognese
Actualmente, o conceito de spsis est associado desregulao das respostas do hospedeiro entre mecanismos pr-inflamatrios e anti-inflamatrios. A imunossupresso sptica ou paralisia do sistema imunitrio caracterizada pela libertao de citocinas anti-inflamatrias, pela incapacidade
182
Spsis
4. Tratamento
Para alm da teraputica antimicrobiana e das medidas de suporte (solues por via e.v. e vasopressores), no esto disponveis outras especficas,
por forma a melhorar a sobrevivncia, nos casos de spsis grave, por exemplo, suprimindo a tempestade generalizada de citocinas pr-inflamatrias.
A adequada e oportuna instituio da teraputica antimicrobiana fundamental, para a sobrevivncia dos doentes com spsis, utilizando antibiticos de largo espectro de aco, no perodo de uma hora aps o diagnstico
de choque sptico2.
Apesar da resistncia e multirresistncia aos antimicrobianos, de isolados
de bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, h um nmero restrito de antibiticos em desenvolvimento. Por exemplo, a linezolida e a daptomicina,
recentemente licenciadas, tm actividade limitada para Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA), para Staphylococcus coagulase-negativa e
para enterococos. Para as bactrias Gram-negativo produtoras de carbapenemes, as opes teraputicas so, ainda, mais limitadas.
A seleco da teraputica emprica adequada um desafio que tem vindo a adquirir, cada vez mais, papel de relevo, face emergncia recente de
microrganismos multirresistentes no s de infeces nosocomiais, mas, tambm, de infeces adquiridas na comunidade.
183
F. Antunes
A utilizao de corticides (hidrocortisona), no choque sptico, um assunto controverso. Assim, considera-se que os corticides no devem ser
recomendados para a maioria dos doentes em choque sptico que respondem aos vasopressores, dado o crescente risco de complicaes2.
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184
Seco 6
HEPATITES VRICAS
Helena Carmona
Francisco Antunes
1. Introduo
Vrus de vrias famlias podem provocar alteraes biolgicas hepticas, no
contexto das manifestaes do envolvimento sistmico da infeco vrica. No
entanto, o termo hepatite vrica , geralmente, atribudo s doenas provocadas
por vrus hepatotrpicos, que tm como manifestao predominante a hepatite clnica e/ou biolgica. Nos ltimos 20 anos, a lista de vrus hepatotrpicos
aumentou e aos vrus A e B juntaram-se os vrus C, D e E. Depois da identificao destes ltimos verificou-se que havia, ainda, uma percentagem de hepatites
crnicas, agudas, ps-transfusionais e espordicas de etiologia desconhecida.
Estes dados sugeriam a existncia de vrus adicionais. Assim, a partir se 1995
foram identificados os vrus G, TT e, mais recentemente, o vrus SEN1-8.
2. Hepatite A
Etiologia
Vrus da hepatite A (VHA) pertence famlia dos Picornaviridae, sendo o
seu genoma constitudo por ARN, revestido por uma cpside sem invlucro
exterior. O mecanismo da leso heptica provocada por VHA no est esclarecido, mas h indcios que sugerem um mecanismo mediado pela imunidade celular. VHA no , directamente, citoptico in vitro. No decurso da hepatite aguda A a viremia , extremamente, breve (uma semana, em mdia,
antes do aparecimento da ictercia). VHA pode ser detectado nas fezes antes
do incio das manifestaes clnicas, sendo a sua excreo fecal breve2,9.
Epidemiologia
VHA transmite-se, essencialmente, por via digestiva atravs de alimentos
contaminados com matria fecal. As transmisses parentrica e sexual, embora raras, so possveis. A doena pode revestir um carcter endmico e/ou
epidmico, atingindo, sobretudo, a criana e o adulto jovem, e a sua prevalncia
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
185
H. Carmona, F. Antunes
Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao varia entre 15-40 dias. As formas sintomticas so
mais frequentes no adulto (70%) do que nas crianas e adolescentes (30%). Os
indivduos sintomticos podem apresentar uma das seguintes formas clnicas:
Hepatite aguda, que compreende uma fase pr-ictrica com cerca de
uma a trs semanas de evoluo, caracterizada por anorexia, nuseas, dor
no hipocndrio direito, astenia, sndrome pseudogripal, com cefaleias, febre
e mialgias, artralgias e urticria. Estas manifestaes desaparecem, progressivamente, alguns dias depois da instalao da fase ictrica, em que predomina a colria, a ictercia, a hipocolia e, mais raramente, o prurido. O exame
objectivo revela hepatomegalia dolorosa e, por vezes, esplenomegalia e
adenomegalias cervicais.
Formas assintomticas e anictricas, que so frequentes, sendo a elevao das transaminases que orienta o diagnstico2.
Biolgico
A citlise constante, com elevao, por vezes muito marcada, das transaminases e a reteno biliar evidente, havendo bilirrubinemia elevada,
sobretudo custa da bilirrubina conjugada2.
Serolgico
O diagnstico de hepatite A aguda assenta na deteco do anticorpo IgM
contra vrus da hepatite A (anti-VHA IgM). Este pode ser detectado precocemente, uma a duas semanas aps a exposio a VHA e persistir durante trs a seis
meses. O anti-VHA IgG detectvel cinco a seis semanas aps a exposio e
persiste durante dcadas, conferindo imunidade especfica, slida e duradoira9.
Evoluo
Geralmente, favorvel, verificando-se em 10-15 dias a normalizao da
cor das fezes e da urina e o desaparecimento da ictercia. A normalizao
dos sinais biolgicos acompanha a cura clnica. Outras formas de evoluo de
hepatite A podem ser observadas, tais como:
186
Hepatites vricas
Tratamento
A teraputica essencialmente de suporte. O repouso na cama aconselhado, enquanto durar a adinamia e, de um modo geral, os doentes devem
evitar consumir lcool e outras hepatotoxinas. Os doentes com hepatite
fulminante devem ser monitorizados numa Unidade de Cuidados Intensivos
(UCI) e avaliados no sentido de um eventual transplante heptico9.
Profilaxia
A preveno da hepatite A comporta as medidas de higiene habituais nas
doenas de transmisso fecal-oral, imunizao passiva com imunoglobulina
e imunizao activa, atravs da vacinao.
Na imunoprofilaxia pr-exposio est indicada a administrao da imunoglobulina e/ou da vacina.
Na imunoprofilaxia ps-exposio est, apenas, indicada a imunoglobulina (contacto pessoal estreito, sexual, ou co-habitao com doente com hepatite A, epidemias em escolas, prises, hospitais, etc.) dentro de duas semanas aps a exposio. A dose a administrar de 0,02 ml/kg/i.m.
Em Portugal est comercializada a vacina Havrix, com duas formulaes
(adulta e peditrica), administrada em duas doses, com intervalo de seis a
12 meses. Por outro lado, est disponvel uma vacina contra hepatite A e B (Twinrix peditrico e adulto), administrada em trs doses, aos zero, um e seis meses.
A vacinao contra a hepatite A est recomendada nos seguintes casos:
Indivduos que se desloquem para pases ou comunidades de alta ou
mdia endemia de hepatite A.
Crianas que vivem em comunidades com taxas elevadas de hepatite A
ou onde haja surtos peridicos.
Homossexuais masculinos.
187
H. Carmona, F. Antunes
3. Hepatite B
Etiologia
Vrus da hepatite B (VHB) possui um genoma constitudo por ADN, de
dupla cadeia e pertence famlia dos Hepadnaviridae. O virio completo
(partcula de Dane) constitudo por um invlucro exterior, que contm na sua
maior parte o antignio de superfcie (AgHBs) e os antignios pr-S1 e pr-S2,
que rodeiam a nucleocpside, o core, que contm o ADN, o antignio do core
(AgHBc), a polimerase do ADN e o antignio e (AgHBe). No indivduo infectado,
alm da partcula de Dane, esto, invariavelmente, presentes, em grande
nmero, outras partculas vricas (esfricas e tubulares), constitudas exclusivamente por AgHBs e por isso no infecciosas9.
So conhecidos oito gentipos, sendo reconhecidas diferenas na sua
evoluo clnica. Por exemplo, os doentes com gentipo A tm maior probabilidade para seroconverterem o AgHBe sob teraputica com interfero (INF),
aqueles com gentipo B tm maior probabilidade de seroconverso do AgHBe
e progresso menos acelerada do que os do gentipo C14,15.
Patogenia
VHB associa-se a um espectro muito variado de situaes clnicas que so
devidas reaco do hospedeiro infeco. Geralmente, admite-se que a
eliminao dos hepatcitos infectados est na dependncia de mecanismos
imunitrios celulares e humorais. A natureza e a qualidade da resposta imunitria obedecem a um determinismo gentico, provavelmente multifactorial, que se traduz, esquematicamente, em quatro tipos de relao hospedeiro/vrus:
Se a reaco do hospedeiro forte d-se a eliminao dos hepatcitos
infectados hepatite aguda. Se for superaguda acompanha-se de necrose
hepatocelular macia hepatite fulminante.
Se a reaco imunitria for fraca, mas adequada infeco assintomtica com evoluo para a cura.
188
Hepatites vricas
Epidemiologia
A infeco por VHB afecta 350 a 400 milhes de pessoas, a nvel mundial,
causando um milho de mortes por cirrose, insuficincia heptica e carcinoma hepatocelular18.
A transmisso de VHB processa-se por via parentrica, atravs de transfuses
de sangue ou de derivados do sangue contaminados, ou por contaminao
acidental com agulhas ou outros objectos cortantes infectados com VHB;
via sexual, atravs de esperma e das secrees vaginais infectadas com VHB; via
vertical (me-filho). A infeco por VHB no recm-nascido expe-no a um risco
de cronicidade muito mais elevado se a me AgHBe+ do que no caso da me
ser anti-HBe+. Este tipo de transmisso pode ser secundria a uma hepatite
aguda que ocorra na me, durante o 3.o trimestre da gravidez ou no perodo
neonatal, ou a uma infeco crnica na me (contgio perinatal). VHB ubiquitrio, mas a prevalncia da hepatite B varia consoante as regies do globo
terrestre. Esquematicamente podemos definir a prevalncia em trs zonas:
1. Uma zona de baixa endemicidade (Europa Ocidental, Amrica do Norte, Austrlia), onde a percentagem de portadores de AgHBs oscila entre
0,1-0,5%. Nestas zonas, a hepatite B rara nas crianas e a transmisso
processa-se, sobretudo, por via sexual e parentrica.
2. Uma zona de mdia endemicidade (bacia do Mediterrneo, Amrica
do Sul, Europa de Leste) com 2-7% de portadores crnicos.
3. Uma zona de forte endemicidade (China, Sudeste Asitico e frica
subsariana) com 8-15% de portadores crnicos. Aqui a infeco frequente
nas crianas e no perodo neonatal.
189
H. Carmona, F. Antunes
Diagnstico
Clnico
e biolgico
Hepatites vricas
AgHBs
Anti-HBs
Anti-HBc
ADN-VHB
Hepatite aguda
Hepatite fulminante
+ ()
(+)
Portador so
Normais
Imunidade adquirida
Normais
Vacinado
Normais
Hepatite crnica
Cirrose heptica
*Os
Transaminases
evoluindo para a cura em 90-95% dos casos. Em 5-10% dos casos da infeco
aguda o AgHBs permanece positivo durante mais de seis meses, aps a sua
deteco (portador crnico do AgHBs). No entanto, s 15-25% dos portadores crnicos evolui para hepatite crnica e destes 10-20% para cirrose e para
CHC, taxa de 1% ao ano2.
Etiolgico
e serolgico
Evoluo
As formas agudas tm evoluo geralmente benigna, com normalizao
das transaminases, desaparecimento do AgHBs e aparecimento do anti-HBs.
As hepatites fulminantes so raras (1%). A evoluo para a morte, na ausncia de transplante, cerca de 80%. O risco de evoluo para formas crnicas
est, directamente, relacionado com a idade em que a infeco adquirida,
191
H. Carmona, F. Antunes
Tratamento
Formas
agudas
Formas
crnicas
Preveno
Vacinao
Taxas sricas, protectoras, de anti-HBs > 10 UI/ml foram detectadas em
95-99% das crianas e adultos jovens que receberam as trs doses da vacina
192
Hepatites vricas
Resposta
Serolgico
AgHBe
AgHBs
Vrico
ADN-VHB
Bioqumico
ALT
normalizao
Histolgico
Indicaes
Crianas e adolescentes que no foram vacinados na infncia e adultos
com risco de contgio (toxicodependentes, trabalhadores de sade, politransfundidos, co-habitantes de portadores crnicos do AgHBs e doentes com
patologias crnicas)24.
Soroterapia
A imunoglobulina anti-hepatite B est indicada nos recm-nascidos de mes
AgHBs+ (administrar a 1.a dose de vacina e a imunoglobulina, em locais diferentes, nas primeiras 12 h aps o parto) e na contaminao acidental com sangue
AgHBs+ (a administrao da imunoglobulina deve ser feita dentro de 24 h aps
o acidente, se o contaminado no estiver vacinado ou se o anti-HBs for inferior
a 10 UI/ml). Se o ttulo do anti-HBs estiver entre 10-100 UI/ml dever-se- administrar, apenas, uma dose de vacina24,27.
4. Hepatite D
Etiologia
Vrus da hepatite D ou d (VHD) constitudo por um genoma ARN e necessita de um vrus auxiliar (VHB) para se replicar. So conhecidos oito gentipos, sendo o gentipo 1 o mais prevalente a nvel mundial, o gentipo
2 tem sido encontrado no Japo, em Taiwan e na regio de Yakutia na
Rssia, o gentipo 3 na bacia do Amazonas, o gentipo 4 em Taiwan e no
Japo e os gentipos 5-8 em frica31.
193
194
180 g/sem.
Dose
ND
25
39
> 1 ano
Normalizao ALT(%)
ND
> 1 ano
70 (5 anos)
15-30
49-62
41-75
36-44
50 (5 anos)
ND
nenhuma
53-68
ND
48-61
13-21
43 (3 anos)
12
bem tolerada
(monitorizao
da creatinina)
bem tolerada
16-21
10 mg/d
oral
ADV
100 mg/d
oral
3TC
ND no disponvel.
Adaptado de Dienstag JL. Hepatitis B Virus Infection. N Engl J Med. 2008;359:1486-500.
nenhuma
1 ano
38 (sem. 72)
> 1 ano
ND
1 ano
27
1 ano
subcutnea
Via de administrao
Tolerabilidade
PEG-INF-a-2a
Varivel
nenhuma
72
68
67
39 (3 anos)
21
22
65
ND
<1
70
60
30 (2anos)
22
bem tolerada
bem tolerada
oral
LdT
600 mg/d
oral
ETV
0,5 mg/d
Quadro 3. Teraputica antivrica disponvel para portadores crnicos da infeco por VHB
ND
74
5 (sem. 64)
77
80
ND
21
bem tolerada
(monitorizao
da creatinina)
300 mg/d
oral
TDF
H. Carmona, F. Antunes
Hepatites vricas
Vantagem/desvantagem
PEG-INF-a-2a
3TC
ADV
ETV
LdT
TDF
Epidemiologia
Mundialmente, dos 350 milhes de portadores crnicos de VHB, mais de
15 milhes tm evidncia serolgica de exposio a VHD28.
A hepatite D, inicialmente descrita em Itlia, tem-se disseminado pelo
Mundo, nomeadamente pela bacia do Mediterrneo, Mdio Oriente, sia,
frica (corno de frica) e Amrica Latina (bacia do Amazonas). Nos Estados
Unidos da Amrica (EUA) e na Europa Ocidental mais rara29,30.
A via de transmisso principal a parentrica, sendo rara a transmisso
pelas vias sexual e perinatal. Nas reas de endemia, para alm das vias referidas,
a infeco pode, tambm, ser transmitida por via mucosa e percutnea21. A
transmisso sexual pode ocorrer, particularmente naqueles indivduos com
comportamentos sexuais de risco.
Em Portugal a hepatite D est, praticamente, confinada aos toxicodependentes.
Alguns estudos longitudinais apontam para a diminuio da prevalncia da infeco por VHD nalgumas regies endmicas, particularmente no
sul da Europa, tal ser devido, em parte, aos programas de vacinao
contra a hepatite B, mas, tambm, a uma melhor implementao das medidas de preveno (por exemplo, utilizao de agulhas e seringas descartveis)
e da melhoria das condies socioeconmicas.
Diagnstico
Clnico
e serolgico
H. Carmona, F. Antunes
Teraputica e preveno
No est aprovada teraputica para a infeco por VHD. Uma metanlise
de cinco estudos com INF concluiu que a teraputica era benfica em termos
de reduo da aminotransferase, mas a resposta no era sustentada aps
descontinuao do tratamento e no estava, necessariamente, acompanhada
pela eliminao do ARN-VHD. Melhores resultados foram obtidos com doses
mais elevadas de INF (5 MU/dia ou 9 MU 3x/semana), durante 12 meses32.
Estudos recentes com PEG-INF-a-2b (1,5 g por kg peso/semana) mostraram
respostas vricas sustentadas (ARN-VHD indetectvel seis meses aps a interrupo
da teraputica) variando entre 17-43%, aps 48 a 72 semanas de tratamento33.
A preveno da hepatite D consiste na vacinao contra a hepatite B21.
5. Hepatite C
Etiologia
Vrus da hepatite C (VHC) de genoma constitudo por ARN pertence
famlia dos Flaviviridae. Para alm do seu hepatotropismo pode ser detectado, tambm, noutros tecidos, incluindo as clulas sanguneas mononucleadas
e os gnglios linfticos.
Pelo menos, so conhecidos seis gentipos diferentes e mais de 100 subtipos de VHC (designados por letras, sendo os mais comuns o 1a, 1b, 2a e 2b).
A distribuio dos gentipos varia consoante as regies do Mundo. Os
gentipos 1, 2 e 3 tm uma distribuio universal (Amrica do Norte e do
Sul e Europa), os gentipos 4 e 5 so encontrados, principalmente, em frica e o gentipo 6 na sia. Nos pases europeus, particularmente no ocidente, predominam os gentipos 1a, 1b, 2a, 2b e 3, sendo o 1b mais prevalente
no sul e no leste da Europa34-36.
196
Hepatites vricas
Epidemiologia
VHC transmite-se, essencialmente, por via parentrica, ainda que a transmisso sexual e perinatal possam ter algum papel na sua transmisso. Vrios
estudos indicam que existem percentagens variveis, segundo as sries estudadas, de doentes com hepatite C, que no tm factores de risco identificveis. VHC tem distribuio ubiquitria e, de acordo com os dados da Organizao Mundial da Sade (OMS), cerca de 200 milhes de pessoas (3% da
populao mundial) est infectada por este vrus. As taxas de prevalncia
desta infeco so difceis de obter, variando nos diferentes pases e at no
mesmo continente, como acontece na Europa. Nesta regio existe um gradiente norte-sul, que faz variar as prevalncias entre menos de 0,5%, nos
pases nrdicos, para mais de 2% nos pases mediterrnicos36,37. Em Portugal,
calcula-se que 1% da populao a que correspondem 105.240 indivduos,
esteja infectada por VHC38.
Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao da hepatite aguda C oscila entre 15-120 dias. A
infeco aguda por VHC , na maioria dos casos, assintomtica (60-70%),
sendo o quadro clnico ligeiro nos restantes (20-30%)34.
Serolgico
Os testes serolgicos, actualmente utilizados para o diagnstico da hepatite C, so os que detectam a presena de anticorpos anti-VHC. Destes os
mais utilizados so os testes imuno-enzimticos de 3.a gerao, que contm
antignios estruturais e no estruturais de VHC. Estes detectam o anti-VHC,
em cerca de 90% dos indivduos infectados, mas no permitem diferenciar as
formas agudas das crnicas, das activas ou das curadas. O melhor critrio para
definir a infeco em curso por pesquisa do ARN de VHC. Este pode ser detectado no soro uma a duas semanas aps a contaminao e vrias semanas
antes da elevao das transaminases. Os mtodos imuno-enzimticos s
detectam anticorpos 10-16 semanas depois do incio do quadro clnico21,34,39.
Evoluo
A evoluo da hepatite C varivel, sendo a elevao flutuante das transaminases o aspecto mais caracterstico. A hepatite fulminante rara. Aps
a infeco aguda, 15-25% dos doentes curam, sem sequelas. A evoluo para
a cronicidade ocorre em 75-85% dos doentes. A elevao das transaminases,
197
H. Carmona, F. Antunes
Teraputica
A teraputica para a hepatite C est indicada para os doentes com fibrose heptica significativa (estdio 2 Metavir ou estdio 3 Ishak), dado o
risco elevado de evoluo para cirrose.
A biopsia heptica mantm-se como o mtodo de referncia para avaliar a
fibrose heptica. Todavia, trata-se de um meio dispendioso e invasivo, com risco
de complicaes (1-5% dos doentes necessitam de hospitalizao)40. Outras limitaes da biopsia incluem o erro da amostra e a variabilidade entre os observadores. Vrios mtodos alternativos tm sido utilizados para a quantificao da fibrose, incluindo diversos marcadores biolgicos [2-macroglobulina,
2-globulina, g-globulina, apoliprotena A-I, g-glutamiltransferase, bilirrubina
total, cido hialurnico e o ndice do rcio plaquetrico (APRI)], variando
a sensibilidade, respectivamente, de 41-49% e de 44-95%. A elastografia
(Fibroscan, Echosens) uma tcnica nova, no invasiva, que permite determinar a rigidez do fgado, atravs da velocidade da onda criada pela vibrao transitria. Uma pontuao Metavir 2 define a fibrose significativa.
Na ltima dcada registaram-se avanos importantes no tratamento da
infeco por VHC. O PEG-INF associado ribavirina (RBV) tornou-se a teraputica de referncia para o tratamento da hepatite C crnica41. Para o
gentipo 1 a teraputica, durante 48 semanas, com PEG-INF e RBV (1.0001.200 mg/dia) permite a resposta vrica sustentada (ARN-VHC indetectvel s
24 semanas aps a interrupo do tratamento) de 40-50%42. Quanto aos
gentipos 2 e 3, a teraputica, durante 24 semanas, com PEG-INF e RBV (800
mg/dia) est associada a uma resposta vrica sustentada de 70-80%43. A resposta vrica sustentada est associada cura da doena, na maioria dos casos.
O quadro 5 mostra os factores preditores de resposta favorvel ao tratamento com PEG-INF-a e RBV.
Uma nova era para a teraputica da infeco por VHC crnica teve incio
com o desenvolvimento de dois inibidores da protease (IPs) de VHC, o boceprevir e o telaprevir. Estes novos antivricos, em associao com PEG-INF e
198
Hepatites vricas
O quociente de alaninaminotransferase (ALT) a mdia do valor da ALT dividido pelo valor do limite
superior do normal.
A resposta vrica rpida (RVR) definida como ARN-VHC indetectvel (< 50 UI/ml) 4.a semana de
teraputica. A resposta vrica precoce (RVP) definida como a descida de ARN-VHC de, pelo menos, 2 log10
UI/ml ou da ausncia de ARN-VHC 12.a semana de tratamento.
6. Hepatite E
Etiologia
Vrus da hepatite E (VHE) tem um genoma constitudo por ARN e pertence famlia dos Caliciviridae.
Epidemiologia
A transmisso de VHE faz-se, essencialmente, por via fecal-oral, sendo
responsvel por epidemias e endemias de hepatites agudas, que ocorrem
em pases em vias de desenvolvimento. Epidemias tm sido descritas na
ndia, Paquisto, China, frica do Norte e Central e Amrica Central. Os
199
H. Carmona, F. Antunes
Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao varia entre 15-60 dias. A infeco aguda manifesta-se,
muitas vezes, por ictercia, apresentando, com frequncia, um padro colesttico.
Etiolgico
Os anticorpos anti-VHE IgM e IgG so positivos, em 90% dos casos, no
incio do quadro clnico, no entanto estes testes no esto, por rotina, disponveis. O diagnstico deve ser considerado em indivduos com hepatite
aguda que tenham viajado para zonas endmicas, nos quais se tenham excludo outras causas de hepatite.
Evoluo
Em regra, a evoluo benigna, no entretanto, dados recentes indicam
que a hepatite E pode alterar o prognstico das hepatites vricas crnicas,
com o consequente agravamento do prognstico no contexto da doena
heptica crnica46,47.
Por outro lado, foi sugerido, recentemente, que a infeco por VHE pode
evoluir para a cronicidade e, mesmo, para cirrose no contexto de imunosupresso grave, em transplantados de orgos48-50.
Formas graves, com mortalidade elevada, de 15-25%, ocorrem durante as
epidemias, em mulheres grvidas, sobretudo no ltimo trimestre da gravidez.
A evoluo para hepatite fulminante, tambm, maior na grvida (22,2%)
do que nos outros doentes (2,8%)51-53.
Teraputica
No h tratamento especfico.
7. Hepatite G
Vrus da hepatite G (VHG) um vrus de genoma constitudo por ARN aparentado aos flavivrus. VHG um vrus ubiquitrio, com zonas de endemia mais
fortes na frica ocidental. A sua transmisso , sobretudo, parentrica, embora
200
Hepatites vricas
8. Hepatite TT
Vrus TT (VTT) pertence famlia dos Circoviridae. O seu genoma constitudo por ADN. A via de transmisso de VTT , em regra, parentrica, no
podendo, no entanto, excluir-se outras vias. O diagnstico etiolgico baseia-se
na pesquisa do ADN de VTT, por tcnica da PCR. Do ponto de vista clnico,
embora haja vrios dados sugerindo que VTT possa causar doena heptica,
no existem, ainda, dados definitivos que sustentem esta hiptese54.
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202
Seco 7
Infeco VIH-SIDA
Francisco Antunes
Manuela Doroana
1. Introduo
A sndrome de imunodeficincia adquirida (sida) foi descrita, pela primeira
vez, em 1981, nos Estados Unidos da Amrica (EUA), tendo sido identificada
em homossexuais do sexo masculino, com pneumonia por Pneumocystis jirovecii (antes carinii) e com sarcoma de Kaposi (SK). Pouco tempo depois foi
reportada na Europa, com caractersticas epidemiolgicas, imunitrias e clnicas idnticas, constituindo-se, actualmente, como uma pandemia, com 34
milhes de infectados (Fig. 1)1.
VIH transmitido, principalmente, atravs do contacto com lquidos orgnicos (sangue, esperma e secrees vaginais) de indivduos infectados,
sendo as principais formas de transmisso a sexual, a sangunea e me-filho.
A nvel mundial, predomina a transmisso sexual de VIH-1, sendo VIH-2
transmitido, quase exclusivamente, por via sexual.
A infeco por VIH-2 considerada endmica, em particular na Guin-Bissau,
Senegal, Gmbia, Gana e Costa do Marfim. Os primeiros casos de infeco por
VIH-2, na Europa, foram identificados em alguns pases como a Sucia, a Alemanha, Portugal e a Frana. Em Portugal, a infeco por VIH-2 associada a
VIH-1 corresponde a cerca de 4,5% das infeces notificadas no Pas.
Em Portugal, at 31 de Dezembro de 2010, foram recebidas pelo Centro
de Vigilncia Epidemiolgica das Doenas Transmissveis notificaes de
39.347 casos de infeco por VIH, dos quais 16.370 casos de sida, destes 513
causados por VIH-2 e 212 casos que referem infeco associada VIH-1 e VIH-2.
O padro epidemiolgico actual reflecte a prevalncia proporcional do nmero de casos de transmisso associada toxicodependncia (45,5%),
heterossexualidade (37,3%) e homobissexualidade (12,4%)2. Nos ltimos
sete anos no foram atribudos casos de sida a transfuses de sangue, sendo
a maioria das infeces relacionada com aqueles casos, adquirida antes da
introduo dos rastreios para as ddivas de sangue em 1986.
VIH-1 e VIH-2 tiveram a sua origem, mais que provvel, em lentivrus de
smios de diferentes regies, no continente africano. Os retrovrus tm a
caracterstica de evolurem rapidamente e, ao fim de vrias geraes do seu ciclo
biolgico, so geradas variantes; possivelmente, uma destas com capacidade
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
203
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
ADN viral
dupla cadeia ADN pr-viral integrado
protease viral
ARN viral
ADN celular
ARNm proteases
correcetor
recetor
VIH
ARN pr-genmico
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
A
Assintomtico,
LGP ou infeco
aguda
B
Sintomtico
(no-A ou no-C)
C*
Indicador de sida
1. 500/mm3 ( 29%)
A1
B1
C1
2. 200-499/mm3 (14-28%)
A2
B2
C2
A3
B3
C3
*Nos EUA, nas categorias A3, B3 e C1-C3 so includos os doentes com sida, tendo em conta que esto
ou foram afetados por uma condio clnica indicadora de sida e/ou que tm uma contagem
de T CD4+ < 200/mm3. Para este fim, na Europa, s so considerados os doentes na categoria clnica C.
As condioes clnicas, includas na categoria B, so aquelas que no so consideradas como indicadoras
de sida, isto : atribudas infeo por VIH ou indicando um defeito na imunidade celular; aquelas com
evoluo clnica ou que requeiram tratamento de complicaes relacionadas com a infeo por VIH.
Alguns exemplos, mas nem todos, citam-se: angiomatose bacilar, candidose vulvovaginal persistente,
recidivante ou respondendo mal teraputica antifngica, displasia do colo in situ uterino (moderada ou
grave), cancro do colo in situ, sintomas constitucionais, tais como febre ( 38,5 C) ou diarreia > 1 ms,
tricoleucoplasia oral, herpes zoster (> 2 episdios e > 1 dermatoma), prpura trombocitopnica
trombtica (PTI), listeriose, DIP (especialmente se complicada por abcesso tubo-ovrico), neuropatia
perifrica.
Adaptado de MMWR. 1992;41:1-9.
F. Antunes, M. Doroana
4. Histria natural
A infeco por VIH envolve mecanismos complexos de interaco entre a
replicao vrica e os mecanismos de defesa do hospedeiro. O vrus transmitido atravs da barreira mucosa, com extenso aos gnglios linfticos
regionais, estando a subsequente evoluo representada na figura 3.
A cintica de VIH e dos linfcitos T CD4+ muito varivel de indivduo
para indivduo, mas calcula-se que, em mdia, haja perda de 40-60 linfcitos
T CD4+/mm3/ano, o que no final de oito a 10 anos pode corresponder destruio macia do sistema imunitrio, predispondo ocorrncia de doenas
por microrganismos oportunistas e por tumores, quando aqueles atingem
valores < 200/mm3. Nos indivduos cronicamente infectados, a taxa de replicao de VIH corresponde a 1010 viries/dia, sendo o principal alvo de infeco
os linfcitos T CD4+, os quais so destrudos no decurso da aco dos linfcitos
T CD8+ citotxicos (LTC) sobre o vrus.
208
Infeco VIH-sida
Clulas CD4/mm3
Assintomtico
Sintomtico
1.000
Linfcitos CD4
500
0
Tempo (semanas)
sida
Morte
Seroconverso
Infeco
(anos)
ARN-VIH cpias/ml de plasma
F. Antunes, M. Doroana
Percentagem (%)
Febre
96
Adenopatia
74
Faringite
70
Exantema
70
Mialgias
54
Cefaleias
32
Diarreia
32
Nuseas e vmitos
27
Espleno-hepatomegalia
14
Candidose oral
12
Manifestaes neurolgicas
12
*Testes
laboratoriais viremia elevada (2-40 milhes cpias/ml) e serologia VIH negativa ou interminada.
eritematoso da face, tronco ou extremidades, envolvendo (ou no) a palma das mos e a
planta dos ps.
Meningite linfocitria, meningo-encefalite, neuropatia perifrica, paralisia facial, sndrome de GuillainBarr, nevrite braquial e perda da capacidade cognitiva ou psicose.
Exantema
Infeco VIH-sida
Seroconverso
A seroconverso verifica-se, na generalidade, trs a nove semanas depois
da transmisso. A resposta imunitria celular e humoral acompanhada por
reduo, em lise, da viremia ARN-VIH plasmtica, com reduo dos sintomas
associados primo-infeco.
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
Infeces
Complicaes
Poliomiosite
Meningite linfocitria
Sndrome de Guillain-Barr
200-499/mm
< 200/mm
Zona
Criptosporidiose autolimitada
Anemia
Tricoleucoplasia oral
Sndrome de emaciao
Candidose esofgica
Linfoma no-Hodgkin
Neuropatia perifrica
Criptococose
Histoplasmose disseminada
Linfoma do SNC
Coccidioidomicose disseminada
Criptosporidiose crnica
Leucoencefalopatia multifocal
progressiva
Microsporidiose
Tuberculose extrapulmonar
Leishmaniose visceral
< 50/mm3
*As condies clnicas ocorrem com maior frequncia quanto mais baixo for o valor de T CD4+; os
linfomas podem ocorrer em qualquer altura, porm so mais frequentes quando T CD4+ < 200/mm3.
Deve ser notado, que os dados aqui referidos da histria natural se fundamentam em estudos em doentes no tratados, antes de se utilizar a TARV combinada
(TARVc), a qual modificou drasticamente a evoluo da infeco por VIH.
F. Antunes, M. Doroana
Linfadenopatia
Retinopatia de VIH
Olho (fundos)
Exsudado + hemorragia
Manchas algodonosas
Retinopatia de VIH
Oral
Pseudomembranas
Candida, tricoleucoplasia
Candida, tricoleucoplasia
lceras
SK
SK
Esfago (disfagia)
Abdmen
Diarreia
Hepatomegalia e/ou
alteraes das provas de
funo heptica
Esplenomegalia
VIH
Cryptosporidium,
microspordia, MAC, VCM,
toxicidade medicamentosa,
Clostridium difficile,
enteropatia da sida
(envolvimento do intestino
delgado por Isospora,
Cyclospora, linfoma)
Hepatites (VHB ou VHC),
VCM, MAC, linfoma, VIH,
fgado gordo secundrio a
m nutrio, colangiopatia
Cryptosporidium, VCM,
idioptica (microspordia)
Linfoma, MAC, VIH, cirrose,
leishmaniose visceral
Pele
Leses nodulares purpreas
SK (angiomatose bacilar,
pruritis nodularis)
SK (angiomatose bacilar,
pruritis nodularis)
Vesculas
VHS, VVZ
Leses maculopapulosas
Toxicidade medicamentosa,
sfilis
Toxicidade medicamentosa,
sfilis
Ppulas umbilicadas
Molluscum
Molluscum (Cryptococcus)
Petquias, prpura
PTI
PTI
Ndulos
Cryptococcus, Histoplasma,
pruritis nodularis
Pulmo
Pneumonia
Streptococcus pneumoniae
(Haemophilus influenzae,
TB, aspirao, agentes das
pneumonias atpicas)
Pneumocystis, infeces
bacterianas (TB, MAC), SK,
VCM, Cryptococcus,
histoplasma, pneumonia
linfocitria intersticial
Cavidade, ndulos
TB (Staphylococcus aureus
em toxicofilia por via e.v.)
TB (Cryptococcus, SK,
linfoma, MAC, pneumonia
atpica por Pneumocystis,
Rhodococcus, Aspergillus)
continua
214
Infeco VIH-sida
Meningite assptica
Neurossfilis, vrus
Cryptococcus, TB,
neurossfilis
Meningite crnica
TB, neurossfilis
Cryptococcus, TB,
neurossfilis
Demncia
Sintomas constitucionais
(febre, perda de peso)
Linfoma, TB
Condies clnicas
Sistema nervoso central
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
Alimentos
O maior risco relacionado com os alimentos e lquidos a transmisso de
agentes infecciosos responsveis por diarreia. Vrios so os microrganismos,
causadores de diarreia, mas os mais importantes so Cryptosporidium e Salmonella. Salmonella est presente, com frequncia, nos ovos e nas aves de
abate e a carne mal cozinhada pode ser responsvel pela transmisso de Toxoplasma. Os infectados por VIH devem ser avisados para no beberem gua,
directamente, de lagos ou de rios, dado o risco de se infectarem por Cryptosporidium. Desde que no haja qualquer aviso, recomendando a fervura
da gua, para eliminar o risco da criptosporidiose, no necessria qualquer
precauo neste sentido, por parte dos infectados por VIH.
Viagens
O grande risco, para aqueles que viajam para pases em vias de desenvolvimento, correlaciona-se com os microrganismos veiculados pelos alimentos e pela gua. Assim, devem ser evitadas a fruta e os vegetais, o marisco
e a carne crus ou mal cozinhados, gua da torneira, gelo, leite no pasteurizado, bem como os derivados do leite. Os antibiticos para prevenir as
infeces, durante as viagens a pases em vias de desenvolvimento, no
esto recomendados, mas tal pode ser excepo para os infectados por VIH.
O trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) utilizado por alguns doentes
para prevenir a pneumonia por Pneumocystis jirovecii, devendo ser recomendada a sua interrupo no caso de se instalar um quadro de febre e exantema. No caso da diarreia, os doentes, quando no disponham de assistncia mdica imediata, podem automedicar-se com loperamida, e se aquela
for sanguinolenta ou acompanhada por febre podem associar uma fluoroquinolona.
As vacinas so obrigatrias ou recomendadas para viajantes (Quadro 7).
Os infectados por VIH devem, em regra, evitar as vacinas preparadas a partir
217
F. Antunes, M. Doroana
Aceitvel
Evitvel
Comentrios
Poliomielite
Hepatite A
Vacina VHA
Febre tifide
Inactivada, injectvel
Febre amarela
Vacina
de vrus vivos. No que se refere vacina contra a febre tifide deve ser
recomendada a vacina inactivada injectvel, em vez da vacina viva, por via
oral. Para a febre amarela, a vacina viva no deve ser administrada aos infectados por VIH, por razes de segurana; se houver necessidade de viajar
para uma rea endmica de febre amarela, o viajante deve fazer-se acompanhar de um documento, passado pelo seu mdico assistente, referindo a
contra-indicao para a vacinao e deve evitar as picadas de mosquitos. As
vacinas mortas no constituem qualquer problema, como o caso da vacina
contra a difteria e contra o ttano.
Os viajantes devem estar avisados do risco particular que correm em relao a algumas doenas infecciosas, quando visitam determinadas regies.
A tuberculose tem taxas de prevalncia muito elevadas, na maioria dos pases em vias de desenvolvimento, e o risco do infectado por VIH adoecer
100 vezes superior ao do indivduo no infectado. A malria, apesar de no
se considerar doena com caractersticas particulares nos infectados por VIH,
pela sua frequncia e gravidade, deve ser prevenida pela quimioprofilaxia
e evitando a picada de insectos. A leishmaniose visceral (Kala-azar), que
transmitida pela picada da mosca da areia (flebtomo), pode constituir-se
como um problema importante de sade para aqueles que viajem para a
Amrica Central e do Sul, sia, frica e pases da bacia mediterrnica, incluindo Portugal. O mesmo acontecendo relativamente a Penicillium marneffei para quem viaje para a sia (Tailndia, Hong Kong, China, Vietname e
Indonsia).
Apesar disto, considera-se que viajar, mesmo para indivduos em estdios
avanados da infeco por VIH, no constitui um risco acrescido, desde que
medidas simples de precauo sejam adoptadas.
218
Infeco VIH-sida
Riscos ocupacionais
Os maiores riscos ocupacionais para os infectados por VIH relacionam-se
com as instituies de sade, creches e profisses que requeiram contacto
com animais. Nos estabelecimentos de sade, o maior risco a tuberculose,
nas creches a criptosporidiose, a hepatite A, a giardiose e a infeco por VCM
e para os que contactam com animais a criptosporidiose, a toxoplasmose,
as salmoneloses e, ainda, as infeces por Campylobacter e Bartonella. No
h qualquer evidncia de que as actividades ocupacionais referidas justifiquem mudana profissional, sendo, apenas, recomendado que os tcnicos
estejam avisados do risco e das medidas de precauo a adoptar.
7. Diagnstico laboratorial
Os testes laboratoriais essenciais esto referenciados no quadro 8, sendo
utilizados para:
Confirmar a infeco por VIH.
Estadiar a doena.
Identificar infeces latentes, por forma a estabelecer estratgias para
o respectivo tratamento e profilaxia.
Determinar o respectivo estado geral de sade.
F. Antunes, M. Doroana
Frequncia
Serologia VIH
Uma vez
Hemograma
Contagem de T CD4+
Bioqumica do soro
Urina II
Anti-VHC e AgHBs
IgG antitoxoplasma*
Uma vez
Papanicolau
VDRL
HLA-B5701
Uma vez
220
Infeco VIH-sida
Os testes de rastreio ELISA para VIH-1 so positivos em 70-80% dos indivduos infectados por VIH-2, porm o Western blot para VIH-1 indeterminado ou
negativo para VIH-2, na maioria dos casos, pelo que se utiliza, por rotina, o
Western blot que discriminatrio para VIH-1 e VIH-2. Testes serolgicos de
repetio, com periodicidade (com seis ou 12 meses de intervalo), so recomendados para indivduos com resultados negativos, que mantm comportamentos de risco. A causa mais comum de resultados indeterminados relaciona-se com um ELISA positivo e, apenas, a presena de uma banda, em
regra p24, no Western blot. Este efeito pode reflectir uma seroconverso
em curso, pelo que o teste deve ser repetido trs a quatro meses mais tarde.
Indivduos sem comportamentos de risco, com resultados indeterminados,
em regra, nunca foram infectados, sendo estes efeitos de causa desconhecida. Nestes casos, por forma a excluir hiptese muito remota de infeco por
VIH, pode-se processar um teste qualitativo de determinao do ADN-VIH
por PCR ou, ento, se bem que menos sensvel, um teste quantitativo de
ARN-VIH, de igual modo por PCR. A presena de viremia pode ser, tambm,
determinada pela identificao do antignio p24 por ELISA, se bem que a
PCR seja mais sensvel, dado que se positiva trs a cinco dias mais cedo e,
por outro lado, o teste para o antignio p24 pode negativar-se, rapidamente,
pela formao de complexos antignio-anticorpo.
Hemograma
O hemograma um exame essencial para qualquer avaliao complementar, em especial nos infectados por VIH, dado que a anemia, a leucopenia e a trombocitopenia so complicaes frequentes. Este teste deve ser
repetido cada trs ou seis meses, associado contagem de linfticos T CD4+
e, com maior frequncia, se houver registo de anemia, neutropenia ou trombocitopenia.
F. Antunes, M. Doroana
ARN-VIH quantitativo
A quantificao do ARN-VIH (carga vrica) revolucionou o conhecimento
da histria natural da infeco por VIH e a monitorizao da TARV. Assim,
a infeco aguda sintomtica est associada a valores elevados de ARN-VIH
( 106 cpias/ml), aps o que estes valores diminuem rapidamente, estabilizando-se num ponto de equilbrio (set point), dos quatro aos seis meses. Este
valor , em regra, relativamente estvel durante anos, com aumento de 7%
em mdia, por ano, nos doentes aos quais no prescrita TARV. A carga
vrica correlaciona-se, directamente, com a percentagem de doentes com
progresso clnica, baseada na descida dos linfcitos T CD4+, com o tempo
para a ocorrncia de uma doena associada sida e, ainda, com a sobrevivncia (Quadro 10).
Nos doentes submetidos a TARV, verificam-se duas curvas de descida:
A a, que se constata das duas s quatro semanas, aps o incio do tratamento, reflectindo a diminuio de ARN-VIH livre no plasma e de VIH nos
linfcitos T CD4+ produtivamente infectados.
222
Infeco VIH-sida
Quadro 10. Correlao entre os valores da carga vrica, risco de evoluo para sida
e para a morte, sobrevivncia e descida dos linfcitos T CD4+
Risco relativo
Carga vrica (cpias/ml)
sida
morte
Sobrevivncia (mediana)
Descida T CD4+
< 500
1,0
1,0
> 10 anos
36
500-3.000
2,4
2,8
> 10 anos
45
3.000-10.000
4,4
5,0
> 10 anos
55
10.000-30.000
7,6
9,9
7,5 anos
65
> 30.000
13,0
18,5
4,4 anos
76
Testes de resistncia
Os testes de resistncia possibilitam in vitro avaliar a sensibilidade das
estirpes de VIH aos anti-retrovricos (ARVs), dispondo-se para tal de testes de
genotipagem e de fenotipagem.
Testes de genotipagem estes testes avaliam as mutaes nos genes
das enzimas transcriptase reversa, protease e integrase. As mutaes
so referenciadas por letra-nmero-letra, sendo que a primeira letra
indica o amino-cido do respectivo codo, da estirpe selvagem do vrus,
o nmero o codo e a segunda letra refere o amino-cido substituto.
223
F. Antunes, M. Doroana
Serologia da sfilis
Os testes de rastreio (VDRL) devem ser includos nos exames complementares requeridos na avaliao inicial, devendo ser repetidos anualmente nos
indivduos em fase sexual activa. Resultados falsamente negativos e positivos
tm sido referidos em indivduos com infeco por VIH. A positividade para
224
Infeco VIH-sida
um teste no-treponmico (VDRL) obriga confirmao com um teste treponmico [Treponema pallidum hemaglutination assay (TPHA)].
Testes de bioqumica
Os testes de bioqumica ao sangue e a anlise urina so indispensveis
na avaliao inicial dos infectados por VIH, dado o risco de poderem estar
em curso outras doenas intercorrentes, servindo, tambm, de valores de
base para reconhecer complicaes futuras potenciais multissistmicas e iatrogenia induzida pela medicao. Os testes essenciais so os das funes
heptica e renal e, ainda, a glicemia e o perfil lipdico.
Serologia da toxoplasmose
O teste IgG antitoxoplasma deve fazer parte da avaliao inicial, por
forma a:
Identificar os indivduos com infeco crnica, candidatos profilaxia
antitoxoplasma, que no o cotrimoxazol (utilizado na profilaxia anti-Pneumocystis jirovecii), em indivduos com linfcitos T CD4+ < 100/mm3.
Facilitar o diagnstico de toxoplasmose do sistema nervoso central (SNC)
em indivduos reconhecidos, previamente, como no infectados por Toxoplasma gondii ou sem serologia anterior.
Os indivduos sem anticorpos antitoxoplasma devem ser avisados, no
sentido de no se alimentarem de carne mal cozinhada e de evitarem o
contacto com as fezes dos gatos. Em Portugal, a seroprevalncia dos anticorpos antitoxoplasma de, aproximadamente, 60%.
225
F. Antunes, M. Doroana
Teste de Mantoux
Nos EUA, o CDC recomenda o teste de rotina com derivado proteico purificado (PPD), na dose de 5 UI, devendo ser avaliado o resultado s 48-72 h,
sendo a definio de positividade para leituras de 5 mm de incubao. Em
pases, como Portugal, com percentagem elevada de indivduos com BCG,
com prevalncia alta de tuberculose e, ainda, com os resultados comprometidos pela imunodeficincia induzida pela infeco por VIH, a realizao do
teste de rotina com PPD controversa. A sensibilidade do teste de Mantoux
pode ser melhorada com testes para a deteco de interfero (INF) g produzido pelos linfcitos T CD4+, quando em presena de protenas produzidas
pelas micobactrias.
Teste de Papanicolau
Recomendado pelo CDC, nos EUA, deve ser feito a todas as mulheres na
avaliao inicial, seis meses depois e, posteriormente, de ano a ano. O cancro
anal, particularmente em homossexuais, tem aumentado nos ltimos anos,
apesar da TARV. No entretanto, a citologia anal para rastreio por rotina da
neoplasia anal intra-epitelial no , ainda, recomendada.
Radiograma do trax
O radiograma do trax recomendado como exame complementar inicial
em indivduos com risco elevado de desenvolverem, mais tarde, doena pulmonar (por exemplo, tuberculose e pneumonia bacteriana) (Quadro 11).
Infeco VIH-sida
Hiptese de diagnstico
Infiltrados
reticulonodulares
difusos
Ndulos
Adenopatia hilar
Normal
Consolidao*
Derrame
pleural
Cavitao
Glucose-6-fosfatodesidrogenase (G6FD)
A deficincia em G6FD gentica e predispe a anemia hemoltica, em
indivduos expostos a frmacos oxidantes. Na maioria dos casos, a hemlise
moderada e autolimitada, dado que, apenas, os glbulos vermelhos mais
velhos so envolvidos no processo. A dapsona, a primaquina e, com menos
frequncia, as sulfonamidas so os mais responsveis pela hemlise.
F. Antunes, M. Doroana
debilidade geral, por m absoro ou, ainda, por perdas gastrintestinais (por
exemplo no caso de SK digestivo). Alguns frmacos, como a AZT e o ganciclovir (particularmente, quando administrados em conjunto) podem exacerbar a anemia induzida por VIH, o mesmo acontecendo com o cotrimoxazol,
quando prescrito durante longo perodo de tempo (para obstar a este risco
deve ser acompanhado com cido folnico). A pancitopenia pode ser causada
por disfuno da medula ssea, por medicamentos, pela infeco por VIH,
por infeces oportunistas (Leishmania e micobactrias) ou, ainda, por infiltrao tumoral. A forma idioptica de trombocitopenia, associada infeco
por VIH, no rara, principalmente na fase inicial da infeco por VIH. Hemorragias importantes so pouco frequentes, mesmo naqueles casos em que
a contagem de plaquetas < 20 x 109/l. Na ausncia de hemorragia prope-se no intervir. No caso de hemorragias graves, a transfuso de plaquetas e
a administrao de doses elevadas de imunoglobulina (0,5 mg/kg) esto indicadas, sendo esta, no entanto, menos eficaz quando a causa por falncia
da eritropoiese. A trombocitopenia associada infeco por VIH de evoluo crnica, sendo as transfuses de plaquetas de efeito transitrio, respondendo alguns doentes aos corticides, g-globulina, ao danazol, ao INF
ou esplenectomia, para alm do reconhecido efeito benfico do AZT11.
Pneumonia
A pneumonia por Pneumocystis jirovecii constitui a apresentao inicial
da sida em 60% dos doentes, ocorrendo em 85% dos doentes nos EUA12. Os
sintomas mais frequentes so insuficincia respiratria, tosse seca, perda
de peso e febre (Fig. 4). O radiograma do trax mostra infiltrados intersticiais bilaterais, podendo, no entanto, apresentar outros padres radiolgicos e, mesmo, aquele ser normal. O diagnstico confirmado pela presena do parasita na expectorao induzida, no lavado bronco-alveolar ou na
biopsia pulmonar. Outras causas de complicaes pulmonares associadas
infeco por VIH so a tuberculose, as infeces respiratrias por Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumonia e VCM, para alm do SK. O
tratamento e a profilaxia das complicaes pulmonares esto referidos no
quadro 12.
Manifestaes cutneas
O SK representa 15% dos casos associados ao diagnstico de sida e 8%
dos doentes tm SK associado a infeco oportunista. As leses de SK tm
colorao castanha-arroxeada, so circulares e papulares, com dimetro de
0,5 a 1,0 cm (por vezes as leses tm dimenses maiores e podem tornar-se
228
Infeco VIH-sida
229
F. Antunes, M. Doroana
Retinite
As manchas algodonosas, de etiologia desconhecida, podem aparecer,
transitoriamente, e o prprio VIH pode causar exsudado, com aspecto de
cera e micro-aneurismas, para alm das hemorragias. A infeco por VCM
a causa mais importante de problemas visuais, podendo, as imagens retineanas, ser semelhantes a incndio na floresta, molho de tomate e queijo de
coalho. Se no tratadas, podem evoluir para leses bilaterais em 60% dos
casos. A retinite por VCM pode progredir to rapidamente que a atitude de
expectativa pode levar amaurose uni ou bilateral. O tratamento e a profilaxia em uso para a retinite por VCM esto referidos no quadro 12. Pneumocystis jirovecii pode causar exsudados mltiplos, com evidncia mnima de
inflamao, vrus do herpes simplex ou do zster podem ser responsveis por
necrose da retina, o mesmo acontecendo infeco por Toxoplasma gondii;
todavia, neste caso, as hemorragias so pouco frequentes, sendo as outras
causas de retinite as infeces por micobactrias e os fungos.
Vaginite
Esofagite
Anfotericina B 0,5-1 mg/kg/d e.v. x 2 sem, depois Anfotericina B 1 mg/kg e.v. (1-2x/sem)
itraconazol 200 mg 2-3x/d (10 sem)
ou fluconazol 200 mg/d
Meningite
Penicillium marneffei
Itraconazol, voriconazol
Regime alternativo
Infeco disseminada
Histoplasma
Infeco pulmonar/
sinusite
Aspergillus
Criptococcemia e/ou
meningite
No recomendada
Profilaxia
Cryptococcus
Orofarngea
Candida
Infeces fngicas
Regime preferido
continua
Comentrios
Infeco VIH-sida
231
232
Rhodococcus equi
Salmonella
Streptococcus pneumoniae
Latente tardia
(> 1 ano e LCR normal)
Neurossfilis
Treponema pallidum
Foliculite/furuncolose
Bacteriemia e/ou
endocardite
Staphylococcus aureus
Angiomatose bacilar
B. henseae ou B. quintana
Doena da arranhadela do
gato imunocompetentes
Bartonella henseae
Infeces bacterianas
Regime preferido
Comentrios
Regime alternativo
F. Antunes, M. Doroana
TOD
INH + ETB + PZA/d x 18 meses
( 12 meses aps baciloscopia negativa)
Resistente a INH
Resistente a RMP
Tuberculose multirresistente
(resistente a INH e RMP)
(MAC ou MAI)
Mycobacterium kansasii
Mycobacterium avium
intracellulare complex
Mycobacterium tuberculosis
Regime preferido
Regime alternativo
continua
Comentrios
Infeco VIH-sida
233
234
Encefalite aguda
Profilaxia e teraputica de
manuteno
Toxoplasma gondii
Tratamento
Pneumocystis jirovecii
Infeces parasitrias
Regime preferido
Regime alternativo
continua
Comentrios
F. Antunes, M. Doroana
Profilaxia
Cryptosporidium
Infeco aguda
Teraputica supressiva
(manuteno)
Isospora
Teraputica de manuteno
Regime preferido
Pirimetamina 25 mg + sulfadoxina
500 mg/semana (Fansidar/semana)
ou pirimetamina 25 mg + cido folnico
5 mg/d
Regime alternativo
continua
Comentrios
Infeco VIH-sida
235
236
Encefalite
Teraputica supressiva
(manuteno)
Grave/extenso
Regime alternativo
Herpes simplex
Infeces vricas
Microsporidia
Regime preferido
continua
Comentrios
F. Antunes, M. Doroana
No recomendada
Retinite (profilaxia)
Gastrintestinal
Neurolgica
Retinite (teraputica
supressiva manuteno)
Retinite (progresso em
Aumentar a dose (ganciclovir 10 mg/kg/d ou
teraputica de manuteno) foscarnet 120 mg/kg/d) ou mudar para o
antivrico alternativo ou ganciclovir + foscarnet
em doses de manuteno
Regime preferido
Regime alternativo
continua
Comentrios
Infeco VIH-sida
237
238
Hepatite crnica
Vrus da hepatite C
Teraputica no recomendada
Hepatite crnica
Hepatite aguda
Vrus da hepatite B
Pneumonia
Regime preferido
Regime alternativo
Critrios de diagnstico:
1) Infiltrados pulmonares;
2) deteco de VCM nas secrees pulmonares;
3) presena de incluso citomeglicas no tecido
pulmonar ou no LBA;
4) ausncia de outro agente patognico.
Considerar teraputica no caso de co-infeco
por outro agente que no responde
teraputica. Teraputica de manuteno no ,
em regra, necessria
Comentrios
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
colorao especfica do lquor e deteco do antignio criptoccico. O tratamento e a profilaxia para a criptococose esto referidos no quadro 12.
A toxoplasmose a causa mais importante de leses ocupando espao
(nalgumas sries cerca de 30% dos doentes com sida desenvolveram encefalite toxoplsmica), sendo sugestivas as imagens de tomografia axial computorizada (TAC) ou pela ressonncia magntica nuclear (RMN) (Figs. 5 e 6). A
toxoplasmose cerebral expressa-se, em regra, clinicamente, por cefaleias,
febre e/ou sintomas neurolgicos focais ou, ento, por um quadro de encefalopatia15. O tratamento e a profilaxia para a toxoplasmose cerebral esto
referidas no quadro 13. O linfoma primrio do SNC a causa no infecciosa
mais comum de leso ocupando espao cerebral, ocorrendo em 5% dos doentes com sida. O prognstico mau (a sobrevivncia , apenas, de alguns
meses), mesmo com teraputica13. Outras causas de doena do SNC so a
encefalopatia associada infeco por VIH, a demncia e a leuco-encefalopatia multifocal progressiva (doena desmielizante, devida a vrus papova,
sendo o quadro clnico de ataxia, hemiparesia e alteraes mentais, sendo a
TAC e a RMN meios de orientao do diagnstico, todavia, o diagnstico
definitivo requere biopsia cerebral)16.
A neuropatia perifrica ocorre em 20-40% dos doentes com sida, porm,
os sintomas podem aparecer em qualquer estdio da infeco por VIH. Em
geral, trata-se de neuropatia distal, sensorial, podendo a dor (persistente)
causar limitaes importantes para o doente. A miosite por VIH pode imbricar
com a miopatia causada pelo AZT. As outras doenas relacionadas a doena
neurolgica perifrica associadas infeco por VIH so a polineuropatia
desmielizante inflamatria crnica (pode antecipar o sinais de infeco por
VIH) e a sndrome de Guillain-Barr. A neuropatia pode ser, tambm, manifestao de toxicidade medicamentosa ou, ento, estar relacionada com a
infeco por VCM.
F. Antunes, M. Doroana
240
Infeco VIH-sida
241
F. Antunes, M. Doroana
um tero dos doentes com diarreia, para alm deste protozorio, Isospora,
microspordia, Entamoeba histolytica ou Giardia lamblia devem ser considerados no diagnstico definitivo das causas de gastrenterite. As infeces por
salmonela so, nestes doentes, causa importante de diarreia. A colite por VCM,
por micobactrias (perda de peso, dor abdominal e febre) , tambm, causa
de diarreia (Fig. 7).
A hepatite e/ou a colestase podem estar relaccionadas com toxicidade
medicamentosa (ARV e antituberculosos) ou, ento, estarem associadas a
co-infeco por vrus das hepatites vricas, por tuberculose ou por linfomas18-22.
A figura 8 mostra o algoritmo da sndrome febril prolongada (SFP), expresso frequente da doena na infeco VIH/sida.
9. Anti-retrovricos
Introduo
Os parmetros clnicos, imunitrios, vricos e de adeso a um futuro esquema teraputico devem ser cuidadosamente analisados no sentido de se
identificar o benefcio imediato para o infectado por VIH ou se, pelo contrrio, se deve protelar essa medida, j que a teraputica tem limitaes23. Do
ponto de vista clnico, h que verificar qual o estdio em que o doente se
encontra, se existem sinais ou sintomas de infeco aguda por VIH ou se,
pelo contrrio, j existe evidncia de doena associada ou, mesmo, critrios
de sida. Dos parmetros imunitrios, importante a contagem de linfcitos
T CD4+, para se qualificar o estado imunitrio do indivduo, ou seja reconhecer qual a repercusso da infeco VIH no respectivo sistema imunitrio. O
parmetro vrico determinado pela quantificao do ARN e ter que ser
avaliado, pelo menos, em duas determinaes, no sentido de se excluir,
partida, situaes que possam falsear os valores desta determinao (a carga
vrica pode estar aumentada nos casos de vacinaes recentes e no decurso
de infeces intercorrentes). O ltimo parmetro a analisar, mas de modo
algum o menos importante, , sem dvida, a capacidade de adeso a um
futuro esquema teraputico. A no adeso teraputica tem sido considerada, pela maioria dos autores, como um dos factores mais importantes para
o insucesso da resposta ao tratamento e, tambm, para o aparecimento
rpido de resistncias, que iro comprometer os futuros esquemas teraputicos. Ao doente, deve ser dada a noo da necessidade do rigor, quanto ao
cumprimento do esquema teraputico, dos respectivos benefcios e, por
outro lado, deve ser informado das reaces adversas associadas aos ARVs,
bem como dos transtornos que aquela teraputica possa provocar na sua
vida diria24,25.
242
Infeco VIH-sida
243
F. Antunes, M. Doroana
244
Infeco VIH-sida
3TC
Leucopenia
ABC
TDF
Esquemas teraputicos
Apesar de no existirem, ainda, recomendaes inquestionveis relativamente ao momento mais adequado para o incio do tratamento, dependendo este da experincia clnica do mdico, do tipo e da vontade do indivduo,
das doenas de base que, eventualmente, coexistam, do respectivo tipo de
vida, da capacidade de adeso a um esquema mais ou menos complicado
(em nmero de tomas e de comprimidos), consensualmente, estes devem ser
os indicadores para a adeso do incio da teraputica, para alm dos parmetros clnicos (evidncia de sintomas e/ou sinais), dos parmetros imunitrios (T CD4+ < 350 cls/mm3) e dos vricos (ARN vrico > 100.000 cpias/ml),
assim como j foi referido da capacidade de adeso a um futuro esquema
teraputico26. A deciso de iniciar ou no a TARV dever ter em conta os
quatro parmetros descritos.
Hoje em dia, considera-se que a TARV deve assentar na associao de,
pelo menos, trs medicamentos, designada por TARVc.
Os objectivos da TARVc so:
Supresso vrica (ARN < 50 cpias/ml) estvel e com o mximo de durao possvel.
Melhoria substancial da situao imunitria (T CD4+), com restaurao e
preservao, tanto quanto possvel, da funo imunitria, o que, s por si,
condicionar a interrupo da profilaxia para as vrias infeces oportunistas.
Diminuio da morbilidade e da mortalidade.
Melhoria da adeso e da qualidade de vida dos doentes com a implementao de esquemas teraputicos cada vez mais cmodos23.
F. Antunes, M. Doroana
Infeco VIH-sida
300 mg 2x/d
3TC
150 mg 2x/d
FTC
200 mg/d
1 comprimido 2x/d
1 comprimido 2x/d
ABC
300 mg 2x/d
1 comprimido/d
1 comprimido/d
1 comprimido/d
Inibidores da protease
Nesta classe de ARVs esto disponveis o saquinavir (SQV), o lopinavir
(LPV), o atazanavir (ATV) e o darunavir (DRV). Estes IPs so utilizados potenciados com ritonavir (RTV), por forma a melhorar as suas caractersticas de
farmacocintica. A eficcia destes ARVs foi comprovada por mltiplos ensaios
e, mesmo, na prtica clnica, pois, com a associao dos IPs aos NITRs, a partir de 1996, registou-se reduo significativa, tanto na morbilidade, como na
mortalidade, associada supresso vrica duradoura28,29. Todavia, a toxicidade tem levantado algumas limitaes, relativamente sua utilizao, particularmente aquela associada s alteraes do metabolismo glucdico e lipdico, bem como s alteraes na distribuio do tecido adiposo, com
lipodistrofia (nuca de bfalo, atrofia facial, atrofia das massas musculares dos
membros superiores e inferiores, com relevo das varizes, distenso abdominal
marcada e aparecimento de outras massas adiposas localizadas). Associadas,
ou no, quelas manifestaes de lipodistrofia podem surgir alteraes do
247
F. Antunes, M. Doroana
Hepatotoxicidade e toxicodermia
EFV
200 mg 2x/d
EFV
600 mg 1x/d
Indinavir
Atazanavir
Hiperbilirrubinemia
Inibidores da integrase
O raltegravir (RAL) um novo anti-retrovrico cujo alvo teraputico a
enzima integrase de VIH. A inibio da integrase do vrus constitui um novo
mecanismo de aco no sentido de travar a replicao vrica. Esta nova classe de ARVs mostrou ser muito eficaz ao ser associada a uma teraputica
optimizada em doentes j com experincia s trs classes. Em doentes sem
teraputica prvia, a sua eficcia em associao com TDF + FTC sobreponvel de 2 NITRs + 1 NNITR, caracterizando-se, tambm, por ter um bom
perfil de tolerabilidade e, praticamente, sem interaes medicamentosas23,30.
248
Infeco VIH-sida
Dose
Saquinavir
1.000 mg 2x/d
Fosamprenavir
1.400 mg 1x/d
Lopinavir/ritonavir (Kaletra)
Atazanavir
Darunavir
300 mg 1x/d
800 mg 1x/d
Concluses
A TARV deve ser individualizada, tendo em considerao o doente, o
estado imunitrio e a quantificao da carga vrica. Aps falncia, ao primeiro esquema teraputico institudo, devem ser realizados testes de genotipagem para se reconhecer o perfil das mutaes de resistncia, por forma a se
seleccionar o esquema seguinte mais eficaz de TARV.
A alterao da TARV deve ser ponderada, tendo em considerao a limitao dos ARVs disponveis e dos esquemas de combinao possveis,
por forma a preservar a teraputica futura, dado que a infeco por VIH
, actualmente, uma doena crnica, que necessita de teraputica para toda
a vida.
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250
Seco 8
MONONUCLEOSE INFECCIOSA
E SNDROME MONONUCLESICA
Eduardo Monteiro
1. Introduo
O termo mononucleose infecciosa (MNI) foi introduzido em 1921 para
descrever uma doena infecciosa aguda, autolimitada, de crianas e de adultos jovens, identificada pelas suas manifestaes clnicas, hematolgicas e
serolgicas que so caractersticas.
A infeco causada por vrus de Epstein-Barr (VEB) , a maior parte das
vezes, assintomtica nas crianas, principais vtimas daquela nos pases em
vias de desenvolvimento. Nos pases desenvolvidos, a infeco observa-se,
em geral, mais tardiamente, nos adolescentes ou em adultos jovens e , em
regra, sintomtica, sob a forma de MNI.
2. Etiologia
VEB um vrus da famlia Herpesviridae que possui um core central
com dupla cadeia de ADN, rodeado por uma cpside icosadrica, limitada
por um invlucro que deriva das membranas das clulas do hospedeiro e
tem um tropismo electivo para os linfcitos B, para as clulas epiteliais da
faringe e para as das glndulas salivares.
A transmisso de VEB processa-se pela saliva, necessitando de um contacto
estreito (doena do beijo). A transmisso acidental , tambm, possvel
por transfuso sangunea ou por transplante de rgo.
Conhecem-se dois subtipos de VEB (VEB1 e VEB2), que diferem nas suas
propriedades geno e fenotpicas, embora no se verifique clara distino nos
quadros clnicos que provocam.
No indivduo saudvel a forma usual de infeco devida ao subtipo 1,
enquanto que nas situaes de imunodepresso existe um aumento de prevalncia de VEB2.
O perodo de incubao , em regra, de quatro a seis semanas1,2.
251
E. Monteiro
3. Patologia
VEB penetra nos linfcitos B da orofaringe, levando proliferao policlonal
destas clulas, o que, por sua vez, vai induzir intensa reaco imunitria de tipo
celular para conter a infeco. Assim, d-se uma forte estimulao de linfcitos T
citotxicos que, a par da sntese de vrios mediadores da actividade antivrica,
como o interfero gamma, vo destruir parte dos linfcitos B infectados.
O indivduo imunocompetente vai manter, assim, um delicado balano
entre a proliferao destes linfcitos B infectados e a resposta imunitria.
Este equilbrio pode romper-se em caso de alterao desta resposta, iniciando as clulas B um processo de crescimento descontrolado, podendo vir a
dar origem a linfoproliferao maligna3-5.
4. Epidemiologia
Como vimos, no decurso da primoinfeco, numerosas partculas vricas vo ser produzidas na cavidade orofarngea e excretadas pela saliva.
Esta excreo prossegue, intermitentemente, ao longo da vida, sendo,
por esta razo, a saliva o principal meio de transmisso, como alis j foi
referido. Nas crianas mais pequenas, em geral, a partir da saliva da me ou
da de outras crianas e nos adolescentes e adultos atravs do beijo. A transmisso maternofetal, tal como a transmisso sexual, so raras.
O vrus pode, ainda, ser transmitido por transfuso sangunea ou por
transplante de rgo (por exemplo, de medula ssea).
5. Quadro clnico
O quadro clnico clssico da MNI associa, em regra, febre, faringite e
poliadenopatias, geralmente, acompanhadas de astenia e, bastas vezes, por
hepatoesplenomegalia, enantema petequial do vu do paladar e edema
palpebral. A febre, em geral, o primeiro sintoma a aparecer, pode revestir
todas as formas e ser, mais ou menos, prolongada.
A orofaringe, que pode mostrar-se eritematosa ou ter o aspecto eritematopultceo , muitas vezes, recoberta por falsas membranas.
As adenopatias, com frequncia dolorosas, podem atingir todas as cadeias
ganglionares, embora apaream, primeiro, na regio cervical.
O bao, aumentado de volume em 50% dos casos, frivel, descrevendo-se,
classicamente, como complicao grave, a sua ruptura, que pode ser desencadeada at por manobras palpatrias menos suaves.
Dado o tropismo particular de VEB para o sistema nervoso, possvel o
aparecimento de meningite, encefalite ou polirradiculonevrite.
252
Tambm, alteraes renais e cardacas podem ocorrer sob a forma, nomeadamente, de sndrome nefrtica ou de miopericardite6.
Por vezes, o diagnstico de MNI sugerido pela presena de exantema
morbiliforme em indivduos medicados, previamente, com antibiticos betalactmicos.
6. Diagnstico
Para alm dos aspectos clnicos, o diagnstico da sndrome mononuclesica
assenta na presena de grande nmero de linfcitos atpicos no sangue
circulante, sendo esta designao derivada do facto de se tratar de grandes
clulas mononucleadas, de citoplasma abundante e hiperbasfilo e com
ncleo excntrico e no nucleolado (clulas de Downey).
Na MNI, estes linfcitos representam, em geral, mais de 15 a 20% das
clulas mononucleadas e so expresso da proliferao das clulas T. Para
alm destas clulas, o hemograma mostra, em regra, a presena de intensa
leucocitose com linfocitose absoluta (> 4.500/mm3) e relativa (> 50% da totalidade dos leuccitos) e, muitas vezes, trombocitopenia.
Complicaes hematolgicas, como anemia hemoltica e/ou agranulocitose,
podem ocorrer, se bem que no sejam frequentes.
Como expresso da discreta leso heptica, que frequente, pode observar-se elevao moderada das transaminases (at trs a quatro vezes o normal), assim como aumento, desproporcionado, do valor da fosfatase alcalina.
O achado de anticorpos heterfilos (anticorpos IgM, com capacidade para
aglutinar eritrcitos de outras espcies animais, como o carneiro ou o cavalo,
mas que no reagem com as clulas de rim de cobaia) constitui um elemento de diagnstico rpido que, nalguns casos, necessita, no entanto, de ser
confirmado por serologia especfica para VEB7.
A reaco de Paul-Bunell-Davidsohn (reaco quantificativa de aglutinao de eritrcitos de carneiro) , hoje, muitas vezes, substituda pelo monoteste (reaco de aglutinao em lmina para eritrcitos de cavalo), que
permite um diagnstico bastante mais rpido.
Convm, no entanto, notar que para alm do intervalo etrio dos 15 aos
25 anos e, sobretudo, nas crianas com idade inferior a cinco anos, o monoteste pode ser negativo em cerca de 20-30% dos casos8.
S o achado de anticorpos especficos para VEB constitui um elemento
de diagnstico de certeza e , particularmente, til nos doentes que no
desenvolvem anticorpos heterfilos.
Ttulos de anticorpos IgM e IgG para o antignio da cpside viral (VCA)
so elevados no soro de mais de 90% dos doentes, no incio da afeco.
O anticorpo IgM anti-VCA til para o diagnstico de mononucleose
infecciosa aguda, porque permanece em ttulos elevados s nos primeiros
253
E. Monteiro
Sintomas
Linfcitos
atpicos
IgM
VCA
IgG
VCA
IgC
EBNA
Excreo
de vrus
2s
4s
6s
2m
3m
6m
1a
5a
7. Tratamento
O tratamento da mononucleose infecciosa , geralmente, sintomtico. O
cido acetilsalclico ou o paracetamol so teis para o alvio da febre e da
odinofagia, devendo recomendar-se repouso na fase inicial da doena e
proibir a prtica de actividades violentas ou desportivas, dado o risco de
ruptura do bao.
O uso de corticides controverso, visto que, se por um lado leva resoluo rpida da faringite, por outro lado possvel que a imunodepresso
que acarreta possa ser responsvel por quadros graves de encefalite ou de
miocardite. A sua utilizao deve, pois, reservar-se para casos de obstruo
das vias areas, anemia hemoltica ou trombocitopenias importantes.
254
O aciclovir (antivrico especfico para vrus do grupo herpes) tem actividade contra VEB, mas no est aprovada a sua utilizao generalizada, j
que parece no modificar o curso da MNI11.
8. Sndrome mononuclesica
Para alm da MNI, vrias outras etiologias so possveis para explicar esta
sndrome.
Entre estas podem distinguir-se causas infecciosas (as mais frequentes) e
causas no infecciosas.
Causas infecciosas
Infeco
E. Monteiro
subida para o qudruplo dum ttulo de anticorpos, confirmada pelo resultado da serologia de dois soros consecutivos, so indicadores de infeco
activa.
A evoluo da infeco por VCM, em adultos saudveis, , em regra, favorvel e no justifica nenhuma teraputica etiolgica.
Nos imunodeprimidos, o ganciclovir, o foscarnet ou o cidofovir so os
antivirais de eleio.
Toxoplasmose
A toxoplasmose causada por um protozorio, Toxoplasma gondii, e
transmitida ao homem pela ingesto de carne mal cozinhada, contendo
quistos ou, ainda, pela ingesto de oocistos veiculados nas fezes dos
gatos.
A toxoplasmose adquirida em imunocompetentes , em regra, subclnica, embora possa manifestar-se como sndrome mononuclesica, associando
febrcula, que pode ser, mais ou menos, prolongada, a poliadenopatia,
inicialmente, cervical e, mais tarde, generalizada. Exantema maculopapular,
esplenomegalia e/ou hepatomegalia podem, tambm, fazer parte do quadro
clnico.
As manifestaes graves da toxoplasmose adquirida (coriorretinite, miocardite, encefalite e hepatite) so raras.
Nos imunodeprimidos, o tropismo neurolgico do parasita a razo da
gravidade desta infeco, ressaltando, pela frequncia, o abcesso cerebral.
A infeco na grvida pode acarretar a transmisso do parasita ao feto,
tanto mais grave quanto mais precoce aquela tiver sido no decurso da
gravidez.
Sob o ponto de vista laboratorial pode aparecer, em cerca de 30% dos
casos, linfomonocitose, a maior parte das vezes discreta (at 10% de clulas
hiperbasfilas), que se pode acompanhar de hipereosinofilia transitria.
O diagnstico de toxoplasmose, no indivduo imunocompetente, confirma-se por serologia.
A deteco de IgM ou o estudo da cintica dos anticorpos da classe IgG
antitoxoplasma permitem o diagnstico. Para isso utiliza-se, por exemplo, a
tcnica de imunofluorescncia indirecta, de aglutinao directa ou de ELISA.
A presena de IgM especfica e/ou a elevao para o qudruplo da taxa
de IgG, encontrada em dois soros com duas semanas de intervalo, permitem
afirmar o diagnstico de toxoplasmose evolutiva. A pesquisa de IgA pode
ter interesse nos casos (5%) de seroconverso, na ausncia de IgM.
O tratamento no necessrio, na maioria dos casos de toxoplasmose
adquirida em imunocompetentes. Quando em presena de coriorretinite
activa ou em imunodeprimidos, justifica-se, ento, teraputica antitoxoplasma que consta, em geral, da associao de pirimetamina com sulfadiazina,
clindamicina ou dapsona.
256
Primoinfeco
por
VIH
A infeco por VIH pode traduzir-se, duas a seis semanas aps a exposio,
por um quadro pseudogripal, com febre, adenopatias, mialgias e, eventualmente, exantema.
Por vezes, a presena de um quadro neurolgico (meningite, polinevrite
e polirradiculonevrite), pode, tambm, ser observado.
Do ponto de vista laboratorial, possvel confirmar a linfomonocitose.
O teste ELISA , em regra, negativo nesta fase, vindo a tornar-se positivo
algumas semanas mais tarde.
A antigenemia p24 positiva associada a um teste ELISA negativo indica
uma primoinfeco, podendo ser identificada, tambm, nesta altura, uma
depleo profunda e transitria de linfcitos T CD4+.
Classicamente, as primoinfeces sintomticas esto, em geral, associadas a progresso mais rpida para sida.
O tratamento da primoinfeco por VIH um assunto controverso. Todavia, por exemplo nos casos que se acompanha por cargas vricas muito elevadas ou por descida muito marcada dos linfcitos T CD4+ ou por infeces
oportunistas, est indicada a teraputica anti-retrovrica, de modo a suprimir
a replicao vrica e a recuperar a imunidade12,13.
Outras
etiologias infecciosas
Causas no infecciosas
A sndrome mononuclesica representa, nas etiologias no infecciosas,
uma disfuno imunitria.
Certas doenas autoimunes (lpus eritematoso disseminado e poliartrite
reumatide) e algumas afeces malignas (linfomas) podem acompanhar-se, em qualquer estdio da sua evoluo, de sndrome mononuclesica
discreta.
257
E. Monteiro
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258
Seco 9
Infees respiratrias
Pneumonia aguda
1. Introduo
A taxa de incidncia anual de pneumonia oscila entre 510 casos/1.000 habitantes, o que transposto para Portugal dar uma mdia de 50.000100.000 casos/
ano. A pneumonia posicionase entre as 10 doenas mais mortferas e uma das
principais causas de mortalidade na rea da patologia infeciosa, particularmente no mundo mais desenvolvido. A sua mortalidade global oscila entre
520%, nas formas moderadas a graves, e entre 12% nas formas ligeiras,
sendo os grupos etrios extremos os mais atingidos, em especial os idosos,
onde a mortalidade pode atingir 30%1-4.
Existem dois tipos de pneumonia muito distintos quanto etiologia, aspetos epidemiolgicos e clnicos, diagnstico e abordagem teraputica, que
so o da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e o da adquirida no hospital ou pneumonia nosocomial (PN). Acrescentouse, nos ltimos anos, um
terceiro tipo, o da pneumonia associada a cuidados de sade (PACS), que abrange os doentes no hospitalizados, mas sujeitos a cuidados de sade extensivos,
como os residentes em lares de terceira idade, centros de cuidados continuados,
e com frequncia regular de consultas hospitalares e centros de hemodilise,
entre outros. Este tipo de pneumonia situase entre as duas primeiras, com
caractersticas que a aproximam mais da PN.
Abordase, com mais destaque, a PAC, pela sua maior repercusso na prtica
clnica ambulatria. Nesta seco tratada apenas a patologia do adulto de
etiologia bacteriana, no deixando de referir os aspetos essenciais das PN e PACS.
J.L. Boaventura
Agentes etiolgicos
Apesar da enorme variedade de dados estatsticos sobre agentes microbianos responsveis por PAC, a nvel mundial, e das suas caractersticas regionais, pode afirmar-se, em termos globais, que seis microrganismos so os
mais responsveis por este tipo de pneumonia, embora com incidncias bem
diversificadas. Os valores percentuais procuram representar uma mdia dos
dados da literatura e com adequao realidade nacional. Assim, e por
ordem decrescente de frequncia, citam-se Streptococcus pneumoniae
(4060%), Haemophilus influenzae (15%), Mycoplasma pneumoniae (1015%),
Staphylococcus aureus (1012%), Chlamydophila spp (35%) e Klebsiella
pneumoniae (12%). Os valores apresentados para Staphylococcus aureus
esto inflacionados, pois incluem as pneumonias primrias e as secundrias
a bacteriemia ou spsis (as mais comuns), sendo o valor real das primrias apenas de 25%. Os restantes microrganismos so mais raros e representam 12%
na sua globalidade Pseudomonas aeruginosa, outros bacilos Gramnegativo,
anaerbios, Coxiella burnetii, Legionella spp e Streptococcus pyogenes1,311.
importa ter a noo dos aspetos epidemiolgicos e clnicos que determinam, em grupos de doentes, a maior ocorrncia de diferentes agentes microbianos1013.
clssico afirmarse que a expetorao ferruginosa caracterstica das
pneumonias por pneumococo, a expetorao esverdeada por Haemophilus
influenzae e Pseudomonas aeruginosa, a expetorao cor de chocolate por
Klebsiella e a de cheiro ptrido por anaerbios. Por outro lado, o aspeto
intersticial do RX do trax a favor de pneumonia dita atpica. Porm, relacionar o aspeto da expetorao ou do exame radiolgico com o agente
causal pode introduzir uma enorme margem de erro.
Se considerarmos, apenas, o fator da incidncia global, quer a nvel geral
quer mesmo regional, refirar-se como mais frequentes Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Mycoplasma pneumoniae.
Na presena de pneumonia em grupo etrio juvenil (abaixo dos 20 anos), com
uma evoluo subaguda dos sintomas, com a concomitncia de miringite (inflamao timpnica) bolhosa, um RX do trax com uma imagem bilateral, com
infiltrao de tipo intersticial a partir dos hilos (em asa de borboleta) e a
ocorrncia simultnea, num familiar, de uma doena respiratria aguda do
trato respiratrio superior ou inferior, fortemente provvel a etiologia
micoplsmica.
A pneumonia bacteriana complicando infeo gripal ou na sua sequncia
apresenta, como maiores probabilidades causais, os seguintes agentes Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae.
Em indivduos com doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) e em infectados por VIH, numa fase relativamente precoce (perodo de latncia
clnica), antes do descalabro imunitrio que propicia a ocorrncia de agentes
oportunistas, os microrganismos mais em evidncia so Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis.
Nas pessoas semabrigo, nos toxicodependentes endovenosos e nos alcolicos crnicos, para alm de Streptococcus pneumoniae, sempre presente, h
a considerar, tambm, a maior ocorrncia de infeo por Staphylococcus
aureus, Klebsiella pneumoniae e anaerbios (pneumonia de aspirao)14.
A existncia prvia de uma doena metablica (por exemplo, diabetes),
debilitante, crnica, sistmica ou de rgo (hepatopatia e nefropatia crnicas) ou de imunodepresso, incluindo a iatrognica, condicionam a etiologia
por bacilos Gramnegativo e Staphylococcus aureus.
O grupo das pneumonias atpicas, designao algo ultrapassada pelo
tempo e pelos novos dados etiopatognicos e clnicos, mas que se mantm,
apenas, como norma de referncia didtica para determinados agentes,
caracterizase por um quadro clnico de evoluo subaguda, em que os sintomas e sinais pulmonares surgem apenas ao fim de trs-quatro dias do incio
das manifestaes gerais, com semiologia pulmonar muitas vezes discordante
da imagem radiolgica (muitos sinais e poucas alteraes imagiolgicas ou
261
J.L. Boaventura
Diagnstico
O diagnstico etiolgico das pneumonias, mesmo nos melhores centros,
dificilmente ultrapassa os 40%. No obstante valer a pena o esforo desse
diagnstico, particularmente nas situaes que prenunciam necessidade de
internamento hospitalar. Para tal, temos de recorrer aos exames microbiolgicos e serolgicos. Dos primeiros destacase a hemocultura, a qual, apesar
do seu rendimento relativamente baixo (1015% de positividade), tem alta
especificidade.
O mesmo no se poder afirmar acerca da anlise de expetorao, quer
em exame direto quer em exame bacteriolgico. A sua grande sensibilidade
acompanhada por um baixo grau de especificidade1,3,4,6,8,17,19,20. No caso
especfico do pneumococo, por exemplo, o exame direto, desde que baseado
num esfregao com mais polimorfonucleares (PMNs) do que clulas epiteliais
(relao ideal 10 clulas epiteliais e 25 ou mais PMNs por campo), mais
fivel do que o exame cultural. Por outro lado, nem sempre os doentes com
pneumonia tm tosse produtiva (mais de um tero no tem expetorao) e,
262
J.L. Boaventura
Quadro 1. Agentes microbianos mais provveis nas PAC consoante os grupos de risco
Grupo ambulatrio
Grupo I
Grupo II
Mais frequentes
S. pneumoniae
S. pneumoniae
M. pneumoniae
H. influenzae
H. influenzae
S. aureus
C. pneumoniae
S. aureus
M. catarrhalis
Legionella spp
(exceto P. aeruginosa)
Grupo hospitalizado
Grupo III
Grupo IV
Mais frequentes
S. pneumoniae
S. pneumoniae
H. influenzae
S. aureus
S. aureus
P. aeruginosa
Legionella spp
( P. aeruginosa)
M. catarrhalis
C. pneumoniae
Legionella spp
Menos frequentes
P. aeruginosa
H. influenzae
M. pneumoniae
M. catahrralis
J.L. Boaventura
anamnese, os dados epidemiolgicos e clnicos e a presena de fatores preditores de risco de maior ou menor gravidade.
Apesar destas indicaes, cerca de 10% dos indivduos do grupo I acaba
por ter, mais tarde, necessidade de internamento, mas este grupo apresenta
uma mortalidade global relativamente baixa, inferior a 1%. No grupo II,
o grau de hospitalizao ulterior pode alcanar 20%, com uma mortalidade geral de 13%. A mortalidade do grupo III sobe para 1015% e a do
grupo IV pode atingir 35%. Os grupos de internamento correspondem queles em que se observam fatores de risco de natureza clnica e/ou laboratorial.
Em Portugal, a percentagem mdia global de internamento situase entre
2540%32.
Estas normas de orientao clnica na PAC foram atualizadas por Bartlett, et al., em nome da IDSA, em duas reunies de consenso e publicadas,
respetivamente, em 1997 e revistas em 20002,29. Ganhouse em rigor, pois os
doentes passaram a ser estratificados quanto ao risco por uma pontuao,
mas perdeuse um pouco mais em sentido prtico de aplicao cabeceira
do doente.
Esta nova categorizao divide os doentes em cinco classes de risco, sendo a primeira definida por trs respostas negativas s questes a seguir
apresentadas:
O doente tem mais de 50 anos?
O doente tem antecedentes de qualquer destas doenas?
Neoplasia
Insuficincia cardaca congestiva
Doena vascular cerebral
Doena renal
Doena heptica
O doente apresenta alguma destas alteraes?
Alterao do estado de conscincia
Pulso superior a 125/m
Frequncia respiratria superior a 30 r.p.m.
TAS inferior a 90 mmHg
Temperatura inferior a 35 oC ou superior a 40 oC?
Os doentes da classe I podem ser tratados em ambulatrio com razovel
segurana. Os das classes IIV derivam do total averbado na tabela de pontuao do risco do quadro 2 e distribuemse da seguinte forma:
Inferior a 70 pontos classe II (tratamento ambulatrio).
De 71 a 90 pontos classe III (tratamento hospitalar curto).
De 91 a 130 pontos classe IV ( tratamento hospitalar).
Superior a 130 pontos classe V (tratamento em UCI).
No fundo, tratase de um desdobramento do grupo II da classificao
anterior, tentando prevenir as situaes de atraso de eventual internamento.
Podese acrescentar que os doentes das classes II e III tm um risco ligeiro a
266
Pontuao
Aspetos demogrficos
Idade do homem
N.o anos
Idade da mulher
N. anos 10
Residncia em lar
10
Doenas concomitantes
Neoplsica
30
Heptica
20
10
Vascular cerebral
10
Renal
10
Exame objetivo
Alterao da conscincia
20
20
20
Temperatura < 35 C ou 40 C
15
Pulso 125/m
10
30
20
20
10
10
10
Derrame pleural
10
J.L. Boaventura
Tratamento
O tratamento antibitico da PAC , quase sempre, emprico. Com base
nos consensos apresentados nas vrias sociedades de pneumologia e de infeciologia, mostrase, no quadro 4, o tratamento sugerido de primeira linha
e as possveis alternativas, em regime ambulatrio, e no quadro 5 em regime
de internamento. Apenas nas situaes mais graves, que implicam internamento obrigatrio, se devem utilizar as ureidopenicilinas, os carbapenemes
e as cefalosporinas de terceira e quarta geraes26,8,12,19,21,23,2733.
A metodologia da abordagem teraputica dever seguir a proposio do
algoritmo da figura 1. Por exames mnimos entendese, essencialmente, o Rx
do trax. Os restantes exames efetuamse, em regra, num contexto de indicao forte para o internamento.
268
Alternativa
Amoxicilina
ou
macrlido*
Doxiciclina
Macrlido + coamoxiclav
Macrlido
Situao clnica
Previamente saudvel
Doena coexistente
Sem antibioterapia prvia
Com antibioterapia prvia
Macrlido + blactmico
Suspeita de aspirao
Coamoxiclav
Clindamicina
*Na hiptese de infeo por micoplasma, se o quadro clinicorradiolgico for sugestivo, caso contrrio dar
preferncia amoxicilina. No caso da utilizao da azitromicina, o tratamento apenas de 35 dias
consoante a dosagem diria.
De preferncia azitromicina ou claritromicina.
Devem ser, em regra, alternativa e no indicao primria, para obviar o aparecimento de resistncias
microbianas (levofloxacina, moxifloxacina).
Amoxicilina clavulanato.
Coamoxiclav, cefuroxima.
Na pneumonia ligeira sem critrios de internamento e em doente previamente saudvel, o antibitico preferencial a amoxicilina. A alternativa
do macrlido apenas para contemplar a hiptese clnica, num contexto
de probabilidade, de presena de Mycoplasma pneumoniae. Por outro lado,
deve terse em conta, em Portugal, a situao de menor sensibilidade de
Streptococcus pneumoniae aos macrlidos911.
Apresentase no quadro 6 a teraputica antimicrobiana dirigida na PAC,
para contemplar as situaes minoritrias em que o agente causal isolado
269
J.L. Boaventura
Situao clnica
Alternativa
Enfermaria
Sem antibioterapia prvia
Macrlido + ceftriaxona*
Macrlido + coamoxiclav
P. aeruginosa improvvel
Macrlido + ceftriaxona
P. aeruginosa provvel
blactmico
antiPseudomonas +
macrlido
aminoglicosdeo
UCI
Pneumonia?
No
Bronquite
Asma
Outra
Sim
Gravidade
Ligeira
Expectorao
Dados epidemiolgicos
Dados fsicos e laboratoriais (?)
Moderada grave
Que exames?
Mnimos
(Rx trax)
Hemocultura
Secrees brnquicas
Exames serolgicos
Que antibiticos?
Amoxicilina
(clavulanato)
Macrlidos
Amoxicilina clavulanato
Cef. 2.a e 3.a gerao
Cef. 4.a gerao ou carbapenemes
Fluorquinolonas de 2.a gerao
270
Eleio
Alternativa
Penicilinossensvel
Penicilina G
Amoxicilina
Resistncia intermdia*
Penicilina G
Ceftriaxona
Amoxicilina
Fluorquinolona 2.a gerao
Ceftriaxona
Vancomicina
S. pneumoniae
Resistncia elevada
S. aureus
SAMS
Flucloxacilina
SAMR
Vancomicina
H. influenzae
Ampicilinossensvel
Ampicilina (amoxicilina)
Ampicilinorresistente
Enterobactericeas
K. pneumoniae,
E. coli,
S. marcescens
Aztreonam
Piperacilina/tazobactam
Carbapeneme
P. aeruginosa
Piperacilina/tazobactam
Cefepima
Carbapenem
Aminoglicosdeo
Ceftazidima
aminoglicosdeo
M. catarrhalis
Coamoxiclav
Cef. 2.a e 3.a gerao
Macrlidos
Macrlido
Doxiciclina
Doxiciclina
Macrlidos
M. pneumoniae
Fluorquinolonas
Fluorquinolonas
Chlamydophila spp
Fluorquinolonas
Legionella spp
Eritromicina
rifampicina
Fluorquinolonas
Doxiciclina
C. burnetii
Doxiciclina
Eritromicina
Penicilina G
Piperacilina/tazobactam
Coamoxiclav
Carbapenemes
Anaerbios
Clindamicina
*Sensvel para CIM 2 mcg/ml; resistncia intermdia para CIM 4 mcg/ml; Doses altas de 812 milhes U/dia;
CIM 8 mcg/ml; Alguns estudos recentes provam maior eficcia do linezolida vs vancomicina na
pneumonia por SAMR, graas sua melhor penetrao no interstcio pulmonar; Ampicilina injetvel e
amoxicilina por via oral; **Ceftriaxona; Sinergismo e potenciao contra P. aeruginosa; Levofloxacina,
moxifloxacina; Azitromicina, claritromicina; O metronidazol no uma boa opo visto ter uma m
difusibilidade no tecido pulmonar. Nota: Os valores de CIM apresentados para S. pneumoniae no
incluem as infees do SNC, os quais, nesta eventualidade, so muito mais baixos: sensvel CIM 0,06
mcg/ml; resistncia intermdia CIM > 0,121 mcg/ml; resistncia elevada CIM 2 mcg/ml.
271
J.L. Boaventura
Preveno
A preveno da PAC passa pelo reconhecimento e controlo das possveis
doenas subjacentes. A boa hidratao e alimentao, bem como a prtica
regular de cinesiterapia respiratria precoce, em grupos selecionados, so
medidas gerais importantes. Os doentes devem abandonar, se possvel, os
hbitos tabgicos e alcolicos.
A vacinao contra a gripe, no s para evitar a doena como as suas
complicaes bacterianas, importante a partir dos 65 anos de idade, particularmente nos indivduos com DPOC, diabticos, e naqueles com patologia
crnica de rgo (corao, rim, fgado), nos quais a indicao pode ser posta mais cedo (50 anos)20,23,25.
A vacinao antipneumoccica est recomendada nos indivduos com
65 ou mais anos, e com menos de 65 anos naqueles com diabetes, alcoolismo
crnico, patologia crnica de rgo, ou imunodepresso congnita ou adquirida, incluindo a infeo por VIH. No caso da asplenia funcional, anatmica ou cirrgica esta indicao impese de imediato, aquando do seu
diagnstico ou ocorrncia21,23,29,31.
A imunoterapia passiva controversa e, em regra, menos eficaz que as
medidas atrs mencionadas.
Nalgumas situaes especficas, por exemplo em surtos de gripe, pode justificarse, nas pessoas em maior risco, a quimioprofilaxia antigripal com ozeltamivir.
Agentes
etiolgicos
Patogenia
da pneumonia nosocomial
As vias para a colonizao e posterior infeo da rvore traqueobrnquica na PN so, por ordem de frequncia, a aspirao dos microrganismos da
orofaringe, a inalao de aerossis contaminados por bactrias, a via hematognea por foco infecioso distncia e a transposio dos microrganismos
do trato gastrintestinal, este ltimo mecanismo importante nas PN dos doentes com intubaes nasogstrica e endotraqueal. Na figura 2 apresentase
um fluxograma que exemplifica as diferentes possibilidades patognicas36.
A via mais importante a aspirativa, na qual podemos associar, secundariamente, a de transposio. A aderncia das bactrias ao epitlio da mucosa,
na primeira fase de contaminao, decisiva para a infeo ulterior3739.
Fatores
predisponentes
J.L. Boaventura
Factores
do
hospedeiro
Antimicrobianos,
imunossupressores
Cirurgia
Tcnicas
invasivas
Infeco dos
sistemas de
ventiloterapia
Colonizao cruzada
(mos, luvas)
Desinfeco/
esterilizao
inadequadas
Colonizao
orofarngea
Colonizao
gstrica
Aspirao
Bacteriemia
Aerossis
contaminados
Solutos/gua
contaminados
Inalao
Defesas pulmonares
ultrapassadas
Transposio
Pneumonia
Fatores
Fatores
Os microrganismos multirresistentes (MMR) a dois ou mais frmacos antimicrobianos so um dos flagelos atuais da infeciologia, a que no escapam
as pneumonias, particularmente nosocomiais mas tambm associadas aos
cuidados de sade. Os agentes patognicos mais incriminados neste contexto so Staphylococcus aureus meticilinorresistente (SAMR), por vezes com
resistncia intermdia tambm vancomicina, Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli produtoras de b-lactamases de espectro alargado, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp e Stenotrophomonas maltophilia, os quais originam
srias dificuldades na abordagem teraputica.
Os fatores de risco destas situaes so antibioterapia prvia (at 90 dias
anteriores), hospitalizao por mais de cinco dias, elevada resistncia a um
microrganismo na comunidade e, sobretudo, numa unidade hospitalar especfica, doena e/ou teraputica imunossupressoras, e doena de base grave.
Estes riscos so partilhados pelas PN e PACS3439.
Diagnstico
O diagnstico de PN bem mais difcil que o da PAC. A semiologia
pouco importante e muito enganadora. Os pontoschave baseiamse na presena de febre, secrees traqueobrnquicas purulentas, leucocitose, imagem radiolgica progressiva. A presena de trs destes itens pe a suspeita
de pneumonia e a dos quatro fortemente indiciadora.
O diagnstico microbiolgico assenta no isolamento do agente nas secrees brnquicas, de preferncia com cateter duplamente protegido (CDP),
no estudo do LBA ou microLBA, que tambm pode ser com a tcnica de
dupla proteo. O exame de expetorao no tem qualquer interesse neste
tipo de pneumonias. A hemocultura, quando positiva, o que acontece poucas
vezes, decisiva para o diagnstico.
A progresso na agressividade dos exames inclui o aspirado transtraqueal,
com pouca especificidade e reduzida aplicao, e as biopsias transbrnquica
e transtorcica, embora estas ltimas estejam longe de constituir uma rotina,
mesmo em UCI. Utilizamse em casos muito selecionados.
Apesar de todos estes procedimentos, a fiabilidade destes mtodos relativamente baixa. Mais de metade dos casos fica sem diagnstico etiolgico.
Em casos duvidosos o Clinical Pulmonar Infection Score (CPIS) pode ser um
instrumento muito til para o diagnstico de PN, PAV e PACS (Quadro 7). A
pontuao de 6 suspeita e a superior fortemente diagnstica38.
A figura 3 mostra um algoritmo prtico para a marcha do diagnstico e
de orientao teraputica nas PN, PAV e PACS39.
275
J.L. Boaventura
Quadro 7. CPIS*
Parmetro
Valor
Temperatura (C)
36,538,4
38,538,9
< 36 ou > 39
Leuccitos
Secrees brnquicas
Pontuao
4.00011.000
Formas imaturas
Escassas
Abundantes
Purulentas
paO2/FIO2
RX trax
Limpo
Infiltrado difuso
Condensao
Sem progresso
Com progresso
N. no significativo
N.o significativo
Gram idntico
Tratamento
O tratamento da PN e da PACS , na esmagadora maioria dos casos, emprico
e tem que ser precoce quando se suspeita da hiptese diagnstica. Embora, neste caso particular, os dados epidemiolgicos e clnicos no sejam to importantes
no sentido discriminativo do agente causal, possvel apresentar quatro grandes
grupos, baseados no tempo de internamento (que condiciona probabilidades
particulares de agentes microbianos) e no quadro epidemiolgico e clnico37,39.
Assim, h a considerar as pneumonias de incio precoce (> 72 h mas < 5 dias),
onde ainda aparece a flora da comunidade, particularmente a do grupo IV das
PACs (Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Staphylococcus
aureus, Moraxella catarrhalis, bacilos entricos Gramnegativo, Legionella
pneumophila e, menos frequentemente, Pseudomonas aeruginosa).
Nas formas pneumnicas de incio tardio e mais graves, Pseudomonas aeruginosa mais frequente e Haemophilus influenzae menos comum, a menos que
o doente tenha feito antibioterapia prvia, em casa ou j em meio hospitalar.
A PAV depende dos fatores relacionados com o doente (quebra de barreiras), com a aparelhagem (contaminao) e com os trabalhadores de sade
(manipulao dos doentes e dos aparelhos). Os agentes mais comuns, nesta
276
Vigiar
No
Critrios clnicos
de pneumonia (CPIS)
Sim
Broncoscopia e
LBA ou CDP
Exame directo
positivo
Antibioterapia
emprica
(amplo espectro)
Sim
Antibioterapia
orientada
Sim
Antibioterapia
ajustada
No
Manter ou interromper
consoante a evoluo
clnica e o CPIS
No
Culturas positivas
J.L. Boaventura
1.a escolha
Alternativa
Ceftriaxona
macrlido
clindamicina
Piperacilina/ tazobactam
ou ceftazidima
ou cefepima
Piperacilina/tazobactam
aminoglicosdeo
ou ceftazidima
aminoglicosdeo
ou cefepima
aminoglicosdeo
Carbapeneme
aminoglicosdeo
vancomicina
PAV**
Piperacilina/tazobactam
ou cefepima
ou carbapeneme
+ aminoglicosdeo
vancomicina
As anteriores
+ ciprofloxacina
ou aztreonam
vancomicina
Pneumonia no grande
imunodeprimido
As anteriores
+ vancomicina
As anteriores
+ vancomicina
+ antifngicos
Na pneumonia de aspirao.
Gentamicina, netilmicina e amicacina (de preferncia esta ltima na hiptese de SAMS ou de bacilos
entricos multirresistentes) para obter ao sinrgica til na eliminao de P. aeruginosa, sobretudo no
imunodeprimido neutropnico.
Preveno
As medidas gerais de preveno da PN so comuns s indicadas na infeo
nosocomial. Como medidas especficas podem considerar-se as de carter
genrico, como a cabeceira da cama elevada a 3045o, a mudana de decbito, o levante e a cinesiterapia respiratria precoces3542.
As medidas especficas relacionadas com o ventilador implicam desinfeo
e esterilizao dos circuitos na utilizao entre doentes, uso, quando possvel,
de material descartvel, gua esterilizada no ventilador/nebulizador, mudana
regular da tubagem (cada sete dias), mudana do humidificador (cada 48 h).
As medidas de controlo da infeo respiratria implicam, entre outras, a
lavagem frequente das mos, entre cada observao ou manipulao do doente ou dos aparelhos e antes e depois da utilizao de luvas esterilizadas (por
exemplo, na aspirao de secrees), o isolamento de doentes com infees
por SAMR, Acinetobacter spp, Stenotrophomonas maltophilia e a vacinao
contra a gripe (doentes e trabalhadores de sade), em perodos de epidemia.
H que ter ateno ao posicionamento da sonda nasogstrica, aspirar
contedo gstrico (drenagem livre), se houver estase gstrica, evitar frmacos emetizantes e, sempre que possvel, a hipersedao dos doentes.
A profilaxia da gastrite e lceras de stress deve ser praticada com o sucralfato (protetor da mucosa gstrica), que no inibe a acidez, importante
como barreira para os microrganismos. Em alternativa, se o risco de hemorragia for grande, podem utilizarse os inibidores da bomba de protes. Os
antagonistas H2 devem ser evitados34,35,37.
Por ltimo, a descontaminao seletiva do intestino (DSI), como medida de
preveno da PN, nas modalidades de pasta orofarngea e/ou de lquido pela
sonda nasogstrica, contendo polimixina, gentamicina e anfotericina ou nistatina, mantemse controversa. Os inconvenientes so variados, incluindo a seleo
de estirpes resistentes, a eficcia nem sempre comprovada, protegendo, apenas,
contra aerbios Gramnegativo e alguns fungos, deixando de fora anaerbios
e alguns Grampositivo e, por outro lado, no apresenta uma boa relao de
custoefetividade, pois no reduz a incidncia de PN, a mortalidade global, o
tempo de internamento e de ventiloterapia. Assim, os riscos podem ultrapassar
os benefcios. Esta questo continua em aberto e sujeita a discusso ativa3742.
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280
A. Ayres
O tratamento sobretudo sintomtico, base de antiinflamatrios no-esterides, antihistamnicos, esterides inalados e boa hidratao oral. Habitualmente, no se justifica o uso de antibiticos, a no ser que estejam
presentes polimorfonucleares e bactrias no exame microbiolgico de expetorao ou se, ao fim de duas semanas, no h resposta teraputica sintomtica. Nestes casos utilizarse aminopenicilina, macrlido ou doxiciclina
durante cinco a sete dias.
A bronquite crnica definida por critrios clnicos, isto tosse produtiva por mais de trs meses/ano, durante pelo menos dois anos consecutivos.
A bronquite crnica uma categoria major, tal como o enfisema pulmonar,
da doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC), que contribui, significativamente, para a morbilidade e mortalidade, principalmente, em indivduos
com mais de 55 anos. As manifestaes clnicas da DPOC refletem um jogo
dinmico entre bronquite crnica e enfisema. Muitos dos doentes tm
caractersticas mistas. Numerosos fatores, importantes, contribuem para
a bronquite crnica, tais como tabagismo, infeo vrica ou bacteriana,
inalao de poluentes (poeiras ou fumos) ambientais ou ocupacionais e de
alergenos, que contribuem para a resposta alrgica13.
A bronquite crnica comum e pode afetar 1025% da populao adulta, sendo mais frequente no homem do que na mulher, e em indivduos com
mais de 45 anos. Embora o tabagismo esteja, muitas vezes, associado a esta
doena, existem, provavelmente, outros fatores que, tambm, devem ser
importantes, dado que, apenas, cerca de 15% dos fumadores desenvolve
bronquite crnica. Por outro lado, de 6-10% dos homens no-fumadores tm
tosse persistente e produo de expetorao.
Perante um doente com suspeita de bronquite crnica, a primeira atitude caracterizar bem a gravidade da doena subjacente, fazendo uso
da anamnese e de diversos meios auxiliares de diagnstico. Na sua avaliao deve realar-se a idade, a quantidade de tabaco fumado, a existncia
de comorbilidade e o nmero de exacerbaes agudas, no ltimo ano. As
provas de funo respiratria so essenciais para estabelecer o diagnstico,
medir o grau de obstruo nas vias areas e quantificar a evoluo da
doena. A gasometria arterial indica o valor da hipoxemia e avalia o grau
de acidose respiratria e, ainda, da alcalose metablica compensadora. No
hemograma, o valor do hematcrito permite apreciar o grau de eritrocitose compensadora e a concomitante presena de hiperviscosidade. O exame
da expetorao permite a avaliao do nmero de polimorfonucleares, por
campo de observao, e a identificao dos possveis microrganismos envolventes.
No h tratamento especfico da bronquite crnica. O tratamento deve
basearse no conhecimento do grau de obstruo, da extenso da doena
e da relativa reversibilidade da mesma. Dado que o enfisema um processo irreversvel, o afastamento de agresses agudas constitui um objetivo
282
H. influenzae (50%)
S. pneumoniae
M. catarrhalis
Enterobactericeas e P. aeruginosa
A. Ayres
esta medida no aconselhada6,8. Muitas vezes, tambm, difcil de diferenciar entre bronquite aguda, exacerbaes agudas de bronquite crnica,
pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e infees vricas, pelo que a
utilizao de antibiticos no clara e racional.
A utilizao de antibiticos nas exacerbaes agudas da DPOC controversa, mas justificase quando esto presentes, pelo menos, dois dos trs
seguintes sintomas aumento da purulncia (cor e consistncia) da expetorao, aumento da quantidade da expetorao e agravamento da dispneia
(desconforto torcico ou da fadiga) ou quando necessitam de ventilao
mecnica13. A evidncia de exacerbao aguda pode ser objetivada pelo
estudo microbiolgico e pelo aumento das imunoglobulinas A (IgA) A7s (se
no existe infeo so do subtipo IgA 11s), numa amostra fresca de expetorao.
Na presena de uma exacerbao aguda, o doente deve estar educado
para iniciar precocemente um curto perodo de corticoterapia oral e antibioterapia8. Esta atitude mostrouse, sobretudo, eficaz, quando utilizada em
doentes que tinham mais de quatro exacerbaes/ano ou quando as exacerbaes eram, suficientemente, graves para motivar o internamento hospitalar e quando os antimicrobianos utilizados estavam dirigidos contra microrganismos produtores de blactamases (amoxicilina/clavulanato, cefalosporinas,
macrlidos e, possivelmente, quinolonas).
Alm de se basear na situao clnica concreta, a antibioterapia utilizada
devese, sempre, apoiar nos padres locais de sensibilidade e resistncia das
bactrias supostamente envolvidas e nos estudos microbiolgicos, de amostra
de expetorao de episdios anteriores, se existirem (Quadro 2). Em Portugal
a suscetibilidade de Streptococcus pneumoniae penicilina, amoxicilina e
quinolonas tem permanecido muito baixa, embora tenha aumentado a resistncia aos macrlidos, que alcanou os 20%. Tambm tem permanecido
estvel a resistncia de Haemophilus influenzae e de Moraxella catarrhalis
ampicilina, de 1012% e mais de 80%, respetivamente, como resultado da
produo de blactamases9. Neste pas, a amoxicilina/clavulanato ser o antibitico emprico de primeira linha contra as infees do trato respiratrio
inferior adquiridas na comunidade.
Nos doentes com exacerbaes frequentes, grave obstruo ao fluxo areo ou necessitando de ventilao mecnica, deve ser efetuado exame microbiolgico da expetorao, dado que podem estar presentes bactrias com
padres de resistncia menos comuns.
Num indivduo jovem com funo pulmonar bem preservada e menos de
quatro exacerbaes/ano, a utilizao de um blactmico ou tetraciclina
pode ser suficiente e o prognstico bom. Num doente mais idoso, com
funo pulmonar deteriorada e/ou comorbidade significativa (como diabetes mellitus, insuficincia cardaca congestiva, insuficincia renal crnica e
doena heptica crnica), justificase a utilizao de amoxicilina/clavulanato,
284
Critrios/fatores de
risco
Agentes etiolgicos
Tratamento
Bronquite
aguda
Sem doena
estrutural subjacente
com tosse/
expetorao
Geralmente vrica
Nenhum; se prolongada,
macrlido ou tetraciclina
Bronquite
crnica
simples
H. influenzae e spp
M. catarrhalis
S. pneumoniae
Amoxicilina/clavulanato;
doxiciclina;
macrlido 2.a gerao;
(cotrimoxazol)
Bronquite
crnica
complicada
volume e
purulncia da
expetorao;
VEMS < 50%, mas >
35% do previsvel;
65 anos;
4 exacerbaes/ano;
comorbilidade
significativa
= bronquite crnica
simples;
> frequente
Gramnegativo;
comum a resistncia
aos blactmicos
Amoxicilina/clavulanato;
cefalosporina 2.a gerao;
macrlido 2.a gerao;
fluoroquinolona 3.a4.a
geraes
Bronquite
crnica com
supurao
Produo contnua de
expetorao
purulenta
com exacerbaes
frequentes;
corticoterapia crnica;
possibilidade de
spsis
= bronquite crnica
complicada
enterobactericea
P. aeruginosa
Fluoroquinolona ou
blactmico e.v., com
ao sobre pneumococos
e Pseudomonas;
se spsis +
aminoglicosdeo
A. Ayres
tambm comearam a surgir resistncias11,12. Devido possibilidade de induo de resistncias, o seu uso deveria ser restringido s situaes previsveis
de falncia teraputica aos outros antimicrobianos ou com base nos respetivos antibiogramas. Contudo, a ciprofloxacina ou a levofloxacina podero
ser a opo correta no ambulatrio, quando apoiada em estudos microbiolgicos que apontem para infeo por Pseudomonas aeruginosa.
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286
Seco 10
1. Introduo
A infeo do trato urinrio (ITU) uma patologia muito frequente, que
ocorre em todas as idades, desde o recm-nascido ao idoso, mas durante o
primeiro ano de vida consequncia de malformaes congnitas, ao nvel
da vlvula da uretra e mais frequente no sexo masculino1,2. A partir deste
perodo, durante toda a infncia e, principalmente, na fase pr-escolar, as
ITUs no sexo feminino so 10 a 20 vezes mais frequentes, do que no sexo
masculino.
Na idade adulta, a incidncia da ITU aumenta, mantendo-se o predomnio no sexo feminino, com picos de maior frequncia no incio ou relacionados com a atividade sexual, durante a gestao ou na menopausa, pelo
que 48% das mulheres apresentam, pelo menos, um episdio ITU ao longo
da vida3-5.
Na mulher, a suscetibilidade ITU deve-se uretra mais curta e proximidade do nus com o vestbulo vaginal e com a uretra. No homem, o maior
comprimento uretral, o maior fluxo urinrio e o fator antibacteriano prosttico so protetores. O papel da circunciso controverso, mas a menor
ligao de enterobactericeas mucosa do prepcio pode exercer proteo
contra ITU. A partir dos 50 anos, o prostatismo torna o homem mais suscetvel ITU4.
A ITU classificada como no complicada, quando ocorre num doente
com estrutura e funo do aparelho urinrio normais, sem doena crnica
associada e que surge fora do ambiente hospitalar. As condies que se associam ITU complicada incluem as obstrutivas, tais como hipertrofia benigna da prstata, tumores do aparelho urinrio, urolitase, estenose da juno
ureteropilica, corpos estranhos e outras patologias associadas. Outras causas
de ITUs complicadas so as anatomofuncionais (bexiga neurognica, refluxo
vesicoureteral, rim espongiomedular, nefrocalcinose, rim poliqustico e divertculos vesicais), as metablicas (diabetes mellitus, insuficincia renal e transplante renal), o uso de cateter vesical de longa durao ou qualquer outro
tipo de instrumentao e as derivaes ileais4,6,7.
A avaliao urolgica das ITUs est indicada em recm-nascidos e crianas,
nas infees persistentes, aps 72 horas de antibioterapia orientada segundo
o antibiograma, nas ITUs recorrentes em homens ou em transplantados renais e, tambm em mulheres com reinfees frequentes1,2,8,9.
287
A. Ribeiro
2. Patogenia
A frequncia dos germes causadores das ITU varia, na dependncia do local
onde foi adquirida a infeo, intra ou extrahospitalar e tambm difere do ambiente hospitalar considerado. Os maiores responsveis pelas ITUs so os germes
Gram-negativo entricos, especialmente Echerichia coli, que o mais frequente,
independentemente da srie estudada, seguido dos demais Gram-negativo,
como Klebsiella, Enterobacter, Acinetobacter spp, Proteus spp e Pseudomonas
aeruginosa. Alm destes, na maioria das sries estudadas, Staphylococcus saprophyticus, um germe Gram-positivo, tem sido apontado como a segunda causa
mais frequente das ITU no complicadas. O diagnstico das ITUs, por Staphylococcus saprophyticus, difcil, por vezes, pelo fato de apresentar um crescimento muito lento em urocultura e, tambm, porque este agente pode ser confundido com outro Staphylococcus coagulase e ADNase-negativo, saprfita
da flora comensal de trato urinrio, mucosas e pele, como Staphylococcus
epidermidis. O que o diferencia deste ltimo, a resistncia novobiocina e
ao cido nalidxico. Nas ITUs complicadas, a incidncia de Pseudomonas
maior e de Gram-positivo resistentes tambm, como Enterococcus4,6,7,10.
A virulncia e a capacidade patognica das bactrias incluem os seguintes
fatores4:
Flagelos ou antignio H, responsvel pela mobilidade da bactria.
Cpsula ou antignio K, que confere resistncia fagocitose.
Polissacardeos ou antignio O, presentes na membrana externa da
bactria, que so determinantes antignicos de anticorpos especficos, sendo,
portanto, teis na tipagem serolgica (so conhecidos 150 antignios O) e
na distino entre recorrncia e reinfeo.
Fmbrias ou pili ou adesinas, responsveis pela adeso da bactria ao
urotlio e transmisso de informao gentica a outra bactria por via do
ADN dos plasmdeos e toxinas.
288
3. Fatores de risco
Obstruo do trato urinrio a estase urinria predispe para a proliferao bacteriana e a prpria distenso vesical reduz a capacidade bactericida da mucosa.
Refluxo vesicoureteral a insero lateral do urter na bexiga, sem
constrio adequada durante a contrao do msculo detrusor, permitindo
o refluxo de urina durante a mico e manuteno de posterior volume
residual, predispe para a proliferao bacteriana9.
Cateterizao urinria os cateteres de longa durao predispem
bacteriria significativa (geralmente assintomtica), especialmente em drenagem aberta (ITU em 48 horas) e o risco de bacteriemia por Gram-negativo
(de cinco vezes) proporcional ao tempo de cateterizao. A leucocitria
no tem uma boa correlao com a ITU em doentes com cateter. Alm de
crescerem em suspenso, algumas bactrias produzem uma matriz de polissacridos ou biofilme, que as envolve e protege das defesas do hospedeiro
e, tambm, confere resistncia aos antimicrobianos4,6,13,14. Adicionalmente, a
presena de germes neste biofilme cria um ambiente favorvel formao
de incrustaes na superfcie interna do cateter, levando sua obstruo.
Gravidez a prevalncia de bacteriria assintomtica de at 10% na
gravidez, podendo ser observada desde o incio da gestao ao 3.o trimestre
e 25-57% destas bacteririas no tratadas podem evoluir para infeo sintomtica, inclusive pielonefrite, devido dilatao fisiolgica do urter e
pelve renal, facilitando o refluxo. Por outro lado, h risco de necrose papilar.
A incidncia de bacteriria aumenta, tambm, em relao ao nmero prvio
de gestaes. As ITUs na gravidez associam-se a maior ndice de prematuridade, baixo peso e mortalidade perinatal, alm de maior morbilidade
289
A. Ribeiro
Prostatismo a ocorrncia de hipertrofia prosttica benigna ou carcinoma da prstata condiciona obstruo ao fluxo urinrio com consequente
esvaziamento vesical incompleto. Nestes casos, as ITUs decorrem da presena
de urina residual e, tambm, da necessidade mais frequente de cateterizao
urinria.
Menopausa o estrognio estimula o crescimento e a multiplicao
celular da mucosa vaginal, facilitando a eliminao das bactrias. Adicionalmente, o estrognio promove a acumulao de glicognio pelas clulas
epiteliais, o que favorece o crescimento de lactobacilos que reduzem o pH
vaginal, tornando-o adverso para germes Gram-negativo, como as enterobactericeas. Portanto, a diminuio de estrognios na menopausa, expe a
mulher a um maior risco de bacteriria e ITU sintomtica, pela reduo do
glicognio, ausncia de lactobacilos e aumento do pH vaginal. Sabe-se que
a colonizao vaginal por Escherichia coli um pr requisito para ascenso
da bactria ao trato urinrio10,16. Em culturas seriadas de secreo vaginal,
56% das doentes ps-menopausa com ITUs recorrentes, eram portadoras de
enterobactericeas, especialmente Escherichia coli.
Idade avanada a frequncia das ITUs aumenta com a idade em ambos
os sexos. No homem idoso, alm da doena prosttica e suas implicaes j
descritas, a ITU pode ser decorrente do estreitamento uretral e de outras
anomalias anatmicas. Na mulher idosa, alm da menopausa, alteraes
anatomofuncionais da bexiga, por exemplo relacionadas ou no, multiparidade, a presena de cistocelo, a prpria acumulao de infees recorrentes, acabam, tambm, por aumentar a incidncia das ITUs nesta faixa etria.
A prpria infeo urinria, estimula a hiperreflexia do msculo detrusor
(msculo liso da parede da bexiga) e a endotoxina da Escherichia coli inibe
as concentraes -adrenrgicas uretrais, reduzindo a presso esfincteral, de
que resulta incontinncia urinria. Para ambos os sexos, a presena de patologias coexistentes como diabetes, bexiga neurognica, insuficincia renal,
acidente vascular cerebral, demncia, alteraes na resposta imunitria e
hospitalizao e/ou instrumentao mais frequente, tornam as ITUs mais
frequentes nesta faixa etria.
Transplante renal a prevalncia das ITUs no ps-transplante de 35-80%,
sendo mais frequente nos primeiros trs meses aps o transplante4,11. A maioria das ITUs so assintomticas (rins desnervados), mas em 45% dos casos so
recorrentes. Os agentes infeciosos podem ser adquiridos a partir do rim do
dador, da ferida cirrgica, do uso de cateteres urinrios e do ambiente hospitalar. Microrganismos endgenos latentes, podem, tambm, ser reativados devido ao uso de imunossupressores. O risco de bacteriria aumenta
com o tempo de cateterizao. Nas ITUs recorrentes, devem ser consideradas
as manifestaes urolgicas ou pesquisa de refluxo urinrio. Existem controvrsias quanto a uma possvel acelerao no processo de rejeio crnica
entre aqueles que apresentam ITUs recorrentes. Normalmente so causadas
291
A. Ribeiro
4. Quadro clnico
No adulto, as manifestaes clnicas da cistite so a disria, polaquiria
ou aumento da frequncia urinria, urgncia miccional, dor na regio supra
pbica, arrepios de frio ou calafrios, com presena ou no de dor lombar.
Podem fazer parte do quadro clnico, mal-estar geral e indisposio. No indivduo idoso comum a dor abdominal ou distrbios do comportamento,
tais como sonolncia e prostrao. Em crianas, o principal sintoma pode ser
dor abdominal. Em recm-nascidos, o diagnstico clnico de ITU torna-se
suspeito, quando na presena de ictercia fisiolgica prolongada associada
ou no, perda de peso (30% dos casos), hipertermia, presena de complicaes neurolgicas (30%), diarreia, vmitos ou cianose. Em lactentes, o
dfice ponderoestatural, diarreia ou obstipao, vmitos, anorexia ou febre
de etiologia no esclarecida, podem levar suspeita de ITU. Por fim, na
faixa pr-escolar, os sintomas podem ser febre, enurese, disria ou polaquiria. No adulto, existe sobreposio entre as caractersticas clnicas da ITU
baixa versus alta (cistite versus pielonefrite). No entanto, a febre, os arrepios
de frio e a dor lombar (o aumento da sensibilidade no ngulo costovertebral
o sinal que mais sugere o diagnstico de pielonefrite) so muito mais comuns na pielonefrite, que se pode acompanhar, tambm, por nuseas e
vmitos, com ou sem sinais de cistite.
5. Diagnstico laboratorial
Tiras reagente
So especialmente teis na triagem de casos agudos suspeitos de ITU,
principalmente no ambulatrio. As tiras detetam a esterase leucocitria (indicativa de piria) ou atividade redutora de nitratos a nitritos. A reduo
de nitratos para nitritos so tempo-dependente e s positiva nas ITUs
causadas por enterobactericeas, pois s elas apresentam esta atividade. O
resultado negativo da tira o mais importante, pois praticamente exclui ITU
(sensibilidade de 75% e especificidade de 82%). No entanto, o resultado de
um teste negativo no caso de uma histria fortemente sugestiva de infeo
urinria tem pouca utilidade, dado que no exclui infeo urinria neste
caso. Eritrcitos e leuccitos so lisados em urinas com pH > 6,0, com reduzida osmolaridade ou em anlises tardias. Portanto, resultados falsos
292
Sedimento urinrio
O exame microscpico feito aps centrifugao da urina.
Leucocitria so consideradas anormais, contagens superiores a 10.000
leuccitos/ml ou 10 leuccitos/campo, independentemente da morfologia
destes leuccitos. Laboratrios que utilizam tecnologia mais avanada, em
que o exame microscpio da urina realizado atravs de citometria de fluxo, contagem de leuccitos at 30.000/ml so considerados normais nas
mulheres. A presena de leucocitria no faz diagnstico de ITU, devido s
inmeras causas de leucocitria estril tais como tuberculose, infeo por
fungos, Chlamydia trachomatis, gonococo, Leptospira spp, Haemophilus spp,
anaerbios e vrus. De entre as leucocitrias estreis, de origem no infeciosa, destacam-se, de entre outras, a nefrite intersticial, litase, presena de
corpo estranho, rejeio de transplante, teraputica com ciclofosfamida,
trauma genitourinrio, glomerulonefrite aguda e crnica, neoplasias e contaminao vaginal.
Proteinria costuma ser discreta e varivel.
Hematria quando presente, tambm discreta. Como achado isolado est mais vezes relacionada presena de clculos, tumores, tuberculose
ou a infees fngicas.
pH geralmente alcalino, exceto nas infees causadas por micobactrias. Quando o pH muito alcalino, superior a 8,0 pode sugerir infeo por
Proteus spp.
Bacteriria geralmente presente, mas necessitando, sempre, de ser
confirmada por cultura da urina.
Cilindros leucocitrios sugerem pielonefrite.
Urocultura
A urina para urocultura deve ser obtida a partir do jato mdio e colhida
atravs de tcnicas asspticas e antes da administrao de qualquer antibitico. Apesar da primeira urina da manh conter, potencialmente, maior populao de bactrias, devido ao maior tempo de incubao, a sintomatologia
exuberante da ITU com elevada frequncia urinria, dificulta esta medida.
Desta forma, a urina de qualquer mico pode ser valorizada, desde que
obtida com um intervalo, no mnimo, de duas horas aps a mico anterior,
perodo que corresponde ao tempo de latncia para o crescimento bacteriano, para que se evitem falsos negativos. Em crianas procede-se colheita,
293
A. Ribeiro
6. Imagiologia
O diagnstico por imagem mais utilizado nos casos de ITU complicada,
para identificar anormalidades que predisponham ITU.
Ecografia (ultrassonografia)
til para identificar a presena de clculos, que podem estar associados
com os quadros agudos de ITU, bem como a sua repercusso no trato urinrio. A ecografia til, tambm, na identificao de outras condies associadas s ITU como, por exemplo, abcessos e rins poliquisticos.
Urografia excretora
Est contra-indicada na fase aguda da infeo, pois os resultados so
pobres, alm da exposio nefrotoxicidade. Em quase 85% das mulheres
com ITUs recorrentes, a urografia excretora normal. Devido reduzida
sensibilidade deste exame, tem-se questionado bastante a sua validade nas
ITUs, a no ser, na investigao da ITU complicada, para obter informaes
sobre as alteraes anatmicas, como por exemplo dilatao calicial, plvica
e ureteral, estenose, duplicidade pielocalicial e adequao do esvaziamento
vesical ou, ainda, identificar a presena de obstruo ou de clculo. Salienta-se que, no caso de suspeita de clculos, a prpria radiografia simples do
abdmen e/ou ultrassonografia podem sugerir o diagnstico.
Uretrocistografia miccional
Nas crianas, com idade inferior a dois anos e com ITUs recorrentes, alm
da urografia excretora, est indicada a uretrocistografia miccional, que o
294
Outros exames
A tomografia axial computorizada (TAC) raramente necessria, a no ser,
para descartar a presena de abcessos perirrenais e, tambm, em casos de investigao de rins poliqusticos, que podem estar associados a ITU.
A cistoscopia no tem indicao na ITU no complicada e deve ser realizada somente em condies de urina estril ou aps profilaxia com antibiticos. Em idosos e transplantados renais com ITUs recorrentes e hematria,
a cistoscopia est indicada, apenas, para afastar o diagnstico de neoplasia
da bexiga.
7. Tratamento
As estratgias teraputicas, que envolvem diferentes esquemas, de acordo
com grupos especficos de doentes com ITU, maximizam os benefcios teraputicos, alm de reduzir os custos e as incidncias dos efeitos secundrios7-9,12.
A. Ribeiro
Eficcia
Comentrios
TMP/SMX 160/800 mg
(trimetoprim/sulfametoxazol
ou cotrimoxazol), cada 12
horas, durante trs dias
Trometamol de fosfomicina,
saqueta de 3 g em uma
nica dose
Teraputica de 1. linha
*Este regime teraputico no apresenta nenhum risco para o feto, na base de estudos em animais,
nos humanos ou em ambos (categoria B na grvida).
Estudos em animais mostraram um efeito adverso deste regime no feto (categoria C na grvida);
usar somente se o potencial benefcio justificar o risco no feto.
Pivmecilinam 400 mg cada 12 horas, durante trs a sete dias, com eficcia de cerca de 70%, efeitos colaterais mnimos (nuseas, vmitos e diarreia) e
a resistncia in vitro limitada.
Segunda linha:
Fluoroquinolonas a ciprofloxacina (250 mg, duas vezes por dia, durante
trs dias) ou a levofloxacina (250 ou 500 mg, uma vez por dia, durante trs
dias) tm eficcia clnica de cerca de 90%, no entanto devem ser reservadas
para tratamento das infees urinrias altas (por exemplo pielonefrites). As
fluoroquinolonas tm predisposio para desenvolverem resistncias, sendo
estas elevadas nalgumas regies do mundo (as fluoroquinolonas no esto
indicadas para tratamento das ITUs, quando a resistncia na comunidade
superior a 10%).
b-lactmicos por exemplo amoxicilina-cido clavulnico e cefaclor,
sendo a eficcia clnica, em regime de trs a cinco dias, de 89% (79 a 98%).
Amoxicilina ou ampicilina no devem ser usadas no tratamento emprico
devido sua pobre eficcia e elevada prevalncia de resistncia microbiana
a nvel mundial. Os efeitos secundrios mais frequentes incluem diarreia,
nuseas e vmitos, exantema e urticria.
A. Ribeiro
Eficcia
Comentrios
Em comparao com as
fluoroquinolonas, o risco de
insucesso teraputico maior,
dadas as taxas de prevalncia
das resistncias de E. coli
ultrapassar em 20%, em
muitas reas do mundo.
Os dados so escassos, no
entanto, sabe-se que a sua
eficcia inferior das
fluoroquinolonas e, mesmo,
do TMP-SMX. O regime de
14 dias foi aprovado pela
FDA e recomendado pelas
orientaes da IDSA, mas
regimes de 7 a 10 dias,
parecem ser eficazes nas
mulheres, quando a
defervescncia rpida
Fluoroquinolonas:
Ciprofloxacina 500 mg
duas vezes por dia,
durante sete dias;
levofloxacina 750 mg,
uma vez por dia, durante
cinco dias
Administrao por via oral
Teraputica de 2.a linha
Estudos em animais mostraram um efeito adverso deste regime no feto (categoria C na grvida); usar
somente se o potencial benefcio justificar o risco no feto.
A. Ribeiro
Enterococcus spp. Se o Gram positivo ou se esta informao no est disponvel, deve associar-se ampicilina ou vancomicina, por via endovenosa. Em
doentes com quadros clnicos mais complicados, histria de pielonefrites prvias ou manipulao recente do trato urinrio, pode ser considerado o uso de
monobactmicos, como o aztreonam ou a combinao de inibidores das b
-lactamases, como ampicilina-sulbactam, ticarcilina, cido clavulnico ou, ainda, de carbapenemes, como imipenem-cilastatina.
8. Bacteriria assintomtica
O tratamento da bacteriria assintomtica depende da condio que lhe
pode estar associada15.
Gravidez
A nica condio absoluta de tratamento de bacteriria assintomtica
a gravidez, devido ao risco da bacteriria, predispor pielonefrite e necrose papilar. O tratamento da ITU na gravidez por dose nica, no est
recomendado. O tratamento deve prolongar-se por um mnimo de sete dias.
Os antimicrobianos que podem ser utilizados com segurana na gravidez so
a cefalexina, a ampicilina, a amoxacilina e a nitrofurantona.
Diabetes mellitus
O tratamento de bacteriria assintomtica controverso, sendo a indicao
relativa. Por outro lado, a infeo pode comprometer o adequado controlo
glicmico, portanto, a monitorizao destes doentes torna-se importante. Cistite ou ITU no complicada, devem ser tratadas durante, pelo menos, 10 dias.
Transplante renal
No ps-transplante imediato, em caso de bacteriria assintomtica ou de
baixa contagem, h indicao de tratamento, embora controversa nalguns
estudos4,18. Segundo alguns autores, a ITU na fase precoce deve ser tratada
por um perodo mnimo de quatro semanas. No perodo tardio do transplante, a monitorizao de ITU importante e a indicao de tratamento mais
varivel, mas cursos de 10 a 14 dias de antibioterapia so suficientes. No caso
de ITU por Corynebacterrium urealyticum, o antimicrobiano de escolha a
vancomicina. Na seleo do antibitico deve ter-se em conta as interaes
300
Cateteres
A bacteriria assintomtica no deve ser tratada, devido ao potencial
desenvolvimento de resistncias, incluindo Candida spp4,13. A preveno a
melhor medida e inclui insero estril e cuidados com o cateter, remoo
rpida quando for possvel e uso de drenagem fechada, abaixo do nvel da
bexiga. Devem ser obtidas colheitas de urina, no por desconexo do cateter,
mas sim atravs da aspirao com agulha, na poro distal do cateter. Alternativas para os cateteres de longa durao, incluem a autocateterizao
intermitente em caso de doentes com certa incontinncia urinria e, tambm, o uso de cateteres suprapbicos.
Homens
A ITU no complicada no homem adulto jovem rara. Assim, quando tal
ocorrer, devem ser descartadas anomalias anatmicas, clculos ou obstruo
urinria, histria de cateterizao ou instrumentao recente e cirurgia4,13.
Afastadas estas causas, o tratamento deve ter a durao mnima de sete dias.
J em caso de ITU acompanhada de febre e hematria, ou quando ocorrem
recorrncias com o mesmo microrganismo, deve considerar-se a possibilidade
de prostatite. O diagnstico fundamenta-se no resultado de culturas seriadas do jato urinrio inicial, antes e aps massagem prosttica, mas deve
ter-se cuidado com esta ltima, pelo risco de bacteriemia. A prostatite
aguda responde melhor s fluroquinolonas, como a ciprofloxacina, com
melhor penetrao tecidual e o tratamento longo, por um mnimo de
quatro a seis semanas, para evitar a recorrncia. Alm dos microrganismos
habituais, aps instrumentaes frequentes, h grande risco de ITU por Staphylococcus aureus, para a qual deve ser utilizada teraputica antimicrobiana antiestafiloccica.
Menopausa
A bacteriria assintomtica, no deve ser tratada com antibiticos, devido aos potenciais riscos de desenvolvimento de microrganismos resistentes.
301
A. Ribeiro
10. Profilaxia
A profilaxia das ITUs est indicada, principalmente, em mulheres com
infeces recorrentes, que apresentam mais do que duas infees por ano
ou pela presena de fatores que perpetuam a infeo, como os clculos. Para
que se inicie a profilaxia, necessrio que a urocultura seja negativa, para
evitar o tratamento de uma eventual infeo em curso com doses de antibiticos inadequadas.
Os frmacos mais utilizados, com fins profilticos, so a nitrofurantona,
cotrimoxazol e as antigas quinolonas, como cido pipemdico ou cido nalidxico. A dose sugerida, de um comprimido noite, ao deitar (a eliminao
302
das bactrias menor do que durante o dia), ou, ento, trs vezes por semana, durante trs a seis meses. Quando a ITU estiver relacionada com a
atividade sexual, pode prescrever-se um comprimido aps o coito. Algumas
estratgias para o maneio no medicamentoso das mulheres com ITU recorrente ou com bacteriria assintomtica, incluem:
Aumento da ingesto de lquidos.
Urinar em intervalos de duas a trs horas.
Urinar sempre antes de deitar e aps o coito.
Evitar o uso do diafragma ou preservativos associados a espermicida,
para no alterar o pH vaginal.
Evitar banhos de espuma ou aditivos qumicos na gua do banho, para
no modificar a flora vaginal.
Aplicao tpica de estrognio em mulheres ps-menopausa.
Aps a defecao, limpar-se de frente para trs.
Outras medidas no medicamentosas, que tambm tm sido sugeridas para
reduo da recorrncia das ITUs em mulheres na pr-menopausa, incluem17:
Instilao vaginal de Lactobacillus casei, uma vez por semana (reduo
de 80% num estudo).
Acidificantes urinrios tipo mandelato de metenamina associados ou
no vitamina C.
Ingesto de sumo de arando, tambm chamado mirtilo (Vaccinium macrocarpon), que supostamente inibe a expresso de fmbrias de Escherichia
coli3,5,17. O consumo deste sumo, e no, o de lactobacilos em forma de bebida, cinco vezes por semana, durante um ano, reduziu a recorrncia das ITU
em relao ao placebo17. Tambm existe a formulao oral, em cpsulas com
300 mg de arando (cranberry), associado a 100 mg de vitamina C, administrada na dose de uma cpsula duas vezes ao dia.
A profilaxia antimicrobiana reduz o risco de recorrncias em 95%, todavia aquela est, apenas, indicada nas mulheres com trs ou mais infees
urinrias nos ltimos 12 meses ou duas ou mais infees urinrias, nos ltimos seis meses, nas quais as outras estratgias (no antimicrobianas) no
resultaram.
Recentemente, a IDSA fez uma atualizao das orientaes para o tratamento das cistites e pielonefrites no complicadas, nas mulheres. As recomendaes consultadas na bibliografia internacional para o tratamento das
infees do trato urinrio no complicadas so consistentes com as recomendadas pela IDSA8,10.
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Seco 11
ENDOCARDITE INFECCIOSA
Germano do Carmo
1. Introduo
H cerca de 120 anos, William Osler descreveu, numa histrica sesso das
famosas Gulstonian Lectures em Londres, uma nova entidade nosolgica que
designou de endocardite maligna e cuja descrio clnica nos seus aspectos
essenciais ainda hoje se mantm. Apesar de, poca, no ter sido possvel
estabelecer uma relao etiolgica causal, rapidamente se concluu que a
gnese da doena era infecciosa e a designao passou ento a ser de endocardite bacteriana. Em 1930, primeiro Thayer e depois Lerner e Weinstein,
atendendo variabilidade de agentes etiolgicos possveis, bactrias, fungos,
riqutsias e at, eventualmente, vrus, denominaram-na de endocardite infecciosa (EI), terminologia que ainda hoje se mantm e que, pode dizer-se,
est definitivamente consagrada1,2. A EI a inflamao das vlvulas cardacas
e do endocrdio, causada por agentes microbianos que atingem e se fixam
nestas estruturas cardacas. At ao advento da teraputica antibitica, era
doena inexoravelmente fatal, decorrendo a morte at s seis semanas de
evoluo nas formas agudas e de seis semanas a trs meses ou mais, nas
formas ditas subagudas ou crnicas de endocardite3.
Apesar de muitos dos aspectos descritos por William Osler se poderem
continuar a observar hoje, a verdade que esta , seguramente, a entidade
nosolgica infecciosa que mais se modificou ou em que mais avanos se
verificaram nos ltimos 25-30 anos, nos domnios da epidemiologia, fisiopatologia, etiologia, clnica, diagnstico e teraputica.
Passemos ento em revista os diferentes aspectos acima mencionados.
2. Epidemiologia
Se h, efectivamente, aspecto em que se tenha assistido a uma profunda
alterao, no decurso dos ltimos 30 anos, ele foi, sem qualquer dvida, nos
domnios da epidemiologia da EI. Embora a incidncia se mantenha relativamente constante com um caso por cada mil admisses no hospital e a
prevalncia de 1,6 a 6 casos por 100.000 habitantes/ano nos pases desenvolvidos, h que reconhecer que novos e muito relevantes aspectos se tm
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
305
G. do Carmo
vindo a registar3-5. Assim, a idade mdia dos doentes com EI passou dos 30 anos
que se verificava na dcada de 20, para os 50 anos na dcada de 90; e isto
devido marcada mudana da populao susceptvel, que no passado era,
maioritariamente, a dos doentes com febre reumtica e doena cardaca
reumatismal, quase sempre gente jovem e, na actualidade, predominantemente a de pessoas de idade mais avanada, incluindo idosos com patologia
valvular degenerativa e, em nmero crescente, com prolapso da vlvula
mitral4-9. No mesmo sentido concorre tambm o facto de que as crianas com
doenas cardacas congnitas atingidas com frequncia por EI, que no passado tinham sobrevidas relativamente curtas, atingem hoje idades mais avanadas e chegam mesmo idade adulta. Outra das grandes mudanas verificadas na epidemiologia das EI o crescente e verdadeiramente preocupante
nmero de toxicodependentes endovenosos que hoje constituem, provavelmente, o principal grupo de indivduos susceptveis de contrair a doena. E,
se nos lembrarmos que o primeiro caso descrito na literatura reporta a 1936,
num doente toxicmano de Nova Iorque, teremos que reconhecer a surpreendente evoluo desta patologia. Por ltimo, a referncia ao facto de que,
com os grandes avanos tecnolgicos da medicina, nomeadamente a utilizao de cateteres centrais, implantao de pace-makers, crescente nmero de
cirurgias cardacas e toda uma vasta gama de procedimentos agressivos, tem
vindo a aumentar o risco de ocorrncia de EI10.
3. Fisiopatologia
Uma das reas de maiores progressos no estudo e compreenso das EI foi
a da fisiopatologia. Dos aspectos mais relevantes nesse sentido foi o de se
ter comprovado que, ao contrrio do que se pensava no passado, no
necessrio, em absoluto, que existam prvias leses do endocrdio valvular
para que uma EI se possa desenvolver. claro que, se houver um locus prvio de minor resistncia, seja ele de que natureza for, a instalao da infeco ser mais fcil, mas como se disse, no condio imprescindvel. Contudo, para que possa desenvolver-se o processo de EI necessria uma
complexa interaco entre o endotlio cardiovalvular, a corrente sangunea
e os microrganismos circulantes. O passo inicial a leso do endotlio causada quer pela deposio de imunocomplexos circulantes, quer pela turbulncia da corrente sangunea, resultante de gradientes de presso ou regurgitao, provocados por leses valvulares. A leso do endotlio
condiciona de seguida a deposio de plaquetas e de fibrina, que se organizam numa estrutura consistente a que alguns chamam de vegetao assptica e d origem entidade designada de endocardite trombtica assptica. Para l das causas acima apontadas, sabe-se, hoje, que estas alteraes
podem ocorrer tambm na sequncia de stress exgeno, como exposio
306
Endocardite infecciosa
G. do Carmo
4. Etiologia
Como se compreende facilmente, devido s modificaes epidemiolgicas
verificadas nas ltimas dcadas, a microbiologia da doena sofreu, tambm,
grandes mudanas. Contudo, o grupo dos estreptococos continua a ser o
mais prevalente, sendo responsvel por mais de 50% dos casos5. Streptococcus viridans o agente mais comum e, apesar de ter baixa patogenicidade
e ser, habitualmente, sensvel penicilina, causa muitas vezes EI devido sua
frequente presena na circulao e s suas mpares propriedades de aderncia. Os enterococos so os segundos, em termos de frequncia, sendo, tradicionalmente, responsveis por quadros clnicos subagudos, muitas vezes na
sequncia de manipulaes urolgicas no homem e genitourinrias e obsttricas na mulher5. So tambm frequentes as EI nosocomiais e as dos toxicmanos, causadas por este microrganismo. Do grupo dos estreptococos merece ainda uma palavra especial Streptoccocus bovis, muitas vezes responsvel
de EI nos idosos e com associao, muito frequente, a patologia tumoral do
intestino. O seu isolamento em hemoculturas deve obrigar sempre o clnico a
uma investigao adequada do tubo digestivo. Os estafilococos so, de igual
308
Endocardite infecciosa
5. Quadro clnico
De modo geral trata-se de doena de expresso subaguda, com um perodo de incubao de cerca de duas semanas. Contudo, em certos contextos
309
G. do Carmo
clinicoepidemiolgicos e com alguns agentes etiolgicos como Staphylococcus aureus, o tempo de incubao mais curto e as manifestaes clnicas
mais exuberantes. No entanto, na maioria dos casos, trata-se de doena com
evoluo de vrias semanas e com uma gama variada de sinais e sintomas,
dos quais os mais relevantes so febre, anorexia, emagrecimento, prostrao,
artralgias, mialgias e, ainda, se bem que menos frequentes, confuso mental,
alteraes neurolgicas focais, meningite, dor torcica, dor abdominal, e, ainda,
insuficincia congestiva de grau varivel. No exame objectivo, no esquecendo
a extrema variabilidade de apresentao da doena, os dados positivos mais
frequentes e relevantes so a febre, que o sinal/sintoma mais constante da EI
(90 a 95%)4, os sopros cardacos, quer se trate de um novo sopro, quer da modificao na intensidade e no timbre de um sopro pr-existente, a esplenomegalia, os sinais neurolgicos focais, os ndulos de Osler, as manchas de Janeway,
as manchas de Roth e as hemorragias subungueais. Sendo certo que todas estas
manifestaes e mais algumas outras podem estar presentes, importante
lembrar que, de maneira geral, o quadro clnico muito polimrfico e por vezes
extremamente oligossintomtico. A doena, com frequncia, apresenta-se apenas e durante muito tempo como sndrome febril indeterminada. Estas particularidades constituem um grande desafio aos clnicos que se confrontam,
assim, com EI de muito difcil diagnstico. A terminar este captulo apenas
mais duas chamadas de ateno. A primeira que, nas endocardites do corao direito, que tm vindo a aumentar devido ao incremento da toxicodependncia, muito frequente no se ouvirem sopros e no haver grandes
repercusses hemodinmicas, apesar de grandes destruies valvulares, dado
que um corao de regime tensional mais baixo. A segunda que nestes
doentes onde ocorrem mais frequentemente os processos de tromboembolismo pulmonar, traduzidos por manifestaes clnicas e semiolgicas conhecidas,
como so os fervores crepitantes e atritos pleurais4.
6. Diagnstico
Decorrente de tudo o j foi dito, bvio que o diagnstico da EI por
vezes difcil e exige do clnico grande acuidade e correcta utilizao e interpretao dos recursos tcnicos de diagnstico actualmente disponveis. Assim,
a primeira condio para o xito do diagnstico a correcta avaliao clinicoepidemiolgica do quadro clnico, valorizando, adequadamente, os dados
anamnsticos e comportamentais. Depois, na tentativa de identificao do
agente etiolgico, no basta efectuarem-se as hemoculturas seriadas em nmero conveniente (nunca menos que trs) e com uma correcta execuo tcnica, em que a assepsia primordial. H, tambm, que ter presente a possibilidade de existirem bactrias nutricionalmente deficientes a exigirem meios
de cultura apropriados, com enriquecimento particular, e imprescindvel
310
Endocardite infecciosa
no esquecer que, nalguns casos, como no das infeces por Coxiella burnetii,
h que recorrer serologia. Ainda, no que respeita aos exames analticos,
importante saber que as EI decorrem com leucocitose e neutrofilia, com velocidade de sedimentao eritrocitria e PCR elevadas, com anemia, mais ou
menos importante, conforme o tempo de doena, normoctica e normocrmica, e que o sedimento urinrio , habitualmente, patolgico com proteinria
e hematria. Nos estudos de imagem importante recordar que o ecocardiograma transesofgico tem acuidade de diagnstico superior ao do eco transtorcico, mas que, mesmo assim, a no visualizao de vegetaes no exclui
o diagnstico de EI e que, no contexto de uma clnica suspeita mas com ecocardiogramas normais, o que h a fazer repetir os exames de imagem alguns
dias mais tarde. Outro exame com interesse no diagnstico em contextos clnicos particulares como so a existncia de leses septais e abcessos do anel
perivalvular, ainda no visualizveis nos exames de imagem, o electrocardiograma, que detecta precocemente alteraes de actividade elctrica muito
sugestivas. O radiograma do trax um meio de diagnstico importante, nos
casos de EI do corao direito, frequentemente oligossintomticas, porque
permite detectar imagens compatveis com tromboembolismo sptico, como,
por exemplo, abcessos pulmonares, derrames ou empiemas. Mas, como j anteriormente afirmado, o diagnstico desta entidade, apesar de todos os recursos disponveis muito difcil. Com o intuito de ultrapassar essas dificuldades
e semelhana do que foi feito, no passado, com os critrios de Jones para a
febre reumtica, um grupo de cientistas da Universidade de Duke, nos EUA,
elaborou um conjunto de regras, recentemente modificadas, para ajudar
confirmao do diagnstico nos casos mais complexos. Este esquema de avaliao baseia-se em critrios microbiolgicos, anatomohistolgicos e clnicos e
permite pela conjugao de critrios major e minor a assuno do diagnstico
da endocardite em EI confirmada, EI possvel ou EI rejeitada. Apesar de inicialmente estes critrios de Duke terem sido pensados para fins, essencialmente,
de investigao, eles constituem-se hoje como uma real ajuda aos clnicos.
7. Tratamento
Antes dos antibiticos, a evoluo da EI era, inexoravelmente, fatal3-5.
Actualmente, com os frmacos disponveis e com os conhecimentos das suas
propriedades farmacocinticas e farmacodinmicas e, bem assim, da fisiopatologia da doena e, em particular, do modo de formao das vegetaes e
das consequncias da resultantes para as populaes bacterianas, os resultados so muito diferentes. Contudo, indispensvel que o tratamento seja
institudo o mais precocemente possvel, com antibiticos bactericidas, por
via endovenosa (apesar de haver j disponveis frmacos com grande biodisponibilidade e que permitem atingir por via oral concentraes sricas do
311
G. do Carmo
8. Complicaes
As complicaes so frequentes nas EI, podendo at constiturem-se na
primeira manifestao da doena em curso ainda no correctamente diagnosticada, como o caso de alguns acidentes vasculares cerebrais trombo-emblicos. Contudo, o habitual que, independentemente de um correcto
diagnstico e de uma adequada e atempada teraputica instituda, elas
venham a suceder no decurso do prprio tratamento. Entre as mais frequentes,
e constituindo-se sempre como situaes a obrigar ao recurso teraputica
cirrgica, encontram-se a insuficincia cardaca congestiva refractria, os
fenmenos de tromboembolismo sptico de repetio, a constatao da
existncia de uma ou mais vegetaes de grandes dimenses (> 1 cm), a
manuteno do processo infeccioso activo para l de oito a dez dias, apesar
de uma teraputica antibitica correcta. Em todos estes casos, a sua comprovao indicao formal para o recurso rpido cirurgia3-5.
9. Profilaxia
Embora, segundo alguns autores, seja discutvel o benefcio da profilaxia,
as altas taxas de morbilidade e mortalidade da EI justificam o recurso a essas
312
Endocardite infecciosa
Antibitico
Dose e via
Tempo
S. viridans, S. bovis
(MIC <0,1 mg/ml)
Penicilina G
ou ceftriaxona
4 semanas
4 semanas
S. viridans, S. bovis
Penicilina G
(MIC >0,1 e <0,5 mg/ml) + gentamicina
12 a 18 milhes/UI/dia,
por via e.v.
1 g /kg/de 8-8 h por via e.v.
4 semanas
2 semanas
Enterococos, S. viridans
(MIC >0,5 mg /ml)
Penicilina G
+ gentamicina
4 a 6 semanas
4 a 6 semanas
Ampicilina
+ gentamicina
4 a 6 semanas
4 a 6 semanas
Vancomicina
+ gentamicina
4 a 6 semanas
4 a 6 semanas
Oxacilina ou
4 a 6 semanas
Flucloxacilina
+ gentamicina
4 a 6 semanas
3 a 5 dias
Estafilococos sensveis
meticilina
Vancomicina
4 a 6 semanas
Estafilococos resistentes
meticilina
Vancomicina
4 a 6 semanas
Bactrias do grupo
HACEK
Ceftriaxona
ou ampicilina
+ gentamicina
4 semanas
4 semanas
4 semanas
G. do Carmo
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314
Seco 12
Francisco Antunes
1. Introduo
As infeces do sistema nervoso central (SNC) incluem as meningites, as
encefalites e os abcessos cerebrais. A meningite um processo inflamatrio
do SNC identificado por um nmero aumentado de leuccitos no lquido
cefalorraquidiano (LCR), que se deve distinguir da sndrome menngea
causada por doenas infecciosas e no-infecciosas. A encefalite tem caractersticas clnicas sobreponveis meningite, porm, naquela, em regra, as
alteraes do estado de conscincia mais precoce, relativamente ao
desenvolvimento do coma1.
2. Meningites
Meningites vricas
Os vrus so a causa mais frequente de sndrome menngea assptica
aguda (meningite, com pleiocitose linfocitria, para a qual a causa no
aparente, aps a avaliao inicial e exames directos e culturais do LCR)2.
Os agentes mais frequentes da sndrome menngea assptica aguda so os
enterovrus, os arbovrus, o vrus da papeira, o vrus da coriomeningite linfocitria, os vrus herpes e o vrus da imunodeficincia humana (VIH).
Os enterovrus (vrus echo e coxsachie) so a principal causa de sndrome
menngea assptica aguda (80 a 85% dos casos em que o agente foi identificado). A transmisso fecal-oral e, tambm, provavelmente, por via respiratria, sendo as crianas mais susceptveis do que os adultos (os enterovrus
mantm-se, neste grupo etrio, a causa mais frequente de meningite assptica).
315
F. Antunes
Meningites bacterianas
A incidncia anual das meningites bacterianas de cinco a 10 casos por
100.000 indivduos. Os agentes mais frequentes das meningites bacterianas
so Haemophilus influenzae, Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae, Listeria monocytogens, Streptococcus agalactiae, bacilos aerbios
Gram-negativo, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis e, mais
raramente, Nocardia, enterococos, anaerbios e difterides. A meningite por
Haemophilus influenzae mais frequente em crianas com idade inferior aos
seis anos, sendo 90% dos casos da responsabilidade das estirpes capsuladas
do tipo b. A utilizao da vacina conjugada anti-Haemophilus veio reduzir,
profundamente, a incidncia das infeces na criana pelas estirpes invasivas
de Haemophilus influenzae tipo b. A meningite por Haemophilus influenzae
em crianas mais velhas e em adultos sugere a presena de factores predisponentes sinusite, otite mdia, epiglotite, pneumonia, diabetes mellitus,
alcoolismo, esplenectomia ou asplenia, traumatismo craniano com fstula de
LCR e imunodeficincia (por exemplo, hipogamaglobulinemia), sendo a mortalidade de 3 a 6%. A meningite por Neisseria meningitidis mais frequente em crianas e adultos jovens (os doentes com deficincias nos componentes terminais do complemento tm risco aumentado), sendo a mortalidade
de 3 a 13%, e a meningite por Streptococcus pneumoniae mais frequente
em adultos e a mortalidade de 19 a 26%. Os doentes tm, em regra, um
foco de infeco pneumoccica contguo ou distncia (pneumonia, otite
mdia, mastoidite, sinusite e endocardite). Streptococcus pneumoniae o agente mais frequente de meningite nos doentes com fractura da base do crnio e
com fstula de LCR. O risco de maior gravidade associa-se a esplenectomia ou
asplenia funcional, mieloma mltiplo, hipogamaglobulinemia, alcoolismo,
malnutrio, doena heptica ou renal crnica, sndrome de Wiskott-Aldrich,
317
F. Antunes
talassemia major e diabetes mellitus. A meningite por Listeria monocytogenes (3.a causa mais frequente de meningite no adulto, a seguir a N.
meningitidis e a S. pneumoniae) acompanhada por mortalidade elevada,
de 15 a 29%, sendo mais frequente no recm-nascido (mais de 10% dos
casos) ou naqueles doentes com factores predisponentes, como idade 50 anos,
alcoolismo, doenas malignas, imunossupresso (por exemplo, transplantados
renais), corticoterapia, diabetes mellitus, doenas heptica ou renal crnicas
e doenas vasculares do colagnio. A meningite por Streptococcus agalactiae
frequente nos recm-nascidos, com mortalidade de 7 a 23%, e nos adultos
parece haver tendncia para aumento da sua frequncia, sendo a mortalidade de 27 a 34%. Os factores de risco para os adultos so idade 60 anos,
diabetes mellitus, parturiente, doena cardaca, doena vascular do colagnio, neoplasia, alcoolismo, doena heptica ou renal e corticoterapia. As
meningites por bacilos aerbios Gram-negativo (por exemplo, Klebsiella spp,
Escherichia coli, Serratia marcescens, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella spp)
so cada vez mais frequentes, considerando-se a mortalidade entre 30 a 80%.
Os factores de risco so traumatismos cranianos, no contexto de procedimentos neurocirrgicos, recm-nascidos, idosos, imunocomprometidos e aqueles
com spsis por Gram-negativo. A meningite por Staphylococcus aureus enquadra-se no contexto do traumatismo craniano, incluindo os procedimentos
neurocirrgicos e, ainda, no caso de fstula do LCR. Para alm destas causas
predisponentes, outros factores podem estar envolvidos no processo, como
endocardite ou infeco para-espinhal, diabetes mellitus, alcoolismo, insuficincia renal crnica, requerendo hemodilise, toxicodependncia de drogas
injectveis e neoplasias, para alm da sinusite, osteomielite e pneumonia,
sendo a mortalidade de 14 a 17%. Staphylococcus epidermidis a causa
mais frequente de meningite bacteriana no caso de shunts do SNC, sendo mais raros os difterides. As meningites por Nocardia ocorrem em doentes com factores predisponentes; as meningites por enterococos so registadas, principalmente, em doentes peditricos com patologia do SNC; as
meningites por anaerbios so, muitas vezes, polimicrobianas e associadas a
focos de contiguidade.
A meningite bacteriana cursa com febre, cefaleias, meningismo e sinais
de disfuno cerebral (por exemplo, confuso mental, delrio ou diminuio
do nvel de estado da conscincia, podendo ir da letargia ao coma)8. O meningismo pode-se acompanhar por Kernig e Brudzinski. A paralisia dos pares
cranianos III, IV, VI, VII ou VIII pode estar presente, assim como sinais focais.
As convulses ocorrem em cerca de uma tera parte dos doentes. O exantema, de incio eritematoso e macular, evolui, rapidamente, para a fase petequial e, posteriormente, para a forma purprica. O exantema regista-se em
cerca de 50% dos doentes com meningococemia, com ou sem meningite,
podendo ser semelhante quele que se regista em esplenectomizados com
spsis por Streptococcus pneumoniae ou por Haemophilus influenzae tipo b.
318
F. Antunes
3. Encefalites
Diversos agentes infecciosos e no infecciosos causam encefalite aguda,
incluindo alguns dos microrganismos responsveis por meningites. As infeces por VHS e por VVZ representam a causa mais frequente de encefalites
vricas, sendo as nicas para as quais se dispe de teraputica etiotrpica. A
infeco por VHS responsvel pela forma mais grave de infeco vrica do
crebro, sendo a mortalidade, sem teraputica, superior a 70%1. A maior
parte dos casos (94 a 96%) da responsabilidade de VHS-1. O envolvimento
do SNC, durante a varicela, varia entre 0,1 a 0,75% e, por outro lado, o
compromisso do SNC no decurso da zona tem maior mortalidade do que a
causada pela varicela15.
A encefalite por VHS caracteriza-se por alteraes do estado de conscincia, com sinais neurolgicos focais, incluindo disfasia, falta de fora e parestesias, estando a febre e as alteraes da personalidade quase sempre presentes, para alm das cefaleias e das convulses (focais ou generalizadas)1.
A encefalite por VHS pode evoluir lentamente ou muito rapidamente, com
progressiva perda de conscincia, que culmina em coma. A evidncia clnica
de compromisso do lobo temporal est, quase sempre, associada a encefalite
por VHS (diagnstico diferencial com abcesso ou empiema subdural, tuberculose, criptococose, toxoplasmose, infeco por VCM, tumor ou hematoma
subdural). Relativamente encefalite por VVZ, a ataxia o sinal neurolgico
mais comum. As outras manifestaes clnicas so cefaleias, febre e vmitos,
muitas vezes acompanhadas por alteraes do estado de conscincia e por
convulses. Para alm destas, esto descritos sinais neurolgicos focais, incluindo disfuno dos pares cranianos, afasia e hemiplegia. A encefalite a
manifestao mais frequente associada ao zster, a qual se verifica em doentes de idade avanada, em casos de imunossupresso e naqueles casos com
zster disseminada. Alguns doentes com zster oftlmico podem desenvolver
(mais tarde, semanas ou mesmo meses) hemiplegia contralateral.
Os estudos do LCR em doentes com encefalite por VHS no so de diagnstico, sendo a contagem de clulas superior a 100/mm3, com predomnio
de linfcitos. A presena de eritrcitos no LCR sugere o diagnstico de encefalite herptica. As protenas podem estar aumentadas. Cerca de 5 a 10%
dos doentes tm, na primeira avaliao, LCR normal. A PCR para identificar
ADN-VHS no LCR muito sensvel e especfica, pelo que o mtodo mais
adequado para o diagnstico de encefalite herptica16. A electro-encefalografia revela actividade de ondas ponta-e-lentas e descargas epileptiformes
320
4. Abcessos cerebrais
A maioria dos casos diagnosticada na 3.a ou 4.a dcadas de vida, mas
podem ocorrer em qualquer idade. A epidemiologia dos abcessos cerebrais
mudou na era dos antibiticos, tendo diminudo a incidncia pelas causas
tradicionais, tais como sinusite aguda ou crnica, otite mdia crnica, traumatismo craniano penetrante, infeco dentria, aumentando a sua incidncia nos doentes imunocomprometidos (transplantados de rgos e medula
ssea, infectados por VIH/sida e doentes sob quimioterapia oncolgica)18. Os
agentes mais frequentes, isolados em 60 a 70% dos abcessos cerebrais, so
os estreptococos (aerbios, anaerbios e micro-aeroflicos)19. Abcessos por
Staphylococcus aureus (aps traumatismo ou craniotomia) podem ocorrer
em indivduos com endocardite ou com traumatismo craniano. Para alm
destes, so agentes de abcessos cerebrais Bacteroides fragilis, enterobactericeas e, mais raramente, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Listeria monocytogenes e Nocardia. Dos fungos, Candida pode causar
abcessos mltiplos e microscpicos, Aspergillus tem o foco de desenvolvimento primrio no pulmo ou em zonas adjacentes ao crebro, e mucormicose
uma das mais fulminantes infeces fngicas. Em regra, existe uma causa
predisponente (neutropenia, doena hematolgica maligna, diabetes mellitus, doena heptica, doena granulomatosa crnica, toxicodependentes de
drogas por via endovenosa, ps-craniotomia, transplantados de rgo, infectados por VIH e corticoterapia, para alm de outras). As manifestaes clnicas (cefaleias, nuseas e vmitos, convulses, rigidez da nuca e edema da
papila, alteraes do estado de conscincia e sinais neurolgicos focais)
ocorrem, secundariamente, presena de uma massa ocupando espao.
A apresentao clnica (febre, cefaleias e dfice neurolgico) depende,
fundamentalmente, do tamanho e da localizao da leso no crebro ou no
cerebelo. A puno lombar est contra-indicada no caso de suspeita de abcesso cerebral, dado o risco de herniao e, por outro lado, as alteraes
321
F. Antunes
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322
TRATAMENTO
A. Mota Miranda
1. Introduo
As infees do sistema nervoso central (SNC) tm formas de apresentao
clnica variada, sendo as mais frequentes a meningite e a encefalite. As sndromes focais, menos comuns, so entidades neurocirrgicas e incluem o abcesso
cerebral, o empiema subdural e o abcesso epidural. Estas patologias constituem
emergncias mdicas, que obrigam a um diagnstico rpido, considerando a
mltipla etiologia, infeciosa (vrus, bactrias, fungos e parasitas) ou no infeciosa, e a um tratamento precoce para reduzir a sua elevada morbilidade e
mortalidade. Logo, a instituio imediata de teraputica antimicrobiana emprica, baseada nos dados epidemiolgicos, idade do doente e fatores predisponentes, precedida de estudo do lquido cefalorraquidiano (LCR) e de, pelo
menos, duas hemoculturas, fundamental para atingir esse objetivo. No deve
ser descurada, ainda, a manuteno das funes vitais e o controlo das complicaes que podem surgir em doentes graves, com disfuno neurolgica e
de outros rgos, os quais podero pr em risco imediato a vida desses doentes. O recurso a tcnicas de neuroimagem a preceder a puno lombar, caso se
justifique, no deve obstar ao atraso na investigao ou ao incio de tratamento. Nesse caso, deve instituir-se o tratamento antimicrobiano at se excluir situao neurolgica que contra-indique, de modo absoluto, esse procedimento.
Ainda, se o transporte do doente a hospital especializado se prev ser demorado, torna-se mandatria a instituio de tratamento antimicrobiano, mesmo
sem colheita de LCR para exame microbiolgico. Em ambos os casos, deve
proceder-se execuo de duas hemoculturas, antes do incio da teraputica
antimicrobiana. Embora o tratamento antimicrobiano tenha reduzido, de modo
significativo, a morbilidade e a mortalidade das infees do SNC, deve notar-se
que continuam a ser doenas temveis, mesmo aquelas para as quais est disponvel tratamento etiotrpico eficaz1. Assim, a melhor estratgia deve
apoiar-se na preveno, atualmente possvel para algumas delas atravs de
vacinas especficas, a maioria integrada nos Programas Nacionais de Vacinao.
A. Mota Miranda
Antibitico
Recm-nascido
L. monocytogenes
Bacilos entricos Gram-negativo
(E. coli, Klebsiella spp)
1 ms-23 meses
Cefotaxima ou ceftriaxona + vancomicina
N. meningitidis
S. pneumoniae
H. influenzae tipo b
Streptococcus do grupo B (agalactiae)
E. coli
2 anos/ 50 anos
N. meningitidis
S. pneumoniae
> 50 anos
S. pneumoniae
N. meningitidis
L. monocytogenes
Bacilos entricos Gram-negativo
o meropenem e a rifampicina (RFP) atingem concentraes no LCR superiores s CBM para os agentes mais habituais de meningite, constituindo, por
estas razes, os frmacos principais para uso nessas situaes2-4,7,8. No entanto, a nvel mundial tm surgido vrios tipos de resistncia aos antimicrobianos de bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, situao que importa conhecer para otimizar a teraputica9,10. O tratamento emprico deve
fundamentar-se na administrao de antibiticos bactericidas, habitualmente,
uma cefalosporina de 3.a gerao cefotaxima ou ceftriaxona associada
ampicilina nos recm-nascidos e em adultos com idade superior a 50 anos e
imunodeprimidos, e vancomicina em lactentes, crianas e adultos, bem
como em doentes com traumatismo craniano, com shunts para derivao de
LCR (ventriculoperitoneais) ou submetidos a atos neurocirrgicos e imunodeprimidos, nestes casos, usando a ceftazidima, cefepima ou o meropenem pela
possibilidade etiolgica de Pseudomonas aeruginosa, (Quadros 2 e 3)2-4,7,11.
Este tratamento dever ser modificado aps a identificao do agente etiolgico e o conhecimento do estudo de sensibilidade aos antimicrobianos
(Quadro 4)2-4,7,11. No quadro 5 mostra-se a posologia dos frmacos usados no
tratamento da meningite bacteriana, em crianas e adultos2-4,7. A emergncia
325
A. Mota Miranda
Antibitico
Traumatismo craniano
cefotaxima ou ceftriaxona + vancomicina
S. pneumoniae
H. influenzae tipo b
Streptococcus grupo A b-hemoltico
S. aureus
Staphylococcus coagulase-negativo
Bacilos entricos Gram-negativo
P. aeruginosa
Listeria monocytogenes
de estirpes de Haemophilus influenzae produtoras de b-lactamase, resistentes ampicilina, e de novos padres de sensibilidade do pneumococo modificaram, radicalmente, o tratamento etiotrpico da meningite bacteriana.
Estes factos devem ter-se em considerao na deciso da teraputica emprica, justificando um conhecimento do panorama epidemiolgico da regio
e da sensibilidade desses microrganismos aos antimicrobianos9,10. Assim, as
cefalosporinas de 3.a gerao cefotaxima e ceftriaxona so os antibiticos
de primeira escolha no tratamento emprico da meningite bacteriana. A
associao da vancomicina deve ser considerada em todos os doentes com
suspeita de meningite pneumoccica, pela possibilidade de existir estirpes
de Streptococcus pneumoniae com resistncia elevada penicilina G concentrao inibitria mnima (CIM) 2,0 /ml bem como deve associar-se
em recm-nascidos e imunodeprimidos a ampicilina, considerando a etiologia
por Listeria monocytogenes2-4,7,11.
Meningite pneumoccica
A introduo da vacina conjugada, 7-valente em 2000 e, posteriormente,
a 13-valente, foi determinante na reduo da incidncia da meningite pneumoccica nos pases desenvolvidos12. A penicilina G e a ampicilina so os
frmacos de eleio para o tratamento da meningite pneumoccica por estirpes sensveis (CIM 0,06 g/ml). No caso de isolados de resistncia inter326
Antibitico
Durao
(dias)
N. meningitidis*
CIM < 0,1 g/ml
CIM 0,1-1,0 g/ml
Penicilina G ou ampicilina
Cefotaxima ou ceftriaxona
7
7
Penicilina G ou ampicilina
10-14
Cefotaxima ou ceftriaxona
10-14
10-14
Cefalosporinarresistente
Vancomicina
10-14
Cefotaxima ou ceftriaxona
Ampicilina
7-10
7-10
S. pneumoniae*
H. influenzae tipo b
b-lactamase+
b-lactamase
L. monocytogenes
Penicilina G ou ampicilina
14-21
21
Cefotaxima ou ceftriaxona
21
P. aeruginosa
Ceftazidima ou cefepima
21
S. aureus meticilinassensvel
Flucloxacilina ou oxacilina
21
S. aureus meticilinarresistente
Vancomicina ( rifampicina)
21
Staphylococcus coagulase-negativo
Vancomicina ( rifampicina)
21
Ampicilina + gentamicina
Vancomicina + gentamicina
Linezolida
14-21
Enterococci spp
Sensvel ampicilina
Resistente ampicilina
Resistente ampicilina e vancomicina
A. Mota Miranda
Dose no adulto
Dose/kg na criana
Amicacina
5 mg/kg cada 8 h
Ampicilina
2 g cada 4 h
200-400 mg cada 4 h
Cefepima
2 g cada 8 h
50 mg cada 8 h
Cefotaxima
2 g cada 4-6 h
150-300 mg cada 8 h
Ceftazidima
2 g cada 8 h
100-150 mg cada 8 h
Ceftriaxona
2 g cada 12 h
80-100 mg cada 4 h
Cotrimoxazol
Flucloxacilina
2 g cada 4 h
100-200 mg cada 6 h
Gentamicina
5 mg/kg cada 8 h
Linezolida
600 mg cada 12 h
10 mg/kg cada 12 h
Meropenem
1 g cada 8 h
40 mg/kg cada 8 h
Oxacilina
1,5-2 g cada 4 h
Penicilina G
Rifampicina
600 mg cada 24 h
Tobramicina
Vancomicina
15 mg cada 6 h
cefalosporinas de 3.a gerao2-4. As novas quinolonas moxifloxacina, gatifloxacina, trovafloxacina (obste a sua hepatotoxicidade), entre outras podero
ser potenciais agentes, sobretudo em associao com as cefalosporinas de 3.a
gerao, para estes casos de multirresistncia, dada a sua eficcia e boa penetrao menngea2-4. A durao do tratamento dever ser de 10 a 14 dias2-4,15.
Meningite meningoccica
A penicilina G ou a ampicilina so as primeiras opes para o tratamento
da meningite meningoccica, pois a maioria dos isolados so sensveis a esse
antibitico2-4,7. Porm, tm sido identificadas estirpes de sensibilidade intermdia (CIM = 0,1-1,0 g/ml) em algumas regies Europa, frica do Sul, Canad e Estados Unidos e, excecionalmente, isolados produtores de b-lactamase
com alto grau de resistncia (CIM 250 g/ml) penicilina G2-4. Apesar disso,
estes aspetos no condicionam modificao da orientao do tratamento da
meningite meningoccica, pois esses casos continuam a ser eficazmente tratados com penicilina G2-4. No entanto, nas regies com esses padres de
resistncia as cefalosporinas de 3.a gerao constituem a opo teraputica
mais eficaz2-4. A durao do tratamento de sete dias, conquanto alguns
estudos revelem que quatro dias so suficientes2-4,15,20.
A. Mota Miranda
podero ser uma alternativa igualmente eficaz e a vancomicina ser reservada para doentes alrgicos2-4. A durao da teraputica dever prolongar-se
por 14 a 21 dias2-4.
Tratamento anti-inflamatrio
O uso dos corticides continua a ser objeto de debate, com estudos mostrando benefcio, em termos de morbilidade e mortalidade, nem sempre
comprovado por outros2,4-7,39-42. A finalidade deste tratamento visa reduzir a
resposta inflamatria no espao subaracnoideu, causada pela libertao de
mediadores pr-inflamatrios, em consequncia da lise bacteriana induzida
pelos agentes antimicrobianos2-4,7. Essa inflamao a principal responsvel
pela morbilidade e mortalidade da doena, e vrios estudos mostraram a
reduo das sequelas neurolgicas, sobretudo auditivas, em crianas com meningite por Haemophilus influenzae tipo b, bem como a reduo da mortalidade em doentes com meningite pneumoccica, tratados com corticides2-4,7.
Porm, vrios estudos no confirmam estes resultados39-42. Apesar da controvrsia, aconselha-se o uso de corticides em doentes com meningite pneumoccica e, tambm, por Haemophilus influenzae tipo b. A dexametasona,
na dose de 10 mg no adulto ou 0,15 mg/kg na criana, deve ser administrada 15 a 20 min antes ou em simultneo com o antimicrobiano, e em cada
seis horas, durante quatro dias. No se aconselha o seu uso em recm-nascidos, em doentes com tratamento antimicrobiano prvio ou por outros
agentes bacterianos. A vigilncia deve ser rigorosa, incluindo estudo do LCR
s 48 horas aps o incio do tratamento, em doentes com meningite por
Streptococcus pneumoniae resistente penicilina G ou s cefalosporinas de
3.a gerao ou em doentes com resposta clnica no favorvel2-4,7.
331
A. Mota Miranda
Criana
RFP no aprovado
com IP 150 mg
com EFV 450-600 mg
PZA 20-25 mg/kg (1.000-2.000 mg)
SM 20-40 mg/kg
Peso 50 kg 750 mg
Peso > 50 kg 1.000 mg
INH isoniazida; RFP rifampicina; PZA pirazinamida; ETB etambutol; SM estreptomicina;
IP inibidor de proteasa; EFV efavirenze
Meningite tuberculosa
A meningite tuberculosa causa de elevada morbilidade e mortalidade43,44.
O diagnstico precoce fundamental para minimizar o risco de morte e ocorrncia de sequelas, por vezes, incapacitantes. Assim, o tratamento deve ser
institudo o mais precocemente possvel, mesmo sem a sua confirmao
etiolgica. Quatro frmacos principais isoniazida, rifampicina, etambutol e
pirazinamida constituem a base da estratgia do tratamento, que, obrigatoriamente, implica a associao de vrios desses medicamentos43,44. Outros,
de segunda opo, esto disponveis para uso em doentes com intolerncia,
em situaes de interferncia medicamentosa ou em infetados por microrganismos resistentes e incluem a cicloserina, capreomicina, etionamida, cido
para-aminosaliclico (PAS), estreptomicina, canamicina, amicacina, ofloxacina,
ciprofloxacina, levofloxacina, moxifloxacina, gatifloxacina, rifabutina e rifapentina43,44. Estes medicamentos, de um modo geral, apresentam menor eficcia e maior toxicidade43,44. No quadro 6 mostram-se os principais frmacos
usados no tratamento da tuberculose e a respetiva posologia, na criana e no
adulto. A teraputica da meningite tuberculosa semelhante ao de outras
formas de tuberculose, conquanto a sua durao deva ser de 9-12 meses43,44.
A medicao deve ser prescrita em toma nica, por via oral, administrada em
332
Durao
2 meses
INH + RFP
7-10 meses
jejum e sob vigilncia direta. Todas as medidas que possam promover a adeso
medicao so importantes para o sucesso do tratamento e para o xito na
luta contra a tuberculose43,44. A seleo do esquema de tratamento deve
basear-se no conhecimento da prevalncia de estirpes resistentes aos frmacos, antecedentes de tuberculose, formas de tratamento e sua adeso. Neste contexto deve usar-se um esquema de tratamento que seja eficaz contra
estirpes de Mycobacterium tuberculosis multirresistentes (MDR) e extensivamente resistentes (XRD). Posteriormente, a teraputica dever ser modificada, de acordo com os resultados dos testes de sensibilidade. Assim, fundamental que sejam efetuados em todos os casos exames culturais dos
produtos biolgicos, incluindo do LCR, para identificao de Mycobacterium
tuberculosis e realizao de estudos de suscetibilidade. A associao de quatro antibacilares de primeira linha e com adequada penetrao menngea
e enceflica fundamental para o sucesso do tratamento. O esquema aconselhado consiste na associao de isoniazida com rifampicina, pirazinamida
e etambutol, nos primeiros dois meses, seguido de isoniazida e pirazinamida at perfazer nove-12 meses (Quadro 7)43,44. O tratamento deve ser prolongado nas situaes em que so usados outros frmacos, podendo atingir dois
anos no caso de no se poderem usar frmacos bactericidas43,44. A este esquema teraputico deve associar-se a piridoxina na dose de 50 mg/dia, para
minimizar o risco de neuropatia perifrica associado isoniazida. A vigilncia da toxicidade deve ser peridica, tendo em considerao os aspetos
mostrados no quadro 8. A corticoterapia, ainda objeto de debate, pode estar
indicada no doente com edema cerebral, dfices neurolgicos, hidrocefalia,
aracnoidite optoquiasmtica e bloqueio espinhal, devendo ser usada a dexametasona (0,3-0,4 mg/kg) 10 mg inicial, seguida de 5 mg cada seis horas,
ou prednisolona (1 mg/kg) 50-75 mg/dia, durante seis a oito semanas43-45.
Nos casos de hidrocefalia, presena de tuberculoma e de bloqueio espinhal
pode justificar-se a cirurgia (Quadro 9). De um modo geral, em doentes infetados por VIH, mais sujeitos ao risco de desenvolver tuberculose ativa,
aplicam-se os mesmos princpios de tratamento da meningite tuberculose
que para doentes no infetados por VIH43,44,46,47. No entanto, h particularidades, incluindo o incio do tratamento antirretrovricos sabendo a influncia que
a tuberculose tem na progresso da doena, as interferncias medicamentosas,
sobretudo das rifamicinas com alguns antirretrovricos, a sobreposio de
333
A. Mota Miranda
Interveno
Isoniazida
Hepatite, neuropatia perifrica, exantema,
febre e convulses
Rifampicina
Hepatite, trombocitopenia, exantema,
febre, mialgias e nefrite
Rifabutina
Artralgias, uvete e leucopenia
Pirazinamida
Hepatite, exantema, artralgias e gota
Etambutol
Nevrite tica e exantema (raro)
Estreptomicina
Nefrotoxicidade e ototoxicidade
toxicidades, bem como o apoio e integrao em cuidados de sade especiais43,44,46,47,50. Esse conhecimento fundamental para permitir selecionar a
opo de tratamento mais eficaz da coinfeco VIH-tuberculose. Embora a rifampicina possa ser usada com alguns antirretrovricos, a rifabutina uma alternativa com a mesma eficcia e menos interferncias medicamentosas43,44,46,47.
Assim, se o tratamento da meningite tuberculosa deva ser prioritrio, no
Teraputica
Dexametasona/prednisolona; durao
6-8 semanas
Dfices neurolgicos
Hidrocefalia
Aracnoidite optoquiasmtica
Bloqueio espinhal
Indicaes para tratamento cirrgico
Hidrocefalia
Tuberculoma
Bloqueio espinhal
334
Manuteno
Observaes
Formas sensveis
Esquemas base de RFP
INH + RFP + PZA + EMB
durante dois meses
Meningite criptoccica
A meningite ou meningoencefalite por Cryptococcus neoformans ocorre,
principalmente, em hospedeiros imunodeprimidos, sobretudo em doentes
com sida ou sujeitos a transplantao de rgos. Pode, no entanto, tambm
surgir em hospedeiros sem evidncia de imunodeficincia51-53. O seu tratamento tem sido objeto de vrios estudos que mostram ser a anfotericina B,
o fluconazol e a flucitosina os frmacos de eleio e que em associao
335
A. Mota Miranda
Linfcitos T CD4+ 50
Manifestaes clnicas de gravidade*
*De acordo com o score Karnofsky, ndice de massa corporal, hemoglobina e albumina, disfuno de
rgo ou doena VIH progressiva.
Durao
2 semanas
2 semanas
4-6 semanas
Durao
FLCZ 400 mg
8 semanas
Manuteno
Durao
FLCZ 200 mg
ou
ITCZ 400 mg/dia
ou
ANFB 1 mg/kg/semana (menor eficcia)
Durao
2 semanas
ou
ANFB-L 6 mg/kg ou
ANFB-CL 5 mg/kg
4-6 semanas
Consolidao
Durao
FLCZ 400-800 mg
8 semanas
Manuteno
Durao
FLCZ 200-400 mg
6 -12 meses
337
A. Mota Miranda
Durao
4 semanas
ou
ANFB 0,7-1 mg/kg
6 semanas
ou
ANFB-L 3-4 mg/kg
ou
ANFB-CL 5 mg/kg + FLCT 100 mg/kg
4 semanas
4 semanas
ou
ANFB 0,7 mg/kg + FLCT 100 mg/kg
2 semanas
Consolidao
Durao
FLCZ 400-800 mg
8 semanas
Manuteno
Durao
FLCZ 200 mg
6-12 meses
A. Mota Miranda
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342
343
Seco 13
1. Introduo
A pele ntegra constitui uma barreira eficaz penetrao dos microrganismos devido sua estrutura anatmica, ao pH baixo, secreo pilosebcea,
que inibe o crescimento microbiano e flora comensal residente1. Esta atua
como inibidor competitivo da colonizao por bactrias patognicas e ,
tpicamente, constituda por estafilococos, corinebactria, propionibactria
e fungos. A sua quantidade varia de centenas a vrios milhares por cm2 nas
reas hmidas das axilas e regies inguinais2. Para que ocorra infeo cutnea,
necessrio que haja alterao da sua integridade ou dos mecanismos de
defesa, no esquecendo que as alteraes da irrigao sangunea podem
favorecer a penetrao bacteriana3.
As infees cutneas podem ser causadas por muitos agentes, sendo Staphylococcus aureus o mais frequente, quase sempre nos abcessos e outras
infees supuradas, seguido de Streptococcus pyogenes. Muitos outros microrganismos podem, tambm, ser causa de infees cutneas anaerbios, micobactrias, fungos, parasitas e vrus. Cabe, aqui, relevar as dificuldades em conseguir o diagnstico etiolgico nas infees da pele e dos
tecidos moles (IPTMs), particularmente nas formas no purulentas, onde
os mtodos disponveis so pouco sensveis (puno aspirao, punch ou
biopsia e hemoculturas); deste facto resulta um grau de incerteza significativo na etiologia das IPTMs4.
As infees bacterianas, pela sua maior frequncia e importncia, sero
as nicas referidas. Da mesma maneira, pela sua complexidade e/ou especificidade, no ser abordado, aprofundadamente, todo o espectro de infees que ocorrem em contextos especficos, como sejam, as infees no
p diabtico, as infees das feridas cirrgicas e as infees em utilizadores
de drogas endovenosas, remetendo para revises ou para recomendaes
especificas5-7.
Vrias classificaes tm sido propostas para as IPTMs. No quadro 1 apresentamos a classificao clssica. Uma outra classificao, mais simples e
talvez mais til do ponto de vista clnico, a proposta por Gunderson celulite (com o subgrupo importante das celulites supuradas), erisipelas, abcessos e infees necrosantes dos tecidos moles8. No entanto, a tendncia atual,
345
J. Oliveira
Impetigo
Foliculite
Intertrigo
Hidrosadenite
Oniquia e perioniquia
Infees dermoepidrmicas
Erisipela
Linfangite
Panarcio
Infees dermohipodrmicas
Celulite
Abcesso
Quadro 2. Critrios clnicos de gravidade das infees da pele e dos tecidos moles
Febre ou hipotermia
Instabilidade hemodinmica
Taquicardia > 100 pulsaes/min
Hipotenso (tenso arterial sistlica < 90 mmHg ou > 20 mmHg abaixo do valor basal)
Crepitao
Necrose da pele
Necrose
Bolhas
Presena de gs no radiograma simples
Edema sob tenso, que se estende para alm da rea de pele afetada
Equimose extensa
Adaptado de Dryden2 e Anaya, et al.9
importante para o clnico, que observa uma infeo da pele tentar distinguir as que so benignas, e podem ser tratadas em ambulatrio com antibioterapia oral, daquelas que so, potencialmente, graves e colocam em
risco a vida do doente, como o caso das infees necrosantes dos tecidos
moles (INTMs). Tm sido propostos vrios indicadores nesta avaliao. Nos
quadros 2 e 3 apresentamos os critrios clnicos clssicos e o Laboratory Risk
Indicator for Necrotizing fasciitis (LRINEC), respetivamente. Os critrios clnicos, embora tpicos e bastante especficos de INTM, apresentam uma sensibilidade baixa e esto presentes em apenas 10-40% dos doentes. Os critrios
de Wall (Na srico < 134 mEq/l; leuccitos > 15,5 g/l) so um bom indicador
na excluso, mas no tm utilidade na confirmao de INTM2,8. O LRINEC
(ndice > 6) constitui o melhor indicador para excluir ou confirmar uma INTM,
embora necessite de validao prospetiva, sendo til, apenas, quando a
suspeio clnica forte, ab initio9. Na avaliao inicial das IPTMs, alm dos
dados analticos necessrios aplicao dos critrios LRINEC, pode ser til a
ecografia dos tecidos moles, sobretudo na deteo de colees supuradas
no evidentes no exame fsico. Adicionalmente, alguns autores defendem a
pesquisa da existncia de flebite ou flebotrombose dos membros inferiores
por ECO-doppler2,8.
Um outro desafio que se coloca ao clnico tentar determinar qual(is) o(s)
agente(s) mais provavelmente implicado(s) para, assim, instituir a teraputica
mais adequada. Este aspeto particularmente relevante numa poca em que
a epidemiologia da IPTM tem sofrido alteraes significativas, particularmente a emergncia de infees por Staphylococcus aureus resistentes meticilina adquirido na comunidade (SARM-AC). De acordo com as mais recentes
recomendaes da IDSA e outras publicaes, as infees purulentas da pele
so, at prova em contrrio, de etiologia estafiloccica e, dentro destas, nos
EUA, uma grande responsabilidade cabe a SARM-AC8-11.
347
J. Oliveira
Leuccitos/mm
< 15
> 15
< 15
15-25
> 25
> 13,5
11-13,5
< 11
135
< 135
1,6
> 1,6
180
> 180
Hemoglobina (g/dl)
Adaptado de
Gunderson8
e Anaya, et
al.9
3. Impetigo
Trata-se de uma piodermite aguda superficial causada por Staphylococcus
aureus e por Streptococcus pyogenes ou pela associao de ambos, sendo
frequente na criana em idade escolar e muito contagiosa no meio familiar
e escolar3.
348
4. Ectima
Caracteriza-se por leses crostosas secas da pele, causado por Staphylococcus aureus e por Streptococcus pyogenes. Ao contrrio do impetigo atinge
a derme, pelo que pode ocasionar cicatrizes. O tratamento semelhante ao
impetigo16.
5. Perioniquia
Consiste numa infeo entre o leito da unha e a cutcula, que est associado ao hbito de chupar os dedos e s profisses ou passatempos que
obrigam imerso prolongada dos dedos em gua. Staphylococcus aureus
o agente mais implicado, podendo, nalgumas circunstncias, estarem envolvidos os anaerbios da boca e os estreptococos. Necessita, apenas, de
drenagem das leses, no havendo em regra necessidade de antibioterapia16.
6. Erisipela
Refere-se a uma infeo aguda da pele, com invaso dos vasos linfticos,
causada pelo estreptococo b-hemoltico do grupo A. Mais raramente, podem estar implicados os estreptococos dos grupos C, G ou B 10. Os fatores
349
J. Oliveira
7. Foliculite
Trata-se de pequena infeo focal, tendo como porta de entrada o folculo piloso, sendo na maior parte dos casos da responsabilidade de Staphylococcus aureus. Raramente os germes podem atingir o folculo por via hematognica15. A foliculite pode progredir, formando abcessos subcutneos
designados furnculos, sobretudo nas reas de pele espessa1. Em geral, drenam espontaneamente e evoluem para a cura. No entanto, podem progredir,
formando conglomerados de furnculos contguos, muito dolorosos, designados por antraz, com vrios orifcios de drenagem, situados mais vezes na
nuca, no dorso e nas ndegas3. Esta forma requer drenagem cirrgica e
antibioterapia dirigida ao estafilococo15.
8. Hidrosadenite
Consiste numa doena supurativa crnica das glndulas apcrinas da regio axilar, genital e perianal, com tendncia formao de cicatrizes. As
leses iniciam-se pela ocluso dos ductos de drenagem por secrees espessas, queratinosas, que, secundariamente, infetam com flora polimicrobiana,
isto , estafilococos, estreptococos no hemolticos, Streptococcus milleri,
Escherichia coli, Proteus spp, Pseudomonas aeruginosa e, eventualmente,
anaerbios. O tratamento muito difcil, com teraputica antibitica orientada pelos resultados dos exames bacteriolgicos e respetivos testes de sensibilidades. Com frequncia, necessrio o recurso cirurgia, quer para
drenagem dos abcessos, quer para exciso das reas lesadas ou com cicatrizes
extensas19.
350
9. Celulite
A celulite uma infeo mais profunda e localizada na pele que atinge
a juno dermohipodrmica caracterizada, histopatologicamente, por infiltrao leucocitria, dilatao capilar e proliferao bacteriana15. Do ponto
de vista clnico, manifesta-se por inflamao aguda da pele, com dor localizada, eritema com tonalidade mais plida que a erisipela, edema, rubor
e limites mal definidos. Com frequncia, regista-se a presena de adenopatia regional e a bacteriemia comum, podendo formar-se pequenos
abcessos, com eventual necrose de algumas zonas de pele 15,19. Os agentes mais frequentes so o estreptococo e o estafilococo. A celulite purulenta, definida como associada a presena de exsudato ou drenagem
purulenta sem presena de abcesso, , mais provavelmente, de etiologia
estafiloccica8.
A celulite por Staphylococcus aureus progride, centrifugamente, a partir
do ponto de entrada. A celulite por estreptococo um processo mais difuso,
progredindo com maior rapidez e associado, com frequncia, a linfangite e
febre15.
Outros agentes podem estar implicados em circunstncias particulares,
tais como Streptococcus agalactiae na diabetes mellitus ou na doena
vascular perifrica, Haemophilus influenzae na criana com celulite orbitria e sinusite, otite mdia aguda ou epiglotite, Pasteurella multocida
nas celulites associadas a mordeduras (gato e co), Streptococcus intermedius e Capnocytophaga canimorsus na mordedura do co, Eikenella
corrodens e outros anaerbios na mordedura humana e por animais,
Pseudomonas aeruginosa nas leses da pele adquiridas em banhos de
imerso quentes, Aeromonas hydrophyla nas laceraes produzidas ao
nadar em guas doces, Vibrio vulnificus nas leses produzidas ao nadar em
guas salgadas, especialmente nas Carabas, no golfo do Mxico e no Sudoeste Asitico10,19.
A celulite uma infeo potencialmente grave, em virtude da propenso
disseminao linftica e sangunea. Os princpios do tratamento so semelhantes da erisipela, mas necessitam, com maior frequncia, de internamento e antibioterapia parentrica10,19.
J. Oliveira
19
20
21
e Lewis .
estreptococos
estafilococos
V. vulnificus
A. hydrophila
peptostreptococos
30-70%
++++
fscias e pele
0
sero-sanguinolento
1 a 4 dias
++++
+
++++
edema, eritema,
necrose, bolhas
Letalidade
Germes
Toxicidade sistmica
Porta de entrada
Diabetes
Tecidos atingidos
Gs
Exsudato
Odor
Incubao
Febre
Dor difusa
Dor localizada
Aspeto da pele
Gangrena
monomicrobiana
(fascete tipo II)
15-30%
Clostridium
spp
msculos pele
e fscias
++++
serosanguinolento
++++
++++
algumas horas
+++
+
++++
edema, pele
negra, fria,
bolhas,
necrose
nauseabundo
Gangrena
gasosa
(mionecrose)
> 50%
aerbios +
++
++++
++++
pele, fscias e
msculos
25%
purulento
3 a 14 dias
++
+
++
edema,
eritema,
lceras, placas
de necrose
nauseabundo
Gangrena
sinergstica
ou celulite
necrosante
sinergstica
(fascete tipo I)
baixa
estafilococos
anaerbios
msculos
0
purulento
1 a 3 semanas
++
+
++
normal
Piomiosite
baixa
estreptococos
microaeroflicos
+ estafilococos
pus, gua de
lavar
mnima
++++
++
pele, fscia
superficial
indolente
grave
lcera necrtica
central
marginada por
eritema
nauseabundo
Celulite
sinergstica
bacteriana
progressiva
baixa
mnima
++++
tecido celular
subcutneo,
pele
Clostridium
spp
por vezes
nauseabundo
++++
escuro, fino
> 3 dias
ligeira
descolorao
mnima
Celulite por
Clostridium
baixa
moderado
++
+++
tecido celular
subcutneo,
pele
anaerbios +
aerbios
++++
pus escuro
nauseabundo
vrios dias
ligeira
descolorao
mnima
Celulite
anaerbica no
clostridiana
353
J. Oliveira
J. Oliveira
conhecimento das resistncias dos germes potencialmente implicados, nomeadamente, a resistncia meticilina de Staphylococcus aureus e o perfil de resistncia
dos germes Gram-negativo. Nestas circunstncias, enquanto no for possvel excluir com segurana a presena de SARM, devem ser utilizados frmacos com
atividade nestes agentes como vancomicina, daptomicina ou linezolida9.
discutvel ainda qual o papel dos novos antibiticos (linezolida, tigeciclina e daptomicina) nas infees complicadas da pele e tecidos moles.
Relativamente ao SARM, no existe, at ao momento, evidncia de superioridade dos novos agentes em detrimento dos glicoptidos clssicos,
embora aqueles devam ser considerados quando no h melhoria com a
vancomicina ou se registam efeitos secundrios desta. Tambm a linezolida
poder constituir uma vantagem quando a via oral pode ser utilizada, permitindo uma alta mais precoce. A tigeciclina poder ser uma opo em situaes de etiologia claramente polimicrobiana, sobretudo se houver contra-indicao a um dos componentes das associaes habitualmente preconizadas
nestas situaes23.
J. Oliveira
14. Concluso
A abordagem diagnstica e teraputica das IPTMs constitui um desafio
muito importante para os clnicos devido ao polimorfismo de apresentao, gravidade potencial e ao leque enorme de microrganismos que
podem estar implicados. Adicionalmente, assiste-se a alteraes epidemiolgicas, que podem ter repercusso na interveno teraputica destas
infees. Em contrapartida surgiram, nos ltimos anos, novas classificaes que permitem uma melhor sistematizao desta patologia e dispomos tambm de novos frmacos que abriram o leque das opes teraputicas nas IPTMs complicadas No entanto, porque as realidades podem
ser completamente distintas consoante a rea geogrfica, crucial o
conhecimento da epidemiologia microbiana local, com particular relevo
para a prevalncia de resistncias, para uma correta seleo dos antimicrobianos a utilizar.
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358
359
Seco 14
INFEES INTRA-ABDOMINAIS
Manuela Doroana
1. Introduo
As infees intra-abdominais correspondem presena na cavidade peritoneal de um processo infecioso devido a um microrganismo, em regra, identificvel1. Por uma questo didtica, as infees intra-abdominais so tratadas
separadamente em peritonites e em abcessos. As peritonites so processos
inflamatrios do peritoneu, sendo classificadas em primrias, secundrias e
tercirias, consoante as suas causas (Quadro 1)1,3.
Os abcessos so colees localizadas de material purulento, resultando da
interao entre os sistemas de defesa do hospedeiro e as bactrias que invadem a cavidade peritoneal. Os abcessos, pela sua localizao, so classificados
em intraperitoneais, do espao retroperitoneal ou viscerais.
2. Peritonites
As peritonites nem sempre so devidas presena de microrganismos ou seja
de causa infeciosa, podendo ser de origem qumica (por exemplo suco gstrico
oriundo de perfurao gstrica, blis das vias biliares, enzimas como consequncia de pancreatite), por radiaes ou pela presena de corpos estranhos
(ingesto e perfurao ou feridas penetrantes)2.
No decurso da peritonite, o lquido peritoneal pode aumentar cerca de
300-500 ml/h, o que poder resultar em hipovolemia, pelo que necessrio
interveno imediata, no sentido de repor a volemia.
No caso da peritonite de origem infeciosa so conhecidos fatores que
podem dar noo da gravidade do processo, tais como localizao e tamanho
do local de partida da infeo, natureza da doena de base, presena de
aderncias na cavidade peritoneal, em consequncia de cirurgias prvias ou
de episdios anteriores de peritonite, durao da doena e mecanismos de
defesa do prprio indivduo1.
Peritonite primria
A peritonite primria ocorre espontaneamente, sem evidncia de perfurao de rgo intra-abdominal, surgindo, na maioria dos casos, em doentes
361
M. Doroana
Causas
Peritonite primria
Cirrose
Dilise em ambulatrio
Tuberculose
Peritonite secundria
Perfurao gastrintestinal
Infeo de rgos plvicos
Cirurgia
Traumatismo
Peritonite terciria
com ascite, como na doena heptica crnica (cirrose) ou em doentes submetidos, por exemplo, a dilise peritoneal em ambulatrio. Este termo inclui
situaes nas quais no se evidencia qualquer foco intra-abdominal ou de
desenvolvimento primrio da infeo ou, ainda, quando causada por certos
microrganismos, tais como pneumocos, estreptococos e Mycobacterium tuberculosis4.
A cirrose e a ascite predispem para a infeo pela diminuio das protenas totais e dos nveis de complemento, com influncia na opsonizao bacteriana, diminuio da quimiotaxia e da fagocitose pelos polimorfonucleares.
A peritonite primria bacteriana ou espontnea, do ponto de vista da
patogenia, pode desenvolver-se por quatro mecanismos:
Com origem no trato genital feminino.
Por disseminao hematognica dos microrganismos.
Por migrao transmural dos microrganismos intestinais endgenos.
Por disseminao da infeo por contiguidade, atravs dos linfticos,
desde o intestino, pncreas ou aparelho urinrio.
Os microrganismos mais frequentes so Gram-positivo Streptococcus
pneumoniae e Streptococcus do grupo A e Gram-negativo Escherichia coli5.
No cirrtico, os mecanismos patognicos mais frequentes, na peritonite espontnea bacteriana, so a existncia de hipertenso portal, a insuficincia heptica, a diminuio da capacidade fagocitria do sistema reticulo endotelial
(SRE) e a diminuio da capacidade antibacteriana do lquido asctico, que
se relaciona diretamente com a respetiva concentrao de protenas. A clnica da peritonite espontnea bacteriana semelhante da secundria,
iniciando-se por nuseas, febre (em mais de 80% dos casos), vmitos e dor
abdominal. Ao exame objetivo reala-se a palpao dolorosa, com rigidez
muscular e ausncia dos rudos intestinais. No cirrtico, as manifestaes
clnicas podem ter incio mais insidioso, com febrcula, palpao indolor do
abdmen, podendo o quadro estar mascarado pela insuficincia heptica,
no contexto da encefalopatia, da sndrome hepatorrenal ou da ascite.
362
Infees intra-abdominais
Peritonite secundria
A peritonite secundria devida a condies predisponentes colonizao de bactrias na cavidade peritoneal. As causas so inmeras, tais como
diverticulite com perfurao, doenas inflamatrias do intestino (Crohn e
colite ulcerosa), apendicite, infees das vias biliares, pancreatite necrosante,
doenas inflamatrias plvicas, gravidez ectpica, toro do ovrio, perfurao de lcera, neoplasias (com obstruo intestinal e perfurao) e de ordem
vascular (ocluso ou isquemia da mesentrica), traumticas ou, mesmo, cirrgicas1.
A colonizao bacteriana varivel, dependendo do ponto de partida da
infeo e por esta razo deve ser dada especial ateno para a histria clnica no sentido de se identificar a sua origem. Em relao flora microbiana, relativamente ao tubo digestivo, o leo e o clon so as localizaes mais
contaminadas. Os agentes mais encontrados so aerbios (Escherichia coli,
outras enterobactericeas, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa,
Klebsiella, Proteus e enterococos) e anaerbios (Bacteroides fragilis, Fusobaccteria, Peptostreptococcus spp e Clostridium spp)5.
363
M. Doroana
O conhecimento da microflora intestinal importante, dado que a maioria dos casos de peritonite so entidades graves, no se podendo aguardar
pela identificao do ou dos agentes para se instituir o tratamento, devendo
optar-se pela teraputica emprica.
O diagnstico desta entidade clnico, insistindo-se na condio predisponente da peritonite. Antecedentes de lcera gastroduodenal, de alteraes do trnsito, de doena inflamatria do intestino, de alcoolismo (doena heptica crnica e pancreatite), de litase biliar, de doena inflamatria
plvica, de gravidez (gravidez ectpica) e de traumatismos devem ser cuidadosamente investigados.
A sintomatologia, em geral, caracterizada por dores abdominais de
incio sbito, em regra agravadas pelos movimentos, acompanhadas por
outros sintomas, tais como anorexia, febre elevada, nuseas, vmitos e mal-estar geral. Ao exame objetivo, a palpao abdominal dolorosa (dor e defesa abdominal), com diminuio ou, mesmo, abolio dos rudos hidroareos devem ser realadas, bem como a existncia de taquicardia e ou
taquipneia. O clnico deve estar alertado para que estes sinais e sintomas de
spsis podem ser mnimos no caso dos idosos, bem como nos doentes sob
corticoterapia e outras teraputicas imunossupressoras16.
Perante a suspeita clnica de peritonite devem ser considerados alguns
exames complementares, de imediato, tais como o hemograma, em que se
deve estar atento leucocitose com neutrofilia, estudo dos parmetros de
fase aguda de infeo (protena C, fibrinognio, velocidade de sedimentao, a-2 globulina), anlises da funo renal (ureia e creatinina), ionograma, albumina, gasimetria arterial, o radiograma simples do abdmen
e das cpulas diafragmticas (pesquisa de presena de gs infradiafragmtico, observada nas perfuraes de vscera oca, de nveis hidroareos e de
dilatao do clon), a paracentese, a ecografia abdominal ou mesmo a laparatomia2.
A ecografia abdominal importante para a explorao do hipocndrio
direito (fgado e vias biliares), bem como para os rins e plvis com sensibilidade de cerca de 90%. A TAC abdominal tem sensibilidade de 78 a 100%,
sendo bastante especfica no caso de pancreatite aguda, de perfurao de
vscera oca ou na deteo de plastro inflamatrio1,2. Consideramos que
hoje a TAC o exame imagiolgico de eleio para se determinar a presena de uma infeo intra-abdominal e qual a sua causa16.
Como teraputica, as medidas mdicas incluem o suporte das funes
vitais, tais como a manuteno do volume intravascular, com reposio
de fluidos, correes inicas e da acidose, manuteno do dbito urinrio e instituio imediata de teraputica antimicrobiana, com cobertura para
aerbios e anaerbios1,16.
Consoante a causa da peritonite, deve ponderar-se a drenagem ou mesmo
outras intervenes cirrgicas, como a remoo de tecidos necrosados, por
364
Infees intra-abdominais
Infees graves em
imunodeprimidos, na idade
avanada e naqueles com
alteraes do conhecimento
Um agente
Imipenem, meropenem ou
piperacilina-tazobactam
Associaes
Ceftriaxona + metronidazol
Ciprofloxacina + metronidazol
Cefepima ou ceftazidima +
metronidazol
Ciprofloxacina + metronidazol
forma a evitar futuras contaminaes ou, mesmo, a laparatomia exploradora, a correo de lcera perfurada, a resseco do clon ou de intestino
delgado perfurado.
A teraputica antimicrobiana visa o controlo da bacteriemia e a preveno da metastizao, pela criao de outros focos de infeo. O incio da
teraputica dever ser imediato, logo que se estabelea a presena de infeo intra-abdominal. Como referido anteriormente, estas infees so polimicrobianas, em cerca de 76% dos casos, estando presentes aerbios e
anaerbios. Os microrganismos mais representativos da flora intestinal, agentes de peritonite so Escherichia coli, Bacteroides fragilis e enterococos. Os
antibiticos preconizados para o tratamento so ampicilina/cido clavulnico, imipenem, meropenem ou piperacilina/tazobactam6-8. Dada a gravidade
destas situaes, prope-se um esquema teraputico que inclua a cobertura
para Gram-positivo, Gram-negativo e anaerbios.
A avaliao da eficcia da teraputica dever ser considerada ao fim de
dois a trs dias pela estabilizao dos sinais vitais, desaparecimento da febre,
devendo ser revistos todos os resultados dos exames culturais e de sensibilidade aos antibiticos, para eventual alterao da teraputica emprica instituda. Alm do mais, devero tambm ser pesquisados, sistematicamente,
sinais de sobreinfeo. A evoluo destas infees intra-abdominais tem uma
relao direta com os fatores preditivos de falncia ao controlo destas mesmas infees16 (Quadro 2 e 3)16.
365
M. Doroana
Peritonite terciria
A peritonite terciria , em regra, difusa e persistente com pouco exsudado fibrinoso, observando-se em doentes com passado de peritonite secundria, que no se resolveu nem evoluiu para a formao de abcessos intra-abdominais bem delimitados. Geralmente de difcil diagnstico pois
ocorre em doentes crticos, sendo a histria inatingvel e mesmo o nvel de
conscincia do doente no permite qualquer colaborao. Este tipo de peritonite s ocorre em doentes submetidos a mltiplas operaes e que esto
imunodeprimidos. Deve ser considerado o seu diagnstico na presena de
sinais de spsis ou de disfuno de um rgo, quando existe histria de cirurgia prvia, de doena vascular perifrica, de fonte de embolia arterial, de
doena trombtica, de recente arteriografia ou histria de uso de vasopressores ou de choque prolongado. Nestes casos so isolados microrganismos
de baixa patogenicidade, como Serratia spp, Acinetobacter spp, Pseudomonas aeruginosa, Staphilococcus coagulase negativa, Enterococcus spp e,
sobretudo, fungos (Candida spp)3,15. Nestes doentes crticos recomenda-se a
associao de imipenem/cilastatina com aminoglicosdeo e com anfotericina
B ou fluconazol.
3. Abcessos
Os abcessos intra-abdominais continuam a ser um grave problema na
prtica cirrgica. Por vezes a sua localizao de difcil diagnstico, o que
condiciona aumento de mortalidade e hospitalizao prolongada9.
Abcessos intraperitoneais
Os abcessos intraperitoneais so devido, em regra, a soluo de continuidade, que ocorre no tubo digestivo. As causas mais frequentes so a perfurao de lcera pptica, a perfurao do apndice ou de um divertculo, a
colecistite gangrenosa, a isquemia da mesentria e a pancreatite, com progresso para abcessos pancreticos. Outras causas resultam de traumatismos
abdominais e de complicaes ps-operatrias (por exemplo, clculo residual
ps-colecistectomia laparoscpica). Estes abcessos podem-se, tambm, formar numa fase posterior ocorrncia de peritonite9.
Em regra, a flora microbiana mista e constituda por aerbios, sendo o
mais frequente Escherichia coli, e por anaerbios (Bacteroides fragilis). No
caso de ferida penetrante deve ser levada em linha de conta a flora da pele.
Quanto aos abcessos plvicos, como consequncia de doena inflamatria
plvica, Neisseria gonorrhea e Chlamydia trachomatis tero, tambm, de ser
366
Infees intra-abdominais
M. Doroana
Abcessos retroperitoneais
Os abcessos retroperitoneais podem formar-se por vrios mecanismos,
incluindo a perfurao do tubo digestivo para o retroperitoneu e a disseminao linftica ou hematognica de bactrias aos rgos retroperitoneais,
especialmente a partir do pncreas inflamado. Convm lembrar que fazem
parte do espao retroperitoneal o clon ascendente e descendente, o duodeno, o pncreas, os rins e as glndulas suprarrenais, podendo os abcessos retroperitoneais estarem relacionados com processos mrbidos destes rgos1.
Abcessos
viscerais
Os abcessos viscerais so devidos propagao hematognica ou linftica de bactrias para um determinado rgo.
Abcessos
hepticos
Infees intra-abdominais
Abcessos
esplnicos
Os abcessos esplnicos so considerados raros, podendo surgir em doentes com determinada patologia de base (hemoglobinopatias, traumatismos
abdominais ou em toxicodependentes por via endovenosa). Em regra, so
microabcessos mltiplos, por disseminao hematognica, podendo surgir na
evoluo de endocardite por Staphylococcus aureus ou por Streptococcus
viridans, sendo muito menos frequentes que os hepticos. Em 37% dos casos
s se diagnosticam na necropsia13.
369
M. Doroana
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370
Seco 15
INFECES GASTRINTESTINAIS
Isabel Aldir
1. Introduo
O tubo digestivo uma das maiores superfcies de contacto com o exterior e uma das mais expostas a eventuais coexistncias, mais ou menos
pacficas, ou agresses devidas aos mais diversos microrganismos. At h relativamente pouco tempo, considerava-se que o pH fortemente cido do suco
gstrico funcionava como uma barreira natural, de superior eficcia, no
permitindo o desenvolvimento de qualquer forma de vida. No entanto, como
muitos outros, esse dado adquirido deixou de o ser, superado por um
extraordinrio exemplo de adaptao biolgica, isto , Helicobacter pylori.
Mas, ainda antes do conhecimento do importante papel de Helicobacter
pylori na doena ulcerosa pptica e na neoplasia gstrica, j as infeces
do aparelho gastrintestinal, particularmente a diarreia infecciosa, se encontravam entre as mais importantes (e debilitantes) das doenas infecciosas1.
De facto, as diarreias infecciosas so a segunda causa de morte em termos
mundiais, sendo a principal causa de morte nas crianas2.
2. Esfago (esofagite)
A esofagite infecciosa ocorre com maior frequncia em doentes com
imunossupresso subjacente. Os agentes patognicos mais frequentes so
Candida albicans, o vrus herpes simplex e o citomeglico. A apresentao
clnica habitual a odinofagia e a disfagia, existindo candidose oral em 75%
dos casos de candidose esofgica e em 25 a 50% dos casos de esofagite viral.
O diagnstico de certeza estabelecido com recurso endoscopia digestiva alta, com eventual biopsia. A candidose esofgica apresenta-se como
placas esbranquiada-amareladas aderentes mucosa, difusas e lineares a
esofagite citomeglica caracteriza-se por uma ou mais lceras de grandes
dimenses, superficiais, e a herptica por mltiplas, pequenas e profundas
ulceraes. As principais opes teraputicas so, respectivamente, os imidazis, o ganciclovir e o aciclovir, estando o prognstico, fundamentalmente,
dependente da doena de base.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo
371
I. Aldir
4. Gastrenterites infecciosas
As gastrenterites infecciosas so das situaes clnicas mais frequentes, particularmente durante a infncia. Do ponto de vista diagnstico e teraputico,
til considerar dois grandes grupos os que produzem doena inflamatria, com
372
Infeces gastrintestinais
I. Aldir
Infeces gastrintestinais
so a hemorragia intestinal (manifestada por apirexia sbita, sinais de choque e presena de sangue escuro ou vermelho vivo nas fezes) e a perfurao
intestinal. O diagnstico confirmado pela identificao do microrganismo
em hemoculturas (positivas em 80% dos doentes na primeira semana de
doena) e a demonstrao do aumento do ttulo de anticorpos no soro, relacionados com o antignio somtico O, sugestiva, na presena de clnica
compatvel. A teraputica com ampicilina, cefalosporinas de 3 gerao, cloranfenicol, trimetoprim-sulfametoxazol ou ciprofloxacina recomendada5.
Cerca de 3% dos adultos com infeces por Salmonella typhi evoluem para
o estdio de portador crnico (definido como a presena de coproculturas
positivas por mais de seis meses), por norma devido persistncia do microrganismo no tracto biliar. Na presena de litase vesicular necessrio proceder colecistectomia para se ultrapassar o estado de portador crnico, caso
contrrio a teraputica antibitica com amoxicilina ou ciprofloxacina, durante quatro a seis semanas, pode resolver a situao.
As infeces por salmonelas podem apresentar-se como febres recorrentes
ou prolongadas, com bacteriemia e artrite, osteomielite, empiema, aneurisma artico mictico, para alm de outras condies, sendo mais frequentes
nos doentes com infeco por vrus da imunodeficincia humana. O tratamento o mesmo indicado para as febres entricas, em conjunto com a
drenagem dos focos abcedados, sendo vulgar a recorrncia nos imunodeprimidos, nos quais a teraputica de manuteno est, muitas vezes, indicada.
Shigeloses
As shigelas so microrganismos invasivos, que causam diarreia, com sangue e muco, de incio sbito, com clicas abdominais e tenesmo e, ainda,
sintomas sistmicos (febre, anorexia e cefaleias). Na sua maioria so causadas
por Shigella sonnei seguida por Shigella flexneri e por Shigella dysenteriae
(responsvel pela forma mais grave de doena). O diagnstico confirmado
pelo isolamento do agente nas fezes, sendo as hemoculturas positivas em
menos de 5% dos casos. O tratamento com trimetoprim-sulfametoxazol (960 mg,
duas vezes ao dia) ou com ciprofloxacina (750 mg, duas vezes ao dia), durante sete a 10 dias, o recomendado.
Clera
A clera uma doena diarreica aguda, epidmica, causada por certos
serotipos de Vibrio cholerae. A febre rara e a doena mediada por toxinas, que activam a adenilciclase das clulas epiteliais do intestino delgado,
resultando na hipersecreo de gua e de ies cloro, com diarreia macia (at
375
I. Aldir
Parasitas gastrintestinais
Os parasitas intestinais encontram-se distribudos por todo o mundo,
embora com maior prevalncia nos pases em vias de desenvolvimento.
Em regra, os sintomas que apresentam devem-se presena fsica do
prprio parasita no intestino, reaco inflamatria que desencadeiam
ou sua migrao, salientando-se, pela sua frequncia ou gravidade os
seguintes:
Trichuris trichiura as infestaes ligeiras so geralmente assintomticas,
ao invs das macias que se acompanham de diarreia, de dor abdominal, de
anemia (por leses lticas da parede intestinal, com perda crnica de sangue),
emagrecimento e, ocasionalmente, por prolapso rectal. O diagnstico confirmado pelo exame parasitolgico das fezes, com identificao dos ovos, e
o tratamento com mebendazol ou albendazol. O tiabendazol no deve ser
utilizado, uma vez que ineficaz e acarreta toxicidade.
Strongyloides stercoralis a estrongiloidiose, assintomtica em 30% dos
doentes, pode-se manifestar por alteraes cutneas, intestinais, pulmonares ou pela sndrome de hiperinfeco. As queixas intestinais mais frequentes so a diarreia, a dor abdominal (habitualmente localizada regio
epigstrica, mimetizando a lcera pptica), a flatulncia, a anorexia e as
nuseas. O diagnstico estabelecido pela observao de larvas rabditiformes ou filariformes nas fezes ou no aspirado duodenal. A contagem de
leuccitos encontra-se dentro dos valores normais, existindo ligeira eosinofilia, excepto nos casos de migrao das larvas, em que se pode registar
leucocitose com eosinofilia acentuada. O tratamento com ivermectina (200
mg/kg, durante dois dias), com tiabendazol (25 mg/kg, duas vezes ao dia,
por dois a trs dias) ou com albendazol (400 mg, duas vezes ao dia, durante
trs a sete dias).
Ascaris lumbricoides os sintomas gastrintestinais desencadeados por
este nemtodo resultam, na sua maioria, da sua presena mecnica, particularmente quando h migrao anormal, causando obstruo dos canais biliares ou pancreticos, do apndice ou mesmo do intestino. O diagnstico
confirmado pela identificao dos ovos nas fezes e a teraputica com albendazol, pamoato de pirantel ou mebendazol.
376
Infeces gastrintestinais
I. Aldir
identificao de quistos ou de trofozoitos de Giardia nas fezes, pela presena de trofozoitos no lquido duodenal ou pela identificao de antignio nas
fezes. O tratamento com metronidazol ou com tinidazol o que est recomendado.
Entamoeba hystolitica a infeco por Entamoeba hystolitica, na grande
maioria dos casos, assintomtica, mas pode-se apresentar como colite ligeira, grave (em que as dejeces so cada vez mais lquidas, com menos
material fecal e com sangue e tecidos necrosados, acompanhada de sintomas
txicos sistmicos), como doena ulcerativa ou como doena granulomatosa
localizada ao clon (ou ameboma, que o resultado da resposta granulomatosa excessiva infeco, fazendo diagnstico diferencial com neoplasias).
A amebiose pode, ainda, apresentar-se na forma extraintestinal, nomeadamente na de abcesso heptico. O diagnstico da amebiose intestinal estabelecido pela presena de antignio nas fezes ou pela identificao de trofozoitos mveis em fezes frescas, a qual tambm se pode efectuar por
biopsia da margem de lceras, quando da realizao da sigmoidoscopia ou
da colonoscopia (ter o cuidado de no se utilizarem laxantes ou enemas na
preparao do exame, uma vez que estes mtodos limpam os exsudados
das lceras e destroem os trofozoitos). Os testes serolgicos de hemaglutinao indirecta so pouco sensveis na infeco precoce e no distinguem
infeces recentes de passadas. A teraputica fundamenta-se na prescrio
de metronidazol ou tinidazol em associao com clioquinol. Os portadores
crnicos em reas no-endmicas devem ser tratados com clioquinol na dose
acima indicada.
Infeces por coccdeos e microspordeos as infeces por coccdeos
(Cryptosporidium spp, Isospora belli, Cyclospora spp e Sarcocystis spp) e por
microspordeos (conhecem-se onze espcies capazes de infectar o homem,
embora as duas mais frequentes sejam Enterocytozoon bieneusi e Encephalitozoon intestinalis) so infeces cosmopolitas, responsveis por quadros
de diarreia do viajante, de gastrenterites endmicas na infncia, de diarreias
em instituies e comunidades e de diarreias agudas e crnicas nos doentes
com infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH). Nas infeces por
Cryptosporidium spp o desenvolvimento de teraputicas especficas surge
como alternativa mais atractiva ao controlo da infeco, dada a dificuldade
de se prevenirem os novos casos pela ingesto de gua contaminada com
oocistos, sendo cada vez mais numerosos os indivduos susceptveis a este
agente6,7. As infeces por Cyclospora spp, provavelmente cosmopolitas,
assumem-se como doena emergente, sendo responsveis por quadros de
diarreia do viajante e de intoxicaes alimentares. No entanto, ainda pouco
se sabe acerca do ciclo de vida deste coccdia, limitando, assim, a aplicao
de medidas de controlo da infeco e o estudo de alternativas teraputicas
ao trimetoprim-sulfametoxazol8. Para as infeces por Cryptosporidium spp
e por Sarcocystis spp no h tratamento eficaz. As infeces por Isospora
378
Infeces gastrintestinais
belli so tratadas com trimetoprim-sulfametoxazol. As microsporidioses, particularmente as causadas por Encephalitozoon spp, respondem ao albendazol.
Diarreia do viajante
Em geral, uma doena autolimitada, com evoluo para a cura, passados
um a cinco dias. As bactrias causam 80% dos casos de diarreia do viajante,
das quais as mais frequentes so Escherichia coli (atravs da sua enterotoxina), Campylobacter jejuni e algumas espcies de shigelas. A diarreia aquosa,
com carcter crnico, pode-se dever a amebiose, giardiose ou, raramente,
ao sprue tropical. Se no existirem sinais sistmicos ou fezes com sangue,
por forma a minimizar os sintomas, poder-se- instituir medicao antidiarreica com loperamida. Se a diarreia persistir, se fizer acompanhar de febre
e fezes sanguinolentas, prefervel iniciar medicao com uma quinolona
oral ou, em alternativa, com trimetoprim-sulfametoxazol9. O uso de antibiticos para profilaxia no deve ser generalizado, sendo fundamental recomendar medidas de higiene alimentar, por forma a reduzir a probabilidade
da doena10.
I. Aldir
graves encontram-se os aspectos de colite pseudomembranosa (placas amarelas, aderentes, com dimetros de 2 a 10 mm, disseminadas sobre uma
mucosa hiperemiada). A tomografia axial computorizada (TAC) abdominal
pode ter utilidade ao mostrar o edema do clon, particularmente quando a
colite afecta o clon direito, situao em que a diarreia pode ser pouco relevante e, por outro lado, revela as eventuais complicaes graves, nomeadamente o megaclon txico e a perfurao. No que respeita teraputica,
a primeira atitude , sempre que possvel, a interrupo da antibioterapia e,
se no for bastante, dever-se- prescrever metronidazol ou e se houver intolerncia ou em grvidas, vancomicina, tambm por via oral. Se a via oral
no estiver disponvel ou se existir megaclon txico, deve prescrever-se o
metronidazol endovenoso, se possvel associado com vancomicina, por sonda
entrica. O receio crescente do aparecimento de estirpes resistentes a esta
teraputica tem estimulado a identificao de teraputicas alternativas, de
entre as quais se salienta a imunizao (uma vacina toxide tem-se mostrado com capacidade imunognica e segura) e polmeros que se ligam s toxinas A e B (GT 160-246)12-14.
Sprue tropical
O sprue tropical ou sndrome de mal-absoro ps-infecciosa, afecta quer
os residentes, quer os visitantes das regies tropicais, podendo, inclusivamente, manifestar-se passados meses ou anos aps a visita. A etiologia , quase
seguramente, infecciosa, nomeadamente a enterobactericeas aerbias e
suas toxinas, embora no exista, ainda, confirmao15. Clinicamente, exprime-se como qualquer outra sndrome de mal-absoro, com anorexia, diarreia, perda de peso, distenso abdominal, semiologia de anemia e de dfices
de outros nutrientes. A teraputica com sulfamidas ou tetraciclina, durante
duas a quatro semanas, , habitualmente, eficaz, o que vem reforar a hiptese de etiologia infecciosa.
Doena de Whipple
Com o recurso s tcnicas de hibridizao do DNA e de amplificao,
identificar-se um actinomicete, no relacionada com qualquer gnero conhecido, que se designou de Tropheryma whippeli16, sendo a causa desta doena multissistmica, que incide, principalmente, em homens de 40 a 60 anos,
com poliadenopatias, poliartralgias, sndrome de mal-absoro e febre. Em
regra, as poliartralgias ou poliartrite, que atingem as grandes articulaes,
so as queixas de apresentao. Em 40% dos casos, existe hiperpigmentao
cutnea das reas expostas ao sol. Em 25% dos doentes, pode no haver
380
Infeces gastrintestinais
diarreia. A tosse persistente parece ser vulgar, podendo, ainda, ocorrer alteraes cardacas (miocrdicas e valvulares), oftalmolgicas e envolvimento
do sistema nervoso central. A teraputica preconizada o trimetoprim-sulfametoxazol (na posologia de 960 mg, de 12/12 h, durante um ano) ou, em
doentes com histria de hipersensibilidade a este antibitico, ceftriaxona ou
cloranfenicol, devendo estar presente na escolha da teraputica, a necessidade de se optar por frmacos que passem a barreira hematoenceflica.
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381
Seco 16
Osteomielite e artrite
Soraia Almeida
Rui Sarmento e Castro
Osteomielite
1. Introduo
A osteomielite uma das doenas conhecidas h mais tempo pois foi
descrita por Hipcrates (460-370 a.C.)1. Os termos abcesso da medula,
necrose e febre da medula ssea eram usados para descrever a infeo
antes de Nelaton ter introduzido o termo osteomielite em 1844.
Antes da introduo da penicilina, em 1940, o tratamento da osteomielite aguda era puramente cirrgico com remoo de todo o osso necrtico1.
A mortalidade era alta (~33%) devido spsis, mas com o aparecimento da
penicilina o tratamento mudou e houve melhoria do prognstico. Complicaes
como o sequestro, formao de fstulas e spsis tornaram-se menos frequentes e
o objetivo do tratamento passou da conteno da infeo para a cura.
2. Definio e classificao
A osteomielite uma infeo difcil de tratar, caracterizada por reao
inflamatria progressiva com destruio e formao de novo tecido sseo2.
Existem dois tipos de classificao de osteomielite, uma descrita por Lew
e Waldvogel e outra por Cierny e Mader4,5.
A classificao de Lew e Waldvogel baseia-se na durao da doena. Esta
pode ser aguda, tendo uma durao de alguns dias a semanas, e considerada como um processo infecioso supurativo associado a edema, congesto
vascular e trombose dos pequenos vasos, ou pode ser crnica, em que aps
uma fase inicial de insuficincia da irrigao do osso, existe extenso da infeo para os tecidos moles, compromisso da irrigao medular e do peristeo
e formao de reas de necrose ssea (sequestro). A necrose e o dfice circulatrio dificultam a erradicao bacteriana que, se no conseguida, conduzir osteomielite crnica. As caractersticas da infeo crnica so a existncia de foco de osso ou de tecido cicatricial infetado, com isquemia dos tecidos
envolventes e curso clnico refratrio5. Esta classificao tem, tambm, em
conta o mecanismo da infeo, podendo ser hematognica ou secundria a
383
3. Patognese
Modelos animais mostraram que o osso altamente resistente infeo
e que esta s ocorre aps grande inculo, traumatismo que leva a leso ssea
ou devida presena de corpos estranhos9. A patognese da osteomielite
multifatorial e pouco conhecida. Depende de vrios fatores, como da virulncia do microrganismo causador da infeo, do estdio imunitrio do
hospedeiro e do tipo, localizao e vascularizao do osso. Pode resultar de
disseminao hematognica, por contiguidade com atingimento sseo ou
por inoculao direta resultante de traumatismo ou cirurgia.
Os microrganismos causadores da infeo tm vrios determinantes de
virulncia que contribuem para o seu desenvolvimento. No entanto, sabe-se,
tambm, que certos agentes, como Staphylococcus aureus, aderem ao osso
atravs de recetores (adesinas) de componentes da matriz ssea como a fibronectina, a laminina, o colagnio e a sialoglicoprotena e que, por exemplo, a expresso de adesinas para o colagnio facilita a adeso do agente
cartilagem e que a expresso de adesinas para a fibronectina facilita a ligao
de Staphylococcus aureus a material de prtese10,11. A capacidade de sobrevivncia de alguns agentes dentro de osteoblastos e a expresso de resistncia fenotpica aos antimicrobianos, aps a adeso do microrganismo ao material sseo, explicam a elevada taxa de insucesso, a possibilidade de
recidiva e de cronicidade da osteomielite em cursos curtos de antibiticos.
A remodelao ssea resulta de complexa interrelao entre osteoblastos
e osteoclastos. Vrios fatores intervm de formas variadas neste processo
citocinas, produzidas localmente, atuam como fator de ostelise, clulas
fagocticas libertam radicais de oxignio txico e enzimas proteolticas que
384
Osteomielite e artrite
4. Microbiologia
Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase-negativo e os bacilos
aerbios Gram-negativo so os agentes microbianos mais frequentes. Outros
agentes como os estreptococos, enterococos, anaerbios, fungos e micobactrias podem estar implicados4,14-16.
5. Tipos de osteomielite
Osteomielite hematognica
Epidemiologia
De acordo com a literatura, a incidncia estimada varia de 1 por 20.000 adolescentes na Nova Zelndia a 1 por 1.000 aborgenes australianos17. A sua incidncia maior nas primeiras duas dcadas (85%). Pelo menos um quarto dos
doentes tm menos de dois anos e cerca de metade tm menos de cinco.
Esta infeo ocorre, sobretudo, em crianas e num tero dos casos h traumatismo prvio. O sexo masculino duas vezes mais afetado do que o feminino18,19.
385
Os fatores de risco incluem a doena de clulas falciformes, o dfice imunitrio, a spsis, o traumatismo minor com bacteriemia e a presena de cateteres endovasculares. Nos recm-nascidos, a osteomielite hematognica
rara e os fatores de risco so a prematuridade, a doena de pele, a presena
de cateteres venosos centrais ou parto complicado20.
Etiologia
Na maioria dos casos a osteomielite hematognica causada por um
microrganismo. Staphylococcus aureus o principal causador de osteomielite hematognica nas crianas. Em 50% dos casos, o agente causal no
identificado21.
Nas crianas com menos de um ano, os agentes isolados mais frequentemente so Staphylococcus aureus, Streptococcus do grupo B e Escherichia
coli. Nas crianas, com mais de um ano, so, sobretudo, encontrados Staphylococcus aureus e Streptococcus do grupo A. Atualmente, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae so agentes raros, devido ao uso das
vacinas conjugadas. Nos adultos predominam as infees por Staphylococcus
aureus. Staphylococcus aureus meticilinarresistente tem emergido como causador de osteomielite na comunidade.
Os patognios variam de acordo com os fatores de risco do hospedeiro.
Nos doentes com doena de clulas falciformes, Salmonella spp e outros
Gram-negativo, como Escherichia coli, so os principais patogneos22. Nos
doentes com infeo por VIH, Staphylococcus aureus o agente mais frequente. Outros agentes patognios como Kingella kingae, Brucella spp,
Mycobacterium tuberculosis, Bartonella henselae, fungos como Coccidioidis
immitis so raros e tm em conta a epidemiologia e os fatores de risco do
hospedeiro.
Patognese
A osteomielite hematognica atinge, em 80% dos casos, os ossos tubulares, sobretudo, o fmur e a tbia (50%), o mero, o pernio, o rdio e a
clavcula23. Nos casos em que a metfise est localizada dentro da cpsula
articular, como na espdua, na anca e no cotovelo, pode ocorrer infeo da
articulao.
A osteomielite hematognica primria pode ocorrer, tambm, no adulto.
O processo infecioso comea, geralmente, na difise, mas pode envolver
todo o canal medular. Por vezes, a infeo estende-se para os tecidos adjacentes, com formao de abcesso dos tecidos moles e, mesmo, fistulizao
para a pele.
No adulto, as infees hematognicas secundrias so mais frequentes do
que as primrias e representam reativao de foco infecioso quiescente,
desde a infncia. Por isso, estas osteomielites ocorrem, mais vezes, na metfise. Os sinais clnicos, no adulto, so menos exuberantes para alm da dor,
386
Osteomielite e artrite
com ou sem tumefao, a febre pouco elevada ou est ausente, o que leva
a que o diagnstico seja feito tardiamente, j com um a trs meses de evoluo,
na presena de compromisso sseo importante.
Clnica
A forma clssica da criana caracteriza-se pelo aparecimento de quadro
clnico, com menos de trs semanas de evoluo, com febre elevada (>39 oC),
arrepios, irritabilidade, perda de apetite e letargia, dor referida regio
metafisria dos ossos longos, com (ou sem) tumefao local associada e
com (ou sem) limitao funcional24. Posteriormente, surgem sinais inflamatrios locais.
Na osteomielite hematognica regista-se leucocitose e elevao da velocidade de sedimentao em cerca de 80% dos casos.
Osteomielite vertebral
Epidemiologia
A incidncia desconhecida pela escassez de estudos, mas em dois trabalhos publicados, um em 1979 e outro em 2001, a incidncia estimada de
osteomielite vertebral foi de 1:250.000 e 1:450.000, respetivamente 25,26.
Acredita-se que a sua incidncia tem vindo a aumentar por trs motivos
aumento de infees nosocomiais associadas a cateteres, envelhecimento da
populao e toxicodependncia. A maioria dos casos ocorre em adultos com
mais de 50 anos de idade27. O sexo masculino tem um risco duas vezes
superior ao sexo feminino27.
Etiologia
O agente mais isolado , tambm, Staphylococcus aureus, correspondendo a mais de 50% dos casos, na maioria das sries realizadas em pases desenvolvidos. O isolamento de Staphylococcus aureus meticilinarresistente tem aumentado na ltima dcada com crescente importncia como
causador desta infeo. Em toxicodependentes e em infees associadas a
acessos intravasculares, Pseudomonas aeruginosa e Candida spp so os agentes mais frequentes28,29. Outros agentes mais raros, mas importantes, so os
bacilos entricos Gram-negativo, nos casos de instrumentao urinria, Streptococcus do grupo B nos doentes diabticos e Mycobacterium tuberculosis
em pases endmicos. A geografia e a epidemiologia do hospedeiro influenciam os agentes patognicos envolvidos e causadores da infeo. Brucella
melitensis um importante patognio nos pases mediterrnicos; Burkholderia pseudomallei (melioidosis) deve ser considerada como patognio potencial nas regies periequatoriais; Salmonella spp e Entamoeba histolytica,
a considerar em determinadas regies de frica e da Amrica do Sul.
387
Patogenia
A osteomielite vertebral tem, na maioria das vezes, origem hematognica, mas pode resultar de inoculao direta por traumatismo, cirurgia da
coluna ou por contiguidade, resultando de infeo dos tecidos adjacentes.
A infeo envolve, em regra, duas vrtebras adjacentes e o respetivo disco
intervertebral. Outras fontes de infeo so a pele e os tecidos moles (toxicodependentes, por exemplo), o trato urinrio, o corao (endocardite), o
trato respiratrio, infeo da ferida ps-operatria, infeo dentria e as
flebites por puno venosa.
Clnica
A dor local, geralmente insidiosa, com evoluo arrastada, o aspeto mais
comum. Com frequncia pode acompanhar-se por limitao da mobilidade e,
raramente, pode documentar-se a presena de uma tumefao ou deformidade espinal. A febre pode estar ausente, em metade dos doentes. As regies
mais atingidas so a coluna lombar e, depois, as vrtebras dorsais e cervicais.
A extenso da infeo, para regies adjacentes, pode ocasionar abcessos e,
mesmo, meningite. Nalguns doentes registam-se dfices motores ou sensoriais.
A velocidade de sedimentao est elevada em cerca de 80% dos casos,
podendo ser superior a 100 mm e pode, ou no, registar-se leucocitose.
Etiologia
Apesar de Staphylococcus aureus continuar a ser o agente mais frequente, outros microrganismos, como bacilos Gram-negativo e anaerbios, so,
tambm, isolados com frequncia.
Patogenia
Neste tipo de osteomielite o agente infecioso atinge o osso, no contexto
de traumatismo, por contaminao nosocomial durante procedimentos cirrgicos ou a partir de infeo dos tecidos moles.
Clnica
Por via de regra, o doente, geralmente adulto, apresenta-se cerca de um
ms aps o acidente desencadeante, com febre (pouco elevada), dor e
drenagem purulenta e com compromisso sseo importante, dificultando o
xito da teraputica.
388
Osteomielite e artrite
Etiologia
Geralmente causada por mltiplos agentes, nomeadamente estafilococos
coagulase positivos e negativos, estreptococos, enterococos, bacilos Gram-negativo e anaerbios.
Patogenia
Esta forma de osteomielite , em regra, complicao da diabetes. A irrigao deficiente facilita a infeo, que mais frequente nos ossos pequenos
do p. Cerca de 15% dos doentes diabticos desenvolvem lcera no p e 6%
necessitam de hospitalizao ao longo da sua vida31.
Os fatores de risco para o aparecimento de lceras e, em consequncia,
osteomielite por contiguidade so a presena de diabetes h mais de 10 anos,
o mau controlo glicmico, a presena de doena cardiovascular e renal, a
neuropatia perifrica, a doena vascular perifrica e histria prvia de lceras
e de amputao32.
Clnica
Aspetos que evocam a possibilidade de osteomielite so a presena de
lcera do p, dfice de crescimento da unha, infeo de tecido profundo ou
celulite. O diagnstico dificultado pela ausncia de febre e de outra sintomatologia geral e, ainda, pela diminuio da perceo da dor devida
neuropatia acompanhante.
Osteomielite crnica
Incidncia
A incidncia desconhecida pela escassez de estudos publicados.
Etiologia
As osteomielites crnicas so, com frequncia, polimicrobianas (30-60%).
Os agentes mais vezes isolados so Staphylococcus aureus, bacilos Gram-negativo, particularmente Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus epidermidis se h material estranho (por exemplo, prtese).
389
Patogenia
Qualquer osteomielite aguda pode evoluir para a cronicidade. A doena
de progresso lenta e pode complicar-se com abcessos ou com infees dos
tecidos moles. Raramente, pode sobrevir, no local de drenagem, um carcinoma
de clulas escamosas ou amiloidose.
Clnica
Autores franceses consideram como crnica a osteomielite que tem, pelo
menos, um ms de evoluo8. Os doentes apresentam, muitas vezes, febre, com
temperatura no muito elevada e manifestaes variadas, como perda local de
osso, drenagem persistente e trajetos fistulosos. A velocidade de sedimentao
est, em regra, elevada, mas no se regista leucocitose.
Etiologia
A etiologia desconhecida. A osteomielite multifocal recorrente uma
forma peditrica de SAPHO.
Patogenia
A sua patognese desconhecida. Recentemente, levanta-se a hiptese
da interveno de fatores genticos34.
Clnica
A febre, a perda ponderal e o mal-estar geral so raros. Geralmente, sinais
inflamatrios esto presentes nos locais afetados.
O nmero mdio de leses por doente de cinco. uma doena autolimitada com perodos de exacerbao e de remisso.
Os diagnsticos diferenciais so a osteomielite infeciosa, neoplasia ssea
e outras artrites inflamatrias.
A velocidade de sedimentao est elevada em 65% dos casos. A biopsia
ssea, com colheita de material para realizao de culturas fundamental.
As culturas so negativas para bactrias, micobactrias e fungos e a antibioterapia no tem impacto na doena35. Radiologicamente podem estar presentes eroses lticas nas metfises e, com o tempo, podem desenvolver-se
reas de hiperostose reativa.
390
Osteomielite e artrite
6. Diagnstico
A suspeio clnica fundamental. O diagnstico da osteomielite baseia-se no isolamento do agente em hemoculturas ou a partir de produtos obtidos da leso por biopsia aspirativa ou interveno cirrgica, bem como por
zaragatoa, em determinadas situaes.
A velocidade de sedimentao e a proteina C reativa so inespecficas, e
em alguns casos esto elevadas, mas podem estar dentro dos valores de
referncia, tal como a contagem de leuccitos.
As hemoculturas so positivas em cerca de 50% dos casos de osteomielite aguda. No caso da osteomielite vertebral, se estas culturas estiverem
positivas dever excluir-se a presena de endocardite.
Outros produtos a examinar so o pus da fstula, o pus obtido por puno
subperistea, o material colhido por biopsia ou aquando de procedimentos
intraoperatrios, os lquidos de drenagem e os drenos. Devem colher-se
duas amostras para exame microbiolgico (aerobiose, anaerobiose, pesquisa de micobactrias e fungos) e para exame anatomopatolgico. Na osteomielite hematognica, a infeo monobacteriana ao contrrio da contgua
que polimicrobiana.
A radiologia convencional til, sobretudo no diagnstico da osteomielite aguda hematognica, mas h que ter em conta que as primeiras manifestaes radiolgicas demoram cerca de duas semanas (10 a 14 dias) a revelarem-se. Nesta altura, pode apreciar-se edema dos tecidos moles, espessamento
do peristeo e osteopenia focal, a que se segue o aparecimento de leses
osteolticas. As alteraes radiolgicas da osteomielite de foco infecioso
adjacente e da osteomielite crnica so pouco especficas. A cintilografia
ssea utilizada quando o diagnstico de osteomielite duvidoso e ajuda
a determinar, com precocidade, a extenso do processo infecioso, mas apesar
de sensvel, cara e pode dar falsos positivos (doena osteoarticular degenerativa, tumor sseo e cirurgia recente)36. Como marcadores podem usar-se
o tecnsio, o glio e o ndio. As imagens obtidas por tomografia axial computorizada (TAC) e por ressonncia magntica nuclear (RMN) permitem definir, com maior preciso, a extenso da infeo e apoiam a deciso da interveno teraputica. A RMN mais sensvel e considerada o gold-standard
no diagnstico radiolgico da osteomielite37,38.
Se as hemoculturas e a cultura de pus/material colhido por biopsia forem
negativas e a suspeita clnica de osteomielite for elevada, tendo em conta a
clnica e os achados radiolgicos, dever repetir-se a biopsia e se esta se
mantiver negativa deve iniciar-se teraputica emprica para bactrias Gram-negativo (Pseudomonas aeruginosa) e Gram-positivo (Staphylococcus aureus).
O diagnstico de osteomielite deve ter em conta a resposta teraputica
antibitica emprica. Nas crianas, se a cultura de qualquer material colhido
for positiva e se apresentarem caractersticas radiolgicas sugestivas de
391
7. Tratamento
O tratamento da osteomielite inclui a avaliao do doente, a classificao
do processo infecioso, a identificao do agente, a teraputica antibitica e,
quando necessrio, o desbridamento cirrgico do tecido necrosado, o tratamento do espao morto, a estabilizao e a reconstruo39. No tratamento
mdico da osteomielite devem escolher-se antibiticos com boa penetrao
no osso, como as penicilinas, as cefalosporinas (cefazolina, ceftriaxona, cefepima e ceftazidima), a rifampicina, as oxazolidinonas (linezolida), os lipopeptdeos (daptomicina) e as fluoroquinolonas (ciprofloxacina e levofloxacina),
tendo sempre em conta o teste de suscetibilidade aos antibiticos (TSA). Se
os exames microbiolgicos no estiverem disponveis, deve iniciar-se teraputica emprica. O tratamento inicial deve ser feito por via endovenosa e com
associao de dois antibiticos. A durao do tratamento da osteomielite
controversa. Na maioria dos casos, a antibioterapia endovenosa deve ser mantida at que haja revascularizao dos tecidos moles, que circundam o osso
desbridado, o que, geralmente, demora seis semanas, sendo necessrio monitorizar a funo renal, heptica e hematolgica, bem como dosear o antibitico, se se justificar40. O tratamento da osteomielite aguda deve durar, pelo
menos, quatro a seis semanas e o da osteomielite crnica mais longo, podendo necessitar de uma mdia de 12 semanas. A teraputica antimicrobiana
deve ser instituda aps a colheita de pus/material para estudo microbiolgico
e aps o desbridamento cirrgico, quando necessrio, exceto nos casos de
spsis e infeo de tecidos moles concomitante, em que a teraputica deve
ser iniciada rapidamente, independentemente das colheitas. As teraputicas
adjuvantes podem ser necessrias, como o caso do oxignio hiperbrico no
caso da osteomielite crnica ou refractria ao tratamento.
Osteomielite e artrite
pode utilizar-se a associao aminoglicosdeo-vancomicina ou cefotaxima-vancomicina. Nos doentes com drepanocitose, frequente o isolamento de
Salmonella spp e outros bacilos Gram-negativo, alm de Staphylococcus
aureus, pelo que aconselhado o tratamento com ciprofloxacina ou outra
quinolona. A identificao do agente muito importante, podendo ser conseguida por hemoculturas ou, se estas so negativas, por cultura de biopsia
ssea, para se ajustar a teraputica antibitica. Esta, quando adequada ,
em geral, eficaz, mas, se no se obtm resposta nas primeiras 48 h, se persiste um abcesso dos tecidos moles ou se h suspeita de artrite adjacente,
est indicado procedimento cirrgico. A durao da antibioterapia deve ser
de, pelo menos, trs semanas e a passagem para via oral possvel se houver
melhoria clnica com apirexia sustentada. Nas crianas, no usar quinolonas.
No adulto, a osteomielite hematognica , em geral, refractria ao tratamento mdico e para alm da teraputica antimicrobiana necessrio,
muitas vezes, realizar procedimentos cirrgicos. A durao da teraputica
antibitica por via endovenosa mantm-se incerta, mas dever ser feita pelo
menos durante quatro semanas ou durante quatro semanas aps o ltimo
desbridamento e o doente pode manter a teraputica em ambulatrio com
o uso de um cateter venoso central de longa durao.
No adulto, os regimes teraputicos recomendados, em funo do agente
isolado ou suspeito, so os seguintes:
Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis sensvel meticilina quinolona + rifampicina ou oxacilina/nafcicilina.
Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis resistente meticilina vancomicina com ou sem associao com gentamicina, daptomicina
ou linezolida.
Enterobactericeas cefalosporina de 3.a gerao ou quinolona.
Pseudomonas aeruginosa cefepima ou ciprofloxacina ou ceftazidima.
Enterococos e estreptococos do grupo D penicilina G cristalizada ou
ampicilina ou vancomicina com associao (ou no) da gentamicina.
Osteomielite vertebral
Para a identificao do agente, so, em geral, necessrias culturas de
material de biopsia ou de desbridamento, predominando as infees por
Staphylococcus aureus, mas no se devem esquecer, sobretudo no nosso Pas,
a tuberculose e a brucelose. Infees por Pseudomonas aeruginosa so comuns em toxicodependentes. O tratamento antimicrobiano deve ser institudo tendo em conta a epidemiologia do doente e a probabilidade dos agentes e , muitas vezes, suficiente, embora a cirurgia aberta possa ser
necessria, quando se regista insucesso teraputico, quando surgem complicaes, como abcessos paravertebrais ou epidurais ou, ainda, quando h
393
Osteomielite e artrite
hemodialisado
Anemia
de clulas falciformes
Toxicodependncia
A toxicodependncia um fator de risco para a osteomielite. Os microrganismos podem atingir o osso por via hematognica, de forma contgua
395
Abcesso
de
Brodie
Tuberculose
ssea
Micobactrias
atpicas
Osteomielite e artrite
Fungos
A endocardite fngica rara. A epidemiologia do doente fundamental
para a suspeio clnica. Os agentes da coccidioidomicose, da paracoccidioidomicose, da candidose, da criptococose, da esporotricose extracutnea e da
blastomicose podem originar osteomielite que, geralmente, hematognica,
e se apresenta, em regra, como abcesso frio suprajacente a leso osteoltica.
O tratamento implica o uso de antifngicos e desbridamento.
Osteomielite
Artrite
1. Introduo
A artrite definida como reao inflamatria que acompanha ou se segue
infeo da articulao por variados microrganismos.
Se o agente causador uma bactria, origina artrite supurativa, geralmente monoarticular. Contudo, algumas bactrias causam sintomatologia em vrias articulaes, durante a fase de bacteriemia e algumas,
como Neisseria gonorrhoeae induzem inflamao das bainhas tendinosas
adjacentes.
As infees vricas causam, em geral, inflamao sem supurao e atingem, por via de regra, vrias articulaes.
As artrites crnicas granulomatosas so, com frequncia, causadas por
micobactrias ou por fungos e, por norma, atingem, apenas, uma articulao.
Artrites estreis podem ocorrer na fase inicial da infeo, como acontece na
hepatite B ou, mais tardiamente, na artrite ps-infeciosa50.
Osteomielite e artrite
bacteriana e da infeo no lquido sinovial, resultante da resposta inflamatria do hospedeiro. Aps a disseminao hematognica ou da entrada direta da bactria na articulao, a aderncia bacteriana facilitada pela
presena de doena e/ou leses na articulao (traumatismo, cirurgia, por
exemplo), o que aumenta a quantidade ou a exposio s proteinas da matriz extracelular (fibronectina, colagnio, laminina, elastina e cido hialurnico), promovendo a aderncia do microrganismo e a infeo.
A artrite sptica no gonoccica causada por vrios microrganismos. O
agente responsvel pelo maior nmero de casos de artrite bacteriana aguda,
em crianas com mais de dois anos e nos adultos, Staphylococcus aureus,
responsvel por 37-65% dos casos nos adultos54, A variao dos resultados
depende da localizao geogrfica, da incidncia da doena reumtica e da
proporo da infeo que atinge as articulaes nativas. Nos lactentes, com
menos de um ms, os agentes mais frequentes so os estreptococos do grupo B, bactrias Gram-negativo e Staphylococcus aureus. Nas crianas com
menos de dois anos, Haemophylus influenzae de tipo B era o agente preponderante, mas, com a introduo da vacina, a sua importncia tem diminudo. Em crianas com doena das clulas falciformes, Streptococcus pneumoniae, raro noutras circunstncias, encontrado com frequncia. A artrite
sptica causada por bactrias Gram-negativo tem frequncia de 5 a 20% e
tem como fatores predisponentes o uso de drogas endovenosas, extremos
etrios (recm-nascidos e idosos), doentes com dfice imunitrio, a presena
de artrite crnica e de infees extra-articulares55. Pseudomonas aeruginosa
um importante agente causador de artrite sptica, nos toxicodependentes, e
tem afinidade para estruturas articulares atingidas mais raramente, como a
snfise pbica, a articulao esternoclavicular, esternocondral e sacroilaca.
Em 80 a 90% dos casos esta artrite monoarticular, sendo o joelho a
localizao mais frequente56. Os fatores de risco para artrite poliarticular so
a presena de artrite reumatide e de presena de fatores de imunossupresso ou bacteriemia prolongada. Mordeduras humanas podem causar artrite
das articulaes interfalngicas, por infeo causada por agentes da cavidade oral. A mordedura de gato ou de co, ao inocular agentes como Pasteurella multocida e Capnocytophaga spp, pode originar artrite destas articulaes. A mordedura de rato, associada a infeo por Streptobacillus
moniliformis, pode originar artrite de grandes articulaes, acompanhada
de febre e de exantema das palmas das mos e plantas dos ps. A artrite
associada doena de Lyme, causada por mordedura de carraa, caracteriza-se por episdios intermitentes de artrite poliarticular das grandes articulaes, que pode ter evoluo crnica. A artrite causada por Brucella spp
afeta mais vezes a articulao sacroilaca, o joelho e a anca e pode ter
evoluo aguda ou crnica. Os anaerbios causam, raramente, artrite sptica. O agente mais vezes isolado Clostridium spp em crianas. A artrite
sptica pode, ainda, ser causada por Mycoplasma hominis e Ureaplasma
399
Gonoccica
Durante as dcadas de 1970 e 1980, Neisseria gonorrhoeae foi a principal
causa de artrite bacteriana em adultos e adolescentes sexualmente ativos e
ocorria em idades inferiores a 30 anos57. A prevalncia diminuiu 75%, entre
1975 e 200258.
A artrite gonoccica, mais frequente em mulheres durante a gravidez ou
durante o perodo menstrual, pode apresentar-se de duas formas. Numa delas,
a doente apresenta-se com febre, arrepios, leses da pele ppulas eritematosas, que evoluem para vesculas ou para pstulas e compromisso poliarticular
e o agente pode ser isolado a partir de hemoculturas e de culturas de material
das reas genital, retal e orofarngea. Na outra forma, a artrite gonoccica
monoarticular, o envolvimento cutneo raro e o agente isolado no lquido
sinovial, o que acontece raramente na forma anterior. A artrite gonoccica
e a infeo gonoccica disseminada (IGD) ocorrem, secundariamente, infeo da mucosa da uretra, do colo uterino, do reto ou da orofaringe.
Clnicamente, os doentes com IGD apresentam uma trade clssica dermatite, tenossinovite e poliartralgia ou poliartrite migratrias58. A febre,
tremor e mal-estar geral geralmente esto presentes. Dois teros dos doentes desenvolvem tenossinovite nos dedos, mos e pulsos, mas as pequenas e
grandes articulaes dos membros inferiores podem ser, tambm, acometidas. Menos de metade dos doentes iro evoluir artrite sptica com derrame
articular purulento. Em dois teros dos casos de IGD as leses cutneas
(mculas, ppulas ou pstulas) tm uma base eritematosa com uma regio
central com necrose.
Osteomielite e artrite
A artrite crnica causada por parasitas, como helmintas e filria tem sido
descrita, mas muito rara59.
Micobactrias
Em 10-11% dos casos de tuberculose extrapulmonar so atingidas as
estruturas sseas e articulaes e a artrite corresponde a 1-3% de todos
os casos de tuberculose 60. Os fatores de risco so a idade superior a 60
anos, o sexo feminino, a imigrao de zonas endmicas, o alcoolismo, a
toxicodependncia, o uso de teraputica imunossupressora, a infeo por
VIH e a presena de doena articular prvia. A artrite tuberculosa mais
conhecida a espondilodiscite, em que o disco vertebral atingido por
contiguidade. A infeo , lentamente, progressiva, em regra, monoarticular, podendo atingir bainhas tendinosas adjacentes, e granulomatosa. Os
doentes com menos de 60 anos apresentam, muitas vezes, artrite monoarticular de uma articulao que suporta o peso, como o joelho, tendo poucos
sintomas sistmicos, enquanto que acima desta idade a sintomatologia
mais marcada; h, por norma, outros focos de tuberculose e a articulao
envolvida menos importante61. Geralmente, resulta de disseminao hematognica, mas muitas vezes, no diagnosticada tuberculose pulmonar em
atividade nestes doentes.
Algumas micobactrias atpicas, em particular Mycobacterium kansasii,
marinum e avium-intracellulare, podem causar artrite sptica e, mais raramente, terrae, chelonae, fortuitum e abcessus. Estes agentes atingem, com
frequncia, as articulaes da mo e do punho e causam tenossinovite
flexora, sndroma do canal crpico e, mais raramente, bursite do olecrnio62.
Geralmente a infeo resulta de inoculao percutnea direta. A artrite por
Mycobacterium marinum resulta, a maior parte das vezes, de traumatismo
ou de picada sofrida por indivduo que trabalha com aqurios ou em meios
marinhos, enquanto que a infeo articular por Mycobacterium kansasii
causada por disseminao a partir do pulmo. Doentes com lepra lepromatosa podem apresentar um quadro de poliartrite simtrica do punho e das
articulaes da mo.
Fungos
Vrios fungos do origem a quadros de artrite sptica e podem acometer
quer indivduos saudveis, quer imunodeprimidos. Em regra, a evoluo
subaguda ou crnica e ocorre compromisso monoarticular.
Os agentes causadores de artrite crnica, mais frequentes, em indivduos
saudveis que residem em reas endmicas so Blastomyces dermatitidis,
401
Coccidioides spp, Paracoccidioides brasiliensis e Sporothrix schenckii. A blastomicose pode originar artrite que , em geral, secundria a foco de osteomielite da vizinhana. A coccidioidomicose, adquirida por inalao de artrocondias, em reas endmicas, pode originar artrite monoarticular (por vezes
oligoarticular), que atinge mais vezes o joelho. O diagnstico desta afeo
baseia-se na positividade da reao de fixao de complemento e na cultura
de fragmento sinovial, colhido por biopsia. A paracoccidioidomicose, que
afeta, principalmente, trabalhadores rurais em reas endmicas, pode, tambm, originar artrite das articulaes dos ossos longos, mesmo sem envolvimento pulmonar. A infeo por Sporothrix schenkii pode originar artrite de
uma ou mais articulaes perifricas, afetando, sobretudo, o joelho, o cotovelo e o punho, que apresentam tumefao e limitao dos movimentos, sem
outros sinais inflamatrios. Monoartrites por Pseudallescheria boydii, Scedosporium spp e Curvalaria spp tm sido descritas, aps traumatismo penetrante do joelho. A poliartrite migratria, associada a exantema ou eritema nodoso, observada em doentes infetados por Histoplasma capsulatum.
Os agentes causadores de artrite crnica fngica, em indivduos imunodeprimidos so Candida spp, Cryptococcus spp e Aspergillus spp. A infeo
articular por Candida albicans pode resultar da disseminao hematognica
do agente ou da inoculao, aquando da administrao de corticoterapia
intra-articular. O incio , em geral, abrupto, com envolvimento de uma articulao perifrica, embora em alguns casos se possa registar envolvimento
de vrias articulaes. A artrite causada por Cryptococcus neoformans
muito menos frequente do que a osteomielite e, em geral, o local mais acometido o joelho. O diagnstico requer aspirao do lquido sinovial e/ou
biopsia da sinovial para realizao de exame cultural apropriado.
Bactrias
Borrelia burgdorferi, agente da doena de Lyme, causa, vrios meses aps
o eritema crnico, um quadro intermitente de poliartrite migratria das
grandes articulaes, que pode evoluir para artrite crnica do joelho.
Embora pouco frequentes, esto descritos casos de infeo articular por
Nocardia spp, com ponto de partida pulmonar, em imunocomprometidos, e casos de infeo articular por Tropheryma whippleii (doena de
Whipple) e Treponema pallidum (sfilis terciria).
6. Artrites vricas
Vrias infees vricas podem acompanhar-se de sintomatologia articular
e podem resultar de inoculao direta ou por resposta imune do hospedeiro
402
Osteomielite e artrite
Osteomielite e artrite
9. Diagnstico diferencial
A artrite monoarticular de etiologia bacteriana tem de ser distinguida da
artrite reumatide, artrite reativa (sndrome de Reiter), artrite vrica, da gota,
da condrocalcinose (pseudogota) e da doena de Lyme. Os exames microbiolgicos do lquido sinovial e os resultados de hemoculturas estabelecem,
com frequncia, o diagnstico. Se atingida mais do que uma articulao
deve suspeitar-se de possvel doena gonoccica disseminada, da sndrome de Reiter e da febre reumtica. Para alm da pesquisa de fator reumatide, de anticorpos antinucleares e do ttulo de antiestreptolisina O, a sintomatologia acompanhante pode evocar a patologia em causa. O aparecimento
de exantema, inicialmente papular, e de tenossinovite so a favor de possvel
doena gonoccica. Por vezes, s a realizao de teraputica etiolgica permite distinguir a doena gonoccica da sndrome de Reiter.
A artrite monoarticular crnica evoca, sobretudo, a presena de infeo por
micobactria atpica ou Sporothrix schenckii. A cultura de fluido e tecido sinovial, para pesquisa de micobactrias e de fungos, permite estabelecer o
diagnstico. A artrite de etiologia vrica deve suspeitar-se perante um quadro de envolvimento de vrias articulaes, associado a sintomatologia
consistente com infeo vrica. Dado que difcil isolar o agente a partir do
lquido sinovial, o diagnstico assenta na evoluo clnica, apoiado em estudos do soro das fases aguda e da convalescena. A doena de Still do
adulto evoca, com frequncia, a artrite vrica, mas, em geral, esta autolimitada e no deixa sequelas. Na gota e na pseudogota, o diagnstico
pode ser feito atravs da anlise do lquido sinovial e na presena de cristais de urato ou de pirofosfato de clcio, respetivamente. Na pseudogota, a
presena de condrocalcinose a nvel radiolgico til no diagnstico. A doena de Lyme caracteriza-se pela presena de monoartrite que se desenvolveu
405
10. Teraputica
O tratamento emprico deve ser iniciado logo aps a colheita de sangue
para hemoculturas e de lquido sinovial, para estudos citolgico, bioqumico
e cultural. A maior parte dos doentes responde bem teraputica adequada.
No caso do derrame articular recorrente pode ser necessrio realizar aspiraes repetidas nos primeiros dias. Quando a resposta teraputica antimicrobiana falha e as drenagens so ineficazes ser necessria a drenagem cirrgica. A artroscopia constitui alternativa drenagem cirrgica,
porque permite a visualizao da articulao e a destruio das adeses, a
drenagem de pus e o desbridamento de material necrtico. Em geral, no
necessrio imobilizar a articulao afetada, embora seja de evitar que ela
suporte peso56.
A escolha inicial da antibioterapia baseia-se na epidemiologia do doente,
no agente mais provvel e na colorao de Gram. Se esta anlise mostra a
presena de cocos Gram-positivo, face suspeita de Staphylococcus aureus
deve usar-se por via endovenosa uma penicilina resistente s penicilinases
como a nafcilina (adulto 9 g/dia repartidos de quatro em quatro horas;
criana 150 mg/kg/dia divididos em quatro a seis doses) e, em alternativa, a vancomicina (1 g, por via endovenosa, de 12-12 h). Se a colorao
pelo Gram sugere infeo estreptoccica pode usar-se, por via endovenosa, a penicilina em dose de 12 a 18 milhes de unidades/dia repartidas de
quatro em quatro horas. Como alternativa pode usar-se a cefazolina e a
vancomicina.
Se se documentam cocos Gram-negativo deve usar-se ceftriaxona 1 g de 24
em 24 horas.
Se so observados bacilos Gram-negativo deve administrar-se ceftriaxona na dose de 2 g/dia para o adulto, e de 50 mg/kg/dia para a criana, por
via endovenosa. Como alternativa pode usar-se cefotaxima, num total de
6 g/dia (adulto) administrados de oito em oito horas, cefepima 2 g de 12-12
horas, ceftazidima 1-2 g de oito em oito horas, piperacilina/tazobactam 4,5
g de seis em seis horas, ou carbapenemes (imipenem 500 mg 6-6 horas; meropenem 1 g 8-8 horas ou doripenem 500 mg 8-8 horas), por via endovenosa.
Se se suspeita que o agente causador Pseudomonas aeruginosa (nos toxicodependentes, por exemplo) deve administrar-se ceftazidima 1-2 g, de oito em
oito horas, associada a um aminoglicosdeo, como a gentamicina (3-5 mg/kg de
oito em oito ou de 12-12 horas). Se o doente for alrgico s cefalosporinas,
406
Osteomielite e artrite
pode usar-se a ciprofloxacina 400 mg de 12 em 12 horas por via endovenosa ou 500-750 mg de 12 em 12 horas por via oral.
Se a colorao pelo Gram inconclusiva deve ser escolhida, empiricamente, a vancomicina nos doentes imunocompetentes. Nos doentes imunodeprimidos, nos toxicodependentes ou nos doentes com artrite bacteriana, aps
traumatismo, deve associar-se uma cefalosporina de 3.a gerao, que seja,
com probabilidade, eficaz contra gonococos, estreptococos e bacilos Gram-negativo, ou uma fluoroquinolona (ciprofloxacina ou levofloxacina), se houver alergia s cefalosporinas. A teraputica ser, mais tarde, alterada em
funo dos resultados dos exames culturais.
Se a artrite surge aps mordedura de co ou de gato pode usar-se por
via endovenosa a ampicilina-sulbactam (6 a 9 g de ampicilina/dia repartidos em administraes de quatro em quatro horas) porque esta associao
tem excelente atividade contra Pasteurella spp e Capnocytophaga spp. As
artrites causadas por Haemophilus influenzae, estreptococos e cocos Gram-negativo devem ser tratadas durante, pelo menos, duas semanas. As infees causadas por estafilococos e bacilos Gram-negativo devem ser tratadas
durante trs semanas. A artrite sptica gonoccica exige tratamento durante trs semanas56.
O tratamento das artrites crnicas varia consoante o agente envolvido.
As infees fngicas so, em geral, tratadas com anfotericina B desoxicolato na dose de 0,5 a 1 mg/kg/dia, durante, pelo menos, duas a trs semanas,
seguido de fluconazol at perfazer seis a 12 meses de tratamento. A anfotericina B lipossmica (3-5 mg/kg/dia) pode ser usada se h intolerncia ou
nefrotoxicidade. No caso de isolamento de Candida spp suscetvel, como
alternativa pode usar-se fluconazol 6 mg/kg/dia durante seis a 12 meses, por
via oral. Como alternativas, pode usar-se o voriconazol, posaconazol e as
equinocandinas (caspofungina, micafungina e a anidulafungina) que so
boas opes teraputicas, especialmente nas estirpes resistentes aos triazis
(Candida glabrata e Candida kruzei). Na artrite criptoccica, a escolha de
tratamento vai depender da extenso da doena e do estado imunitrio do
doente e a anfotericina B seguida de fluconazol uma opo. O tratamento preferido para as micoses endmicas sem atingimento do sistema nervoso
central (SNC) (Coccidioides spp, Blastomyces spp, Histoplasma spp e Sporotrix
spp) o itraconazol, 400 mg por dia, durante 12 meses. Para a infeo por
Aspergillus spp, o voriconazol parece ser eficaz e alguns autores preferem-no
em relao anfotericina B.
A artrite causada por Borrelia burgdorferi responde bem a tratamento
com ceftriaxona (2 g/dia, durante 14 dias) ou doxiciclina (200 mg/dia, durante um ms). A doxiciclina (200 mg/dia) e a rifampicina (15 mg/kg/dia) so
usadas no tratamento da artrite bruclica durante, pelo menos, seis semanas. As infees por Nocardia spp respondem bem a tratamento com cotrimoxazol, ciclinas ou sulfadiazina. As artrites causadas por Mycobacterium
407
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409
Seco 17
Infees ginecolgicas
e obsttricas
Elsa Nunes
Ctia Carnide
Carla Rodrigues
Eullia Galhano
1. Infees ginecolgicas
Doenas caracterizadas por lceras genitais
Em pases desenvolvidos, a maioria das lceras genitais causada por
herpes genital ou por sfilis, sendo o herpes genital a condio mais prevalente. Entre as causas menos frequentes encontramse o cancride, o granuloma inguinal ou donovanose e o linfogranuloma venreo. O diagnstico
etiolgico das lceras vulvares difcil, sendo que em cerca de 25% dos
casos no se encontra uma causa1. Se o diagnstico for exclusivamente baseado no aspeto da leso esta percentagem pode ascender a 40%. As lceras
vulvares de etiologia no infeciosa no sero abordadas neste captulo.
Herpes
genital
prolongada, podendo demorar at trs semanas e ser agravada pela sobre-infeo bacteriana ou mictica.
Quase todas as pessoas que tiveram um episdio inicial de herpes genital
vo ter episdios subsequentes. Na infeo recorrente as leses tendem a
ser mais confinadas, em menor nmero e de mais rpida resoluo (cincosete dias). Est associada a sintomatologia ligeira ou so assintomticas.
O vrus pode ser detetado atravs de cultura em meio celular ou pelo
mtodo de reao em cadeia da polimerase (PCR). A sensibilidade da cultura
baixa, especialmente nas leses recorrentes. O mtodo PCR, com colheita
do exsudado da base da lcera mais sensvel4,5. O exame citolgico (teste
de Tzanck) tem uma sensibilidade e especificidade baixas e no deve ser
usado. Os testes serolgicos para VHS1 e VHS2 so os mais utilizados na
prtica clnica, com sensibilidade de 8098% e especificidade superior a 96%6.
A positividade para VHS2 implica sempre infeo genital, enquanto a positividade para VHS1 mais difcil de interpretar, porque pode implicar uma
infeo oral.
O tratamento com antivricos oferece benefcios clnicos s doentes. Todas
as doentes com episdios primrios devem ser tratadas1. Os esquemas teraputicos recomendados no episdio primrio so aciclovir 400 mg (via oral)
3x/dia durante sete10 dias, aciclovir 200 mg (via oral) 5x/dia durante
sete10 dias, famciclovir 250 mg (via oral) 3x/dia durante sete10 dias e valaciclovir 1.000 mg (via oral) 2x/dia durante sete10 dias.
O tratamento dos episdios recorrentes deve ser iniciado no prdromo
ou no primeiro dia do aparecimento de leses1. Os esquemas teraputicos
recomendados so aciclovir 400 mg (via oral) 3x/dia durante cinco dias,
aciclovir 800 mg (via oral) 2x/dia durante cinco dias, aciclovir 800 mg (via
oral) 3x/dia durante dois dias, famciclovir 125 mg (via oral) 2x/dia durante
cinco dias, famciclovir 1.000 mg (via oral) toma nica, famciclovir 500 mg
(vial oral) toma nica e depois 250 mg (via oral) 2x/dia durante dois dias,
valaciclovir 500 mg (via oral) 2x/dia durante trs dias e valaciclovir 1.000 mg
(via oral)/dia durante cinco dias.
O tratamento supressivo reduz a frequncia dos episdios de herpes genital recorrente em 7080%7,8. A frequncia destes episdios tende a diminuir
ao longo do tempo, pelo que se preconiza a interrupo da teraputica
supressiva periodicamente para avaliao da necessidade (uma vez ano, por
exemplo) de manuteno da teraputica.
Os esquemas teraputicos supressivos recomendados so aciclovir 400 mg
(via oral) 2x/dia, famciclovir 250 mg (via oral) 2x/dia e valaciclovir 1.000 mg
(via oral) 1x/dia.
A mulher grvida com episdio inicial ou com herpes recorrente (sintomtico) pode ser tratada com aciclovir por via oral ou e.v., dependendo da
gravidade dos sintomas. Os dados disponveis em relao ao uso deste frmaco na gravidez so tranquilizadores9. A cesariana recomendada nos
412
Sfilis
A sfilis uma doena sistmica causada por Treponema pallidum, que se
divide em estdios de acordo com a progresso da doena.
O perodo de incubao de trs90 dias, em mdia trs semanas. A sfilis
primria cursa com ulcerao vulvar (nica em 70% dos casos), indolor, dura
e com granulao na base, que ocorre no local de inoculao (mais vezes
nos grandes lbios). Pode ser acompanhada de adenopatias no dolorosas e
a resoluo espontnea, sem cicatriz, em umdois meses.
A sfilis secundria manifestase por exantema e adenopatias generalizadas. Aps a ocorrncia de sfilis secundria no tratada, a doena entra em
fase latente, sem manifestaes clnicas. A sfilis latente, adquirida no ano
precedente, referida como sfilis latente recente, e todos os restantes casos
so definidos como sfilis latente tardia ou de durao desconhecida. A sfilis
terciria a manifestao mais grave e tem efeitos devastadores a nvel do
sistema nervoso central (SNC) e cardiovascular.
Na gravidez, a transmisso vertical proporcional espiroquetemia. Assim,
o risco de transmisso mximo na sfilis precoce (70100%), diminuindo nos
outros estdios. A infeo fetal pode resultar em aborto, morte fetal, parto
prtermo e sfilis congnita, com morte perinatal em 30%.
A microscopia de fundo escuro e os testes de imunofluorescncia direta
ou PCR do exsudado da leso, aps colheita com zaragatoa ou no tecido de
biopsia, fazem o diagnstico de sfilis primria1.
Os testes serolgicos fazem o diagnstico presuntivo. So utilizados testes
notreponmicos (VDRL e RPR) e testes treponmicos (FTAABS, TPPA e
MHATP). Aconselhase a utilizao de um teste treponmico inicialmente
porque apresenta maior sensibilidade na sfilis primria e positividade mais
precoce do que os notreponmicos10. Se positivo, deve efetuarse um segundo teste treponmico devido baixa especificidade dos testes. Se se
pedir inicialmente um teste notreponmico (VDRL ou RPR), deve ser confirmado por um teste treponmico. Os testes serolgicos podem ser negativos
inicialmente, sendo necessria a repetio dos mesmos aps duas semanas,
ou recorrer a biopsia.
A monitorizao deve fundamentar-se nos testes notreponmicos, porque estes tendem a negativar aps o tratamento, ao passo que os testes
treponmicos mantmse, persistentemente, positivos ao longo da vida11.
Deve ser efetuada titulao peridica (de seis em seis meses) at negativao
ou obteno de uma diminuio de quatro vezes nos ttulos.
O tratamento da sfilis primria alicera-se na penincilina G benzatnica
2,4 milhes UI, por via i.m. em dose nica. Nos casos de alergia penicilina pode ser prescrita doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante 14 dias,
413
Cancride
O cancride uma infeo sexualmente transmissvel aguda causada por
Haemophylus ducreyi. rara nos pases desenvolvidos, ocorrendo, geralmente, por surtos. prevalente em algumas regies de frica e nas Carabas.
Haemophylus ducreyi muito contagioso e o seu perodo de incubao de
trs14 dias. Inicialmente surge uma ppula ou pstula no local de inoculao,
evoluindo para uma lcera dolorosa, profunda, mole, de bordos mal definidos, com base frivel e exsudado com cheiro, podendo ocorrer uma ou mais
lceras. Na maioria dos casos surgem adenopatias inguinais unilaterais, por
vezes de grandes dimenses, com flutuao e eventual supurao. A cicatrizao ocorre espontaneamente em dois meses, com formao de cicatriz15.
O diagnstico definitivo exige a identificao por cultura, num meio especial, ou por PCR, meios no disponveis comercialmente. Como tal, o diagnstico presuntivo, baseado na clnica e na excluso de infeo por Treponema pallidum ou VHS.
O tratamento proporciona alvio sintomtico ao fim de trs dias e melhoria das leses em sete dias. Em estdios avanados pode existir retrao cicatricial marcada, apesar da teraputica adequada. A resoluo de lceras
de grandes dimenses pode demorar at duas semanas. A resoluo das
adenopatias lenta e pode ser necessrio recorrer a aspirao ou inciso
para drenagem1.
Os esquemas teraputicos preconizados so azitromicina 1 g (via oral),
toma nica, ceftriaxona 250 mg i.m. toma nica; ciprofloxacina 500 mg (via oral)
2x/dia durante trs dias e eritromicina 500 mg (via oral) 3x/dia durante sete dias.
Os parceiros sexuais nos 10 dias que precederam o diagnstico devem ser
examinados e tratados1.
Granuloma
inguinal/donovanose
O granuloma inguinal causado por Klebsiella granulomatis, anteriormente designada Calymmatobacterium granulomatis. A doena endmica
em frica, Carabas, Austrlia, sul da ndia, Amrica do Sul e sudeste asitico16.
414
Linfogranuloma
venreo
Os parceiros sexuais nos 60 dias anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados com azitromicina 1 g dose nica ou doxiciclina 100 mg 2x/dia,
durante sete dias1.
Infeo
por
Chlamydia Trachomatis
oral) dose nica, amoxicilina 500 mg (via oral) 3x/dia durante sete dias e
eritromicina 500 mg (via oral) 4x/dia durante sete dias. importante o controlo pstratamento na gravidez, com repetio do teste, cerca de trs semanas aps o final do tratamento.
Os parceiros sexuais dos 60 dias anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados. Pensase que a elevada taxa de reinfeo, nos meses seguintes, se deva ao no cumprimento de tratamento apropriado dos parceiros sexuais. Por este motivo preconizase a repetio do teste em todos os
casos, cerca de trs meses aps o tratamento, ou na sua impossibilidade no
prazo de at um ano aps o tratamento1.
Gonorreia
Neisseria gonorrhoeae um diplococo Gramnegativo, de transmisso
sexual ou perinatal e com perodo de incubao de 27 dias. frequente a
co-infeo com Chlamydia trachomatis (1030% dos casos).
A infeo na mulher pode ser assintomtica e ser apenas diagnosticada
quando ocorrem complicaes como DIP e consequente leso tubar, que
pode ser causa de infertilidade e maior incidncia de gravidez ectpica. A
infeo sintomtica cursa com cervicite mucopurulenta. No homem, a infeo
provoca, muitas vezes, sintomas de uretrite. Na mulher pode, tambm ocorrer uretrite, que se manifesta como disria e corrimento uretral. Outros locais
de contacto sexual podem estar envolvidos, como a faringe e o reto. A infeo gonoccica disseminada resulta em leses cutneas, articulares (artralgia assimtrica, tenossinovite e artrite sptica), ocasionalmente perihepatite
e raramente endocardite ou meningite.
Na gravidez, a infeo por Neisseria gonorrhoeae est associada a aborto
sptico, morte fetal, rotura prematura de membranas, corioamniotite, parto
prtermo e endometrite psparto.
O diagnstico pode presumirse atravs de colheita de exsudado do endocolo, uretra, reto ou faringe por zaragatoa e procedendose a exame direto com colorao de Gram, sendo possvel identificar a presena de diplococos Gramnegativo no interior de leuccitos. No entanto um mtodo
pouco sensvel e especfico.
A cultura requer colheita de exsudado do endocolo ou da uretra e permite a identificao especfica da bactria, assim como a realizao de um
teste de sensibilidade aos antibiticos (TSA), de particular interesse, devido
capacidade do gonococo desenvolver resistncia aos antibiticos. O teste
de amplificao gnica por PCR tem sensibilidade superior cultura e pode
ser utilizado em colheitas do endocolo, vagina, uretra e urina18.
Devido elevada prevalncia de gonococo resistente a fluoroquinolonas,
esta classe de antibiticos no deve ser utilizada1,19.
Nas infees no complicadas so recomendados os seguintes esquemas
ceftriaxona 250 mg i.m., dose nica, cefixima 400 mg (via oral), dose nica
417
e outras cefalosporinas injetveis, em dose nica [cefoxitina 2 g i.m. + probenecid 1 g (via oral), ceftizoxima 500 mg i.m., cefotaxima 500 mg i.m.].
Deve ser associado tratamento emprico para Chlamydia spp com azitromicina 1 g (via oral) em dose nica ou doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia,
durante sete dias.
Os esquemas alternativos, nomeadamente em caso de alergia penicilina,
incluem espectinomicina 2 g i.m., em dose nica ou azitromicina 2 g (via
oral), em dose nica.
Na gravidez podem ser utilizados os esquemas recomendados com cefalosporinas ou eventualmente espectinomicina 2 g i.m., em dose nica ou
azitromicina 2 g (via oral), em dose nica. Os parceiros sexuais nos 60 dias
anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados. Preconizase a
repetio do teste em todos os casos, cerca de trs meses aps o tratamento,
ou na sua impossibilidade no prazo de at um ano aps o tratamento.
Vaginose
bacteriana
A vaginose bacteriana resulta da substituio da flora vaginal predominante de lactobacilos produtores de perxido de hidrognio (Lactobacillus
spp), por elevadas concentraes de bactrias anaerbias (Prevotella spp,
Mobiluncus spp), Gardnerella vaginalis, Ureaplasma spp e Mycoplasma spp.
O motivo pelo qual tal acontece no est, completamente, elucidado. Pensase que possa estar associado a mltiplos parceiros sexuais, mudana de
parceiro sexual e no utilizao de preservativo, mas tambm pode ocorrer
em mulheres que nunca tiveram relaes sexuais. A vaginose bacteriana pode
aumentar o risco de aquisio de outras infees sexualmente transmissveis
418
(VIH, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis e VHS2) ou de complicaes aps cirurgia ginecolgica1.
Caracterizase por leucorreia abundante, fluida, com cheiro ftido. A inflamao vaginal rara ou discreta. Aproximadamente 50% das mulheres
so assintomticas20,21.
A ocorrncia durante a gravidez pode aumentar o risco de complicaes,
nomeadamente corioamniotite, parto prtermo, rotura prematura de membranas e endometrite psparto ou psaborto1.
O diagnstico pode ser confirmado atravs do exame direto com colorao de Gram ou utilizando os critrios de Amsel22. A colorao de Gram
determina a concentrao relativa dos diversos microrganismos da flora vaginal. Utilizando os critrios de Amsel, o diagnstico confirmado se trs
das seguintes condies estiverem presentes:
Leucorreia homognea, que cobre finamente as paredes da vagina.
Presena de clue cells ao exame microscpico.
pH vaginal superior a 4,5.
Teste de aminas positivo [odor a peixe podre aps adio de hidrxido de potssio (KOH) a 10%].
As mulheres sintomticas devem ser tratadas1. Os esquemas teraputicos recomendados so metronidazol 500 mg (via oral) 2x/dia durante sete
dias, metronidazol 500 mg vulos vaginais, um vulo ao deitar durante
sete dias, clindamicina 2% creme vaginal, uma aplicao ao deitar durante
sete dias. Em alternativa podem ser utilizados os seguintes esquemas tinidazol 2 g (via oral), toma nica diria durante dois dias, tinidazol 1 g (via oral)
toma nica diria durante cinco dias e clindamicina 300 mg (via oral) 2x/dia
durante sete dias.
Deve ser recomendada a abstinncia sexual ou o uso do preservativo,
durante o tratamento. O tratamento dos parceiros sexuais no preconizado.
Diversas formulaes probiticas com lactobacilos esto disponveis para
restaurar a flora vaginal, sendo necessrios mais estudos para avaliar a sua
eficcia, na preveno e tratamento da vaginose bacteriana23.
Na gravidez recomendase o tratamento das grvidas sintomticas1. Apesar da vaginose bacteriana estar associada a complicaes obsttricas, o
nico benefcio comprovado do seu tratamento foi a reduo da sintomatologia da mulher grvida e diminuio do risco de aquisio de outras infees
sexualmente transmissveis. Deve ser preferida a administrao por (via oral)
A clindamicina, por via vaginal, est contraindicada na segunda metade da
gravidez, por aumento do risco de complicaes fetais (baixo peso ao nascer
e infeo neonatal)24,25.
Os esquemas recomendados na gravidez so metronidazol 500 mg (via
oral) 2x/dia durante sete dias, metronidazol 250 mg (via oral) 3x/dia durante
sete dias e clindamicina 300 mg (via oral) 2x/dia durante sete dias.
419
Tricomonase
A tricomonase causada pelo protozorio Trichomonas vaginalis.
Na mulher, manifestase por leucorreia amarela esverdeada arejada, de
cheiro ftido, associada a prurido vulvovaginal. A vulva, a vagina e o colo
uterino apresentam sinais inflamatrios. Aproximadamente 30% das mulheres so assintomticas e at 50% apresentam quadros clnicos incompletos23.
Os homens infetados so muitas vezes assintomticos, mas podem apresentar
sintomas de uretrite.
A tricomonase na gravidez est associada a aumento do risco de rotura
prematura de membranas, parto prtermo e baixo peso ao nascer1.
A microscopia das secrees vaginais a fresco tem uma sensibilidade de
6070%. Existem alguns testes especficos para Trichomonas vaginalis, realizados nas secrees vaginais, que apresentam sensibilidade superior a 83%
e especificidade superior a 97%. A cultura para Trichomonas vaginalis um
mtodo sensvel e altamente especfico1,23.
Os nitroimidazis so a nica classe de frmacos recomendada no tratamento da tricomonase1. Os esquemas utilizados em primeira linha so metronidazol 2 g (via oral), em dose nica e tinidazol 2 g (via oral), em dose
nica. Em alternativa pode utilizarse metronidazol 500 mg (via oral) 2x/dia
durante sete dias.
O tratamento de todos os parceiros sexuais mandatrio. As relaes
sexuais devem ser evitadas at ao final do tratamento.
Os doentes devem ser informados acerca dos efeitos adversos que podem
ocorrer com o consumo de lcool, devendo este ser evitado at 24 h aps o
final do tratamento com metronidazol ou 72 h aps o final do tratamento
com tinidazol.
O tratamento durante a gravidez reduz os sintomas e previne a ocorrncia de infeo respiratria ou genital do recmnascido. Assim, todas as
grvidas sintomticas devem ser tratadas. As grvidas assintomticas podem
ser tratadas aps as 37 semanas, para prevenir a transmisso perinatal1. O
metronidazol 2 g (via oral), em dose nica, o esquema de eleio.
Candidase
vulvovaginal
grumosa. A CVV grave manifestase por eritema vulvar extenso, com edema
marcado e formao de fissuras.
O diagnstico pode ser confirmado pela observao de hifas, pseudohifas
ou leveduras em esfregao a fresco com KOH a 10%. Nas mulheres com
sintomas em que o esfregao a fresco com KOH 10% negativo, pode ser
considerada a cultura de secrees vaginais, em meio apropriado. A CVV
complicada exige sempre confirmao por cultura.
As formulaes tpicas de antifngicos tratam, eficazmente, a CVV no
complicada. Devem ser administradas, de preferncia, ao deitar. Esto disponveis em Portugal os seguintes esquemas clotrimazol creme vaginal 10 mg/g,
uma aplicao/dia, durante seis dias, clotrimazol 100 mg, um comprimido
vaginal/dia durante seis dias, clotrimazol 500 mg, um comprimido vaginal,
em aplicao nica, econazol creme vaginal 10 mg/g, uma aplicao/dia,
durante 14 dias, econazol 150 mg, um vulo intravaginal/dia, durante trs
dias, fenticonazol 200 mg, um vulo intravaginal/dia, durante seis dias, isoconazol creme vaginal 10 mg/g, uma aplicao/dia, durante sete dias, sertaconazol, creme vaginal 20 mg/g, uma aplicao/dia, durante sete dias, sertaconazol
300 mg, um vulo intravaginal, em aplicao nica, sertaconazol 500 mg, um
comprimido intravaginal em aplicao nica, tioconazol 100 mg, um comprimido intravaginal/dia, durante trs dias, tioconazol 100 mg, trs comprimidos
intravaginais, em aplicao nica.
Os cremes de aplicao tpica podem diminuir a eficcia dos preservativos.
Outra opo a ter em conta nestas situaes a administrao de dose
nica de 150 mg de fluconazol por (via oral).
O tratamento dos parceiros sexuais no recomendado, a no ser que
estes apresentem sintomas de balanite, situao, que, em geral, responde ao
tratamento com antifngicos tpicos.
Na CVV grave recomendase o tratamento prolongado com formulaes
tpicas at 14 dias ou a administrao de fluconazol 150 mg (via oral), duas
doses separadas em 72 h.
A CVV recorrente definese como quatro ou mais episdios de CVV, durante um ano, e o seu tratamento implica uma teraputica inicial prolongada (sete14 dias de tratamento tpico ou trs doses de fluconazol 150 mg,
por via oral, nos dias um, quatro e sete), seguida de teraputica de manuteno durante seis meses com fluconazol 150 mg/semana (via oral).
Na gravidez esto apenas recomendadas as formulaes tpicas.
leso tubar de cerca de 8%, aps um nico episdio de DIP e de 40%, aps trs
ou mais episdios. Aps um episdio de DIP o risco de gravidez ectpica aumenta em seis vezes. A incidncia de dor plvica crnica de 12%, aps um
episdio de DIP, 30%, aps dois episdios e 67%, aps trs ou mais episdios27.
A DIP causada na maioria dos casos por microrganismos sexualmente
transmitidos, especialmente Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.
No entanto, alguns microrganismos da flora vaginal foram tambm associados
a DIP (anaerbios, Gardnerella vaginalis, Haemophilus influenzae, bastonetes
Gramnegativo e Streptococcus agalactiae), assim como algumas espcies de
Mycoplasma spp e vrus citomeglico (VCM)28.
Os fatores de risco implicados so idade inferior a 25 anos, coitarca
precoce, mltiplos parceiros, novo parceiro recente, antecedentes de DIP ou
infees sexualmente transmitidas, instrumentao atravs do colo [dispositivo intrauterino (DIU), histerossalpingografia e curetagem]32.
Muitas mulheres apresentam sintomatologia fruste, pelo que a DIP aguda
pode ser difcil de diagnosticar, ocorrendo um atraso no tratamento e, em
consequncia, maior risco de sequelas inflamatrias no trato genital superior.
Os sintomas mais vezes referidos so metrorragia, dispareunia, dor plvica e
corrimento vaginal. Pode ocorrer febre. O exame fsico pode revelar corrimento cervical purulento, colo frivel, dor mobilizao do colo uterino e/
ou dor palpao anexial.
Os critrios laboratoriais de diagnstico incluem aumento da velocidade
de sedimentao (VS) ou da protena C reactiva (PCR) e a documentao de
infeo por Neisseria gonorrhoeae e/ou Chlamydia trachomatis.
Os critrios definitivos para o diagnstico de DIP so evidncia histopatolgica de endometrite, por biopsia endometrial, presena de imagem ecogrfica compatvel com salpinge ou abcesso tuboovrico e alteraes laparoscpicas compatveis com DIP1.
O tratamento emprico deve ser iniciado quando existe dor plvica associada a um ou mais dos seguintes sinais dor mobilizao do colo uterino
ou dor palpao uterina ou dor palpao anexial (critrios mnimos de
tratamento)1. O tratamento pode ser realizado em ambulatrio. Nos casos
de DIP ligeiramoderada. Se no existir agravamento do quadro clnico, que
motive observao clnica mais precoce, a doente deve ser reavaliada 72 h
aps incio do tratamento. Deve ser associado um antiinflamatrio no-esteride (AINE), desde a fase inicial do tratamento. Os protocolos teraputicos, tm em conta a etiologia polimicrobiana desta afeo clnica, o que
obriga associao de antibiticos29 ceftriaxona 250 mg i.m., dose nica +
doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante 14 dias, cefoxitina 2 g i.m. dose
nica + probenecid 1 g (via oral) dose nica + doxiciclina 100 mg (via oral)
2x/dia, durante 14 dias, outra cefalosporina parentrica de terceira gerao
(cefotaxima ou ceftizoxima) + doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante
14 dias, ofloxacina 400 mg (via oral) 2x/dia, ou levofloxacina 500 mg (via oral)
422
toma nica diria durante 14 dias. Em todos os esquemas pode ser associado
metronidazol 500 mg 2x/dia, durante 14 dias para tratamento da vaginose
bacteriana, frequentemente associada a DIP.
Constituem critrios de hospitalizao gravidez, incapacidade de excluir
emergncia cirrgica, ausncia de resposta teraputica oral em ambulatrio em 72 h, incapacidade de tolerar teraputica oral (nuseas e vmitos),
doena grave (febre alta e peritonite), presena de abcesso tuboovrico,
imunossupresso, no garantia de cumprimento da teraputica em ambulatrio33. Os esquemas de teraputica antibitica parentrica recomendados
so cefotetano 2 g e.v. 12/12 h ou cefoxitina 2 g e.v. seis-seis horas + doxiciclina 100 mg (via oral) ou e.v. 12/12 horas, clindamicina 900 mg e.v. oito-oito horas + gentamicina 2 mg/kg (dose inicial), seguida de dose de manuteno 1,5 mg/kg i.m. ou e.v. de oito-oito horas; ampicilina/sulbactam 3 g
e.v. seis a seis horas + doxiciclina 100 mg (via oral) ou e.v. 12/12 h.
A teraputica antibitica parentrica deve manterse at 24 h aps melhoria clnica e prosseguir com doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante
14 dias ou com clindamicina 450 mg (via oral) 4x/dia, durante 14 dias.
Tambm se preconiza o tratamento sistemtico dos parceiros sexuais (cobertura para Chlamydia spp e gonococo) dos 60 dias prvios ao incio dos
sintomas. Deve recomendarse a abstinncia de relaes sexuais ou relaes
sexuais protegidas at final da vigilncia psteraputica.
Condilomas genitais
Mais de 100 tipos de vrus do papiloma humano (VPH), so conhecidos e
mais de 40 tipos infetam o trato genital. Os subtipos de VPH de alto risco, oncognicos, so responsveis pelo cancro do colo do tero e por outros cancros da
regio anogenital. Os subtipos de VPH de baixo risco, especialmente o 16 e o 18,
so a causa dos condilomas genitais30. Estimase que mais de 50% das pessoas
sexualmente ativas sejam infetadas por VPH, pelo menos uma vez na vida.
As infees por VPH so, na sua maioria, assintomticas ou subclnicas.
Os condilomas genitais so leses exofticas moles, que podem provocar dor
ou prurido, dependendo do seu tamanho e do local onde se encontram.
Podem encontrarse em qualquer local do trato genital inferior e na regio
anal, mas ocorrem, de preferncia na mulher a nvel do introito vaginal e
no homem sob o prepcio e na glande.
O diagnstico , em geral clnico, pela inspeo visual da leso. A biopsia
pode estar indicada se existem dvidas no diagnstico, se as leses no respondem ou pioram com a teraputica instituda ou se as leses so pigmentadas, endurecidas, hemorrgicas ou ulceradas1. A utilizao dos testes de
VPH no diagnstico dos condilomas genitais, no recomendada, porque
no altera a conduta teraputica.
423
Infees congnitas
Os efeitos imediatos e a longo prazo das infees congnitas e perinatais
representam um importante problema de sade pblica. O feto pode ser
infetado por vrios microrganismos vrus, bactrias, protozorios e fungos.
Estas infees podem ser adquiridas in utero (sendo a via mais frequente a
hematognica transplacentar) ou durante o parto. A imunidade materna, as
caractersticas do agente infecioso, a prpria placenta e a idade gestacional
da infeo materna so fatores que determinam se o feto ser acometido e
quais as consequncias fetais.
Vrus citomeglico
Vrus citomeglico (VCM) um vrus ADN da famlia dos herpesvrus que
tem a caracterstica de, aps uma infeo primria, se tornar latente e poder
424
ser reativado, com possvel infeo fetal em ambos os casos. Este vrus
extremamente comum, podendo ser encontrado em quase todos os rgos
e fluidos corporais. A transmisso horizontal requer o contacto com smen,
saliva, urina, fezes, leite materno, sangue ou secrees vaginais, ocorrendo
mais vezes atravs do contacto domstico ou profissional direto com crianas,
ou de relaes sexuais. A transmisso vertical pode ocorrer por via hematognica transplacentar (semanas ou meses aps a infeo primria) ou durante o parto. Atualmente, a infeo congnita vrica mais frequente (0,52%)
e a principal causa de surdez neurossensorial congnita34,35.
A primoinfeo por VCM ocorre mais vezes entre os 1535 anos, tendo,
assim, uma elevada incidncia durante a gravidez (15%)35,36. No adulto
imunocompetente, em geral assintomtica, podendo, ocasionalmente, originar sndrome mononuclesica. Aps o episdio inicial, a infeo tornase
latente, podendo ocorrer reativao ou reinfeo por nova estirpe.
O diagnstico clnico difcil, sendo os testes serolgicos teis no
diagnstico de infeo primria ou de reinfeo. A infeo induz resposta de anticorpos especficos [imunoglobulina M (IgM)], sendo estes
um indicador til de infeo aguda. Em geral esto presentes durante
3060 dias, porm, o seu aparecimento pode demorar at quatro semanas
e podem persistir at quatro-oito meses, aps a primoinfeo. Nas situaes em que a IgM e imunoglobulina G (IgG) so positivas, a utilizao
complementar da determinao do ndice de avidez de IgG permite distinguir uma infeo recente (avidez fraca) de uma no recente (h mais de
trs meses).
Perante a suspeita de primoinfeo materna, por serologia ou por achados ecogrficos sugestivos (restrio de crescimento intrauterino, ventriculomegalia, hepatoesplenomegalia, hiperecogenicidade intestinal, calcificaes
intracranianas, microcefalia e oligoidrmnios), o diagnstico de infeo in
utero requer a colheita de lquido amnitico por amniocentese (para PCR e
cultura), uma vez que o feto infetado excreta o vrus na urina. A amniocentese deve ser realizada aps a semana 21 de gravidez e, pelo, menos, seis
semanas aps a seroconverso materna36.
A transmisso vertical aumenta com a idade gestacional, ocorrendo em
3540% dos casos, sendo a gravidade da infeo tanto menor, quanto mais
tardiamente for adquirida3538. Dos recmnascidos infetados, 1015% sero
sintomticos ao nascer (prpura trombocitopnica, hepatoesplenomegalia,
ictercia, microcefalia, coriorretinite), dos quais 90% tero sequelas34. Entre
os recmnascidos assintomticos, 1015% viro a desenvolver sintomas34,
habitualmente nos primeiros dois anos de vida, principalmente hipoacusia
ou surdez neurossensorial, mas tambm atraso motor e problemas comportamentais. As recorrncias so responsveis por menos de 2% dos casos de
infeo fetal, situao em que a probabilidade e a gravidade das sequelas
so tambm menores36,38.
425
Rubola
A rubola causada por um vrus ARN, em que o homem o nico reservatrio. A transmisso ocorre por via respiratria, aps contacto direto
com secrees nasofarngeas. A rubola tem baixa incidncia na gravidez,
no s por haver uma baixa suscetibilidade no adulto, mas tambm pela
imunizao preconizada na populao (Programa Nacional de Vacinao).
Clinicamente, a rubola assintomtica em 5080% dos casos. No entanto, pode manifestarse por um exantema maculopapular eritematosa no
pruriginoso, febre, conjuntivite, artralgia e linfadenopatias (retroauriculares
e suboccipitais). O perodo de maior contgio verificase entre uma semana
antes e uma semana depois do aparecimento do exantema.
A infeo durante a gravidez associase a aborto espontneo, restrio
de crescimento intrauterino, morte fetal e infeo fetal. O risco de infeo
fetal de 5080%, se a seroconverso materna ocorrer no primeiro trimestre,
diminuindo para 20% se ocorrer durante o terceiro trimestre40. Os defeitos
congnitos [sndrome da rubola congnita (SRC) manifestamse, em geral,
nas infees que ocorrem at a semana 16]. A SRC caracterizase por anomalias transitrias (prpura trombocitopnica, hepatoesplenomegalia, ictercia e meningoencefalite), permanentes (defeitos oculares, cardacos, auditivos e do SNC) e tardias (diabetes, disfuno hormonal, hipertenso arterial
e panencefalite progressiva). A anomalia mais vezes associada ao SRC a
surdez neurossensorial (6075% dos fetos).
Assim, devido inexistncia de teraputica etiolgica, para a me e para
o recmnascido, e dificuldade no estabelecimento do prognstico do feto
infetado, a realizao dos testes serolgicos por rotina no decurso da gravidez continua a ser um tema controverso36,38,39.
Quando o quadro clnico caracterstico, este permite o diagnstico. No
entanto, na maioria dos casos a serologia que permite o diagnstico do
426
estado imunitrio. Os anticorpos IgM surgem com o aparecimento do exantema, permanecendo positivos durante quatrooito semanas. A IgG surge
alguns dias aps o aparecimento da IgM e, em geral, persiste durante toda
a vida. Perante a suspeita de seroconverso materna, a avidez das IgG til
para esclarecer acerca do momento da gravidez, em que ter ocorrido a
infeo, sendo uma avidez forte indicadora de uma infeo h mais de trs
meses.
Aps o diagnstico de infeo materna, a infeo fetal identificada
atravs da deteo do vrus no lquido amnitico (amniocentese) ou no
sangue fetal (cordocentese). A pesquisa da infeo fetal deve ser realizada
seis-oito semanas aps a seroconverso materna e aps as 21 semanas de
gravidez40,41.
Nos casos em que confirmada a infeo materna no primeiro trimestre,
em que esta est associada a elevado risco de SRC, e uma vez que no
existe tratamento disponvel, a interrupo da gravidez constitui uma opo
do casal.
A vacinao generalizada representa o principal meio de preveno. A
mulher adulta no imunizada dever ser vacinada, com contraceo eficaz
durante o ms seguinte vacinao40. A grvida no imune deve evitar o
contacto com doentes infetados, principalmente crianas. O puerprio o
perodo ideal para efetuar a vacina nas mulheres no imunes, no estando
contra-indicada a amamentao nestes casos.
Parvovrus B19
Os parvovrus so um vrus ADN da famlia Parvoviridae, sendo o B19 o
nico patognico para a espcie humana. Caracterizase pelo alto tropismo para as clulas eritropoiticas e responsvel pelo eritema infecioso
(5.a doena).
O vrus est presente no sangue e secrees respiratrias dos doentes
virmicos, sendo a via de transmisso mais frequente a respiratria.
A viremia mxima sete14 dias antes do exantema, desaparecendo
quando surgem os sintomas.
No adulto, 50% das infees so assintomticas, porm, se sintomticas, podem cursar com febre, adenopatias, artralgias ou falncia medular.
A incidncia da infeo primria na grvida de 34%. A probabilidade
de infeo fetal, via transplacentar, de 2533%42, e est associada a aborto,
morte fetal e anasarca. A anasarca surge em 26% dos fetos infetados, sendo responsvel por 18% das anasarcas fetais no imunes (por insuficincia
cardaca secundria a anemia aplstica). Contrariamente a outros agentes, o
parvovrus no provoca malformaes fetais ou sequelas a longo prazo. A
427
Varicela
O vrus varicela-zster (VVZ) um vrus ADN da famlia dos herpes, responsvel pela varicela (infeo primria) e pelo herpes-zster (reativao do
vrus latente nos gnglios nervosos sensitivos).
A varicela uma doena muito contagiosa, caracterizada por febre e
leses cutneas pruriginosas tpicas (mculas, ppulas, vesculas, pstulas
e crostas). A transmisso ocorre por contacto direto, atravs das secrees
respiratrias ou das leses cutneas vesiculares, sendo a doena contagiosa
desde dois dias antes do exantema at sua completa cicatrizao44. Sendo
esta uma doena, essencialmente, da infncia que confere imunidade duradoura, cerca de 90% das grvidas esto imunizadas, sendo a incidncia da
infeo na gravidez muito baixa46,47.
O tratamento da varicela materna no complicada sintomtico. Na varicela complicada por pneumonia, o tratamento com aciclovir ou valaciclovir
parece reduzir a mortalidade associada a esta condio47.
Na gravidez, se a infeo ocorre antes das 20 semanas, pode associarse
a morte fetal e a sndrome de varicela congnita (SVC). O risco de infeo
fetal atinge os 8%, mas o de SVC baixo (< 2%), e caracterizase por atrofia
ou hipoplasia dos membros e dedos, deformaes das extremidades associadas a leses cutneas cicatriciais ao longo dos dermtomos, do SNC, oftal428
Toxoplasmose
Toxoplasma gondii um parasita intracelular obrigatrio, de distribuio
universal, cujo hospedeiro definitivo o gato. A infeo adquirese por ingesto de quistos (forma latente), na carne crua ou mal cozinhada, ou de
oocistos, pelo contacto com gatos, com o solo ou com gua contaminados.
Esta doena no transmissvel de pessoa para pessoa.
A infeo , em geral, infecciosa, embora possa originar um quadro semelhante ao da mononucleose, aps um perodo de incubao de 518 dias.
A infeo primria na gravidez est associada a risco de aborto espontneo,
morte fetal, parto prtermo e infeo fetal (transmisso transplacentar) e
neonatal. O risco de infeo congnita aumenta, gradualmente, com a idade
gestacional, de cerca de 1025% no primeiro trimestre at 6080% no terceiro trimestre41,48. Porm, a gravidade desta infeo congnita maior quando a infeo materna ocorre durante o primeiro trimestre, diminuindo ao
longo da gravidez. A maioria das infees congnitas so assintomticas na
429
altura do parto (70%), podendo evoluir ao longo dos anos para leses oculares (coriorretinite), auditivas e do SNC (convulses e atraso mental). A
transmisso me-filho ocorre em cerca de 7% dos casos de toxoplasmose
adquirida durante a gravidez. O recmnascido com infeo aguda adquirida
no perodo periparto pode apresentarse com um quadro de septicemia, com
ou sem meningite.
Uma vez que a clnica desta doena inaparente ou inespecfica, o
diagnstico da infeo materna aguda confirmado por serologia. Devido
elevada prevalncia desta infeo em Portugal, recomenda-se o rastreio
trimestral serolgico ao longo da gravidez nas grvidas no imunes toxoplasmose. A IgM pode ser detetada umaduas semanas aps a infeo,
atinge a concentrao mxima em umdois meses, e diminui posteriormente, tornandose indetetvel em 612 meses. A IgG surge uma semana aps
o a IgM, persistindo elevada durante meses e diminui lentamente. Porm,
em alguns indivduos, os nveis de IgM podem manterse elevados durante anos49,50, sendo essenciais os testes de avidez. No caso de uma avidez
fraca ou intermdia no pode ser excluda infeo h mais de trs meses,
devendo ser obtida nova titulao da IgG trs semanas depois. Uma subida do ttulo de IgG em duas ou mais diluies sugestivo de infeo recente51.
Aps diagnstico de infeo materna deve propor-se a amniocentese,
com pesquisa de Toxoplasma gondii no lquido amnitico por PCR e/ou por
cultura, a realizar apa a semana 18 e, pelo menos, quatro semanas aps a
data da seroconverso. O diagnstico de infeo fetal pode ser sugerido,
ainda, por achados ecogrficos, atravs da trade clssica (calcificaes intracerebrais, hidrocefalia e coriorretinite), ou de outros sinais (hepatoesplenomegalia, microcefalia, ventriculomegalia, ascite, derrame pleural ou pericrdico, intestino hiperecognico e placentomegalia). A vigilncia ecogrfica
seriada est recomendada nos casos de suspeita ou diagnstico de seroconverso materna na gravidez41,51.
O tratamento, logo aps o diagnstico da infeo materna, de preferncia no primeiro e segundo trimestres da gravidez, uma prtica comum
em Portugal, que tem vindo a ser questionada por alguns estudos, referindo no haver evidncia cientfica que comprove a reduo da taxa de transmisso vertical5254. No entanto, o tratamento antenatal com espiramicina
continua a ser o mais vezes utilizado, devendo ser iniciado nas trs semanas aps a seroconverso48,51,52. No caso de diagnstico de infeo fetal
est indicado o tratamento com pirimetamina e sulfadiazina, aps a semana 18, com o objetivo de diminuir as sequelas fetais, sobretudo as leses
cerebrais50,51.
A preveno primria deve ser recomendada a todas as grvidas no
imunizadas, de forma a evitar a exposio aos quistos e aos oocistos de
Toxoplama gondii.
430
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Seco 18
DOENAS SEXUALMENTE
TRANSMITIDAS
Francisco Antunes
1. Introduo
A gonorreia, a infeco por Chlamydia trachomatis (uretrite no-gonoccica), a sfilis, o herpes genital e a tricomonose (ou tricomonase) so doenas
sexualmente transmitidas (DSTs) curveis; todavia so diagnosticados, ainda,
anualmente, 333 milhes de casos, em adultos, a maioria em pases em via
de desenvolvimento. As DSTs constituem um dos maiores problemas de sade
pblica, porm, com possibilidade de serem prevenidas e controladas atravs
de interveno no comportamento das populaes e no mbito biomdico.
Desde os finais da dcada de 1980 que se vem assistindo a alteraes nas
caractersticas das DSTs, tais como:
Diminuio da incidncia e aumento da concentrao em determinados
grupos sociais e reas geogrficas da sfilis e da gonorreia as duas DSTs
para as quais esto em curso programas de mbito nacional.
Identificao de elevada prevalncia de infeco por clamdia e o seu
impacto na sade das mulheres.
Conhecimento de que a prevalncia das DSTs vricas (herpes genital,
papiloma e hepatite B) excedem, largamente, as DSTs de causa bacteriana,
na populao em geral.
Percepo de que a infeco por vrus do papiloma humano (VPH) a
causa principal de cancro do colo uterino.
Emergncia da infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH), a
qual facilita a co-infeco por outras DSTs1.
Evidncia de que o controlo das DSTs previne a transmisso por
VIH 2.
Demonstrao de que o lcool e o abuso de drogas ilcitas est relacionado com prticas sexuais no protegidas3,4.
Disponibilidade de novos mtodos de diagnstico, de tratamento e de
interveno no comportamento.
Aumento da competio pelos fundos (escassos) disponveis entre as
instituies de sade.
433
F. Antunes
2. Sfilis
A sfilis reconhecida como DST desde o incio do sculo XVI. A introduo dos antibiticos na prtica clnica alterou, dramaticamente, a prevalncia
da sfilis, a apresentao clnica e a evoluo da doena. Treponema pallidum, o agente da sfilis, tem-se mantido susceptvel aos antibiticos ao
longo do tempo. A utilizao da penicilina para o tratamento de muitas
doenas infecciosas, incluindo a gonorreia, diminuiu, drasticamente, a prevalncia da sfilis. A probabilidade de transmisso da sfilis (atravs da pele
ou das mucosas) de 50%, a partir de um indivduo em fase contagiosa, com
acidente primrio sifiltico (leses hmidas).
Clnica
A sfilis adquirida caracteriza-se por um perodo de incubao, pelo estdio de sfilis recente, com o complexo primrio (acidente primrio sifiltico,
linfadenopatia satlite e espiroquetemia), pelo estdio de generalizao e,
finalmente, pela fase de sfilis tardia. O perodo de incubao (para alguns,
o primeiro perodo de incubao) dura de nove a 90 dias (mdia de duas a
quatro semanas), seguindo-se-lhe a lcera (ppula que evolui para ndulo
com eroso), em geral nica, dura e, tipicamente, indolor (as leses mltiplas
podem ocorrer em 30% dos casos). O diagnstico diferencial das lceras
genitais inclui o herpes genital, o linfogranuloma venreo, o cancride, o
granuloma inguinal, traumatismos e neoplasias. A lcera localiza-se, na mulher, na vagina e, sobretudo, no colo uterino (em regra, assintomtica). No
homem, a lcera encontra-se, mais vezes, no sulco balanoprepucial. O acidente primrio anal ou rectal doloroso. A lcera desvanece-se, em geral,
em duas a seis semanas. A linfadenopatia satlite, de localizao inguinal (no
caso de acidente primrio genital), em regra nica, mas podendo ser mltipla,
dura, indolor, sem sinais inflamatrios e no aderente aos planos superficiais
ou profundos. Aps a cicatrizao da lcera e a resoluo espontnea da
434
F. Antunes
com teste treponmico positivo ou, ento, testes no treponmico e treponmico positivos.
O diagnstico da sfilis depende das manifestaes clnicas, da identificao dos treponemas nas leses e dos testes serolgicos. Quando as lceras
so acessveis, a observao em campo escuro do transudado seroso o
mtodo mais rpido e mais utilizado para confirmao do diagnstico de
lcera sifiltica. Os testes serolgicos disponveis para o diagnstico da sfilis
e a sua sinopse esto citados no quadro 26,7.
436
Sinopse
Testes treponmicos
Especficos e sensveis
Treponema pallidum hemaglutination assay
(TPHA)
Testes confirmatrios
*Os testes treponmicos so considerados imortais, isto , manter-se-iam positivos durante toda a vida.
Porm, podem negativar-se nos doentes submetidos a teraputica com penicilina no decurso da sfilis
adquirida recente (FTA-ABS e TPHA tornam-se negativos, respectivamente, em 24% e 13% dos casos) e,
ainda, nos infectados por VIH.
F. Antunes
Tratamento
Neurossfilis
3. Herpes genital
O herpes genital uma infeco por vrus herpes simplex (VHS) recorrente,
de evoluo crnica. Dois serotipos foram identificados, isto VHS-1 e VHS2. A maioria dos casos de herpes genital recorrente causada por VHS-2. A
maior parte dos indivduos infectados por VHS-2 no diagnosticada,
todavia elimina o vrus pelo aparelho genital e, por outro lado, a transmisso ocorre em indivduos que desconhecem estarem infectados ou que
esto assintomticos, na altura em que aquela ocorre. Raramente, a primo-infeco manifesta-se por doena grave que requer hospitalizao. O
diagnstico clnico de herpes genital pouco sensvel e no especfico.
As leses tpicas, dolorosas e vesiculares ou ulcerativas mltiplas, esto ausentes na maioria dos indivduos infectados. Mais de 30% das primo-infeces por herpes genital so causadas por VHS-1, porm, proporcionalmente,
as recorrncias so mais frequentes para VHS-2 do que para VHS-1. Por
consequncia, a distino entre os serotipos de VHS influencia o prognstico
e o aconselhamento. Desta forma, o diagnstico clnico de herpes genital
deve ser confirmado por testes laboratoriais. Os testes vricos mais utilizados
para o diagnstico de herpes genital so a cultura (lceras genitais ou outras
leses mucocutneas), a reaco em cadeia da polimerase [polymerase chain
reaction (PCR)], para o ADN-VHS, muito sensvel [fundamentalmente para
o diagnstico no LCR de infeco por VHS do sistema nervoso central (SNC)],
mas o seu papel no diagnstico do herpes genital no est, ainda, bem definido e, por fim, a deteco citolgica das alteraes celulares causadas pela
infeco por VHS no sensvel e inespecfica, quer nas leses genitais
(preparao de Tzanck), quer nos esfregaos cervicais. Quanto aos anticorpos, especficos e no especficos do tipo de infeco por VHS, desenvolvem-se nas primeiras semanas de infeco e persistem toda a vida. Dado que a
maioria das infeces por VHS-2 so adquiridas por via sexual, os anticorpos
especficos para VHS-2 indicam infeco anogenital, porm, a presena de
anticorpos anti-VHS-1 no distingue a infeco anogenital da orolabial. Desde 1999 que est disponvel uma tcnica especfica para a deteco de anticorpos anti-VHS, a glicoprotena G2 que especfica para VHS-2 e a glicoprotena G1 para o diagnstico de infeco por VHS-1.
O tratamento antivrico de herpes genital eficaz do ponto de vista sintomtico, porm, no erradica o vrus latente, no afecta o risco, a frequncia ou a gravidade das recorrncias, aps a interrupo do tratamento. O
aciclovir, o valaciclovir e o famciclovir so os antivricos indicados para o
tratamento do herpes genital12. A aplicao tpica de antivricos no recomendada. O tratamento indicado para o primeiro episdio de herpes
genital e para as recorrncias est referido no quadro 411.
O aciclovir por via e.v. est recomendado nas formas graves de disseminao, pneumonite, hepatite, encefalite ou meningite. A dose de aciclovir
439
F. Antunes
Episdios recorrentes*
Teraputica supressiva
recomendada de 5-10 mg/kg peso, de 8-8 h, por via e.v., durante dois a
sete dias ou, ento, at melhoria clnica, seguida por teraputica por via
oral at completar o total de 10 dias de tratamento.
No caso de herpes genital, peri-anal ou anal no infectado por VIH, consultar captulo infeco VIH/sida e, no caso de herpes genital da mulher
grvida, consultar captulo infeces ginecolgicas e obsttricas deste Manual.
Nas crianas com evidncia de herpes neonatal, o aciclovir deve ser administrado na dose de 20 mg/kg peso de 8-8 h, por via e.v., durante 21 dias para
o caso de doena disseminada ou do SNC, e durante 14 dias para a doena
limitada pele e s mucosas.
Alternativos*
F. Antunes
Chlamydia trachomatis
Recomendado*
Recomendado*
Ceftriaxona, 125 mg, dose nica, por via i.m. Azitromicina, 1 g, dose nica, por via oral
ou
ou
Doxiciclina, 100 mg 2x/d, durante sete dias,
Cefixima, 400 mg, dose nica,
por via oral
por via oral
Alternativo*
Alternativo*
Espectinomicina, 2 g, dose nica, por via i.m. Eritromicina, 500 mg 4x/d, durante sete dias,
por via oral
ou
Cefotaxima, 500 mg, dose nica, por via i.m.
*Se a infeco por Chlamydia no puder ser excluda, azitromicina, 1 g, dose nica, por via oral ou
doxiciclina, 100 mg 2x/d, durante sete dias. Nas grvidas a doxiciclina deve ser substituda pela eritromicina.
Apresentao clnica, com lcera genital dolorosa e adenomegalia inguinal de consistncia mole.
Se estas manifestaes clnicas forem acompanhadas de adenomegalia
inguinal supurativa, estes sinais so, praticamente, patognomnicos. O diagnstico definitivo fundamenta-se na identificao de Haemophilus ducreyi
em meio especial de cultura, no disponvel comercialmente. O tratamento
fundamenta-se na azitromicina, 1 g, em dose nica, por via oral ou ceftriaxona, 250 mg, em dose nica, por via i.m. ou ciprofloxacina, 500 mg, 2x/dia,
por via oral, durante trs dias ou, ainda, eritromicina, 500 mg, 3x/dia, por
via oral, durante sete dias.
7. Uretrites e cervicites
As uretrites caracterizam-se por corrimento uretral, mucopurulento ou
purulento, podendo acompanhar-se por disria ou por prurido uretral. No
entanto, as infeces assintomticas so frequentes. Os principais agentes
so Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis (muitas vezes existe co-infeco). O diagnstico etiolgico mandatrio, sendo as uretrites gonoccicas confirmadas pela observao no esfregao uretral de diplococos intracelulares Gram-negativo. As uretrites no gonoccicas so diagnosticadas
se no se observam os supracitados diplococos. Para alm de Chlamydia
trachomatis, os outros agentes de uretrites no gonoccicas so Ureaplasma
urealyticum, Mycoplasma genitalium, Trychomonas vaginalis e VHS. Para o
diagnstico de Chlamydia trachomatis recomendam-se as tcnicas de amplificao do ADN (por exemplo, PCR), sendo, no entanto, tambm, corrente a
utilizao de testes de identificao de antignios [enzimticos enzyme
442
immunoassay (EIA) ou de fluorescncia directa direct fluorescent antibody (DFA)]. O tratamento das uretrites por Neisseria gonorrhoeae e por Chlamydia trachomatis est referido no quadro 611.
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443
Seco 19
INFECES OCULARES
Isabel Aldir
1. Introduo
A etiologia infecciosa tem um papel major na patologia ocular aguda e
crnica. Esta pode, de igual modo, reflectir doenas sistmicas, de natureza
infecciosa ou outra, cuja primeira manifestao foi ocular.
A sistematizao adoptada neste captulo, baseada no local da infeco,
visou facilitar a orientao do diagnstico e da teraputica de quem o consulte.
445
I. Aldir
Infeces difusas
A blefarite a inflamao crnica das margens das plpebras, que causa
prurido, ardor, hiperemia e descamao cutnea. Staphylococcus aureus e
Staphylococcus epidermidis so os agentes causais mais frequentes. O tratamento baseia-se na aplicao local de compressas mornas, de antibitico
local e da dermite seborreica, habitualmente, coexistente.
A celulite dos tecidos periorbitrios , tradicionalmente, dividida em celulite pr-septal (confinada s plpebras para a frente do septum orbitrio)
Quadro 1. Sinais e sintomas da celulite pr-septal e orbitria
446
Sinais e sintomas
Pr-septal
Orbital
Edema plpebra
Moderado a marcado
Marcado
Proptosis
Ausente ou ligeira
Marcada
Viso
Normal
Motilidade ocular
Normal
Ausente
Presente
Pupila
Normal
Normal
Presente
Presente
Presso intraocular
Normal
Febre
Ausente ou mnima
Elevada
Sinais menngeos
Ausentes
Leucocitose
Ausente ou mnima
Elevada
TC rbita
Edema pr-septal
Anamnese
Ferida, hordeolum
Infeces oculares
3. Infeces da conjuntiva
As conjuntivites so as causas mais frequentes do denominado olho
vermelho e apresentam-se como ardor e prurido de incio unilateral, tornando-se bilateral em poucos dias, sem dor ou alterao da viso2. Entre as
Viral
Bacteriana
Chlamydia
Fngica
Exsudado
Mnimo e
aquoso
Profuso e
purulento
Profuso e
aquoso
Mnimo
Lacrimejo
Profuso
Moderado
Moderado
Mnimo
Prurido
Mnimo
Mnimo
Mnimo
Ausente
Injeco
Generalizada
Generalizada
Generalizada
Localizada
Ndulo pr-auricular
Comum
Raro
Comum
Comum
Odinofagia e febre
Ocasional
Espordica
Inexistente
Inexistente
447
I. Aldir
sua inmeras causas esto os agentes infecciosos, processos alrgicos e qumicos. O quadro 2 estabelece o diagnstico diferencial entre as causas infecciosas mais comuns de conjuntivite.
Conjuntivite purulenta
As conjuntivites purulentas so, usualmente, indicadoras de infeco bacteriana, no obstante algumas queratoconjuntivites vricas se possam apresentar desta forma. Os agentes mais frequentes so Staphylococcus aureus,
Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus spp. Com
excepo dos casos em que se suspeite de etiologia gonoccica ou por Pseudomonas aeruginosa (os agentes etiolgicos com maior capacidade deletria
e que exigem teraputica sistmica) a teraputica assenta em antibitico
tpico, que se suspende 48 a 72 horas aps a resoluo dos sintomas. Nunca
se deve proceder ao encerramento do olho, pois esta medida favorece o crescimento bacteriano.
Conjuntivite no purulenta
As conjuntivites vricas, por Chlamydia trachomatis, fngicas e alrgicas
caracterizam-se pela inexistncia de exsudado purulento. A conjuntivite vrica mais frequente a queratoconjuntivite epidmica, habitualmente causada por adenovrus tipo 8, 10 ou 19. A conjuntivite hemorrgica aguda
relaciona-se com medidas de fraca higiene e causada por enterovrus tipo
70 ou vrus coxsackie tipo A24, sendo ambas autolimitadas e o tratamento
sintomtico. Chlamydia trachomatis um microrganismo intracelular obrigatrio, com reservatrio no aparelho genitourinrio, que responsvel por
duas sndromes oculares distintas conjuntivite de incluso e tracoma ocular
(consoante o serotipo envolvido). A conjuntivite de incluso do tipo folicular aguda, do adulto sexualmente activo, causada pelos serotipos D a K e
que se manifesta na conjuntiva palpebral inferior, estando com frequncia
associada a adenopatias pr-auriculares e o diagnstico confirmado pela
demonstrao de corpos basfilos de incluso citoplsmica na colorao
giemsa e na imunofluorescncia directa dos raspados (89-100%)3. O tratamento fundamenta-se na utilizao de doxiciclina, eritromicina ou tetraciclina oral, durante duas a trs semanas. O tracoma ocular, uma das principais
causas de cegueira no mundo, comea como conjuntivite folicular bilateral,
no purulenta, em crianas vivendo em reas endmicas. Posteriormente,
evolui para espessamento da conjuntiva tarsal com hipertrofia papilar e cicatrizao gradual das plpebras e opacificao da crnea, levando cegueira. O diagnstico estabelecido de forma idntica e a teraputica
448
Infeces oculares
Oftalmia neonatorum
Trata-se de conjuntivite purulenta, que se manifesta durante o primeiro
ms de vida, resultante da contaminao da criana durante a passagem
pelo canal de parto, usualmente devida a estafilococos, Chlamydia trachomatis, gonococos, pneumococos e vrus herpes simplex. Porm, pode, ainda,
ser manifestao de toxicidade ao nitrato de prata a 1%, usado profilacticamente ao nascer, surgindo nesta situao nos primeiros dias de vida5. Com
excepo da conjuntivite qumica, a teraputica antibitica deve ser prescrita por via sistmica, durante sete a 10 dias. Actualmente, d-se preferncia a uma cefalosporina de 3 gerao, para se cobrirem as estirpes de gonococos resistentes penicilina. Se se estiver perante infeco por Chlamydia
trachomatis, o antibitico de eleio a eritromicina na dose de 50 mg/kg/
dia, por via oral.
I. Aldir
5. Infeces intraoculares
Infeces focais (uvete e retinite)
As uvetes so inflamaes do tracto uveal, o qual constitudo por um
segmento anterior (ris e corpo ciliar) e um posterior (coroideia). Os dois
componentes do segmento anterior tm vascularizao comum e, por isso,
o processo inflamatrio , tambm, comum, designando-se iridociclite ou
uvete anterior. Na maioria dos casos, a etiopatogenia imunitria, como,
por exemplo, nas espondilartropatias seronegativas9, na sarcoidose e na
doena de Behet. As uvetes anteriores de causa infecciosa so, tambm,
bastante frequentes, particularmente as de etiologia vrica, como o caso
das viroses sistmicas, por exemplo, a parotidite, a varicela, a rubola, o
sarampo, mas, tambm, viroses localizadas (por vrus herpes simplex ou por
vrus da varicela zoster). A iridociclite sifiltica , tambm, uma entidade
frequente. Menos frequentes, mas ainda importantes, so as uvetes anteriores da gonorreia, da brucelose, da doena de Lyme, da leptospirose e da
infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH). Clinicamente, a uvete
anterior apresenta-se como olho vermelho, unilateral e doloroso, particularmente digitopresso, com miose, epfora e fotofobia e algum grau de diminuio da acuidade visual, sendo as uvetes agudas, naturalmente, muito
mais exuberantes do que as crnicas. Atendendo ao risco de perda de viso,
estas situaes so de referncia obrigatria ao oftalmologista. A uvete
posterior ou coroidite propaga-se, quase sempre, retina, originando retinocoroidites. A inversa tambm verdadeira, podendo a retinite ou vasculite retiniana ser o ponto de partida. Embora possam ocorrer retinocoroidetes
agudas associadas a bacteriemias ou a fungemias, que podem evoluir para
endoftalmites, as situaes mais frequentes so as retinocoroidetes crnicas
ou granulomatosas, cuja etiologia semelhante das doenas granulomatosas sistmicas. A toxoplasmose responsvel por 25% dos casos de uvete
posterior e a causa mais frequente de leucocria (pupila branca) nas
crianas. No indivduo imunocompetente, trata-se de reactivao de infeco
congnita, podendo, no entanto, no doente imunocomprometido, tratar-se
de infeco adquirida de forma aguda10. Quando as leses esto perto da
450
Infeces oculares
mcula ou do nervo ptico ou quando existe hemorragia ou, ainda, inflamao extensas e sempre que se trata dum doente imunocomprometido, h
indicao formal para teraputica com pirimetamina, sulfadiazina e prednisolona. A toxocariose ocular (infeco causada por Toxocara canis), incide
sobre crianas e adultos jovens e , tambm, causa frequente de leucocria11.
A uvete grave desencadeia-se, habitualmente, aps a morte da larva. A
teraputica fundamenta-se na utilizao de corticides (periocular e por via
sistmica), sendo os antihelmnticos (tiabendazol e dietilcarbamazina) pouco
eficazes. O levamizol um frmaco promissor, actualmente em fase investigacional. A frequncia da retinite citomeglica, enquanto infeco oportunista, aumentou consideravelmente, acompanhando a generalizao dos
doentes imunocomprometidos quer devido infeco por VIH, quer teraputica imunossupressora ou quimioterapia12. Mais de metade daquelas
infeces manifestam-se, apenas, como doena ocular, tratando-se de retinite necrosante com vrios graus de hemorragia e inflamao do vtreo, podendo ser uni ou bilateral. Como, habitualmente, se inicia periferia da
retina, as queixas de diminuio da acuidade visual surgem numa fase avanada, envolvendo a mcula. Como teraputica, utiliza-se o ganciclovir, em
primeira escolha, com taxa de reactivao de 50%, ultrapassada com o recurso profilaxia secundria com ganciclovir oral. A necrose retiniana aguda,
pelo vrus da varicela-zoster ou herpes simplex, uma doena de descrio
relativamente recente, que pode atingir indivduos imunocompetentes. Comea por uvete anterior, evoluindo em dias ou semanas para retinite grave.
O aciclovir endovenoso, durante 14 dias e, seguidamente, por via oral, durante quatro a oito semanas, o tratamento de eleio. O prognstico depende da rapidez do incio da teraputica.
No que respeita ao diagnstico diferencial das uvetes posteriores, interessa, ainda, considerar algumas outras entidades patolgicas. A oftalmia
simptica, que uma uvete do olho contralateral ao que sofreu perfurao
de causa traumtica; a sndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, que uma uvete bilateral associada a alopecia, despigmentao das pestanas, sobrancelhas
ou do cabelo, vitligo e surdez; a vasculite retiniana autoimune e a uvete
intermdia ou pars planitis. Finalmente, no esquecer que o descolamento
da retina, alguns tumores intraoculares e o linfoma do SNC podem manifestar-se sob a forma de uvete. Clinicamente, a uvete posterior pouco exuberante, apresentando-se com diminuio gradual da acuidade visual sem
outras alteraes e , em regra, bilateral.
I. Aldir
6. Infeces da rbita
As infeces da rbita que importam considerar so as celulites (vid
Infeces das plpebras e dos anexos) e as infeces fngicas (conhecidas
por mucormicoses, situaes raras mas, em regra, fatais). Estas ocorrem,
principalmente, em doentes com diabetes mellitus mal controlada com
episdios de cetoacidose ou sob teraputica imunossupressora. As infeces
podem ser por Phycomycetes spp, Mucor spp ou Rhizopus spp, embora
outros fungos tais como o Aspergillus spp tambm possam estar implicados.
Na patognese destas infeces est a invaso vascular dos seios perinasas,
com resultante necrose trombtica e extenso rbita e ao sistema nervoso
central. Clinicamente, tpica a rinorreia seropurulenta com cheiro ftido, a
alterao do estado de conscincia, a paralisia de nervos craneanos (particularmente stimo) e os sinais neurolgicos focais centrais. O diagnstico
histolgico, por biopsia de qualquer rea necrtica, e o tratamento processa-se com anfotericina B e limpeza cirrgica.
Infeces oculares
decurso da evoluo, diminuio da acuidade visual, resultante da cicatrizao da crnea, com ou sem atrofia do nervo ptico, secundria a uvete. Na
sfilis adquirida, as manifestaes oculares podem ser as mais diversas, ocorrendo, em regra, nos estdios secundrio e tercirio (esclerite, queratite intersticial, iridociclite, coroidite multifocal ou pupilas de Argyll-Robertson,
que so pupilas miticas, irregulares, com reflexo fotomotor abolido e reflexo de acomodao mantido). Todo o doente com sfilis ocular deve efectuar
puno lombar, para excluso de neurossfilis. O prognstico est dependente do diagnstico precoce e tratamento adequado.
Doena de Lyme
Classicamente dividida em trs estdios (estdio I infeco precoce localizada; estdio II infeco precoce disseminada; estdio III infeco
tardia persistente), as manifestaes oculares fazem parte de qualquer deles,
embora sejam mais frequentes nas fases mais avanadas, traduzindo a extenso da doena ao sistema nervoso central. Assim, se no estdio I a manifestao ocular mais referida a conjuntivite (em cerca de 11% dos casos),
nos estdios II e III as manifestaes de inflamao intraocular, como a vitrite
e a vasculite da retina e as manifestaes neuro-oftlmicas, tais como a nevrite ptica, disfunes da motilidade ocular e a sndrome de Horner, so as
mais comuns. O diagnstico estabelecido por provas serolgicas e a teraputica fundamenta-se na prescrio de doxiciclina ou de amoxiciclina oral,
embora nos estdios mais avanados seja necessria teraputica endovenosa
com ceftriaxona ou penicilina G14.
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454
Seco 20
TUBERCULOSE
Emlia Valadas
E. Valadas
3. Patogenia
A maioria dos infetados (90%) por Mycobacterium tuberculosis nunca ir
desenvolver doena. Dos restantes 10%, metade desenvolver TB nos dois a
trs anos seguintes (TB primria) e a outra metade apenas muitos anos mais
tarde, devido reativao endgena de micobactrias, que persistiram em
leses residuais em estdio latente (TB ps-primria). Esta reativao pode
ser o resultado de imunodepresso, tal como acontece na infeo por VIH.
No Homem, a via respiratria , em regra, a porta de entrada para Mycobacterium tuberculosis. A nasofaringe e a rvore respiratria superior
456
Tuberculose
Tuberculose primria
Aps a fagocitose, inicia-se a multiplicao de Mycobacterium tuberculosis no macrfago alveolar e o aumento intracelular de bactrias pode provocar a destruio do macrfago. Aps a destruio da clula, os bacilos libertados so fagocitados por outros macrfagos ou por moncitos e
neutrfilos, que, entretanto, foram atrados da corrente sangunea. medida que este processo continua, o granuloma, a leso tpica da TB, comea a
ser organizado. A seguir fagocitose da micobactria pelo macrfago, os
neutrfilos migram para o local da infeo, seguidos pelos moncitos, que
ao fim de dois a trs dias se diferenciam em macrfagos. Nos dias cinco a
sete, o granuloma formado por macrfagos e por clulas epiteliais imaturas, e no dia nove aparecem as clulas gigantes de Langerhans9. Os macrfagos imaturos transformam-se em clulas epitelioides, rodeadas por linfcitos T (CD4+ e CD8+) e o granuloma caseoso comea a ser formado. Na fase
inicial, a micobactria multiplica-se, exponencialmente, at ao aparecimento
de uma populao de linfcitos T, com especificidade para Mycobacterium
tuberculosis, o que acontece cerca de duas a oito semanas aps a infeo, e
coincide no tempo com o aparecimento de positividade cutnea tuberculina. Alguns macrfagos infetados, ou mesmo pequeno nmero de bactrias
457
E. Valadas
4. Tuberculose ps-primria
A TB ps-primria pode resultar da reativao endgena de uma infeo
primria ou de reinfeo exgena, num indivduo previamente infetado. Nos
indivduos infetados por VIH existe risco aumentado de reativao, o que
sugere a importncia dos linfcitos T CD4+ na manuteno desta fase latente. Esta reativao acontece, em regra, na fase inicial da infeo VIH, numa
altura em que no se observa, ainda, diminuio marcada do nmero de
linfcitos T CD4+ e em que, ainda, outras infees oportunistas no se manifestaram.
No claro que a imunidade do hospedeiro consiga erradicar grande
parte das bactrias no complexo primrio, mas incapaz de esterilizar as
leses secundrias, que, tipicamente, contm pequeno nmero de bactrias.
A discusso deste problema importante, j que cerca de metade de todos
os casos de TB so devidos a reativao endgena. Pouco conhecido acerca dos mecanismos que contribuem para o estabelecimento e a manuteno
da infeo latente, ou dos mecanismos que levam sua reativao. A este
propsito, pode especular-se que a micobactria possa, atravs de um mecanismo ainda desconhecido, impedir a sua prpria destruio. Uma melhor
compreenso dos fatores responsveis pela latncia da micobactria pode
levar a melhores intervenes, para prevenir a reativao da infeo latente.
458
Tuberculose
6. Manifestaes clnicas da TB
Apenas 10% dos indivduos imunocompetentes infetados por Mycobacterium tuberculosis desenvolvero doena. A TB pode atingir qualquer rgo e
a sua expresso clnica varia conforme a localizao. No entanto, o quadro
clnico da TB , quase sempre, insidioso e os sintomas inespecficos.
Na TB pulmonar os sintomas mais comuns so a tosse e a expetorao. A
expetorao , em regra, mucopurulenta e, por vezes, nos doentes com
459
E. Valadas
7. Diagnstico
O diagnstico de TB deve ser, sempre que possvel, bacteriolgico, recorrendo s tcnicas laboratoriais habitualmente usadas (colorao por auramina
460
Tuberculose
8. Tratamento da tuberculose
O esquema teraputico a usar no tratamento da TB deve ser escolhido
tendo em considerao as caractersticas do quadro clnico, a coexistncia
de outras doenas e a respetiva teraputica, bem como o perfil psicolgico do doente e a sua capacidade em aderir a uma teraputica prolongada.
Alm disso, a escolha do esquema teraputico pode ser diferente se houver
histria de tratamento prvio com antibacilares ou contacto prximo com
doentes com TB multirresistente.
De um modo geral, a teraputica da TB pode ser considerada como
composta por duas fases distintas a fase inicial, com a durao de dois
meses, seguida por um perodo mais longo e com a durao mnima de
quatro meses. A fase inicial de teraputica tem como objetivo a rpida reduo do nmero de micobactrias de localizao intra e extracelular. Embora nesta fase inicial da teraputica, e at h pouco tempo, fosse prtica
corrente o uso de trs frmacos diferentes, atualmente recomenda-se o uso
de um quarto, o etambutol ou a estreptomicina. O etambutol tem como vantagens, em relao estreptomicina, o facto de ter menos efeitos secundrios
461
E. Valadas
Tuberculose
este documento que chama a ateno para o facto de que os doentes medicados, em simultneo, com antirretrovirais e com antibacilares devam ser
vigiados, com especial ateno, em relao possibilidade de insucesso no
tratamento de ambas as doenas e aos mltiplos efeitos sinergsticos e acessrios dos vrios frmacos usados.
E. Valadas
Vacinao e quimioprofilaxia
A necessidade de uma nova vacina contra a TB indiscutvel. A vacina BCG,
usada desde 1921, tem uma eficcia bastante contraditria, que varia desde
80% at uma eficcia negativa28. No entanto, consensual que a BCG protege contra as formas graves da doena, tais como a TB menngea e TB miliar,
nas crianas. A BCG, por ser uma vacina viva atenuada, no deve ser administrada em casos de depresso da imunidade celular, como o caso da infeo
por VIH. Cinco novas vacinas contra a TB esto, atualmente, em ensaios de
fase I/IIa, havendo, pelo menos 16 vacinas, em desenvolvimento pr-clnico29.
A medida considerada mais importante para a preveno da TB a rpida identificao e tratamento dos casos de TB. Os defensores da quimioprofilaxia, como uma das medidas para o controlo da TB, argumentam que
iniciar quimioprofilaxia nos infetados por Mycobacterium tuberculosis pode
prevenir a progresso de infeo latente para doena, diminuindo, assim, a
transmisso da TB. Por outro lado, nos coinfetados por VIH, a preveno da
reativao da TB pode evitar a ativao dos linfcitos T CD4+ e, assim, diminuir o risco de progresso para sida. De facto, a diminuio da incidncia de
TB e da progresso para sida, pela quimioprofilaxia da TB, tem sido documentada em mltiplas publicaes. Os resultados publicados continuam a ser
alvo de intensa discusso e os argumentos contra a quimioprofilaxia generalizada apoiam-se, principalmente, em razes de sade pblica. Em primeiro
lugar, h que identificar os infetados por Mycobacterium tuberculosis. Em
regies com elevada prevalncia de vacinao por BCG e de TB, como o
caso de Portugal, o teste de Mantoux no permite esta distino30, mas, nos
ltimos anos, essa dificuldade foi ultrapassada pelo desenvolvimento do
diagnstico imunolgico da TB. Atualmente, h dois testes comercialmente
disponveis, QuantiFERON e T-SPOT.TB, com especificidade e sensibilidade
diferentes. O T-SPOT.TB, por apresentar sensibilidade mais elevada, deveria
ser o teste a realizar em imunodeprimidos31,32.
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465
Seco 21
ZOONOSES E INFEES
TRANSMITIDAS POR ARTRPODES
Patrcia Pacheco
1. Definio
Zoonose doena infeciosa transmissvel, em condies naturais, dos animais vertebrados ao homem e inversamente1. A transmisso pode ocorrer de
forma direta, atravs do contacto com o animal infetado e com os seus produtos ou, indiretamente, atravs de um artrpode vetor. O termo antropozoonose refere-se a zoonoses transmissveis exclusivamente do animal ao homem.
Infeo transmitida por artrpodes infees transmitidas dos animais invertebrados ao homem. Neste caso os artrpodes (caros e insetos) funcionam,
simultaneamente, como reservatrios e vetores dos microrganismos.
Classicamente, as infees transmitidas por animais foram divididas entre
zoonoses e infees transmitidas por artrpodes, contudo, nem sempre os
limites desta diviso so claros. Por exemplo, algumas infees, que so originalmente zoonoses, so mantidas com razovel eficcia na populao de
artrpodes vetores, atravs da migrao transovrica, mantendo-se sem necessidade de um reservatrio vertebrado, como acontece, habitualmente,
com as ricketsioses.
2. Consideraes gerais
As doenas transmitidas por animais tendem a ocorrer em circunstncias
adequadas de geografia, clima e atividade humana, pelo que aparecem,
habitualmente, em reas geogrficas definidas, com frequncia varivel ao
longo do ano e em populaes de indivduos com maior risco, nomeadamente aqueles cuja atividade, profissional ou de lazer, implica maior oportunidade de encontro com outras espcies animais, como o caso dos caadores,
veterinrios, trabalhadores de exploraes agropecurias e de matadouros.
Os avanos cientificotecnolgicos e a melhoria das condies higienicossanitrias das populaes condicionaram, nas ltimas dcadas, marcado decrscimo de algumas zoonoses nos pases desenvolvidos. Contudo, o crescimento
da atividade humana, incluindo os fenmenos de migrao em massa, a
desflorestao, com urbanizao de grandes reas, as mudanas climatricas
induzidas pela crescente industrializao e o processamento e distribuio
467
P. Pacheco
Bactrias
Vrus
Parasitas
Fungos
Patognios
Doena
Brucella spp
Brucelose
Rickettsia conorii
Febre escaronodular
Rickettsia rickettsii
Rickettsia typhi
Tifo murino
Coxiella burnetii
Febre Q
Leptospira interrogans
Leptospirose
Borrelia burgdorferi
Doena de Lyme
Chlamydia psittaci
Psitacose
Erlichia chafensis
Erlichiose
Listeria monocytogenes
Listeriose
Bartonella spp
Rhodococcus equi
Rodococose
Salmonella spp
Gastrenterite
Campylobacter jejuni
Gastrenterite
Yersinia pestis
Gastrenterite
Mycobacterium bovis
Tuberculose
Flavivrus
Rabdovrus
Raiva
Hantavrus
Hantaviroses
Leishmania spp
Leishmaniose
Plasmodium spp
Malria
Toxoplasma gondii
Toxoplasmose
Echinococcus granulosus
Equinococose
Trypanosoma spp
Toxocara spp
Taenia spp
Teniose, cisticercose
Dermatfitos
Tinhas
3. Brucelose
A brucelose, conhecida no passado como febre ondulante mediterrnica
ou febre de Malta, uma zoonose provocada por bactrias do gnero Brucella. Existem diversas espcies de Brucella, sendo patognicas para o ser
humano as espcies Brucella melitensis (ovinos e caprinos), Brucella suis (sunos), Brucella abortus (bovinos) e Brucella canis (ces). Nos ltimos anos foram
descritas, pontualmente, infees humanas por espcies de espcies de Brucella relacionadas com animais marinhos (delphini, pinnipediae, cetaceae).
Epidemiologia
Em Portugal, a espcie prevalente Brucella melitensis, persistindo uma
endemia no gado ovino e caprino. Nos animais, a brucelose , com frequncia, inaparente e, quando sintomtica, traduz-se por infeo genital,
nomeadamente, orquite nos machos e abortamento nas fmeas. A doena transmitida ao ser humano, sobretudo, por via digestiva, pela ingesto de produtos lcteos crus provenientes de animais infetados, mas, tambm,
pode ser adquirida por via respiratria (partculas infetadas aerossolizadas)
e cutnea (atravs de solues de continuidade da pele), no caso de pessoas
469
P. Pacheco
Fisiopatologia
Aps a penetrao da barreira cutnea ou mucosa (digestiva, respiratria
e conjuntival) as bactrias atingem, por via linftica, o sistema ganglionar
regional, onde se multiplicam. A partir deste foco primrio vo atingir a
circulao sangunea sendo, posteriormente, captadas pelas clulas do sistema reticuloendotelial, concentrando-se no bao, fgado, medula ssea, gnglios linfticos e osso. Nestes rgos, as bactrias multiplicam-se, intracelularmente, desencadeando uma resposta imunitria do tipo humoral, com
produo de anticorpos, e do tipo celular, com formao de granulomas.
Os granulomas podem conter a infeo, evoluindo para fibrose e morte
dos microrganismos ou, mais vezes, constiturem focos secundrios, reservatrios de bactrias quiescentes, capazes de desencadear recadas, muito
tempo aps a infeo inicial.
Quadro clnico
A brucelose tem diversas formas de apresentao, sendo a mais habitual
a aguda septicmica, a qual surge aps um perodo de incubao de duas a
oito semanas. O quadro clnico tem incio sbito e , em regra, caracterizado
por febre elevada, de predomnio vespertino, sudao noturna profusa, mio-artralgias e prostrao. O exame objetivo pode ser normal ou podem existir
organomegalias (fgado, bao e gnglios). A forma aguda focalizada segue-se fase anterior, sendo as manifestaes dependentes do local da focalizao infeciosa (osteoarticular, hepatoesplnica, neuromenngea, genital e
cardiovascular). A focalizao infeciosa mais frequente ao nvel da coluna
vertebral, particularmente da coluna lombar, atingindo, por norma, o disco
e as duas vrtebras adjacentes (espondilodiscite) e manifesta-se por lombalgias e impotncia funcional de grau varivel. As formas focalizadas podem
no se acompanhar de manifestaes sistmicas de infeo, ocorrendo aps
uma fase aguda de infeo inaparente (forma subaguda focalizada). A brucelose crnica pode definir-se como infeo que persiste durante mais de
470
analtica geral
Elevao dos parmetros inflamatrios [proteina C reactiva (PCR), velocidade de sedimentao eritrocitria (VSE) e fibrinognio], anemia normoctica normocrmica ligeira, leucopenia ou neutropenia, podendo ocorrer ligeira
elevao das provas de funo heptica.
Mtodos
microbiolgicos
Nas formas agudas, o isolamento de Brucella spp obtm-se atravs de hemoculturas e/ou mielocultura. Estes exames culturais eram, tradicionalmente,
realizados em meio especfico (triptose), no entanto o desenvolvimento de
novos mtodos automatizados de culturas do sangue veio permitir a sua
deteo nos meios habituais de hemoculturas6. Nas formas subagudas focalizadas, as mieloculturas tm maior rentabilidade do que as hemoculturas,
no entanto, o diagnstico microbiolgico depende, essencialmente, da cultura de material de biopsia ou de puno aspirativa dirigida ao local de
focalizao infeciosa (por exemplo, osteoarticular, heptico e testicular). O
isolamento do agente permite o diagnstico definitivo da infeo por Brucella spp. A identificao da espcie e o respetivo teste de suscetibilidade
antibitica no so, em regra, tcnicas de rotina, disponveis nos laboratrios
de microbiologia hospitalares.
Mtodos
serolgicos
P. Pacheco
pr-zona ou de infeo por Brucella canis, uma vez que os testes serolgicos
correntes no detetam anticorpos contra esta espcie. Outros testes que se
podem utilizar so o enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), a reao
de imunofluorescncia indireta, o teste de Coombs e a reao do 2-mercaptoetanol (2-ME), sendo este ltimo, particularmente, importante nas formas
subaguda e crnica.
Mtodos
de biologia molecular
Embora j esteja disponvel uma tcnica de PCR para Brucella spp, com
boa sensibilidade e especificidade, este mtodo no est, ainda, acessvel na
rotina do diagnstico laboratorial da brucelose.
Tratamento
Por ser uma infeo causada por bactrias de crescimento intracelular e
com um ritmo de replicao lento, o tratamento deve fundamentar-se na
combinao de antibiticos ativos, com boa penetrao intracelular e prolongado no tempo. O tempo de tratamento deve ser adaptado s formas
clnicas, sendo, em mdia, de seis semanas nas formas agudas no focalizadas
e de trs a 12 meses nas formas focalizadas (maior tempo de tratamento
para a neurobrucelose). A associao de antibiticos fundamental para
minimizar o risco de falncia/recada sendo o esquema teraputico preferencial nas formas no complicadas doxiciclina (200 mg/dia, durante seis
semanas) associada a aminoglicosdeo (estreptomicina 1 g/d ou gentamicina
240 mg/d, durante as primeiras duas semanas) Em casos de maior gravidade
alguns autores recomendam uma teraputica tripla com doxiciclina, rifampicina e aminoglicosdeo7. A combinao de doxiciclina e rifampicina, recomendada pela Organizao Mundial da Sade (OMS), em 1986, associou-se
em diversos estudos a maior taxa de falncias e recadas pelo que, atualmente, dever ser considerada apenas como regime alternativo. O tratamento
com quinolonas tambm se associou a piores resultados. Na grvida e nas
crianas com menos de oito anos, devem ser evitadas as tetraciclinas e os
aminoglicosdeos, podendo ser usado o cotrimoxazol (em monoterapia) ou
em combinao com rifampicina. O tratamento cirrgico adjuvante deve ser
ponderado em algumas formas focalizadas, nomeadamente na discite e na
endocardite.
Prognstico
A mortalidade por brucelose com tratamento antimicrobiano adequado
rara, e quando ocorre deve-se, sobretudo, a casos graves de endocardite
472
Preveno
As medidas preventivas consistem na evico dos produtos lcteos (leite
e queijos frescos) no fervidos ou no pasteurizados. Os trabalhadores com
atividades diretamente relacionadas com a manipulao de gado ou dos seus
produtos devem utilizar medidas adicionais de segurana, como o uso de
mscaras e luvas. O controlo da doena nos animais possvel, atravs da
vacinao dos sos e do abate dos infetados.
4. Febre escaronodular
A febre escaronodular, tambm chamada, na literatura anglo-saxnica
mediterranean spotted fever e na francesa fivre boutonneuse, uma zoonose provocada por bactrias do gnero Rickettsia. Existem diversas espcies
do gnero Rickettsia, sendo as mais importantes Rickettsia rickettsii, responsvel pela febre das Montanhas Rochosas (Amrica do Norte), Rickettsia
typhi, responsvel pelo tifo murino, e Rickettsia conorii, responsvel pela
febre escaronodular. So bactrias Gram-negativo, de crescimento intracelular obrigatrio.
A febre escaronodular , atualmente, a zoonose mais prevalente em
Portugal, com o maior nmero de casos notificados anualmente.
Epidemiologia
Rickettsia conorii tem como vetor e reservatrio um artrpode, Ripicephalus sanguineus, habitualmente designado por carraa do co. A
infeo da carraa ocorre quando se alimenta em animais selvagens infetados (roedores). As bactrias multiplicam-se nos seus rgos e so transmitidas descendncia por via transovrica, tornando desnecessria a
existncia de hospedeiros intermedirios ou de reservatrios vertebrados.
A infeo transmite-se ao homem, acidentalmente, atravs da mordedura
da carraa infetada ou por contaminao das mucosas com tecidos ou
sangue do artrpode. A possibilidade de encontro entre o homem e este
vetor aumenta quando o ser humano penetra no meio rural (por exemplo, em atividades de campismo ou em passeios campestres) ou, no meio
urbano, pela proximidade com o co domstico. A febre escaronodular
473
P. Pacheco
Fisiopatologia
A infeo inicia-se no local da inoculao, onde as bactrias se multiplicam nas clulas endoteliais do vaso sanguneo lesado, provocando uma
reao inflamatria perivascular, responsvel pela necrose cutnea (escara
de inoculao). Posteriormente, as bactrias invadem a corrente sangunea
e penetram nas clulas endoteliais dos pequenos vasos, desencadeando um
processo de vasculite sistmica. Os rgos mais atingidos so, naturalmente,
os mais vascularizados, como a pele, o pulmo, o fgado, o corao, o crebro e o rim.
Quadro clnico
Aps um perodo de incubao de cerca de sete dias surge o perodo
prodrmico, caracterizado por febre elevada, cefaleias intensas, mialgias,
artralgias, prostrao e injeo conjuntival. Cerca de dois dias depois, aparece um exantema no pruriginoso, maculopapulonodular, que no poupa as
superfcies palmoplantares (inicialmente surgem mculas dispersas, evoluindo
rapidamente para ppulas rseas, as quais assumem, posteriormente, aspeto
nodular com cor vermelhoarroxeada, aveludadas ao toque). A mordedura da
carraa , em regra, indolor, mas nesse local desenvolve-se uma pequena
lcera com centro necrtico, de aspeto caracterstico, denominada escara de
inoculao (tache noir na literatura francesa). A escara de inoculao localiza-se mais vezes no trax e nos membros, podendo, contudo, encontrar-se
noutros locais (por exemplo, couro cabeludo e regio genital). Em cerca de
10% dos casos no se encontra a porta de entrada, podendo traduzir, por
exemplo, penetrao atravs da mucosa ocular, detetando-se, nesse caso,
uma conjuntivite unilateral8,9. Os casos mais atpicos (escara ausente, exantema no nodular, entre outros) exigem maior percia para o diagnstico.
doena (febre, escara de inoculao e exantema) e na histria epidemiolgica. Contudo, em situaes mais atpicas podem ser teis alguns exames
complementares.
Avaliao
analtica geral
Elevao dos parmetros inflamatrios, ausncia de leucocitose e, ocasionalmente, trombocitopenia ligeira. Elevao ligeira das provas de funo
heptica.
Mtodos
serolgicos
O diagnstico serolgico da febre escaronodular fundamenta-se na tcnica de imunofluorescncia indireta, permitindo a deteo, no soro, de anticorpos da classe IgG e IgM. A confirmao serolgica do diagnstico assenta na seroconverso ou na subida do ttulo com trs semanas de intervalo.
As tcnicas de imunofluorescncia direta podem ser utilizadas em produtos
de biopsia. A reao de Weil-Felix, tradicionalmente utilizada para o diagnstico serolgico, foi abandonada, dada a sua baixa especificidade e sensibilidade.
Mtodos
microbiolgicos
Mtodos
de biologia molecular
A tcnica de PCR pode ser utilizada diretamente nos produtos biolgicos, para demonstrar a presena do microrganismo ou com fins epidemiolgicos, para identificar a espcie envolvida atravs de identificao
genmica. Atravs deste mtodo j foi comprovada a existncia, em Portugal, de febre escaronodular provocada por Rickettsia israelii, cuja distribuio se pensava estar restrita a Israel10. Como dado interessante, importa referir que a ausncia de escara habitual nas infees provocadas por
esta espcie.
Tratamento
O tratamento habitual efetuado com doxiciclina (100 mg oral, 2/dia)
durante sete dias. Outros frmacos, de segunda escolha, so a ciprofloxacina
(750 mg oral, 2/dia) e o cloranfenicol. Este ltimo frmaco raramente
usado, devido ao risco de depresso medular, ficando reservado para as
crianas e grvidas.
475
P. Pacheco
Prognstico
A evoluo da febre escaronodular, aps a introduo de antibioterapia,
, na generalidade, favorvel, com desaparecimento dos sintomas em dois a
trs dias, sendo a taxa de mortalidade baixa (2,5%). Contudo, a gravidade
da doena depende de fatores do hospedeiro (mais grave, por exemplo, em
idosos e em doentes com patologia subjacente, nomeadamente, com insuficincia renal ou cardaca, diabetes e neoplasias), fatores do microrganismo
(possibilidade de existirem estirpes com maior virulncia) e de fatores tcnicos
(atraso no diagnstico ou prescrio de antibiticos inadequados). Nestas
circunstncias, agrava-se a morbilidade (nomeadamente, com ocasional evoluo para choque sptico) e a mortalidade.
Preveno
Os locais com muita vegetao e sombra devem ser evitados e as carraas
dos animais devem ser cuidadosamente removidas.
5. Febre Q
A febre Q uma zoonose provocada por bactrias Gram-negativo da
espcie Coxiella burnetii, bactrias Gram-negativo, de crescimento intracelular obrigatrio, apresentando uma fase de esporo, que lhes permite sobreviver em ambientes inadequados, resistindo dissecao e ao calor, e serem
transportadas pelo vento a distncias considerveis. A alta capacidade infeciosa deste microrganismo e a sua transmisso por partculas aerossolizadas,
torna-o um agente potencial de bioterrorismo.
O nome febre Q permanece desde a descrio original, em 1937, de um
surto de doena febril de etiologia indeterminada, ocorrido em trabalhadores de um matadouro na Austrlia (Q fever = Query fever).
Epidemiologia
O gado ovino e caprino constitui o reservatrio fundamental de Coxiella
burnetii, embora este microrganismo se possa encontrar, tambm, em animais domsticos, incluindo os ces e os gatos. A infeo nos animais no
provoca doena. Os animais infetados eliminam as bactrias na urina, fezes,
leite e, especialmente, nos produtos de conceo (a placenta da ovelha infetada pode conter at 109 organismos por grama de tecido). O ser humano
infeta-se, em regra, por via respiratria, atravs da inalao de pequenas
partculas aerossolizadas contendo Coxiella burnetii, e, acessoriamente, por
via digestiva, atravs da ingesto de produtos lcteos no pasteurizados,
476
Fisiopatologia
Aps a infeo, por via respiratria ou digestiva, ocorre disseminao
hematognica, sendo, depois, captadas por clulas do sistema monociticomacrofgico. Uma vez no interior dos macrfagos, as bactrias multiplicam-se
no ambiente acdico do fagolisossoma, acabando por destruir as clulas.
Os tecidos infetados revelam leses vasculares e inflamao granulomatosa,
juntamente com hemorragia e necrose.
Quadro
clnico
De acordo com alguns estudos seroepidemiolgicos, a infeo por Coxiella burnetii , muitas vezes, assintomtica. Quando sintomtica, pode
revelar-se por um quadro agudo ou crnico. A febre Q aguda pode manifestar-se como sndrome febril autolimitada, assemelhando-se ao quadro gripal (febre elevada, mialgias e cefaleias) ou como sndrome febril
com focalizaes hepticas, pulmonares e neurolgicas. No caso de envolvimento pulmonar, o quadro clnico o de pneumonia atpica febre,
mioartralgias, cefaleias, prostrao, tosse seca e infiltrado intersticial bilateral na radiografia de trax. No caso de focalizao heptica, a sintomatologia idntica (exceto tosse), mas as alteraes das provas de
funo heptica so mais marcadas, traduzindo um processo de hepatite
granulomatosa. Esta ltima a forma mais frequente em Portugal12. Em
qualquer das formas, poder existir exantema macular discreto evanescente. A febre Q crnica rara e resulta da persistncia do microrganismo nos
tecidos aps um episdio de infeo aguda. A manifestao mais frequente,
de infeo crnica, a endocardite, a qual se desenvolve, fundamentalmente, nos doentes com patologia valvular cardaca e nos imunocomprometidos (sobretudo por doenas hemato-oncolgicas)13. Em presena de
endocardite, com hemoculturas negativas, esta hiptese diagnstica dever
ser considerada.
477
P. Pacheco
analtica geral
Elevao dos parmetros inflamatrios, leucograma, habitualmente, normal e elevao moderada das provas de funo heptica.
Mtodos
bacteriolgicos
Mtodos
serolgicos
Mtodos
moleculares
Tratamento
O tratamento habitual da febre Q aguda efetuado com doxiciclina (100 mg
2/dia) durante 14 a 21 dias. O tratamento prolongado at trs semanas
para prevenir a evoluo para a cronicidade. O tratamento da endocardite por
Coxiella burnetii nunca foi objeto de um estudo controlado, sendo os regimes
recomendados de acordo com a experincia clnica de cada centro. Em regra,
preconiza-se a teraputica combinada (por exemplo, ciprofloxacina e doxiciclina ou doxiciclina e cloroquina) durante um tempo prolongado (um a trs
anos), podendo associar-se um procedimento cirrgico de substituio valvular.
Num protocolo recentemente publicado por um dos grandes centros de referncia mundial de riquetioses, em Marselha (Frana), recomendado que cada
doente com febre Q aguda seja submetido a ecografia cardaca transtorcica
478
Prognstico
A mortalidade por febre Q aguda muito rara. A endocardite da febre
Q crnica apresenta mau prognstico, com elevada mortalidade (23,5-40%,
consoante as sries).
Preveno
Para alm da fervura ou da pasteurizao do leite, de forma a evitar a
contaminao por via digestiva, no existem outras medidas preventivas.
6. Borreliose de Lyme
A borreliose de Lyme ou doena de Lyme, como era anteriormente conhecida, uma zoonose provocada por bactrias (espiroquetas) da espcie
Borrelia burgdorferi sensu lato e transmitida ao homem pela mordedura
de carraas do gnero Ixodes. O agente etiolgico desta doena, inicialmente definido como pertencente a uma espcie nica, designada Borrelia burgdorferi, corresponde, de facto a vrias espcies diferentes, das quais trs so
reconhecidas como patognicas para o ser humano (Borrelia burgdorferi
sensu strictu, Borrelia garinii e Borrelia afzelii). Deste modo, a designao
original deve ser entendida como Borrelia burgdorferi sensu lato, de modo
a englobar todas as espcies isoladas at ao momento.
Desde a primeira descrio, em 1977, aps um surto de artrite juvenil
ocorrido em Old Lyme, Connecticut, Estados Unidos da Amrica (EUA), passando pela descoberta do seu agente etiolgico, em 1982, esta doena tem
vindo a assumir importncia crescente, tornando-se numa das infees emergentes mais investigadas da atualidade.
Epidemiologia
A borreliose de Lyme encontra-se limitada ao hemisfrio norte, sendo
particularmente frequente nos EUA (predominantemente nas reas costeiras)
e na Europa central e do norte, onde se localizam algumas das regies endmicas. Em Portugal, no se conhece a verdadeira incidncia da doena,
479
P. Pacheco
Fisiopatologia
Aps penetrarem na pele, onde so inoculadas durante a mordedura da
carraa, as espiroquetas migram na derme e invadem, posteriormente, a corrente sangunea, atingindo diversos rgos, particularmente a pele e o sistema
musculoesqueltico. A presena de antignios bacterianos desencadeia um
processo de imunidade humoral e celular, mas estes mecanismos nem sempre
conseguem limitar a infeo. Pensa-se que existe suscetibilidade gentica
individual, que condiciona propenso para o desenvolvimento da doena.
Quadro clnico
Classicamente, o quadro clnico da borreliose de Lyme foi dividido em trs
fases:
Fase primria ou infeo localizada, na qual o eritema crnico migratrio surge como manifestao predominante (ocorre em 60% dos casos),
480
analtica geral
P. Pacheco
Mtodos
microbiolgicos
A microscopia tica de fundo escuro pode detetar esta bactria nos tecidos,
embora tenha baixa sensibilidade. Borrelia burgdorferi sensu latu pode ser cultivada em meio especfico [meio de Barbour, Stoener e Kelly (BSK)], no entanto, o
crescimento muito lento e este meio nem sempre est disponvel nos laboratrios hospitalares. A sua utilizao deve restringir-se a produtos biolgicos, nos
quais existe maior possibilidade de recuperar o agente etiolgico, nomeadamente a biopsia cutnea (bordo das leses do eritema migratrio) ou o lquor.
Mtodos
imunolgicos
Mtodos
de biologia molecular
Tratamento
O tratamento recomendado com doxiciclina (100 mg 2/dia) independentemente da fase da doena, exceto no caso de atingimento neurolgico,
para o qual o antibitico recomendado a ceftriaxona por via endovenosa.
A durao do tratamento varia de 14-21 dias (eritema crnico) a 60 dias
(infeo osteoarticular). No caso de crianas e grvidas a doxiciclina deve ser
substituda por amoxicilina.
Prognstico
Alguns doentes evidenciam persistncia das queixas aps teraputica
adequada, apesar de resultados serolgicos negativos, sendo devidos sndrome de fadiga crnica, comum como sequela ps-infeciosa.
Preveno
A preveno da borreliose de Lyme consiste na adoo de medidas que
diminuam o contacto com ixoddeos, nomeadamente a evico de locais de
482
muita vegetao, o uso de roupas protetoras, o uso de repelentes e a vigilncia e a remoo de carraas quer no ser humano, quer nos animais domsticos. Nos EUA, est comercializada uma vacina contra a borreliose de
Lyme, indicada para os contactos profissionais ou de lazer frequentes com o
habitat natural dos ixoddeos. Contudo, como resultado da variabilidade
geogrfica das espcies, esta vacina no utilizvel na Europa.
7. Leptospirose
A leptospirose uma zoonose provocada por bactrias (espiroquetas) do
gnero Leptospira. Existem duas espcies dentro deste gnero, Leptospira
interrogans, patognica para os seres humanos e animais, e Leptospira biflexa, saprfita, no patognica. A espcie Leptospira interrogans divide-se
em mais de 200 serovares, agrupados em cerca de 20 serogrupos (por
exemplo, icterohaemorrhagiae, hebdomadis, canicola e pomona). A virulncia no se correlaciona com os serovares, tendo estes apenas importncia epidemiolgica (associao entre os serovares e os animais reservatrios
e reas geogrficas). Recentemente, com a aplicao de tcnicas de biologia molecular foi possvel determinar uma taxonomia diferente no gnero
Leptospira, no entanto, em termos prticos, mantm-se a classificao por
serovares e serogrupos (por exemplo, Leptospira interrogans serovar icterohaemorrhagiae).
Epidemiologia
A leptospirose apresenta distribuio mundial, sendo a infeo humana
endmica em reas tropicais, particularmente, aps perodos de elevada
precipitao. Em Portugal uma zoonose relativamente frequente, com
cerca de 60 casos notificados anualmente, sendo mais prevalente nos Aores5.
A infeo humana acidental, no sendo necessria para a sobrevivncia da
bactria na natureza. A transmisso interhumana limita-se aos rarssimos
casos de transmisso maternofetal. Os principais reservatrios de leptospiras
so os roedores (sobretudo ratos) e, acessoriamente, alguns animais domsticos, como bovinos, sunos, equinos e candeos. As bactrias sobrevivem
durante meses nos rins dos animais infetados, sendo continuamente excretadas pela urina. No meio ambiente podem sobreviver durante semanas,
particularmente quando as condies externas so favorveis (temperatura
entre 28-32 oC, e pH neutro ou ligeiramente alcalino). A transmisso ao homem ocorre atravs do contacto cutaneomucoso com o animal infetado ou
com as suas excrees (urina). Em termos de histria epidemiolgica pode
haver referncia a mordedura de rato, no entanto mais frequente ter
483
P. Pacheco
Fisiopatologia
Aps penetrar a barreira cutaneomucosa, as bactrias atingem a circulao sangunea e disseminam-se em todo o organismo (cerca de 48 horas aps
a infeo possvel o isolamento de Leptospira spp em, quase, todos os
rgos, incluindo no lquor). As espiroquetas aderem s clulas endoteliais
dos pequenos vasos, desencadeando um processo de vasculite sistmica. Os
rgos mais afetados so o rim, o fgado, os pulmes e os msculos. A produo de anticorpos especficos permite a opsonizao e fagocitose, com
remoo das espiroquetas da circulao.
Quadro clnico
A gravidade da leptospirose varivel, desde formas subclnicas, apenas
detetadas por testes serolgicos a duas formas clinicamente reconhecveis
em 90% dos casos a leptospirose anictrica, autolimitada, e nos restantes
10% a leptospirose ictrica, que uma doena potencialmente fatal.
A leptospirose apresenta, em regra, um curso clnico bifsico. Aps um
perodo de incubao varivel (em mdia, 10 dias) surge um quadro febril
agudo associado a cefaleias e mialgias intensas (sobretudo na regio lombar
e nos membros inferiores). Esta primeira fase chamada fase leptospirmica
ou septicmica e tem a durao de quatro a sete dias. O nico sinal evocador
do diagnstico a sufuso conjuntival, sendo o restante quadro clnico indiferencivel da sndrome gripal. Esta fase regride com o desaparecimento
das bactrias da circulao. Aps um curto perodo assintomtico (um a trs
dias), ocorre a fase imune ou fase leptospirrica, caracterizada pela presena de anticorpos IgM especficos e pela possibilidade de isolamento de leptospiras, unicamente na urina. Nesta fase, as manifestaes clnicas so de
base imunitria, podendo ocorrer febre, mialgias e cefaleias. Em alguns casos
podem, tambm, ocorrer manifestaes neurolgicas (meningite assptica
com pleocitose linfoctica e hiperproteinorraquia), cutneas (exantema morbiliforme) ou oculares (uvete). O tempo de durao da fase imunitria varia
de quatro a 30 dias. O quadro clnico, previamente descrito, o mais frequente e ocorre na leptospirose anictrica. Existe uma forma mais grave,
484
analtica geral
Cultura
e isolamento do agente
Mtodos
serolgicos
P. Pacheco
Tratamento
O tratamento antibitico efetuado com penicilina (6-8 milhes UI/dia,
durante cinco a sete dias) ou, em alternativa, com doxiciclina (100 mg 2/
dia), mas s tem interesse a sua administrao nos primeiros dias de doena,
uma vez que a restante evoluo da doena dependente de fenmenos
imunolgicos17. O tratamento mdico de suporte fundamental, com controlo da anemia, da coagulao intravascular disseminada e da insuficincia
renal aguda, havendo, com frequncia, necessidade de se recorrer a dilise.
Prognstico
A evoluo depende da forma de apresentao clnica da doena, sendo
que a forma anictrica no se acompanha de morbilidade/mortalidade significativas, mas a forma ictrica apresenta elevada taxa de mortalidade,
sobretudo nas pessoas com mais de 50 anos. Relativamente morbilidade,
habitualmente h recuperao total, sendo rara a insuficincia renal sequelar. A leptospirose confere imunidade duradoura, especfica de serogrupo.
Preveno
A preveno individual da leptospirose consiste no uso de luvas e material
de proteo em atividades em que seja provvel o contacto com material
contaminado com urina de ratos. Em termos de controlo sanitrio global, as
campanhas de desratizao assumem papel importante. A vacinao dos
animais domsticos , apenas, protetora da doena no impedindo a eliminao das bactrias na urina.
8. Leishmaniose visceral
A leishmaniose uma zoonose provocada por protozorios do gnero
Leishmania, sendo reconhecidas trs formas clnicas a leishmaniose visceral
ou Kala-azar, a leishmaniose cutnea americana (Novo Mundo) e a leishmaniose cutnea do Velho Mundo. Todas as formas de leishmaniose so transmitidas atravs da picada de insetos hematfagos. Ao alimentar-se de sangue,
o inseto inocula as formas promastigotas (flageladas) de Leishmania spp, as
quais so fagocitadas pelos macrfagos, onde se transformam em amastigotas (sem flagelo livre). Os amastigotas replicam-se intracelularmente, acabando por ocorrer lise celular, com subsequente libertao de amastigotas, os
quais so fagocitados por novos macrfagos. O ciclo completa-se, quando o
486
Epidemiologia
Em Portugal e nos pases mediterrnicos, a espcie mais vezes implicada
na leishmaniose visceral Leishmania donovani infantum (na ndia e em
frica a espcie mais frequente Leishmania donovani donovani). O principal reservatrio animal desta zoonose o co e outros candeos selvagens,
e os vetores so diversos insetos do gnero Phlebotomus. A doena transmitida ao homem, fundamentalmente, atravs da picada do inseto vetor. No
entanto, o contgio interhumano possvel, atravs do sangue (partilha de
seringas entre toxicmanos, transfuses sanguneas e transmisso maternofetal). A infeo humana acidental, representando um impasse na cadeia
epidemiolgica, visto que as leishmanias s aparecem, ocasionalmente, no
sangue perifrico, pelo que o flebtomo no pode ser infetado facilmente,
quando faz a sua refeio sangunea no homem. Em Portugal, a doena
prevalente na regio norte do pas, atingindo mais as crianas. Nas dcadas
de 1980 e 1990, devido ao crescimento da infeo VIH/sida e antes da generalizao da teraputica antirretrovrica, esta zoonose aumentou de frequncia em todos os pases mediterrnicos, constituindo uma importante patologia oportunista.
Fisiopatologia
Aps a picada do inseto, os protozorios so introduzidos na corrente
sangunea e captados pelos macrfagos circulantes, que os transportam at
ao sistema reticuloendotelial (fgado, bao, medula ssea e gnglios linfticos). Aqui multiplicam-se intracelularmente, invadindo continuamente novos macrfagos. A infeo intracelular , por vezes, limitada pelos mecanismos de resposta imunitria do hospedeiro, particularmente, pela imunidade
do tipo celular, motivo pelo qual a infeo pode permanecer quiescente,
assintomtica, at ocorrer depresso imunitria.
Quadro clnico
O perodo de incubao da leishmaniose varivel, mas tende a ser prolongado (trs a seis meses). A leishmaniose visceral tem curso insidioso, apresentando, em regra, quadros clnicos de evoluo prolongada, com astenia e
487
P. Pacheco
analtica geral
Elevao moderada dos parmetros inflamatrios. Pancitopenia (nas formas detetadas mais precocemente pode existir, apenas, trombocitopenia).
Eletroforese de protenas com um pico caracterstico, traduzindo acentuada
hipergamaglobulinemia. Elevao ligeira das provas de funo heptica.
Mtodos
microbiolgicos
O exame direto de sangue medular (mielograma) o mtodo de diagnstico mais frequente, permitindo visualizar macrfagos parasitados com
amastigotas de Leishmania spp. O exame anatomopatolgico de produtos
de biopsia (por exemplo de fgado ou bao), tambm, pode comprovar o
diagnstico. O isolamento de Leishmania spp, com subsequente identificao
de espcie, consegue-se atravs de culturas de sangue perifrico ou medular,
num meio de crescimento especfico meio de NNN (Neal, Novy, Nicolle).
Mtodos
serolgicos
Tratamento
O tratamento efetuado com antimoniais pentavalentes (20 mg/kg/dia,
no excedendo os 850 mg de antimnio dirio, durante quatro semanas).
Em Portugal, o frmaco disponvel o antimoniato da meglumina Glucantime o qual contm 85 mg de antimnio base. O composto pode ser injetado por via endovenosa ou intramuscular, sendo a primeira a via mais
utilizada. As alteraes do ritmo cardaco (prolongamento do intervalo Q-T
e arritmias) so o principal efeito secundrio desta teraputica, pelo que se
devem realizar eletrocardiogramas seriados, durante o curso teraputico.
488
Prognstico
A resposta teraputica condicionada pela situao imunitria subjacente. Assim, na populao em geral boa, mas nos imunocomprometidos
tendem a ocorrer recidivas. No caso particular do doente com infeo VIH/
sida essencial, para o controlo definitivo da infeo, a introduo de teraputica antirretrovrica.
Preveno
No existe preveno disponvel para a leishmaniose, para alm das medidas bsicas de no partilhar objetos suscetveis de estarem contaminados
com sangue. Os ces devem estar sob controlo veterinrio regular.
Epidemiologia
A espcie Echinococcus granulosus apresenta distribuio mundial sendo,
atualmente pouco frequente em Portugal, encontrando-se em particular na
regio do Alentejo (verificou-se um decrscimo de cerca de 40 casos notificados anualmente em 1999 para quatro casos notificados em 2008)5. O hospedeiro definitivo deste parasita o co, constituindo o gado bovino, caprino, suno e equino o hospedeiro intermedirio natural. O co parasitado
alberga no seu intestino o parasita adulto, libertando atravs das fezes os
489
P. Pacheco
Fisiopatologia
De forma idntica ao que ocorre no hospedeiro natural, as oncosferas
penetram no sistema porta e no fgado, podendo ultrapassar esta barreira,
com atingimento dos pulmes. Uma vez ultrapassado o sistema pulmonar,
os embries podem atingir qualquer rgo, nomeadamente, o osso, o crebro, o rim, entre outros. Nos rgos alvo, o embrio pode ser destrudo ou
evoluir para fase larvar vesicular, chamada hidtide, que ir dar origem ao
quisto. O quisto hidtico constitudo por uma camada germinativa interna,
uma camada laminar e uma camada fibrosa, decorrente da reao imunolgica do hospedeiro. O quisto vai sendo preenchido por lquido, distendendo-se progressivamente (aproximadamente, 1 cm/ano).
Quadro clnico
Os quistos permanecem assintomticos at atingirem um volume importante, manifestando-se, ento, pelo efeito de massa no rgo envolvido ou
pela sua rotura espontnea ou traumtica. Quando so detetados (muitas
vezes em exames de rotina), estas estruturas qusticas apresentam de cinco a
20 cm de dimetro. A sintomatologia depende do rgo em causa, sendo mais
frequente o compromisso do fgado e do pulmo. O quisto hidtico heptico,
no complicado, pode manifestar-se por dor abdominal, estado nauseoso e
hepatomegalia. No caso de rotura, pode ocorrer um quadro urticariforme e/
ou de choque anafiltico, uma colecistite/colangite (por rotura para a rvore
biliar) ou um derrame pleural/peritoneal (por rotura para o espao pleural ou
peritoneal). A localizao preferencial dos quistos hidticos pulmonares so o
hemitrax direito e as bases. Quando sintomticos, podem manifestar-se por
toracalgia, hemoptises ou vmica (decorrente da rotura do quisto para a
rvore brnquica), que o doente costuma descrever como com o aspeto de
pele de uva. A rotura de quistos em qualquer rgo conduz disseminao de novos elementos, com capacidade para formar quistos noutros locais.
490
analtica geral
Quando ocorre rotura do quisto, esta pode acompanhar-se de eosinofilia e elevao das IgE. Nos restantes casos, o quadro laboratorial
incaracterstico. A avaliao imagiolgica pode permitir equacionar o
diagnstico. Assim, na radiografia simples do trax podem visualizar-se
opacidades homogneas e na ecografia heptica distinguem-se imagens
qusticas.
Mtodos
microbiolgicos
Mtodos
serolgicos
Na prtica clnica, o diagnstico de quisto hidtico confirmado serologicamente, no contexto epidemiolgico, clnico e imagiolgico adequado.
Existem diversos mtodos aplicveis, como a hemaglutinao, a reao de
ELISA e a imunofluorescncia indireta. A serologia importa no s para o
diagnstico como, tambm, para a monitorizao dos doentes, como forma
de detetar recorrncias ou doena residual
Tratamento
O tratamento do quisto hidtico implica, habitualmente, uma opo medicocirrgica. A cirurgia o tratamento de eleio, consistindo, quer na remoo completa do quisto, quer na sua drenagem percutnea, com posterior
aplicao de etanol, de modo a proceder esterilizao dos esclex. Concomitantemente, deve ser realizada quimioterapia (albendazol ou mebendazol) antes e depois da cirurgia, de forma a diminuir a possibilidade de recadas. No caso de quistos hidticos pequenos e mltiplos, a opo deve ser
conservadora, preferindo-se utilizar um antiparasitrio e proceder a vigilncia regular por serologia e por imagiologia.
Prognstico
O prognstico , usualmente, bom.
491
P. Pacheco
Preveno
A preveno implica o controlo desta parasitose no co, pelo que estes
no devem ser alimentados com vsceras cruas e devem ser submetidos a
tratamentos peridicos com antiparasitrios (niclosamida ou praziquantel).
10. Malria
A malria ou paludismo provocada por um protozorio intracelular
obrigatrio do gnero Plasmodium, do qual se conhecem vrias espcies,
sendo cinco patognicas para o ser humano (Plasmodium falciparum, ovale,
malariae, vivax e knowlesi). Este parasita tem um ciclo de vida dependente
do homem e do mosquito, onde se processa a reproduo assexuada e sexuada, respetivamente.
Epidemiologia
A malria uma doena infeciosa devastadora, com mais de 100 milhes
de novas infees por ano, estimando-se que ocorram um a dois milhes de
mortes, anualmente. As reas endmicas para a malria encontram-se nos
continentes africano, sulamericano e asitico. Em Portugal no existe malria
autctone desde a dcada de 1960, no entanto, uma das patologias infeciosas de importao mais diagnosticadas, resultante da extensa imigrao
proveniente de pases africanos e da maior frequncia de viagens intercontinentais.
O protozorio do gnero Plasmodium transmitido ao homem pela picada de um mosquito fmea do gnero Anopheles, o qual funciona, simultaneamente, como vetor e reservatrio da doena. Embora seja muito raro,
podem existir outros mecanismos de contgio, como sejam, as transfuses
sanguneas, a partilha de seringas contaminadas e a transmisso maternofetal. Epidemiologicamente, necessrio averiguar sobre a permanncia em
reas endmicas quer em tempo recente quer h longa data, pois algumas
espcies de Plasmodium podem permanecer latentes durante muito tempo,
sendo responsveis por recadas, vrios anos aps a retirada de uma rea de
risco. A gravidade da malria tende a ser maior quando no existiram contactos prvios com este agente (hospedeiros no imunes), pensando-se que
exista uma imunidade parcial nas populaes locais, a qual se perde aps
meses de permanncia fora das reas endmicas.
Em termos mundiais, a maioria dos casos de malria so causados por
Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum, sendo esta ltima espcie a
responsvel pelas formas mais graves e com maior mortalidade.
492
Fisiopatologia
Aps a picada do mosquito, os protozorios entram na circulao sangunea na forma de esporozotos, os quais se vo localizar nos hepatcitos,
dando origem ao ciclo esquizognico exoeritrocitrio dentro das clulas
hepticas, os esporozotos multiplicam-se, formando esquizontes, os quais
acabam por romper a clula, permitindo a libertao de milhares de merozotos na circulao. Este processo ocorre durante seis a 12 dias aps a transmisso da infeo, dependendo da espcie em causa. Em algumas espcies
de Plasmodium (vivax e ovale) existe, em paralelo, um ciclo heptico que
leva formao de hipnozotos, formas que ficam latentes durante meses
ou anos, levando a recadas muito tempo aps a infeo.
Os merozotos libertados invadem os eritrcitos, dando origem ao ciclo
esquizognico eritrocitrio os merozotos desenvolvem-se em trofozotos
e, aps um perodo de crescimento, cada trofozoto divide-se em oito a
24 merozotos, que vo ser libertados para a corrente sangunea, aps a lise
do eritrcito, dando origem a uma nova gerao de parasitas em condies
de parasitar novos glbulos vermelhos. O tempo de desenvolvimento de cada
ciclo eritrocitrio varia consoante a espcie, sendo, em regra, de 48 h no caso
de Plasmodium vivax, Plasmodium ovale e Plasmodium falciparum, e de 72 h,
na infeo por Plasmodium malariae. Os paroxismos febris resultam da libertao de merozotos na circulao aps cada ciclo eritocitrio. Aps algum
tempo, alguns merozotos diferenciam-se dentro dos eritrcitos em formas
sexuadas (micro e macrogametcitos), as quais podem ser ingeridas pelos
mosquitos, quando de uma nova refeio sangunea. Nos mosquitos, estas
formas vo amadurecer e sofrer um processo de reproduo sexuada, com
formao de novos esporozotos, que ficam alojados nas suas glndulas
salivares.
Algumas caractersticas eritrocitrias influenciam a expresso clnica e a
gravidade da doena, como o caso da presena de variantes da hemoglobina, nomeadamente de hemoglobina S, a qual determina resistncia inata
infeo por Plasmodium falciparum. A idade dos glbulos vermelhos
outro fator importante. Uma das causas da maior gravidade da malria por
Plasmodium falciparum reside no facto desta espcie parasitar todas as formas de eritrcitos, enquanto outras espcies apenas parasitam eritrcitos
jovens (Plasmodium vivax e Plasmodium ovale) ou maduros (Plasmodium
malariae). No caso da infeo por Plasmodium falciparum, os eritrcitos
parasitados podem ficar sequestrados na microcirculao (aderem s clulas
do endotlio dos capilares e das vnulas e a outros eritrcitos, resultando
em fenmenos trombticos). Em termos fisiopatolgicos o quadro clnico da
malria resulta, fundamentalmente, da febre (como consequncia da libertao de merozotos aps cada ciclo eritrocitrio), da anemia (resultante da
hemlise dos eritrcitos e do sequestro esplnico de glbulos vermelhos
493
P. Pacheco
Quadro clnico
O perodo de incubao da malria varivel, sendo mais curto no caso
do Plasmodium falciparum (oito a 15 dias) e mais prolongado na infeo por
Plasmodium malariae (28-37 dias). O quadro clnico caracterizado por febre,
calafrios, mialgias, cefaleias e prostrao. A febre , classicamente, descrita
como ter e quart, ocorrendo os paroxismos febris a cada trs (Plasmodium
vivax, Plasmodium ovale e Plasmodium falciparum) ou quatro dias (Plasmodium malariae). No caso de infees por Plasmodium falciparum, os paroxismos febris descritos nem sempre so verificveis, referindo os doentes, mais
vezes, acessos febris dirios. Os quadros mais graves podem evoluir para
malria cerebral e/ou falncia multiorgnica (com choque, anemia hemoltica, insuficincia renal aguda, sndrome de dificuldade respiratria, coagulao intravascular disseminada, hipoglicemia e acidemia metablica). O exame
objetivo pode ser normal ou existir hepatomegalia, esplenomegalia e, eventualmente, ictercia ligeira.
A malria durante a gravidez pode evoluir para formas mais graves da
infeo e est associada a abortamentos, prematuridade e baixo peso do
recm-nascido.
De um modo sistematizado, costuma-se dividir o quadro clnico da
malria em malria no complicada, traduzindo uma infeo sintomtica com parasitmia, sem sinais clnicos de gravidade e/ou sem evidncia de
disfuno de rgos vitais, e malria grave, para a malria com parasitemia
por Plasmodium falciparum com sinais de gravidade e/ou disfuno multiorgnica.
analtica geral
Identificao
do agente
O diagnstico de malria implica a demonstrao de glbulos vermelhos parasitados com formas de Plasmodium (trofozotos) no exame direto
de lminas coradas do sangue perifrico ao microscpio tico, devendo
494
Outros
mtodos
As serologias no se utilizam na prtica clnica, estando limitadas a estudos epidemiolgicos ou rastreio de dadores de sangue. Apesar de no estarem disponveis nos laboratrios hospitalares, existem, atualmente, outras
possibilidades de diagnstico para alm da microscopia tica tradicional,
como sejam, a microscopia de fluorescncia, as tcnicas de deteo de antignios de Plasmodium falciparum e as tcnicas de biologia molecular20. Os
testes rpidos de diagnstico, que pesquisam antignios especficos ou enzimas parasitrias, so, atualmente, mtodos alternativos no diagnstico de
malria, particularmente em reas endmicas com limitaes de recursos
tcnicos e de profissionais de sade treinados na microscopia.
Tratamento
O tratamento para a malria modificou-se muito nos ltimos anos, fruto
do desenvolvimento generalizado de resistncias. As novas recomendaes
da OMS para o tratamento da malria foram publicadas em 2006 e atualizadas em 201021, constituindo o documento de referncia nesta temtica,
abrangendo quer o tratamento em reas endmicas, quer nas reas no-endmicas, no viajante que regressa com malria. Esta distino importante, na medida em que nas reas endmicas o tratamento cumpre duas
funes eficaz na cura do doente e eficaz na minimizao da transmisso
e na emergncia de resistncias.
No tratamento deve ter-se em linha de conta a gravidade da situao
clnica (malria no complicada e malria grave), a espcie de Plasmodium
e a possibilidade de resistncias aos frmacos antimalricos. A espcie Plasmodium falciparum a que apresenta resistncias mais vezes a vrios
antimalricos, com distribuio geogrfica varivel. A espcie Plasmodium
vivax pode apresentar resistncia cloroquina sobretudo na Indonsia, Papua Nova Guin, Timor Leste e partes da Ocenia. Para combater a resistncia de Plasmodium falciparum a monoterapias e melhorar a eficcia do
tratamento, a OMS recomenda a utilizao sistemtica de teraputica de
combinao, sobretudo em reas endmicas. A teraputica de combinao
495
P. Pacheco
O tratamento da malria grave idntico nas reas endmicas e no endmicas e deve ser administrado por via endovenosa, estando disponveis duas
alternativas derivados da chinchona (quinino e quinidina) e derivados da artemisina (artesunato, artemeter e artemotil). At recentemente a teraputica
de eleio era o quinino endovenoso, que tem incio de ao rpida e ativo
contra todas as espcies. Todavia, diversos ensaios clnicos comparativos entre
quinino e artesunato demonstraram evidncia clara do benefcio deste ltimo,
com diminuio da mortalidade, no grupo de doentes tratados com este frmaco, pelo que as recomendaes da OMS sugerem a sua utilizao preferencial.
Aps o tratamento parentrico inicial, e assim que o doente possa tolerar teraputica oral, o curso teraputico deve ser completado com uma combinao oral.
Apesar da recomendao da OMS, o artesunato endovenoso no est licenciado
na Europa, pelo que o quinino se mantm como 1.a linha em Portugal.
No caso da espcie no ser Plasmodium falciparum, a cloroquina o frmaco de primeira escolha, uma vez que no existem resistncias documentadas significativas (exceto baixo grau de resistncia de Plasmodium vivax na
Papua, Nova Guin e Ilhas Salomo). No caso de malria por Plasmodium
vivax e Plasmodium ovale, dado existir uma fase de latncia heptica responsvel por recadas, deve ser administrada teraputica de consolidao com
primaquina, aps o tratamento do acesso agudo. A primaquina pode precipitar crises hemolticas, nos doentes com dfice de glicose-6-fosfatodesidrogenase, pelo que conveniente avaliar esta deficincia enzimtica antes de
se iniciar o tratamento com este antimalrico.
A resposta ao tratamento deve ser monitorizada sob o ponto de vista
clnico e laboratorial (a ausncia de reduo de parasitemia, aps 24-48 h de
teraputica, e a presena de parasitas no sangue, quatro a cinco dias aps
o curso teraputico, so indicadores de falncia teraputica). Um outro caso
de resistncia, que pode no ser detetado inicialmente, ocorre quando o
nmero de parasitas resistentes aos antimalricos baixo, tornando a sua
identificao difcil, logo aps o tratamento. Porm, passados alguns dias,
estes protozorios resistentes vo multiplicar-se, determinando um novo
acesso paldico. Este fenmeno, que no deve ser confundido com reinfeo
ou recada, denomina-se recrudescncia.
Os gametcitos podem persistir no sangue durante semanas aps um
tratamento eficaz. Estas formas no causam doena e, na ausncia de formas
assexuadas, no deve ser realizado novo ciclo teraputico.
Prognstico
O prognstico da malria grave mau, com morbilidade e mortalidade
acentuadas. As restantes formas, desde que o tratamento seja iniciado de
forma atempada, tm bom prognstico.
497
P. Pacheco
Preveno
A preveno da malria assenta em medidas individuais de proteo
contra as picadas de insetos nas reas endmicas (usar repelentes, roupas
que cubram o corpo, mosquiteiros nas camas e janelas e evitar o ar livre no
perodo entre o anoitecer e o amanhecer correspondente ao perodo de
maior atividade do mosquito) e quimioprofilaxia com antimalrico. Ainda
no existe vacinao disponvel contra a malria.
11. Dengue
O dengue causado por um vrus ARN de cadeia nica pertencente ao
gnero Flavivirus, famlia Flaviviridae. O vrus do dengue tem quatro serotipos descritos, denominados DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Embora se considere que o reservatrio primrio da infeo sejam os primatas, na maioria
das reas endmicas, o ciclo de transmisso e manuteno dos vrus do
dengue implica apenas o homem e o mosquito22.
Epidemiologia
As reas de endemicidade do dengue abrangem o sudoeste asitico, os
continentes africano e sulamericano e as Carabas. Em Portugal, no existe
dengue autctone, no entanto, so diagnosticados alguns casos espordicos,
provenientes de reas endmicas, como o Brasil ou Timor Leste. O vrus
transmitido pela picada do mosquito vetor da famlia Aedes, fundamentalmente, a espcie Aedes aegypti (responsvel, tambm, pela transmisso da
febre amarela). Este vetor antropoflico, encontrando-se bem adaptado
ao ambiente urbano. Os mosquitos alimentam-se de sangue humano (picando, preferencialmente, no interior das habitaes) e colocam os seus ovos
dentro e perto das casas, em recipientes contendo gua (por exemplo, vasos
e jarros de flores). Os insetos vetores adquirem o vrus durante a refeio
sangunea num ser humano infetado. O vrus do dengue replica-se no mosquito, ficando alojado nas suas glndulas salivares durante toda a vida,
permitindo a transmisso da infeo ao homem a cada nova refeio sangunea.
Fisiopatologia
Aps a picada do mosquito, o vrus do dengue entra na circulao
sangunea, ligando-se a recetores celulares da linha monocitomacrfago.
498
Quadro clnico
O dengue apresenta um quadro clnico varivel, desde formas subclnicas,
passando por formas benignas, autolimitadas a formas graves, potencialmente fatais. Os fatores que influenciam uma ou outra evoluo, englobam o
serotipo vrico, a idade, o sexo, o estado nutricional, a imunidade prvia e
a existncia de comorbilidades. Sob o ponto de vista clnico habitual dividir-se o dengue em duas sndromes dengue clssico e hemorrgico (associado
ou no a choque sptico). O dengue clssico constitui a forma mais comum
de apresentao, manifestando-se pelo incio sbito de febre elevada, mialgias intensas e cefaleias frontais e retro-oculares. Cerca do terceiro dia de
doena surge um exantema maculopapular evanescente no trax, face e
superfcies flexoras dos joelhos que dura dois a trs dias. A sintomatologia
tem a durao de cinco a sete dias, seguindo-se um perodo de defervescncia, o qual pode acompanhar-se por sensao de ardor e descamao
palmoplantar. Nesta fase podem surgir manifestaes hemorrgicas, sobretudo petquias, prpura, gengivorragias e epistaxes, seguindo-se o estado
de convalescena, que pode durar algumas semanas, e que caracterizado
por marcada astenia.
No caso do dengue hemorrgico, a evoluo do quadro aps a defervescncia mais grave, comportando-se como uma spsis grave, com coagulao
intravascular disseminada e aumento da permeabilidade vascular, manifestado por hemorragias e poliserosite (derrame pleural, ascite e derrame pericrdico). Esta forma pode evoluir para um quadro de choque sptico, o
qual apresenta mortalidade significativa.
499
P. Pacheco
analtica geral
Cultura
e isolamento do vrus
Mtodos
serolgicos
Tratamento
O tratamento sintomtico com repouso e paracetamol. No devem ser
usados anti-inflamatrios no-esterides, uma vez que esto associados a
maior risco de evoluo para formas graves. Os doentes com dengue hemorrgico devem ser hospitalizados, pela necessidade de teraputica mdica de
suporte de rgo. No existe tratamento antivrico disponvel.
Prognstico
O prognstico do dengue varivel, nas formas clssicas bom, as nas
formas hemorrgicas a mortalidade pode ser acentuada. No caso de sobrevivncia, a recuperao faz-se sem sequelas.
Preveno
Assenta em medidas individuais de proteo contra as picadas de mosquitos.
500
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501
Seco 22
1. Introduo
Hoje geralmente aceite que o prio existe, e que o causador das encefalopatias espongiformes transmissveis (EETs) do homem e dos animais,
mas muitas questes e grande controvrsia persistem, quanto sua natureza
e forma de transmisso.
Face transmissibilidade do agente, reteno da infetividade aps filtrao e o longo perodo de incubao at ao aparecimento dos sintomas,
pensou-se tratar de um vrus lento ou um viride mas, aparentemente, este
novo agente infecioso no contm qualquer cido nucleico, sendo constitudo por uma protena que resulta de uma alterao conformacional de
uma protena orgnica normal. Aparece, contudo em alguns livros de microbiologia, designado como um vrus lento no-convencional.
2. Histria
O kuru foi a primeira EET a ser descoberta no homem. Foi Zigas, um mdico australiano que, em 1955, descobriu numa tribo da Nova-Guin esta doena crnica, do sistema nervoso central (SNC)1. Teria aparecido 40 anos antes e
atingia 2% de uma populao, que praticava o canibalismo ritual dos mortos
em que os crebros eram ingeridos como forma de os honrar. A abolio do
canibalismo, em 1958, conduziu a uma queda marcada na incidncia desta
doena, apontando para a sua transmissibilidade atravs daquela prtica.
Em 1959, notada a semelhana entre a epidemiologia, a clnica e as
leses neuropatolgicas do kuru com outras duas doenas, tais como o scrapie, doena da ovelha e da cabra, descrita desde o sculo XVIII em Inglaterra, j anteriormente demonstrada como sendo transmissvel, e a doena de
Creutzfeldt-Jakob (DCJ) descrita, pela primeira vez, em 1920 por Creutzfeldt
numa doente e em 1921, por Jakob, em quatro doentes, e, posteriormente,
em inmeros casos2,3.
A transmissibilidade deste tipo de doenas foi, definitivamente, demonstrada na dcada de 1960 com a transmisso experimental do kuru e da DCJ
ao chimpanz.
Alguns anos antes tinha sido, tambm, includa neste tipo de demncias
transmissveis uma afeo familiar, j descrita em 1936, por Gerstmann-Straussler
503
A. Horta
3. O prio
O termo prio foi proposto por Prusiner, em 1982, para definir pequeno agente infecioso contendo protena, resistente aos procedimentos que
modificam ou hidrolisam cidos nucleicos10. Este agente infecioso no parece, de facto, conter cido nucleico. A sensibilidade desta partcula aos
agentes que digerem, desnaturam ou modificam quimicamente as protenas,
504
A. Horta
Kuru
Foi a primeira doena por pries a ser estudada em detalhe, conhecida
apenas nas ilhas orientais de Papua Nova Guin e, aparentemente, transmitida aps a ingesto de crebros contaminados. Foram descritos 2.600 casos
desde 1957, mas nenhum indivduo nascido aps 1958, altura em que foi
abolido o canibalismo, apresentou a doena.
Com um perodo de incubao que pode variar entre quatro e 30 anos,
esta doena manifesta-se em todas as idades, por ataxia cerebelosa grave
com movimentos involuntrios associados (coreoatetose, mioclonia e tremor)
e incapacidade motora progressiva. A demncia aparece mais tardiamente e
a morte, inevitvel, ocorre nos trs meses a dois anos aps o incio dos sintomas.
Histologicamente, o crebro destes doentes revela as alteraes comuns
s EETs, mas a presena de placas PrPSc reativas, localizadas, essencialmente, na camada granular do cerebelo caracterstica nesta patologia. At
data, anlises moleculares no mostraram mutaes no gene PRNP nestes
doentes, embora uma homozigotia no seu codo 129 tenha sido identificada
com maior frequncia do que o esperado.
506
Doena de Creutzfeldt-Jakob
Doena rara, com prevalncia e incidncia de, aproximadamente, um caso
por milho de habitantes e por ano, embora sendo no homem, a doena por
pries mais comum, podendo aparecer de forma espordica, iatrognica ou
familiar.
A forma espordica ou clssica a mais frequente, explicando 85 a 95%
dos casos e surge, em mdia, aos 65 anos (16-82 anos), sem predileo por
sexo e apresenta-se, tipicamente, como uma demncia rapidamente progressiva, com mioclonia proeminente e, facilmente, desencadeada por estmulos.
Manifesta-se, inicialmente, por sinais precoces de deteriorao mental (pensamento lentificado, dificuldade na concentrao e perda de memria).
Durante o curso da doena, alm das mioclonias (presentes em mais de 90%
dos casos), os doentes desenvolvem, com frequncia, distrbios motores piramidais e extrapiramidais, disfuno do trato cortico-espinal, alteraes do
humor e labilidade emocional, para alm das alteraes visuais. A morte
ocorre, em regra, trs a nove meses aps o incio dos sintomas. A grande
variabilidade existente na apresentao clnica da DCJ, deve-se forma como
determinadas regies cerebrais so, desproporcionalmente, afetadas, estando descritas vrias variantes da doena.
A forma iatrognica foi identificada em cerca de 80 casos, aps transplantes
de crnea, fgado ou enxertos de dura-mter, aps tratamentos de distrbios
endcrinos com hormonas de crescimento, extradas de cadveres humanos,
aps tratamentos de infertilidade com gonadotrofinas pituitrias, tambm, de
origem humana, ou aps o uso de instrumentos neurocirrgicos ou eltrodos
intracerebrais estereotxicos profundos e inadequadamente descontaminados21.
A forma familiar, responsvel por uma minoria dos casos (5-15%), foi identificada em cerca de 100 famlias espalhadas pelo mundo, mas mais na Lbia,
no norte de frica e na Checoslovquia22. transmissvel de forma autossmica dominante e surge por mutao no PRNP (E200K e outras).
Apesar de nunca terem sido encontradas mutaes deste gene na forma
espordica da DCJ, polimorfismos no seu codo 129 podem condicionar a expresso clnica, no s da forma espordica e da forma iatrognica, como da
vDCJ. Apesar de 51% das pessoas saudveis exibirem heterozigotia neste codo
(Met/Val) e 49% homozigotia (37%-Met/Met, 12%-Val/Val), 95% dos doentes
com DCJ espordica e 100% dos doentes com a vDCJ exibiam a homozigotia.
Para o diagnstico definitivo da DCJ, necessrio o exame anatomopatolgico de material cerebral, no entanto, o laboratrio, a imagiologia e o
EEG, em conjunto com a clnica, so teis no diagnstico de suspeio e na
excluso de outras patologias.
Peptdeos derivados da protena cerebral 14-3-3 (p130 e p131) e outro tipo
de protenas foram encontrados no LCR de doentes com DCJ, revelando alta
sensibilidade e especificidade no seu diagnstico23,24.
507
A. Horta
Tanto a tomografia axial computorizada (TAC), como a ressonncia magntica (RMN) cerebrais so relativamente insensveis. Outras tcnicas imagiolgicas mais avanadas, tais como a tomografia por emisso de positres
(PET) ou tomografia computorizada por emisso simples de protes (SPECT),
mostraram algumas alteraes.
O EEG pode ser bastante til para o diagnstico desta patologia, revelando um padro tpico uma atividade de base lenta generalizada, interrompida por complexos de ondas agudas sncronas bilateralmente, que ocorrem
a intervalos de 0,5 a 2,5 s e cuja durao de 200-600 ms (PSWCs)25. Na
suspeita clnica, estas alteraes tornam provvel o diagnstico desta patologia, do mesmo modo que a sua ausncia num indivduo com sintomas e/ou
sinais sugestivos por um perodo superior a quatro meses, deveria pr esse
diagnstico em causa. Estas alteraes esto, geralmente, ausentes na DCJ
familiar, na vDCJ, na GSS, na IFF e no kuru.
As alteraes tpicas das EETs aparecem no exame anatomopatolgico de
material cerebral. A deposio amilide aparece em forma de placas em
apenas 10% dos casos de DCJ espordica. A anlise imunohistoqumica de
material cerebral, devidamente preparado para o efeito, tornando as SAF
visveis por microscopia eletrnica, constitui um mtodo rpido para a confirmao do diagnstico.
As tcnicas genticas, demonstrando as mutaes no gene PRNP, permitem o diagnstico das formas familiares da DCJ, da GSS e da IFF.
A. Horta
Doena de Gerstmann-Strassler-Scheinker
Doena, tambm, familiar, que surge por mutao no gene PRNP e que
se transmite de forma autossmica dominante. Esto identificadas cerca de
cinquenta famlias com esta patologia, que surge por volta dos 45 anos
(24-66 anos). Os sintomas so os de degenerao espinocerebelar progressiva, com instabilidade, incoordenao motora e dificuldade progressiva da
marcha. A demncia e a mioclonia esto ausentes ou existem de forma ligeira e numa fase tardia da doena. A morte ocorre, sensivelmente, cinco
anos (dois a seis) aps o seu incio.
Os achados neuropatolgicos so essenciais para o diagnstico definitivo
e so semelhantes aos encontrados nas outras EETs, mas so comuns as placas
510
5. Tratamento
No conhecido qualquer tratamento eficaz para este tipo de doenas,
que revelam um curso invarivel para a morte. Apenas um nico caso de DCJ
ter recuperado. A teraputica ser apenas sintomtica com o objetivo de
atenuar dores, mioclonias, agressividade, etc.
Todas as tentativas realizadas com interfero, aciclovir e anfotericina B
resultaram goradas. Alguns resultados conseguidos com amantadina, vidarabina e metisoprinol, no foram depois confirmados.
Os animais ou as culturas de clulas (neuroblastoma) permanentemente
infetados por pries podero constituir bons modelos para o ensaio de novos
frmacos.
Mais recentemente, a quinacrina e a cloropromazina, agentes antigos e
com conhecida penetrao atravs da barreira hemato-enceflica, mostraram
estabilizar a doena em cultura de clulas infetadas por pries, tornando-se
bons candidatos para o tratamento das EET. Outro medicamento analgsico,
o flupirtino, mostrou atrasar a progresso da demncia em doentes com DCJ.
6. Desinfeo do material
Os tecidos/rgos considerados como de alta infetividade foram o crebro, a medula espinal, a glndula pituitria e a dura-mter. O LCR, rgos
linfo-reticulares, o olho e a placenta foram considerados de mdia infetividade. O pulmo, o fgado, o timo, o pncreas, a medula ssea e o nervo
perifrico, de baixa infetividade. Nunca foi detetado este tipo de agente na
urina, fezes, leite, smen, secrees vaginais, saliva, expetorao, osso, rim
ou msculo. O sangue e os seus derivados podero, eventualmente, ser infetantes.
As medidas universais de proteo devem ser cumpridas em qualquer ato
mdico ou de enfermagem. A zona da pele onde caia qualquer produto ou
lquido corporal dever ser de imediato limpa e dever ser aplicado, durante 10 minutos a soluo de 1 N NaOH.
Para desinfeo do material, sero eficazes o autoclave a 132 oC, a imerso em cido frmico a 95% ou em 1 N NaOH (todos estes procedimentos
devero ter a durao de uma hora) e a incinerao. Nos laboratrios, onde
o risco ser maior como os de anatomia patolgica, dever-se- incinerar os
depsitos e as superfcies devero ser limpas, durante 10 a 60 min, com hipoclorito de sdio ou com 1 N NaOH.
511
A. Horta
Muitas questes epidemiolgicas e incmodas acerca das EETs vo continuar sem resposta, at que mais seja revelado sobre os agentes que as provocam. realmente necessrio conhecer a patognese das EETs para que
estas doenas possam ser convenientemente prevenidas, diagnosticadas e
tratadas.
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512
Seco 23
INFECO HOSPITALAR
Joana Quaresma
513
J. Quaresma
mesmo, trs doentes em cada cama. E passou a ser notrio que, pelo simples
facto de terem sido internados para tratamento de uma qualquer afeco, muitos
doentes adquiriam outra, de curso febril, da qual muitas vezes morriam. Mas,
na transio dos sculos XVIII e XIX, estava-se ainda na era dos miasmas...
Desde o princpio do sec. XIX, e muito antes da era do conhecimento
bacteriolgico, a amplitude e a gravidade dos factos suscitaram a ateno e
o empenhamento de algumas mentes dedicadas. Aps um correcto e exaustivo processo de anlise, por vrias formas foi apontada a responsabilidade
de algumas circunstncias e procedimentos. As medidas que foram tomadas,
tendentes a corrigi-los (espao, arejamento, alimentao, higiene geral, lavagem das mos...) levaram sua reduo. Simpson, Holmes, Semmelweis,
Farr, Florence Nightingale e, j no incio de uma outra perspectiva, Pasteur
e Lister so nomes desse sculo que a Histria conservar como marcos, pioneiros na compreenso das causas e na preveno da IH. A era da cincia e
da tecnologia no fez mais que confirm-las.
Uma nova fase, a da moderna IH, teve incio a partir dos anos 60 do sec.
XX, pela introduo das novas tecnologias, de diagnstico e de teraputica,
que vieram influenciar a sua quantidade e a sua qualidade.
Em relao quantidade, a reduo progressiva das infeces que se tinha vindo a verificar, graas aplicao generalizada das normas sobre higiene e assepsia (desinfeco e esterilizao), estacionou, primeiro, voltando
depois a aumentar, pelo maior volume de actividades hospitalares e, nomeadamente, pelo recurso a mtodos mais agressivos e invasivos, quer para
diagnstico (endoscopias, cateterismos...), quer para a sustentao da vida
(teraputicas citostticas e imunodepressoras, incremento das unidades de
cuidados intensivos...).
Em relao qualidade, ou seja, etiologia das infeces, o panorama
foi alterado pela utilizao dos antibiticos, introduzidos na prtica clnica,
de forma j generalizada, desde a dcada anterior. Os primeiros antibiticos
tinham aco, fundamentalmente, sobre bactrias Gram-positivo. medida
que iam sendo tratadas e contidas estas infeces que, inicialmente, predominavam nos hospitais (estreptoccicas e estafiloccicas), passou a ser preocupante a alterao verificada na etiologia das infeces, nomeadamente as
causadas por bactrias Gram-negativo. A indstria farmacutica passou, ento, a empenhar-se na obteno de novos antibiticos, com espectro de
aco que respondesse a estas necessidades. Mas as necessidades no pararam, uma vez que passou a ser evidente a facilidade e rapidez com que as
novas bactrias-alvo se tornavam resistentes aos antibiticos a que, inicialmente, eram sensveis. E novos antibiticos foram introduzidos. E novas resistncias surgiram...
A corrida para ultrapassar as resistncias bacterianas, por parte dos novos
antibiticos, manteve-se, a alta velocidade, durante mais de 20 anos, tendo
abrandada na ltima dcada.
514
Infeco hospitalar
A insegurana causada por esta sensibilidade errtica das bactrias Gram-negativo permitiu que os clnicos fossem levados a pecar por excesso nas
prescries empricas. Esta atitude no s contribuu para a manuteno da
escalada das resistncias bacterianas, como para a seleco ou incremento
de outro tipo de agentes como etiologia das infeces hospitalares (como
o caso de fungos, principalmente Candida spp, e do enterococo).
Enquanto estvamos todos entretidos com esta guerra das resistncias
dos Gram-negativo, abriu-se outra frente de batalha com os Gram-positivo.
Com efeito, os estafilococos no s retomaram importncia quantitativa na
etiologia da IH, como muitos deles e em nmero preocupante tornaram-se
qualitativamente diferentes, sendo resistentes meticilina (antibitico de
referncia, significando resistncia a todas as betalactaminas). Tambm os
enterococos, tradicionalmente considerados de patogenicidade duvidosa,
emergiram como agentes etiolgicos da IH e, tambm, alguns, com resistncias preocupantes em relao sua sensibilidade habitual.
Em meados dos anos 80 do sec. XX, e aps dcadas de utilizao dos
antibiticos progressivamente disponveis, de expectativas criadas (e, a prazo, goradas) em cada novo antibitico, tornou-se claro que o optimismo
gerado pelo surgimento dos antibiticos, no pressuposto de que, com estes,
as infeces acabariam, terminara. A guerra, s com esta frente, no s
no acabaria nunca, como no seria vencida! Na microecologia, tal como na
macroecologia, a arrogante interveno humana corre o risco, em alguns
casos, de ser considerada como acto de aprendiz de feiticeiro...
Entretanto, e pala de que os antibiticos resolveriam as infeces, tinham sido desvalorizados muitos dos procedimentos clssicos para a preveno das mesmas, e muitos, entre as novas geraes de profissionais no mbito da sade, tinham deles a vaga ideia que se tem de uma histria muito
antiga e ultrapassada.
A gravidade do problema da IH, numa altura em que j se dispunha de
alta tecnologia, em todos os aspectos, obrigou a repensar a estratgia. No
culminar dessa reflexo, foram implementadas comisses de controlo da
infeco hospitalar (CCIH) visando, atravs de vigilncia epidemiolgica,
aces de formao, aconselhamento ou deciso, minimizar o impacto dos
riscos conhecidos e previamente analisados. A necessidade destas comisses era de tal modo evidente que a sua existncia passou a figurar em legislaes orgnicas, nacionais e/ou institucionais, consoante os pases. Tiveram incio em hospitais dos pases de maior tradio organizativa e este
exemplo foi progressivamente seguido por vrios outros, entre os quais o nosso1.
A sua composio, quer no nmero de elementos, quer nas suas valncias,
pode ser variada, consoante o tipo de instituio. , no entanto, requisito
mnimo, que desses elementos faam parte um microbiologista, um clnico
(infecciologista, sempre que possvel), um enfermeiro e um administrador
hospitalar, todos eles com adequada formao, experincia e motivao.
515
J. Quaresma
2. Factores intervenientes
Em geral e, portanto, tambm na IH, para a ocorrncia de uma infeco
so necessrios trs factores o hospedeiro, o agente infeccioso e a transmisso. Assim, os princpios do raciocnio clnico para o diagnstico so os
mesmos, quer no ambulatrio, quer em meio hospitalar condies do
hospedeiro, probabilidade da presena do agente e circunstncias que permitam ou facilitem a transmisso. Do vector resultante da interaco destas trs
foras resultar o tipo de infeco e a correspondente repercusso clnica.
Devemos ter presentes os mecanismos gerais de defesa do organismo
humano e, em particular, os de resposta agresso por agentes infecciosos2,3.
Por outro lado, a capacidade patognica dos microrganismos tambm
muito diferente, pelo que o risco de infeco directamente proporcional
ao estado das condies fsicas de cada um destes intervenientes, no momento do confronto. Circunstncias ligadas transmisso podem vir a alterar
aquela correlao de foras, o que acontece, sobretudo, em meio hospitalar,
de forma geral em desfavor do hospedeiro (e muitas vezes, infelizmente, por
forma evitvel).
Sobre o hospedeiro
O simples facto de ter que recorrer ao hospital para consultas ou, sobretudo, para internamento pode condicionar um estado de depresso e/ou
ansiedade. Por si s, isto um factor de vulnerabilidade, muitas vezes o
primeiro. A personalidade do doente, bem como o seu enquadramento familiar e social, , pois, um factor de grande importncia na evoluo dos
acontecimentos.
Para alm das condies de base do doente e, obviamente, da causa que
motivou o recurso ao hospital, o risco de IH correlacionar com o tempo de
permanncia na instituio e os procedimentos que nesta ocorrerem.
Em relao s condies fsicas, propriamente ditas, so mltiplos os
factores condicionantes, j presentes ou potenciais, que podem favorecer a ocorrncia de IH. Muitas vezes coexistem, agravando-se mutuamente, numa espiral viciosa de decrscimo progressivo das capacidades de resistncia.
De forma simplificada e resumida, relembram-se, isoladamente, alguns
dos mais bem conhecidos factores intrnsecos, ou primordiais, de risco de IH:
a) Idade as idades extremas da vida so mais vulnerveis, por razes semelhantes e causas diferentes (nos recm-nascidos por imaturidade das barreiras mecnicas, fisiolgicas e imunitrias e, no idoso, pelo seu desgaste e
usura, bem como pela maior probabilidade de patologia prvia ou associada); b) estado de nutrio (geral e/ou proteica); c) estado de equilbrio
516
Infeco hospitalar
J. Quaresma
Infeco hospitalar
Consoante o tipo de IH, outros agentes podem estar nos primeiros lugares de suspeio, como o caso de Pseudomonas aeruginosa nas pneumonias
em doentes ventilados, conhecida que a sua fcil colonizao no meio
hmido dos tubos conectores.
Outros agentes, tambm com capacidade patognica reconhecida (Klebsiella spp, Proteus spp, Serratia spp, Enterobacter spp...), so, de igual modo,
tradicionais responsveis por IH, com peso relativo consoante o tipo e as
condies da infeco.
Os exemplos atrs referidos, na correlao infeco-agente, no so nicos e o princpio desta correlao continua a ser o principal pilar de referncia para a determinao emprica da maior probabilidade etiolgica (e que
o diagnstico bacteriolgico confirma). No entanto, e nunca esquecendo o
mais provvel e frequente, no podemos, e no devemos, ficar instalados
numa sensao de confiana (ateno, a atitude oposta igualmente perigosa...). Com efeito, as variveis, sempre existentes na ecloso de qualquer
doena infecciosa, podem tomar, na dinmica da IH, aspectos muito mais
diversificados e, mesmo, desproporcionados.
Assim, tal como foi referido anteriormente, temos assistido, ao longo das
duas ltimas dcadas, emergncia de factos preocupantes: a) Aumento
da frequncia, como etiologia de IH, de agentes antes tidos como de patogenicidade nula, fraca ou duvidosa, e que s esporadicamente eram
considerados Enterococcus spp, Staphylococcus coagulase negativo, Acinetobacter spp, Candida spp...; b) recrudescimento da tuberculose, em
termos globais, tendo a actual trilogia toxicodependncia-sida-tuberculose, com internamentos frequentes e prolongados, transformado Mycobacterium tuberculosis num importante agente de IH, tambm com grande
risco para os prestadores de cuidados de sade; este problema ainda
acrescido pela possibilidade de resistncia, por vezes multirresistncia,
aos antibacilares de primeira linha; c) aumento e variao das resistncias aos antimicrobianos, no s nos agentes habituais, como nos emergentes; no s em relao aos antibiticos de referncia, como aos de segunda e terceira linha. So principais exemplos Staphylococcus aureus e,
acrescidamente, os estafilococos coagulase negativo resistentes meticilina;
Enterococcus spp resistentes ampicilina e, mesmo, nomeadamente Enterococcus faecium, vancomicina; Klebsiella spp produtoras de betalactamases
de espectro alargado. A multirresistncia pode mesmo implicar todos os
antibiticos disponveis, como se verificou recentemente entre ns, em estirpes de Acinetobacter baumanii5.
Perante este panorama, nunca demais lembrar a importncia do laboratrio para a confirmao etiolgica e determinao do padro de sensibilidade. A interpretao do significado do isolamento de um agente nem
sempre linear e, quando assim acontece, pode ser muito til o dilogo
entre o clnico e o microbiologista.
519
J. Quaresma
Sobre a transmisso
As bactrias no tm asas uma frase dita e repetida por quem as
conhece bem. bem verdade, e t-la sempre presente, quando lidamos com
problemas de controlo de IH, ajuda racionalidade e impede perdas desnecessrias de tempo, de ateno e de recursos econmicos.
Para que a transmisso acontea, so necessrios trs elementos uma
fonte, ou reservatrio, de microrganismos potencialmente infectantes, um
hospedeiro susceptvel e um meio, ou processo, atravs do qual o agente
passe de um para o outro.
As fontes podem ser humanas doentes, pessoal de sade e, mesmo, visitas, com infeces agudas ou em incubao, colonizados ou portadores
crnicos do agente infectante; a prpria flora endgena do doente (ou autgena, se j estiver colonizado por agentes que no pertenciam sua flora
residente inicial) pode ser a fonte de infeco, por transmisso dos agentes de
um para outro compartimento do corpo (da flora fecal para orifcio de cateter, por exemplo). Outras fontes podem encontrar-se no ambiente inanimado,
520
Infeco hospitalar
3. Preveno
No h compartimentos estanques na preveno da IH, como no os h
em nenhum dos intervenientes do processo. Por questes didcticas, os meios
de preveno costumam ser tratados sectorialmente. Em contrapartida, esta
metodologia pode levar perda da noo de conjunto, com risco de fazer
passar para planos secundrios, ou no considerados, os outros factores que,
em cada momento, intervm e influenciam o desenrolar dos acontecimentos.
521
J. Quaresma
Infeco hospitalar
Com efeito, como j foi dito, por inerncia da sua aco, os antibiticos
provocam aquelas duas vertentes de variao ao destrurem a parte sensvel do campo microbiano, a parte sobrevivente fica seleccionada e com o
desenvolvimento facilitado por falta de concorrncia; outro tipo de seleco
se passa, ainda, mesmo no interior das populaes bacterianas sensveis, ao
permitir que os seus mutantes, com caractersticas de resistncia, possam,
tambm eles, sobreviver e passar a dominantes, o que no aconteceria sem
aquela aco selectora. Outros mecanismos de resistncia podem ser induzidos ou espoletado pela presena e pela aco dos antibiticos, nomeadamente na flora entrica, onde co-habita, em meio propcio, uma multiplicidade enorme de agentes microbianos6.
A relao entre a aco dos antibiticos e a variao etiolgica da IH
tornou-se clara pouco aps a generalizao do seu uso e cedo foi denunciada7.
Da mesma forma, e inequivocamente, tem sido, repetidamente, denunciada
e demonstrada a sua relao com a emergncia e alastramento das resistncias bacterianas8-10.
Apesar da evidncia dos factos e dos alertas suscitados por estudos incontestados do impacto da IH na sade e na economia, esta vertente da sua
preveno, de exclusiva responsabilidade mdica, tem sido mal acautelada11,12.
Os antibiticos so ainda, vezes demais, utilizados de forma desnecessria
(ausncia de infeco ou de critrio para profilaxia) ou incorrecta (m opo
na escolha, por ineficcia ou por privilegiar caractersticas acessrias em detrimento das essenciais). Por outro lado, e paradoxalmente, a preocupao com
as resistncias bacterianas tem levado a uma conduta de prescrio emprica
em fuga para a frente, preferindo apostar numa aleatria probabilidade
a jusante em vez de, por forma segura, tentar travar o problema a montante. De facto, as bactrias resistentes e, sobretudo, as multirresistentes, apesar
de preocupantes, so ainda minoritrias e, em cada situao, devemos apreciar a sua probabilidade; por outro lado, por enquanto e salvo rara excepes, a multirresistncia correlaciona com menor agressividade e virulncia
(a grande maioria destes isolamentos so de colonizaes e no de infeces). No faz sentido, portanto, a frequncia com que se prescreve o mais
recente, o de maior espectro, o mais... s por que pode ser..., em
detrimento de uma maior eficcia para o agente mais provvel e de maior
capacidade patognica, com risco de atraso no controlo da real infeco presente, de aumentar a vulnerabilidade do doente e de contribuir para a escalada de resistncias. Parafraseando Eickhoff, os mdicos mantm-se relutantes em reconhecer que a deciso de utilizar um determinado antibitico,
num determinado doente, tem implicaes ecolgicas que ultrapassam esse
doente13.
O atrs exposto justifica a defesa da existncia nos hospitais de uma
comisso de antibiticos (CA), cuja composio estrutural deve incluir
um clnico, sempre que possvel infecciologista (de adultos e peditrico), um
523
J. Quaresma
Infeco hospitalar
J. Quaresma
Infeco hospitalar
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528
Seco 24
Bioterrorismo
Henrique Lecour
H. Lecour
esses arsenais, dando azo a que a certos pases ou grupos extremistas pudessem ter acesso facilitado a esses locais. Tambm, a emigrao de muitos
desses tcnicos qualificados deu aos pases que os acolheram capacidade de
poderem produzir armas biolgicas. Recorde-se que os inspetores da ONU comprovaram que o arsenal de armas biolgicas do Iraque, na altura da 1.a Guerra
do Golfo, em 1991, abarcava cerca de 20.000 litros de toxina botulinica e de 8.000
litros de esporos de Bacillus anthracis, entre outros agentes e toxinas, estando
municiadas com essas armas centenas de bombas areas e msseis balsticos6.
O facto das armas biolgicas serem de um modo geral fceis de produzir
e terem um baixo custo, muito inferior aos de outros tipos de armas quer
convencionais, quer nucleares ou qumicas, faz com que grupos ou seitas
terroristas as considerem um recurso para atingirem os seus objetivos, sejam
de natureza poltica, religiosa, econmica, ecolgica ou outra, por isso mesmo se dizendo que as armas biolgicas so a bomba atmica dos pases
pobres. Interessa, ainda, sublinhar que os efeitos das armas biolgicas, contrariamente aos das outras armas, so de incio insidioso e no destroem as
estruturas fsicas das reas atingidas, que de uma maneira geral podem de
imediato ser utilizadas pelo agressor, conquanto em certas situaes possa
haver repercusso ambiental, como no caso da contaminao de edifcios ou
do prprio solo por esporos de carbnculo, o que implica uma descontaminao morosa e difcil, e pode mesmo impedir a sua utilizao por largo
perodo, dependendo essa durao da natureza do terreno7.
A acrescer ao potencial risco da ecloso de surtos epidmicos, com efeitos
devastadores e elevada mortalidade, a utilizao das armas biolgicas assume, ainda, particular gravidade pelo temor que desencadeia, podendo levar
paralisao de toda a comunidade, tanto mais que no possvel conhecer,
com elevado grau de probabilidade, onde, como e quando vai suceder o
ataque, desse modo constituindo uma ameaa segurana de um pas ou
de uma comunidade.
A situao de terror coletivo vivida nos Estados Unidos, no outono de
2001, logo aps os ataques do 11 de setembro, com o envio de cartas e
encomendas postais, contendo esporos de Bacillus anthracis, exemplo evidente deste no menos preocupante aspeto do bioterrorismo, causado neste caso por um microbiologista que se suicidou quando descoberto8. Refira-se, a ttulo de curiosidade, que Portugal foi ento o segundo pas da Unio
Europeia, logo a seguir ao Luxemburgo, em que foi registado maior nmero de denncias infundadas de p branco contaminado, em nenhuma das
situaes sido comprovada9.
Os objetivos do bioterrorismo no se limitam ao atingimento humano
direto, mas abarcam, tambm, a contaminao animal e vegetal, e a inquinao da gua de consumo. Deste modo, o atingimento humano pode ser
agravado pela contaminao da cadeia alimentar e do abastecimento de
gua, como, ainda, pelo contacto com animais doentes, que podem constituir
530
Bioterrorismo
H. Lecour
Bioterrorismo
H. Lecour
Bioterrorismo
H. Lecour
a vaccinia progressiva ou gangrenosa, que pode surgir em doentes imunodeprimidos e se reveste de elevada mortalidade, e a encefalite ps-vacinal,
cuja gravidade justificada no apenas pela sua taxa de mortalidade, como
ainda pela elevada incidncia de sequelas psicomotoras. As reaes adversas so mais comuns com a primovacinao do que com as revacinaes e
sucedem, particularmente, em crianas de baixa idade. Um registo sobre
reaes adversas da vacina, observadas nos Estados Unidos em 1968, mostra
que por milho de primovacinaes se podem verificar 12 casos de encefalite e 242 de vaccinia generalizada, contrastando com o que se observa aps
a revacinao, em que essas complicaes so respetivamente, reduzidas para
dois e nove casos24.
Em face do risco de reaes adversas, consideram-se contra-indicaes
absolutas da vacinao, a existncia de eczema e de dfices imunitrios,
incluindo, obviamente doentes, com infeo por VIH, bem como gravidez e
doena cardaca.
A circunstncia da imunizao antivarilica ter sido, progressivamente,
interrompida no Mundo, a partir da segunda metade da dcada de 1970, e
a doena ter sido erradicada em 1980, faz com que grande parte da populao mundial seja hoje suscetvel doena. Este aspeto, bem como os riscos
e inconvenientes das vacina e seus custos, tm que ser, devidamente, ponderados na elaborao de uma estratgia de imunizao, que poder ser
restrita aos grupos com risco de exposio profissional, alargada aos contactantes de um eventual caso (estratgia em anel) ou populao dessa rea,
tanto mais que a administrao da vacina, at quatro dias aps o contacto
com um doente, pode, ainda, evitar a doena ou atenu-la, ou se pelo contrrio, se estabelece uma poltica de vacinao universal, posio que no
perfilhamos. Com o intuito de reduzir os riscos da vacinao tradicional e de
se conseguir maior produo da vacina, de molde a poder constituir reservas
suficientes, para obstar a uma eventual ameaa, os Servios de Sade norte-americanos dispem de uma vacina de 2.a gerao, obtida a partir da cultura celular do vrus vacinal, com menores efeitos secundrios4.
Neste tema deve refletir-se que, para alm das reservas de vrus da varola, ainda existentes no Mundo, unicamente nos Estados Unidos e na Rssia,
e cuja destruio tem sido progressivamente protelada, se pode admitir que
outros pases ou grupos terroristas possam ter o vrus em seu poder, desse
modo constituindo uma eventual ameaa.
Tambm, a possibilidade de manipulao gentica de outros poxvrus,
tornando-os adaptados ao Homem, deve ser considerada. Recorde-se a ocorrncia, em 2003, nos Estados Unidos, de um surto de varola do macaco,
doena que, como se referiu, , igualmente, provocada por um poxvrus25.
Esse surto, responsvel por 83 casos humanos, merecedor de uma chamada
de ateno, referindo-se, a propsito, o programa de investigao em armas
biolgicas da ex-Unio Sovitica, que inclua a manipulao gentica do
536
Bioterrorismo
H. Lecour
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538
Seco 25
1. Introduo
Os viajantes no adoecem, apenas, com patologias de natureza infeciosa,
nem estas so a principal causa de morte nesta populao, lugar ocupado pelos
acidentes e pelas doenas cardiovasculares. No entanto, as infees so causa
frequente de morbilidade e resultam, muitas vezes, na suspenso temporria
(ou mesmo definitiva) das atividades que motivaram a realizao da viagem.
As doenas infeciosas adquiridas pelos viajantes, durante a sua permanncia em pases tropicais, so, por regra, as seguintes, hierarquizadas por
ordem decrescente de probabilidade de ocorrncia e por cada ms de permanncia1:
Diarreia do viajante 20-40%.
Malria (sem quimioprofilaxia) em frica 1,5%.
Influenza A ou B 1%.
Dengue 1%.
Mordedura de animal com risco de raiva 0,5%.
Hepatite A 0,05%.
Hepatite B 0,005%.
Febre tifide 0,003%.
Infeo por VIH 0,002%.
Clera 0,0003%.
Legionelose (Mediterrneo) 0,0002%.
Poliomielite 0,00003%.
Quando analisadas sob o ponto de vista preventivo, algumas so evitveis
por vacinao, enquanto para outras, ainda as mais frequentes, no se dispe, por enquanto, de vacinas eficazes.
S. da Cunha
Vacinas obrigatrias
Vacina
A vacina contra a febre amarela exigida, por muitos pases, aos viajantes
que provenham de zonas onde a doena est presente (no o caso de Portugal, como se pode comprovar pelos mapas apresentados nas figuras 1 e 2).
Por outro lado, recomenda-se, vivamente, esta vacina aos viajantes que se
desloquem para reas de risco (coincidindo com a zona dos mapas marcada a
vermelho). So poucos os pases que exigem esta vacina a todos os viajantes.
A vacina no recomendada para as crianas com menos de seis meses, mas
muitos optam por estabelecer como idade mnima de vacinao os nove meses.
Outras vacinas vivas (febre tifide oral, BCG, vacina contra o sarampo-papeira-rubola) podem ser administradas no mesmo dia ou, em alternativa,
deve intervalar-se esta administrao de trs a quatro semanas3.
Na sequncia da vacinao emitido o respetivo certificado internacional,
que possui validade a partir do 10.o dia aps a administrao e durante 10 anos.
Alguns efeitos secundrios ligeiros esto associados vacinao, como
o caso da dor no local da injeo, febre, dores de cabea e dores musculares,
que podem continuar durante mais dois a trs dias.
A vacina est contra-indicada em viajantes alrgicos s protenas do ovo
e nos imunodeprimidos. Os infetados por VIH podem ser vacinados desde
que apresentem mais de 200 linfcitos TCD4+/mm3 e no estejam medicados
com inibidores do correcetor CCR52,4.
540
Vacina
O nico pas que exige esta vacina a Arbia Saudita, a todos os muulmanos que ali se deslocam na sua peregrinao anual a Meca2.
As autoridades de sade da Arbia Saudita consideram o certificado de
vacinao vlido no perodo compreendido entre o 10.o dia e at trs anos
aps a administrao da vacina. Os adultos e crianas com mais de dois
anos devem receber uma dose da vacina qudrupla A/C/Y/W1355.
Para alm desta exigncia, muito especfica, aconselha-se a vacinao
meningoccica em situaes consideradas de maior risco6
Permanncia prolongada (superior a trs meses) nas zonas endmicas
de frica.
Viajantes com esplenectomia (anatmica ou funcional) ou deficincias
do complemento.
Convvio estreito com populaes locais.
541
S. da Cunha
Vacinas opcionais
Para alm das vacinas exigidas, muitas outras podem ser aconselhadas aos
viajantes, sempre de forma individualizada e consoante os pases de destino 7.
As vacinas contra a gripe e contra a doena pneumoccica tm indicaes
prprias, que devem ser, tambm, seguidas pelos viajantes.
Vacina
contra a clera
Vacina
(superior a quatro semanas) em zonas de risco (reas rurais ou perto de arrozais ou de pocilgas), constitui o principal motivo para vacinar. Os militares,
missionrios ou cooperantes de organizaes humanitrias devem, tambm,
ser imunizados. A vacina atualmente em uso nos pases ocidentais (Ixiaro)
inativada e tem revelado boa eficcia e tolerabilidade em indivduos com mais
de 18 anos, quando administrada em duas doses com intervalo de 28 dias9.
Esto em curso ensaios clnicos em crianas, para as quais, no existe, presentemente, qualquer vacina disponvel.
Vacina
Esta doena est limitada aos pases do centro e leste europeu, onde
predomina nas reas florestadas. Todos aqueles que por motivos profissionais
ou de lazer tenham contacto prolongado com este habitat devem ser vacinados. A vacina disponvel em Portugal denomina-se FSME-IMMUN, sendo
necessrio administrar trs doses para completar a imunizao.
Vacina
Esta vacina est indicada nos viajantes que se desloquem para zonas de
endemia, que se estendem por, praticamente, todos os pases tropicais dos
continentes africano, centro-sul americano e asitico. As deslocaes prolongadas (superiores a trs meses) ou, mais curtas, mas com condies precrias
de alojamento e de alimentao so razes fortes para vacinar. Esto disponveis duas vacinas, uma viva atenuada por via oral (estirpe Ty21a) e outra
parenteral inativada (polissacrido Vi de Salmonella typhi)10, nenhuma delas
comercializada em Portugal.
Vacina
contra a hepatite
S. da Cunha
Vacina
contra a hepatite b
Vacina
contra a poliomielite
Vacina
contra a raiva
S. da Cunha
Diarreia do viajante
Adoecer com diarreia durante uma viagem uma fatalidade que muitos j
experimentaram, tal a frequncia com que surge esta patologia. Felizmente,
na maioria dos casos, uma doena benigna e autolimitada. A generalidade
dos episdios so provocados por agentes infeciosos, com particular relevncia para as enterobactrias e, muito em especial, para a Escherichia coli19.
A preveno assenta no cumprimento estrito de medidas de higiene pessoal e alimentar de que destacamos:
Cuidados especiais com a gua para beber e com os cubos de gelo.
Preferncia, sempre, para alimentos devidamente cozinhados e consumidos imediatamente aps a sua confeo.
Recusa a alimentos crus ou que tenham sido confecionados h algum
tempo.
Recusa a produtos lcteos no pasteurizados.
Proscrever a aquisio de alimentos aos vendedores de rua.
Regra geral, no se recomenda o uso regular de medicamentos profilticos para preveno da diarreia do viajante. Contudo, em situaes restritas,
pode justificar-se esta medida20:
Viagens de curta durao (inferior a trs semanas), em indivduos com
doenas crnicas do foro gastrintestinal, hematolgico, endocrinolgico e
imunolgico (incluindo a infeo por VIH).
Polticos, atletas, homens de negcios ou outros viajantes que durante
uma breve deslocao sejam confrontados com o cumprimento de tarefas
relevantes e inadiveis.
Os frmacos que mostraram melhor eficcia preventiva foram os antibiticos, com particular destaque para as quinolonas fluoradas e a rifaximina.
Os medicamentos probiticos suscitam um interesse crescente, mas so, ainda, motivo de grande controvrsia21.
Malria
Anualmente cerca de 10.000-30.000 casos de malria ocorrem em viajantes dos pases industrializados que viajam para zonas de risco. Sendo, inequivocamente, uma doena presente em destinos cada vez mais procurados
pelos viajantes, a sua preveno adquire extrema importncia nas consultas
de medicina do viajante.
Preveno
com medicamentos
A escolha do melhor medicamento depende do estado de sade do viajante, do local de destino (ver mapa da figura 3) e do risco inerente deslocao, podendo recair em qualquer um dos seguintes22:
546
S. da Cunha
Preveno
Os mosquitos transmissores de malria tm hbitos de alimentao noturnos, justificando-se as seguintes medidas preventivas:
Permanncia, sempre que possvel, no interior das habitaes.
Uso de redes mosquiteiras (pode ser melhorada a sua eficcia, quando
impregnadas com inseticidas).
Uso de inseticidas para erradicar os mosquitos da habitao.
Na rua, uso de vesturio que cubra o mximo possvel de pele.
Perfumes e roupas muito coloridas devem ser evitadas, dando preferncia s cores claras.
Na pele descoberta aplicar, uniformemente, repelentes de insetos que
contenham DEET na concentrao de 20-35% (o produto qumico de que
existem mais provas cientficas de boa eficcia)24.
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548
Seco 26
IMUNIZAO
Paula Valente
1. Introduo
A imunizao o processo pelo qual se consegue induzir, artificialmente,
proteo (imunidade) contra uma determinada doena. Esta proteo pode
ser passiva, quando se transfundem anticorpos pr-formados, de origem
humana ou animal, que vo conferir imunidade temporria. Por outro lado,
pode estimular-se o organismo a produzir a sua prpria resposta imune,
atravs da administrao de vacinas, num processo de imunizao ativa, o
qual muito mais duradouro, eventualmente at, permanente.
2. Imunizao passiva
A imunizao passiva o processo de induzir proteo atravs da administrao de imunoglobulinas, geralmente da classe G, obtidas a partir do
sangue de vrios dadores. As imunoglobulinas podem ser no especficas,
tambm chamadas normalizadas (standard), caso em que na sua composio no predominam anticorpos para uma determinada doena, sendo
a sua composio o reflexo dos esquemas vacinais e da incidncia das
vrias doenas na comunidade. Outras imunoglobulinas especficas so
obtidas de sangue de dadores com taxas elevadas de anticorpos para certas doenas quer produzidos pela doena natural, quer em resposta a vacinao prvia.
As imunoglobulinas (ou g-globulinas) normalizadas so utilizadas, principalmente, como profilaxia substitutiva em doentes com hipo ou agamaglobulinemia, no tratamento de algumas doenas sistmicas, como certas septicemias (sobretudo no recm-nascido) e sndrome de choque txica e, ainda,
na preveno de algumas doenas, aps exposio, como a hepatite A e o
sarampo, quando no for possvel a vacinao.
Noutro contexto so usadas, tambm, como moduladoras da resposta imune,
em doenas como prpura trombocitopnica imune, doena de Kawasaki,
lpus eritematoso sistmico, doenas autoimunes e outras. Em Portugal, s
existem g-globulinas normalizada para uso endovenoso.
As imunoglobulinas especficas ou hiperimunes so utilizadas na profilaxia e, em alguns casos, como adjuvantes da teraputica de doenas infeciosas.
As principais imunoglobulinas especficas disponveis so:
549
P. Valente
Imunoglobulina antivrus da hepatite B deve ser usada o mais cedo possvel, aps exposio, simultaneamente com a primeira dose da vacina da
hepatite B. Nos recm-nascidos, filhos de mes portadoras de hepatite B,
deve ser administrada nas primeiras horas de vida, conjuntamente com a
primeira dose de vacina.
Imunoglobulina antivrus da varicela zster profilaxia aps exposio
em imunodeprimidos, sem histria anterior de varicela; grvidas suscetveis;
recm-nascidos cuja me contraiu varicela entre cinco dias antes e 48 h aps
o parto; prematuros hospitalizados, com mais de 28 semanas de gestao,
cuja me no tenha histria prvia de varicela; prematuros hospitalizados, com
menos de 28 semanas de gestao, independentemente da histria anterior
da me. A administrao deve ser feita o mais precocemente possvel, at
96 h aps exposio.
Imunoglobulina antitetnica profilaxia aps feridas potencialmente
tetanognicas (extensas, perfurantes, com esmagamento de tecidos e conspurcadas), em indivduo com estado vacinal desconhecido ou que tenha
menos de trs doses de vacina antitetnica. Deve ser administrada precocemente, parte injetada nos tecidos volta da ferida e o restante por via
intramuscular. Simultaneamente, deve ser prescrita uma dose de vacina. O
restante esquema vacinal deve ser completado segundo o calendrio recomendado.
Para alm destas, esto, tambm disponveis imunoglobulinas antivrus
citomeglico, antivrus da raiva e anticorpo monoclonal antivrus respiratrio
sincicial.
3. Imunizao ativa
A imunizao ativa, cuja pr-histria remonta, pelo menos, ao sculo VII,
quando budistas indianos bebiam veneno de serpente para se tornarem
imunes aos seus efeitos, passa por relatos, no documentados, de variolao
(inoculao com material derivado das crostas de varola) na China no sculo X, at atingir o registo escrito de variolao na China e na ndia no
sculo XVI. No entanto, oficialmente, a sua histria comea em 1798, com
a publicao do trabalho de Edward Jenner, Variolae vaccinae, descrevendo a preveno da varola atravs da inoculao do vrus de uma doena
eruptiva das vacas. Ao material utilizado designou de vaccina, do nome
latino do animal, vacca, e ao processo de inoculao vacinao3,4. Assim,
nasceu a primeira vacina!
Nestes 200 anos que se lhe seguiram, o progresso neste campo foi imenso, sobretudo na segunda metade do sculo XX, no s na investigao
cientfica, como em sade pblica, com vacinaes em massa e estabelecimento de planos de vacinao universais e gratuitos em muitos pases. Este
550
Imunizao
P. Valente
Imunizao
produo de uma nova vacina todos os anos, adaptada s estirpes prevalentes em circulao7-9.
P. Valente
7. Vacinao em Portugal
Em finais do sculo XVIII, aps algumas experincias de variolao, fez-se
a primeira vacinao contra a varola em meio hospitalar, sendo a vacina
gratuita desde 1812. Em 1894 foi criada a regulamentao da vacinao
contra a varola. A partir de meados do sculo XX, foram sendo introduzidas
vacinas, algumas teoricamente obrigatrias, embora sem haver regulamentao ou fiscalizao capazes, excetuando-se a vacina da varola, ativamente
administrada e vigiada, de que resultou que o ltimo caso conhecido de
varola indgena em Portugal remonte ao ano de 1952. Em 1965, foi criado
o primeiro Plano Nacional de Vacinao (PNV), universal e gratuito, subsidiado, em parte, pela Fundao Calouste Gulbenkian e que se iniciou ao mesmo
tempo que a campanha nacional de vacinao contra a poliomielite que deu
resultados espetaculares, reduzindo a incidncia da doena praticamente a
zero, no espao de um ano, contribuindo, em muito, para a aceitao que
os programas de vacinao tm tido no pas. Desde essa altura tm sido
feitas algumas alteraes ao PNV, de acordo com as alteraes epidemiolgicas e o aparecimento de novas vacinas. A ltima atualizao do PNV entrou
em vigor em janeiro de 201211.
Imunizao
0
meses
BCG
BCG
VHB
VHB
DTPa
2
meses
4
meses
VHB II
6
meses
12
meses
18
meses
5
anos
DTPa V
DTPa II
DTPa III
DTPa IV
Hib
Hib I
Hib II
Hib III
Hib IV
VIP
VIP I
VIP II
VIP III
VASPR
VPH
DT
10/10
anos
VHB III
DTPa I
MenC
10-13
anos
VIP IV
VASPR I
VASPR II
MenC
VPH*
DT
DT
BCG bacilo Calmette-Gurin; VHB vrus de hepatite B; DTPa difteria, ttano, tosse convulsa; Hib Haemophilus
influenzae tipo b; VIP vacina inactivada contra a poliomielite; VASPR vacina contra a parotidite e rubola;
MenC Mengitite C; VPH vrus do papiloma humano; DT Vacina contra a difteria e ttano.
*Atualmente recomendada aos 13 anos.
P. Valente
Imunizao
Feridas pequenas e limpas administrar uma dose de vacina, se o estado vacinal for desconhecido, se tem menos de trs doses da vacina ou, ainda,
se a ltima dose foi feita h mais de 10 anos.
Todas as outras feridas administrar uma dose de vacina, se a ltima foi
feita h mais de cinco anos. Se o estado vacinal for desconhecido ou se tiver
menos de trs doses, dever fazer, para alm da vacina, uma dose de imunoglobulina humana antitetnica. Evidentemente que, em qualquer dos
casos, o esquema vacinal deve ser completado posteriormente. Para preveno do ttano neonatal desejvel que a mulher receba, pelo menos,
cinco doses de vacina at engravidar, devendo um dos reforos ser aplicado no incio da idade frtil o que acontece se a mulher tiver cumprido o
PNV. A vacina pode ser administrada durante a gravidez, de acordo com as
seguintes recomendaes:
Estado vacinal desconhecido ou menos de trs doses de vacina duas
doses de vacina devem ser administradas com intervalo de, pelo menos,
quatro semanas, sendo conveniente que a segunda dose seja aplicada at
duas semanas antes do parto.
Trs doses prvias de vacina uma dose de vacina deve ser recomendada.
Quatro ou mais doses prvias de vacina s necessita da administrao
de uma dose de vacina, se a ltima dose foi administrada h mais de 10 anos.
Nos casos em que o esquema vacinal estava incompleto, deve ser mais
tarde completado, de acordo com o calendrio habitual. O estado vacinal
da mulher deve ser verificado, no s nas consultas durante a gravidez,
mas tambm na consulta de reviso do puerprio, de modo a no perder
nenhuma oportunidade de atualizar o calendrio vacinal, quando necessrio 7,9,11,13.
P. Valente
aps a vacinao, choro persistente e/ou grito agudo, por um perodo igual
ou superior a trs horas, nas 48 horas aps a vacinao e, ainda, prostrao
intensa ou colapso (episdio hipotnico-hiporreactivo), nas 48 horas a seguir
vacinao, o mdico assistente decidir qual a opo para continuar o
esquema vacinal, isto , prosseguir com a DTPa ou optar por no continuar
com a vacinao anti-pertussis, passando a usar a DT. A deciso de interromper a vacinao contra a tosse convulsa deve ser muito bem ponderada, dada
a gravidade da doena, sobretudo nos lactentes. No caso de a reao ser
encefalopatia, que surja nos sete dias a seguir vacinao, definida como
alterao grave do sistema nervoso central (SNC), sem outra causa conhecida,
manifestando-se por perturbaes graves da conscincia ou de convulses
generalizadas ou focais persistentes, no recuperando dentro das primeiras
24 horas, est contraindicada mais qualquer dose de vacina anti-pertussis,
mesmo a acelular, devendo o esquema vacinal ser continuado com DT. Esta
reao pouco frequente e, praticamente, nunca deixa sequelas neurolgicas permanentes, sendo conveniente notar que a idade em que a vacina
administrada, entre os dois e os seis meses, , tambm, aquela em que se
manifestam pela primeira vez algumas encefalopatias, outras doenas neurolgicas como as hipsarritmias, pelo que, muitas das alegadas reaes adversas da vacina tm outras causas. Nas crianas com doena neurolgica
evolutiva (epilepsia descompensada, espasmos infantis, encefalopatias evolutivas e outras), a deciso de opo pela vacina acelular ou por vacinar
apenas com DT dever ser discutida com o mdico assistente. A vacina no
recomendada aps os sete anos de idade, dada a sua reatogeneicidade.
No entanto, a imunidade induzida pela vacina no permanente, diminuindo, francamente, ao fim de 12 a 15 anos aps a vacinao, o que explica a
atual epidemiologia da doena. A tosse convulsa contrada pelos adultos
jovens, com cerca de 20 anos, que j perderam a imunidade e que tm manifestaes clnicas atpicas, sem o quadro clnico caracterstico, pelo que a
doena no diagnosticada. Estes jovens adultos vo contagiar os lactentes
jovens, ainda no vacinados. Para interromper este ciclo, semelhana do
que j se faz em alguns pases, est em estudo a utilizao de uma vacina
acelular modificada, em adolescentes e adultos, dada a sua menor reatogeneicidade. A vacina anti-pertussis no confere imunidade aps exposio
doena, caso em que se preconiza a profilaxia antibitica7,9,11,14.
Imunizao
maior imunogenicidade nas crianas mais pequenas e conferindo-lhe memria imunitria. Esta vacina, por outro lado, nas crianas com menos de dois
anos, mais imunognica do que a doena natural. Por esse motivo, as crianas com menos de dois anos que tiverem doena invasiva por Haemophilus
influenzae tipo b devem, na mesma, ser vacinadas, seguindo o esquema
vacinal do PNV. Na vacina disponvel em Portugal, de nome comercial Hibtiter, a protena de transporte uma variante no txica da toxina diftrica, denominada CRM197. A vacina utilizada isolada ou na forma combinada com a DTPa e administrada aos dois, quatro e seis meses, com a
quarta dose aos 18 meses. A vacina no dever ser utilizada para proteo
aps exposio. Nesse caso, se houver indicao, dever ser prescrita profilaxia antibitica, devendo aproveitar-se a oportunidade para iniciar ou
completar o esquema vacinal, nas crianas abaixo dos cinco anos de idade.
Esta vacina extremamente eficaz e segura, tendo-se verificado o quase desaparecimento da doena invasiva por Haemophilus influenzae tipo b em
todos os pases em que foi introduzida no plano de vacinao7,9,11.
P. Valente
tenha sido eficaz. At aos 18 anos, recomenda-se que quem tenha apenas
uma dose da vacina, independentemente da idade em que foi administrada,
faa uma segunda dose, devendo ser respeitado um intervalo de dois meses
entre as duas doses. Os viajantes para zonas endmicas devem fazer as duas
doses, independentemente da idade. Em situaes de epidemia, pode ser
recomendada a sua administrao a partir dos seis meses de idade. Neste
caso, se for administrada antes do ano de idade, dever ser aplicada uma
nova dose aos 12 meses e outra aos cinco anos. Se a primeira dose for
administrada aos 12 meses, bastar proceder ao reforo aos cinco anos.
Apesar de ser uma vacina viva, pode ser administrada a crianas com infeo
por VIH, desde que no estejam em imunossupresso grave, j que o risco,
se contrarem a doena, muito mais grave do que o risco hipottico relacionado com a vacina. Nestas crianas prefervel aplicar a primeira dose aos
12 meses e a segunda dose com um intervalo mnimo de quatro semanas,
de modo a aproveitar a idade em que o sistema imunitrio no est, ainda,
totalmente deteriorado, podendo dar alguma resposta. Se o risco de exposio ao sarampo for muito elevado, a vacinao poder ser efetuada mais cedo,
entre os seis e os nove meses, caso em que se far nova dose aos 12 meses e
outra quatro semanas depois. A vacina confere proteo aps exposio
doena, caso seja administrada at 72 h aps o contacto. Para alm desse
tempo, poder-se- recorrer imunoglobulina normalizada, nos indivduos
com risco acrescido de complicaes graves com o sarampo7,9,11,17.
Imunizao
Esta estirpe tem boa imunogenicidade e poucas reaes adversas. Ao contrrio das outras vacinas, a vacina da rubola no foi criada para evitar que
as crianas tivessem rubola, j que a doena , extremamente, benigna, mas
para evitar o aparecimento de casos de rubola congnita que, como sabido, tem elevada morbilidade e mortalidade. Por esta razo, durante algum tempo, certos pases adotaram a estratgia de vacinar, apenas, as raparigas na pr-adolescncia, j que se pretendia, apenas, proteger as futuras
crianas. Mais tarde veio a verificar-se que esta estratgia vacinal, no interrompendo a cadeia de transmisso na comunidade, no impedia, tambm, o
aparecimento de vrios casos de rubola congnita, tendo-se, ento, optado
pela vacinao universal de todas as crianas, quer fossem rapazes ou raparigas.
A vacina administrada sob a forma combinada, com a vacina do sarampo e
a da parotidite epidmica, aos 12 meses de idade, com reforo aos cinco anos.
As mulheres em idade frtil, que no estejam vacinadas, devem faz-lo, mas
devero assegurar-se de que no esto grvidas e adotar contraceo eficaz,
durante um perodo de trs meses. As consultas de puerprio so excelente
ocasio para verificar o estado vacinal da mulher e, ento, vacin-la, se necessrio. As principais reaes adversas vacina so as artrites e artralgias
que, tal como na doena natural, so mais frequentes nos adultos7,9,11,18.
P. Valente
vacina na criana e no adolescente metade da dose do adulto, recomendando-se a leitura das instrues do produtor, j que as doses preconizadas
variam de marca registada para marca registada. Nos doentes em dilise e
nos imunodeficientes, a dose o dobro da do adulto. Atualmente, no se
recomenda proceder a doses de reforo, uma vez que se demonstrou proteo e resposta anamnstica em vacinados, mesmo sem anticorpos detetveis.
Tambm, no se recomenda a determinao de marcadores da hepatite B,
antes ou aps a vacina. Naturalmente, excetuam-se os indivduos em situao
de alto risco, que podero ter indicao para ser administrada a quarta dose,
se os seus nveis de anticorpos forem inferiores a 10 UI/l. A vacina , altamente, eficaz e, nos casos raros de falncia vacinal, ps-se a hiptese de se
tratar de mutaes no genoma viral (mutantes de escape). Uma vacina inativada, derivada do plasma, est a ser utilizada, quase em exclusivo, em
pases asiticos, sendo, tambm, bastante eficaz7,9,11,19.
Imunizao
do papiloma humano (VPH), e que em Portugal tem uma incidncia de cerca de 19/100.000, e uma mortalidade elevada (morre uma mulher por dia
por cancro do colo do tero no nosso pas!).
Duas vacinas esto disponveis a bivalente, contra a infeo por VPH
16 e 18, responsveis por cerca de 75% de todos os casos de cancro do colo
do tero, e a tetravalente que, para alm do 16 e 18, cobre, tambm, a infeo pelos gentipos 6 e 11, responsveis por mais de 90% dos condilomas
genitais e pela papilomatose respiratria recorrente, situaes no oncolgicas mas de elevada morbilidade. Ambas as vacinas so seguras, muito
imunognicas e altamente eficazes.
Em 2008, a vacina foi introduzida no Plano Nacional de Vacinao (PNV),
administrada aos 13 anos de idade e com uma campanha de repescagem at
aos 17 anos, que terminou em 2011. A vacina utilizada no PNV a tetravalente, por injeo intramuscular, aos 0-2-6 meses. A vacina bivalente administrada, tambm, por via intramuscular, aos 0-1-6 meses.
Os estudos mais recentes vieram a demonstrar a responsabilidade da infeo por estes gentipos de VPH na gnese de outros cancros, no s da
regio anogenital (vulva, vagina, pnis e nus), mas tambm da cabea e
pescoo. Estes factos levaram ao estudo da eficcia da vacina nos rapazes,
tendo os EUA, a Austrlia e o Canad includo recentemente a vacina contra
VPH nos rapazes no seu PNV.
P. Valente
Vacinas antipneumoccicas
Em Portugal, existem dois tipos de vacinas antipneumoccicas, as polissacridas livres e as conjugadas.
A vacina antipneumoccica polissacrida 23-valente (Pneumo 23 e Pnu-imune) contm 23 serotipos diferentes de polissacridos capsulares, correspondendo a cerca de 90% dos serotipos responsveis por doena invasiva
pneumoccica na maioria dos pases. S pode ser utilizada acima dos dois
anos de idade. A sua principal recomendao para os indivduos com mais
de 65 anos e, tambm, para os com mais de dois anos e que tenham maior
risco de doena invasiva pneumoccica grave, como os doentes com drepanocitose, com asplenia anatmica ou funcional, com fstulas de lquor, com
doenas pulmonares crnicas, com cardiopatias descompensadas, com sndrome nefrtica, com diabetes mellitus, com imunossupresso congnita, adquirida ou iatrognica ou, ainda, em doentes internados em hospcios e em lares.
Se o doente tiver menos de 10 anos, quando da vacinao, h indicao para
a administrao de segunda dose, trs anos depois. Se a primeira dose da
vacina for administrada depois dos 10 anos, dever proceder-se a segunda
dose, cinco anos depois. Se a vacina for administrada s depois dos 65 anos,
num indivduo sem outros fatores de risco, no ser necessrio revacinar.
A vacina antipneumoccica conjugada 13-valente (Prevenar 13) contm
13 serotipos diferentes de polissacridos capsulares (2,2 g dos serotipos 1,
3, 4, 5, 6A 7F, 9V, 14, 18C, 19A, 19F, 23F e 4,4 g do serotipo 6B), cada um
deles conjugado por ligao covalente a uma protena de transporte (CRM197,
variante no txica da toxina diftrica). Estes serotipos representam cerca de
90% dos serotipos implicados na doena invasiva pneumoccica, em crianas
abaixo dos cinco anos, 70% das estirpes de sensibilidade intermdia penicilina e 100% das estirpes de resistncia alta penicilina. A vacina segura
e altamente imunognica, interferindo, tambm, com a imunidade das mucosas, reduzindo o nmero de portadores e conferindo imunidade de grupo.
A vacina est licenciada em Portugal, para uso em crianas com menos de
cinco anos de idade, devendo ser administrada aos dois-quatro-seis e 15 meses
de idade. Em alternativa, pode usar-se o esquema de dois-quatro e 12 meses de
idade. Se a vacina for iniciada entre os sete e os 11 meses, devero ser administradas duas doses, com intervalo de dois meses, e uma dose de reforo,
no segundo ano de vida. Se se iniciar a vacina depois dos 12 meses, basta
efectuar duas doses, com intervalo de dois meses. A vacina tem particular
interesse para as crianas que frequentam infantrios, pois tm risco acrescido
564
Imunizao
P. Valente
duas doses com o intervalo mnimo de quatro semanas, e Rotateq, pentavalente, bovina/humana geneticamente rearranjada, contendo os serotipos
G1,G2, G3, G4 e P[8], dada em trs doses com intervalo de quatro semanas.
A 1.a dose de qualquer das vacinas deve ser administrada entre as seis e as
12 semanas, e a ltima dose no deve ser dada depois das 26 semanas. So
ambas eficazes na preveno das formas graves de diarreia por rotavrus.
Outras vacinas
Esto, tambm, disponveis as vacinas contra a febre amarela, febre tifide e encefalite japonesa, nas Consultas do Viajante, a vacina contra a encefalite da carraa e a vacina contra a raiva.
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