Manual Doenças Infecciosas - Francisco Antunes (2012) PDF

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Francisco Antunes

Manual sobre Doenas Infecciosas

2 Edio
2012

Manual sobre
Doenas Infecciosas
2 Edio
2012

Francisco Antunes
(editor)

PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com

Manual sobre
Doenas Infecciosas
2 Edio
2012

Francisco Antunes
(editor)

PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com

Texto revisto segundo o anterior acordo ortogrfico


Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos
Antimicrobianos Carbapenemes
Antimicrobianos Glicopeptdeos
Antimicrobianos Cloranfenicol e tetraciclinas
Antimicrobianos Aminoglicosdeos
Antimicrobianos Sulfonamidas e suas associaes
Antimicrobianos Antivricos
Antimicrobianos Antiparasitrios
Febre e febre prolongada inexplicada Febre
Febre e febre prolongada inexplicada Febre prolongada inexplicada
Spsis
Infeco VIH-sida
Mononucleose infecciosa e sndrome mononuclesica
Endocardite infecciosa
Meningites e outras infeces do SNC Epidemiologia, etiologia, clnica e diagnstico
Infeces gastrintestinais
Infeces oculares
Infeco hospitalar

2012 Permanyer Portugal


Av. Duque dvila, 92, 7. E - 1050-084 Lisboa
Tel.: 21 315 60 81Fax: 21 330 42 96
www.permanyer.com
ISBN: 978-84-9926-457-8
Dep. Legal: B-32.995-2012
Ref.: 980AP121
Impresso em papel totalmente livre de cloro
Impresso: Sociedade Industrial Grfica Telles da Silva, Lda.
Este papel cumpre os requisitos de ANSI/NISO
Z39-48-1992 (R 1997) (Papel Estvel)
Reservados todos os direitos.
Sem prvio consentimento da editora, no poder reproduzir-se, nem armazenar-se num suporte
recupervel ou transmissvel, nenhuma parte desta publicao, seja de forma electrnica, mecnica,
fotocopiada, gravada ou por qualquer outro mtodo. Todos os comentrios e opinies publicados so
da responsabilidade exclusiva dos seus autores.

Autores

Alice Ribeiro

Elsa Nunes

lvaro Ayres Pereira

Emlia Valadas

Servio de Medicina Intensiva


Hospital Pulido Valente CHLN
Lisboa

Clnica Universitria de Doenas Infecciosas


e Parasitrias
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

A. Melio Silvestre

Eullia Galhano

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Servio de Doenas Infecciosas


Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Ana Horta

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Joaquim Urbano
Porto

Ana Rita Silva

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Joaquim Urbano
Porto

Antnio Mota Miranda


Especialista em Infecciologia
Coordenador de Infecciologia
Hospital Privado da Boa Nova
Matosinhos

Carla Rodrigues

Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra

Ctia Carnide

Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra

Eduardo Monteiro

Ex-Assistente do Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra

Servio de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto
Coimbra

F. Carvalho Arajo

Professor Catedrtico Jubilado


Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Ex-Director do Servio de Doenas Infecciosas
Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Francisco Antunes

Clnica Universitria de Doenas Infecciosas


e Parasitrias
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Servio de Doenas Infecciosas
Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Germano do Carmo

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Helena Carmona

Ex-Assistente do Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Henrique Lecour

Professor Catedrtico Jubilado


Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Professor Convidado do
Instituto de Cincias da Sade
Universidade Catlica do Porto

III

Isabel Aldir

Patrcia Pacheco

Joana Quaresma

Paula Valente

Joo Paulo Cruz

Rui Sarmento e Castro

Joaquim Oliveira

Saraiva da Cunha

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Egas Moniz CHLO
Lisboa

Ex-Chefe de Servio de Doenas Infecciosas


Hospitalar de Santa Maria CHLN
Lisboa

Servios Farmacuticos
Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Servio de Doenas Infecciosas


Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra

Jos Lus Boaventura

Ex-Chefe de Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Kamal Mansinho

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Egas Moniz CHLO
Lisboa

Manuela Doroana

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Santa Maria CHLN
Lisboa

Miguel Arajo Abreu

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Joaquim Urbano
Porto

Servio de Infecciologia
Hospital Fernando de Fonseca
Amadora

Pediatra
Membro da Comisso Nacional de Vacinao
Lisboa

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Joaquim Urbano
Porto

Servio de Doenas Infecciosas


Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Soraia Almeida

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital de Joaquim Urbano
Porto

Susana Boavida

Servio de Doenas Infecciosas


Hospital Joaquim Urbano
Porto

Teresa Paixo
Epidemiologista

ndice
Seco Ttulo

Autor

N Pg.

Prefcio

VII

Prefcio 1. Edio (2003)

VIII

Epidemiologia das doenas infecciosas

Teresa Paixo

Mecanismos de defesa do hospedeiro

Emlia Valadas

13

Antimicrobianos
Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos
Joo Paulo Cruz
25
Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos
Francisco Antunes
35
Carbapenemes
Germano do Carmo
51
Glicopeptdeos
Francisco Antunes
59
Macrlidos e quetlidos
A. Mota Miranda
61
Cloranfenicol e tetraciclinas
F. Carvalho Arajo
85
Quinolonas Ana Rita Silva
93
Rui Sarmento e Castro
Aminoglicosdeos A. Melio Silvestre
107
Francisco Antunes
Sulfonamidas e suas associaes
Francisco Antunes
113
Outros antibacterianos Miguel Arajo Abreu
115
Susana Boavida
Rui Sarmento e Castro
Antivricos
Francisco Antunes
135
Antifngicos
Patrcia Pacheco
143
Antiparasitrios
Kamal Mansinho 155

Febre e febre prolongada inexplicada


Febre
Febre prolongada inexplicada

Francisco Antunes
167
Francisco Antunes 171

Spsis

Francisco Antunes

179

185

Hepatites vricas Helena Carmona


Francisco Antunes
Infeco VIH-sida Francisco Antunes
Manuela Doroana
Mononucleose infecciosa e sndrome mononuclesica
Eduardo Monteiro

Infees respiratrias
Pneumonia aguda
Bronquite aguda e crnica

Jos Lus Boaventura


259
lvaro Ayres Pereira 281

10

Infees do aparelho urinrio

Alice Ribeiro

287

11

Endocardite infecciosa

Germano do Carmo

305

12

Meningites e outras infeces do sistema nervoso central


Epidemiologia, etiologia, clnica e diagnstico Francisco Antunes
315
Tratamento
A. Mota Miranda 323

13

Infees da pele e dos tecidos moles

Joaquim Oliveira

345

14

Infees intra-abdominais

Manuela Doroana

361

203
251

15

Infeces gastrintestinais

Isabel Aldir

371

16

Osteomielite e artrite Soraia Almeida


Rui Sarmento e Castro

383

17

Infees ginecolgicas e obsttricas Elsa Nunes


Ctia Carnide
Carla Rodrigues
Eullia Galhano

411

18

Doenas sexualmente transmitidas

Francisco Antunes

433

19

Infeces oculares

Isabel Aldir

445

20

Tuberculose

Emlia Valadas

455

21

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

Patrcia Pacheco

467

22

Doenas por pries

Ana Horta

503

23

Infeco hospitalar

Joana Quaresma

513

24

Bioterrorismo

Henrique Lecour

529

25

Preveno das doenas transmissveis em viajantes

Saraiva da Cunha

539

26

Imunizao

Paula Valente

549

Prefcio

As doenas infecciosas representam, actualmente, cerca de 15% da mortalidade mundial, principalmente devida a infeces respiratrias e diarreia,
seguidas pela infeco VIH/sida, tuberculose e malria. Estas doenas afectam,
predominantemente, as crianas e esto ligadas pobreza em pases da
frica subsariana, da Amrica Latina e do sudeste asitico.
As doenas infecciosas so, na maioria dos casos, da responsabilidade de
um agente nico, os seus mecanismos da transmisso so bem conhecidos e,
por ltimo, esto identificadas as medidas gerais e especficas de controle das
doenas (de proteco individual, de sade pblica ou vacinao). Todavia,
apesar destes progressos, apenas a varola foi eliminada a nvel mundial,
dado que, pela sua natureza, os microrganismos patognicos so, do ponto
de vista evolutivo, dinmicos e a lista de doenas que causam esto em
constante mutao e em crescimento contnuo.
As vacinas, os antibiticos e, mais recentemente, os antivricos tm salvo
milhes de vidas, sendo consideradas das maiores conquistas mdicas e em
sade pblica. Todavia, a histria traz memria que novos desafios
continuaro a emergir e a reemergir, no mbito das doenas infecciosas.
Assim, para a identificao, tratamento e preveno das doenas infecciosas
tem sido levado por diante o esforo, iniciado h mais de 100 anos, nos finais
do sculo XIX, para o reconhecimento e caracterizo (clnica e epidemiolgica) dos agentes patognicos, a determinao da resposta imunitria, o
desenvolvimento de novos testes de diagnstico, de estratgias de tratamento
e de preveno em sade pblica. Nos ltimos anos, nestas reas, novos e
importantes desenvolvimentos tm sido registrados e da a principal razo
desta 2.a edio revista do Manual sobre Doenas Infecciosas.
O editor agradece a todos aqueles que deram o seu contributo para que
esta obra se tornasse realidade.
Francisco Antunes
Outubro, 2012

VII

Prefcio
1. Edio (2003)

As doenas infecciosas so uma das principais causas de morbilidade e de


mortalidade em todo o Mundo. Em meados do sculo passado, as medidas
de sade pblica, com melhoria das condies sanitrias das populaes, as
vacinas e os antimicrobianos causaram um declnio nas doenas infecciosas
tradicionais. Porm, novas ameaas microbianas surgiram nos ltimos 20 anos
do sculo passado (doenas infecciosas emergentes e resistncia aos antibiticos), em consequncia da mobilizao das populaes, das prticas agrcolas
e de criao de animais de abate, da preparao, do transporte e da distribuio dos alimentos, dos comportamentos sexual e aditivo, da utilizao de
antimicrobianos, dos avanos das tcnicas de diagnstico e de tratamento
(utilizao de prteses, de teraputica imunossupressora e transplantes de
rgos), para alm, das alteraes climticas e da desflorestao. Os avanos
recentes no diagnstico das doenas infecciosas, principalmente, as tcnicas
de biologia molecular permitiram a expanso dramtica das fronteiras das
doenas infecciosas, ao ser reconhecido o papel dos agentes infecciosos
nas doenas malignas, cardacas, reumticas e gastrintestinais e outras reconhecidas anteriormente como de cariz idioptico.
As doenas infecciosas atravessam as fronteiras das especialidades mdicas,
pelo que o especialista de doenas infecciosas deve estar preparado para
lidar com o envolvimento de qualquer rgo ou sistema do corpo humano.
A especialidade de doenas infecciosas torna-se, assim, o ltimo domnio
disciplinar da medicina geral e a prtica das doenas infecciosas a arte do
possvel.
O Manual destina-se a todos os mdicos, independentemente da sua
orientao profissional tcnico-cientfica, permitindo o acesso a informao
sobre o diagnstico, o tratamento e a preveno das doenas infecciosas.
O editor agradece a todos os especialistas que aceitaram dar o seu contributo para que esta obra fosse possvel e um especial reconhecimento devido
Ana Sequeira, pelo seu contributo precioso na preparao do Manual sobre
Doenas Infecciosas.
Francisco Antunes

VIII

Seco 1

Epidemiologia das doenas


infecciosas
Teresa Paixo
1. Princpios gerais epidemiolgicos
Mundialmente, as doenas infeciosas ainda representam um risco para a
sade pblica, mesmo perante os mecanismos de preveno e controlo institudos, uma vez que as variaes biolgicas dos microrganismos, associados
a fenmenos de resistncia aos antimicrobianos, a adaptao a novos hospedeiros, s novas formas de transmisso, assim como presena de fatores
ambientais e sociais, resultam na ocorrncia de patologias infeciosas em
novas zonas geogrficas1.
O progresso tecnolgico laboratorial, nomeadamente a utilizao de
tcnicas de biologia molecular, permitiu, nos ltimos anos, aplicar as referidas metodologias ao estudo das doenas infeciosas, contribuindo para uma
melhor caracterizao da epidemiologia destas patologias.
Definese a epidemiologia como o estudo da ocorrncia, da distribuio
de acontecimentos e fatores determinantes de estados de sade em populaes especificadas, bem como a aplicao desse estudo avaliao do risco
e ao controlo dos problemas de sade identificados2. Referese a populaes e
s complexas interaes inerentes a comunidades3. Assim, verificamos que
os grandes problemas de sade humana podem ser considerados um fenmeno ecolgico, dependente das relaes do indivduo ou populaes com
a presena de microrganismos, do meio ambiente local, da regio geogrfica e da poca em que vivem. O equilbrio biolgico das comunidades
instvel e alteraes verificadas em qualquer um dos componentes principais
dessas comunidades podem traduzirse em resultados negativos, associados
ou no a doena.
A probabilidade da ocorrncia de um determinado acontecimento ou doena numa populao especfica, num determinado perodo de tempo, designase
por taxa e constitui uma medida do risco da ocorrncia desse fenmeno.
O desenvolvimento das doenas infeciosas depende de uma cadeia de
elementos em que o estudo dos fatores anteriormente referidos, designadamente os aspetos demogrficos, o meio ambiente, os microrganismos e os
reservatrios so fundamentais. O estudo global destes fatores indispensvel
para compreender a epidemiologia das doenas infeciosas3.
O homem e o seu habitat apresentam um conjunto de condies que
favorecem a existncia de nichos ecolgicos favorveis ao desenvolvimento
1

T. Paixo

de microrganismos. Muitos destes microrganismos apresentam uma relao


comensal com o hospedeiro (indivduo que sofre a ao do microrganismo
e reage de forma especfica, geralmente benigna), competindo, muitas vezes,
com outros microrganismos, potencialmente causadores de doena (patognicos). Alguns microrganismos podem apresentar uma relao simbitica,
agindo em benefcio mtuo (do prprio e do hospedeiro). Infeo, de que
necessrio distinguir a contaminao passiva, implica a colonizao ativa
das clulas, tecidos ou rgos do hospedeiro, com benefcio para o microrganismo invasor.
Infeo no sinnimo de doena. Consoante o microrganismo infetante
provoca ou no reaes anormais, alteraes profundas no hospedeiro ou
respostas imunitrias intensas. A infeo designase por sintomtica (casos
francos de doena) ou assintomtica (inaparente ou subclnica). As infees
sintomticas constituem as doenas infeciosas. Os indivduos designados
como portadores so reservatrios de infeo, podendo disseminar microrganismos, sem que apresentem sintomas ou sinais de doena4.
Os microrganismos infetantes, que provocam doena, designamse por
patognicos, enquanto alguns so patognicos oportunistas, uma vez que
exploram alteraes fsicas, qumicas ou imunitrias verificadas no equilbrio
biolgico do hospedeiro.
As doenas infeciosas podem apresentarse nas populaes segundo
padres epidemiolgicos especficos, de acordo com as seguintes formas de
ocorrncia:
Espordica, quando os casos so poucos e dispersos.
Epidmica, quando h aumento considervel do nmero de casos associados no tempo e no local, em relao previso normal.
Endmica, quando a doena indgena e persiste continuamente, com
ou sem fases epidmicas.
Pandmica, quando h extenso generalizada da forma epidmica
nacional a propores continentais.
As doenas podem surgir por surtos, ou seja com aparecimento brusco de
nmero limitado de casos; podem ser importadas ou exticas quando provm
do exterior, no se tendo, anteriormente, registado casos na regio. A ocorrncia de casos pode ser associada a pocas especficas do ano (sazonalidade)
e a sua distribuio na populao e nas regies geogrficas (regionalizao)
apresentase, por vezes, muito irregular (assimetrias geogrficas).
A maioria das infees so agudas e transitrias, limitadas pelos mecanismos imunitrios do hospedeiro, que podem ser (ou no) complementados
por teraputica antimicrobiana especfica. Contudo, algumas infees so
persistentes, constituindo infees crnicas, controladas pelos mecanismos
imunitrios do hospedeiro, que, no entanto, so insuficientes para as eliminarem. Assim, poder existir uma eliminao contnua ou intermitente de
microrganismos por hospedeiros assintomticos (portadores), que podem
2

Epidemiologia das doenas infeciosas

nunca ter apresentado um episdio de doena aguda. Algumas infees


apresentam caractersticas de latncia, em que o microrganismo permanece
no hospedeiro durante longos perodos sob uma forma no infeciosa, podendo, periodicamente, sofrer reativaes e o indivduo ser infetante para
outros4.
Segundo a nova taxonomia microbiana, foram descritos outros agentes
no convencionais (pries), constitudos por protenas transmissveis e infetantes. Estas podem causar doena, geralmente aps um longo perodo de
incubao [perodo de tempo que decorre entre a exposio (com infeo)
e o aparecimento de efeitos especficos da mesma].
Os padres epidemiolgicos das doenas infeciosas so funo das caractersticas patognicas e biomoleculares especficas dos microrganismos
infecciosidade, traduzida pela capacidade do microrganismo dominar os
mecanismos de defesa do hospedeiro e invasividade (a progresso e multiplicao nos tecidos do hospedeiro).
Dos fatores associados ao hospedeiro, que tm maior influncia no padro epidemiolgico das doenas infeciosas, destacamse a idade, o gnero
e o grau de exposio aos agentes microbianos. As caractersticas demogrficas das populaes contribuem, decisivamente, para a maior ou menor
expanso epidmica das doenas infeciosas. Os resultados provveis, aps a
exposio a um agente infecioso (presena ou ausncia de imunidade, portador ou morte), so os fatores determinantes nos padres epidemiolgicos
e contribuem para a imunidade de grupo, que se traduz pela resistncia que
certos grupos populacionais podem apresentar instalao e disseminao
de um agente infecioso, baseada na resistncia infeo de uma elevada
proporo de membros desse grupo2.
A taxa de reproduo dos casos (R0) definese como o nmero mdio de
indivduos que so diretamente infetados por um caso infecioso, durante
todo o seu perodo de infecciosidade, quando este passa a integrar uma populao de indivduos, totalmente suscetveis ao agente infecioso em causa3.
Para que se origine uma epidemia necessrio que R0 > 1; se R0 = 1 a doena tornase endmica e se R0 < 1 a doena, eventualmente, desaparecer. O
nmero de casos secundrios originados por um caso ndice funo de
diversos fatores, como a transmissibilidade da doena, o contexto sociodemogrfico local, a proporo da populao suscetvel e a ativao das
medidas de controlo3,5.
Os microrganismos no conhecem fronteiras, como se afirma, mas verificamse, ainda, grandes diferenas consoante a rea ou regio geogrfica
considerada, em que a incidncia de algumas doenas infeciosas apresenta
variaes associadas (ou no) a um maior ou menor desenvolvimento socioeconmico local. Definese incidncia como a medida de ocorrncia de novos
acontecimentos numa populao especfica, durante um intervalo de tempo
determinado e prevalncia como o nmero de casos de um acontecimento
3

T. Paixo

presentes numa populao, num momento cronolgico preciso. Os dois grandes indicadores sobre doenas infeciosas so constitudos pelos dados de
morbilidade e pela mortalidade (por causas especficas).
Existem mecanismos que nos permitem acompanhar as modificaes dos
padres epidemiolgicos das doenas infeciosas. A vigilncia epidemiolgica
definese como a observao contnua de todos os aspetos da ocorrncia e
disseminao de uma doena pertinentes para o seu controlo, com base na
obteno e na anlise sistemtica de informao clnica, demogrfica e laboratorial e do envio destas informaes s entidades responsveis pelo seu
controlo2. Os sistemas de vigilncia epidemiolgica so delineados segundo
as caractersticas das doenas ou fenmenos sob observao, e caracterizamse pela sua exequibilidade, uniformidade, sensibilidade e rapidez, permitindo aplicar as aes de conteno adequadas. Mais do que a exaustividade da recolha de informao, a possibilidade de rpida interveno e
controlo que definem estes sistemas6,7.

2. Epidemiologia das doenas infeciosas em Portugal


A incidncia e prevalncia das doenas infeciosas diagnosticadas, presentemente, em Portugal, esto associadas aos mecanismos de preveno das
mesmas, a fatores comportamentais, que favorecem a sua disseminao,
existncia de reservatrios e vetores, possibilidade da sua introduo (ou
reintroduo) no pas e consequente disperso ou no, natureza do agente etiolgico, sua forma de transmisso e resposta dos servios de sade
nestas situaes8.
No pas, as doenas infeciosas humanas apresentam padres epidemiolgicos muito diversificados, mas semelhantes aos padres observados na
Unio Europeia, verificandose que algumas so endmicas (por exemplo,
tuberculose e brucelose), outras apresentamse sob a forma espordica (por
exemplo, febre escaronodular, ttano, varicela e parasitoses intestinais), enquanto se registam, periodicamente, epidemias de extenso varivel, como
no caso da gripe, da parotidite, das doenas exantemticas ou da meningite de origem bacteriana ou vrica. Algumas doenas, nomeadamente as
abrangidas pelo Plano Nacional de Vacinao (PNV), esto em franco
declnio, traduzido por uma diminuio da sua incidncia. Acidentalmente,
os insucessos da administrao de vacinas (por alguns dos seus constituintes
no serem imunognicos) podem levar ao reaparecimento de algumas doenas, anteriormente controladas, como foi, em Portugal em 1999, o caso da
parotidite epidmica9,10.
Outras doenas infeciosas, para as quais no existe ou no se administra
profilaxia especfica, registam um aumento de incidncia, como o caso de
doenas de transmisso sexual de origem vrica, tais como as infees por
4

Epidemiologia das doenas infeciosas

vrus herpes simplex, vrus do papiloma humano e a sndrome da imunodeficincia adquirida (sida)11. Para o grande grupo das doenas de transmisso
sexual, os fatores comportamentais so determinantes nas variaes da prevalncia e da incidncia.

Morbilidade
A informao sobre morbilidade reflete infeo, clinicamente, aparente,
no fornecendo indicaes sobre a morbilidade associada infeo subclnica
ou no diagnosticada.
No pas, existem diversos mecanismos destinados vigilncia epidemiolgica e ao controlo das doenas infeciosas, tendo por base o Sistema de
Declarao Obrigatria de Doenas Transmissveis (DDO), criado em 1949, e
atualizado de acordo com a evoluo do conhecimento cientfico, o qual
constitui um sistema para a vigilncia epidemiolgica de um conjunto de
doenas infeciosas, constantes de uma lista considerada de declarao obrigatria, formando um sistema de monitorizao contnua9. Em determinadas circunstncias, em que a gravidade do caso de doena infeciosa justifica
o seu acompanhamento nos servios mdicos (ambulatrio ou de urgncia)
ou o seu internamento hospitalar, possvel obter, retrospectivamente, informao sobre o diagnstico de alta, com base na informao fornecida
pelos Grupos de Diagnstico Homogneos, criados com fins de gesto hospitalar, mas com utilidade em sade pblica12,13.
As estatsticas referentes s doenas de declarao obrigatria [Classificao
Internacional das Doenas (CID)], 10.a reviso, so compiladas pela Direo
Geral da Sade, num total de 46 doenas de natureza bacteriana, parasitria,
vrica e, ainda, por riqutsias e por agentes no convencionais (pries). No
esto abrangidas, de momento, a gripe, a sida e alguns tipos de febres hemorrgicas. A anlise das tendncias temporais das doenas infeciosas reflete os padres epidemiolgicos mencionados quer de morbilidade, quer de
mortalidade.
No pas, as doenas infeciosas so monitorizadas com vrios objetivos
e de acordo com programas especficos, disponibilizando nos servios
pblicos informaes sobre os mesmos9-17,43. Deste modo, podem ser consideradas:
Doenas evitveis pela vacinao (PNV). As taxas de cobertura vacinal
para as diferentes regies do Pas; o nmero de casos notificados e a taxa
de incidncia anual, estudos microbiolgicos e serolgicos programados;
casustica de internamento hospitalar para situaes de evoluo grave.
Outras doenas infeciosas espordicas, epidmicas ou endmicas. O
nmero de casos notificados e a taxa de incidncia anual; sistemas sentinela
(gripe, poliomielite e paralisias flcidas agudas, tuberculose e meningite);
5

T. Paixo

sistemas de notificao clnica obrigatria (DDO; sida); sistema de notificao


de base laboratorial [estirpes resistentes aos antimicrobianos (Mycobacterium tuberculosis, Neisseria spp, Streptococcus spp, VIH)], agentes etiolgicos
de doenas includas no PNV; registo de anomalias congnitas de possvel
etiologia infeciosa; episdios de natureza infeciosa comunicados s autoridades de sade [sistema de alerta e resposta adequada (SARA)].

Mortalidade
Nas 10 primeiras causas de morte em Portugal no figuram, especificamente, as doenas infeciosas, exceto em consequncia indireta da infeo
por VIH (diversas patologias, incluindo outras infees oportunistas, por
exemplo, tuberculose), vrus das hepatites B e C e vrus influenza (pneumonias). A Direo Geral da Sade publica estatsticas de mortalidade (o risco
de morrer), assim como o Instituto Nacional de Estatstica (INE). Estes dados
permitem uma anlise das causas de morte, segundo os principais componentes demogrficos e etiolgicos, segundo listas bsicas de classificao,
com base na CID 1018-20.

3. Doenas infeciosas emergentes


Considerase um problema de sade emergente como um conjunto de
fatores que influenciam, de imediato, a sade das populaes, ou assumem
importncia crescente ou apresentam tendncia para tal. A importncia
crescente pode atribuirse ao conhecimento de novos fatores, indiciando
potenciais efeitos adversos na sade humana, a novos desenvolvimentos cientficos, a modificaes do comportamento humano e/ou novas situaes ou
preocupaes da sociedade. Pelas razes apontadas, doenas infeciosas podem reemergir em novos contextos.
Existem vrios fatores que podem influenciar, direta ou indiretamente, a
sade humana. Numa listagem, muito incompleta, mencionamos algumas
situaes que contribuem para a emergncia de novos problemas21:
Aumento da densidade urbana, movimentos migratrios e viagens,
modificaes do comportamento humano, conflitos sociais, entre outros,
constituem fatores que podem contribuir para a transferncia de microrganismos patognicos, produtos qumicos, fsicos e biolgicos, de elevado risco.
Drenagem de zonas pantanosas para cultivo e habitao e a crescente
urbanizao de zonas rurais; desenvolvimento tecnolgico das sociedades
com a produo excessiva de resduos.
Introduo de novas metodologias, em reas to diversas como as cincias biolgicas, mdicas ou na indstria.
6

Epidemiologia das doenas infeciosas

Capacidade de adaptao de determinados agentes microbiolgicos nocivos para a sade das populaes, assim como o benefcio para aqueles das
modificaes ecolgicas introduzidas por alguns dos fatores anteriores.
Rpida globalizao, tendo como consequncia imediata as fronteiras
perderem a sua eficcia na conteno da circulao e disseminao de materiais perigosos.
Incapacidade dos servios de sade de identificarem as situaes de
risco e de responderem em conformidade.
Considerase que para muitos dos problemas de sade emergentes o seu
conhecimento poderia ter sido antecipado. Assim no aconteceu e, como
consequncia, a sociedade no se encontrava convenientemente preparada
para atuar, desenvolvendo os mecanismos necessrios para diminuir o impacte negativo destes fatores. No entanto, a identificao, pela comunidade, de
fatores que podero ter influncia negativa sobre a sade das populaes,
cria expectativas e ansiedades (justificadas ou no) sobre a eficcia dos sistemas de vigilncia para a deteo de riscos pblicos22,23.
Na dcada de 70 do sculo passado, identificaramse novas doenas infeciosas (a doena do legionrio, doena de Lyme, febre hemorrgica por vrus
bola, sndrome do choque sptico, associada a Staphylococcus aureus,
culminando em 1981 com a descrio dos primeiros casos da sida)24,25. Entretanto, foram identificadas, nos EUA, parasitoses de origem zoontica, constituindo novos fatores de morbilidade em indivduos imunodeprimidos26.
Em 1992, o relatrio do Institute of Medicine intitulado Emerging infections: microbial threats to health in the United States alerta, pela primeira
vez, para as infees emergentes, que define como infees novas, reemergentes, ou infees resistentes aos antimicrobianos, infees cuja incidncia
cresceu nas ltimas duas dcadas ou que, num futuro prximo, se prev que
possam aumentar27. Em conformidade, enunciaramse 15 recomendaes,
muitas das quais se inseriam no mbito das atividades do Centers for Diseases
Control and Prevention (CDC), que responderam s necessidades identificadas,
elaborando um primeiro relatrio em 1994, atualizado em 1998, descrevendo
a poltica nacional e a cooperao internacional desejvel para os objetivos
mencionados28,29.
Em 1996, a Organizao Mundial da Sade (OMS), no seu The World
Health Report intitulado Fighting Diseases Fostering Development considera,
simplificando o problema, que a morbilidade registada a nvel mundial se
pode agrupar em velhas doenas/velhos problemas, velhas doenas/novos
problemas e novas doenas/novos problemas. Assim, identificou 29 novas
doenas infeciosas, sete doenas infeciosas emergentes e, no mbito de novas doenas/novos problemas, incluiu os acidentes, as doenas iatrognicas
e a toxicodependncia30.
No mesmo ano, a 49.a Assembleia Mundial da OMS estabeleceu como
metas para o perodo 19962000:
7

T. Paixo

Intensificar a vigilncia epidemiolgica das doenas infeciosas e desenvolver a investigao aplicada ao seu controlo.
Melhorar e desenvolver as infra-estruturas necessrias ao reconhecimento, notificao e resposta para as doenas infeciosas em ressurgimento
e reforar a capacidade internacional da preveno e controlo destas patologias.
Em 1998, os programas mencionados deram origem a um documento da
maior importncia, intitulado Preventing Emerging Infectious Diseases: A
Strategy for the 21st Century, elaborado pelo CDC e organizado segundo as
reas da vigilncia epidemiolgica e resposta adequada s situaes identificadas, desenvolvimento da investigao aplicada e criao de infra-estruturas, ensino de novas metodologias laboratoriais em locais e pases
carenciados, assim como aplicao de medidas de preveno e de controlo28.
Naquele documento, como exemplos das reas de interveno prioritrias,
destacavamse:
A preveno da ocorrncia de doenas infeciosas emergentes.
O estudo do fenmeno da resistncia aos antimicrobianos.
O estudo das doenas transmitidas por guas, alimentos e vetores e,
ainda, doenas zoonticas.
A preveno das doenas infeciosas transmitidas pelo sangue e pelos
seus derivados.
O estudo de doenas crnicas causadas por agentes infeciosos.
O desenvolvimento e a aplicao de vacinas.
O estudo de doenas (infeciosas) em indivduos imunodeprimidos e,
ainda, doenas associadas maternidade.
Doenas associadas a deslocaes de populaes viajantes, emigrantes
e refugiados.
Como resultados desta estratgia, o CDC espera melhorar o conhecimento sobre a epidemiologia das doenas emergentes a nvel mundial e, em
particular, nos EUA31. Em 2005, a Unio Europeia, de acordo com os compromissos assumidos com vrios pases, designadamente EUA, e com a OMS,
criou uma estrutura multinacional, destinada a colher, divulgar e gerir informao disponvel sobre a ocorrncia de casos de doenas infeciosas e outros
incidentes com importncia em sade pblica, permitindo uma rpida e
adequada interveno. Iniciase desta forma a atividade do European Centre
for Disease Prevention and Control em conjugao com diversos organismos
dos Ministrios da Sade dos estados-membros. Desde modo, tem incio um
novo perodo na sade pblica, com nfase na deteo precoce de acontecimentos com importncia na sade das comunidades, indo mais alm da
monitorizao de surtos e epidemias associados a patologias infeciosas, nomeadamente, o estudo de contaminantes biolgicos e risco para a sade
pblica, e uma nova rea, a biopreparao. Assim, no s se reforaram como
se estabeleceram novas bases para a colaborao entre pases.
8

Epidemiologia das doenas infeciosas

O ressurgimento de doenas infeciosas


Atualmente, verificase um interesse em prever os padres epidemiolgicos de vrias doenas infeciosas, durante os prximos anos ou dcadas, assim
como em explicar o aumento da incidncia de outras. Estas atividades, centradas na observao de doenas infeciosas, tm sido agrupadas sob o ttulo
de doenas emergentes e reemergentes. Estas definies sobrepemse um
pouco. Doenas emergentes so aquelas que so descritas, pela primeira vez,
como novas entidades nosolgicas ou doenas cujo reconhecimento se deve
a alteraes quantitativas (em que se verifica um aumento da sua incidncia)
e qualitativas das suas manifestaes clnicas, especialmente em hospedeiros
imunodeprimidos; doenas que j so conhecidas, mas que aparecem, pela
primeira vez, em novas zonas geogrficas; doenas identificadas em animais,
mas no na populao humana, e doenas zoonticas21.
Infees reemergentes ou em ressurgimento, e consequentemente as
doenas reemergentes, so infees j bem descritas e caracterizadas, que
podem ocorrer em novas zonas geogrficas ou reaparecer na mesma rea
geogrfica, aps um perodo de relativa ou completa ausncia, de acordo
com o nmero de casos detetados.
O estudo destas doenas infeciosas em populaes (por oposio ao seu
estudo em casos individuais) pode ser tratado sob dois aspetos:
Os fatores de risco que aumentam a suscetibilidade dos indivduos, os
(novos) mecanismos ou formas de transmisso do agente, as manifestaes
clnicas da doena, os fatores de resistncia individuais ou das populaes e
os sistemas de controlo das infees (endmicas ou no).
Os aspetos sociais, aspetos mais vastos e de caracterizao mais difcil,
que podem promover ou retardar o aparecimento, a disperso, a progresso
e o controlo destas doenas infeciosas3242.
Focar os aspetos sociais, ou determinados condicionantes ambientais, no
constitui uma condio nova, verificando-se que situaes do passado se repetem no presente. A pobreza e a urbanizao so bem conhecidas, como
fatores responsveis pela disseminao da tuberculose no sculo XIX. Em 2001,
a tuberculose constitui uma das patologias com maior incidncia em Portugal,
liderando este o conjunto dos pases da Unio Europeia com incidncias elevadas44. A deslocao de indivduos infetados ou doentes para outras reas e
as migraes esto associadas disseminao da sfilis, facto j documentado
no sculo XIV. Neste momento, em Portugal, assistimos vinda de numerosos
trabalhadores temporrios, de zonas de elevada endemicidade para as doenas de transmisso sexual, em situao legal precria, sem acesso imediato
aos cuidados de sade, o que poder contribuir para a existncia de pequenos grupos populacionais funcionando como foco destas patologias.
Alm dos aspetos mencionados, prever a natureza das doenas infeciosas deste sculo ir requerer especial ateno para a componente social
9

T. Paixo

(especialmente comportamental), pois estes sero os fatores decisivos, determinando quais os microrganismos que iro aparecer (doenas emergentes)
ou reemergir (doenas em ressurgimento), obviamente influenciados pela
nossa capacidade de preveno de certas patologias mediante, por exemplo,
a vacinao. Os conflitos sociais podem alterar o precrio equilbrio biolgicomicrobiolgico quer inadvertidamente, quer deliberadamente, sob a forma
de aes envolvendo a utilizao de agentes patognicos.

Fatores determinantes do padro epidemiolgico


das doenas infeciosas do sculo XXI
Descrevemse alguns dos fatores mais importantes para estimar a frequncia
e gravidade das infees emergentes ou em ressurgimento21,4549:
O crescimento demogrfico e o envelhecimento da populao.
A urbanizao, a pobreza e a malnutrio.
Viagens para zonas anteriormente pouco frequentadas.
Qualidade da gua potvel e quantidade disponvel per capita.
Modificaes climticas e alteraes ecolgicas major.
Conflitos blicos e presena de refugiados e, ainda, deslocao de populaes.
Migraes por razes econmicas.
Utilizao excessiva de produtos qumicos no controlo de agentes biolgicos.
Produo de organismos geneticamente modificados.
Estrutura de sade pblica e falncia das polticas de sade locais.
crescimento demogrfico

O crescimento demogrfico um dos fatores principais e, em determinadas


situaes, pode, mesmo, ser considerado como o fator principal. Atualmente,
verificase que a populao mundial duplica cada 43 anos (United Nations Development Programme). No final do prximo sculo, a populao mundial atingir
10 bilies ou, num cenrio mais pessimista, 14 bilies. Os pases em desenvolvimento abrigaro 95% do aumento da populao mundial. Projees demogrficas estimam que a estabilidade ser atingida no ano 2200, com um total
mundial entre 1120 bilies de pessoas. Os valores apresentados vo depender
das taxas de fertilidade (em vrios pases), durante a prxima dcada. A
maioria da populao concentrarse em zonas urbanas (50% no ano 2030)48.
modificaes climticas mundiais

O aquecimento global e o crescimento populacional esto, intimamente,


relacionados, pois considerase o primeiro como um dos resultados do segundo. As modificaes climticas mundiais tm influncias diversas, no que
10

Epidemiologia das doenas infeciosas

se refere a doenas emergentes e reemergentes, diretamente relacionadas


com fatores ambientais promotores da modificao na distribuio e do
desenvolvimento de vetores, permitindo a introduo de microrganismos em
novas regies. Alm disso, os perodos de seca e de inundaes cclicas, que
devero acompanhar o aquecimento global, tero influncia na disponibilidade de recursos alimentares locais, dando de imediato origem a deslocaes
populacionais em caso de escassez49.
Por ltimo, considerase que os aspetos mais importantes, associados
ocorrncia de doenas infeciosas, podem agruparse, de uma forma simplificada, segundo as caractersticas dos organismos (potencialmente) patognicos, as caractersticas e mecanismos de defesa do hospedeiro (imunidade
celular e humoral), os padres epidemiolgicos das doenas infeciosas e os
sistemas de vigilncia, que os permitem monitorizar e as intervenes dos
servios de sade.
Apesar do sucesso das intervenes da sade pblica, nos pases economicamente mais desenvolvidos, a Unio Europeia considera prioritrio a
expanso dos mecanismos de vigilncia epidemiolgica para as doenas infeciosas, com base na investigao de sndromes, assim como a implementao de sistemas complementares de anlise climtica e previso meteorolgica, de forma a permitir melhorar os aspetos associados preveno e
controlo destas patologias5052.

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12

Seco 2

MECANISMOS DE DEFESA
DO HOSPEDEIRO
Emlia Valadas

1. Introduo
Nos ltimos anos, a Medicina conseguiu eliminar ou diminuir a prevalncia
de muitas doenas infeciosas consideradas como clssicas, ao mesmo tempo
que, tambm, contribuiu para o aparecimento de um grande nmero de
infees, resultado da interferncia com os mecanismos de defesa do hospedeiro. Estas so consequncia de procedimentos mdicos ou cirrgicos, tais
como a quimioterapia e a imunossupresso iatrognica.
Os indivduos saudveis podem proteger-se da infeo por microrganismos, recorrendo a mltiplos e diferentes mecanismos. Estes incluem barreiras
fsicas e anatmicas, fisiolgicas, a resposta inflamatria e, ainda, uma variedade de clulas, desde as clulas fagocticas e os eosinfilos, at s clulas
natural killer (NK). Todos estes mecanismos de defesa do hospedeiro esto
presentes, antes da exposio a microrganismos, no aumentam de intensidade pela exposio repetida e no discriminam perante a maioria das
substncias externas. Estes so os componentes da imunidade inata, inespecfica ou natural, que representa o sistema de defesa que controla a infeo
pelo microrganismo invasor na fase inicial e, apenas, durante algum tempo,
perodo necessrio para o desenvolvimento da imunidade especfica.
A imunidade adquirida ou especfica constituda por linfcitos B e T,
clulas que expressam recetores que reconhecem os microrganismos infetantes. Ao contrrio da imunidade inata, a adquirida especfica para diferentes
antignios e a sua magnitude aumenta com exposies repetidas a um determinado antignio. Este fenmeno constitui a memria imunitria e a base
da proteo induzida pela vacinao, em relao a algumas doenas infeciosas.
A combinao destes dois tipos de resposta imunitria permite a defesa contra
uma srie de agentes infeciosos, que vo desde os vrus aos nemtodos.
H um grupo de microrganismos, incluindo vrus, algumas bactrias, protozorios e fungos, que evoluram de forma a conseguir escapar maioria
dos mecanismos da defesa inata, protegendo-se no interior do citoplasma
da clula, onde nem o sistema complemento nem os granulcitos podem
atuar, no sentido de os destruir. Para o controlo destes microrganismos intracelulares, a imunidade adquirida eficaz fundamental. Exemplo da importncia deste mecanismo a maior prevalncia de infees por microrganismos
13

E. Valadas

intracelulares, quando h depresso da imunidade celular associada, como


o caso da infeo por VIH ou o uso de quimioterapia, entre outras causas.

2. Determinantes da imunidade inata


As diferenas entre espcies, no que diz respeito suscetibilidade infeo
por determinados microrganismos, so bem conhecidas. As situaes em que essa
diferena se verifica so mltiplas, como, por exemplo, a resistncia do rato e a
suscetibilidade do homem em relao difteria, ou a diferente suscetibilidade
tuberculose em indivduos originrios do continente indiano ou em europeus.
O papel da hereditariedade , tambm, considerado como importante na
determinao da resistncia ou da suscetibilidade infeo e bem ilustrado
em estudos com gmeos homozigticos. Por exemplo, se um gmeo homozigtico tiver tuberculose, a probabilidade do outro gmeo tambm vir a ter
a doena muito maior, quando comparada com a mesma situao num par
de gmeos heterozigticos1. Outras doenas infeciosas, nas quais foi demonstrado o papel da hereditariedade em estudo com gmeos so, por exemplo,
a poliomielite e a malria2,3.
A idade pode, de igual modo, influenciar a gravidade da doena. Assim,
enquanto um certo grau de imaturidade do sistema imunitrio parece explicar
a maior gravidade das infees na infncia, outras infees so mais graves em
adultos do que em crianas (por exemplo, a varicela). Por outro lado, claro
haver uma correlao entre a idade e o aumento da incidncia de algumas
doenas infeciosas. Como exemplo, h maior incidncia de reativao de herpes
zster ou de tuberculose nos indivduos mais idosos, o que mostra o maior impacto do fator idade na imunidade celular, em oposio imunidade humoral4.
Embora os estudos em animais mostrem a importncia da nutrio na
resistncia infeo, no homem, o exato papel da nutrio no to claro.
Uma dieta pobre est, muitas vezes, associada a outros fatores, tais como
deficientes condies sanitrias. No entanto, reconhecido o papel da malnutrio no agravamento do prognstico de algumas doenas. Nestes casos,
a imunidade celular desproporcionadamente afetada e o suporte nutricional mostrou poder melhorar o prognstico destas situaes5.
O stress outro dos fatores que pode influenciar a imunidade, havendo
relao entre o stress e o aumento da suscetibilidade infeo6.

3. Mecanismos da imunidade inata


Barreiras anatmicas e fisiolgicas
As barreiras fsicas e anatmicas impedem a entrada de microrganismos,
sendo a primeira linha de defesa contra a infeo. A pele, quando intacta,
14

Mecanismos de defesa do hospedeiro

impede a penetrao da maioria dos microrganismos. Quando h solues


de continuidade da pele, como no caso de queimaduras ou de traumatismos
graves, a infeo pode tornar-se um dos problemas mais importantes.
A pele no permite a sobrevivncia da maioria das bactrias, por longos
perodos, devido aos efeitos inibitrios de, entre outras substncias, cido
lctico e cidos gordos no suor e nas secrees das glndulas sebceas, bem
como ao baixo pH que originam. As plantas dos ps so zonas deficientes
em glndulas sebceas, o que explica, parcialmente, porque que estas reas
so to suscetveis a infees fngicas.
A conjuntiva e as mucosas do tubo digestivo, aparelho respiratrio e
urogenital representam outras barreiras anatmicas importantes. As lgrimas, a saliva e as secrees mucosas no s contm substncias antibacterianas ou antivricas, mas, tambm, podem remover os microrganismos. O muco,
que cobre o trato respiratrio, serve para remover as partculas inaladas. No
aparelho respiratrio e no tubo digestivo, a membrana mucosa coberta
por clios, os quais, ao moverem-se, sincronicamente, removem os microrganismos para a orofaringe, permitindo a sua deglutio. A tosse um outro
mecanismo extremamente eficiente. As secrees mucosas contm imunoglobulinas, principalmente IgG e IgA, as quais aglutinam os microrganismos
ou bloqueiam a ligao destes aos recetores da clula hospedeira7.
Como barreiras fisiolgicas h a considerar a tenso de oxignio, a temperatura, o pH e vrios fatores solveis. Algumas espcies no so suscetveis
a certas doenas, pelo simples facto de que a sua temperatura corporal inibe
o crescimento de um determinado microrganismo.
A acidez gstrica um bom exemplo de barreira fisiolgica infeo, j
que so raros os microrganismos que sobrevivem ao baixo pH gstrico. Alm
da acidez gstrica, no tubo digestivo h, ainda, a referir o efeito antibacteriano das enzimas pancreticas, da bils e das secrees intestinais, bem como
o efeito da peristlise na defesa contra as infees. Um aumento da suscetibilidade a infees por Salmonella, em indivduos com uma menor acidez
gstrica (por exemplo, uso de anticidos), um exemplo bem conhecido.
A ao de lavagem das lgrimas e da urina muito eficaz na preveno
da invaso por microrganismos. A interferncia com os fluxos urinrio ou
biliar, no caso de litase, leva, com frequncia, a infeo. A urina , em regra
estril, o que se deve, entre outras razes, ao seu pH e ao facto de ser hipertnica. A ureia e outros produtos so, da mesma maneira, importantes,
tais como a protena de Tamm-Horsfall, que produzida pelos rins e excretada pela urina; algumas bactrias ligam-se a esta glicoprotena que atua,
assim, como um mecanismo de defesa8.
Os fatores solveis que contribuem para a defesa do hospedeiro so,
entre outros, lisozima, interfero (INF) e complemento. Enquanto a lisozima,
enzima hidroltica presente nas secrees mucosas, capaz de clivar os peptidoglicanos da parede bacteriana, o INF pode induzir um estado imunitrio
15

E. Valadas

Nariz e nasofaringe
Staphylococcus spp
Difterides
Neisseria spp
Haemophilus spp

Orofaringe
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Neisseria spp
Haemophilus spp

Boca
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Actinomyces spp
Haemophilus spp

Pele
Staphylococcus spp
Streptococcus spp
Corynebacterium
Propionibacterium

Fungos
Bactrias anaerbicas
Espiroquetas

Fungos
Difterides

Figura 1. A: Flora normal da pele, boca, nariz, nasofaringe e orofaringe


(adaptado de Blackwell CC, Weir DM. Principles of infection and immunity in
patient care. Edimburgo: Churchil Livingstone; 1981. p. 53).

antiviral. O sistema complemento, ativado por uma srie de diferentes estmulos, controla a cascata enzimtica que resulta na destruio ou remoo
dos microrganismos.

Flora bacteriana
Um grande nmero de microrganismos vive, permanentemente, em estreita associao com o Homem (Figs. 1 A e B). Esta flora comensal constitui
16

Mecanismos de defesa do hospedeiro

Estmago
geralmente estril

Intestino delgado
Lactobacillus
Enterococcus spp
Difterides
Fungos (Candida)
Outras bactrias entricas
Bacilos anaerbicos Gram-negativo

Clon
Bactrias anaerbicas
Gram-negativo
Bacteroides spp
Fusobacterium spp

Gram-positivo
Eubacterium spp
Lactobacillus
Clostridium spp
Bifidobacterium
Streptococcus spp

Bactrias aerbicas e facultativas


Estafilococos
Enterococos
Bactrias entricas
Proteus spp
Pseudomonas spp
Fungos (Candida spp)
Rins e bexiga
Geralmente estreis

Vagina e colo do tero


Bactrias anaerbicas
Lactobacillus
Streptococcus spp
Bacteroides spp
Clostridium spp
Bifidobacterium spp
Eubacterium spp

Bactrias aerbicas
Difterides
Staphylococcus spp
Enterococcus spp
Streptococcus
pyogenes (grupo B)
Outras bactrias entricas

Fungos
Candida spp

Figura 1. B: Flora normal do tubo digestivo e do aparelho genito-urinrio


(adaptado de Blackwell CC, Weir DM. Principles of infection and immunity in
patient care. Edimburgo: Churchill Livingstone; 1981. p. 53).

17

E. Valadas

um ecossistema importante que protege o Homem da invaso por microrganismos patognicos9. Enquanto que na pele existem cerca de 1012 bactrias, no intestino este nmero eleva-se para 1014 (significando que h cerca
de 1012 bactrias por cada grama de fezes!), o que mostra bem a dimenso
da flora comensal. Os mecanismos atravs dos quais estas bactrias so benficas ao Homem incluem a competio com microrganismos patognicos para os
mesmos nutrientes e/ou para os mesmos recetores na clula hospedeira, a produo de substncias inibitrias, que suprimem o crescimento de outros microrganismos e a estimulao contnua do sistema imunitrio, de forma a manter
nveis baixos mas constantes de expresso de molculas do complexo major
de histocompatibilidade (CMH) nos macrfagos. Alguns autores, no entanto,
apontam para possveis efeitos negativos da colonizao por esta flora, tais
como a possibilidade de inflamao crnica de baixo grau10.
As espcies da flora comensal so, tambm, influenciadas por fatores
ambientais, tais como a dieta, as condies sanitrias ou os hbitos de higiene. Por exemplo, no intestino, so encontrados, com frequncia, lactobacilos
se o leite ou os seus derivados constiturem parte importante da dieta, enquanto que os protozorios (por exemplo, Giardia) so mais frequentes no
intestino de indivduos que vivem em ms condies sanitrias. Os doentes
com doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) tm, com maior frequncia,
Haemophilus influenzae na rvore traqueobrnquica, em comparao com os
indivduos saudveis, da a importncia do conhecimento da flora comensal
para a valorizao de espcies bacterianas encontradas em amostras clnicas.
Exemplo de alguns destes mecanismos o que se passa na mucosa vaginal, onde o glicognio produzido pelo epitlio metabolizado pelas bactrias comensais em cido lctico, diminuindo o pH para 4 e limitando a infeo por bactrias patognicas. Quando esta flora comensal perturbada por
antibiticos, a suscetibilidade a infees por agentes oportunistas, tais como
Candida, est aumentada. Da mesma forma, nos casos em que a flora intestinal perturbada pelo uso de antibiticos, pode haver, tambm, infeo
por bactrias patognicas.
No entanto, os microrganismos comensais podem, de igual modo, causar
doena se infetarem uma rea onde, por norma, no se encontram. O exemplo mais conhecido o de Escherichia coli, uma bactria comensal do intestino, que pode causar infeo quando introduzida no aparelho urinrio
atravs, por exemplo, de uma alglia.

Fagocitose
A fagocitose ou a ingesto de partculas extracelulares outro importante mecanismo de defesa e est presente em apenas algumas clulas especializadas, tais como neutrfilos, moncitos e macrfagos.
18

Mecanismos de defesa do hospedeiro

Temperatura
O facto da infeo por certos microrganismos estar dependente da temperatura bem conhecido. Este o caso de algumas micobactrias, como
Mycobacterium tuberculosis, a qual patognica para os mamferos e no
infeta animais de sangue frio, enquanto que Mycobacterium marinum, uma
micobactria que infeta animais de sangue frio, no causa infeo no Homem. Treponemas e gonococos so destrudos a temperaturas superiores a
40 oC, razo pela qual, antes da descoberta dos antibiticos, a elevao da
temperatura era usada para tratamento da sfilis do sistema nervoso central
(SNC) e das infees gonoccicas crnicas.

Resposta inflamatria
A leso tecidular causada por ferida ou por invaso de um microrganismo induz uma complexa sequncia de eventos conhecidos como resposta
inflamatria. Os quatro sinais cardinais de inflamao, descritos por Celsus
no sculo I d.C. (rubor, tumor, calor e dor) refletem as trs principais fases
que ocorrem durante a resposta inflamatria vasodilatao, aumento da
permeabilidade capilar e infiltrao por clulas com capacidades fagocticas. A vasodilatao ocorre medida que os vasos eferentes se contraem,
resultando na engorgitao da rede de capilares, responsvel pelo eritema
e pelo aumento de temperatura local. O aumento da permeabilidade capilar facilita o influxo de fluidos e de clulas para os tecidos, causando
edema e permitindo, tambm, a migrao de leuccitos para os tecidos,
entre as quais clulas fagocticas. medida que se d esta acumulao
de clulas fagocticas nos tecidos e que a fagocitose dos microrganismos
tem incio h, tambm, libertao de enzimas lticas que podem lesar as
clulas vizinhas. A acumulao de clulas mortas, de material digerido e de
fluidos formam o pus.
Os passos da resposta inflamatria so iniciados por uma complexa srie
de interaes, que envolvem mediadores qumicos, cuja interao , apenas,
parcialmente compreendida. Alguns desses mediadores derivam dos prprios
microrganismos, outros derivam das clulas lesadas em resposta leso
tecidular, enquanto que outros so produtos de leuccitos envolvidos na
resposta inflamatria. Entre os vrios mediadores qumicos contam-se as
protenas de fase aguda, cuja concentrao plasmtica aumenta, substancialmente, nas infees. Os produtos microbianos, tais como endotoxinas, podem estimular os macrfagos para libertar interleucinas (IL). A protena C
reativa, uma das protenas de fase aguda, produzida pelo fgado, em
resposta estimulao por IL-1 e IL-6. Esta protena liga-se ao polissacrido C
da parede celular de alguns microrganismos e esta ligao vai ativar o sistema
19

E. Valadas

de complemento, resultando na remoo do microrganismo, seja atravs da


lise ou da fagocitose, ambas mediadas pelo complemento.
Um dos principais mediadores da resposta inflamatria a histamina,
substncia libertada por uma grande variedade de clulas (mastcitos, basfilos e plaquetas) em resposta leso tecidular. A histamina liga-se aos recetores dos capilares e das vnulas, provocando vasodilatao e aumento da
permeabilidade. As quininas so outro importante grupo de mediadores.
Esto presentes no plasma, so ativadas por leso tecidular e provocam vasodilatao e aumento da permeabilidade capilar. Uma das quininas, a bradiquinina, estimula, na pele, os recetores da dor, o que, provavelmente
serve de efeito protetor j que a dor induz uma reao, por parte do indivduo, para proteger a rea lesada.
A vasodilatao e o aumento da permeabiliddae capilar permitem que
enzimas do sistema de coagulao entrem nos tecidos, onde uma cascata
enzimtica ativada, resultando no depsito de fibrina. Estes depsitos de
fibrina permitem que a rea lesada fique isolada, servindo para prevenir a
propagao da infeo.
Assim que a resposta inflamatria comea a diminuir, inicia-se a reparao
tecidular e a regenero de novo tecido. A reparao tecidular comea
medida que surgem novos capilares e que os fibrobastos vo substituindo
a fibrina.

4. Imunidade adquirida
A imunidade adquirida ou imunidade especfica revela a presena de um
sistema imunitrio capaz de reconhecer especificamente e de eliminar seletivamente os microrganismos. Ao contrrio da imunidade inata, a especificidade, a diversidade, a existncia de memria imunitria e o reconhecimento
do self do no-self so caractersticas da imunidade adquirida.
A especificidade do sistema imunitrio faz com que seja possvel distinguir diferenas subtis entre antignios, enquanto a sua diversidade
permite o reconhecimento especfico de bilies de estruturas diferentes.
H formao de memria a partir do momento em que o sistema imunitrio
responde a um determinado antignio, ou seja, h um rpido desenvolvimento de resposta imunitria se houver um segundo contacto com esse
mesmo antignio. Alm disso, o sistema imunitrio responde, apenas, a
antignios externos ao organismo, j que capaz de distinguir o self do
no-self (a origem das doenas autoimunes baseia-se na perturbao deste
mecanismo).
A existncia de uma resposta imune eficaz envolve dois grupos principais
de clulas, os linfcitos B e T e as clulas apresentadoras de antignio (antigen presenting cells [APC]) macrfagos, clulas dendrticas, etc.
20

Mecanismos de defesa do hospedeiro

A imunidade adquirida pode ser dividida em humoral e celular, estando


dependente dos linfcitos B e T, respetivamente. A imunidade humoral tem
maior importncia na defesa contra as bactrias extracelulares, enquanto a
imunidade celular responsvel, principalmente, pela defesa contra microrganismos intracelulares. A resposta humoral depende da interao dos linfcitos B com o antignio e da subsequente proliferao e diferenciao dos
linfcitos em plasmcitos secretores de anticorpos (imunoglobulinas). O anticorpo liga-se ao antignio (microrganismo), neutralizando-o ou facilitando
a sua eliminao.
Os linfcitos T so as clulas efectoras da imunidade celular. As citocinas
produzidas por estas clulas podem ativar os fagcitos, facilitando no s
a fagocitose de microrganismos, mas, tambm, a sua destruio. Este tipo
de imunidade , especialmente, importante na defesa contra microrganismos
intracelulares.
Os antignios so, em regra, muito grandes ou complexos, de forma que
os linfcitos (B ou T) no reconhecem a totalidade da molcula, mas sim
pores da molcula chamadas eptopos. Estas so as regies imunitariamente ativas num antignio e so as regies que se ligam ao recetor dos linfcitos B ou T. A diferena mais importante entre o reconhecimento de antignios pelos dois tipos de linfcitos de que, enquanto os linfcitos B
reconhecem o eptopo isoladamente, os linfcitos T s reconhecem o eptopo quando este est presente na superfcie de uma APC, em associao com
uma molcula CMH.
A especificidade antignica de cada linfcito B determinada pelo anticorpo expresso na membrana celular do linfcito B. Este anticorpo pode
reconhecer diferentes eptopos com grande preciso. Mesmo as protenas
que diferem, apenas, em um aminocido podem ser discriminadas umas das
outras. Aliada especificidade da molcula de anticorpo est uma enorme
diversidade. Os arranjos de genes que ocorrem durante a maturao dos
linfcitos B, na medula ssea, geram um grande nmero de especificidades
antignicas. A populao resultante consiste em linfcitos B, cada um exibindo especificidade antignica distinta, que, coletivamente, expressam enorme
diversidade, calculando-se que ultrapasse 108 especificidades de antignios.
As especificidades e a diversidade, que caracterizam a molcula de anticorpo dos linfcitos B, aplicam-se, tambm, aos recetores dos linfcitos T,
os quais podem ser divididos em ab ou gd. Tal como na maturao dos
linfcitos B, o processo de maturao dos linfcitos T envolve, tambm,
arranjos de uma srie de genes que codificam o recetor de antignio. Cada
linfcito T tem cerca de 105 recetores por clula e todos os 100.000 recetores
numa clula, assim como todas as clulas-filhas tm idntica especificidade
antignica.
Os linfcitos T podem ser divididos, tambm, em vrias subpopulaes,
de acordo com a presena de determinadas molculas localizadas na sua
21

E. Valadas

Antignio
ingerido por
endocitose ou
fagocitose

Complexo
pptido/molcula
CMH classe II
Pptido
vrico/CMH
classe I

Pptidos
Molculas CMH
classe II

Golgi
Pptidos
vricos

RER
ARN vrico

Ncleo

ADN vrico

Vrus

Figura 2. Clula apresentadora de antignio, processamento e apresentao de


antignio exgeno e endgeno. A: O antignio exgeno fagocitado e degradado
em pequenos pptidos, que so apresentados superfcie da clula, associados a
molculas CMH classe II; esta clula ir ser reconhecida por um linfcito T CD4+.
B: O antignio endgeno produzido no interior da clula (por exemplo, no caso
de uma infeo vrica), processado no interior da clula e apresentado na superfcie
celular, associado a molculas CMH classe I; esta clula ir ser reconhecida por um
linfcito T CD8+.

superfcie celular. Enquanto a molcula CD3 existe em todos os linfcitos T,


a CD4 o marcador dos linfcitos T helper, enquanto que a molcula CD8
marca os linfcitos T com capacidades citotxicas. Os linfcitos T CD4 +
reconhecem, geralmente, os antignios associados a molculas CMH classe II, enquanto que os linfcitos T CD8+ reconhecem os antignios associados a molculas CMH classe I. Enquanto que as molculas CMH classe I
so encontradas nas membranas de quase todas as clulas nucleadas, as
CMH classe II so expressas por clulas especializadas as APC11,12. Nas molculas CMH, classe I e classe II, h como que uma fenda na sua estrutura,
local onde o antignio se liga. A apresentao deste antignio, ligado
molcula CMH, faz-se ento aos linfcitos T (Fig. 2). Para que um antignio
possa ser reconhecido por um linfcito T tem que ser degradado em pequenos pptidos que iro formar complexos com as molculas do CMH (Fig. 2).
Esta transformao de protenas a pptidos associados ao CMH chamado
processamento de antignio. A forma como um antignio processado e
22

Mecanismos de defesa do hospedeiro

apresentado, juntamente com uma molcula do CMH classe I ou com uma


molcula do CMH classe II parece ser determinado pelo modo como o antignio entra na clula (Fig. 2). Deste modo pode diferenciar-se entre os
antignios exgenos e os antignios endgenos. Os exgenos so produzidos fora da clula e entram nesta atravs de endocitose ou fagocitose, como , por exemplo, o caso de Mycobacterium tuberculosis. As
APC, tais como os macrfagos, processam o antignio em pptidos que se
ligam s molculas do CMH classe II. Este complexo , ento, exportado at
superfcie da clula, onde os linfcitos T CD4+ iro reconhecer o antignio.
Como a expresso de molculas CMH classe II est limitada s clulas APC, a
expresso de pptidos exgenos associados ao CMH classe II est limitada a
essas mesmas clulas.
Os antignios endgenos so produzidos dentro da prpria clula
hospedeira. Exemplos deste tipo de antignios so as protenas vricas
sintetizadas pelas clulas infetadas por vrus, bem como as protenas
produzidas pelas clulas neoplsicas. Os antignios endgenos so degradados em pptidos que se ligam a molculas do CMH classe I no retculo endoplsmico rugoso. Este complexo transportado para a membrana celular, onde os linfcitos T CD8 + vo reconhecer o antignio.
Como todas as clulas nucleadas expressam molculas do CMH classe I,
todas as clulas produtoras de antignios endgenos usam esta via para
processar o antignio.
O incio de respostas imunes humorais e celulares requer a ativao de
linfcitos T helper. Este processo tem incio quando recetores no linfcito T
interatuam com o complexo pptido-molcula do CMH classe II na clula
APC. Esta interao produz um sinal que leva ativao dos genes que codificam a IL-1 e o recetor para a IL-2. Esta ltima vai auto-estimular a proliferao de linfcitos T. A populao clonal de linfcitos T especficos para
um determinado antignio pode, ento, desempenhar um papel de ativao
nos linfcitos B e T, o que ir levar, respetivamente, ao desenvolvimento da
imunidade celular e humoral.
A imunidade adquirida inicia-se pelo reconhecimento dos antignios por
linfcitos especficos, B e T, os quais respondem com proliferao e diferenciao em clulas efectoras, cuja funo eliminar o antignio (microrganismo). A fase efectora deste tipo de imunidade requer a participao de vrios
mecanismos de defesa, incluindo o sistema complemento, clulas fagocitrias
e inflamatrias, bem como citocinas, ou seja, a imunidade adquirida no
acontece independentemente da imunidade inata. A resposta imune adquirida amplifica os mecanismos da imunidade inata e aumenta a sua funo,
especialmente quando h exposies repetidas ao mesmo antignio. Graas
cuidadosa orquestrao entre a imunidade inata e a adquirida, os dois
tipos de imunidade funcionam de forma a poderem eliminar, eficazmente,
o microrganismo invasor.
23

E. Valadas

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24

Seco 3

Antimicrobianos
Princpios gerais dos frmacos
antimicrobianos

Joo Paulo Cruz

1. Introduo
Os antibiticos so substncias qumicas que provocam a morte ou a inibio do crescimento de microrganismos. Podem ser produzidos pelos prprios microrganismos, por bactrias ou por fungos ou, ainda, serem total ou,
parcialmente, de origem sinttica1. Todavia, o termo antibitico , quase
sempre, utilizado tambm para incluir os agentes antibacterianos sintticos,
como as sulfonamidas e as quinolonas, que no so produzidos por microrganismos. Os antibiticos diferem, acentuadamente, nas suas propriedades
fsicas, qumicas e farmacolgicas, no espectro antibacteriano e, ainda, no
mecanismo de ao2.

2. Classificao e mecanismo de ao
dos antimicrobianos
Vrios esquemas foram sugeridos para classificar e agrupar os agentes
antimicrobianos. Do ponto de vista histrico, a classificao mais comum
baseia-se na estrutura qumica e no mecanismo de ao:
Agentes que inibem a sntese da parede celular bacteriana, como as
penicilinas e as cefalosporinas, que so, estruturalmente, semelhantes, assim
como agentes distintos, como cicloserina, vancomicina, bacitracina e os antifngicos imidazlicos (miconazol, cetoconazol e clotrimazol).
Agentes que atuam, diretamente, sobre a membrana celular do microrganismo, afetando a sua permeabilidade e resultando em extravasamento
de compostos intracelulares, nos quais se incluem a polimixina e o colistimetato, bem como os agentes antifngicos polinicos, nistatina e anfotericina
B, que se ligam aos esteris da parede celular.
Agentes que afetam a funo das subunidades ribossmicas 30S ou 50S,
causando inibio reversvel da sntese proteica, nos quais se incluiem os bacteriostticos cloranfenicol, tetraciclinas, eritromicina e clindamicina.
25

J.P. Cruz

Agentes que se ligam subunidade ribossmica 30S e alteram a sntese


proteica, resultando, eventualmente, em morte celular, nos quais se incluem
os aminoglicosdeos.
Agentes que afetam o metabolismo dos cidos nucleicos, como as rifamicinas (por exemplo, rifampicina), que inibem a ARN-polimerase, e as quinolonas, que inibem a girase.
Os antimetabolitos, que incluem o trimetroprim e as sulfonamidas, que
bloqueiam etapas metablicas especficas, que so essenciais para os microrganismos.
Agentes que se ligam subunidade ribossmica 50S e impedem a
formao do complexo de iniciao 70S, componente essencial do processo de translao bacteriana, nos quais se inclui o frmaco linezolida
(bacteriosttico para estafilococos e bactericida para a maioria de estreptococos)2,3.
Provavelmente, outras categorias iro surgir com a descoberta de mecanismos mais complexos, pois, at ao momento, o mecanismo exato de ao
de alguns antimicrobianos permanece desconhecido.

3. Fatores determinantes para a eficcia


dos antimicrobianos
Quando os antibiticos so utilizados no tratamento de infees, o resultado teraputico depende de vrios fatores. Em termos simples, o xito
depende da obteno de concentrao de antibitico no local da infeo
suficiente para inibir o crescimento bacteriano (efeito bacteriosttico) ou
destruir as prprias bactrias (efeito bactericida). A dose do frmaco utilizada deve ser suficiente para produzir o efeito necessrio sobre os microrganismos, todavia as concentraes do antibitico devem permanecer abaixo
dos nveis txicos para as clulas humanas. Se isso for conseguido, o microrganismo considerado sensvel ao antibitico. Quando a concentrao do
antibitico, necessria para inibir ou matar o microrganismo, maior do que
a concentrao que pode ser atingida com segurana, o microrganismo
considerado resistente ao antibitico. As bactrias podem tornar-se resistentes a um agente antimicrobiano devido a vrios fatores:
O frmaco no consegue atingir o alvo.
O frmaco inativado.
O alvo est alterado4.
Algumas bactrias produzem enzimas que inativam o frmaco, estando
localizadas na superfcie celular ou no seu interior. Outras possuem membranas celulares impermeveis, que impedem a entrada do frmaco. Os antibiticos hidroflicos atravessam a membrana externa das clulas microbianas,
atravs de canais aquosos constitudos por protenas especficas (porinas). As
26

Antimicrobianos Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos

bactrias com deficincia desses canais podem ser resistentes a estes frmacos. Outras carecem de sistemas de transporte necessrios para a entrada do
frmaco na clula bacteriana. Como muitos antibiticos so cidos orgnicos,
a sua penetrao pode depender do pH e, alm disso, a permeabilidade pode
estar alterada pela osmolaridade ou pelos vrios caties, que se encontram no
meio externo. Os mecanismos de transporte para certos frmacos so dependentes de energia e no funcionam em ambiente anaerbio. Quando o frmaco tem acesso ao local-alvo deve exercer um efeito deletrio para o microrganismo, de modo que as variaes naturais ou as modificaes adquiridas no
local-alvo, capazes de impedir a ligao ou a ao do frmaco, podem resultar em resistncia.
A resistncia pode ser adquirida atravs de mutaes ou transmitida verticalmente por seleo s clulas descendentes. Todavia, a resistncia mais
comum a adquirida por transferncia horizontal de determinantes de resistncia de uma clula dadora, quase sempre de outra espcie bacteriana,
por transformao, transduo ou conjugao. A resistncia adquirida, por
transferncia horizontal, pode sofrer disseminao rpida e ampla atravs
de propagao clonal da prpria estirpe resistente ou por trocas genticas,
entre a estirpe resistente e outras estirpes sensveis.

Fatores farmacocinticos
Embora seja de extrema importncia saber que o antibitico ativo in vitro
contra o microrganismo infecioso, este no constitui o nico fator a considerar.
A localizao da infeo pode, em grande parte, determinar a escolha do
frmaco e a via de administrao. A concentrao mnima do frmaco atingida no local infetado deve ser, aproximadamente, igual concentrao
inibitria mnima (CIM) para o microrganismo infecioso, embora, sempre que
possvel, seja aconselhvel atingir mltiplos desta concentrao.
O acesso dos antibiticos aos locais de infeo depende de mltiplos fatores. Se a infeo estiver localizada no lquido cefalorraquidiano (LCR), o
frmaco deve atravessar a barreira hematoenceflica, e muitos agentes antimicrobianos, que so polares em pH fisiolgico, fazem-no de modo insuficiente. Porm, outros, como a penicilina G, so, ativamente, transportados
do LCR para o plexo coroideu, atravs de um mecanismo de transporte
aninico. Todavia, a integridade da barreira hematoenceflica encontra-se
diminuda na infeo bacteriana ativa, dado que as junes de ocluso nos
capilares cerebrais abrem-se, resultando num aumento acentuado da penetrao de frmacos, mesmo polares5.
A penetrao de frmacos em locais infetados depende, quase sempre,
do processo de difuso passiva. Por conseguinte, a taxa de penetrao
27

J.P. Cruz

proporcional concentrao do frmaco livre no plasma ou no lquido extracelular. Assim, os frmacos que se ligam, extensamente, a protenas podem
no penetrar com a mesma amplitude, comparativamente com aqueles de
menor grau de ligao. Os frmacos que se ligam, fortemente, s protenas
podem exibir, tambm, atividade reduzida.
Do ponto de vista prtico, parece razovel tentar obter atividade antibacteriana no local da infeo, durante grande parte do intervalo posolgico. Isso
depende, at certo ponto, de o frmaco exibir inibio do crescimento dependente da concentrao (por exemplo, os aminoglicosdeos) ou do tempo (por exemplo,
os b-lactmicos). Dados experimentais sugerem que os aminoglicosdeos so, pelo
menos, to eficazes e menos txicos, quando administrados na forma de dose
nica diria do que quando administrados em intervalos mais curtos6-8. Estudos
realizados em doentes sugerem, tambm, que a administrao contnua de
aminoglicosdeos pode provocar toxicidade desnecessria.
O conhecimento do estdio dos mecanismos de eliminao de frmacos
no doente, tambm, essencial, sobretudo quando concentraes excessivas
no plasma ou nos tecidos podem provocar toxicidade grave. Os agentes
antimicrobianos e seus metabolitos so, em sua maior parte, eliminados,
principalmente, por via renal. Assim, por exemplo, os aminoglicosdeos, vancomicina ou flucitosina devem ser utilizados com muito cuidado, em doentes
com comprometimento da funo renal. Para os frmacos que so metabolizados ou excretados pelo fgado (eritromicina, cloranfenicol, metronidazol
e clindamicina) as doses devem ser reduzidas, em doentes portadores de
insuficincia heptica. A rifampicina e a isoniazida possuem, tambm, semividas prolongadas em doentes com cirrose. Se houver infeo do trato biliar,
a hepatopatia ou obstruo biliar podem reduzir o acesso do frmaco ao
local de infeo, tendo sido demonstrada a ocorrncia deste processo com
a ampicilina e com outros frmacos, normalmente excretados por via biliar2.

Via de administrao
Apesar da administrao oral ser preferida, sempre que possvel, recomenda-se, em regra, a administrao parenteral de antibiticos a doentes
em estado grave, para os quais necessrio atingir, rapidamente, concentraes previsveis do frmaco.

Mecanismos de defesa do hospedeiro


O estado funcional dos mecanismos de defesa do hospedeiro constitui um
fator determinante, de extrema importncia, para a eficcia teraputica dos
agentes antimicrobianos. Tanto a imunidade celular como a imunidade humoral
28

Antimicrobianos Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos

so importantes. A inadequabilidade do tipo, qualidade e quantidade das


imunoglobulinas, a alterao do sistema imunitrio celular ou a ocorrncia
de defeito qualitativo ou quantitativo nas clulas fagocticas pode resultar
em falncia do tratamento, apesar da utilizao de frmacos apropriados
e eficazes nos demais aspetos. Com frequncia, o xito no tratamento de
uma determinada infeo, utilizando antimicrobianos, pode ser alcanado
no hospedeiro imunocompetente, simplesmente ao interromper a multiplicao dos microrganismos (efeito bacteriosttico). Quando as defesas do
hospedeiro esto comprometidas, esta atitude pode ser inadequada, tornando-se essencial a utilizao de agentes antimicrobianos bactericidas de ao
rpida. Os exemplos incluem a endocardite bacteriana, em que as clulas
fagocitrias so eliminadas do local infetado, a meningite bacteriana, em
que as clulas fagocitrias so ineficazes devido falta de opsoninas as
infees bacterianas disseminadas em doentes neutropnicos, em que ocorre reduo da quantidade total de clulas fagocitrias. Os doentes com
infeo por VIH/sida apresentam respostas imunitrias celulares diminudas
e a teraputica para vrias infees oportunistas, nestes doentes, em regra
supressiva, mas no curativa (por exemplo, a maioria dos doentes que apresentam bacteriemia por Salmonella spp responde teraputica convencional,
todavia, a infeo recidiva, mesmo aps tratamento prolongado)9.

Fatores locais
A cura da infeo, com a utilizao de antibiticos, depende do modo
pelo qual os fatores locais no local da infeo afetam a atividade antimicrobiana do frmaco. O pus, que consiste em fagcitos, restos celulares, fibrina
e protena, liga-se aos aminoglicosdeos e vancomicina, com consequente
reduo da sua atividade antimicrobiana10. A ocorrncia de grandes concentraes de hemoglobina, em hematomas infetados, pode resultar na sua ligao s penicilinas e tetraciclinas, tendo, por consequncia, a reduo da
eficcia dos frmacos11. O pH nas cavidades dos abcessos e em outros locais
infetados (espao pleural, LCR e urina) , em regra, baixo, resultando em
acentuada perda da atividade antimicrobiana dos aminoglicosdeos, da eritromicina e da clindamicina12. Todavia, alguns frmacos como a clortetraciclina, a nitrofurantona e a metenamina so mais ativos neste meio cido.
As condies anaerbias encontradas nas cavidades dos abcessos podem,
tambm, reduzir a atividade dos aminoglicosdeos13. A penetrao dos agentes antimicrobianos em reas infetadas, como as cavidades de abcessos,
encontra-se diminuda, devido sua vascularizao reduzida. O sucesso para
o tratamento dos abcessos passa, em regra, pela drenagem cirrgica.
A presena de corpo estranho, em local infetado, reduz, acentuadamente,
a possibilidade de xito da teraputica antimicrobiana. Este fator tornou-se
29

J.P. Cruz

cada vez mais importante, na poca atual das prteses valvulares cardacas,
prteses articulares, pace-makers, prteses vasculares e vrios shunts vasculares e do sistema nervoso central (SNC). Aparentemente, a prtese percebida pelas clulas fagocitrias como um corpo estranho. Na tentativa de
fagocit-la e destru-la, ocorre desgranulao, resultando na depleo das
substncias bactericidas intracelulares. Por conseguinte, estes fagcitos so,
relativamente, ineficazes na destruio de microrganismos patognicos
bacterianos, podendo estes residir no interior daqueles, permanecendo
protegidos da maioria dos antimicrobianos14. Alm disso, os microrganismos podem ligar-se a corpos estranhos, atravs da elaborao de um substrato de glicoclix. Quando embebidos neste substrato, tornam-se, relativamente, resistentes s aes da maioria dos agentes antimicrobianos. Por
conseguinte, as infees associadas a corpos estranhos caracterizam-se por
frequentes recidivas e fracassos, mesmo com antibioterapia de longo prazo e
em altas doses. Em geral, o xito da teraputica requer a remoo do material
estranho.
Os agentes infeciosos que residem no interior de clulas fagocticas (por
exemplo, Salmonella spp, Brucella spp, Toxoplasma gondii, Listeria monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis e, nalguns casos, Staphilococcus aureus) podem, tambm, ser relativamente resistentes ao dos agentes
microbianos, visto que muitos desses frmacos penetram, inadequadamente,
nas clulas. A rifampicina e as fluoroquinolonas podem penetrar, adequadamente, nas clulas e destruir muitos microrganismos intraleucocitrios.

4. Efeitos adversos
Efeitos adversos podem ocorrer com a administrao dos antimicrobianos.
Com determinadas classes de frmacos, a alergia um efeito comum. Esta
pode ocorrer aps poucos ou vrios dias de tratamento, tendo como principais reaes o exantema e a febre. O exantema , em regra, de natureza
maculopapular, com prurido, do tipo urticariforme, mas pode ser, tambm,
embora menos vezes, semelhante sndrome de Stevens-Johnson e a outros
tipos de exantemas descamativos. A febre , por vezes, elevada, contudo no
ocorre mal-estar nem anorexia. Quatro tipos de reaes alrgicas imunolgicas podem ocorrer15:
Hipersensibilidade imediata (tipo I) as penicilinas tm baixo peso molecular e no revelam propriedades antignicas, mas quando associadas a
protenas do soro adquirem propriedades imunognicas (complexo hapteno-protena). A interao antibitico-IgE provoca libertao de mediadores
(histamina, serotonina e outras substncias). Estes mediadores podem provocar urticria, edema da laringe, espasmo brnquico com, ou sem, colapso
cardiovascular.
30

Antimicrobianos Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos

Anticorpos citotxicos (tipo II) anticorpos da classe IgG ou IgM antipenicilina ligam-se s clulas sanguneas e s clulas renais revestidas com
antignios de penicilina. A reao antignio-anticorpo mobiliza a ativao
do complemento, ocorrendo lise celular (anemia hemoltica, leucopenia,
trombocitopenia e nefrite).
Complexos imunes (tipo III) complexos circulantes b-lactmico-anticorpo
(IgG ou IgM) mobilizam o complemento, causando febre medicamentosa
(sete a 14 dias aps o incio da teraputica ou, mesmo, aps o tratamento).
Hipersensibilidade retardada os b-lactmicos so reconhecidos pelos
linfcitos T, ocasionando a libertao de citocinas, que amplificam a resposta imune, ocasionando inflamao e leso dos tecidos (por exemplo, dermatite de contacto), para alm de outras reaes de mecanismo desconhecido
(eritema, exantema maculopapular, fotossensibilidade, dermatite exfoliativa,
sndrome de Stevens-Jonhson).
A administrao parentrica de b-lactmicos produz mais reaes alrgicas
do que a administrao oral, sendo dependente da suscetibilidade individual.
Reaes cruzadas alrgicas tm sido observadas entre penicilinas, cefalosporinas
e carbapenemes15. No entanto, a toxidermia atribuda s substncias base de
penicilina no exclui o uso de cefalosporinas2. O aztreonam, monobactmico,
tem sido seguro quando utilizado em doentes alrgicos aos outros b-lactmicos15. Estes fenmenos alrgicos ocorrem, esporadicamente, numa incidncia
de 0,01%, tendo como soluo a mudana para outra classe de antimicrobiano.
O angioedema e a anafilaxia so reaes adversas de difcil tratamento, devendo ser excluda a prescrio dessa classe de antimicrobianos.
Com determinados agentes antimicrobianos a toxicidade mais comum,
estando a gravidade diretamente relacionada com a administrao excessiva
de frmaco (toxicidade dose-dependente). A toxicidade renal e surdez est
muito associada classe dos aminoglicosdeos, sendo dependente das concentraes sricas atingidas. Em relao classe dos glicopeptdeos relata-se a
ocorrncia de nefrotoxicidade, nomeadamente para a vancomicina, principalmente quando utilizada em doses de 15-20 mg/kg, atingindo Cmn > 15 mg/ml,
de acordo com os objetivos recentes de melhor relao farmacocintica/
farmacodinmica (PK/PD)16.
Para outros frmacos da nova classe das oxazolidinonas como a linezolida,
a toxicidade ao nvel da medula ssea , inclusiv, um fator limitativo da sua
utilizao por perodos prolongados, assim como em doentes com alteraes
hematolgicas ou renais (com dfice de produo de eritropoetina) pr-existentes17.
As convulses, associadas ao imepenem (classe dos carbapenemes), assim
como a elevao da CPK associada daptomicina (classe dos lipopeptdeos
cclicos), so reaes que podem, tambm, ocorrer2,18. Estes efeitos adversos
so especficos e, em regra, existe boa caracterizao para cada antimicrobiano2.
31

J.P. Cruz

5. Interaes medicamentosas
Alguns antimicrobianos da classe dos macrlidos, a rifampicina, os imidazis
e outros antifngicos, interagem com muitas outras substncias, aumentando ou
diminuindo a eficcia de ambos. Algumas destas interaes so crticas e existem,
mesmo, algumas combinaes que devem ser totalmente evitadas. O mecanismo
de interao utiliza, com frequncia, a mesma via enzimtica do metabolismo
heptico, aumentando ou diminuindo, assim, as substncias, simultaneamente,
sintetizadas [por exemplo, sistema isoenzimtico do citocrmio P450 (CYP450)].
Outro mecanismo de interao medicamentosa o efeito aditivo da combinao de dois agentes, com a mesma toxicidade. Assim, , por exemplo,
arriscado administrar anfotericina e gentamicina ou vancomicina e gentamicina, simultaneamente e por um perodo de teraputica longo, devido
potenciao da nefrotoxicidade. Outro exemplo decorre, ainda, da atividade
farmacodinmica paralela de alguns antimicrobianos, como a linezolida, em
que a sua capacidade de inibio dos recetores da monoamino-oxidase, leva
a que no deva ser administrada concomitantemente, ou nas duas semanas
aps a administrao deste tipo de medicamentos, a doentes a tomar outros
medicamentos que inibam as monoaminoxidases A ou B, como por exemplo
fenelzina, isocarboxazida, selegilina, moclobemida, inibidores da recaptao
da serotonina, antidepressivos tricclicos, agonistas do recetor da serotonina
5-HT1 (triptanos), agentes com aes simpaticomimticas diretas e indiretas
(incluindo broncodilatadores adrenrgicos, pseudoefedrina e fenilpropanolamina), agentes vasopressores (adrenalina, noradrenalina), agentes dopaminrgicos (dopamina e dobutamina), petidina ou buspirona17.
Tal como outras substncias devem ser evitadas durante a gravidez, tambm os antimicrobianos o devero ser. Algumas substncias so, claramente,
seguras, mas a segurana da maioria dos frmacos durante a gravidez no
, inteiramente, conhecida.

6. Otimizao da teraputica antimicrobiana


(relao PK/PD)
Excluindo locais especializados de infeo, como a espinal medula, ouvido
mdio ou sistema urinrio, as concentraes sricas podem ser utilizadas como
alternativa para as concentraes no local da infeo. Idealmente, os estudos
deveriam relacionar os fatores farmacocinticos e farmacodinmicos (PK/PD)
para cada tipo de infeo e compreender, tambm, as relaes existentes
entre as dosagens, a exposio ao frmaco, a atividade dos antimicrobianos
e a eficcia clnica. Consideraes adicionais sero necessrias no que diz
respeito s bactrias que sobrevivem e se multiplicam no interior das clulas,
como Chlamydia spp e Legionella spp.
32

Antimicrobianos Princpios gerais dos frmacos antimicrobianos

O nosso conhecimento acerca da relao PK/PD , ainda, escasso para


algumas infees, contudo a informao disponvel permite j um trabalho
de campo, no sentido de desenvolver teraputica individual e otimizada, em
contrapartida utilizao de teraputica padro e convencional19,20. Os princpios farmacodinmicos permitem maior especificidade na seleo dos medicamentos. Parmetros tais como o rcio Cmx/CIM tm grande utilidade para
vrios frmacos, nomeadamente os aminoglicosdeos e as fluoroquinolonas.
Neste caso, a Cmx da populao pode ser relacionada com a CIM90 das espcies ou com a CIM de microrganismos patognicos individualizados. De acordo com os fundamentos tericos, o antimicrobiano com maior rcio Cmx/CIM
dever ser o selecionado21,22.
A rea abaixo da concentrao plasmtica versus o tempo, dividida pela
CIM (AUC/CIM), , tambm, um parmetro importante para otimizar o uso
das fluoroquinolonas. Com este parmetro, os resultados obtidos so, ligeiramente, melhores do que com o rcio Cmx/CIM. Os valores mximos obtidos
no rcio AUC/CIM dependem da especificidade da fluoroquinolona e do tipo
de infeo, contudo devero exceder em situaes timas os 100-12523,24.
Para outras substncias, como os b-lctamicos e a vancomicina, a percentagem de tempo acima da CIM (tempo > CIM) dever ser otimizada20,25. Para
algumas infees, tempos acima da CIM de cerca de 40% sero to efetivos
como de 100%22,26. A percentagem de tempo timo acima da CIM tem sido
definida em circunstncias limitadas e , por isso, necessria maior investigao.
Se o microrganismo patognico for Streptococcus pneumoniae, o tempo acima
da CIM de 40% poder ser adequado, enquanto que para microrganismos
patognicos Gram-negativo ser necessrio valor 60 ou 70%20,22,24,26-28.
Para antimicrobianos dependentes do tempo, o meio mais eficaz para a
administrao de um antibitico atravs de perfuso contnua. No entanto,
embora exista interesse crescente na perfuso contnua de b-lactmicos e
vancomicina, h situaes em que, por razes prticas, prefervel a utilizao de dosagens intermitentes21,25.
Uma vez o tratamento delineado, dever ter-se em conta a forma correta de administrao do antimicrobiano. Erros na administrao da medicao, nas dosagens, nas preparaes esterilizadas e no tempo de dosagem
podem contribuir para reduzir a qualidade dos resultados. Para vrias infees, o atraso no incio da teraputica antimicrobiana est associado a piores
resultados20,22,27.

7. Concluso
A maioria das doenas infeciosas, particularmente infees bacterianas,
podero ser solucionadas recorrendo a uma srie variada de tratamentos. A
teraputica deve ser selecionada tendo em conta o que mais adequado ao
33

J.P. Cruz

doente em questo, tais como, informao disponvel acerca da sua eficcia,


a relao PK/PD, os potenciais efeitos adversos e os fatores de risco especficos
inerentes a cada doente. A histria clnica, que inclua as reaes alrgicas a
substncias qumicas (princpios ativos e excipientes), pode identificar os
fatores de risco especficos de cada doente e ajudar a delinear opes
alternativas. Uma vez selecionado o frmaco alternativo, a dosagem adequada dever ser baseada nos princpios PK/PD. Resumindo, a aplicao dos
princpios PK/PD, na prtica do tratamento das doenas infeciosas, ir contribuir para reduzir os efeitos adversos e os erros de medicao antimicrobiana.

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34

Seco 3 Antimicrobianos

Penicilinas, cefalosporinas
e monobactmicos

Francisco Antunes

1. Penicilinas
As penicilinas pertencem ao grupo dos b-lactmicos (Fig. 1) que actuam
sobre as protenas de ligao penicilina da parede celular bacteriana [penicillin binding proteins (PBPs)], impedindo a sntese do peptidoglicano, com
morte da bactria por efeito osmtico ou por digesto por enzimas autolticas. Os antibacterianos tm efeito bactericida, por aco durante a fase
de crescimento bacteriano1. Para alm das penicilinas, no grupo dos b-lactmicos esto includas as cefalosporinas, os monobactmicos e os carbapenemes.
A resistncia aos b-lactmicos devida a:
Modificaes nas PBPs (ou sua substituio por outras, reduzindo a
afinidade para o antibitico).
Inactivao por b-lactamases excretadas para o espao extracelular (bactrias Gram-positivo) ou presentes no espao periplasmtico (bactrias Gram-negativo), sendo a sntese daquelas mediada por plasmdeos ou por genes
do cromossoma.
Reduo permeabilidade ao antibitico, por alteraes nos poros da
parede bacteriana.
Tolerabilidade, por uma particular forma de resistncia, mantendo-se as concentraes inibitrias mnimas (CIMs) dentro de valores normais
em conjuno com um importante aumento das concentraes bactericidas mnimas (CBMs), para nveis 32 vezes mais altos, ou mais. Para estes

S
H2N
A

CH3
CH3

N
O

Penicilinase

COOH

Figura 1. Estrutura qumica do cido 6-amino-penicilnico.


Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

35

F. Antunes

microrganismos tolerantes, os b-lactmicos actuam como antibiticos bacteriostticos2.


Mecanismo de efluxo, pelo qual bombeiam para fora os antibiticos
-lactmicos, identificado em bactrias Gram-negativo.
As penicilinas so classificadas, em regra, em quatro grandes grupos:
Penicilinas naturais.
Aminopenicilinas.
Isoxazolilpenicilinas.
Carboxil e ureidopenicilinas e amidinopenicilinas.

Penicilinas naturais
As penicilinas naturais so a benzilpenicilina ou penicilina G e a fenoximetilpenicilina (penicilina V):
Benzilpenicilina ou penicilina G, para administrao e.v. ou i.m., sob a
forma de sal sdico ou potssio, tendo uma semivida curta, instabilidade em
meio cido, sendo resistente penicilinase. A relativa semivida curta, dada a
sua rpida excreo renal, obriga injeco, cada quatro ou seis horas. Em Portugal est disponvel o sal potssico, na dose de 1-3 milhes UI, cada duas ou
quatro horas, por via e.v. ou de 600.000-1,2 milhes UI de 12-12 ou de 24-24 h,
por via i.m. Nas crianas, a dose de 100.000 a 250.000 UI/kg/dia em seis administraes. A semivida plasmtica de 30 min, a ligao s protenas de 50%, o
pico srico de 20 mg/l aps um milho de UI por via e.v., sendo o metabolismo heptico de 25% e a excreo renal de 70%. As concentraes biliares so
muito superiores s do soro. A sua aco estende-se das infeces por Gram-positivo [Staphylococcus aureus e epidermidis no produtores de penicilinases
(< 20%), estreptococos, pneumococos de quase todos os grupos, Streptococcus viridans e algumas estirpes de enterococos (com efeito bacteriosttico)],
sendo, tambm, activa sobre alguns bacilos Gram-positivo, como Corybacterium diphteriae, Bacillus anthracis, Listeria monocytogenes e alguns cocos
Gram-negativo, como Neisseria meningitidis e gonorrhoeae (> 20% resistentes) e, ainda, alguns bacilos Gram-negativo, como Haemophilus influenzae.
Muitos anaerbios Gram-positivo, como Clostridium spp (incluindo o agente
da mionecrose gangrenogasosa clostridial), Clostridium tetani e alguns anaerbios Gram-negativo, excepto Bacteroides fragilis, so sensveis penicilina G.
Para alm destes, a penicilina G activa contra Actimomyces spp, Treponema
pallidum, Leptospira spp e Borrelia spp. A penicilina G est indicada no tratamento de agentes penicilina-sensveis, como o caso da faringite, da amigdalite, da otite mdia, da endocardite estreptoccica, da meningite meningoccica e pneumoccica e da pneumonia pneumoccica. As reaces adversas
mais comuns so a hipersensibilidade, incluindo o choque anafilctico, para
alm da leucopenia e da trombocitopenia, em regra transitrias, estando,
36

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

assim, contra-indicada nos doentes com hipersensibilidade comprovada s


penicilinas, devendo ser reduzida a dose no doente com insuficincia renal3.
Os sucedneos da penicilina G so:
Penicilina benzatnica (1,2 milhes UI, Lentocilina S e Penadur L-A;
2,4 milhes UI, Lentocilina S e Penadur L-A), para administrao i.m., na
dose de 600.000-2,4 milhes UI de uma a trs vezes por semana. O pico srico de 0,2 mg/l aps 1,2 milhes de UI.
Penicilina procanica, para administrao i.m., na dose de 600.000-1,2
milhes UI de 12-12 ou de 24-24 h. O pico srico de 3 mg/l aps 1,2 milhes
de UI.
Penicilina benzatnica, penicilina procanica e penicilina G potssica
(600.000, 300.000 e 300.000 UI, respectivamente, Penadur 6.3.3), para administrao i.m.
A fenoximetilpenicilina ou penicilina V tem um espectro de aco semelhante ao da benzilpenicilina, sendo absorvida por via oral, dada a sua estabilidade em meio cido. Tem a sua indicao para o tratamento das infeces
estreptoccicas (faringite, amigdalite e otite mdia) e para a profilaxia da febre
reumtica. A dose recomendada para adultos de 250-500 mg, de 6-6 h, por
via oral. Nas crianas de idade inferior a um ano, de um a cinco anos, de seis
a 12 anos, respectivamente, 62,5 mg, 125 mg e 250 mg, de 6-6 h.
A benzilpenicilina potssica e a fenoximetilpenicilina no esto disponveis em farmcia comunitria.

Aminopenicilinas
As aminopenicilinas so a amoxicilina, a ampicilina, a bacampicilina, a
lenampicilina, a pivampicilina, a amoxicilina/clavulanato e a ampicilina/sulbactam4,5. As duas ltimas so associaes de aminopenicilinas a inibidores
das b-lactamases, o que permite o alargamento do espectro de actividade
dos antimicrobianos; para alm do cido clavulnico e do sulbactam, o terceiro principal inibidor daquelas enzimas o tazobactam6,7.
Em Portugal, esto no mercado a amoxicilina e a amoxicilina/cido clavulnico (Quadro 1). A ampicilina e a amoxicilina parentrica no esto disponveis em farmcia comunitria.
As aminopenicilinas so penicilinas semi-sintticas resistentes ao pH cido
do estmago, o que permite a sua administrao por via oral, possuindo um
espectro de aco mais amplo do que as penicilinas naturais. Porm, so
inactivadas pelas penicilinases produzidas por Staphylococcus aureus e epidermidis e, actualmente, uma percentagem significativa de estirpes de Escherichia coli resistente ampicilina e amoxicilina.
Amoxicilina, para administrao por via oral, i.m. ou e.v. A dose para o
adulto de 0,25-1 g, de 8-8 h, por via oral; 500 mg, de 8-8 h, por via i.m.
37

F. Antunes

Quadro 1. Aminopenicilinas disponveis em Portugal


Amoxicilina*
Amplamox (500 mg, 1.000 mg em cpsulas; 250 mg/5 ml e 500 mg/ 5ml em p para
suspenso oral)
Cipamox (500 mg, 1.000 mg em cpsulas; 250 mg/5 ml, 500 mg/5 ml e 3.000 mg em p
para suspenso oral)
Clamoxyl (500 e 1.000 mg em cpsulas ou comprimidos dispersveis; 250 mg/5 ml
em p para suspenso oral)
Flemoxin solutab (500 mg, 1.000 mg em cpsulas)
Moxadent (1.000 mg em cpsulas)
Oraminax (500 mg, 1.000 mg em cpsulas; 250 mg/5 ml e 500 mg/5 ml em p para
suspenso oral)
Ampicilina
Amoxicilina e cido clavulnico
Amoxicilina + cido clavulnico (1.000 ou 2.000 mg + 200 mg para administrao e.v.)
Augmentin (500 mg + 125 mg, 875 mg + 125 mg em comprimidos revest.; 250 mg
+ 62,5 mg/5 ml, 400 mg + 57 mg/5 ml e 600 mg + 42,5 mg/5 ml em p para suspenso oral)
Betamox (500 mg + 125 mg, 875 mg + 125 mg em comprimidos revest.; 250 mg
+ 62,5 mg/5 ml e 400 + 57 mg/5 ml em p para suspenso oral)
Clavamox (500 mg + 125 mg, 875 mg + 125 mg em comprimidos revest.; 250 mg
+ 62,5 mg/5 ml, 400 mg + 57 mg/5 ml e 600 mg + 42,5 mg/5 ml em p para suspenso oral)
Forcid solutab (875 + 125 mg em comprimido dispersvel)
Penilan (875 mg + 125 mg em comprimidos dispersveis)
*Para alm das amoxicilinas referidas, esto disponveis outras genricas.
A ampicilina no est disponvel em farmcia comunitria.
Para alm das amoxicilinas referidas, esto disponveis outras genricas.

ou de 0,5-1 g, de 6-6 h ou de 8-8 h, por via e.v. Nas crianas, at aos 10 anos,
a dose de 125-250 mg de 8-8 h; dos dois aos cinco anos de 750 mg de 1212 h; dos cinco aos 10 anos de 1,5 g de 12-12 h. Quanto via i.m. ou e.v., a
dose, nas crianas, de 50-100 mg/kg/dia, de 6-6 ou de 8-8 h. A sua biodisponibilidade de 80% (administrao por via oral), no sendo alterada pela
presena de alimentos no estmago, a semivida de uma hora, o pico srico de 8-10 mg/l, aps 0,5 g, por via oral e de 24 mg/l, aps 3 g, a ligao
s protenas de 20%, sendo o metabolismo heptico de 10% e a excreo
renal de 70% (filtrao glomerular e secreo tubular). As concentraes
biliares so mais altas do que no soro. O espectro de aco da amoxicilina
similar ao da penicilina, cobrindo, adicionalmente, algumas enterobactericeas. Os enterococos e Listeria monocytogenes so mais sensveis amoxicilina do que penicilina. Para alm dos cocos Gram-positivo, um nmero
significativo de bactrias Gram-negativo, como Haemophilus influenzae,
Neisseria spp e anaerbios e, ainda, vrias estirpes de Escherichia coli, Proteus
mirabilis, Salmonella spp e Shigella spp so sensveis amoxicilina. Para alm
dos estafilococos, produtores de b-lactamases, so resistentes Klebsiella spp,
38

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

Enterobacter spp, Serratia marcescens e Yersinia enterocolitica. As suas principais indicaes so o tratamento das exacerbaes da bronquite crnica e
das otites e, ainda, infeces urinrias e gonorreia, para alm do tratamento da lcera pptica, por erradicao do Helicobacter pylori, em associao
com o metronidazol e com inibidores da secreo gstrica cida. As reaces
adversas mais comuns so a toxicodermia (exantema maculopapular), nuseas, desconforto abdominal e diarreia.
Ampicilina, para administrao por via oral, i.m. ou e.v. A dose para o
adulto de 0,5-1 g, de 6-6 h ou de 8-8 h, por via oral; 1-2 g, de 4-4 h ou de
6-6 h, por via e.v. Nas crianas, a dose de 50 mg/kg, de 6-6 h; 100-200 mg/
kg/dia, divididos em quatro doses, por via i.m./e.v.
A sua biodisponibilidade de 40%, sendo a absoro reduzida com a
ingesto de alimentos. A semivida de 0,8-1 h, o pico srico de 3 mg/l
aps 0,5 g, por via oral, de 10 mg/l aps 0,5 g por via i.m. e de 40 mg/l aps
1 g por via e.v., a ligao protenas de 20%, sendo o metabolismo heptico de 10% e a excreo renal de 70%. O espectro de aco semelhante
ao da amoxicilina, porm mais activa contra Shigella spp, mas menos activa
contra Salmonella spp e Enterococcus spp. A ampicilina incompatvel com
solues contendo aminoglicosdeo, metronidazol, eritromicina, anfotericina
B, heparina e corticides, podendo, por outro lado, reduzir a absoro intestinal de contraceptivos e do atenodol. O exantema maculopapular est associado a doses elevadas de ampicilina, em associao com o tratamento com
alopurinol, infeco por VIH, mononucleose infecciosa, insuficincia renal ou
leucemia linftica.
Amoxicilina e cido clavulnico, disponvel para administrao por via
oral e e.v. A dose para o adulto de 250-500 mg de amoxicilina com 125 mg
de cido clavulnico, de 8-8 h ou de 12-12 h, por via oral; 1-2 g de amoxicilina com 100-200 mg de cido clavulnico, de 4-4 h ou de 6-6 h, por via oral.
Nas crianas, a dose de 40 mg/kg/dia de amoxicilina com 10 mg/kg/dia de
cido clavulnico, por via oral, fornecida em trs tomas. A sua biodisponibilidade de 75%, no sendo alterada pela administrao com alimentos; a
semivida de uma hora; o pico srico de 4 mg/l aps 125 mg, por via oral;
a ligao protenas de 22%, sendo o cido clavulnico biotransformado
em 50% (a amoxicilina metabolizada no fgado em 10%) e a sua excreo,
em 40%, por via renal (filtrao glomerular) a excreo renal da amoxicilina de 70%. A associao de amoxicilina com cido clavulnico aumenta o espectro de aco contra as bactrias com resistncia associada
produo de b-lactamases (mediada por plasmdeos) Staphylococcus spp
(excepto resistentes meticilina), Neisseria gonorrhoeae, Haemophilus
influenzae, Escherichia coli, Proteus mirabilis e vulgaris, Klebsiella spp,
Salmonella spp, Shigella spp, de betalactamases plasmdicas (Shigella spp) e
presena de b-lactamases cromossmicas (Moraxella catarrhalis, Klebsiella spp,
Bacteroides spp e Prevotella spp). Os efeitos colaterais gastrintestinais podem
39

F. Antunes

ser atenuados com a administrao, concomitante, de alimentos e a hepatite


colesttica reversvel com a interrupo do antibitico.

Isoxazolilpenicilinas
As isoxazolilpenicilinas so as penicilinas resistentes s b-lactamases
(penicilinases), sendo conhecidas a dicloxacilina, a flucloxacilina, a cloxacilina, a meticilina, a nafcilina e a oxacilina8. Em Portugal, esto disponveis
as duas primeiras (dicloxacilina e flucloxacilina), a dicloxacilina para administrao por via oral e a flucloxacilina para administrao por via oral,
i.m. e e.v.
Dicloxacilina, para administrao por via oral (Diclocil, 500 mg em
cpsulas), sendo a dose para o adulto de 0,25-1 g, de 6-6 h. Nas crianas,
a dose de 25 mg/kg/dia, fraccionada em quatro tomas. A sua biodisponibilidade de 50% e a administrao de alimentos diminui a sua absoro,
a semivida de 40 min, o pico srico de 15 mg/l, aps 0,5 g, a ligao s
protenas > 95%, sendo metabolizada no fgado em 10% e a excreo
renal de 60% (secreo tubular), sendo as concentraes biliares inferiores s do soro. A dicloxacilina activa contra Staphylococcus aureus produtores de b-lactamases. Porm, as estirpes resistentes meticilina so,
tambm, resistentes aco da dicloxacilina, sendo quatro a oito vezes
menos activa do que a penicilina G contra outros cocos Gram-positivo. Os
efeitos colaterais mais frequentes so a leucopenia (em tratamento prolongado, com doses elevadas), a hepatite colesttica, o aumento das transaminases e a necrose heptica.
Flucloxacilina, para administrao por via oral (250 e 500 mg/em cpsulas;
250 mg/5 ml em p) ou por via parentrica (Floxapen 500 mg para via i.m.
ou e.v.). A dose para adulto de 250 mg-1 g por via oral, de 6-6 h; 250-500 mg
por via i.m., de 6-6 h, ou 1-2 g por via e.v., de 4-4 h ou de 6-6 h (a dose pode
ser dupla nas infeces graves). Nas crianas, a dose de 25 mg/kg/dia, por via
oral, fraccionada em quatro tomas e, por via e.v., de 100-300 mg/kg/dia, fraccionada em quatro ou seis administraes. A semivida de duas horas,
sendo bem absorvida por via oral 250 e 500 mg induzem picos sricos de
11 e 15 mg/l, respectivamente, e a ligao s protenas de 95%, sendo
50-60% excretada pela urina. A actividade antibacteriana idntica da
dicloxacilina.

Ureidopenicilinas
As ureidopenicilinas tm, predominante, aco contra Pseudomonas
aeruginosa e microrganismos Gram-negativo, no contexto da infeco
40

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

hospitalar, sendo os agentes a carbenicilina, a indanil carbenicilina, a ticarcilina, a mezlocilina e a piperacilina9. Em Portugal, est disponvel,
apenas, a piperacilina, coformulada com tazobactam (um potente inibidor
das -lactamases).
A piperacilina-tazobactam tem um espectro de aco alargado, semelhante
ao dos carbapenemes e das cefalosporinas de 3.a gerao, para tratamento
das pneumonias, infeces da pele e tecidos moles, infeces intra-abdominais, infeces polimicrobianas e da neutropenia febril, em combinao com
um aminoglicosdeo. Estas penicilinas antipseudomonas ou de espectro de
aco alargado so indicadas para o tratamento das infeces causadas por
bacilos Gram-negativo, especialmente Pseudomonas aeruginosa. Devem ser
utilizadas em combinao com um outro antibitico antipseudomonas, em
particular um aminoglicosdeo, para as infeces por Pseudomonas aeruginosa, excluindo as do aparelho urinrio, pelo menos nos primeiros dias de
tratamento. As ureidopenicilinas, em particular a piperacilina, so, tambm,
activas contra Klebsiella spp, Enterobacter spp, Serratia marcescens e providencia. A dose usual para o adulto de 12 g de piperacilina/1,5 g de tazobactam, administrada na dose de 3,375 g (3 g de piperacilina e de 375 mg
de tazobactam) de 6-6 h, ou de 4,5 g, de 8-8 h. No tratamento das infeces
causadas por bactrias produtoras de -lactamases de espectro expandido
(Escherichia coli e Klebsiella spp) pode utilizar-se esta combinao teraputica de antimicrobianos, no entanto, face ao risco de insucesso teraputico
deve dar-se preferncia aos carbapenemes.
Piperacilina-tazobactam est disponvel na dose de 2 g/250 mg ou de
4 g/500 mg, em p para soluo injectvel ou para perfuso. A piperacilina-tazobactam pode ser administrada por injeco e.v. lenta (durante, pelo menos, trs a cinco minutos) ou por perfuso e.v. lenta (durante 20 a 30 minutos).
A dose de piperacilina-tazobactam em adultos de 2,250-4,50 g de 6-6 h ou
de 8-8 h. Esta ureidopenicilina pode causar bloqueio neuromuscular com
vecurnio e, em tratamentos prolongados, por trs ou mais semanas, leucopenia e neutropenia, interferindo, ainda, com a agregao de plaquetas,
porm, em menor extenso do que a carbenicilina e a ticarcilina.

Amidinopenicilinas
O pivmecilinam (Selecid 200 mg em cpsulas) a nica amidinopenicilina
disponvel em Portugal10. A dose para adultos de 200-400 mg, de 6-6 h ou
de 8-8 h. O seu efeito devido libertao de mecilinam, sendo, relativamente, bem absorvido, com pico srico de 2-5 mg/l, aps administrao de
400 mg de pivmecilinam (a que correspondem 273 mg de mecilinam). A semivida plasmtica de uma hora. A eliminao urinria de 50%, aps a
administrao de 200 mg, e de 30% aps 800 mg, sendo bem tolerado,
41

F. Antunes

porm pode causar nuseas, desconforto abdominal e vmitos, que podem


ser persistentes. Contrariamente s aminopenicilinas, revela actividade elevada contra bactrias Gram-negativo (Escherichia coli, Citrobacter spp, Enterobacter spp, Klebsiella spp, Salmonella spp, Shigella spp e Yersinia spp) e
actividade fraca para bactrias Gram-positivo. O mecilinam , facilmente,
inactivado pela maioria das b-lactamases, sendo, porm, mais estvel do que
a ampicilina. O pivmecilinam est indicado no tratamento das infeces urinrias.

2. Cefalosporinas
As cefalosporinas so antibiticos b-lactmicos, estrutural e farmacologicamente relacionados com as penicilinas11,12. Em geral, as cefalosporinas so
activas in vitro contra bactrias aerbicas e anaerbicas, sendo classificadas
em quatro classes (geraes) de 1.a, 2.a, 3.a e 4.a gerao de acordo com
o seu espectro de actividade (Quadros 2 e 3).
As cefalosporinas de 1.a gerao possuem espectro de actividade, essencialmente, para cocos Gram-positivo, incluindo estafilococos produtores de
b-lactamases. A sua actividade contra bactrias Gram-negativo limitada,
embora algumas estirpes de Neisseria spp, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus spp, Salmonella spp, Shigella spp, Fusobacterium spp e
Bacteroides spp (excepto fragilis) sejam susceptveis. Nenhuma das cefalosporinas de 1.a gerao activa contra enterococos, estafilococos meticilinarresistentes e Pseudomonas aeruginosa.
As cefalosporinas de 2.a gerao so activas contra os microrganismos
susceptveis s cefalosporinas de 1.a gerao, mas, ainda, mais activas sobre
bactrias Gram-negativo, incluindo Haemophilus influenzae (os produtores
de b-lactamases so, relativamente, resistentes). A cefoxitina, o cefotetam,
o cefmetazol e o cefamandol so activas contra Bacteroides fragilis. Relativamente aos enterococos, estafilococos meticilinarresistentes e Pseudomonas
aeruginosa a sua actividade , praticamente, nula, tal como foi referido para
as cefalosporinas de 1.a gerao.
As cefalosporinas de 3.a gerao so, em regra, menos activas in vitro do
que as cefalosporinas de 1.a gerao contra estafilococos, mas, pelo contrrio, apresentam espectro de actividade muito mais alargado contra bactrias
Gram-negativo, em comparao com as cefalosporinas de 1.a e 2.a gerao,
cobrindo Neisseria spp, Clostridium spp, Bordetella pertussis, Aeromonas spp,
Moraxella, Pasteurella spp, Vibrio spp, Borrelia burgdorferi e Leptospira spp
e a maioria das enterobactericeas, no sendo activas contra enterococos e
estafilococos meticilinarresistentes. A ceftazidima a que apresenta, de entre as cefalosporinas de 3.a gerao, maior actividade contra Pseudomonas
aeruginosa. O cefetamet pivoxil, a cefixima, a cefodoxima e o cefibuteno
42

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

Quadro 2. Classificao das cefalosporinas


Actividade predominante
Cocos Gram-positivo

Agente

Gerao

Via de administrao

cefalotina

1.

i.m., e.v.

cefazolina

1.a

i.m., e.v.

cefapirina

1.a

i.m., e.v.

cefalexina

1.a

oral

cefradina*

1.a

i.m., e.v., oral

cefadroxil*

1.a

oral

cefatrizina*

1.a

oral

Microrganismos Gram-negativo
a) Adquiridos na comunidade

b) Adquiridos no hospital

estirpes multi-resistentes

c) Pseudomonas aeruginosa

d) Bacteroides fragilis

e) Cocos e enterobactericeas

cefaclor*

2.a

oral

cefeprozil*

2.a

oral

cefpodoxima

3.a

oral

cefamandol

2.a

i.m., e.v.

ceforanida

2.a

i.m., e.v.

cefuroxima*

2.a

i.m., e.v., oral

cefonicida*

2.a

i.m., e.v.

cefixima*

3.a

oral

cefodizima*

3.a

i.m., e.v.

ceftibuteno

3.a

oral

cefotaxima*

3.a

i.m., e.v.

ceftizoxima

3.a

i.m., e.v.

ceftriaxona*

3.a

i.m., e.v.

cefetamet pivoxil*

3.a

oral

ceftazidima*

3.

i.m., e.v.

cefoperazona

3.a

i.m., e.v.

cefepima

4.a

i.m., e.v.

cefoxitina*

2.

i.m., e.v.

cefmetazol

2.a

i.m., e.v.

cefotetan

2.a

i.m., e.v.

ceftidoreno

3.a

oral

*Disponveis em Portugal.

esto disponveis para administrao por via oral, sendo inactivas contra
estirpes de Enterobacter spp e de Pseudomonas aeruginosa e tm actividade
limitada contra anaerbios. A cefixima , tambm, inactiva contra a maioria
dos estafilococos. A cefotaxima, a ceftriaxona e a ceftizoxima tm espectros
idnticos de actividade e boa difuso no sistema nervoso central (SNC). Nas
meningites, a dose total de cefotaxima de 8-12 mg para adultos e de
300 mg/kg/dia, por via e.v., para as crianas. A ceftriaxona apresenta semivida plasmtica mais longa, podendo ser administrada uma vez por dia.
As cefalosporinas de 4.a gerao tm espectro alargado de actividade
contra bactrias Gram-negativo, sendo, no entanto, activas in vitro contra
43

F. Antunes

Quadro 3. Cefalosporinas disponveis em Portugal


Agente-gerao

Formulao

Nome comercial

cpsulas 500 mg
comprimidos 1.000 mg
suspenso oral 100 mg/ml

Ceforal
Cefadroxil Mylan, Ceforal
Ceforal

Cefatrizina 1.a

cpsulas 500 mg
suspenso oral 50 mg/ml

Macropen
Macropen

Cefradina 1.a

cpsulas 500 mg
comprimidos 1.000 mg
p para suspenso oral 250 mg/5 ml
p para suspenso oral 500 mg/5 ml
parentrica 1.000 mg/10 ml

Cefradur
Cefradur
Cefradur
Cefradur
Cefradur

Cefaclor 2.a

cpsulas 500 mg
comprimidos 750 mg
p para suspenso oral 25 mg/ml
p para suspenso oral 250 mg/5 ml
p para suspenso oral 375 mg/5 ml

Ceclor, Cefador Generis


Ceclor Retard
Ceclor
Ceclor
Ceclor

Cefonicida 2.a

i.m., e.v. 1.000 mg/2,5 ml

Monocid

Cefoxitina 2.a

i.m., e.v. 1.000 mg/10 ml

Atralxitina,
Cefoxitina Labesfal

Cefeprozil 2.a

comprimidos 500 mg
p para suspenso oral 250 mg/5 ml

Procef
Procef

Cefuroxima 2.a

granulado para suspenso oral 125mg/5 ml Zipos, Zoref


granulado para suspenso oral 250mg/5 ml Zipos, Zoref
comprimidos 250 mg
Cefuroxima, Zipos, Zoref
comprimidos 500 mg
Cefuroxima, Zipos, Zoref
i.m., e.v. 750 mg
Cefuroxima, Curoxime

Cefetamet pivoxil
3.a

comprimidos 500 mg

Cefec

suspenso oral 50 mg/ml

Cefec

i.m., e.v. 1.000 mg


i.m., e.v. 2.000 mg

Modivid
Modivid

i.m., e.v. 1.000 mg/4 ml

Cefotaxima

i.m., e.v. 500 mg

Cefortam

i.m., e.v. 1.000 mg

Cefortam

i.m., e.v. 2.000 mg

Cefortam

i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,
i.m.,

Ceftriaxona
Ceftriaxona
Ceftriaxona, Rocephin
Ceftriaxona
Ceftriaxona, Rocephin
Ceftriaxona, Rocephin

Cefadroxil 1.

Cefodizima 3.a
Cefotaxima 3.a
a

Ceftazidima* 3.

Ceftriaxona

3.a

Ceftidoreno 3.a
Cefixima 3.

e.v.
e.v.
e.v.
e.v.
e.v.
e.v.

250 mg/2 ml
250 mg/5 ml
500 mg/2 ml
500 mg/5 ml
1.000 mg/3,5 ml
1.000 mg/10 ml

comprimidos 500 mg

Meiact. Spectracef

p para suspenso oral 20 mg/ml


comprimidos 400 mg

Cefixima, Tricef
Cefixima, Neocef, Tricef

*No est disponvel em farmcia comunitria.

44

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

Pseudomonas aeruginosa e algumas enterobactericeas, em regra, resistentes


s cefalosporinas de 3.a gerao. A cefepima revela actividade semelhante
ceftazidima, contra Pseudomonas aeruginosa, sendo, no entanto, mais activa do que as cefalosporinas de 3.a gerao contra enterobactericeas produtoras de b-lactamases. A cefepima, tal como todas as cefalosporinas, no
activa contra enterococos, estafilococos meticilinarresistentes, Listeria spp
e Bacteroides fragilis.
As doses e as caractersticas farmacocinticas das cefalosporinas esto
referidas no quadro 4.
As reaces adversas mais comuns so nuseas, vmitos e dor abdominal
(3%), nas formulaes orais. As reaces de hipersensibilidade (prurido,
exantema, anafilaxia e febre) surgem em 2% dos casos. Cerca de 10% dos
doentes alrgicos penicilina so-no, tambm, s cefalosporinas. Do ponto
de vista laboratorial, a eosinofilia, a neutrofilia e, mais raramente, a trombocitopenia so, provavelmente, de origem imunitria, sendo transitrias e
reversveis, bem como o aumento moderado das transaminases e da fosfatase alcalina.

3. Monobactmicos
Os monobactmicos so b-lactmicos monocclicos, que actuam por inibio
da sntese da parede bacteriana13.
O aztreonam (Azactam 1.000 mg para administrao por via parentrica
i.m. ou e.v.) o nico representante deste grupo, sendo a dose para adultos de 1-2 g, de 8-8 ou de 12-12 h (i.m. ou e.v.) e nas crianas de 100-150
mg/kg/dia (i.m. ou e.v.), dividida em trs ou quatro administraes. A semivida de 1,7 h, o pico srico de 100 mg/l, aps 1 g por via e.v., e de 50
mg/l aps 1 g i.m., a ligao s protenas de 60%, sendo, provavelmente,
degradado nos tecidos e a excreo renal de 70% (filtrao glomerular e
secreo tubular). As concentraes biliares so de 40 mg/l aps 1 g por via
e.v. O aztreonam actua, exclusivamente, sobre bactrias Gram-negativo, incluindo enterobactericeas, Pseudomonas aeruginosa, Yersinia spp, Pasteurella multocida, Capnocytophaga spp, Plesiomonas spp, Aeromonas spp, Haemophilus influenzae e Neisseria spp, no obstante a produo de
b-lactamases. O aztreonam est indicado nas cistites e pielonefrites, nas
pneumonias por bactrias Gram-negativo, nas septicemias, nas infeces da
pele (feridas ps-operatrias, lceras e queimaduras, nas infeces intra-abdominais, incluindo peritonites) e nas infeces ginecolgicas (endometrites e celulites plvicas). O aztreonam incompatvel em soluo com o
metronidazol e com a vancomicina. Se bem que raramente, pode acontecer
aumento moderado das transaminases, tendo-se, ainda, verificado prolongamento do tempo de protrombina e do tempo parcial de tromboplastina.
45

46

Cefprozil

Cefaclor

Cefadroxil

Cefradina

Cefalexina

a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.

c) 40 mg/kg/d oral
(em 3x)
40 mg/l
aps 1 g i.m.

13 mg/l
aps 0,5 g oral

30 mg/l
aps 1 g oral

c) 30 mg/kg/d oral
(em 2x)

a) 0,5-1 g/6-8 h
oral

16 mg/l
aps 0,5 g oral

12 mg/l
aps 1 g i.m.

c) 50 mg/kg/d
oral (em 4x)

a) 0,5-1 g/8-12 h
oral

17 mg/l
aps 0,5 g oral

a) 0,5-1 g/6-8 h
i.m., e.v., oral

c) 25-50 mg/kg/d
oral (em 4x)

18 mg/l
aps 0,5 g oral

30 mg/l
aps 1 g oral

c) 30 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 2x)

a) 0,5-1 g/6-8 h
oral

16 mg/l
aps 0,5 g oral

a) 0,5-1 g/8-12 h
oral

180 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 50-100 mg/kg/d
i.m., e.v.

Cefadroxil

64 mg/l
aps 1 g i.m.

a) 0,5-2 g/8 h
i.m., e.v.

Cefalozina

Pico srico

Dose

Agente

1,8 h

0,8 h

1,2 h

0,9 h

0,9 h

1,2 h

1,8 h

Semivida

Quadro 4. Doses e caractersticas farmacocinticas das cefalosporinas

20%

25%

20%

10%

10%

20%

80%

Ligao s protenas

hidrlise

Metabolismo

continua

renal 85%

renal 70%

renal 90%

renal > 90%

renal 90%

renal 90%

renal 95%

Excreo*

F. Antunes

Cefotetan

Cefoxitina

Cefonicide

Cefuroxima
(axetil)

Cefamandol

Agente

c) 40-80 mg/kg/d
e.v. (em 2x)

160-230 mg/l
1-2 g e.v.

110 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 80-160 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 4-6x)

a) 1-2 g/12 h
i.m., e.v.

24 mg/l
aps 1 g i.m.

a) 1-2 g/4-8 h
i.m., e.v.

c) 20-50 mg/kg/d
i.m., e.v.

100 mg/l
aps 1 g i.m.

aps 1,5 g e.v.


4 mg/l
aps 250 mg oral

c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x) 15-30
mg/kg/d
oral (em 2-3x)

a) 1-2 g/d
i.m., e.v.

27 mg/l
aps 750 mg i.m.
100 mg/l

90 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 4-6x)

a) 0,75-3 g/8 h
i.m., e.v.
250-500 mg/8-12 h
oral (axetil)

25 mg/l
aps 1 g i.m.

80 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x)

a) 1-2 g/4-5 h
i.m., e.v.

Pico srico

Dose

3-5 h

0,8 h

4,5 h

1,4 h

0,8-1 h

Semivida

88%

70%

98%

40%

75%

Ligao s protenas

Quadro 4. Doses e caractersticas farmacocinticas das cefalosporinas (continuao)

< 50%

Metabolismo

continua

renal 80%

renal 85%

renal 95%

renal 90%

renal 90%

Excreo*

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

47

48
60 mg/l
aps 1 g e.v.
ou 2 g i.m.
130 mg/l
aps 2 g e.v.

c) dados indisponveis

80 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3x)

a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.

40 mg/l
aps 1 g i.m.

150 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 50-100 mg/kg/d
i.m., e.v.
(em 1-2 doses)

a) 1-2 g/8-12 h
i.m., e.v.

80 mg/l
aps 1 g i.m.

80 mg/l
aps 1 g e.v.

c) 100-150 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 3-4x)

a) 1-2 g/12-24 h
i.m., e.v.

25 mg/l
aps 1 g i.m.

4,5 mg/l
aps 400 mg oral

Pico srico

a) 1-2 g/6-8 h
i.m., e.v.

a) adulto; c) criana.
*Por filtrao glomerular e secreo tubular.

Cefepima

Ceftazidima

Ceftriaxona

Cefotaxima

a) 200-400 mg/12-24 h
i.m., e.v.

Cefixima

c) 8 mg/kg/d
i.m., e.v. (em 1-2x)

Dose

Agente

2h

1,8 h

8h

1h

3-4 h

Semivida

< 20%

20%

90%

40%

70%

Ligao s protenas

Quadro 4. Doses e caractersticas farmacocinticas das cefalosporinas (continuao)

heptico 10%

50%

Metabolismo

renal 80%

renal 85%; biliar < 3%

renal 50%

renal 80%; biliar 1%

renal 20%; biliar

Excreo*

F. Antunes

Antimicrobianos Penicilinas, cefalosporinas e monobactmicos

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49

Seco 3 Antimicrobianos

CARBAPENEMES*

Germano do Carmo

1. Estrutura qumica e propriedades farmacocinticas


e farmacodinmicas
Os carbapenemes so antibiticos betalactmicos, que diferem da penicilina pela existncia de um tomo de carbono em vez de enxofre na posio
1 e por uma ligao insaturada entre os tomos de carbono 2 e 3 do anel
estrutural pentavalente.
O primeiro dos carbapenemes, a thienamycina, foi resultado da investigao levada a cabo pelo Merck Institute for Therapeutic Research e o
produto natural de um fungo do solo, Streptomyces cattlya2.
Contudo, devido sua instabilidade, foi modificado sinteticamente em
N-formimidoyl thienamycina, a que foi dado o nome de imipenem (Tienam).
Ulteriormente, outros carbapenemes foram sintetizados, procurando conseguir-se, num composto simples, o mesmo espectro de aco antimicrobiana
e potncia do imipenem, mas com melhor estabilidade metablica.
Na sequncia de vrias alteraes do ncleo da thienamycina, nomeadamente a introduo de um grupo 1-methyl na posio C-1, foi possvel
sintetizar vrios compostos, entre os quais o biapenem e o meropenem
(Meronem)1.
Para l do imipenem e do meropenem, muitos outros carbapenemes foram sintetizados, sendo de referir o ertapenem (Invanz), devido a algumas
caractersticas com interesse clnico e, tambm, por ser, de momento, o
nico licenciado em Portugal, para l dos j acima citados. Trata-se de
um novo carbapenem com espectro de aco mais estreito do que o imipenem e do que o meropenem que foi aprovado pela FDA para tratamento
intravenoso de infeces graves, intra-abdominais, urinrias, da pele e dos
tecidos moles e das pneumonias adquiridas na comunidade, com a posologia
de 1g/dia (por via e.v. ou i.m.) atendendo sua longa semivida3.
Tal como os demais antibiticos betalactmicos, os carbapenemes actuam
inibindo a sntese do peptidoglicano bacteriano, atravs da conexo electiva s protenas de ligao penicilina, as PBP. Esta conexo tem alguma

*A designao do frmaco, no singular, quer na farmacopeia portuguesa, quer no RCM do produto carbapenem.
O plural, aparece no pronturio teraputico como carbapenemes e no formulrio hospitalar como carbapenemos.
Optmos, no presente trabalho, pela primeira das duas opes.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

51

G. do Carmo

especificidade entre os diferentes antibiticos, verificando-se que, no caso


dos carbapenemes, o imipenem se liga preferencialmente s PBP2 e PBP1 e o
meropenem s PBP2 e PBP3. A generalidade das aminopenicilinas e as cefalosporinas ligam-se, fundamentalmente, s PBP34,5.
A consequncia desta ligao preferencial s PBP2 a lise rpida das
bactrias. No caso do imipenem, verifica-se a particularidade de impedir
a multiplicao filamentosa das bactrias, levando-as, ao invs, expresso esferoidal, do que resulta muito menor massa bacteriana final e que,
no momento da morte celular, leva libertao de muito menor quantidade de endotoxina 4. Recentemente, tm-se desenvolvido pesquisas
para a produo de novos carbapenemes, que possuam afinidade especial para as PBP2, as quais so especficas de estafilococos meticilinarresistentes, pneumococos penicilinarresistentes e vrias espcies de enterococos.
Com estes novos frmacos espera-se que se consiga avano significativo no
tratamento das infeces, habitualmente graves, causadas pelos microrganismos mencionados4,6,7.
Todos os carbapenemes so hidrossolveis, no sendo, por isso, absorvidos
pelo tracto gastrintestinal, aps administrao oral. Os dois mais importantes
carbapenemes disponveis na actualidade tm grandes diferenas no que respeita solubilidade na gua, sendo que o imipenem exige cerca de 200 ml
para dissoluo de 1 g e o meropenem 5 ml, ou seja, quarenta vezes menos,
o que um aspecto de grande importncia clnica em muitos doentes8.
Do ponto de vista farmacocintico, h, tambm, grandes diferenas
entre eles, porquanto o imipenem sofre metabolismo ps-excreo renal,
atravs de uma enzima, a dipeptidase, que actua ao nvel das clulas tubulares renais. Esta enzima, a dehydro-peptidase I (DHP-I), hidrolisa e
quebra, por isso, a ligao betalactmica da molcula do carbapenem,
dando origem a metabolitos estveis. Na sequncia desses estudos, comprovou-se que este metabolismo renal do imipenem constitua um grande
problema para a utilizao do frmaco, porque da dose administrada apenas se obtinha 7 a 38% do produto activo na urina e este era altamente
txico para o rim8.
Em consequncia destes factos, desenvolveram-se estudos para a produo de inibidores eficazes da DHP-I, tendo-se comprovado que a cilastatina,
em combinao 1:1 com o imipenem, bloqueava a aco da DHP-I e permitia
a obteno de 60 a 75% do imipenem activo na urina. A aco da cilastatina no interfere com a cintica plasmtica do imipenem e, por outro lado,
neutraliza a toxicidade renal deste9-11. Ao invs, o meropenem , de longe,
muito mais estvel face DHP-I e no necessita de cilastatina.
Para l do metabolismo renal, existe, tambm, outro meio de metabolismo
(o mais importante) que de cerca de 30% da dose, que se passa, de preferncia, a nvel pulmonar e d origem a dois metabolitos estveis, os mesmos que
resultam da hidrlise causada pelo DHP-I, o imipenemoyl e o meropenemoyl4,11,12.
52

Antimicrobianos Carbapenemes

A ligao s protenas plasmticas do imipenem e da cilastatina , de


cerca, de 25% e a do meropenem de 10%. A cintica de doses mltiplas
idntica da dose nica, nos indivduos com funo renal normal, e com as
doses recomendadas, para cada um dos frmacos.
Quer o imipenem-cilastatina e o meropenem, quer os respectivos metabolitos so eliminados, quase que exclusivamente, por via renal, atravs da
filtrao glomerular e da secreo tubular11-13.
Pelo que se refere, bvio que as alteraes da funo renal afectam a
cintica destes frmacos, sendo particularmente alteradas as semividas da
cilastatina e dos metabolitos que aumentam at cerca de 16 h, ao contrrio
do que se passa com o imipenem e com o meropenem, cujas semividas sobem
para quatro e seis horas e 30 min, respectivamente, nos casos de doentes
com insuficincia renal terminal e/ou em hemodilise14-16.
Todos estes frmacos e metabolitos so compostos de baixo peso molecular, sendo eliminados, efectivamente, no decurso da hemodilise, o que
um dado da maior relevncia clnica. Ao invs, no so afectados pelo estado da funo heptica dos doentes, dado no sofrerem qualquer metabolismo ao nvel do fgado.
Quer o imipenem, quer o meropenem penetram bem os diferentes rgos
e tecidos, nomeadamente, tecido pulmonar, sistema nervoso central (SNC) e
lquido cefalorraquidiano, humor aquoso, vias biliares (vescula includa), lquido peritoneal e os diferentes tecidos inflamados.
De uma maneira geral, os dados farmacocinticos disponveis mostram
que as concentraes plasmticas obtidas permanecem acima das concentraes inibitrias mnimas (CIM), para a maioria dos patognios, cerca de
quatro horas e 30 min ou mais. Disto resulta a eficcia teraputica elevada
destes antibiticos.

2. Espectro antimicrobiano
Os carbapenemes so, hoje, os antibiticos de espectro de aco antimicrobiano mais alargado. De facto, eles so eficazes contra a grande maioria
de bactrias Gram-negativo e Gram-positivo, aerbias e anaerbias, cocos e
bacilos5,15.
De entre a generalidade dos patognios humanos, apenas so resistentes
aos carbapenemes Xanthomonas maltophilia, Burkholderia cepacia, antes
designada por Pseudomonas cepacia, Enterococcus faecium e outros enterococos. Staphylococcus aureus e os coagulase negativo meticilinarresistentes
e, bem assim, os pneumocos resistentes ou de sensibilidade reduzida penicilina, que tm susceptibilidade varivel aos carbapenemes6.
Estes frmacos so, altamente, resistentes hidrlise provocada pela
maior parte das betalactamases. Ao invs, so fortemente inactivados por
53

G. do Carmo

enzimas contendo zinco, como acontece, regularmente, nos casos da infeco


por Xanthomonas maltophilia e, mais raramente, por outras bactrias8. So, por
outro lado, importantes indutores de cefalosporinases, as quais inactivam
por hidrlise as cefalosporinas de 3. gerao, como a ceftriaxona e a ceftazidima17. Contudo, estas enzimas no afectam a actividade antimicrobiana
dos carbapenemes. A emergncia de resistncia aos carbapenemes, em particular ao imipenem, tem vindo a aumentar e diz respeito, especialmente, a
Pseudomonas aeruginosa, sendo na maior parte dos casos, devida perda
de canais de porina da parede celular, pelos quais o antibitico penetra na
bactria18. Contudo, dado que essa via no a mesma que outros antibiticos
usam para entrar na clula bacteriana, a alterao referida no condiciona
a emergncia de resistncia cruzada a outros betalactmicos.

3. Indicaes teraputicas
Como decorre do exposto, os carbapenemes so antimicrobianos da maior
importncia e pode dizer-se que o seu aparecimento constituu um indiscutvel avano no armamentrio teraputico anti-infeccioso. Contudo, apesar
do seu espectro de aco ser, verdadeiramente, nico, h que ter particular
cuidado com a sua utilizao, sob pena de a curto prazo se virem a perder as
capacidades teraputicas. Em termos genricos, pode dizer-se que so antibiticos a serem usados, apenas, em casos muito bem definidos, nomeadamente situaes clnicas graves em que se comprova, ou se suspeita, fortemente, de infeces mistas, aerbias e anaerbias e infeces nosocomiais,
causadas por microrganismos resistentes ou multirresistentes aos frmacos
comumente utilizados.
A sua associao a outros antibiticos, como glicopetpdeos e aminoglicosdeos, deve ser encarada, apenas em situaes excepcionais e o seu uso
profilctico , de todo, desaconselhado. Digamos, resumindo, que os carbapenemes, por todas as razes j apresentadas e pelo facto de no serem
medicamentos baratos, devem ser reservados para o tratamento, em monoterapia, de situaes clnicas graves ou muito graves, em especial aquelas
que no responderam a anteriores tentativas teraputicas ou cujos agentes
patognicos so, reconhecidamente, de difcil controlo.
Vejamos agora, caso a caso, as principais indicaes teraputicas destes
antibiticos.

Infeces intra-abdominais e obsttrica-ginecolgicas


Atendendo aos habituais agentes patognicos responsveis por estas
infeces, bacilos Gram-negativo, aerbios e anaerbios, especialmente
54

Antimicrobianos Carbapenemes

Bacteroides spp, os carbapenemes so frmacos com indicao formal, com


resultados em tudo equiparveis aos obtidos com as alternativas teraputicas
existentes. Entre os dois principais carbapenemes no h diferenas significativas de resultados entre si e o mais relevante com a sua utilizao o
poder prescindir-se de teraputicas com associao de antibiticos, como
aminoglicosdeos ou cefalosporinas, mais metronidazol ou clindamicina.

Infeces do tracto respiratrio inferior


Embora a maioria destas infeces, quer as adquiridas na comunidade,
quer as nosocomiais, seja causada por patognios sensveis a carbapenemes,
estes no se constituem como primeira escolha. E a principal razo para esta
afirmao radica no facto de que h muitas alternativas teraputicas, igualmente, eficazes e muito mais baratas. As situaes de excepo sero aquelas
em que o agente causal da pneumonia Streptococcus pneumoniae altamente resistente penicilina e, no caso das pneumonias hospitalares, as da
responsabilidade de Staphylococcus aureus e bacilos Gram-negativo, particularmente Pseudomonas aeruginosa.
Nestes casos, os carbapenemes, em monoterapia, podem, efectivamente,
ser alternativas teraputicas vlidas s cefalosporinas de 3. gerao ou s
vrias associaes de antibiticos, frequentemente, utilizadas.

Infeces do doente neutropnico febril


Estas so situaes clnicas, em regra, de muita gravidade, em que a utilizao dos carbapenemes, particularmente do imipenem-cilastatina em monoterapia, pode ser, legitimamente, assumida, pelo menos, numa fase inicial
da doena. Os resultados obtidos, em alguns estudos efectuados com estes
doentes, comprovam que a eficcia teraputica equivalente obtida com
a ceftazidima em monoterapia ou com vrias combinaes de antibiticos8.

Meningites bacterianas agudas


Os carbapenemes no so primeira escolha teraputica nestas situaes
e o imipenem-cilastatina, atendendo ao seu potencial epileptognico, ,
formalmente, contra-indicado. Contudo, em situaes particulares, em que
no se possam usar outros antibiticos, por susceptibilidade individual ou,
principalmente, devido prevalncia regional de pneumococos altamente
resistentes penicilina, o meropenem pode, nessas circunstncias, constituir-se como alternativa teraputica.
55

G. do Carmo

Quadro 1. Carbapenemes disponveis em Portugal


Adultos c/ funo renal normal

Imipenem-cilastatina

Clearance da
creatinina

dose (g)

Int (h)

> 70

0,5-1

6-8

70-31

0,5

6-8

30-21

0,5

8-12

20-6

0,25-0,5

12

0,25-0,5

depois da dilise

> 50

0,5-2

0,5 g a 1 g 3x/d, i.v.

50-26

0,5-2

12

nas meningites 2 g
3x/d, i.v.

25-10

0,25-1

< 10

0,25-1

24

< 30

0,5

24

0,5 g 3x/d, i.v. a 1 g 4 x


dia, i.v.

Meropenem

Ertapenem

Insuficientes renais

1 g/dia, i.m. ou i.v.

Atendendo ao seu largo espectro de aco e s suas propriedades farmacocinticas e farmacodinmicas, os carbapenemes so, essencialmente,
antibiticos de eleio para o tratamento emprico em monoterapia das
infeces graves, septicemias com ou sem choque sptico, decorrentes de
infeces intra-abdominais, infeces de doentes neutropnicos e outros
casos de infeces nosocomiais, sem agente isolado ou com padro de sensibilidade complexo. Contudo, apesar do seu espectro de aco antibacteriano mpar, a ineficcia de actuao destes antibiticos diz respeito a alguns
dos patognios mais comuns e mais agressivos, responsveis pelas infeces
mencionadas, como so Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecium,
Staphylococcus aureus meticilinarresistentes e Acinetobacter spp. Em algumas destas situaes, e s nessas, poder, ento, encarar-se a possibilidade
de associao com aminoglicosdeos ou com glicopetpdeos.
No quadro 1 esto indicados os esquemas posolgicos dos carbapenemes
disponveis de momento no nosso Pas.

4. Reaces adversas
Desde os primeiros estudos animais que se comprovou que o imipenem
isoladamente tinha elevada toxicidade renal, causando necrose tubular
56

Antimicrobianos Carbapenemes

aguda. Contudo, com a associao 1:1 com a cilastatina, inibidor electivo da


DHP-I, essa toxicidade praticamente eliminada. O meropenem, pode dizer-se, no tem toxicidade renal8. Mas, para alm da toxicidade renal, os
carbapenemes podem considerar-se como antibiticos com bom perfil de
segurana, com relativamente poucas reaces adversas importantes. De
todas elas, as mais relevantes so o potencial epileptognico do imipenem,
mais acentuado com doses elevadas e nos doentes com patologia pr-existente do SNC19. Esta toxicidade foi bem comprovada com os trabalhos
de Wong, et al., que, ao usarem imipenem-cilastatina para tratamento de
meningites bacterianas em crianas, comprovaram a ocorrncia de convulses em sete de vinte e um doentes20. A partir da, a utilizao do
imipenem-cilastatina para tratamento dessa patologia quer em crianas,
quer em adultos, ficou altamente condicionada, sendo considerado que,
num adulto com funo renal normal, a dose mxima possvel de utilizar
ser a de 4 g/dia. O meropenem, ao invs, pode ser usado sem restries
nestes doentes, podendo atingir-se as doses de 6 g/dia, sem risco de convulses. As reaces adversas do foro gastrintestinal, nomeadamente as
nuseas e os vmitos, so pouco frequentes, apontando alguns estudos
para taxas de 3,8%21. Igualmente, os casos de diarreia so raros, no havendo diferena significativa entre o imipenem-cilastatina e o meropenem, 1
versus 1,5%22.
A explicao mais plausvel para estas taxas baixas de aces adversas, a
nvel do tracto gastrintestinal a de que a quantidade de frmaco que chega ao intestino ser muito reduzida e que os efeitos sobre a flora intestinal
normal sero, por isso, mnimos. Por esta razo, a terrvel colite pseudomembranosa, que se observa com outros antibiticos muito improvvel com o
uso dos carbapenemes. As reaces alrgicas de hipersensibilidade so mnimas e, mesmo nos casos em que havia histria de prvia alergia penicilina,
no se verificaram situaes de gravidade, mas apenas alguns casos de
exantema medicamentoso22.
A utilizao de qualquer dos dois principais carbapenemes, actualmente disponveis, pode causar algumas alteraes laboratoriais nos doentes com eles medicados. Entre essas alteraes refere-se aumento ligeiro a moderado das aminotransferases, em cerca de 5% dos casos e,
embora muito menos frequentes, ainda, ligeira subida da bilirrubina e
da fosfatase alcalina. Igualmente, verificam-se algumas alteraes hematolgicas discretas, sendo as mais comuns a trombocitose e a eosinofilia22.
Embora todas estas alteraes possam resultar da aco txica directa dos
frmacos, no possvel em absoluto excluir que, no todo ou em parte, elas
sejam devidas prpria doena infecciosa que motivou o tratamento antibitico. Mas, como foi referido, no incio do presente captulo, os carbapenemes so, de modo geral, frmacos seguros e sem graves problemas de
toxicidade.
57

G. do Carmo

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58

Seco 3 Antimicrobianos

Glicopeptdeos

Francisco Antunes

Os glicopeptdeos so antibiticos que inibem a sntese do peptidoglicano, tal como acontece com os b-lactmicos, porm actuam em etapas metablicas diferentes. Para alm disto, alteram a permeabilidade da membrana
citoplasmtica bacteriana, o que explica a sua actividade contra protoplastos
e inibem, tambm, a sntese do ARN.
A resistncia natural dos microrganismos Gram-negativo explicada, principalmente, pela incapacidade dos glicopeptdeos penetrarem a parede bacteriana. O desenvolvimento de resistncia durante o tratamento muito
raro. A resistncia natural das estirpes de estafilococos tem-se revelado constante ao longo do tempo. A resistncia dos enterococos vancomicina tem
sido registada, sendo aquela cruzada com a teicoplanina.
Os nicos glicopeptdeos disponveis so a vancomicina (Glipep LP, Vancomicina CP, Vancomicina Alpharma, Vancomicina APS 500 ou 1.000 mg
e.v.) e a teicoplanina (Targosid 200 mg i.m., e.v.), que so utilizados para
tratar infeces graves por bactrias Gram-positivo (incluindo as multirresistentes), mas, tambm, para os casos em que os doentes so alrgicos penicilina1,2. A sndrome de red-man ou de red-neck (prurido, eritema, vermelhido
da regio superior do tronco, angio-edema e, mais raramente, colapso cardiovascular), est associada libertao de histamina dos basfilos e das mast
cells, quando a administrao do antibitico muito rpida (< 60 minutos).
Alguns dos problemas relacionados com a administrao dos glicopeptdeos so de ordem alrgica (febre, arrepios de frio, exantema e eosinofilia)
porm, menos frequentes com a teicoplanina do que com a vancomicina. A
nefrotoxicidade muito rara e reversvel, sendo potenciada com o uso, concomitante, de aminoglicosdeos, anfotericina B, ciclosporina e furosemida3.
Teicoplanina, para administrao i.m. e e.v. No adulto, a dose
de trs tomas de 6 mg/kg (400 mg), com intervalos de 12 h, seguidas por
6 mg/kg/dia em dose nica i.m. ou e.v. Nas crianas, a dose de trs tomas
de 10 mg/kg, com intervalos de 12 h, seguidas por 6-10 mg/kg/dia em dose
nica i.m. ou e.v. A semivida plasmtica de 40-70 h, a ligao s protenas
de 90%, o pico srico de 12 mg/l, aps 6 mg/kg i.m. e de 50 mg/kg, depois
de 6 mg/kg por via e.v., o metabolismo < 5% e a excreo renal de 80%.
No tratamento da endocardite e de outras infeces graves estafiloccicas, a
dose de 12 mg/kg/dia. No sendo absorvida por via oral, pode ser utilizada
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

59

F. Antunes

por esta via para o tratamento da colite pseudomembranosa (usando a formulao parentrica). A teicoplanina activa contra bactrias Gram-positivo,
incluindo, virtualmente, todas as estirpes de estafilococos produtores de
penicilinase e meticilina - sensveis e resistentes e, ainda, estirpes de pneumococos resistentes penicilina. A teicoplanina tem cerca de duas a quatro
vezes maior actividade intrnseca do que a vancomicina contra microrganismos sensveis, sendo cerca de duas vezes mais activa do que a vancomicina
contra Enterococcus faecalis. Algumas estirpes de estafilococos coagulase
negativa (Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus haemolyticus) so
resistentes teicoplanina e sensveis vancomicina. A teicoplanina incompatvel com solues contendo aminoglicosdeo, podendo apresentar hipersensibilidade cruzada com a vancomicina. A toxicidade renal rara, assim
como a febre e o exantema, a eosinofilia e a trombocitopenia4,5.
Vancomicina, para administrao por via e.v. No adulto, a dose de
30-50 mg/kg (em geral 2 g)/dia por via e.v., de 12-12 h; a administrao
deve ser lenta de, pelo menos, uma hora, dissolvida em 100-250 ml de dextrose ou de soluo salina, de 125-500 mg, de 6-6 h para a via oral (no
absorvida, com interesse a sua administrao por via oral para o tratamento
da colite pseudomembranosa) e de 10-20 mg por via intratecal. A dose para
crianas de 40 mg/kg/dia por via e.v., fraccionada em duas a quatro administraes. A semivida plasmtica de seis horas, a ligao s protenas de
10-50%, o pico srico de 25-40 mg/l, aps 1 g por via e.v., estando o metabolismo heptico aumentado, no caso de insuficincia renal, e a excreo
renal de 90-100% (por filtrao glomerular). A vancomicina tem espectro de
actividade semelhante teicoplanina, sendo bacteriosttica contra enterococos,
porm bactericida para 100% das estirpes, quando em associao com a
gentamicina (excepto para as estirpes com resistncia elevada aos aminoglicosdeos). A interaco com outros frmacos e os efeitos colaterais so comuns aos
glicopeptdeos, porm de realar que a heparina pode inactivar a vancomicina
(quando administrada no mesmo sistema), sendo, ainda, de referir que pode
precipitar em soluo com o cloranfenicol e com a netilmicina (evitar, ainda, a
sua associao em corticides, aminofilina ou penicilina G potssica).

Bibliografia
1. Flemingham D. Towards the ideal glycopeptide. J Antimicrob Chemother. 1993;32:663-6.
2. Arthur M, Courvalin P. Genetics and mechanisms of glycopeptide resistance in enterococci. Antimicrob
Agents and Chemother. 1993;37:1563-71.
3. Rybak MJ, Albrecht LM, Boike SC, Chandreesekar PH. Nephrotoxicity of vancomycin, alone and with an
aminoglycoside. J Antimicrob Chemother. 1990;25:679-87.
4. Campoli-Richards DM, Brogden RN, Faulds D. Teicoplanin. A review of its antibacterial activity, pharmacokinetic properties and therapeutic potential. Drugs. 1990;40:449-86.
5. Wilson APR, Grneberg RN, Neu H. A critical review of the dosage of teicoplanin in Europe and the USA.
Int J Antimicrob Agents. 1994;4 Suppl I:1-30.

60

Seco 3 Antimicrobianos

MACRLIDOS e quetlidos

A. Mota Miranda

1. Introduo
Os macrlidos e os quetlidos compreendem um grupo de antibiticos
que tm em comum um anel de lactona macrocclico, ao qual se ligam um
ou mais acares, tm propriedades biolgicas afins, espectro antimicrobiano e indicaes clnicas semelhantes e podem desenvolver resistncia cruzada entre membros do mesmo grupo, de modo natural ou induzida e
especfica. Estes antimicrobianos so bacteriostticos ou bactericidas, consoante a sua concentrao e o microrganismo em causa, e atuam por inibio da sntese proteica bacteriana. Os macrlidos so teis e de utilizao
corrente no tratamento de infees da comunidade de pouca gravidade e,
tambm, no de vrias infees oportunistas em imunodeprimidos, assim
como no da sua preveno. J os quetlidos, inicialmente com as mesmas
indicaes clnicas, dada a sua toxicidade heptica, tm emprego limitado
e so, sobretudo, uma opo particular no tratamento da pneumonia aguda da comunidade. O espectro de ao idntico, atuando sobre cocos e
bacilos Gram-positivo e Gram-negativo, incluindo anaerbios, e, em particular, sobre microrganismos intracelulares. De entre estes, salientam-se Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae, Chlamydia spp, Coxiella burnetii, entre outros. So, ainda, a opo
preferencial de tratamento e profilaxia da infeo por Mycobacterium avium
complex (MAC).
A eritromicina, isolada em 1952, foi o primeiro macrlido a ser identificado e usado na prtica clnica, em particular, nas infees respiratrias e da
pele e tecidos moles1-4. Tem vindo a ser substituda pela claritromicina e
azitromicina, macrlidos mais recentes, com melhor tolerncia e biodisponibilidade oral, bem como melhor comodidade posolgica uma ou duas tomas dirias. Alm disso, apresentam atividade antimicrobiana mais ampla, o
que possibilita o seu uso no tratamento de algumas infees oportunistas
na sida e de infees por microrganismos resistentes1-4. No entanto, o seu
custo bastante mais elevado.
Estes antimicrobianos apresentam efeito ps-antibitico prolongado e
tm, por outro lado, importante ao anti-inflamatria2. Esta caracterstica
poder torn-los teis no tratamento da doena arterial coronria, provavelmente, pelo papel que algumas infees crnicas, como as provocadas por
Chlamydophila pneumoniae, e, tambm, o prprio processo inflamatrio
61

A. Mota Miranda

Quadro 1. Classificao dos macrlidos e quetlidos


Macrlidos
14 tomos de carbono

15 tomos de carbono

16 tomos de carbono

Derivados naturais
Eritromicina

Josamicina

Oleandomicina

Midecamicina

Troleandomicina

Miocamicina
Espiramicina
Derivados semissintticos

Roxitromicina
Claritromicina

Azitromicina

Diritromicina
Quetlidos
Telitromicina

tm na potenciao da aterosclerose/trombognese2. No entanto, os vrios


estudos clnicos no so concordantes sobre esse benefcio. Alm disso, a
ao anti-inflamatria dos macrlidos pode ser benfica no tratamento de
doenas pulmonares crnicas, como a fibrose cstica e infees bacterianas
recorrentes2. Porm, ser preciso mais investigao para melhor esclarecer o
papel dos macrlidos nestas reas.
Os macrlidos apresentam um ncleo central de lactona que permite a
sua classificao de acordo com o nmero de tomos de carbono em trs
grupos (Quadro 1)1-4.
Molculas com 14 tomos de carbono neste grupo incluem-se os
derivados naturais, como a eritromicina produzida por Saccharopolyspora
erythraea, antes Streptomyces erythreus, a oleandomicina, produzida por
algumas espcies de Streptomyces antibioticus e a troleandomicina, triacetilster da oleandomicina. A eritromicina inativada pela acidez gstrica, formando-se vrios produtos de degradao sem ao antibacteriana,
pelo que deve ser administrada aps as refeies para melhor absoro. As
formulaes entricas da eritromicina, disponveis sob as formas de etilsuccinato, estolato ou estearato tm maior estabilidade. Os derivados semissintticos so a roxitromicina, a claritromicina e a diritromicina, frmacos
mais estveis em meio cido.
Molculas com 15 tomos de carbono a azitromicina, estvel em meio
cido, o derivado semissinttico pertencente a este grupo. Apesar da sua
absoro oral ser reduzida com os alimentos, atingem-se boas concentraes
intracelulares.
62

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Molculas com 16 tomos de carbono engloba os derivados naturais


josamicina, produzido por algumas espcies de Streptomyces narbonensis
variante josamyceticus variante nova, midecamicina, produzido por Streptomyces mycarofaciens, e o seu derivado acetilado, miocamicina, e
espiramicina, todos estveis em meio cido.
Os quetlidos so uma nova classe de antimicrobianos que inclui a telitromicina1-5. um derivado semissinttico da eritromicina e resulta da
substituio do acar neutrocladinosa, na posio 3 dos macrlidos com
14 tomos de carbono, por um grupo cetnico e unio de um carbamato
cclico ao anel de lactona na posio C11-C12. Esta alterao estrutural
torna-o menos suscetvel ao desenvolvimento de resistncias. Este frmaco,
aprovado na Unio Europeia (UE) pela European Medicines Agency (EMEA)
em julho de 2001 e nos Estados Unidos da Amrica (EUA) pela Food and
Drug Administration (FDA) em 2004, o primeiro deste grupo. Apresenta
maior potncia antimicrobiana e mais ativo contra bactrias Gram-positivo
resistentes penicilina e aos macrlidos, assim como uma maior eficcia
contra Haemophilus influenzae. As suas principais indicaes clnicas eram o
tratamento da pneumonia adquirida na comunidade (PAC), ligeira ou moderada, a exacerbao da bronquite crnica, a sinusite aguda em doentes
com idade > 18 anos e, ainda, o tratamento da amigdalite/faringite causada
por Streptococcus b-hemoltico do grupo A, em doentes a partir dos 12 anos,
quando contra-indicado o uso da penicilina. Dada a sua toxicidade heptica,
o seu uso est, apenas, indicado, de acordo com a aprovao da FDA, no
tratamento da PAC1,2,5,6. Em Portugal a telitromicina no se encontra comercializada.

2. Modo de ao e espectro antimicrobiano


Os macrlidos, bem como os quetlidos, atuam por inibio da sntese
proteica bacteriana, dependente do ARN, por fixao ao recetor 50S do ribossoma, bloqueando por mecanismo competitivo a juno das duas subunidades1-5. Apesar do seu efeito bacteriosttico, comportam-se como bactericidas, em concentraes elevadas, sobre determinadas espcies bacterianas.
Em relao a algumas bactrias, o efeito bactericida da azitromicina e da
telitromicina mais marcado, sendo ainda este, alm de mais potente, eficaz
contra bactrias resistentes aos macrlidos. O principal metabolito da claritromicina, 14-hidroxiclaritromicina, tem tambm efeito antibacteriano e,
embora menos ativo, sinrgico, em particular, sobre Haemophilus spp.
As sensibilidades dos vrios macrlidos e quetlidos sobre os agentes
microbianos e respetivas CIM90 mostram-se no quadro 2. No entanto, os
testes de sensibilidade in vitro podem no fazer prever a respetiva atividade
in vivo, dada a presena de metabolitos com atividade antibacteriana, a
63

A. Mota Miranda

Quadro 2. CIM90 (g/ml) da eritromicina, azitromicina, claritromicina e telitromicina


sobre os diferentes microrganismos
Eritromicina

Azitromicina

B. pertussis

0,06

0,06

0,06

0,03

Borrelia spp.

0,1

0,01

0,03

0,5

C. diphteriae

0,026

0,058

0,008

0,008

1,0-4,0

0,12-0,5

1,0-8,0

C. pneumoniae

0,25

0,25

0,03

0,25

C. trachomatis

0,25

0,25

0,015

C. jejuni

Claritromicina Telitromicina

Enterococcus spp.
Sensvel vancomicina

2,0

> 8,0

1,0

0,06

> 128,0

> 8,0

> 128,0

32,0

H. influenzae

8,0

2,0

16,0

2,0

H. pylori

0,25

0,5

0,015

0,5

L. pneumophila

0,5

0,5

0,046

0,125

MAC

64,0

4,0-8,0

32-64

> 128,0

M. catarrhalis

0,25

0,06

0,25

0,12

M. pneumoniae

0,015

0,015

0,015

0,015

N. gonorrhoeae

2,0

0,25

1,0

0,12

Resistente vancomicina

S. aureus
Sensvel meticilina

> 128,0

> 128,0

0,25

Resistente meticilina

> 128,0

>128

> 128,0

0,5

S. epidermidis

> 128,0

128,0

> 128,0

> 128,0

S. pneumoniae
Sensvel penicilina G
1,0

1,0

0,25

0,03

Resistncia intermdia
(CIM = 0,12-1,0 g/ml)

(CIM 0,06 g/ml)

> 64,0

> 64,0

> 64,0

0,06

Resistente penicilina G
(CIM 2 g/ml)

> 64,0

> 64,0

> 64,0

0,25

0,06

0,25

0,06

0,015

>128,0

8,0

8,0

0,12

S. pyogenes
S. viridans

concentrao intracelular, o pH, entre outros aspetos. Em geral, os microrganismos so considerados suscetveis se a concentrao inibitria mnima
(CIM) 2 g/ml1,7.
Estes antibiticos tm amplo espectro de ao, incluindo os seguintes
microrganismos1-4:
64

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Cocos Gram-positivo vrias espcies de Streptococci, incluindo pneumoniae, pyogenes, agalactiae e viridans, espcies de Staphylococci meticilinossensveis.
Bacilos Gram-positivo Corynebacterium diphtheriae, Listeria monocytogenes, Bacillus anthracis, Rhodococcus equi, Erysipelothrix spp, Lactobacillus spp.
Cocos Gram-negativo Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis,
Moraxella catarrhalis.
Bacilos Gram-negativo Haemophilus influenzae, Bordetella pertussis,
Campylobacter jejuni, Pasteurella multocida, Eiknella corrodens, Haemophilus
ducreyi, Gardnerella vaginalis, Vibrio cholerae, Helicobacter pylori.
Anaerbios Peptococcus spp, Peptostreptococcus spp, Clostridium perfrigens, Propionibacterium acnes, Eubacterium spp, Porphyromonas spp, Prevotella spp.
Agentes intracelulares Legionella pneumophila e outras espcies,
Chlamydophila pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Mycoplasma pneumoniae, Mycoplasma hominis, Coxiella burnetii.
Micobactrias MAC, Mycobacterium chelonae, Mycobacterium kansasii, Mycobacterium leprae.
Espiroquetas Treponema pallidum, Borrelia burgdorferi e outras espcies.
Parasitas Toxoplasma gondii, Plasmodium falciparum e outras espcies.
De um modo geral, a claritromicina mais ativa sobre os cocos Gram-positivo e o seu principal metabolito de degradao, 14-hidroxiclaritromicina, mais ativo contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. A azitromicina mais eficaz contra as
bactrias Gram-negativo, incluindo Haemophilus influenzae, Moraxella
spp,Campylobacter spp, Neisseria spp, Pasteurella spp, Eiknenella spp, Vibrio
cholera e, ainda, algumas enterobactericeas Escherichia coli, Salmonella
spp, Yersinia spp, Shigella spp. Apresenta, tambm, maior eficcia contra os
agentes bacterianos intracelulares.
A ocorrncia de resistncia aos macrlidos tem surgido em vrias regies
e este facto tem implicaes teraputicas8. A sensibilidade de Streptococcus
pneumoniae aos antimicrobianos apresenta amplas variaes geogrficas,
sendo a resistncia aos macrlidos, sobretudo observada para estirpes resistentes penicilina G, que atinge 40% para os isolados de resistncia intermdia a este antibitico e mais de 60% para os isolados resistentes (CIM
2 g/ml)1,2,8. Em Portugal essa taxa de 18,8%9. De modo semelhante, tm
surgido resistncias para Streptococcus pyogenes, que variam entre 15-60%,
sendo no nosso pas de 18,9%1,2,8,9. Em relao a Haemophilus influenzae
apenas 5,5% so resistentes claritromicina, no se observando resistncia
azitromicina9. Tambm, no foi encontrada resistncia de Moraxella catarrhalis aos macrlidos9. Torna-se, assim, importante ter esse conhecimento
atualizado, porque nos pases onde a incidncia de isolados resistentes aos
65

A. Mota Miranda

macrlidos ultrapassa 25% dever optar-se por outra teraputica1,2. As enterobactericeas e Pseudomonas aeruginosa so, naturalmente, resistentes
aos macrlidos e quetlidos1,2.
A resistncia adquirida aos macrlidos e quetlidos pode resultar de modificaes estruturais no local de unio do antibitico ao ribossoma, por
mecanismos de efluxo ativo, por efeito de enzimas inactivantes e por mutao
cromossmica1-3. A resistncia plasmdica mediada por uma metilase bacteriana que acarreta inativao enzimtica e impede a fixao do antibitico.
Esta resistncia origina resistncia cruzada entre os macrlidos e, tambm, com
as lincosamidas e estreptograminas. Este fenmeno no se observa com a
telitromicina que mantm a sua atividade contra essas estirpes resistentes.
O mecanismo de efluxo ativo, dependente do trifosfato de adenosina (ATP),
especfico dos macrlidos de 14 e 15 tomos de carbono e mediado por
uma protena da membrana celular de algumas bactrias que faz a desintegrao do macrlido. Esto ainda identificadas enzimas inactivantes esterases, capazes de hidrolisar ou modificar o anel lactnico, como se verifica
com as enterobactericeas e mutaes cromossmicas que, embora muito
raras, ocorrem nos genes da protena 50S do ribossoma.

3. Farmacocintica
Aps a absoro digestiva segue-se um ciclo entero-heptico complexo,
com excreo biliar at ao limite da saturao, passando a restante concentrao circulao sangunea para excreo urinria, a qual, em regra, no
ultrapassa 15%1-4. No quadro 3 mostram-se as principais caractersticas farmacocinticas dos macrlidos. De um modo geral, apresentam boa biodisponilidade oral, embora dependente da dose e com grandes variaes individuais. Os macrlidos mais antigos estavam dependentes da neutralizao da
acidez gstrica para boa absoro, facto ultrapassado com os mais recentes,
incluindo a telitromicina que tem maior estabilidade em meio cido. A ingesto com os alimentos no modifica a absoro das formas microcapsuladas de eritromicina, diritromicina, roxitromicina, claritromicina e telitromicina, mas aumenta a absoro do estearato de eritromicina e diminui, em
cerca de 50%, a da azitromicina, o que justifica a sua administrao uma
hora antes ou duas horas depois da refeio. O metabolismo , predominantemente, heptico e a eliminao biliar, exceto para a azitromicina, que
, principalmente fecal. Apenas entre 5-15% da dose ingerida eliminada
por via renal. Os metabolitos so inativos, exceto o principal metabolito da
claritromicina 14-hidroxiclaritromicina, que, como j se disse, tem atividade
intrnseca e sinergstica, sobretudo, sobre Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. As concentraes tecidulares so elevadas, atingindo, na
maioria dos macrlidos e quetlidos, concentraes superiores s sanguneas,
66

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Quadro 3. Caractersticas farmacocinticas dos macrlidos e telitromicina


Macrlido/Quetlido
Eritromicina (etilsuccinato)
Claritromicina

Dose
(mg)

Biodisponibilidade (%)

C. mx
(mg/l)

T. mx
(h)

T 1/ 2
(h)

Fixao s
protenas

250-1.000

50*

1,5

1,5

70-90

2,5-5,5

1,8

250-500

55

65

10-50

Azitromicina

250-500

37

0,4-3,6

2-3

12

Roxitromicina

150-300

80

7,8-10,8

12

75-95

500-1.000

1-2

1-2

15

Midecamicina

1.200

1,7

10

Miocamicina

600-900

1,3-3

1-2

45

Diritromicina

500

10

0,1-0,5

4-4,5

16-65

15-30

Espiramicina

1.000

35

1,5

2-3

10

Telitromicina

800

57

70

Josamicina

*Variaes amplas entre as diferentes formulaes de eritromicina (esterato, estolato e etilsuccinato);


melhor absoro do estolato; a ingesto de alimentos atrasa a absoro de todas as formulaes.
Melhor absoro com alimentos.
Vida mdia nos tecidos > 2 dias.

que podem ser de cinco a 10 para a eritromicina e de 10 a 100 no caso da


azitromicina. A roxitromicina apresenta concentraes sricas elevadas, ligeiramente superiores s tecidulares. Os macrlidos e quetlidos tm excelente
distribuio por todos os tecidos, exceto no lquor, o que impede o seu uso
no tratamento das meningites bacterianas. No interior das clulas, as concentraes so mais elevadas nos polimorfonucleares neutrfilos e nos macrfagos. No caso da eritromicina no h necessidade de ajuste posolgico,
em doentes com insuficincia renal. O frmaco no removido pela dilise
peritoneal ou por hemodilise. Em relao claritromicina e telitromicina,
a dose deve ser ajustada, em doentes com insuficincia renal grave depurao da creatinina < 30 ml/min, recomendando-se para a claritromicina a
dose inicial de 500 mg, seguida de 250 mg/dia ou cada 12 horas, conforme a
gravidade da infeo, e para a telitromicina a dose deve ser reduzida para
400 mg por dia. No h dados suficientes sobre o ajuste posolgico da azitromicina na insuficincia renal.

4. Tolerncia
Os macrlidos e os quetlidos tm boa tolerncia, sendo raros os efeitos
adversos e, geralmente, de pouca gravidade1-4. Os efeitos secundrios mais
67

A. Mota Miranda

comuns so as perturbaes digestivas alteraes no paladar, estomatite,


glossite, descolorao dos dentes, nuseas, vmitos, diarreia, dor abdominal
e casos raros de colite pseudomembranosa por Clostridium difficile. Estas
manifestaes so mais frequentes com os macrlidos com 14 tomos de
carbono, em particular, com a eritromicina. Alteraes hepticas podem,
tambm, ocorrer, manifestadas por elevao das aminotransferases, sem
traduo clnica, ou por hepatite colesttica, na sua forma ictrica. Esta disfuno heptica, sobretudo observada com preparaes base de estolato
e em adultos, pode ser de natureza txica, traduzida por leso celular e citlise, ou de causa alrgica, que se manifesta sob a forma de reao de hipersensibilidade com colestase, usualmente, aps 20 dias de tratamento. A
toxicidade heptica da telitromicina pode revestir maior gravidade, com
ocorrncia de casos fatais, o que obsta ao seu uso na prtica clnica2,5,6. Alteraes do ritmo cardaco podem surgir com a perfuso endovenosa rpida,
em particular, em doentes com patologia cardaca ou em tratamento com
antiarrtmicos. Assim, deve ter-se precauo com o uso dos macrlidos e
quetlidos em doentes com perturbaes do ritmo cardaco, sobretudo, aumento do intervalo QT, ou sujeitos a medicao que possa induzir essa perturbao2-5. Outros efeitos adversos registados englobam cefaleias, exantema, incluindo sndrome de Stevens-Johnson, pancreatite, opacidades
corneanas, hipoglicemia, trombocitopenia e perturbaes neuropsquicas,
como ansiedade, zumbidos, vertigens, insnia, alucinaes, confuso, psicose aguda e, ainda, nefrite intersticial e insuficincia renal. Flebite e dor local
podem ocorrer com as formulaes endovenosas. Estes efeitos podem ser
minimizados com diluio apropriada dos frmacos e com perfuso lenta,
em mdia entre 45-60 minutos. Os acufenos e a surdez, associados aos macrlidos, so reversveis aps a sua suspenso. A telitromicina est contra-indicada na miastenia gravis exacerbao de fraqueza muscular, dispneia
ou insuficincia respiratria aguda grave poucas horas aps a primeira administrao de telitromicina2,10. O mecanismo de exacerbao da miastenia
gravis continua por esclarecer. No h contra-indicao para o uso dos macrlidos durante a gestao e lactao, com exceo da claritromicina e da
telitromicina, para os quais no h, ainda, informao disponvel sobre efeitos teratognicos que possam ocorrer em humanos durante a gestao1,2.

5. Interaes medicamentosas
As interaes com o sistema enzimtico do citocrmio P450 (CYP450) so,
sobretudo, observadas com os macrlidos com 14 tomos de carbono, conquanto possam, tambm, ocorrer com os restantes e com a telitromicina1-4.
A azitromicina no interage de modo to significativo com essas enzimas,
provavelmente devido sua estrutura azlido, pelo que as interaes
68

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

medicamentosas no so habituais. No entanto, embora tornando este


macrlido mais seguro, requer vigilncia a sua coadministrao com frmacos
que usam a mesma via enzimtica no seu metabolismo.
O CYP450 utiliza o frmaco como substrato, formando um complexo estvel
que inibe aquelas enzimas, da resultando uma diminuio da depurao de
frmacos que so metabolizados pelo mesmo sistema enzimtico. Assim, no
devem ser administrados concomitantemente ou at duas semanas aps o
tratamento com frmacos indutores dessas enzimas ou, ento, haver necessidade de reduo das doses, vigilncia clnica e, sobretudo, monitorizao
srica da teraputica.
Os seguintes frmacos podem ver as suas concentraes aumentadas e,
portanto, maior potencial de toxicidade1-4:
Analgsicos estupefacientes fentanilo.
Anestsicos locais lidocana.
Anticidos e antiulcerosos inibidores da bomba de protes (omeprazol).
Antiarrtimicos disopiramida, quinidina e verapamilo.
Antibacterianos rifabutina e rifampicina.
Anticoagulantes varfarina.
Antiepilticos e anticonvulsivantes cido valprico, carbamazepina,
fenitona e fenobarbotal.
Antifngicos cetoconazol, itraconazol e fluconazol.
Anti-histamnicos astemizol, loratidina e terfenadina.
Antiparkinsnicos dopaminomimticos bromocriptina.
Corticosterides metilprednisolona.
Derivados ergotamnicos dihidroergotamina e ergotamina.
Cardiotnicos digitlicos digoxina.
Imunomoduladores ciclosporina.
Antidislipidmicos inibidores da redutase da HMG-CoA atorvastatina,
lovastatina e sinvastatina.
Medicamentos para tratamento de dependncias dissulfiram.
Modificadores da motilidade gastrintestinal cisaprida.
Psicofrmacos alprazolam, buspirona, hiperico, midazolam e triazolam.
Xantinas teofilina.
Os nveis sricos de telitromicina reduzem-se (em 80%) com a rifabutina/rifampicina e aumentam com os azis, enquanto a claritromicina diminui os
nveis daqueles antibiticos.
As interaes dos macrlidos, sobretudo da claritromicina, com os antirretrovricos so observadas de modo dominante com os inibidores da
protease (IPs), no-nucleosdeos inibidores da transcriptase reversa (NNITRs)
e antagonistas dos correceptores CCR511.
IPs os nveis sricos de claritromicina aumentam com o atazanir,
darunavir, fosamprenavir, lopinavir, tipranavir (potenciados pelo ritonavir)
69

A. Mota Miranda

e ritonavir. Recomenda-se a reduo da dose em 50-75%, vigiar a toxicidade,


sobretudo, cardaca, monitorizar os nveis sricos ou optar pela azitromicina.
Os nveis sricos do saquinavir ou do tipranavir aumentam com o uso
concomitante da claritomicina.
NNITRs diminuio dos nveis sricos da claritromicina e aumento da
etravirina quando usados, em associao, claritromicina e etravirina; diminuio dos nveis sricos da claritromicina com a nevirapina; aumento esperado dos nveis sricos da rilpivirina com a claritromicina. Nestas situaes e
quando indicado deve optar-se pela azitromicina.
Antagonistas dos CCR5s aumento dos nveis sricos do maraviroc com a
claritromicina, pelo que deve reduzir-se a dose de maraviroc para 150 mg cada
12 horas.

6. Indicaes clnicas
O espectro de ao antimicrobiana dos macrlidos e da telitromicina
amplo, sendo estes antimicrobianos eficazes contra infees provocadas por
bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, micobactrias, espiroquetas e,
sobretudo, sobre vrios microrganismos intracelulares 1-4. Os principais
macrlidos usados na prtica clnica so a eritromicina, a claritromicina e a
azitromicina, sendo a telitromicina o nico quetlido identificado at esta
data. Os novos macrlidos e a telitromicina apresentam algumas particularidades em relao eritromicina, que os tornam mais teis no tratamento de infees por microrganismos sensveis1-4. Estes aspetos so o maior espectro antimicrobiano, incluindo sobre bactrias resistentes e sobre alguns agentes
oportunistas de infees em imunodeprimidos, a melhor biodisponibilidade
oral, a maior semivida e os menores efeitos adversos. As suas formas de
apresentao, posologia habitual e modo de administrao so apresentados
no quadro 4.
Os novos macrlidos so mais ativos sobre Legionella pneumophila, Chlamydia
trachomatis, Borrelia burgdorferi e Ureaplasma urealyticum, e tm atividade
semelhante sobre Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae.
A claritromicina mais eficaz contra espcies de Staphylococci meticilinossensveis e de Streptococci spp, bem como contra o MAC, Mycobacterium
leprae e Mycobacterium chelonae. A claritromicina potencia a ao da isoniazida, rifampicina, rifabutina, pirazinamida e etambutol sobre Mycobacterium tuberculosis, assim como, em associao com a pirimetamina, eficaz
sobre Toxoplasma gondii. O seu principal metabolito, 14-hidroxiclaritromicina, tambm ativo sobre esses microrganismos, principalmente, sobre Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, e exerce, em associao, efeito
aditivo. A azitromicina eficaz sobre as bactrias Gram-positivo, embora
menos ativa do que a claritromicina contra Staphylococci spp e Streptococci spp.
70

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Quadro 4. Macrlidos e telitromicina e esquemas posolgicos


Macrlido

Dose unitria

Esquema posolgico

Eritromicina

P para soluo injetvel 1.000 mg

E.v. 30-50 mg/kg/dia;


500-1.000 mg cada 6-8 h

Comprimidos 500 mg

Via oral 30-50 mg/kg/dia;


500 mg cada 6 h

Granulado para soluo oral


250 mg/5 ml, 500 mg/5 ml
e 1.000 mg/5 ml
Claritromicina P para soluo injetvel 500 mg
Comprimidos 250 mg e 500 mg

E.v. 7,5 mg/kg/dia;


250-1.000 mg cada 12 h
Via oral 7,5 mg/kg/dia;
250-1.000 mg cada 12 h

Granulado para soluo oral 25 mg/ml


e 50 mg/m
Azitromicina

P para soluo para perfuso 500 mg

E.v. 10 mg/kg/dia;
500 mg/dia

Comprimidos 500 mg

Via oral 10 mg/kg/dia;


500 mg, seguido de 250 mg/dia

Granulado para soluo oral 2.000 mg


e 40 mg/ml
Espiramicina

Comprimidos 1,5 UI (500 mg)

Via oral 1,5-3 UI, cada 6 h


Peso 20 kg 1,5 UI/10 kg/dia,
cada 6-8 h
Peso < 20 kg 150.000-300.000 UI/
kg/dia, cada 6-8 h

Roxitromicina

Comprimidos 150 mg/300 mg

Via oral 150 mg cada 12 h; 5-8


mg/kg/dia cada 12 h

Telitromicina

Cpsulas 400 mg

Via oral 800 mg/dia

Porm, tem atividade superior sobre as bactrias Gram-negativo, especialmente,


sobre Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e algumas enterobactericeas Escherichia coli, Salmonella spp, Shigella spp.
Nos quadros 5 e 6 so mostradas as indicaes clnicas dos macrlidos.
Com algumas excees, so frmacos, fundamentalmente, para uso clnico
alternativo a outras opes teraputicas2-4. O seu uso, como primeira opo,
limita-se a infees por Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydophila pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Campylobacter jejuni,
Bordetella pertussis e Corynebacterium diphtheriae. Nestas situaes est
provado o seu benefcio clnico e, nos casos especficos, o seu efeito sobre a
reduo da transmissibilidade da infeo. Tambm, na doena do arranho
do gato e na angiomatose bacilar a eritromicina, claritromicina ou azitromicina so os frmacos de eleio, do mesmo modo que a claritromicina ou a
azitromicina so primeira opo no tratamento, em associao com outros
frmacos, e na profilaxia da micobacteriose por MAC. A azitromicina , ainda,
71

72
Eritromicina
Azitromicina
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina (+ RFP)
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Azitromicina

Gastrenterite por C. jejuni

Pneumonia por C. pneumoniae

Pneumonia por C. trachomatis

Pneumonia por Legionella spp

Pneumonia M. pneumoniae

Conjuntivite por incluses (C. trachomatis)

Tracoma (C. trachomatis)


Claritromicina
+ amoxicilina
+ omeprazol

Azitromicina
Eritromicina

Doena arranho do gato (B. henselae)

Infeo por H. pylori na doena ulcerosa

Eritromicina
Azitromicina

Angiomatose bacilar (B. henselae)

pptica*

Macrlido

Doena

continua

500 mg cada 12 h durante 7-10 ou 14 dias, oral


1.000 mg cada 12 h durante 7-10 dias ou 14 dias, oral
20 mg cada 12 h durante 7-10 ou 14 dias, oral prolongar mais
14 dias no caso de lcera pptica

Dose nica de 1.000 mg (20 mg/kg), oral

50 mg/kg/dia, cada 6 h, durante 14 dias, oral


Dose nica de 20/mg/kg (mx. 1.000 mg), oral

500 mg/dia durante 5-10 dias, oral


250 mg cada 12 h durante 14 dias, oral
500 mg cada 6 h durante 14-21 dias, oral

500 mg/dia durante 5-10 dias, e.v./oral

50 mg/kg/dia, cada 6 h, durante 14 dias, oral

500 mg/dia durante 7-10 dias, e.v./oral


250-500 mg cada 12 h dia durante 7-10 dias, oral
500 mg cada 6 h durante 7-10 dias, oral

250 mg cada 6 h durante 5-7 dias, oral


500 mg/dia no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 5.o dia, oral

500 mg no 1.o dia; 250 mg/dia do 2.o ao 5.o dia, oral


1.000 mg cada 6 h durante 7-14 dias, e.v./oral

500 mg cada 6 h durante 12 semanas, oral


500 mg/dia durante 4-6 semanas; 4-6 meses na endocardite, oral

Posologia

Quadro 5. Principais indicaes clnicas dos macrlidos em monoterapia ou em associao

A. Mota Miranda

Claritromicina
+ amicacina
Azitromicina
Azitromicina
Azitromicina
Eritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Alaritromicina

Micobacteriose por M fortuitum chelonae


complex

Cancride (H. ducreyi)

Uretrite/cervicite por C trachomatis

Uretrite no gonoccica no homem


(C. trachomatis/ U. urealyticum)

Difteria (C. diphteriae)

Portador do bacilo da difteria

Tosse convulsa (B. pertussis)

250 mg cada 6 h durante 14 dias, oral


500 mg/dia no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 5.o dia, oral
500 mg cada 12 h durante 7 dias, oral

250 mg cada 6 h durante 7-10 dias, oral

125-500 mg cada 6 h durante 14 dias, oral

Dose nica de 1.000 mg, oral


500 mg cada 6 h durante 7 dias, oral

Dose nica de 1.000 mg, oral

Dose nica de 1.000 mg, oral

500 mg cada 12 h durante 4-6 meses, oral

1.200 mg por semana, oral


500 mg cada 12 h, oral

500 mg/dia durante um ano aps a negativao das culturas do


escarro, oral
500 mg cada 12 h durante um ano aps a negativao das culturas
do escarro, oral

500 mg/dia por tempo indefinido ou > 1 ano em doentes


assintomticos e submetidos a TARV e linf. T CD4+ > 100 durante
3-6 meses, oral
500 mg cada 12 h por tempo indefinido ou > 1 ano em doentes
assintomticos e submetidos a TARV e linf. T CD4+ > 100 durante
3-6 meses, oral

Posologia

*Tratamento controverso no portador assintomtico, mesmo tendo em ateno o papel de H. pylori no carcinoma gstrico.

Azitromicina
Claritromicina

Claritromicina(+ ETB + RFB)

Azitromicina (+ ETB + RFB)

Profilaxia da MAC

Doena infiltrativa pulmonar por MAC

Azitromicina (+ ETB + RFB)

Doena disseminada por MAC


Claritromicina (+ ETB + RFB)

Macrlido

Doena

Quadro 5. Principais indicaes clnicas dos macrlidos em monoterapia ou em associao (continuao)

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

73

74
Eritromicina
Azitromicina
Claritromicina
Eritromicina
Azitromicina
Claritromicina

Infeo por S. grupos A, C, G*

Infeo por S. pneumoniae

Quinolona
Penicilina G ou
penicilina V

500 mg no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 5.o dia, oral


250-500 mg cada 6 h durante 10 dias; oral
500 mg no 1.o dia; 250 mg/dia do 2.o ao 5.o dia, oral
250 mg cada 12 h durante 10 dias, oral

Azitromicina

Quinolona ou
ceftriaxona
continua

500 mg/dia durante 5-7 dias, oral

Azitromicina

Infeo por Shigella spp

Clindamicina + quinino

500 mg no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 7.o dia, oral


750 mg cada 12 h, oral

Febre tifide (S. typhi)

Azitromicina
+ atovaquona

Infeo por Babesia microti

Doxiciclina, amoxicilina
ou cefuroxima

500 mg/dia durante 7-10 dias, oral

Cotrimoxazol

Azitromicina
Ceftriaxona ou
cefotaxima

Doena de Lyme
(exceto doena neurolgica e cardaca)

Cefuroxima ou
quinolona

500 mg no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 5.o dia, oral


250-500 mg cada 6 h durante 5-7 dias, oral
250-500 mg cada 12 h durante 5-7 dias, oral

500 mg no 1.o dia; 250 mg do 2.o ao 5.o dia, oral


250-500 mg cada 12 h durante 5-7 dias, oral

Azitromicina
Eritromicina
Claritromicina

Doena broncopulmonar por


M. catarrhalis

Ciprofloxacina,
doxiciclina, penicilina G
ou amoxicilina

500 mg cada 6 h durante 10 dias, oral

Doxiciclina ou tetraciclina;
vrias aplicaes tpicas

Azitromicina
Infeo do aparelho respiratrio
superior /bronquite aguda e crnica por Claritromicina
H influenzae

Eritromicina

Carbnculo

250 mg cada 6 h, oral


aplicaes tpicas

Frmaco de eleio

Penicilina G, ceftriaxona
ou cefotaxima

Eritromicina

Acne vulgaris

Posologia

250-500 mg cada 6 h durante mais trs dias aps a apirexia, oral


500 mg/dia durante mais trs dias aps a apirexia, oral
250-500 mg cada 12 h durante mais trs dias aps a apirexia, oral

Macrlido

Doena

Quadro 6. Tratamento alternativo de infees com macrlidos em monoterapia ou em associao

A. Mota Miranda

Eritromicina
Eritromicina
+ neomicina

Eritromicina
Claritromicina
Azitromicina
Azitromicina
+ pirimetamina
+ cido folnico

Linfogranuloma venreo (C. trachomatis)

Preveno da infeo aps cirurgia


colorrectal

Profilaxia da febre reumtica

Profilaxia da endocardite infeciosa

Toxoplasmose cerebral na sida

Doxiciclina ou tetraciclina

Frmaco de eleio

Amoxicilina, ampicilina
Pirimetamina +
sulfadiazina

900-1.200 mg/dia, oral


200 mg 1.o dia, seguido de 50-75 mg/dia
25-50 mg/dia

Penicilina G

500 mg 1 h antes da manipulao, oral


500 mg 1 h antes da manipulao, oral

250 mg cada 12 h, oral

Cefoxitina
1.000 mg, oral
1.000 mg, oral
Administrar s 1, 2 e 11 (p.m.) do dia anterior cirurgia + clisteres
de limpeza a iniciar dois dias antes da cirurgia

500 mg cada 6 h durante 21 dias, oral

Posologia

*Erisipela, impetigo, celulite, amigdalite, faringite, escarlatina, otite mdia aguda, sinusite aguda, bronquite aguda, exacerbaes agudas de DPOC, pneumonia.
Otite mdia aguda, sinusite aguda, bronquite aguda, exacerbaes agudas de DPOC, pneumonia.

Macrlido

Doena

Quadro 6. Tratamento alternativo de infees com macrlidos em monoterapia ou em associao (continuao)

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

75

A. Mota Miranda

Quadro 7. Etiologia mais comum da pneumonia aguda da comunidade


Comunidade

Doente internado

Doente internado em UCI

Streptococcus pneumoniae

Streptococcus pneumoniae

Streptococcus pneumoniae

Mycoplasma pneumoniae

Mycoplasma pneumoniae

Staphylococcus aureus

Haemophilus influenzae

Chlamydophila pneumoniae

Legionella pneumophila e
outras espcies

Chlamydophila pneumoniae Haemophilus influenzae

Bacilos Gram-negativo

Vrus respiratrios*

Haemophilus influenzae

Legionella pneumophila e
outras espcies
Aspirao
Vrus respiratrios*

*V. influenza A e B, vrus adenide, vrus sincicial respiratrio e vrus parainfluenza.

a escolha, em dose nica, do tratamento de algumas infees sexualmente


transmissveis, como cancride, uretrite, cervicite, epididimite e retite por
Chlamydiae trachomatis.
O tratamento emprico da PAC , habitualmente, orientado, tendo em
considerao os agentes etiolgicos mais comuns Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila e Chlamydophila
pneumoniae (Quadro 7)2,12. Outras etiologias possveis so Haemophilus influenzae, Staphylococcus aureus, Enterobacteriaceae, Moraxella catarrhalis,
anaerbios (aspirao), Chlamydia trachomatis, Chlamydia psittaci, Coxiella
burnetii e Francisella tularensis. Em regime ambulatrio, a monoterapia com
um macrlido uma opo no doente previamente saudvel e sem tratamento antibitico prvio2,12. Em outras situaes, aconselha-se a associao
de antibiticos, incluindo um macrlido, por forma a abranger essas possibilidades etiolgicas, enquanto decorrem os estudos para a sua identificao.
O conhecimento regional da prevalncia desses microrganismos e da sua
sensibilidade dever servir de guia na deciso da teraputica. As recomendaes de tratamento da PAC so mostradas no quadro 8, de acordo com o
contexto clnico e segundo normas provenientes de consensos de reunies
cientficas12. Os macrlidos constituem o tratamento de eleio das pneumonias por Legionella pneumophila e outras espcies, Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydophila pneumoniae e Chlamydiae trachomatis.
Os macrlidos, sobretudo a eritromicina, constituem os antibiticos de
eleio no tratamento da difteria e da coqueluche, doenas infeciosas prevenidas pela vacinao e, praticamente, eliminadas nos pases desenvolvidos2-4.
A eritromicina, 500 mg por via oral, cada 6 horas, durante 14 dias, o frmaco aconselhado para o tratamento de ambas as doenas, visando, no caso
76

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Quadro 8. Tratamento da pneumonia aguda da comunidade


Ambulatrio

Antibitico

Adulto previamente saudvel e sem


tratamento antibitico nos trs meses
precedentes

Macrlido* ou doxiciclina

Comorbilidades ou tratamento
antibitico nos trs meses precedentes

Fluoroquinolona ou macrlido + b-lactmico

Internamento

Antibitico

Qualquer situao

Fluoroquinolona ou macrlido + b-lactmico

Unidade de Cuidados Intensivos

Antibitico

Qualquer situao

b-lactmico + azitromicina ou fluoroquinolona

Alergia penicilina

Fluoroquinolona + aztreonam

Suspeita de P. aeruginosa

Piperacilina-tazobactam** ou cefepima ou
imipenem ou meropenem + levofloxacina ou
ciprofloxacina ou piperacilina-tazobactam** +
aminoglicosdeo + azitromicina ou piperacilinatazobactam** + aminoglicosdeo +
fluoroquinolona

Suspeita de S. aureus resistente meticilina

Associar vancomicina ou linezolida

Pneumonia de aspirao

Macrlido + amoxicilina com cido clavulnico

Nota: em regies com incidncia de resistncia (CIM 16 g/ml) de S. pneumoniae aos macrlidos, optar
por outro antimicrobiano.
*Eritromicina, claritromicina ou azitromicina.
Levofloxacina ou moxifloxacina ou gemifloxacina.
Amoxicilina (1 g cada 8 h) ou amoxicilina com cido clavulnico (2 g cada 12 h) ou, em alternativa,
ceftriaxona, cefpodoxina, cefuroxima ou doxiciclina.
Cefotaxima, ceftriaxona ou ampicilina ou ertapenem.
Cefotaxima, ceftriaxona ou amoxicilina com cido clavulnico.
**Aztreonam em doentes alrgicos ao b-lactmico.

da difteria, terminar com a produo da toxina, controlar a infeo local e


prevenir a disseminao do bacilo, e, na coqueluche, podendo no diminuir
a gravidade e a durao da doena, tem importncia na eliminao da Bordetella pertussis e na reduo da contagiosidade. Tambm, a eritromicina
eficaz na eliminao do estado de portador do bacilo diftrico e na profilaxia aps exposio dos contactos de doentes com coqueluche, utilizando a
mesma posologia durante uma semana. A claritromicina e azitromicina podem ser usadas, conquanto no esteja validada a sua eficcia.
Como opo penicilina G, so usados no tratamento da amigdalite ou
da faringite estreptoccica e da escarlatina2-4. A claritromicina, 250 mg cada
12 horas por via oral, durante 10 dias, ou a azitromicina, 500 mg no primeiro dia, seguido de 250 mg durante cinco dias, mostraram eficcia semelhante penicilina G. Contudo, no h estudos que permitam concluir do seu
benefcio na preveno da febre reumtica, principal objetivo do tratamento
77

A. Mota Miranda

das infees estreptoccicas. O interesse da azitromicina e da claritromicina


no tratamento de otites mdias, sinusites, bronquites agudas e exacerbaes
agudas da bronquite crnica, considerando a sua etiologia Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma
pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae, Bordetella pertussis poder justificar o seu emprego2-4,13. Alm disso, a sua boa difuso nas secrees brnquicas torna aqueles antibiticos teis e uma alternativa eficaz nessas situaes, se no complicadas e na ausncia de fatores predisponentes de infeo
por bacilos Gram-negativo. A telitromicina pode ser melhor opo no caso
de infees por Haemophilus influenzae e por Streptococcus pneumoniae de
menor sensibilidade2,5,6,13.
A primeira opo teraputica da angiomatose bacilar e de outras infees por
espcies de Bartonella a eritromicina, na dose de 250-500 mg cada 6 horas2-4,14.
A durao do tratamento pode variar entre oito semanas e vrios meses
(> 3 meses), de acordo com a existncia de focalizao visceral. A eficcia
dos outros macrlidos parece ser semelhante e, em particular, a azitromicina
que, pela comodidade posolgica, favorece a adeso em doentes no cumpridores da medicao. A reduo da incidncia desta infeo em doentes
com infeo por VIH submetidos a quimioprofilaxia da micobacteriose por
MAC com claritromicina ou azitromicina, faz supor da sua eficcia.
Nas infees de transmisso sexual, a azitromicina o macrlido de referncia por possibilitar a adeso a um tratamento de dose nica e tomado
sob observao direta2-4,15. Na uretrite e na cervicite por Chlamydia trachomatis e no cancride, a azitromicina na dose nica de 1.000 mg tem-se revelado eficaz no tratamento dessas infees. Tambm, na prostatite por
Chlamydia trachomatis a azitromicina, 500 mg durante trs dias em trs ciclos
semanais, se tem mostrado eficaz. Como alternativa, nestas situaes, pode
usar-se a eritromicina, 500 mg oral, cada 6 horas, durante sete dias. No entanto, refira-se que em algumas regies tm sido isoladas estirpes de Haemophilus ducreyi resistentes eritomicina. No linfogranuloma venreo, a eritromicina 500 mg cada 6 horas, oral, durante 21 dias, uma alternativa
doxiciclina. Os parceiros sexuais destes doentes devem submeter-se ao rastreio de IST, atravs de exame clnico, estudo microbiolgico do exsudado
uretral e cervical, e sujeitos a tratamento com azitromicina, na dose nica de
1.000 mg por via oral, se decorridos dois meses aps a exposio sexual ou,
no caso do cancride, 10 dias. Nas infees por gonococo no complicadas da
uretra, colo uterino, reto e faringe pode tambm usar-se a azitromicina, em
dose nica de 2.000 mg, oral, com resultados semelhantes ao do tratamento
com ceftriaxona na dose de 250 mg por via i.m. Neste contexto, deve salientar-se a importncia da profilaxia, logo ao nascer, da oftalmia neonatal. A
aplicao de eritromicina, pomada oftlmica, em cada olho constitui a forma
mais eficaz e econmica de preveno15. O granuloma inguinal ou donovanose
uma doena genital ulcerosa causada por Klebsiella granulomatis, antes
78

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

Quadro 9. Tratamento da doena inflamatria plvica


1. Esquemas preferenciais
Cefoxitina 2 g e.v. cada 6 h + doxiciclina 100 mg oral ou e.v. cada 12 h
ou
Clindamicina 900 mg e.v. cada 8 h + gentamicina e.v. ou i.m., dose inicial de 2 mg/kg,
seguido de uma dose de manuteno de 1,5 mg/kg cada 8 h ou em dose nica de 3-5
mg/kg
2. Esquema alternativo
Ampicilina/sulbactam 3 g e.v. cada 6 h + doxiciclina 100 mg oral ou e.v. cada 12 h
3. Esquemas por via oral
Ceftriaxona 250 mg i.m. ou cefoxitina* 2 g i.m., ambos em dose nica + doxiciclina
100 mg oral, cada 12 h, durante 14 dias
Opcional a associao de metronidazol, 500 mg oral, cada 12 h, durante 14 dias
*Administrar concomitantemente 1 g de probenecid por via oral.

denominada Calymmatobacterium granulomatis. A azitromicina, 1.000 mg oral


por semana durante, pelo menos, trs semanas, ou a eritromicina, 500 mg
oral, cada 6 horas, tambm durante trs semanas, e at total cicatrizao das
lceras, so alternativas eficazes doxiciclina. Nos parceiros sexuais o tratamento, na ausncia de doena, no est provado, conquanto se recomende
o seu tratamento se a exposio ocorreu nos dois meses anteriores. O espectro clnico da doena inflamatria plvica amplo e compreende qualquer
combinao de endometrite, salpingite, abcesso tubovrico e peritonite plvica15,16. Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Gardnerella vaginalis, anaerbios, Haemophilus influenzae, bacilos entricos Gram-negativo e
Streptoccocus agalactiae so etiologias possveis. Embora a azitromicina no
seja a opo teraputica preferencial, h estudos que mostram a sua eficcia
quando associada, na dose de 1.000 mg semanal durante duas semanas,
ceftriaxona, dose nica de 250 mg por via i.m. (Quadro 9) 15,16. No obstante,
ainda no recomendvel esta opo. A azitromicina, em dose nica de
2.000 mg, por via oral, pode ser uma escolha eficaz no tratamento da sfilis
precoce em doentes alrgicos penicilina G2,15,16. No obstante, tm sido
registados fracassos teraputicos e resistncia a este medicamento, pelo que
esta opo deve propor-se, apenas, se no for possvel usar a penicilina ou
a doxiciclina. Na mulher grvida, no se recomenda o seu uso, por no impedir a infeo fetal, do mesmo modo que no deve ser opo de tratamento em doentes infetados por VIH2,15-17.
Na doena de Lyme precoce, sob a forma de eritema migrans ou disseminada, sem envolvimento neurolgico ou cardaco, os frmacos de eleio so a
doxiciclina, amoxicilina ou cefalosporinas de 2.a ou 3.a gerao por 10 a 21 dias17.
A sensibilidade de Borrelia burgdorferi aos macrlidos in vitro varivel,
pelo que estes frmacos devero, apenas, ser usados como alternativa no
79

A. Mota Miranda

caso de intolerncia ou hipersensibilidade aos anteriores e sob vigilncia


apertada at resoluo das manifestaes clnicas2,4,17. Aconselha-se a azitromicina (500 mg/dia ou, na criana, 10 mg/kg/dia, durante sete a 10 dias)
ou a claritromicina (500 mg cada 12 horas ou, na criana, 15 mg/kg/dia, cada
12 horas, durante 14-21 dias). No caso de gravidez deve usar-se a eritromicina (500 mg ou 50 mg/kg/dia, cada 6 horas, por via oral, durante 14-21 dias).
A gastrenterite por Campylobacter jejuni pode apresentar-se sob a forma
de sndrome diarreica febril benigna ou de disenteria grave, com sangue e
pus. A eritromicina, apesar da eficcia das fluoroquinolonas, o frmaco de
eleio, na dose de 250 mg, cada 6 horas, durante cinco a sete dias2. A azitromicina e a claritromicina tm eficcia semelhante, reduzindo de modo
significativo a durao da sintomatologia e da excreo fecal do microrganismo, habitualmente, aps 72 horas de tratamento. Na clera, a hidratao
a medida mais importante do tratamento, embora vrios estudos provem
o benefcio do tratamento antibitico concomitante. A eritromicina pode ser
uma opo eficaz2.
O tracoma, associado pobreza e s deficientes condies de higiene,
uma das causas mais importantes de cegueira no mundo, que pode ser prevenida com eficcia. A Organizao Mundial da Sade (OMS) estima que
cerca de oito milhes sofrem de cegueira e mais de 80 milhes necessitam
de tratamento. A eritomicina, considerando o seu baixo custo, foi o frmaco
eletivo, mas com limitaes pelas dificuldades de adeso ao tratamento2,4.
Atualmente, a azitromicina, na dose nica de 1.000 mg (20 mg/kg), constitui
o tratamento de eleio desta queratoconjuntivite crnica2.
No carbnculo, a eritromicina pode ser alternativa s quinolonas ou s
tetraciclinas, frmacos de primeira opo desta zoonose, que pode surgir,
tambm, num contexto do bioterrorismo2.
A claritromicina e a azitromicina tm-se revelado os frmacos mais eficazes no tratamento da micobacteriose disseminada por MAC em doentes com
sida, em associao com o etambutol e, eventualmente, com outro frmaco, de modo, tambm, a minimizar o desenvolvimento de resistncias2-4,17.
A claritromicina, 500 mg cada 12 horas, com etambutol (800-1.200 mg/dia
ou 15 mg/kg) e/ou rifabutina (300 mg/dia) constitui a associao mais eficaz
de tratamento. Em alternativa, pode usar-se a azitromicina, na dose de 500-600
mg/dia, tambm associada ao etambutol. Em doentes com linfcitos T CD4+ <
50/l e intensa micobacteriemia (> 2 log UFC/ml de sangue) e no sujeitos a
tratamento antirretrovrico ou ineficaz aconselha-se um terceiro ou, mesmo,
um quarto frmaco amicacina, estreptomicina, ciprofloxacina, levofloxacina ou moxifloxacina17. Na micobacteriose disseminada, o tratamento deve
prolongar-se por tempo indeterminado, exceto se houver recuperao imunitria sob efeito da medicao antirretrovrica linfcitos T CD4+ > 100/l,
por perodo > 3 meses. Na quimioprofilaxia primria desta micobacteriose,
a claritromicina (500 mg/dia) ou a azitromicina (1.200 mg/semana ou 600 mg
80

Antimicrobianos Macrlidos e quetlidos

duas vezes por semana) so opes eficazes em doentes infetados por VIH
e linfcitos T CD4+ 50/l. Na doena pulmonar invasiva por MAC, o tratamento idntico. Tambm, a claritromicina associada minociclina recomendada no tratamento da lepra.
No tratamento da toxoplasmose cerebral, em doentes imunodeprimidos, incluindo com sida, a azitromicina, na dose de 900-1.200 mg/dia por
via oral, associada pirimetamina e ao cido folnico, pode ser uma alternativa ao esquema teraputico convencional pirimetamina, sulfadiazina e cido folnico2,17,19-21. A durao do tratamento da fase aguda deve
ser de, pelo menos, seis semanas, ao qual se sucede um tratamento supressivo, que poder ser interrompido em doentes submetidos a tratamento
antirretrovrico, assintomticos, com supresso vrica e recuperao imutria linfcitos T CD4 + > 200/l por perodo > 6 meses. A claritromicina
tambm referida como uma opo de tratamento, mas na dose de
1.000 mg cada 12 horas. A elevada mortalidade observada em doentes com
sida, sujeitos a este esquema posolgico, no aconselha o seu uso17,21. A
espiramicina (3 g/dia) tem sido usada com sucesso na preveno da infeo
congnita por Toxoplasma gondii, reduzindo a transmisso materna em
cerca de 60%. No entanto, a espiramicina no atravessa a barreira placentria e, caso se documente infeo fetal, o tratamento consiste na associao
de sulfadiazina e pirimetamina.
Os macrlidos podem ser uma opo de tratamento penicilina G de
algumas infees da pele e dos tecidos moles, adquiridas na comunidade,
como erisipela, impetigo e celulite, habitualmente causadas por Streptococcus pyogenes ou por espcies de Staphylococci2-4. No entanto, a elevada
frequncia de estirpes resistentes coloca em plano secundrio o tratamento
com eritromicina, claritromicina ou azitromicina, tornando a telitromicina,
dado o seu perfil de resistncias, uma opo mais eficaz2,5.
A infeo por Helicobacter pylori associa-se, com frequncia, a doena
ulcerosa pptica, bem como reconhecido o potencial oncognico deste
microrganismo. O seu tratamento eficaz est associado cura da lcera pptica e diminuio da frequncia das recorrncias, mas no se sabe a sua
influncia no desenvolvimento do carcinoma gstrico. A claritromicina,
em monoterapia ou em associao a outros antimicrobianos, e o omeprazol ou outro inibidor da bomba de protes, tem-se revelado eficaz na
erradicao de Helicobacter pylori, com taxas de sucesso de 95%2-4. Ainda
no h estudos sobre o papel da azitromicina nesse tratamento.
Na profilaxia da febre reumtica e da endocardite infeciosa, os macrlidos no tm indicao prioritria. No entanto, a eritromicina, 250 mg cada
12 horas, por via oral, na febre reumtica, e a claritromicina ou azitromicina, na dose de 500 mg, uma hora antes de manipulao da cavidade oral
ou do aparelho respiratrio, podem ser opes em indivduos alrgicos
penicilina2.
81

A. Mota Miranda

Para finalizar, mencione-se o papel que pode ter a azitromicina na profilaxia da malria por Plasmodium falciparum resistente cloroquina2,22,23.
Dois estudos feitos em humanos com azitromicina em monoterapia mostraram a eficcia deste macrlido, na preveno da infeo por espcies de
Plasmodium, com taxas entre 70-90% de sucesso no Plasmodium falciparum
e maiores no Plasmodium vivax23,24. Tambm, in vitro, tem sido verificado
o sinergismo da azitromicina com a cloroquina, quinino e outros antimalricos. O seu emprego no tratamento do paludismo por Plasmodium falciparum no complicado provou ser eficaz em associao com o artesunato ou com o quinino24. Em grvidas, dada a segurana da azitromicina,
tm sido feitos estudos comparativos de azitromicina ou artesunato, ambos em associao com a sulfadoxina-pirimetamina, com resultados idnticos em termos de eficcia e segurana25.

7. Concluso
Os macrlidos, em particular, os mais recentes claritromicina e azitromicina e a telitromicina, todos anlogos estruturais de eritromicina, tm
vantagens significativas que incluem a maior biodisponibilidade oral, uma
semivida mdia mais longa, permitindo uma ou duas tomas dirias e, portanto, comodidade posolgica e adeso, elevadas concentraes tecidulares,
maior potncia antimicrobiana e menos efeitos adversos. Considerando o seu
espectro antimicrobiano, esto indicados em vrias situaes clnicas, sendo
em algumas delas, a primeira opo de tratamento. Neste contexto, deve
salientar-se a sua eficcia no tratamento de infees por microrganismos
intracelulares e a comodidade, eficincia e eficcia da azitromicina, ao permitir, em dose nica e sob observao direta, tratar vrias infees sexualmente transmissveis e prevenir a transmisso secundria, com os consequentes benefcios em sade pblica. A telitromicina, nico quetlido disponvel
at este momento, tem a vantagem de ser ativo contra vrios microrganismos resistentes aos macrlidos, mas a sua hepatotoxicidade um importante bice ao seu emprego.

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83

Seco 3 Antimicrobianos

Cloranfenicol e tetraciclinas

F. Carvalho Arajo

1. Cloranfenicol
Nome genrico e comercial
O cloranfenicol, originariamente extrado de culturas do fungo Streptomyces venezuelae (em 1947)*, foi, pouco tempo depois, obtido por sntese
qumica e comercializado (em 1949) pela empresa Parke Davis, que lhe atribuiu
o nome de chloromycetin, designao genrica que perdurou, por muitos
anos, no nosso Pas1,7.
A sua estrutura molecular a seguinte:

O grupo nitro em posio para e o facto de se tratar de um derivado do


cido dicloroactico e do propanodiol constituem as caractersticas sui generis deste velho antibitico14,15.
Este frmaco encontra-se comercializado em Portugal sob vrias formas
de apresentao farmacutica e de diversos nomes de firmas.
O seu anlogo, designado por tianfenicol (ou tiofenicol) um derivado obtido
por engenharia molecular (em 1952), e apresenta a seguinte estrutura qumica:

ausncia do radical nitro (substitudo pelo grupo sulfometilo) que se


lhe atribui a vantagem de ser menos mielotxico do que o cloranfenicol.
De resto, em todos os outros aspectos (farmacocintica, metabolismo,
espectro e local de aco, indicaes teraputicas, efeitos secundrios, etc.),
*John Ehrlich e Paul Burkholder, da Universidade de Yale, New Haven, Connecticut, EUA.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

85

F. Carvalho Arajo

o tianfenicol , praticamente, igual ao antibitico pai, apenas com algumas


excepes6,9.
Este anlogo no est comercializado no nosso Pas.

Vias de administrao
As habituais vias de administrao so a oral e a aplicao tpica. A forma
parentrica (ster hemisuccinato, intramuscular/endovenosa) encontra-se,
apenas, disponvel nas farmcias de alguns hospitais centrais.

Farmacocintica
Tanto o cloranfenicol, como o seu homlogo o tianfenicol so rapidamente absorvidos por via digestiva. Os seus steres sofrem um processo
de hidrlise (mediante a aco de esterases) a nvel gastroduodenojejunal,
que liberta as respectivas bases, terapeuticamente activas4-6.
Os picos sricos so atingidos em uma a trs horas aps a toma parcial
do antibitico.
Por via de regra, a semivida plasmtica do cloranfenicol de, aproximadamente, quatro horas.
Este antibitico quer por via oral, quer por via parentrica, atinge elevadas concentraes no fgado, nos pulmes, no bao, no tecido linftico, na
blis, na saliva, no LCR, assim como nos lquidos pleural, asctico, pericrdico
e sinovial.
O cloranfenicol atravessa, facilmente, a placenta e atinge, no feto, nveis
circulantes elevados; por outro lado, difunde-se muito bem, igualmente, no
leite das mes que alimentam os seus bebs ao peito, sendo, precisamente,
por isso que nunca se lhes deve prescrever o cloranfenicol, para no se correr o risco do conhecido Gray (grey) Baby Syndrome, de qual falaremos
adiante12,14-16.
O cloranfenicol o hemisuccinato atravessa, igualmente, muito bem, a
barreira hematoenceflica, mesmo na ausncia de processo inflamatrio
menngeo.
Estas excelentes qualidades farmacocinticas devem-se s reduzidas dimenses da sua molcula, sua lipossolubilidade muito marcada e sua
pequena ligao s protenas plasmticas (cerca de 25-50%).
O cloranfenicol excretado, principalmente, pelos rins (filtrao glomerular), na sua maior parte como um metabolito glicurnico, inactivo e atxico.
A excreo biliar mnima, porque o cloranfenicol glicuronoconjugado, a
nvel heptico, volta dos 90%. S 10% do antibitico absorvido escapa,
portanto, a esta biotransformao no fgado14,15.
86

Antimicrobianos Cloranfenicol e tetraciclinas

Nos recm-nascidos (sobretudo nos prematuros) nunca se deve prescrever


cloranfenicol. Nestas idades, existe uma imaturidade do sistema enzimtico
heptico (e, tambm, renal), responsvel por uma acentuada diminuio (ou,
mesmo, inibio) do processo biolgico da glicuronoconjuo do antibitico.
Advm, da, uma taxa muito elevada da forma no conjugada (muito txica)
acumulada nos tecidos, que se consubstancia, ento, na sndrome de beb
cinzento, de elevada mortalidade6,12,14,16.

Mecanismo de aco e espectro antibacteriano


Trata-se de um antibitico bacteriosttico, que actua por inibio de sntese proteica da clula procariota, ao nvel da subunidade 50 S dos organides ribossmicos. H, no entanto, alguns autores que advogam que o cloranfenicol, quando usado em doses elevadas (e relativamente a certas
espcies bacterianas), possui um efeito bactericida.
O seu espectro de aco muito largo, sendo-lhe sensveis muitos gneros e espcies bacterianas Corynebacterium diphtheriae, Bacillus anthracis,
Haemophilus influenzae (tipo b), Haemophilus ducreyi, Bordettela pertussis,
Neisseria meningitidis, Neisseria gonorrhoeae, Salmonella typhi, Campylobacter jejuni (foetus), Bacteroides spp (muito particularmente Bacteroides
fragilis), Chlamydia trachomatis, Shigella sonnei, Francisella tularensis, Rickettsiae spp, Coxiella burnetii, Pasteurella multocida, Listeria monocytogenes, Leptospirae spp, Mycoplasma spp, etc.9,11,14,15.
Muitas estirpes destas bactrias adquirem, porm, de modo fcil, resistncia ao cloranfenicol e ao seu anlogo. O principal mecanismo deste fenmeno de natureza plasmdica, mas, por vezes, pode estar em causa um
processo gentico de ordem cromossmica (por mutao).

Indicaes teraputicas
O cloranfenicol , nos dias de hoje, muito pouco utilizado na prtica
clnica diria.
Porm, como este antibitico muito barato, ele continuar a constituir o frmaco de eleio no tratamento da febre tifide e de outras doenas infecciosas nas comunidades de elevada endemicidade e de fracos
recursos econmicos, como sucede em certas regies da chamada frica
negra (abaixo do Sara) e em diversos pases da sia meridional e da Amrica do Sul.

Isto

verificava-se, sobretudo, quando se utilizavam doses iguais ou superiores a 50 mg/kg/24 h.

87

F. Carvalho Arajo

Efeitos adversos
Alm da sndrome do beb cinzento, os efeitos colaterais indesejveis
mais graves so de natureza hematolgica (anemia aplstica irreversvel,
agranulocitose, trombocitopenia extrema e hiperssideremia)3-6,14. Mais raramente, tm sido descritas situaes de nevrite ptica, alopcia (em doentes
no tifosos), intolerncia gstrica, diarreia (por disbacteriose), colite pseudomembranosa (por seleco de Clostridium difficile) e reaces de hipersensibilidade cutnea (exantema de vrios tipos, incluindo as sndromes de Stevens-Johnson e de Lyell), assim como febre medicamentosa6,8,9,10,14,15.
Tem, ainda, interesse referir que o cloranfenicol potencia a aco da fenitona, da varfarina e de outros derivados cumarnicos, como o acenocumarol,
circunstncia a ter em linha de conta em situaes clnicas de comorbilidade9,15.

2. Tetraciclinas
Nome genrico e comercial
As tetraciclinas constituem um vasto grupo de antibiticos de largo espectro de aco, das quais trs delas foram obtidas a partir da fermentao
de vrias espcies de fungos por sntese qumica da molcula base, cuja estrutura a seguinte:

A primeira tetraciclina a ser descoberta foi a clortetraciclina (Aureomicina),


em 1948. O fungo de que foi extrada chama-se Streptomyces aureofaciens,
designado assim por apresentar um pigmento dourado, muito luminoso e
caracterstico2.
Em 1950, foi descoberta a oxitetraciclina (Terramicina), a partir do
Streptomyces rimosus e, em 1953, a demetilclortetraciclina (Demeclocina),
proveniente de uma estirpe mutante de Streptomyces aureofaciens Streptomyces alboniger14.
Poucos anos depois, a indstria quimiofarmacutica conseguiu obter um
nmero aprecivel de compostos semissintticos daquelas tetraciclinas naturais,
Benjamim

M. Duggar, professor universitrio (bacteriologista) e investigador dos laboratrios Lederle (no


Departamento da firma American Cyanamid Company), em Pearl River, NY, EUA.

88

Antimicrobianos Cloranfenicol e tetraciclinas

que propiciaram a aquisio de caractersticas fisicoqumicas diversas, susceptveis de beneficiarem e amplificarem as qualidades exibidas por esta importante
classe de antibiticos, caracterizada pela coexistncia de quatro ncleos benznicos, os quais formam a sua unidade molecular bsica. O nome de tetraciclinas provem, exactamente, da incluso desses quatro ciclos na molcula me15.
Do numeroso grupo de tetraciclinas semissintticas, investigadas em pormenor, somente algumas revelaram possuir interesse teraputico. As principais so as oito que apresentamos na listagem seguinte:
1. Clortetraciclina*
5. Rolitetraciclina
2. Oxitetraciclina*
6. Metaciclina
3. Tetraciclina*
7. Doxiciclina*
4. Demetilclortetraciclina
8. Minociclina*
Esto assinaladas com um asterisco (*) as que se encontram comercializadas
em Portugal, sob vrias formas de administrao e diversas marcas de fbrica.

Vias de administrao
As vias de administrao mais usadas entre ns so a oral e a tpica.
A via parentrica, disponvel noutros pases, , sobretudo, a endovenosa.
O sal mais utilizado o cloridrato de rolitetraciclina, que , de todos eles, o
que determina menor agressividade para as veias (menos flebites).

Farmacocintica
A absoro digestiva mais ou menos rpida consoante trs condies
ou circunstncias: 1) Composio qumica da tetraciclina; 2) concomitncia ou
no com a ingesto de alimentos (s refeies); 3) administrao oral de
certos frmacos em simultneo14,15.
ao nvel do estmago e dos segmentos proximais do intestino delgado
que a taxa de absoro maior, sendo mais elevada quando o antibitico
administrado fora das refeies. Como, porm, a tetraciclina causa, com
frequncia, intolerncia gstrica, a tendncia dos mdicos administr-la
com as refeies (para atenuar esse desagradvel efeito), o que claro est
ir reduzir, em certa medida, a sua concentrao srica13.
No se deve administrar tetraciclina juntamente com leite (e derivados)
nem com medicamentos que contenham clcio, magnsio e alumnio, uma
vez que as tetraciclinas se combinam com estes ies, diminuindo, fortemente, a sua absoro digestiva16.
Todavia, preciso estarmos atentos ao seguinte quer a doxiciclina quer
a minociclina (e s estas tetraciclinas) so, ao contrrio das demais, muito
pouco ou nada prejudicadas na sua absoro digestiva, quando ingeridas s
89

F. Carvalho Arajo

refeies. Isto como bvio de um enorme interesse prtico, sendo,


por isso mesmo, que a doxiciclina (ao invs do cloridrato de tetraciclina) ,
de longe, a forma oral mais utilizada em teraputica. H, mesmo, investigadores que afirmam que a doxiciclina tem uma absoro muito mais elevada
com o estmago cheio do que com o estmago vazio15.
Quanto sua biodisponibilidade, todas as tetraciclinas se difundem muito
bem nos tecidos e nos lquidos orgnicos (pulmes, rins, fgado, rgos genitais
internos e externos, pele, msculos, tecido linftico, humor vtreo, leite, etc.).
Todas elas, sem excepo, atravessam a barreira placentria, atingindo
elevadas concentraes no feto (pelo que nunca devem ser prescritas durante
a gravidez). No atravessam, porm, a barreira hematoenceflica.
A sua ligao s protenas relativamente elevada (64% para a tetraciclina, 76% para a minociclina e 93% para a doxiciclina)14,15.
Um problema a considerar a sua grande afinidade para determinadas
estruturas do corpo, principalmente, os ossos, os dentes e as unhas.
As tetraciclinas so excretadas em grau varivel pela urina e pela blis. A
minociclina eliminada, em grande parte, pela blis, sofrendo reabsoro e
circulao enteroheptica. Apenas 10% do frmaco se elimina pela urina.
A doxiciclina excretada sob a forma de um quelato inactivo (por mecanismos extrarrenais), atravs, do tracto gastrintestinal (com as fezes).

Mecanismos de aco e espectro antibacteriano


As tetraciclcinas so antibiticos bacteriostticos que inibem a sntese
proteica ao nvel da subunidade 30 S do ribosoma da bactria infectante.
Como penetram, muito facilmente, na clula procariota, tornam-se antibiticos de grande eficcia contra bactrias que exigem um tipo de parasitismo
intracelular obrigatrio ou que sejam destitudas de parede celular prpria. So estas particularidades que fazem das tetraciclinas os antibiticos
de 1. escolha no tratamento das infeces causadas por riqutsias, coxielas,
clamdias, borrlias e micoplasmas, entre outras.

Indicaes teraputicas
As tetraciclinas constituem uma famlia de antibiticos de grande interesse no tratamento de muitas doenas infecciosas. So extremamente teis no
tratamento da febre escaronodular (e de outras riquetioses bem conhecidas
de todos, incluindo a mais recentemente descrita na Pennsula Ibrica, ou
seja, a tibola, provocada pela Rickettsia slovaka), da febre Q, das pneumonias
atpicas causadas por Mycoplasma pneumoniae, por Chlamydia pneumoniae e por Chlamydia psittaci, da doena de Nicolas-Fabre (linfogranuloma
90

Antimicrobianos Cloranfenicol e tetraciclinas

venreo), da responsabilidade da Chlamydia trachomatis, assim como das infeces genitourinrias devidas a esta ltima bactria, a Mycoplasma hominis,
Mycoplasma genitalium e Ureoplasma urealyticum, da sfilis (primria e secundria, como alternativa penicilina benzatnica), das leptospiroses, das infeces
causadas por Moraxella (Branhamella) catharralis, da doena de Lyme e de
outras borrelioses, da brucelose, da tularmia e do granuloma inguinal (donovanose), provocada por Calymmatobacterium granulomatis, e, tambm, da doena de Ducrey, da ehrlichiose e da babesiose humanas. Para alm destas, as
tetraciclinas tm intensse no tratamento da infeco gstrica por Helicobacter
pylori (em combinao com o metronidazol, a claritromicina ou a amoxicilina),
de certas helmintoses (como as originadas por Enterobius vermicularis) e na
quimioprofilaxia da infestao por estirpes de Plasmodium falciparum, em
regies tropicais onde aquele esporozorio , manifestamente, resistente aos
demais antimalricos (como o caso da cloroquina), etc.6,8-11,13-17.
As tetraciclinas (sobretudo a minociclina) tm sido, tambm, utilizadas ad
libitum, pelos dermatologistas, no tratamento de certas formas de acne
vulgaris, com inegvel sucesso15.

Efeitos adversos
Os efeitos colaterais indesejveis mais frequentes verificam-se a nvel
gastrintestinal (nuseas, vmitos, enfartamento e diarreia). A diarreia pode
traduzir, apenas, um processo de disbacteriose no intestino grosso, autolimitado
pela paragem do antibitico ou, ento, embora mais raramente, assumir o
cariz de colite pseudomembranosa que, pela sua gravidade, impe o internamento hospitalar imediato.
A toxicidade heptica muito varivel; vai desde (apenas) uma moderada elevao das aminotransferases at insuficincia heptica grave, a qual,
ainda que excepcionalmente, pode conduzir ao coma e morte.
Ao nvel do aparelho renal, sobretudo quando as tetraciclinas, de uso oral, j
ultrapassaram, h muito tempo, o respectivo prazo de validade, pode surgir um
quadro de necrose papilar aguda, que se acompanha de insuficincia renal grave.
Ao nvel do esfago, na poro distal, junto ao crdia, pode surgir uma
lcera anelar, muito molesta e rebelde ao tratamento adequado.
Os doentes que se encontram sob teraputica com tetraciclina devem
evitar a exposio solar directa, pois, devido a um fenmeno de fotossensibilizao, a pele exposta (face, antebraos, mos e zonas descobertas do
peito) adquirem um aspecto spero, de cor acastanhada, muito inesttico e
desconfortvel.
A minociclina pode, com alguma frequncia, ser responsvel por aparatosos quadros de natureza neurolgica (tonturas, vertigens e ataxia) que, no
entanto, regridem, de forma rpida, com a paragem da medicao15.
91

F. Carvalho Arajo

A nvel da pele podem surgir (por hipersensibilidade) vrios tipos de


exantema (urticariforme, morbiliforme, escarlatiniforme, maculopapular e,
apesar de muito raro, epidermlise bolhosa txica sndrome de Lyell).
Nas crianas, as tetraciclinas podem originar anomalias dentrias a nvel
da dentina, qual imprimem uma pigmentao amareloacastanhada, mas,
tambm, a nvel do normal desenvolvimento das peas dentrias, provocando
deformaes notrias16.
No se deve prescrever esta classe de antibiticos nas fases precoces da
vida, assim como nas gestantes, durante os ltimos meses de gravidez [e
tambm claro est desde o seu incio, devido ao seu efeito mutagnico
sobre o embrio e o feto (em morfognese), que resulta da aco inibidora
da sntese proteica deste conjunto de frmacos].
Ao nvel dos ossos longos em crescimento (concretamente na cartilagem
de conjugao metafisria), as tetraciclinas podem, igualmente, exercer efeitos
deletrios que impedem ou distorcem o desenvolvimento sseo normal, por
aco quelante sobre o clcio6.
Por tudo isto, a Academia de Pediatria dos Estados Unidos da Amrica
recomenda a interdio do uso das tetraciclinas abaixo dos nove anos de
idade15. Trata-se de um parecer que todos os mdicos deveriam respeitar!
As tetracilcinas ( semelhana do que sucede com certas aminopenicilinas)
interferem com os anticonceptivos orais, pelo que devemos estar atentos ao
fenmeno, dado o risco de uma gravidez no desejada e o impacte devastador do antibitico sobre o produto de uma concepo inesperada, cuja
marcha foroso interromper-se14.

Bibliografia
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5. Kucers A. The use of antibiotics. A comprehensive review with clinical emphasis. Londres: William Heinemann
Medical Books, Lda 1972.
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8. Reiner R. Antibiotics. An introduction. Basilea, Sua: Hoffman-La Roche Scientific Service 1982.
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10. Williams DN. The antimicrobial agents annual. Tetracyclins 1985;1:188-96.
11. Francke EL, Neu HC. Chloramphenicol and tetracyclins. Med Clin N Amer 1987;71:1155-68.
12. Dias PG, Valente P. Antibiticos em pediatria. Lisboa: Instituto Pasteur 1990.
13. Schneider J, Hughes J, Henderson A. Infectious diseases prophylaxis & chemotherapy. Perth, Australia: Appleton & Lange 1990.
14. Tavares W. Manual de antibiticos e quimioterpicos anti-infecciosos. So Paulo, Brasil: Livraria Atheneu
Editora 1990.
15. Sousa JCF, Prista LVN. Antibiticos inibidores da sntese proteica. Vol II. Porto: Ordem dos Farmacuticos 1991.
16. Almeida AF. Antibiotics in clinical practice. Basilea, Sua: RECOM Publishers 1991.

92

Opinio pessoal do autor.

Seco 3 Antimicrobianos

QUINOLONAS

Ana Rita Silva


Rui Sarmento e Castro

1. Introduo
A descoberta acidental do cido nalidxico, em 1962, a partir de um contaminante da sntese da cloroquina, veio permitir o desenvolvimento de uma
nova classe de frmacos que no mais deixou de se alargar.
O cido nalidxico (derivado 1, 8-naftiridina) mostrou ser um agente com
atividade moderada contra as enterobactericeas, com forte ligao s protenas
plasmticas, com m tolerncia e uso exclusivo por via oral. O seu uso foi inicialmente limitado, at dcada de 80, em que o desenvolvimento de resistncias de Shigella spp e de Escherichia coli a outras classes de antibacterianos,
levou sua utilizao em infees urinrias de gravidade moderada e diarreias.
Outros derivados (4-quinolonas) foram depois sintetizados, nomeadamente o cido oxolnico, quatro vezes mais potente que o seu precursor, o cido
pipemdico, que alargava um pouco o espectro antibacteriano, mas no
aumentava a atividade e ainda, o cido piromdico e a flumequina.
A introduo de flor na posio 6 do ncleo original (quinolena) veio
dar origem s fluoroquinolonas (nome frequentemente dado a toda a
classe), que tiveram grande desenvolvimento a partir de meados da dcada
de 1980. Alteraes sucessivas permitiram a sntese da norfloxacina, da
pefloxacina e da enoxacina e, finalmente, da ciprofloxacina e da ofloxacina, frmacos com maior espectro de ao e maior potncia, permitindo o
tratamento de infees graves e com possibilidade de utilizao por via
endovenosa. Estes novos frmacos apresentavam vrias limitaes, quanto
ao espectro antibacteriano, a alguns efeitos indesejveis, posologia e
interferncia com outros frmacos. Na dcada de 1990, foram sintetizadas
novas molculas, mais ativas contra outros agentes, mais potentes e de mais
fcil posologia.
Parte destes frmacos foram introduzidos em Portugal, embora alguns
tenham vindo a ser retirados do mercado devido sua toxicidade ou
efeitos adversos. De momento podem prescrever-se a ciprofloxacina, levofloxacina, lomefloxacina, moxifloxacina, norfloxacina, ofloxacina e plulifloxacina. Quinolonas promissoras como a gatifloxacina, a esparfloxacina
e a gemifloxacina foram retiradas do mercado ou viram o seu uso limitado
a situaes particulares, devido aos efeitos secundrios descritos aps o seu
lanamento.
93

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

Quadro 1. Classificao das quinolonas em funo do espectro antibacteriano e do


metabolismo
Grupo I
Espectro limitado
A

Grupo II
Espectro alargado
A

Grupo III
Espectro amplo
A

cido nalidixco Cinoxacina

Pefloxacina

Ofloxacina

Temafloxacina

Flumequina

Enoxacina

Tosufloxacina

Gatifloxacina

cido oxolnico Norfloxacina

Moxifloxacina

Sitafloxacina

cido piromdico Ciprofloxacina

Grepafloxacina

cido pipemdico

Fleroxacina

Clinafloxacina

Rufloxacina

Gemifloxacina

Lomefloxacina

Trovafloxacina

B
Levofloxacina

Esparfloxacina
Adaptado de Bryskier2.

2. Classificao das quinolonas


No h consenso quanto classificao deste grupo de frmacos, tendo
sido elaboradas classificaes com base na estrutura qumica, na relao
estrutura-atividade, no espectro antimicrobiano in vitro e na eficcia1.
De acordo com Bryskier, foi escolhida a classificao em funo do espectro
antibacteriano e do metabolismo2. Este autor considera trs grupos principais,
cada um dos quais subdividido em dois subgrupos, consoante as molculas
so (A) ou no (B) metabolizadas (Quadro 1).
As quinolonas incluidas no grupo I tm atividade, apenas contra enterobactericeas, sendo usadas, principalmente, em infees urinrias e hoje tm
importncia limitada. As do grupo II, para alm de terem maior espectro
antibacteriano revelaram-se mais potentes, melhor toleradas e com menos
efeitos adversos. No grupo III incluem-se quinolonas de espectro ainda mais
amplo, como se pode apreciar no quadro 2.
Como pode verificar-se, o desenvolvimento das quinolonas do grupo II
permitiu alargamento considervel da atividade antibacteriana. Para alm
dos agentes mostrados neste quadro, pode afirmar-se que, em particular, a
ofloxacina e a ciprofloxacina, demonstram atividade moderada (a boa) sobre
outros agentes, nomeadamente Staphylococcus aureus e epidermidis meticilinassensveis, vrias micobactrias, Chlamydia trachomatis, Legionella pneumophila, Aeromonas spp, Shigella spp, Salmonella spp (incluindo Salmonella
typhi), Campylobacter spp e Yersinia spp. Contudo, este grupo de frmacos
tinha pouca atividade sobre alguns cocos, como Streptococcus pneumoniae,
94

Antimicrobianos Quinolonas

Quadro 2. Espectro de ao das quinolonas


Grupo I
Espectro limitado
Enterobacteriaceae

Grupo II
Espectro alargado
Enterobacteriaceae
+
H. influenzae
M. catarrhalis
Neisseria spp
Staph. coag. negativa
Mycoplasma spp
P. aeruginosa
Acinetobacter spp
V. cholerae
M. tuberculosis
M. leprae

Grupo III
Espectro amplo
Grupo II
+
S. pneumoniae
Streptococcus spp

anaerbios

Adaptado de Bryskier2.

Streptococcus pyogenes e Streptococcus viridans, Staphylococci meticilinarresistentes (MRSA) e Enterococci e eram inativos contra os anaerbios.
A sntese das quinolonas do grupo III veio no s aumentar a eficcia
antibacteriana contra estes agentes mas, tambm, permitir atividade potente de alguns frmacos deste grupo sobre os pneumococos, mesmo quando
resistentes penicilina e aos macrlidos, e atividade varivel sobre anaerbios. No entanto, a ciprofloxacina continua a ser o frmaco desta classe com
maior atividade antipseudomonas.
Tal como acontece para as cefalosporinas, alguns autores classificam as
quinolonas em vrias geraes, tendo em conta o seu espectro e potncia.
Andriole considera quatro geraes (Quadro 3)1.

3. Mecanismo de ao, farmacocintica


e penetrao tecidular
Sabe-se hoje que existem nas bactrias quatro topoisomerases do ADN
que, de formas diversas, intervm ativamente no processo de sntese de
ADN. As quinolonas interferem com a replicao, transcrio e reparao
do ADN bacteriano ao ligarem-se a duas enzimas cruciais a este processo
topoisomerase II (ADN girase) e topoisomerase IV. A ligao das quinolonas
s topoisomerases II e IV altera a conformao das protenas, inibindo a
replicao da clula bacteriana e o seu crescimento, um mecanismo bacteriosttico das quinolonas. A clivagem do ADN permite o seu efeito bactericida. Embora possa existir algum grau de sobreposio, a ADN girase o
principal alvo das quinolonas em bactrias Gram-negativo, enquanto a topoisomerase IV o alvo para as Gram-positivo3,4.
95

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

Quadro 3. Classificao das quinolonas em geraes


1.a gerao

2.a gerao

3.a gerao

4.a gerao

cido nalidxico
cido oxolnico
Cinoxacina
cido piromdico
cido pipemdico
Flumequina

Norfloxacina
Ciprofloxacina
Enoxacina
Fleroxacina
Lomefloxacina
Ofloxacina
Pefloxacina
Rufloxacina

Levofloxacina
Esparfloxacina
Tosufloxacina
Gatifloxacina
Pazufloxacina
Grepafloxacina

Trovafloxacina
Clinafloxacina
Sitafloxacina
Moxifloxacina
Gemifloxacina

Adaptado de Andriole1.

A resistncia s quinolonas desenvolve-se atravs de dois mecanismos


principais a alterao das enzimas-alvo e a diminuio da concentrao
intrabacteriana do frmaco. A descoberta de resistncias mediadas por plasmdeos mostrou mecanismos adicionais previamente desconhecidos5.
A alterao do local de ao resulta de mutaes nos genes dos cromossomas que codificam a ADN girase e a topoisomerase IV. Estas mutaes
provavelmente resultam de erros de transcrio durante a replicao dos
cromossomas6. A resistncia fenotpica surge como resultado da acumulao de diversas mutaes, onde cada mutao adicional leva a um maior
grau de resistncia.
A reduo da concentrao intracelular do frmaco alcanada atravs
de bombas de efluxo ou alterao nos canais das porinas. As bombas de
efluxo so componentes intrnsecos da membrana celular bacteriana que
permitem clula expelir resduos ou outras substncias txicas. Este mecanismo responsvel por um baixo nvel de resistncia, visto que a entrada
do frmaco no completamente impedida. Contudo, ele favorece a emergncia de mutaes de resistncia por permitir a sobrevivncia da bactria
na presena de concentraes subptimas do antibitico7.
A descoberta acidental de um plasmdeo de Klebsiella pneumoniae, que
conferia resistncia ciprofloxacina, veio mostrar a existncia de resistncia
s quinolonas mediada por plasmdeos8. Esta descoberta mostrou que as
enterobactericeas so vulnerveis a um rpido desenvolvimento e disseminao de resistncias s quinolonas9. Desde esta descoberta, vrias outras
resistncias mediadas por plasmdeos foram descritas.
O uso alargado destes frmacos, tanto em seres humanos como na
medicina veterinria, tem sido implicado no desenvolvimento de resistncias s quinolonas. Este um fenmeno mundial, sendo particularmente
alarmante na sia. Ocorre sobretudo entre as enterobactericeas, mas foi
tambm descrito em Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e
Neisseria gonorroheae, representando atualmente um problema de sade
pblica.
96

Antimicrobianos Quinolonas

Um relatrio elaborado pela European Food Safety Authority (EFSA) e o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), encontrou, em 2009,
um nvel de resistncia, entre amostras de Salmonella enteritidis de 21,1%
para o cido nalidxico (n = 9,039) e 13,1% para a ciprofloxacina (n = 10,802).
Em Salmonella typhimurium este valor foi de 2,3% para a ciprofloxacina
(n = 6,677). Para Campylobacter jejuni, outra importante causa de diarreia,
a resistncia ao cido nalidxico foi de 53,1% (n = 2,662) e para a ciprofloxacina, de 53,3% (n = 6,355)10.
De acordo com dados do ECDC, o perfil de resistncias em 2010, em Portugal, foi para Escherichia coli de 27,3%, para Klebsiella pneumoniae de
31,4% e para Pseudomonas aeruginosa de 20,3%11. O Estudo Viriato, um
estudo nacional, prospetivo, multicntrico, encontrou entre 2003 e 2004,
0,4% de resistncia levofloxacina entre Streptococcus pneumoniae e 0%
entre Streptococcus pyogenes. Haemophilus influenzae e a Moraxella catharralis apresentavam 0% de resistncias ciprofloxacina12.
Um estudo realizado pela Faculdade de Farmcia da Universidade de
Lisboa, mostrou um decrscimo no consumo de quinolonas em ambulatrio
em Portugal Continental entre 2000 e 2007. De momento, este consumo
corresponde a 13,15% do uso total de antibiticos no nosso Pas. Apesar
deste decrscimo, Portugal mantm-se como um dos pases europeus com
um maior consumo de antibiticos. Em 2007, as quinolonas mais prescritas
foram a ciprofloxacina e a levofloxacina, seguidas da moxifloxacina13.
As quinolonas possuem um efeito bactericida dependente da concentrao. A sua atividade bactericida mais marcada ocorre cerca de 30 vezes acima
da concentrao inibitria mnima (CIM)14-17. Concentraes mais elevadas
do frmaco reduzem a sua atividade por inibio do ARN e da sntese proteica14. Esta classe possui um efeito ps-antibitico de cerca de uma a duas
horas. No esperado um efeito sinrgico quando usado em combinao
com outras classes (como b-lactmicos e aminoglicosdeos). A maioria destas
combinaes resulta num efeito neutro ou aditivo, contudo a utilizao da
ciprofloxacina e da rifampicina pode levar a um antagonismo frente a Staphylococcus aureus16.
Todas as fluoroquinolonas podem ser administradas por via oral e, algumas,
por via parentrica, tais como a ofloxacina, a levofloxacina, a pefloxacina, a
ciprofloxacina, a fleroxacina, a temafloxacina, a lomefloxacina, a gatifloxacina
e a trovafloxacina. A sua absoro , em regra, rpida, atingindo o pico
srico mximo entre os 45 e os 90 minutos.
Os frmacos deste grupo so eliminados por via renal ou biliar. Nos doentes
com insuficincia renal, em que a eliminao urinria importante, necessrio reduzir a dose para metade, sempre que a depurao da creatinina for
inferior a 50 ml/min.
As quinolonas so, em grau varivel, metabolizadas no fgado. Nos doentes com insuficincia heptica pode registar-se aumento da semivida e da
97

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

sua concentrao plasmtica, pelo que pode ser necessrio proceder a ajustamentos da dose.
As quinolonas mais recentes tm semivida maior do que as de 1.a e 2.a
gerao, permitindo, em muitos casos, uma s administrao diria. As quinolonas tm boa penetrao e atingem concentraes adequadas em vrios
tecidos e fluidos, como o pulmo e as secrees brnquicas, o rim e a urina,
a prstata e o lquido prosttico e seminal, o fgado e os tecidos da rea da
otorrinolaringologia. Algumas apresentam, ainda, boa penetrao em meninges inflamadas, particularmente algumas das mais recentes, mas so necessrios mais estudos que confirmem a sua utilidade em infees do sistema
nervoso central (SNC). A penetrao na pele e no tecido subcutneo moderada e no osso os resultados dos estudos disponveis so controversos.

4. Espectro de ao e indicaes das novas quinolonas


As quinolonas de 1. gerao, pouco usadas atualmente, tm uma atividade moderada contra bactrias Gram-negativo e baixa distribuio plasmtica. As quinolonas de 2. gerao aumentam a sua atividade frente a agentes Gram-negativo e agentes atpicos, mas apresentam atividade limitada
contra Gram-positivo. A sua atividade melhor frente a bacilos Gram-negativo aerbicos. A ciprofloxacina a quinolona mais ativa contra Pseudomonas aeruginosa14,18,19. As quinolonas de 3. gerao mantm elevada atividade frente a bactrias Gram-negativo e agentes atpicos, mas melhoram a sua
potncia frente a Gram-positivo. As quinolonas de 4. gerao mantm as
caractersticas dos grupos anteriores, adicionando atividade frente a anaerbios. O quadro 4 resume o espectro de ao, farmacocintica e indicaes
dos vrios grupos descritos.

Indicaes clnicas
a) Infees do aparelho respiratrio (sinusite bacteriana aguda, bronquite crnica, pneumonia da comunidade) as vantagens das quinolonas para
tratamento destas patologias so a sua excelente biodisponibilidade, possibilidade de administrao endovenosa ou oral, maior potncia contra Haemophilus influenza (comparados com macrlidos) e cobertura para agentes
intracelulares ou infees polimicrobianas. Devido possibilidade de desenvolvimento de resistncias, estes novos frmacos devem ser apenas utilizados
na pneumonia adquirida da comunidade (PAC) e no tratamento emprico da
pneumonia nosocomial grave, quando existe suspeita de pneumococo resistente. Na exacerbao da bronquite e na sinusite o seu uso deve ser restringido a situaes de falncia teraputica20.
98

Antimicrobianos Quinolonas

Quadro 4. Espectro de ao e indicaes


Gerao

Atividade microbiolgica Via de administrao Indicaes


e caractersticas

1.a gerao
Enterobacteriaceae

ITUs no complicadas
Via oral
Sem indicao para uso
Baixa concentrao
em infees sistmicas
srica
Baixa cobertura para
Gram-negativo

Lomefloxacina
Norfloxacina

Enterobacteriaceae

Via oral
Baixa concentrao
srica
Melhor cobertura
contra Gramnegativo
Cobertura limitada
para Gram-positivo

ITUs no complicadas
Sem indicao para uso
em infees sistmicas

Ofloxacina
Ciprofloxacina

Enterobacteriaceae
Agentes atpicos
P. aeruginosa (apenas a
ciprofloxacina)

Via oral e
endovenosa
Boa concentrao
srica, tecidular e
intracelular
Cobertura acrescida
para agentes atpicos

ITUs complicadas
Infees relacionadas
com cateteres
Gastrenterite
Prostatite
Infees nosocomiais
ISTs
No deve ser usada na
PAC devido baixa
atividade contra S.
pneumoniae

Enterobacteriaceae
Agentes atpicos
Streptococcus spp

Via oral e
endovenosa
Boa concentrao
srica, tecidular e
intracelular
Cobertura acrescida
para S. pneumoniae

Indicaes semelhantes
gerao anterior
PAC em doentes
hospitalizados ou se
suspeita de agentes
atpicos
PAC em doentes no
hospitalizados com
fatores de risco para
resistncia pneumoccica

Enterobacteriaceae
P. aeruginosa
Agentes atpicos
Streptococcus spp
S. aureus
meticilinassensvel
Anaerbios

Infees intraVia oral e


abdominais
endovenosa
Boa concentrao
srica, tecidular e
intracelular
Cobertura acrescida
para Gram-positivo e
anaerbios

cido nalixlico

2.a gerao

3.a gerao
Levofloxacina
Moxifloxacina

4.a gerao
Trovafloxacina
Prulifloxacina

Adaptado de: Owens RC Jr, Ambrose PG. Clinical use of the fluoroquinolones. Med Clin North Am.
2000;84:1447-69.

b) Infees urinrias complicadas e no complicadas a escolha das quinolonas justificada pela sua ampla atividade contra Gram-negativo e a elevada
concentrao genitourinria atingida pelas quinolonas, com excreo renal.
99

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

A levofloxacina e a ciprofloxacina so muito teis no tratamento de infees


do trato urinrio (ITUs) complicadas e pielonefrites. Contudo, deve ser tido em
conta o aumento das resistncias e possibilidade de recidiva da infeo.
c) Infees da pele, tecidos moles, osso e articulaes apresentam a
vantagem de atingirem concentraes semelhantes na pele e plasma e possurem atividade contra bactrias Gram-negativo e positivo. Contudo, necessria precauo em infees por Staphylococcus aureus, devido s resistncias e sua baixa atividade contra MRSA.
d) Infees entricas o seu uso justificado devido sua boa absoro,
mesmo se existir diarreia, atingindo elevadas concentraes nas fezes. Os
frmacos deste grupo podem usar-se em infees por Escherichia coli, Salmonella typhi e no-typhi, Shigella spp, Campylobacter spp, Aeromonas spp
e vibries. A ciprofloxacina e a levofloxacina so indicadas tanto para a
profilaxia, como tratamento da diarreia do viajante. No caso de viajantes
para o Sudeste Asitico, aconselhado o uso da azitromicina, devido ao
aumento da resistncias s quinolonas, em particular entre Campylobacter21.
e) Infees sexualmente transmissveis (ISTs) as quinolonas podem ser
usadas no tratamento de infees por Chlamydia trachomatis ou Haemophilus ducreyi. No caso de Neisseria gonorrhoea, um crescente aumento de
estirpes resistentes levou o Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
nos EUA a desaconselhar o uso de quinolonas no tratamento de infees
gonoccicas ou patologias associadas, como a doena inflamatria plvica22.
f) Prostatites as quinolonas so eficazes no tratamento das prostatites,
atendendo sua excelente penetrao no tecido prosttico. A levofloxacina
pode ser usada como tratamento de primeira linha. A ciprofloxacina deve
ser reservada para uso em doentes com prostatites resistentes, devido sua
atividade contra Pseudomonas aeruginosa e enterococos.
g) Infees intra-abdominais, obsttricas e ginecolgicas embora tenham boa penetrao em tecidos infetados, a sua cobertura contra anerbios
pode ser insuficiente, podendo ser necessrio a associao de outra droga.
h) Meningite meningoccica estes frmacos tm uma baixa penetrao
no lquido cefalorraquidiano na presena de meninges no inflamadas. Na
presena de inflamao, a penetrao da ciprofloxacina, penfloxacina, ofloxacina e trovafloxacina melhora ligeiramente23,24. A ciprofloxacina pode ser
usada para preveno de doena meningoccica em indivduos expostos.
i) Infees por micobactrias as quinolonas, em particular a ofloxacina,
ciprofloxacina, levofloxacina e moxifloxacina tm excelente atividade bactericida sobre Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium leprae e algumas
micobactrias atpicas no pertencentes ao grupo Mycobacterium avium
complex (MAC). A esparfloxacina apresenta um forte potencial teraputico
contra infees por Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium kansasii,
Mycobacterium fortuitum, Mycobacterium chelonae subsp. chelonae, Mycobacterium scrofulaceum, Mycobacterium xenopi e Mycobacterium gordonae.
100

Antimicrobianos Quinolonas

Poder tambm ser um agente promissor nas infees por Mycobacterium


tuberculosis, Mycobacterium avium and Mycobacterium nonchromogenicum
resistentes ofloxacina25. Devido ao rpido desenvolvimento de resistncias,
no devem ser usadas em monoterapia.

5. Toxicidade das quinolonas


Globalmente, pode afirmar-se que as quinolonas so frmacos bem tolerados e relativamente seguros, embora o perfil de segurana varie entre as
vrias quinolonas.
Os efeitos adversos mais comuns so gastrintestinais (anorexia, nusea, vmitos, dor abdominal e diarreia) variando, consoante as sries, entre 2 e 11%1.
A grepafloxacina, sobretudo em doses elevadas, parece associar-se com maior
frequncia a alteraes deste foro26. A moxifloxacina mostrou, tambm,
tendncia para provocar nuseas com maior frequncia do que outras quinolonas (7,8 vs 5,7%)27.
As quinolonas causam efeitos txicos em cartilagens articulares imaturas
e afetam o crescimento sseo, mesmo em doses teraputicas, pelo que esto,
em geral, contra-indicadas em pediatria. Pelo mesmo motivo, no se devem
administrar durante a gravidez e o aleitamento. Leses tendinosas, nomeadamente roturas, tm sido registadas desde 1991. A pefloxacina foi o frmaco mais vezes associado com estas alteraes, mas outras quinolonas, como
a ofloxacina, a ciprofloxacina e a norfloxacina tm tambm sido implicadas.
O mecanismo inerente tendinopatia associada s quinolonas no est
completamente esclarecido. Pode tratar-se de um efeito txico direto nas
fibras de colagnio ou por alteraes na sntese do proteoglicano e procolagnio28,29. Pode tambm tratar-se de um efeito indireto da hipomagnesemia causada pela quelao de ies pelas quinolonas, alterando os recetores
de integrina da superfcie do condrcito30,31.
Os efeitos adversos produzidos por este grupo de frmacos sobre o SNC,
so bem conhecidos (1-7%). Reaes neurotxicas moderadas incluem cefaleias, zumbidos, vertigens, insnias e alteraes sensoriais. Mais graves, mas
tambm mais raras (< 0,5%), so as manifestaes psicticas, as alucinaes,
a depresso e as convulses. Os efeitos no SNC resultam da aco directa do
frmaco ou de interaes medicamentosas. Estas manifestaes so, em geral, dependentes da dose e cessam com a descontinuao do tratamento.
Todas as quinolonas tm potencial convulsivante e sabido que, quando
administradas conjuntamente com anti-inflamatrios no-esterides, esse
potencial ainda maior30. Um trabalho publicado em 1998 mostrou que a
ofloxacina, a ciprofloxacina e a moxifloxacina apresentavam potencial excitatrio moderado, enquanto a clinafloxacina, a trovafloxacina e alguns
compostos em investigao tinham maior capacidade convulsivante32.
101

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

As quinolonas podem induzir toxicidade cardaca, sobretudo quando usadas por via endovenosa. Um efeito potencialmente fatal o prolongamento
do intervalo QT, que pode provocar torsades de pointes ou outras arritmias
ventriculares. Algumas populaes tm um risco acrescido, como os doentes
idosos, com distrbios eletrolticos (hipocaliemia ou hipomagnesemia) ou
com patologia cardaca prvia28,33.
Reaes de hipersensibilidade cutnea, embora pouco frequentes (< 1%),
tm sido observadas. Todas as quinolonas podem causar fototoxicidade. Esta
pode variar desde ligeiro eritema at grave erupo bolhosa. A esparfloxacina, a fleroxacina e a lomefloxacina exibem maior potencial fototxico,
enquanto que a trovafloxacina, a moxifloxacina e a grepafloxacina produzem, apenas, fotossensibilidade moderada. Por este facto, a exposio luz
e a fontes de radiao ultravioleta artificiais deve ser evitada, durante o
tratamento com quinolonas34,35.
As quinolonas podem causar tanto hipo como hiperglicemia9. Este efeito
pode ocorrer com vrios frmacos, mas um risco mais elevado foi associado
gatifloxacina, levando sua remoo do mercado28. A levofloxacina foi
associada a um caso fatal de hipoglicemia36. Acredita-se que possa haver um
aumento de secreo de insulina, por inibio dos canais de potssio adenosina-trifosfato sensveis nas clulas b do pncreas37.
Algumas quinolonas foram retiradas do mercado devido a reaes adversas graves, como a temafloxacina (anemia hemoltica aplstica), trovafloxacina (hepatotoxicidade), grepafloxacina (prolongamento do intervalo QT) e a
clinefloxacina (fototoxicidade)38. A gatifloxacina foi, recentemente, retirada
do uso clnico devido a uma elevada incidncia de hiper e hipoglicemia39-43.

6. Interao com alimentos e outros frmacos


A absoro das quinolonas pouco afetada pela presena de alimentos
no estmago, constituindo-se como exceo o leite e os seus derivados, que
no devem ser administrados conjuntamente com os antibiticos deste grupo.
A sua absoro diminuda em presena de anticidos, contendo alumnio
ou magnsio, de sucralfato e de didanosina. Os inibidores H2, como a cimetidina e a ranitidina, apenas retardam a absoro das quinolonas. As quinolonas podem ser queladas na presena de caties, como alumnio, magnsio,
clcio, ferro ou zinco. Esta interao reduz a absoro e a biodisponibilidade,
resultando em concentraes sricas diminudas14-17.
Os nveis sricos da teofilina so influenciados pela administrao de
quinolonas. A utilizao conjunta de ambos os frmacos obriga monitorizao das taxas sricas da teofilina, de modo a impedir os efeitos indesejveis.
As novas quinolonas parecem induzir menos alteraes sobre a concentrao
mxima de teofilina.
102

Antimicrobianos Quinolonas

Quadro 5. Doses usuais, vias de administrao e biodisponibilidade das quinolonas


comercializadas em Portugal
Frmaco

Dose usual

Vias de administrao

Biodisponibilidade oral (%)

Ciprofloxacina

250, 500, 750 mg


200, 400 mg

Oral, 2x/d
e.v., 2x/d

70-85

Levofloxacina

500 mg

Oral, e.v./dia

70-85

Lomefloxacina

400 mg

Oral, e.v./dia

85-95

Moxifloxacina

400 mg

Oral, e.v./dia

95

Norfloxacina

400 mg

Oral, dia ou 2x/d

86

Ofloxacina

200, 400 mg

Oral, 2x/d ou
e.v., 2x/d

80
85-95

Pefloxacina

400 mg

Oral, e.v., 2x/d

83

A administrao conjunta de quinolonas e de anti-inflamatrios no esterides pode desencadear convulses. As quinolonas no parecem interferir,
de forma significativa, com os anticoagulantes, a digoxina, a glibenclamida,
os contracetivos e a ciclosporina.

7. Posologia, doses mais usadas e biodisponibilidade


aps administrao oral
No quadro 5 registam-se as doses mais usuais, as vias de administrao e
a biodisponibilidade de algumas quinolonas.

8. Caracterizao das quinolonas mais comercializadas


Ciprofloxacina
A ciprofloxacina uma fluoroquinolona estruturalmente relacionada com
o cido nalidxico. O seu principal mecanismo de ao a inibio da ADN
girase bacteriana. Tem um largo espectro de ao, sendo eficaz contra a
maioria das bactrias Gram-negativo e algumas Gram-positivo, sendo de
todas as quinolonas a que apresenta maior atividade contra Pseudomonas
aeruginosa. Pode ser administrada por via oral ou endovenosa, ambas com
rpida absoro, atingindo uma CIM adequada em vrios tecidos e fluidos
corporais. O seu espectro de ao e biodisponibilidade faz com que seja
103

A. Rita Silva, R. Sarmento e Castro

eficaz no tratamento de infees do trato urinrio, ISTs (por Neisseria gonorrhoea ou Haemophilus ducrey, por exemplo), infees do osso, pele e
tecidos moles, infees intra-abdominais (em combinao com um agente
com atividade anaerbia), diarreias, infees respiratrias, otites e neutropenias febris (em combinao com um agente com boa atividade contra
Gram-positivo). Contudo, no deve ser considerada teraputica de primeira
linha em infees respiratrias por Streptococcus pneumoniae sensvel a
b-lactmicos. Atendendo sua excreo renal, a dose deve ser ajustada em
doentes com insuficincia renal. A emergncia de resistncias, em particular
na sia, tem limitado o seu uso em determinadas situaes (como a diarreia
do viajante), devendo a sua prescrio ser feita criteriosamente.

Levofloxacina
Este frmaco um ismero da ofloxacina e apresenta atividade antibacteriana duas a quatro vezes superior a essa quinolona. Devido sua longa
semivida pode ser administrada em dose nica diria. Pode ser usada por via
endovenosa e passar desta via para a oral, sem alterao da dose. Em comparao com as quinolonas anteriores, a levofloxacina apresenta, sobretudo,
uma maior atividade contra Streptococcus pneumoniae. Em ensaios clnicos
revelou eficcia global de 89% na erradicao deste agente44. Para alm das
indicaes comuns s quinolonas, pode ser usada no tratamento da PAC de
gravidade moderada a grave. O seu uso deve ser judicioso devido descrio
de resistncia de estirpes de pneumococos. Este frmaco , em geral, bem
tolerado. As reaes adversas mais frequentes so as nuseas e a diarreia,
quando administrada por via oral, e a flebite e o eritema no local da infuso,
quando o seu uso endovenoso. Efeitos mais graves, idnticos aos descritos
para as restantes quinolonas, so raros. A segurana e a eficcia da levofloxacina no esto estabelecidas em indivduos menores de 18 anos, pelo que
no deve ser usada abaixo desta idade.

Moxifloxacina
A moxifloxacina uma nova 8-metoxiquinolona, com ampla atividade
contra bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, anaerbios e alguns agentes atpicos, tendo sido introduzida, recentemente, em Portugal, mas apenas
para uso oral. Contra Streptococcus pneumoniae, a moxifloxacina revelou-se
mais ativa do que alguns b-lactmicos, a azitromicina, a claritromicina, a
eritromicina, a vancomicina e as outras quinolonas (exceto a trovafloxacina).
Contra estirpes de Streptococcus pneumoniae resistentes penicilina e aos
macrlidos, a moxifloxacina mostrou-se mais ativa do que os antimicrobianos
104

Antimicrobianos Quinolonas

desses grupos, revelando potencial interesse no tratamento de infees


pneumoccicas resistentes aos frmacos convencionais45. Em relao a outros
patognios respiratrios, como Haemophilus spp, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma spp, Chlamydia pneumoniae e Legionella spp, a moxifloxacina
revelou, tambm, boa atividade antibacteriana. Estudos in vitro revelaram
boa atividade desta fluoroquinolona, contra estirpes de Staphylococcus aureus
sensveis meticilina. Em relao s estirpes meticilinarresistentes, as CIMs90
da moxifloxacina foram mais elevadas, pelo que o uso da moxifloxacina
contra estes agentes deve ser encarado com precauo. Em relao s infees por enterobactericeas, a moxifloxacina revelou-se mais ativa do que
as quinolonas anteriores. In vitro, a moxifloxacina mostrou atividade idntica s da clindamicina, do metronidazol, do imipenem e da trovafloxacina
contra anaerbios (mesmo para Bacteroides fragilis) e foi 16 vezes mais
eficaz do que a ciprofloxacina, a ofloxacina e a cefoxitina contra estes patognios. O uso deste frmaco em infees intra-abdominais parece justificar-se45. A atividade deste frmaco contra estirpes sensveis de Mycobacterium
tuberculosis foi idntica da isoniazida. Embora as MIC90 da moxifloxacina
para estirpes de Mycobacterium tuberculosis resistentes fossem um pouco
mais elevadas (0,5 mg/ml), este antimicrobiano poder vir a desempenhar
papel importante no tratamento da tuberculose, como alternativa aos antibacilares de primeira linha.

Alguns produtos comerciais do grupo em Portugal


Ciprofloxacina Ciproxina, Estecina, Nivoflox, Ciplox.
Levofloxacina Tavanic.
Lomefloxacina Mexaquin.
Moxifloxacina Avelox, Proflox.
Norfloxacina Noroxin, Uroflox.
Ofloxacina Bioquil, Oflocet, Tarivid.
Prulifloxacina Unidrox, Oliflox.

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106

Seco 3 Antimicrobianos

Aminoglicosdeos

A. Melio Silvestre
Francisco Antunes

No grupo dos antibiticos inibidores da sntese proteica, com pontos-alvo


na subunidade 30s dos ribossomas, incluem-se os aminoglicosdeos, que provocam leitura errada da mensagem codificada no ARN de polaridade positiva (ARNm), pela associao ao seu alvo especfico (16sARN), na subunidade
30s ribossomal, sendo antibiticos bactericidas, porque alterando a permeabilidade da membrana citoplasmtica bacteriana, por incorporao da protena errada na respectiva membrana celular, levam ao efluxo de molculas
e de ies, destruindo a bactria. Os aminoglicosdeos para actuarem tm de
atravessar a membrana citoplasmtica das bactrias e, nas Gram-negativo, a
membrana externa. A difuso atravs das membranas celulares das bactrias,
pelas molculas policatinicas dos aminoglicosdeos, um processo difcil e
concretiza-se por um mecanismo oxidativo activo, que se associa a enzimas da
cadeia respiratria. Daqui resulta limitao da eficcia dos aminoglicosdeos
contra os anarobios, por no possurem esses agentes transportadores oxidativos especficos das membranas celulares. A difuso dos aminoglicosdeos
pelas membranas bacterianas processa-se atravs dos canais de porina, com
ligao aos resduos negativos dos lipopolissacardeos (LPS), s cabeas polares dos fosfolpidos e s protenas aninicas da membrana externa, das suas
molculas policatinicas, onde os ies clcio tem um papel fundamental1,2.
Os aminoglicosdeos so, portanto, antibiticos que actuam por inibio da
sntese proteica, que contm um anel de seis tomos com grupos amino nos
seus substituintes aminociclitol, capazes de estabelecer ligaes glicosdeas
com dois ou mais acares, quer contenham, ou no, grupos amino. Estes
antibiticos actuam levando a um erro de leitura na mensagem em cdigo
do ARNm, com efeito bactericida por modificao na permeabilidade, devido a ter-se integrado uma protena anmala na membrana citoplasmtica
bacteriana3-5. Estes antibiticos no so absorvidos por via oral e so incapazes de atravessarem a barreira hemato-enceflica e a prosttica, o que,
logicamente, condiciona decises teraputicas concretas, tendo amplo espectro
de aco contra os aerbios, quer bactrias Gram-positivo, quer Gram-negativo, mas so ineficazes contra os anaerbios estritos (Quadro 1).
A sua eliminao processa-se por via renal, aps administrao i.m. ou
e.v., com picos sricos de 1-1,5 h aps a administrao.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

107

A. Melio Silvestre, F. Antunes

Quadro 1. Indicaes especficas para a prescrio de aminoglicosdeos


Agentes patognicos

Aminoglicosdeos em
combinao

Antibiticos usados

Klebsiella spp

Amicacina,
gentamicina,
netilmicina,
tobramicina

Penicilina antipseudomonas;
cefalosporinas de 3.a gerao

Enterobacter aerogenes

Amicacina,
gentamicina,
netilmicina,
tobramicina

Penicilina antipseudomonas;
cefalosporinas de 3.a gerao

Pseudomonas aeruginosa

Tobramicina

Penicilina ou cefalosporina
antipseudomonas

Brucella abortus

Gentamicina ou
estreptomicina

Doxiciclina

Enterococcuss faecalis

Gentamicina

Penicilina G

Staphylococcus aureus

Gentamicina

Nafcilina

Staphylococcus epidermidis

Gentamicina

Vancomicina (rifampicina)

Neisseria gonorrhoeae

Estreptomicina

No

Aerbios Gram-negativo

Cocos aerbios Gram-positivo

Os aminoglicosdeos so nefrotxicos (5-25%) devido acumulao nas


clulas tubulares, diminuindo a filtrao glomerular renal (em regra, reversvel),
apresentando-se como insuficincia renal aguda. A dose do aminoglicosdeo
deve ser ajustada ao ndice da clearance renal, estando, por outro lado,
contra-indicada a associao a outros medicamentos potencialmente nefrotxicos, como so os diurticos (furosemida ou cido etacrnico) e os antibiticos do tipo da vancomicina6-10. Outra das contra-indicaes formais para
a prescrio de um aminoglicosdeo prende-se com os doentes com miastenia
gravis, hipocalcemia, botulismo ou tratados com curarizantes, porque por
um mecanismo de aco no despolarizante, do tipo do curare, bloqueia a
transmisso neuromuscular, da podendo resultar paralisia respiratria grave.
Em casos de erro teraputico acidental, deve ser prescrito, o mais rapidamente possvel, um de dois antdotos, felizmente bastante eficazes, como a
neostigmina ou o gluconato de clcio11,12. A toxicidade coclear , clinicamente, aparente em menos de 5% dos casos (em regra moderada, irreversvel e
cumulativa), sendo mais rara a toxicidade vestibular (< 1%).
Na prtica clnica, os aminoglicosdeos prescrevem-se associados, pelo seu
efeito sinrgico, aos antibiticos b-lactmicos, em situaes clnicas graves,
como na spsis por bactrias Gram-negativo, ou em casos de endocardite por
108

Antimicrobianos Aminoglicosdeos

Quadro 2. Exemplos selectivos do sinergismo in vitro de aminoglicosdeos


combinada com um antimicrobiano activo na parede celular
Organismos

Aminoglicosdeos

Antibiticos activos na
parede celular

Enterococcus faecalis e
faecium

Estreptomicina, canamicina,
gentamicina, tobramicina,
netilmicina, sisamicina,
amicacina

Penicilina, ampicilina,
carbenicilina, nafcilina,
vancomicina

Streptococcus viridans

Estreptomicina

Penicilina

Streptococcus piogenes

Gentamicina

Penicilina, ampicilina

Staphylococcus aureus,
meticilina-sensvel

Canamicina, gentamicina,
tobramicina, netilmicina,
sisomicina

Nafcilina, oxacilina,
cefalotina, vancomicina

Staphylococcus aureus
meticilina-resistente

Gentamicina, tobramicina

Teicoplamina rifampicina

Staphylococcus epidermidis
meticilina-sensvel

Gentamicina, tobramicina

Staphylococcus epidermidis
meticilina-resistente

Gentamicina, tobramicina

Enterobactericeas

Gentamicina, tobramicina,
amicacina

Pseudomonas aeruginosa

Gentamicina, tobramicina,
amicacina, netilmicina,
sisomicina

Listeria monocytogenes

Estreptomicina, gentamicina

Penicilina, ampicilina,
imipenem

Corynebacteria grupo K

Gentamicina, tobramicina

Vancominica, teicoplamina

Piperacilina, cefalotina,
cefoxitina, cefotaxima
penicilinas (carbenicilina,
ticarcilina, mezlocilina,
azlocilina, piperacilina)
aztreonam, ceftazidima,
imipenem

enterococos ou por estreptococos, aps desejvel anlise prvia das respectivas concentraes inibitrias mnimas (CIM)13,14. A administrao destes
antibiticos deve ser separada no tempo, porque a sua interaco qumica
desencadeia inactivao dos aminoglicosdeos (Quadro 2)15-18.
A resistncia aos aminoglicosdeos est associada impermeabilizao da
membrana externa quer por mutao ou por deleo de uma porina, quer
por impermeabilizao da membrana citoplsmica, essncia da sua ineficcia
contra os anaerbios estritos. Alm destes registam-se, tambm, mecanismos
de inactivao enzimtica, por adeniltransferases, por fosfotransferases e por
acetiltransferases, localizadas em plasmdeos e transposes e, se bem que
raramente observados na clnica, alteraes de alvos nos ribossomas, por
alteraes mutacionais, impedindo a necessria interaco antibitico/alvo,
com inibio da sntese proteica pelo antibitico. As resistncias variam de
hospital para hospital e, dentro do mesmo hospital, de servio para servio,
109

110

criana 3-5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 2-3 doses

adulto 3-5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 1-2 doses*

criana 20-40 mg/kg/dia, i.m., em 2 doses*

adulto 0,5-1 g/12-24 h, i.m./e.v.*

criana 30-40 mg/dia, i.m.

adulto 2-4 g/dia, i.m.

criana 3-7,5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 2-3 doses*

adulto 4-6 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 1-2 doses*

criana 50-100 mg/kg/dia, oral, em 3-4 doses

6 mg/l, aps 1,5 mg/kg e.v.

20 mg/l, aps 1 g i.m.

100 mg/l, aps 2 g i.m.

8-10 mg/l, aps 2 mg/kg e.v.

4 mg/l, aps 4 g oral

10 mg/l, aps 1,5 mg/kg e.v.

criana 3-7,5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 2-3 doses*

adulto 1 g 6-6 h, oral

6 mg/l, aps 1,5 mg/kg/i.m.

adulto 3-5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 1-2 doses*

*Na insuficincia renal h que ajustar as doses.

Tobramicina

Estreptomicina

Espectinomicina

Netilmicina

Neomicina

Gentamicina

2h

2h

1h

2-2 h

3h

2h

25-30 mg/l, aps 0,5 g i.m./e.v. 2-3 h

criana 15-22,5 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 2-3 doses*

adulto 15 mg/kg/dia, i.m./e.v., em 1-2 doses*

Amicacina

10%

35%

10%

10%

mnima

10%

10%

Semivida Ligao s
protenas

Pico srico

Aminoglicosdeo Dose

Quadro 3. Doses e farmacocintica dos aminoglicosdeos

nenhuma

nenhuma

nenhuma

nenhuma

nenhuma

nenhuma

nenhuma

90% renal

40-90% renal

90% renal

90-95% renal

100% renal

50-90% renal

90% renal

Metabolismo Excreo

A. Melio Silvestre, F. Antunes

Antimicrobianos Aminoglicosdeos

Quadro 4. Aminoglicosdeos disponveis em Portugal


Designao

Nome registado

Gentamicina

Garalone 10/40/80 mg, i.m./e.v.; Gentamicina APS 40/80 mg, i.m./e.v.;


Gentamicina Braun 20/100 mg, i.m./e.v.; Genta Gobens 40/80 mg i.m./e.v.;
Gentamicina Labesfal 40/80/160 mg i.m./e.v.

Amicacina

Biclin 500 mg, i.m./e.v.; Amikacina APS 125/250/500 mg, i.m./e.v.

Netilmicina

Netromicina 100 mg, i.m./e.v.

Tobramicina

Tobi 300 mg (inalao por nebulizao); Tobra-Gobens 50/100 mg,


i.m./e.v.; Tobramicina 50/100 mg, i.m./e.v.

Estreptomicina Estreptomicina Azevedos 1.000 mg, i.m.; Estreptomicina Atral

dependendo da intensidade e das estratgias teraputicas, sendo fundamental, para a correcta deciso de teraputica, a cartografia de resistncias
hospitalares e os dados dos ndices de infeco hospitalar. A estreptomicina
liga-se subunidade 30S, no receptor S12, provocando erros de leitura da
mensagem codificada do ARNm, sendo, preferencialmente, utilizada na teraputica antituberculosa, em politeraputica com outros antituberculosos,
com adaptaes pontuais em casos de co-infeco com VIH e, tambm, na
teraputica da brucelose19-21. De entre os aminoglicosdeos , contudo, o que
tem menor nefro e ototoxicidade.
A canamicina tem, tambm, como mecanismos de aco a actuao na
protena S6 na subunidade 30S. Com prescrio oral eficaz na flora entrica, como preparao para a cirurgia do clon, em certas micobacterioses
atpicas (raramente) e em aplicaes tpicas na pele, no sendo aconselhada
durante a gravidez, por atravessar a barreira placentria. A neomicina tem,
tambm, mecanismos de aco idnticos, sendo a protena S6 o seu alvo na
subunidade 30S. til no pr-operatrio da cirurgia intestinal, para controlo
da flora intestinal e, tambm, nos casos de encefalopatia heptica. A gentamicina utilizada em infeces sistmicas graves e em endocardites bacterianas. A tobramicina, com mecanismo de aco idntico ao do gentamicina,
actua eficazmente, nas bactrias Gram-negativo, particularmente em Pseudomonas aeruginosa. A amicacina que, por estratgia pr-definida em alguns
hospitais, foi colocada como aminoglicosdeo de segunda linha, associa-se,
em regra, com os b-lactmicos nas infeces graves por bactrias Gram-negativo, incluindo Pseudomonas. Os efeitos iatrognicos, os mecanismos de
activao e de resistncia, so semelhantes aos do grupo, mas contudo est
referenciada maior estabilidade face maioria das enzimas inactivadoras
destes antibiticos, o que a coloca em posio preponderante nos casos de
formas resistentes aos outros aminoglicosdeos. A isepamicina, de mecanismo
de aco semelhante ao da amicacina, tem-se, contudo, mostrado eficaz,
111

A. Melio Silvestre, F. Antunes

mesmo contra as estirpes amicacina-resistentes, em associaes eficazes contra


as bactrias Gram-negativo, incluindo Pseudomonas aeruginosa. Em relao
espectomicina, antibitico que se enquadra no amplo grupo dos inibidores
da sntese proteica , contudo, um aminociclitol porque, de facto, no possui
nem amino-acares, nem ligaes glicosdeas e tem mecanismo diferente
de aco dos aminoglicosdeos, com ligao s subunidades 30S dos ribossomas na protena S5, inibindo a translocao e diferentes mecanismos de
resistncia que se relacionam com a mutao da protena S5 e, tambm, por
impermeabilizao da membrana externa bacteriana.
Os quadros 3 e 4 mostram, respectivamente, doses e farmacocintica dos
aminoglicosdeos e, ainda, os aminoglicosdeos disponveis em Portugal.

Bibliografia
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112

Seco 3 Antimicrobianos

sulfonamidas e suas associaes

Francisco Antunes

As sulfonamidas foram os primeiros antibiticos a serem usados (em 1935) na


prtica clnica (Quadros 1 e 2). As sulfonamidas so anlogos estruturais do cido para-aminobenzico. As sulfonamidas tm efeito bacteriosttico e a sua actividade bacteriana inibida pela presena de pus ou de tecidos necrosados.
As sulfonamidas so activas contra bactrias Gram-positivo (incluindo
muitas estirpes de Streptococcus pyogenes, mas no enterococos) e Gram-negativo (Neisseria spp, Haemophilus influenzae e enterobactericeas), Actinomyces spp, Nocardia spp, Chlamydia spp, Plasmodium spp e Toxoplasma gondii.
As resistncias podem ser devidas a mutaes cromossmicas ou associadas
a modificaes plasmdicas. Assim, pode haver reduo na permeabilidade
da bactria ao antibitico ou, o que mais frequente, na enzima di-hidropteroato, a qual reduz a afinidade para a sulfonamida.
As sulfonamidas podem causar intolerncia gstrica e toxicidade heptica,
com ictercia, para alm das reaces de hipersensibilidade (exantema, febre,
anafilaxia, eritemas nodoso ou multiforme). Estas reaces podem ser graves,
quando so utilizadas preparaes com semivida longa. Mais raras so a
necrose tubular aguda ou a nefrite intersticial (a cristalria pode surgir com
doses elevadas, especialmente no caso de oligria e de urina cida), gota,
hipotiroidismo, artrite e perturbaes psiquitricas. Do ponto de vista hematolgico, esto descritos casos de leucopenia, trombocitopenia, agranulocitose, aplasia medular ou anemia hemoltica (relacionada, nem sempre, com
a deficincia de 6GPD). As sulfonamidas podem competir com muitos outros
frmacos na ligao albumina, aumentando, assim, a actividade dos anticoagulantes e antidiabticos orais, do metotrexato, dos uricosricos, dos
barbitricos, das tiazidas e da fenitona. As sulfonamidas so incompatveis
em soluo com muitos frmacos1-3.
Sulfadiazina, para administrao e.v. e oral. A dose para adultos de 2-4 g
(primeira toma), seguida por 0,5-1 g, de 4-4 horas ou de 6-6 horas, por via e.v. ou
oral. Na criana, a dose de 100-150 mg/kg por via oral, em quatro tomas (h
que evitar a sulfadiazina em crianas de meses e em mulheres, no ltimo
trimestre de gravidez, dado o risco de kernicterus). A semivida de 12 horas, a ligao s protenas de 45%, o pico srico de 30-60 mg/l aps 2 g,
por via oral, sendo o metabolismo heptico de 5-10% e a excreo renal de
65% (por filtrao glomerular e por secreo tubular). A associao com
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

113

F. Antunes

Quadro 1. Classificao das sulfonamidas para uso sistmico


Sulfadiazina*
Sulfametoxazol
Sulfamidina
Sulfasalina
Sulfisoxazol
Trimetoprim-sulfametoxazol*
Trimetoprim-sulfadiazina*
*Disponveis em Portugal.

Quadro 2. Sulfonamidas disponveis em Portugal


Agente

Formulao

Nome comercial

Sulfadiazina

comprimidos 500 mg

Labdiazina

Trimetoprim-sulfametoxazol

comprimidos 480 mg
comprimidos 960 mg

Septrin
Bactrim forte,
Cotrimoxazol Ratiopharm,
Septrin DS
Bactrim
Septrin
Septrin IV

xarope 48 mg/ml
suspenso oral 48 mg/ml
e.v. 480 mg

trimetoprim sinergstica, sendo mais solvel na urina do que o sulfametoxazol. A hipersensibilidade frequente nos doentes com sida.
Trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX ou cotrimoxazol) corresponde
associao de trimetoprim com sulfametoxazol na proporo de 1:5, estando
disponvel para administrao por via i.m., e.v. e oral. No adulto, a dose de
160/800 mg de 8-8 h ou de 12-12 h, por via i.m., e.v. ou oral, e na criana de
6-12 mg de trimetoprim/kg por dia, para administrao por via e.v. ou oral. A
aco do cotrimoxazol bloqueia a sntese do cido flico, sendo o efeito sinrgico e bactericida. O TMP-SMX activo contra Staphylococcus aureus e
Staphylococcus epidermidis meticilina-resistentes, Moraxella catarrhalis,
Burkholderia cepacia, Stenotrophomonas maltophilia, Listeria spp e Nocardia
spp, Pneumocystis jirovecii, Plasmodium spp e algumas micobactrias atpicas,
sendo-lhe resistentes 50% das estirpes de Shigella spp, Proteus spp e Haemophilus influenzae, 30% das estirpes de Escherichia coli e 5% das estirpes
de Salmonella.

Bibliografia
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114

Seco 3 Antimicrobianos

Outros antibacterianos

Miguel Arajo Abreu


Susana Boavida
Rui Sarmento e Castro

1. Rifamicinas
Mecanismo de ao as rifamicinas impedem a iniciao da cadeia de
transcripo do ADN em ARN, conseguindo deste modo ter um efeito bactericida particularmente sobre bactrias Gram-positivo e micobactrias1.

Rifampicina
Vias de administrao e doses a rifampicina (RFP) apresentada em
comprimidos de 300 mg, em soluo oral a 2% e em frascos de 600 mg para
administrao e.v. No tratamento da tuberculose usam-se doses de 10 mg/
kg no adulto e no recm-nascido. Na criana, com menos de sete anos, podem usar-se 15 a 20 mg/kg. Este frmaco deve ser administrado em jejum
juntamente com os outros antibacilares. A administrao e.v. (10 mg/kg/dia)
deve ser feita lentamente e aps diluio. No tratamento de outras infees
usam-se doses bidirias de 10 a 15 mg/kg no adulto, de 10 mg/kg em doentes com menos de 15 anos e de 5 mg/kg no recm-nascido. Existem ainda
disponveis associaes fixas de vrios antibacilares comprimidos contendo 120 mg de RFP associados com 50 mg de isoniazida (INH) e 300 mg de
pirazinamida (PZA), mais utilizados na fase inicial do tratamento, e comprimidos contendo 300 mg de RFP e 150 mg de INH usados na fase de consolidao do tratamento.
Farmacocintica a RFP pode ser administrada por via oral ou em perfuso e.v. lenta. Aps uma toma de 600 mg por via oral, o pico mximo da
concentrao srica atingido em uma a quatro horas. Com alimentos, a
absoro do frmaco retardada e a concentrao plasmtica diminuda.
A RFP liga-se, fortemente, s protenas plasmticas (80%), tem semivida
que varia com a dose administrada (trs horas para a toma de 600 mg, cinco horas para a dose de 900 mg) e metabolizada pelo fgado e excretada
na bile. Em doses iguais ou superiores a 300 mg, a capacidade excretora do
fgado saturada e a RFP aparece na urina.
Este frmaco tem boa difuso em quase todos os tecidos. As concentraes
obtidas no pulmo, no fgado, na bile e na urina so, em geral, superiores
115

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

concentrao srica. A RFP atinge concentraes teraputicas no lquido


pleural e asctico, nas secrees brnquicas, no leite e nos tecidos moles. A
RFP difunde, ainda, no humor aquoso e no vtreo. No lquido cefalorraquidiano (LCR) atinge concentraes teraputicas que so mais elevadas no
contexto da meningite.
Interaes medicamentosas no grupo das rifamicinas, a RFP o mais
potente indutor das enzimas hepticas e, particularmente, da CYP3A do citocrmio P450 (CYP450)2. Por isso, a RFP pode inativar ou diminuir a biodisponibilidade de outros frmacos associados, como corticides, anticoagulantes orais, estrognios, digitlicos, quinidinas, b-bloqueantes metabolizados
no fgado, ciclosporina, teofilina, metadona, tiroxina, cloranfenicol, sulfamidas hipoglicemiantes, diazepam, barbitricos... No que respeita aos imidazis, a RFP diminui a concentrao do fluconazol e do itraconazol, mas o
cetoconazol pode bloquear a absoro intestinal da RFP.
No tratamento da infeo por VIH, a interao com os inibidores das
proteases conduz diminuio da sua concentrao plasmtica e ao aumento da concentrao da RFP. Os no-nuclesidos inibidores da transcriptase
reversa (exceto a delavirdina) tm menor ao sobre a CYP3A e so menos
afetados pela administrao concomitante da RFP. Est contra-indicado o uso
comcomitante da RFP com os inibidores da protease utilizados no tratamento
da hepatite C (telaprevir e boceprevir)3. O cotrimoxazol (TMP-SMX) aumenta
a concentrao da RFP.
Espectro de ao a RFP muito ativa sobre grande parte de Staphylococcus aureus e estafilococos coagulase-negativos. , tambm, ativa sobre estafilococos intracelulares. A RFP menos ativa que a penicilina em relao aos
estreptococos e os enterococos so, apenas, moderadamente, sensveis a este
frmaco. A RFP , ainda, eficaz contra algumas bactrias Gram-negativo e, em
particular, contra Neisseria meningitidis. Este frmaco , ainda, ativo contra
Haemophilus influenzae, Haemophilus ducreyi e Neisseria gonorrhoeae4.
A RFP , ainda, eficaz contra bactrias de multiplicao intracelular, como
Legionella spp, Brucella spp e Chlamydia spp. Alguns anaerbios como Clostridium difficile, Bacillus anthracis e bacterides so sensveis RFP.
Este frmaco muito ativo contra as micobactrias do complexo tuberculosis Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium bovis, Mycobacterium
africanus e eficaz contra Mycobacterium leprae e Mycobacterium ulcerans. A sua atividade sobre as outras micobactrias atpicas inconstante.
Devido facilidade com que se desenvolvem resistncias, o uso de RFP
em monoterapia est contra-indicado no tratamento de infees por micobactrias ou por outros agentes bacterianos. A nica indicao para o uso
de RFP em monoterapia a quimioprofilaxia da meningite meningoccica
ou por Haemophilus influenzae tipo b.
Indicaes teraputicas a RFP um frmaco de primeira linha no tratamento da tuberculose em associao com outros antibacilares. Em doentes
116

Antimicrobianos Outros antibacterianos

infetados por VIH, a cumprir teraputica antirretrovrica, a RFP pode ser


usada com os anlogos nuclesidos da transcriptase reversa, com efavirenz
e com enfuvertida, raltegravir ou maraviroc com eventuais necessidades de
ajuste de dose. Os IPs, bem como a etravirina e a rilpivirina, no devem ser
usados em associao com a RFP5. A RFP pode ser usada em associao com
INH (trs meses) ou com PZA (dois meses) na quimioprofilaxia da tuberculose. A atividade da RFP contra micobactrias atpicas inconstante.
A RFP bactericida para Mycobacterium leprae e , nesta situao, geralmente usada em associao com dapsona.
Este frmaco muito ativo contra Staphylococcus aureus e Staphylococcus
coagulase-negativo e , particularmente, til no tratamento de infees
sseas ou associadas presena de material estranho e, tambm, no tratamento de endocardites em associao com um glicopeptdeo6. A combinao
de RFP e ciprofloxacina tem sido usada com sucesso em toxicodependentes,
com endocardite direita.
Em associao com vancomicina ou ceftriaxona ou ceftazidima, a RFP
eficaz no tratamento da meningite pneumoccica em que este agente pouco sensvel penicilina. Em algumas infees graves por enterococos, pode
usar-se, com eficcia, a associao de RFP com um glicopeptdeo.
No tratamento da brucelose, a combinao de doxiciclina (200 mg/dia)
com RFP (900 mg/dia) constitui alternativa ao tratamento com estreptomicina e tetraciclina.
A RFP pode, tambm, ser utilizada no tratamento de infees graves
por Legionella pneumophila, em associao com eritromicina ou fluoroquinolona.
Devido sua elevada concentrao na urina, a RFP pode tambm ser til
no tratamento de infees urinrias.
Em associao com outros antibiticos, a RFP pode permitir a resoluo
de infees resistentes aos frmacos habituais, como as causadas por Pseudomonas aeruginosa, Burkholderia cepacia, Enterobacter ou Serratia marcescens. A RFP pode, ainda, ser til no tratamento de infees por Clostridium
difficile, rickettsias, Coxiella burnetii, Rhodococcus equi, Bartonella henselae
e Chlamydophila pneumoniae.
A RFP pode ser usada na quimioprofilaxia de meningites causadas por
Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae de tipo b. Na preveno da
infeo meningoccica usa-se na dose de 10 mg/kg de 12-12 horas (mximo
600 mg por toma) durante dois dias. Na preveno da meningite por Haemophilus influenzae (crianas com menos de quatro anos) usa-se a dose de 20
mg/kg/dia, numa s toma, durante quatro dias.
Efeitos adversos a RFP , em geral, bem tolerada. Confere colorao
alaranjada urina e pode deteriorar lentes de contacto. Esto descritas reaes de hipersensibilidade a este frmaco em 5% dos casos. A presena de
infeo por VIH aumenta o risco de toxidermia.
117

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

Quando administrada isoladamente, a RFP raramente hepatotxica, mas


em associao com INH observa-se elevao das aminotransferases e hepatite sintomtica, em 2,5 a 6% dos casos.
Ocasionalmente, a RFP pode ser responsvel por trombocitopenia e anemia
hemoltica de origem imunoalrgica, de insuficincia renal ou de pancreatite. Doses elevadas de RFP (1.200 mg), usadas, inicialmente, em esquemas de
tratamento intermitente da tuberculose, aumentam, significativamente, a
possibilidade de surgimento de manifestaes imunoalrgica e esto, por
isso, contra-indicadas.
Contra-indicaes a RFP est contra-indicada se h histria de alergia
s rifamicinas e em doentes portadores de porfiria. Em caso de insuficincia
heptica grave, a dose do frmaco deve ser reduzida ou mesmo interrompida se surge ictercia. Deve evitar-se, sempre que possvel, o uso de RFP durante a gravidez.

Outras rifamicinas
Rifamicina SV o colrio e a pomada oftlmica so utilizados no tratamento de conjuntivites. Este frmaco ativo contra Chlamydia trachomatis
e gonococo. As apresentaes como colutrio e a soluo para utilizao
local tm poucas aplicaes e podem contribuir para a seleo de bactrias
resistentes.

Rifabutina
Via de administrao e dose a rifabutina (RFB) comercializada em
comprimidos de 150 mg e a dose habitual de 300 mg/dia, que deve ser
ajustada em funo das associaes com outros frmacos.
Farmacocintica e interaes medicamentosas a RFB absorvida por
via digestiva, difunde bem em vrios tecidos e, particularmente no pulmo,
onde atinge concentraes bem mais elevadas do que no plasma, tem semivida de cerca de 16 h, a sua ligao s protenas de cerca de 20% e
excretada pelo fgado e pelo rim.
A RFB tem menor efeito indutor do CYP450 e pode ser usada no tratamento da tuberculose, em doentes infetados por VIH.
O fluconazol, o cetoconazol e a claritromicina aumentam a concentrao
srica da RFB, pelo que h que atender a possvel toxicidade aquando do
uso destas associaes. Para alm de toxicidade heptica, a RFB pode causar
artralgias, artrite, uvete, ulceraes orais e alterao da colorao da pele.
Espectro de ao a RFB tem atividade comparvel da RFP sobre as
estirpes sensveis a este frmaco. Um tero das estirpes resistentes RFP pode
118

Antimicrobianos Outros antibacterianos

ser sensvel RFB, mas as estirpes altamente resistentes RFP tambm o so


em relao RFB.
A RFB tem boa atividade contra Mycobacterium avium e Mycobacterium
intracellulare, inibindo cerca de 81% das estirpes destes agentes numa concentrao de 1 mg/l (a RFP s inibe 6% destas estirpes na mesma concentrao)7.
Indicaes teraputicas a RFB utilizada no tratamento de infees por
micobactrias do complexo avium intracellulare em associao com, pelo
menos, dois outros antibiticos como a claritromicina, o etambutol ou a
amicacina. A RFB pode usar-se na profilaxia de infees por Mycobacterium
avium complex (MAC) em infetados por VIH com contagem de linfcitos T
CD4+ inferior a 100/mm3.
No tratamento da tuberculose, a RFB s deve ser usada em substituio
da RFP nos infetados por VIH, nos quais se pretenda coadministrar antirretrovricos contra-indicados no uso com RFP5 e em casos de tuberculose multirresistente em que no haja resistncia cruzada com a RFP.
Rifapentina tem atividade antibacteriana semelhante da RFB. In vitro
a rifapentina mais eficaz que a RFP contra Mycobacterium tuberculosis e
Mycobacterium leprae, mas menos eficaz contra micobactrias atpicas.
usada nos Estados Unidos da Amrica (EUA), apenas, no tratamento da
tuberculose pulmonar numa dose bissemanal de 600 mg, em associao com
INH, PZA e etambutol (ETB) nos dois primeiros meses. Nos restantes quatro
meses, a dose de rifapentina de 600 mg, por semana, em combinao com
a INH. Nos infetados por VIH, o uso deste frmaco leva a um aumento das
recidivas, pelo que no deve ser utilizado.
Recentemente, foi mostrado que a associao deste frmaco com INH,
tomada semanalmente durante trs meses, no inferior toma diria de
INH durante nove meses no tratamento da tuberculose latente8.

Rifaximina
A rifaximina uma uma rifamicina no absorvida por via gastrintestinal, utilizada, apenas, no tratamento e preveno de distrbios do aparelho digestivo.
Via de administrao e dose a rifaximina comercializada em comprimidos de 200 mg, variando a dose entre os 600 e os 1.200 mg dirios.
Farmacocintica a absoro gastrintestinal da rifaximina muito baixa
(0,4%)9, pelo que, no possui, virtualmente, quaisquer interaes com outros
frmacos.
Espectro de ao e indicaes teraputicas a rifaximina foi aprovada
para o tratamento de diarreia infeciosa aguda e diarreia do viajante, tendo
mostrado ser to eficaz quanto a ciprofloxacina no tratamento da diarreia
causada por bactrias no invasivas10. No eficaz no tratamento da diarreia por
119

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

Campylobacter jejuni e outros agentes invasivos11, no tendo sido devidamente estudado o seu uso no tratamento de diarreias a Shigella spp e Salmonella spp.
Esta rifamicina, semelhana da RFP, ativa contra Clostridium difficile,
com a potencial vantagem de, no sendo absorvida, atingir altas concentraes no lmen intestinal.
Tendo em conta a importncia da eliminao das bactrias amoniagnicas
do lmen intestinal, no tratamento da encefalopatia heptica, a rifaximina
mostrou ter um papel importante no tratamento e preveno da encefalopatia heptica em doentes cirrticos12. Deve, no entanto, ser utilizada apenas
como teraputica de resgate em doena refratria ao tratamento com lactulose13.

Alguns

nomes comerciais

Rifadin cpsulas 300 mg, susp. oral 20 mg/ml, e.v. 600 mg (s por
importao).
Rifex cpsulas 300 mg.
Rimactan cpsulas 300 mg.
Em associaes Rifater, Rifinah, Tuberen.
Rifamicina-rifocina soluo tpica, i.m. (250 mg/3 ml).
RFB-Mycobutin cpsulas 150 mg.
Rifapentina-Priftin comprimidos 150 mg (no existe em Portugal).
Rifaximina-Xifaxam comprimidos de 200 mg.

2. Linezolida
Este frmaco pertence a um novo grupo de antibacterianos, as oxazolidinonas, de produo sinttica, que vm sendo desenvolvidos desde 1985.
Mecanismo de ao as oxazolidinonas inibem a sntese proteica, atuando, principalmente, na subunidade ribossmica 50S, embora se fixem, tambm, na subunidade 30S14.
Vias de administrao e doses a linezolida pode ser administrada por
via oral ou e.v. em doses de 400 a 600 mg de 12-12 horas.
Farmacocintica a biodisponibilidade, aps administrao oral, de
100%. O pico srico do produto atingido 1,5 horas aps uma dose oral de
250 mg e , ligeiramente, atrasado pela ingesto concomitante de alimentos.
A administrao de linezolida marcada permitiu concluir que cerca de 80 a
88% do frmaco eliminado pela urina nas 168 h seguintes e que o restante eliminado pelas fezes. A semivida de linezolida de cinco horas e a ligao s protenas de 31%.
A idade, o sexo e a insuficincia renal no parecem interferir com a cintica de linezolida.
120

Antimicrobianos Outros antibacterianos

Espectro de ao a linezolida tem boa atividade contra cocos Gram-positivo. Este frmaco eficaz contra estafilococos resistentes meticilina, embora seja menos ativo do que a vancomicina ou a teicoplanina. A linezolida
pode, tambm, ser eficaz em infees causadas por estafilococos com resistncia vancomicina15. O frmaco exibe boa atividade contra estafilococos coagulase-negativos e tem atividade comparvel da levofloxacina contra Streptococcus pneumoniae sensveis a este frmaco. A actividade da linezolida sobre
estirpes de pneumococos resistentes penicilina e ceftriaxona parece ser boa16.
Estreptococos b-hemolticos e do grupo viridans so, tambm, em geral, sensveis a linezolida. Em relao s infees causadas por Enterococcus spp, a
vancomicina tem maior eficcia do que a linezolida. Contudo, este frmaco
ativo nas infees enteroccicas, em que h resistncia vancomicina.
A linezolida exibe alguma atividade contra infees por Mycobacterium
tuberculosis, mas parece ser inativo contra micobactrias atpicas. A atividade de linezolida moderada ou fraca contra vrios agentes como Bordetella pertussis e parapertussis, Borrelia burgdorferi, Legionella pneumophila e
Mycoplasma pneumoniae.
Indicaes teraputicas a linezolida utilizada em infees causadas, principalmente, por cocos Gram-positivo sensveis ou resistentes aos outros antibacterianos. Dado que no apresenta resistncia cruzada com os antibiticos existentes, a linezolida uma boa alternativa para o tratamento destas infees
e, sobretudo, das originadas por estafilococos e pneumococos resistentes.
Reaes adversas a linezolida um inibidor da monoamino-oxidase,
podendo, por isso, induzir aumento da presso arterial. Em estudos clnicos
de fase II registaram-se, em 3% dos casos, efeitos adversos que obrigaram
interrupo do tratamento elevao significativa das aminotransferases,
pancreatite e fibrilhao. Outros efeitos menos importantes como nuseas,
vmitos e cefaleias, foram tambm observados.

Nome

comercial

Zyvox e.v. 600 mg, comprimidos 400 e 600 mg, suspenso oral 600 mg.

3. Metronidazol e outros nitroimidazis


O metronidazol, introduzido em 1959 para tratamento de infees por
Trichomonas vaginalis hoje usado, sobretudo, em infees por anaerbios
e por outros parasitas.
Mecanismo de ao aps entrada na clula, o frmaco sofre oxirreduo
que gera metabolitos txicos para o ADN celular, interferindo com a sntese
proteica.
Vias de administrao e doses por via e.v., para as infees graves por
anaerbios, usa-se a dose de carga de 15 mg/kg e depois 7,5 mg/kg cada
121

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

seis horas. Logo que a situao clnica permita pode utilizar-se a via oral em
doses de 1 a 2 g por dia em duas a quatro tomas.
Noutras infees usa-se a via oral em doses variveis consoante o agente
para Trichomonas vaginalis administram-se 250-500 mg a cada oito horas,
durante sete dias (ou 2 g em dose nica), para Giardia lamblia usam-se 250 mg
duas a trs vezes por dia, por cinco a sete dias (ou 2 g/dia durante trs dias),
para a amebase administram-se 750 mg a cada oito horas, durante 10 dias. Na
vaginose bacteriana pode usar-se a via oral (500 mg de 12-12 horas, durante
sete dias) ou a via intravaginal (5 g de gel de 12-12 horas, durante cinco dias).
Farmacocintica o metronidazol quase todo absorvido por via oral e
os alimentos no interferem com a sua absoro. As concentraes sricas,
aps administrao oral ou e.v., so proporcionais dose administrada. Este
frmaco tem uma semivida de oito horas e liga-se muito pouco s protenas
do plasma. A administrao vaginal do metronidazol resulta em picos sricos
mais baixos e quando usado sob a forma de supositrios, a absoro boa,
mas o pico srico retardado.
O metronidazol tem muito boa difuso tecidular, atingindo boas concentraes nos rgos e tecidos e, nomeadamente, no LCR e na placenta.
O metronidazol e seus metabolitos so, sobretudo, eliminados pela urina.
A dose deste frmaco deve ser reduzida em caso de insuficincia heptica.
No insuficiente renal podem ser necessrios ajustamentos da dose nos casos
em que a teraputica foi iniciada com doses elevadas.
Espectro de ao o metronidazol tem potente atividade bactericida,
sendo ativo contra grande parte das infees causadas por anaerbios, nomeadamente por Bacteroides fragilis e Bacteroides melaninogenicus, por
Prevotella spp, por Selenomonas spp, por Fusobacterium spp, cocos Gram-negativo anaerbios e por Clostridium spp.
Igualmente sensveis ao metronidazol so Treponema pallidum, espiroquetas orais, Campylobacter fetus, Gardnerella vaginalis e Helicobacter pylori. O metronidazol , por norma, eficaz contra Trichomonas vaginalis,
Giardia lamblia e Entamoeba histolytica17.
Indicaes clnicas devido sua boa difuso, o metronidazol constitui
uma boa escolha para as infees por anaerbios do sistema nervoso central
(SNC), do corao, do osso e articulaes, dos tecidos moles, da boca e dos
dentes14.
Outras indicaes, para o uso do metronidazol so a vaginose bacteriana,
a colite pseudomembranosa, a lcera pptica, causada por Helicobacter pylori (em associao com outros antibiticos) e a doena periodontal18,19.
O metronidazol , ainda, eficaz no tratamento da tricomonase vaginal,
do abcesso heptico amebiano, da giardase e de infees causadas por
Dientamoeba fragilis, na criana.
Reaes adversas o metronidazol , em geral, bem tolerado. Os principais efeitos adversos so convulses, encefalopatia, disfuno cerebral,
122

Antimicrobianos Outros antibacterianos

neuropatia perifrica, colite pseudomembranosa e pancreatite. Este frmaco


pode interferir com a varfarina e com outros anticoagulantes e pode causar
efeitos do tipo dissulfiran se houver ingesto concomitante de lcool.
Efeitos adversos, menos importantes, so alteraes gastrintestinais, neutropenia, gosto metlico, exantema, queimor uretral ou vaginal e ginecomastia.

Outros nitroimidazis
Dos inmeros frmacos desta classe apenas dois para alm do metronidazol, esto disponveis em Portugal. O tinidazol, com propriedades farmacolgicas e espectro de ao sobreponveis s do metronidazol, apresenta
um tempo de semivida substancialmente superior, oferecendo o mesmo
potencial de cura com doses menores e menos efeitos secundrios20. O
secnidazol, rapidamente absorvido aps administrao oral e com a mais
longa semivida da classe, est indicado no tratamento da amebase intestinal,
giardase e tricomonase21.

Produtos

comerciais

Dumozol e.v., saco com 100 ou 200 ml (5 mg/ml).


Metronidazol Abbott e.v., saco com 100 ml (5 mg/ml).
Metroderme creme e gel.
Flagyl comprimidos 250 mg, vulos.
Flagentyl (secnidazol) comprimidos de 500 mg.
Fasigyn (tinidazol) comprimidos de 500 mg.

4. cido fusdico
Mecanismo de ao o cido fusdico atua inibindo a sntese proteica. ,
em geral, bacteriosttico, mas em concentraes elevadas pode ser bactericida.
Vias de administrao e doses por via e.v. usam-se 500 mg (> 50 kg) ou
7 mg/kg (< 50 kg) de oito em oito horas. A dose habitual de utilizao oral
de 500 mg a cada 8 horas (adulto). A suspenso oral est disponvel para
crianas. Este frmaco pode usar-se topicamente (creme, pomada e gel) e em
gotas, para aplicao oftlmica.
Farmacocintica o cido fusdico bem absorvido por via oral, atingindo concentraes de 71 mg/l se administrado a cada oito horas. A administrao e.v. repetida permite atingir picos sricos de 123 mg/l. O cido fusdico liga-se, fortemente, s protenas plasmticas (95 a 97%), tem uma
semivida de cerca de 14 horas e tem boa penetrao no osso, na gordura
123

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

subcutnea, no rim, no corao, nas secrees brnquicas, no lquido sinovial,


no humor aquoso e atravessa a placenta, mas no difunde no LCR. O frmaco metabolizado no fgado e excretado, sobretudo, por via biliar.
Espectro de ao o cido fusdico bastante ativo contra Staphylococcus
aureus e Staphylococcus epidermidis, incluindo algumas estirpes resistentes
meticilina, porque no h resistncia cruzada deste frmaco com os
b-lactmicos. O cido fusdico menos eficaz contra estirpes de Staphylococcus saprophyticus e estreptococos. Este frmaco , ainda, eficaz em infees
causadas por Corynebacterium jeikeium, Neisseria gonorrhoeae e Neisseria
meningitidis. Os bacilos aerbios Gram-negativo so, em geral, resistentes
ao cido fusdico.
Os agentes anaerbios (exceto Fusobacterium necrophorum) so bastante sensveis ao cido fusdico. Os anaerbios Gram-positivo so muito suscetveis, enquanto que os anaerbios Gram-negativo apresentam sensibilidade mais varivel22. In vitro, o cido fusdico parece ser ativo contra
micobactrias23.
Indicaes teraputicas o cido fusdico tem sido usado no tratamento
de infees estafiloccicas, com ou sem bacteremia e, particularmente, em
casos de osteomielite aguda ou crnica, artrite sptica, endocardite, infees dos tecidos moles e infees do trato respiratrio inferior em doentes
com fibrose cstica. Na endocardite estafiloccica, o cido fusdico sempre
associado com um segundo frmaco (por exemplo, flucloxacilina), tem sido
utilizado com sucesso. baixo o nvel de resistncia a este frmaco.
Efeitos adversos a administrao e.v. pode ocasionar tromboflebite e
ictercia (17%), reversvel com a sua suspenso. Por via oral pode, tambm,
induzir ictercia (6%) e desconforto gastrintestinal. A preparao oftlmica
pode ocasionar prurido local.

Nomes

comerciais

cido fusdico ampolas para via e.v., 500 mg e comprimidos 250 mg


(importao).
Fucidine comprimidos 250 mg e creme.
Fucicort creme (associao com b-metasona).
Fucithalmic gotas.

5. Fosfomicina
Mecanismo de ao a fosfomicina um antibitico bactericida, que
inibe a sntese dos precursores do peptidoglicano, componente essencial da
parede bacteriana.
Vias de administrao e doses a fosfomicina dissdica (e.v.) apresenta-se em frascos de 1 e 4 g e deve ser administrada, aps diluio, taxa de
124

Antimicrobianos Outros antibacterianos

1 g/h. A posologia habitual de 8 a 12 g/dia no adulto e de 100 a 200 mg/


kg/dia na criana, repartidos por trs a quatro administraes. Estas doses tm
de ser reduzidas no insuficiente renal. A fosfomicina trometamol (oral) apresenta-se em saquetas contendo 3 g do frmaco e administrada por via oral,
em dose nica, duas a trs horas antes de uma refeio e, sempre, aps mico.
Farmacocintica a formulao oral (sal de fosfomicina trometamol)
bem absorvida (70%) e as concentraes mximas (20-30 mg/l) so atingidas
cerca de duas horas aps a toma. A perfuso e.v. (1 g/h), de fosfomicina,
permite concentraes de 120 mg/l, aps perfuso durante quatro horas. Este
frmaco tem uma semivida de trs a cinco horas e eliminado, sob a forma
ativa, por via urinria, onde atinge elevadas concentraes.
A fosfomicina liga-se, fracamente, s protenas plasmticas (10%) e
apresenta boa capacidade de penetrao em diferentes tecidos, nomeadamente no LCR, no rim, na pleura, na placenta, no tecido prosttico, nas
amgdalas, no osso, na bile e nas secrees brnquicas. A eliminao da
fosfomicina feita por via urinria, pelo que a dose deve ser reduzida no
caso de insuficincia renal.
Espectro de ao a fosfomicina tem amplo espectro de ao, sendo
ativa contra Staphylococcus aureus e epidermidis, mesmo alguns meticilinorresistentes, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Escherichia coli, Salmonella spp, Shigella spp, Yersinia spp, Enterobacter, Serratia
marcescens, Proteus mirabilis e vulgaris e Haemophilus spp24. De notar que
a sensibildade de Staphylococcus aureus e epidermidis tem diminudo nos
ltimos anos, verificando-se, atualmente, que 50 a 80% das estirpes hospitalares so resistentes, devido ao seu uso em monoterapia25. Este frmaco
deve ser sempre usado em associao.
Indicaes teraputicas a fosfomicina, por via e.v., tem indicao no
tratamento de infees estafiloccicas nosocomiais, nomeadamente menngeas, cardacas e osteoarticulares (aps realizao de teste de sensibilidade).
Deve ser associada a uma cefalosporina (cefotaxima, ceftriaxona), nas meningites ps-neurocirurgia e a uma fluoroquinolona, no tratamento de infees osteoarticulares. A persistncia ou o ressurgimento de febre, num doente em tratamento com fosfomicina, indica a possibilidade de resistncia ao
frmaco.
A fosfomicina pode, ainda, ser usada, sempre em associao, no tratamento de infees graves por Serratia marcescens ou por Pseudomonas aeruginosa e, em segunda inteno, em meningites agudas por Streptococcus
pneumoniae, com sensibilidade diminuda penicilina e em infees por
enterococos resistentes vancomicina.
A formulao oral usada apenas no tratamento rpido da cistite aguda
da mulher jovem.
Efeitos adversos o efeito adverso mais comum o aparecimento de
flebite, aps perfuses repetidas. No insuficiente cardaco ou renal importante
125

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

a vigilncia dos eletrlitos, devido ao elevado contedo de sdio, contido


na formulao e.v.
A formulao oral, quando administrada em doses elevadas (> 3 g/dia),
pode ocasionar nusea e fezes moles.

Nome

comercial

Monuril saqueta com 2 ou 3 g de granulado. A apresentao para


administrao e.v. no existe em Portugal.

6. Everninomicina
Este frmaco, de uso e.v., apresentava boa atividade contra enterococos
resistentes vancomicina, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis
ou Staphylococcus haemolyticus resistentes e pneumococos resistentes penicilina26. Foi retirado do mercado por problemas de toxicidade.

7. Clindamicina
A clindamicina um derivado semissinttico da lincomicina, um antibitico natural produzido pela actinobactria Streptomyces lincolnensis27.
Mecanismo de ao a clindamicina inibe a sntese proteica dos microrganismos suscetveis, atuando na subunidade 50S, nos mesmos locais em
que atuam os macrlidos e o cloranfenicol, especulando-se sobre a possibilidade destes frmacos poderem competir entre si se administrados em
conjunto28.
Vias de administrao e doses a clindamicina pode ser administrada
oralmente, com doses entre os 150 e os 350 mg, por norma em intervalos
de seis horas e por via e.v., com doses, habitualmente, entre 600 e 900 mg
em intervalos de oito horas.
Farmacocintica a biodisponibilidade aps administrao oral de 90%,
sendo ligeiramente atrasada, mas no diminuda, pela ingesto concomitante de alimentos29.
O pico srico atingido uma hora aps administrao oral e entre 20 a
45 minutos aps administrao e.v.
A clindamicina demonstrou uma boa penetrao em todos os tecidos, com
a exceo do LCR, onde mesmo na presena de meningite, revelou concentraes clinicamente irrelevantes30.
Espectro de ao a clindamicina tem boa atividade contra cocos Gram-positivo, incluindo a maior parte dos membros do gnero Staphylococcus e
Streptococcus, com a exceo do gnero Enterococcus, contra os quais no
possui qualquer atividade.
126

Antimicrobianos Outros antibacterianos

As bactrias aerbias e anerbias facultativas Gram-negativo (Pseudomonas aeruginosa, Legionella pneumophila, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e enterobactericeas) so intrinsecamente resistentes a este
antibitico31, com a notvel exceo da Capnocytophaga canimorsus, contra
a qual a clindamicina um dos antibiticos de primeira linha32.
A clindamicina ativa contra a maioria das bactrias anaerbias clinicamente relevantes33, apesar de nos ltimos anos se ter vindo a assistir a um
crescente aumento da resistncia dos bacterides de espcie fragilis a este
antibitico34.
Alguns protozorios clinicamente relevantes, tais como Toxoplasma gondii, Babesia microti e Plasmodium spp, so suscetveis a este antibitico, assim
como o o fungo Pneumocystis jirovecii35.
Indicaes teraputicas a clindamicina usada, primariamente, no tratamento de infees por bactrias anaerbias, incluindo infees dentrias
e da cavidade oral, infees do trato respiratrio e infees da pele e tecidos
moles. Durante anos foi usada no tratamento emprico de infees da cavidade abdominal, sendo atualmente desaconselhado o seu uso neste contexto pelo aumento crescente de resistncias de Bacteroides fragilis a este
agente34. A clindamicina pode ser ainda usada no tratamento de infees
por Gram-positivo, particularmente do gnero Streptococcus, em doentes
alrgicos penicilina. Tendo em conta a sua atividade contra alguns parasitas, pode ser usada em associao com outros frmacos, no tratamento da
toxoplasmose, babesiose, malria e pneumocistose35.
Estudos in vitro e in vivo revelaram que a clindamicina reduz a produo
de exotoxinas pelos estafilococos, tornando-a num importante antibitico
no tratamento da sndrome do choque txico36.
Reaes adversas at 30% dos doentes sofre de diarreia, em especial
aquando da toma por via oral, sendo que uma pequena percentagem destes
desenvolve colite pseudomembranosa, tornando-o no antibitico mais comummente associado a esta complicao31.
At 10% dos doentes pode apresentar exantema, mas erupes cutneas
severas so raras.
A administrao e.v. pode causar flebite, bem como a elevao das transaminases e da fosfatase alcalina, alteraes reversveis com a suspenso da
teraputica31.

Nome

comercial

Dalacin C comprimidos de 150 mg.


Dalacin V creme vaginal 20 mg/g.
Dalacin T creme cutneo 10 mg/ml.
Zindaclin creme cutneo 10 mg/g.
Duac creme cutneo em associao com perxido de benzolo.
Clincina ampola injetvel 300 mg/50 ml; 600 mg/50 ml e 900 mg/50 ml.
127

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

8. Daptomicina
Mecanismo de ao a daptomicina um lipopeptdeo cclico ativo que
atua inibindo a sntese proteica.
Vias de administrao e doses nas infees da pele e tecidos moles a
dose de 4 mg/kg de 24-24 h, por via e.v., durante sete a 14 dias. Na bacteriemia por Staphylococcus aureus meticilinarresistente (MRSA) complicada
ou no com endocardite direita a dose de 6 mg/kg de 24-24 h, via e.v.,
durante duas a seis semanas37. Nos doentes com clearance de creatinina
< 30 ml/h, o intervalo de administrao aumentado para 48-48 h, sendo a
administrao feita no fim da sesso de hemodilise (se aplicvel)37. A funo
renal e a creatinina fosfoquinase (CPK) devem ser monitorizadas semanalmente, nos doentes com insuficincia renal medicados com daptomicina37.
Farmacocintica a sua atividade antimicrobiana bactericida relaciona-se
com a rea sob a curva de concentrao (ASC) e a concentrao inibitria
mnima (CIM).37 A semivida de 7-8 h e 50% do frmaco excretado por
via renal. A daptomicina tem uma baixa penetrao pulmonar e no LCR. Nos
doentes com clearance de creatinina < 80 ml/h, os estudos apontam para
uma diminuio da sua eficcia no tratamento da bacteriemia por MRSA
complicada ou no com endocardite direita37. Na gravidez um frmaco de
classe B37. Desconhecem-se as suas concentraes plasmticas no leite materno, devendo ser utilizada com precauo na mulher em amamentao37.
Interaes medicamentosas no so conhecidas interaes medicamentosas com a daptomicina37.
Espectro de ao ativa para Staphylococcus aureus, estafilococos
coagulase-negativos (CIM 0,5 ug/ml), estreptococos (CIM 0,25 ug/ml), enterococos suscetveis vancomicina Enterococcus faecalis (CIM 1-2 ug/ml),
Enterococcus faecium (CIM 4 ug/ml) e Clostridium perfringens (CIM 0,5-1 ug/
ml). Este frmaco no tem atividade para bactrias Gram-negativo.
Indicaes teraputicas est indicada nas infees da pele e tecidos
moles por microrganismos suscetveis e na bacteriemia por MRSA complicada
ou no com endocardite direita. No est indicada no tratamento da pneumonia, da endocardite das vlvulas esquerdas e no est estudada na endocardite de vlvulas protsicas37. Nas infees da pele e tecidos moles complicadas, a eficcia comparvel vancomicina/penicilina antiestafiloccica
para Staphylococcus aureus meticilinossensvel (MSSA), MRSA, Streptococcus
pyogenes, Enterococcus faecalis38. Na bacteriemia por MRSA, complicada ou
no com endocardite direita, as taxas de sucesso so sobreponveis ao tratamento com gentamicina associada vancomicina39. Nas infees osteoarticulares por MSSA ou MRSA associadas a bacteriemia, um estudo mostrou
taxas de sucesso sobreponveis ao tratamento com uma penicilina antiestafiloccica ou vancomicina, associadas gentamicina, pelo que a utilizao
da daptomicina nestes casos poder ser considerada40.
128

Antimicrobianos Outros antibacterianos

Efeitos adversos com maior frequncia podem ocorrer nuseas, vmitos, diarreia, cefaleias, exantema, aumento da CPK. Esto relatadas a
ocorrncia de pneumonia eosinoflica, de neuropatia perifrica e de alteraes da coagulao37.

Nome

comercial

Cubicin p para soluo para perfuso (350 e 500 mg).

9. Tigeciclina
A tigeciclina uma glicilciclina semissinttica resultante da introduo de
um grupo butilglicilamido na posio 9 do anel D da minociclina41.
Mecanismo de ao atua inibindo a sntese proteica ao ligar-se
subunidade 30S do ribossoma bacteriano e bloqueando a entrada de
molculas amino-acil-t-ARN no local A do ribossoma41. Geralmente, a tigeciclina considerada um antibitico bacteriosttico, embora atividade
bactericida tenha sido demonstrada para isolados de Streptococcus pneumoniae e Legionella pneumophila41,42.
Vias de administrao e dose a dose inicial de 100 mg, seguida de 50 mg
de 12-12 h por via e.v. A durao do tratamento geralmente de cinco a 14 dias,
dependendo da gravidade, do local de infeo, da situao clnica e da resposta
teraputica42. Com a tigeciclina no necessrio o ajuste da dose na insuficincia renal e na hemodilise. Na insuficincia heptica grave (Child-Pugh C) necessrio o ajuste da dose (100 mg dose nica, seguida de 25 mg de 12-12 h)42.
Farmacocintica a semivida de 37 h, com um grande volume de distribuio, baixas concentraes plasmticas e grande concentrao tecidular.
O frmaco metabolizado no fgado e grande parte eliminado pela via
biliar. Na insuficincia heptica grave, a clearance sistmica diminui em 55%
e a semivida aumenta em 43%42. O uso de tigeciclina na gravidez est associado a risco fetal (classe D) e desconhecem-se as suas concentraes plasmticas no leite materno, devendo ser utilizado com precauo na mulher em
amamentao42.
Interaes medicamentosas a tigeciclina pode aumentar as concentraes da varfarina, sendo necessria a sua monitorizao42.
Espectro de ao ativa contra estafilococos (incluindo MRSA), estreptococos (incluindo Streptococcus pneumoniae), enterococos, enterobactericeas
(exceto Proteus spp e Serratia marcescens), bacilos Gram-negativo no-entricos (Acinetobacter e Stenotrophomonas maltophilia, mas no contra Pseudomonas aeruginosa) e anaerbios (incluindo Bacteroides spp).
Indicaes teraputicas este frmaco est aprovado para infees da
pele e tecidos moles complicadas, infees intra-abdominais complicadas
e para a pneumonia adquirida na comunidade (PAC)42. Nas infees de pele e
129

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

tecidos moles complicadas, os estudos demonstram equivalncia vancomicina/aztreonam nas taxas de resposta clnica e na erradicao microbiolgica
de MRSA, MSSA e Streptococcus pyogenes43. Apenas num ensaio a tigeciclina revelou uma taxa de cura para enterococos vancomicinarresistentes (VRE)
sobreponvel da linezolida, pelo que so necessrios mais estudos para a
utilizao, com segurana, deste frmaco no tratamento do VRE44. Na infeo
intra-abdominal complicada as taxas de cura e erradicao microbiolgica
para a Escherichia coli, Streptococcus anginosus, Bacteroides fragilis e Klebsiella pneumoniae so semelhantes s obtidas com o imipenem45. Na PAC
por Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Legionella pneumophila, a sua eficcia equivalente da levofloxacina46. Nos doentes ventilados com pneumonia adquirida em meio hospitalar, a sua eficcia inferior do imipenem, no estando a sua utilizao recomendada 47. Num
estudo em doentes com infees graves por bactrias Gram-negativo multirresistentes, a tigeciclina pareceu ser segura e eficaz, incluido para Acinetobacter baumannii, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Enterobacter48.
No caso particular de Acinetobacter baumannii multirresistente (incluindo
carbapeneme resistente), um outro estudo mostrou que a tigeciclina tem
considervel atividade antimicrobiana, embora de forma no consistente,
pelo que no se recomenda a sua utilizao em monoterapia, particularmente na pneumonia associada ao ventilador ou na bacteriemia49. Em concluso,
a tigeciclina no melhor que a antibioterapia habitualmente preconizada
no tratamento de infees graves, incluindo as causadas por bactrias resistentes50.
Efeitos adversos comparativamente ao tratamento, habitualmente, preconizado, o efeito adverso mais frequente a intolerncia gastrintestinal
(nuseas, vmitos e diarreia). Menos vezes pode causar cefaleias, tonturas,
exantema, elevao da bilirrubina total, de aspartato aminotransferase (AST),
do tempo de protrombina e causar pancreatite41-43. Este frmaco pode cursar
com descolorao permanente do esmalte dentrio, se administrado na segunda metade da gravidez e durante a infncia at aos oito anos43.

Nome

comercial

Tygacil p para soluo para perfuso (50 mg).

10. Antibacterianos de aplicao tpica51


Bacitracina
Frmaco ativo in vitro contra estafilococos, estreptococos, corinebactria
e clostrdias. Apesar de utilizado h muitos anos na prtica clnica, a sua
eficcia nunca foi demonstrada nos ensaios clnicos realizados. Usa-se em
130

Antimicrobianos Outros antibacterianos

leses de impetigo e de impetigo bolhoso (menos eficaz) e na erradicao


do estado de portador nasal de estafilococos. Em geral, utiliza-se em combinao com neomicina e/ou polimixina B.

Nomes

comerciais

Baciderma, Bacitracina Neo-Zimaia, Cicatrin, Dermobitico, Dimicina,


Oralbitico, Polisulfad.

Neomicina
Tem atividade contra muitas bactrias Gram-positivo e Gram-negativo,
incluindo Escherichia coli, Haemophilus influenzae, Proteus spp, Staphylococcus aureus e Serratia spp, sendo Pseudomonas aeruginosa, por regra, resistente. A neomicina muito usada em combinao com outros antibiticos,
antifngicos e corticosterides.

Nomes

comerciais

Baciderma, Bacitracina Neo-Zimaia, Bientrico, Cicatrin, Conjunctilone, Dermobitico, Dermovate, Dexaval, Dimicina, Enteromicina,
FML-Neo Liquifilm, Kenacomb, Neodavisolona, Neomicina, Otosporin,
Oto-Synalar Pimafucort, Polydexa, Polygynax, Predniderma, Synalar
N, Zotinar.

Polimixina B
ativa, quase exclusivamente, sobre bactrias Gram-negativo, sendo bactericida para a maior parte das bactrias aerbias Gram-negativo, incluindo
Pseudomonas aeruginosa, mas inativa contra bactrias do gnero Proteus e,
fracamente, ativa contra bactrias do gnero Providencia, Burkholderia e Serratia. usada na preveno e no tratamento de infees pouco complicadas
da pele, geralmente associada com neomicina e bacitracina.

Nomes

comerciais

Conjunctilone, Gramixina, Oftalmotrin, Otosporin, Oto-Synalar Polisulfad, Polydexa, Polygynax.

Mupirocina
bastante eficaz em infees causadas por estafilococos, mesmo quando
resistentes meticilina e a outros antibiticos, e em infees estreptoccicas
131

M. Arajo Abreu, S. Boavida, R. Sarmento e Castro

(exceto enterococos). Este frmaco exibe, ainda, atividade contra Neisseria


gonorrhoeae, Neisseria meningitidis, Moraxella catarrhalis, Bordetella pertussis, Haemophilus influenzae e Pasteurella multocida. usada no tratamento do impetigo, da foliculite e de leses, secundariamente, infetadas de
eczema, queimadura, lacerao e lcera de perna. A mupirocina , ainda,
usada na erradicao da colonizao nasal por estafilococos.

Nome

comercial

Bactroban.

Bibliografia
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133

Seco 3 Antimicrobianos

ANTIVRICOS*

Francisco Antunes

Nos ltimos anos, registaram-se progressos importantes no desenvolvimento de antivricos eficazes em diversas fases da replicao vrica, nas quais
se incluem a absoro, a penetrao, a libertao do invlucro, a transcripo
e a translao das protenas reguladoras, a replicao do genoma, a transcripo e a translao das protenas estruturais, a reconstituio do virio, a
maturao e a libertao1. A toxicidade tida como um dos maiores obstculos no desenvolvimento de antivricos, dada a dificuldade destes em distinguir, com preciso, entre as funes de algumas clulas humanas e a replicao vrica, tal como acontece com o efeito oncognico ou teratognico
potencial. Em contraste com os antibiticos, utilizados nas infeces bacterianas, so raros os antivricos de amplo espectro de aco, estando a maioria
deles indicados para uma nica e determinada infeco vrica.

1. Amantadina e rimantadina
A amantadina eficaz na profilaxia e no tratamento (menos activa) da
maioria das estirpes de vrus influenza A, mas no contra as estirpes B e C.
No entanto, mais recentemente, os isolados A/H1N1, H3N2 e H5N1 de vrus da
gripe mostraram resistncia a estes antivricos. A rimantadina parece ser
mais eficaz do que a amantadina na profilaxia e no tratamento da gripe
nos adultos e, apenas, no tratamento das crianas, sendo, de igual modo,
menos txica para o sistema nervoso central (a amantadina estimula as
catecolaminas, o que no acontece com a rimantadina). Os mecanismos de
aco envolvem o bloqueio do canal inico, formado pela protena M2, com
interferncia na libertao do invlucro viral, aps a entrada na clula, e,
possivelmente, na reconstituio do virio e na sua maturao. Quando
utilizada em profilaxia, a amantadina e a rimantadina reduzem o risco de
infeco em, pelo menos, 50% (no que diz respeito ao efeito profilctico,
esta percentagem idntica da proteco conferida pela vacina) e o
risco de doena em 70-90%. Para se conseguir maior eficcia devem ser
utilizadas nas 48 h aps o incio dos sintomas. A emergncia de resistncias

*Excluem-se os anti-retrovricos (ARVs)


Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

135

F. Antunes

parece ocorrer durante as duas-quatro primeiras semanas de tratamento.


Os efeitos colaterais ocorrem, respectivamente, para a amantadina e para
a rimantadina, em 5-10% e 2% dos doentes tratados (ansiedade, insnias,
depresso e dificuldade na concentrao; em doses elevadas podem ocorrer
alucinaes e convulses), o que condiciona a sua utilizao em idosos. Estes
antivricos no esto disponveis em Portugal.

2. Zanamavir e oseltamivir
O zanamavir e o oseltamivir so antivricos aparentados, com mecanismos semelhantes de aco e taxas semelhantes de eficcia contra vrus
influenza tipo A e tipo B2,3. Ambos so inibidores da neuraminidase. O
zanamavir inalado, sendo a biodisponibilidade de 10-20% da dose inalada. O oseltamivir administrado por via oral, sendo de 75% a biodisponibilidade, devendo ser reduzida a dose em insuficientes renais. Os efeitos
colaterais do zanamavir so mnimos, porm deve ser administrado com
precauo em doentes com doena respiratria crnica, dado que pode
causar broncospasmo. O oseltamivir pode causar nuseas e vmitos em 10%
dos doentes, pelo que se recomendam as tomas com as refeies, por forma
a reduzir aqueles efeitos. A prescrio de zanamavir e oseltamivir deve limitar-se aqueles casos com menos de 48 h de doena. Na dose de 10 mg/dia
para zanamavir e de 75 mg/dia para oseltamivir so eficazes na preveno
da infeco, respectivamente, de 30 e 50%, e na preveno da doena, respectivamente, de 67 e 84%.

3. Ribavirina
A ribavirina (RBV) um nuclesido anlogo da purina, com amplo espectro de aco in vitro contra vrus ARN e ADN, no estando esclarecido,
ainda, o seu mecanismo de aco. No tratamento das infeces por vrus
respiratrio sincicial (VRS) est licenciada a formulao para aerossol sem,
praticamente, efeitos colaterais (no disponvel em Portugal). Porm, nas
crianas (e em adultos) com doena pulmonar crnica obstrutiva ou com
asma, a deteriorao da funo respiratria tem sido associada utilizao
de RBV. De realar que a RBV no est indicada nas infeces respiratrias
por VRS com caractersticas benignas. Para alm das infeces por VRS, a
RBV tem sido utilizada no tratamento da hepatite A, do sarampo, das
infeces por vrus herpes simplex (VHS) e, com maior importncia, na
febre hemorrgica de Lassa e da febre hemorrgica da Coreia1. Dado que
atravessa bem a barreira hematoenceflica poder revelar-se til no tratamento de encefalites vricas por vrus bunya. A toxicidade hematolgica
136

Antimicrobianos Antivricos

reversvel. A RBV tem sido utilizada, eficazmente, no tratamento da


infeco crnica por vrus da hepatite C (VHC), em combinao com interfero (INF)4.

4. Vidarabina
A vidarabina eficaz no tratamento das infeces por vrus herpes,
por inibio da sntese do cido nucleico, atravs de um ou mais mecanismos. No tratamento da encefalite por VHS, diminui a mortalidade de
70 para 28%, ao fim de um ms, e para 40% ao fim de seis meses5. Nos
recm-nascidos, com infeco do sistema nervoso central (SNC) ou disseminada por VHS, reduz a mortalidade de 74 para 38%, porm, apenas, 29%
dos sobreviventes esto clinicamente curados no final do primeiro ano.
Para alm destas indicaes, eficaz em aplicao tpica da queratoconjuntivite e da estomatite. Alm disto, usada no tratamento da zona
[infeco por vrus varicela zster (VVZ)], cutnea e visceral, nos doentes
imunocomprometidos (reduz a formao de novas leses, a eliminao do
vrus e encurta os episdios de nevralgia ps-herptica)5, nestes casos com
a utilizao por via e.v. (dada a fraca solubilidade da vidarabina requer um
volume enorme de lquido para a perfuso). A vidarabina no est disponvel em Portugal.

5. Anti-herpticos
O aciclovir, licenciado em 1995, considerado o antivrico mais eficaz, de
entre outros (ganciclovir e foscarnet). Mais recentemente passaram a estar
disponveis o famciclovir e o valaciclovir, tendo eficcia equivalente ou superior do aciclovir e, por outro lado, a sua farmacocintica, quando
administrada por vira oral, mais favorvel. O aciclovir um inibidor
potente de alguns vrus do grupo herpes, na presena da timidinaquinase, a qual induz a fosforilao daquele, na sua forma activa, de monofosfato de aciclovir. A maior eficcia do aciclovir relaciona-se com as
infeces por VHS, sendo menor para VVZ. O vrus de Epstein-Barr (VEB)
mais sensvel ao aciclovir do que o vrus citomeglico (VCM), sendo a
aco sobre o primeiro sobre a polimerase ADN-VEB e sobre o segundo,
praticamente nula, dado que VCM no produz a enzima responsvel pela
fosforilao do aciclovir na sua forma activa. O aciclovir est disponvel
em formulaes para uso e.v., oral e tpico. A administrao por via e.v.
est recomendada para o tratamento das infeces herpticas mucocutneas e genitais no imunocomprometido. Nestes casos, a eliminao do
vrus, o tempo de formao de leses novas e a durao dos sintomas esto
137

F. Antunes

diminudas1,5. Porm, aps interrupo do aciclovir, a eliminao de vrus e


o aparecimento de novas leses so, relativamente, frequentes. O aciclovir,
por via e.v., eficaz, tambm, no tratamento da zona (infeco por VVZ). O
aciclovir, por via oral, eficaz no tratamento do herpes nasolabial e, em
alguns casos, do herpes genital, principalmente no doente imunocomprometido,
sendo questionvel o seu interesse na preveno das recorrncias, dado o
risco de desenvolvimento de resistncias, apesar do risco daquelas se poder
reduzir para 30%. O valaciclovir um pr-frmaco de aciclovir, que , rapidamente e largamente, convertido em aciclovir, de que resulta maior biodisponibilidade de aciclovir (trs a cinco vezes mais), comparada com a dose de
800 mg deste por via oral, o que possibilita a reduo das tomas dirias e,
no caso da zona, do tempo de resoluo da dor6.
O ganciclovir um nucleosdeo anlogo com maior eficcia do que o
aciclovir para VCM, tendo particular interesse no tratamento da retinite,
sendo, porm, menos eficaz no caso da pneumonia, no contexto do imunocomprometido, particularmente no doente com sida. O valganciclovir
um pr-frmaco de ganciclovir, com 10 vezes mais biodisponibilidade do que
o ganciclovir oral. O valganciclovir , rapidamente, metabolizado em ganciclovir, que inibe a ADN polimerase de VCM, aps fosforilao intracelular na
sua forma de trifosfato7.
O foscarnet um anlogo pirofosfato eficaz, tambm, no tratamento da
retinite por VCM, assim como na infeco por VHS resistente ao aciclovir.

6. Citocinas
Os interferes (INFs) tendo sido utilizados, eficazmente, no tratamento de
diversas infeces vricas, no sendo clara se a sua aco por efeito directo
sobre os vrus ou se, indirectamente, por mecanismos imunomodeladores. As
suas principais indicaes dizem respeito ao tratamento das infeces crnicas por vrus das hepatites B e C, ultimamente nas suas formulaes peguiladas8-10. Os INFs tm sido usados, ainda, no tratamento tpico dos condilomas genitais.

7. Antivricos para a teraputica da hepatite B crnica


Os INFs so citocinas potentes com aco antivrica, imunomodeladora
e antiproliferativa. Os INFs no tm uma actividade antivrica directa, mas
causam a produo de protenas nas clulas expostas que inibem a sntese
das protenas vricas. Na hepatite B crnica a utilizao de INF- pode
causar remisses sustentadas em mais de 80% dos doentes, com perda frequente do AgHBe e melhoria da evoluo clnica11. A combinao de INF-
138

Antimicrobianos Antivricos

Quadro 1. Antivricos disponveis em Portugal*


Antiviral

Nome comercial

Aciclovir

Acidosina creme, pomada oftlmica, comp. 200 mg; Aciclovir


comp. 200/400/800 mg, para perfuso 250 mg/20 ml; Cicloviral
comp. 200/400/800 mg; Divicil comp. 200/800 mg, susp. oral 400 mg;
Hermi-sofex 200 mg; Hermocil comp. 200 mg; Zov 800
comp. 800 mg; Zovirax comp. 200 mg, susp. oral 80/400 mg

Cidofovir

Vistide para perfuso 375 mg/5 ml

Foscarnet

Foscavir para perfuso 24 mg/ml

Ganciclovir

Cymevene para perfuso 500 mg

Valganciclovir

Rovalcyte comp. 450 mg

Interfero

Roferon A inject 3/6/9/18 MUI; Wellferon 3/5/10 MUI

Interfero peguilado

Pegintron inject 50/80/100/120/150 g; Pegasys inject. 180 g

Valaciclovir

Valavir comp. 250/500/1.000 mg; Valtrex comp. 250/500/1.000 mg

Zanamivir

Relenza para inalao

Oseltamivir

Tamiflu comp. 75 mg, susp. oral 12 mg/ml

Ribavirina

Rebetol cps. 200 mg; Copegus comp. 200 mg

Lamivudina

Lamivudina Tera comp. 100 mg

Adefovir

Hepsera comp. 10 mg

Entecavir

Baraclude comp. 0,5 mg; comp. 1 mg

Telbivudina

Sebivo comp. 600 mg

Tenofovir

Viread comp. 245 mg

*Excluem-se os anti-retrovricos
Utilizados no tratamento da hepatite B crnica e da infeco por VIH

com lamivudina (3TC) no mostrou melhores resultados clnicos do que a


monoterapia 12. Dada a convenincia das administraes (via subcutnea,
uma vez por semana) e a eficcia, o INF peguilado (PEG-INF--2a) suplantou o INF-. O PEG-INF--2a mostrou-se, tambm, eficaz na hepatite D crnica13.
O 3TC (100 mg/dia) est aprovada para o tratamento da infeco por VIH
e da hepatite B crnica. Na dosagem de 100 mg/dia, durante um ano suprime o ADN-VHB, normaliza as aminotransferases e diminui a inflamao em
cerca de 50% dos doentes14. A emergncia de variantes de VHB resistentes
139

F. Antunes

(YMDD) aumenta, progressivamente, medida que os anos passam (67% aos


quatro anos)15.
O entecavir (ETV) (0,5-1 mg/dia) est aprovado para o tratamento da
hepatite B crnica e tem uma barreira gentica elevada. A resistncia ao ETV
requer a mutao YMDD e uma segunda mutao, sendo eficaz no tratamento da infeco crnica por VHB resistente ao 3TC16.
A telbivudina (LdT) (600 mg/dia) um anlogo nucleosdeo da timidina, sem aco sobre VIH, apresentando resistncia cruzada com o 3TC,
aprovado para tratamento da hepatite B crnica. Apesar da sua excelente actividade, o LdT no tem sido muito utilizado, pela resistncia cruzada com o 3TC.
O adefovir (ADV) est aprovado para a teraputica da hepatite B crnica
(10 mg/dia), sendo rara a ocorrncia de resistncias, podendo ser utilizado
em doentes com infeco crnica por VHB resistente ao 3TC. No entretanto,
dadas as suas limitaes (potncia e ineficcia), foi suplantado pelo tenofovir (TDF).
O TDF (300 mg/dia) activo contra VHB resistentes ao ADV e ao ETV. A
resistncia de VHB ao TDF pouco comum, sendo a sua eficcia comprovada
em mono-infectados ou em infectados por VIH (supresso rpida e consistente de ADN-VHB).
A emtricitabina (FTC) uma derivado do 3TC, aprovada para o tratamento da infeco por VIH, sendo a sua eficcia para VHB comparvel do 3TC.
A combinao TDF e FTC recomendada para integrar o esquema de teraputica da infeco por VIH, nos co-infectados por VHB.

8. Antivricos para a teraputica da hepatite C crnica


No tratamento da hepatite C crnica, a combinao de PEG-IFN (-2a ou
-2b) com RBV permite os melhores resultados nas respostas vricas sustentadas e considerada a teraputica de referncia17. O PEG-IFN--2a (180 g/
semana) ou PEG-IFN--2b (1,5 g/kg peso/semana), associado RBV (1.0001.200 mg/dia), durante 48 semanas, para o gentipo 1 de VHC, tem uma
resposta vrica sustentada de cerca de 55%. Para os gentipos 2 e 3, a dose
de RBV (800 mg/dia) e o tempo de durao (24 semanas) menores permitem
resposta vrica sustentada, nestes gentipos, de 84%18,19. A teraputica est
associada reduo da esteatose e progresso para a fibrose e melhoria
do processo necro-inflamatrio, podendo mesmo reverter a cirrose e reduzir
o risco de carcinoma hepatocelular. A cura definitiva para aqueles doentes
que atingem resposta vrica sustentada.
Mais recentemente, dois inibidores da protease de VHC, o boceprevir
e o telepravir, em combinao com PEG-IFN e RBV mostraram resposta
vrica sustentada cerca de 20% superior atingida com a combinao
140

Antimicrobianos Antivricos

dupla PEG-IFN e RBV, para o gentipo 1. No entretanto, principalmente


a anemia (boceprevir) e a toxidermia (telepravir) condicionam a sua utilizao.
O quadro 1 mostra os antivricos disponveis em Portugal.

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141

Seco 3 Antimicrobianos

ANTIFNGICOS

Patrcia Pacheco

1. Mecanismos de ao dos antifngicos


A maioria dos antifngicos atua sobre o ergosterol, um componente major da
membrana citoplasmtica fngica, anlogo do colesterol nas clulas dos mamferos. O ergosterol essencial para a fluidez e integridade da membrana celular
fngica. Outros mecanismos de ao dos antifngicos so a inibio da sntese
dos cidos nucleicos e a disrupo da parede celular fngica. De acordo com as
suas propriedades estruturais e com o seu mecanismo de ao, os antifngicos
podem ser classificados, fundamentalmente, em cinco classes polienos, azis,
alilaminas, anlogos nuclesidos e equinocandinas. Cada uma destas classes tem
vantagens e limitaes relativamente ao seu espectro de ao, farmacocintica, modo de administrao, interaes medicamentosas e perfil de toxicidade.

Polienos
Os polienos atuam ao nvel da membrana citoplasmtica do fungo, ligando-se, irreversivelmente, ao ergosterol. Para ter acesso ao ergosterol, os polienos devem, em primeiro lugar, atravessar a rgida parede celular do fungo.
Uma vez na membrana, promovem a abertura de poros que aumentam a
permeabilidade celular, levando sada de eletrlitos e morte celular. Os
polienos so fungicidas potentes, com amplo espectro de ao, atuando sobre
fungos filamentosos e leveduriformes. Apresentam, como principal limitao,
elevada toxicidade, resultante da semelhana estrutural entre o ergosterol e
o colesterol, pelo que o seu uso sistmico se restringe a infees fngicas graves.
Deste grupo fazem parte a nistatina (disponvel como medicamento tpico para
o tratamento da candidose oral), a natamicina (tpico para tratamento da
candidose vaginal) e a anfotericina B, a qual constituiu durante dcadas o
frmaco de referncia da teraputica antifngica sistmica. De forma a minimizar a toxicidade da anfotericina B desenvolveram-se preparaes lipdicas, mantendo efeito antifngico comparvel.

Azis
Os azis interferem na biossntese do ergosterol, atravs da inibio da
enzima lanosterol-demetilase, dependente do citocrmio P450 (CYP450). Esta
143

P. Pacheco

Quadro 1. Algumas interaes medicamentosas envolvendo antifngicos triazis2-4


Mecanismo/frmacos

Imidazol

Efeito clnico potencial

Diminuio da absoro do triazol


(anticidos, sucralfato, omeprazol e didanosina)

itraconazol

diminuio da concentrao
plasmtica do triazol

Aumento da metabolizao do triazol


(rifampicina, fenitona e carbamazepina)

itraconazol
fluconazol
voriconazol

diminuio da concentrao
plasmtica do triazol

nefrotoxicidade

Inibio da metabolizao de frmacos pelo


CYP450
ciclosporina

todos

fenitona

todos

toxicidade da fenitona

sulfonilureias

todos

hipoglicemia

varfarina

todos

hipocoaguabilidade

alprazolam e midazolam

todos

sedao

digoxina

itraconazol

toxicidade da digoxina

terfenadina, loratidina e cisapride

itraconazol
voriconazol

arritmias cardacas
potencialmente fatais

enzima tem papel fundamental na sntese do ergosterol, atuando, acessoriamente, na sntese do colesterol no mamfero. A atividade dos antifngicos
azis resulta da depleo do ergosterol e da acumulao de esterides txicos,
condicionando alteraes na estrutura e na funcionalidade das membranas
fngicas. Estes frmacos limitam o crescimento fngico (frmacos fungistticos)
e so ativos contra diversos fungos leveduriformes e filamentosos. Os azis, de
utilizao corrente, contm dois ou trs nitrognios no anel azol, sendo designados imidazis (cetoconazol, miconazol e clotrimazol) e triazis (fluconazol,
itraconazol, voriconazol e posaconazol), respetivamente. Os triazis, em comparao com os imidazis, apresentam maior afinidade para as enzimas fngicas, relativamente s enzimas humanas dependentes do CYP450, pelo que tm
menor toxicidade. Este facto determina que os imidazis sejam, essencialmente,
de aplicao tpica e os triazis de utilizao sistmica. Dentro do grupo dos
triazis, e apesar de apresentarem o mesmo mecanismo de atuao, existem
diferenas estruturais que determinam espectros de ao e propriedades farmacocinticas diferentes. Relativamente coadministrao com outros frmacos, todos os azis podem condicionar interaes medicamentosas, sendo o
itraconazol o que apresenta maior nmero de interaes (Quadro 1).

Alilaminas
As alilaminas atuam ao nvel da biossntese do ergosterol atravs da inibio da enzima esqualeno-epoxidase. Esta enzima, no dependente do
144

Antimicrobianos Antifngicos

CYP450, responsvel pela transformao do esqualeno em lanosterol, pelo


que a sua inibio evita a converso do lanosterol em ergosterol. A depleo
de ergosterol da membrana citoplasmtica fngica condiciona disrupo da
membrana e morte celular. Os representantes desta classe so a terbinafina
e a naftifina (esta ltima exclusivamente para uso tpico) e esto indicadas
no tratamento de dermatofitoses (tinhas) e outras infees fngicas cutneas. A terbinafina administrada por via oral e apresenta alta atividade
sobre agentes de micoses cutneas, atingindo elevadas concentraes a nvel
da pele e das estruturas queratinizadas1. Apresenta maior eficcia e melhor
perfil de segurana do que a griseofluvina, o frmaco antifngico, tradicionalmente utilizado nestas situaes (o qual inibe a mitose celular por interao com os microtbulos).

Anlogos nucleosdeos
O nico frmaco disponvel a flucitosina, um antimetabolito que interfere com o metabolismo da pirimidina e, subsequentemente, na sntese e
funo do ADN/ARN fngico. A flucitosina convertida nas clulas fngicas
em 5-fluoruacilo pela enzima citosina desaminase, sendo seletivamente txica para os fungos que possuem esta enzima, nomeadamente, Candida spp
e Cryptococcus spp. S deve ser utilizado associado a outros antifngicos
(anfotericina ou fluconazol), devido emergncia de resistncias quando
utilizado em monoterapia. A flucitosina , rapidamente, absorvida aps
administrao oral, sendo este o modo de administrao preferencial. Em
adultos com funo renal normal a dose habitual 25-37,5 mg/kg, cada seis
horas (dose total diria 100-150 mg/kg). Em doses elevadas associa-se a depresso medular e hepatotoxicidade, sendo estes efeitos, habitualmente,
reversveis com a suspenso do tratamento. No caso de insuficincia renal
ou coadministrao de frmacos nefrotxicos (anfotericina ou ganciclovir,
por exemplo) conveniente proceder aos doseamentos sricos da flucitosina,
para ajuste das doses e minimizao da toxicidade.

Equinocandinas
As equinocandinas so o grupo de antifngicos sistmicos mais recentes
e apresentam um mecanismo de ao inovador, na medida em que atuam
na parede celular dos fungos, atravs da inibio da sntese de b-(1,3)-D-glucano, um componente da parede celular dos fungos filamentosos e leveduriformes, que no existe nas clulas dos mamferos. A destruio da
estrutura da parede celular conduz instabilidade osmtica e lise celular.
As equinocandinas so fungicidas para Candida spp, mas fungistticas para
145

P. Pacheco

Aspergillus spp. O espectro de ao das equinocandinas limitado, uma vez


que os fungos que no tm quantidade suficiente de b-(1,3)-D-glucano na
sua parede celular so intrinsecamente resistentes, como o caso de Cryptococcus spp, Fusarium spp e Mucorales spp. Apresentam tambm, atividade
sobre Pneumocystis jirovecii (apenas formas quisticas, no sendo ativos sobre
os trofozoitos).
Atualmente esto disponveis trs agentes nesta classe (caspofungina,
anidulafungina e micafungina), licenciados para utilizao em infees fngicas graves, existindo exclusivamente em formulao endovenosa. As equinocandinas no interagem com o CYP450, pelo que as interaes medicamentosas so menos significativas comparativamente aos azis.

2. Consideraes gerais sobre resistncias antifngicas


A resistncia antifngica pode ser primria ou secundria. A resistncia
primria, genotpica, conhecida previamente, pelo que no condiciona
grandes dilemas clnicos. Como exemplo, temos a resistncia das espcies
Candida lusitanae, Scedosporium prolificans, Fusarium spp e Aspergillus terreus anfotericina B, a resistncia de Cryptococcus neoformans s equinocandinas e a resistncia dos agentes de mucormicoses a praticamente todos
os azis (exceto posaconazol) e caspofungina. A resistncia antifngica
secundria, desenvolvida no decurso da teraputica, um problema mdico atual, para o qual no existem, ainda, solues consensuais. Um exemplo
paradigmtico deste tipo de resistncia antifngica acontece na candidose orofarngea recidivante do doente com infeo VIH/sida, relacionando-se
com imunodepresso avanada e exposio prvia repetida a antifngicos
orais5. As espcies de Candida no-albicans (krusei, glabrata, dubliniensis,
entre outras) tendem a ser mais resistentes ao fluconazol e, frequentemente, tambm ao itraconazol, j que, no caso dos antifngicos azis, a resistncia antifngica secundria , muitas vezes, cruzada. Os testes de suscetibilidade antifngica so, nestas situaes, uma importante ferramenta para
auxiliar a deciso teraputica.

3. Reviso dos principais antifngicos utilizados


no tratamento de micoses sistmicas
Anfotericina B
Vias de administrao administrao endovenosa (0,3-1,0 mg/kg/dia,
dependendo do agente patognico e das circunstncias clnicas). Uso tpico
possvel.
146

Antimicrobianos Antifngicos

Farmacocintica a sua fraca absoro oral implica a administrao por


via endovenosa no tratamento de infees fngicas sistmicas, podendo,
contudo, ser utilizada como preparao tpica para o tratamento de candidoses orais ou vesicais. Apresenta acentuada ligao s protenas plasmticas
(> 90%), especialmente s b-lipoprotenas, que transportam o frmaco para
o fgado, bao, rim, pulmo e corao, permanecendo depositada nos tecidos
por perodos prolongados de tempo, reentrando na circulao lentamente.
A anfotericina B atinge 75% das concentraes sricas na pleura inflamada,
peritoneu, sinovial e humor aquoso. Em contraste, penetra mal no lquido
cefalorraquidiano (LCR) normal ou inflamado, humor aquoso e fluido amnitico. lentamente degradada no corpo e, apenas, pequenas percentagens
aparecem na urina ou na blis. A semivida plasmtica inicial de, aproximadamente, 24 h e a semivida de eliminao de 15 dias.
Espectro de ao o espectro de ao amplo, cobrindo a maioria dos
fungos filamentosos e leveduriformes. Existem, contudo, fungos naturalmente resistentes anfotericina B, nomeadamente Aspergillus terreus, Scedosporium prolificans, Tricosporon beigelii, Pseudallescheria boydii, Fusarium
spp e Candida lusitaniae.
Indicaes teraputicas infees fngicas sistmicas, nomeadamente
candidose, criptococose, aspergilose, mucormicose e micoses endmicas (histoplasmose e coccidioidomicose).
Efeitos adversos apesar da anfotericina se ligar, preferencialmente, ao
ergosterol, a interao com o colesterol pode afetar as clulas de mamferos,
supondo-se que seja esta a causa principal das diversas toxicidades que lhe
esto associadas (Quadro 2). As reaes agudas idiossincrticas so muito
raras, mas, potencialmente, fatais. As reaes agudas dependentes da perfuso so, frequentemente, dependentes da dose e da velocidade de perfuso e tendem a declinar ao longo dos dias de tratamento. Os efeitos adversos renais e hematolgicos constituem a toxicidade crnica major. A causa
da anemia no est, claramente, esclarecida, podendo contribuir para o seu
estabelecimento a supresso da sntese de eritropoetina e a existncia de
hemlise. A anemia reversvel com a suspenso da teraputica. A nefrotoxicidade dose-dependente e reversvel na maioria dos doentes.

Formulaes

lipdicas de anfotericina b7-9

A anfotericina B constitui o frmaco de eleio nas infees fngicas


sistmicas devido sua atividade fungicida e amplo espectro de ao. A sua
utilizao est, contudo, associada ao risco de reaes txicas, imediatas ou
tardias, limitando o seu potencial clnico. Na tentativa de reduzir a sua toxicidade, foram desenvolvidas formulaes lipdicas de anfotericina B a
anfotericina B lipossmica (L-AmB, Ambisome), a anfotericina B complexo
lipdico (ABLC, Abelcet) e a anfotericina B de disperso coloidal (ABDC,
Amphocil/Amphotec). A explicao terica para a menor toxicidade das
147

P. Pacheco

Quadro 2. Efeitos adversos da anfotericina B convencional6


Toxicidades

Manifestaes clnicas

Preveno

Reaes
idiossincrticas

choque anafiltico
convulses
fibrilhao ventricular

dose teste

Reaes dependentes
da infuso

febre, calafrios e vmitos,


mal-estar

pr-medicao corticide,
anti-histamnico

hipotenso

administrar lentamente (4-6 h)

tromboflebite

perfundir em concentraes
0,1 mg/ml; adicionar 1.000 U
de heparina perfuso

Toxicidade imediata

Toxicidade retardada
Hematolgica

anemia normoctica/normocrmica

Renal

acidose tubular renal e azotemia

administrao de 500 ml de
soro salino previamente
perfuso

aumento da creatinina srica


hipocaliemia e hipomagnesemia

perfuso em dias alternados


evico de nefrotxicos

formulaes lipdicas reside no facto de a ligao da anfotericina estrutura lipdica permitir que o frmaco ativo esteja menos disponvel e seja menos
txica para as membranas contendo colesterol, das clulas do hospedeiro. O
termo anfotericinas lipossmicas, vulgarmente utilizado, deve ser evitado
uma vez que apenas um dos produtos um verdadeiro lipossoma. Cada
composto nico quanto ao seu contedo lipdico, configurao e contedo
molar de anfotericina B. As propriedades fsicas e qumicas do veculo lipdico condicionam a farmacocintica e a distribuio tecidular das diferentes
formulaes. Os lipossomas e os complexos lipdicos relacionados vo afetar
a distribuio do frmaco, devido sua captao seletiva pelo sistema retculo-endotelial, o que resulta numa diferente distribuio do frmaco, com
concentraes superiores no fgado, bao, gnglios linfticos e medula ssea.
A fagocitose destes complexos pode levar ao aumento da concentrao em
locais de infeo ativa ou inflamao. Nunca foi demonstrada eficcia clnica
superior destas formulaes, em relao anfotericina B convencional, para
nenhuma doena fngica, mas a sua menor toxicidade uma caracterstica
atrativa. Todas as formulaes lipdicas so menos nefrotxicas do que a convencional e a anfotericina B lipossmica est, claramente, associada a menor
incidncia de efeitos adversos relacionados perfuso. Associados s formulaes lipdicas foram descritos outros efeitos secundrios, particularmente hepticos, traduzidos por aumentos, transitrios, das transaminases, da fosfatase alcalina e das bilirrubinas sricas, reversveis com a suspenso da
teraputica. O elevado custo destas formulaes o principal obstculo sua
utilizao generalizada, em situaes que requeiram o uso de anfotericina,
148

Antimicrobianos Antifngicos

pelo que, a sua utilizao est, habitualmente, reservada para o tratamento


de doentes refratrios ou intolerantes ao tratamento convencional e, eventualmente, para o tratamento de doentes com insuficincia renal prvia ou
nos quais se administre, concomitantemente, frmacos nefrotxicos.

Fluconazol (Diflucan)
Vias de administrao oral e endovenosa.
Farmacocintica a absoro oral rpida e quase completa, apresentando as formulaes oral e endovenosa idntica biodisponibilidade (> 90%).
A administrao com alimentos no afeta a absoro. A semivida plasmtica
prolongada (20-30 h), o que permite a administrao nica diria. A ligao
s protenas plasmticas baixa, distribuindo-se, amplamente, nos tecidos e
no lquor (80% da concentrao srica). A dose utilizada varivel, consoante as situaes clnicas, usualmente de 100 a 400 mg/dia (podendo ser utilizadas doses at 800 mg/dia, sem significativo agravamento da toxicidade).
No primeiro dia de tratamento habitual administrar-se uma dose de impregnao (dobro da dose diria). A excreo feita, fundamentalmente,
por via renal, sendo 80% do frmaco eliminado inalterado.
Espectro de ao o fluconazol ativo, sobretudo, contra fungos leveduriformes, nomeadamente Candida spp e Cryptococcus neoformans. Algumas espcies de Candida, sobretudo no-albicans, podem ser resistentes.
Tambm, ativo contra fungos dimrficos, como Histoplasma capsulatum e
Coccidioidis immitis.
Indicaes teraputicas candidose cutnea, candidose oroesofgica, candidose disseminada e criptococose, nomeadamente a meningite criptoccica.
Efeitos adversos o fluconazol , em regra, bem tolerado. Podem ocorrer
alteraes gastrintestinais e hepatotoxicidade reversvel. Esto descritos casos
raros de eritema multiforme e de sndrome de Stevens-Johnson, o que determina suspenso imediata da teraputica.

Itraconazol (Sporanox)
Vias de administrao oral (cpsulas 100 mg e soluo oral 10 mg/ml),
existindo uma formulao endovenosa que no est disponvel em Portugal.
Farmacocintica a absoro oral varivel, consoante a formulao
administrada. As cpsulas apresentam menor biodisponibilidade, com concentraes sricas errticas. A formulao lquida com ciclodextrina, de introduo mais recente, apresenta melhor absoro, em particular quando
ingerida em jejum, atingindo concentraes sricas mais elevadas e previsveis. O itraconazol apresenta elevada taxa de ligao s protenas plasmticas (99%) e altamente lipoflico, pelo que atinge concentraes mais elevadas nalguns tecidos (tecido adiposo, fgado, pele e rim). A concentrao
no lquor mnima, embora penetre no parnquima cerebral. A semivida
plasmtica prolongada (64 h). A dose utilizada varivel, consoante as
149

P. Pacheco

situaes clnicas, sendo a mais habitual de 200 mg/dia. A metabolizao feita


no fgado, sendo os seus metabolitos eliminados pelas vias urinria e digestiva.
Espectro de ao mais alargado do que o fluconazol, apresentando
atividade in vitro contra fungos leveduriformes (Candida spp e Cryptococcus
neoformans) e fungos filamentosos, nomeadamente Aspergillus spp. ativo
contra agentes de micoses endmicas.
Indicaes teraputicas candidose oroesofgica refratria ao fluconazol.
, com frequncia, utilizado na profilaxia primria de infees fngicas, no
doente neutropnico. Eficaz no tratamento da histoplasmose e da blastomicose.
Efeitos adversos o itraconazol , em geral, bem tolerado. Podem ocorrer alteraes gastrointestinais, hepatotoxicidade reversvel e toxidermias.

Voriconazol (Vfend)10
Vias de administrao oral e endovenosa.
Farmacocintica a biodisponibilidade oral do voriconazol cerca de
95%, atingindo concentraes sricas mximas em menos de duas horas. A
administrao por via oral ou por via endovenosa condiciona idntico perfil
farmacocintico. O voriconazol apresenta uma taxa de ligao s protenas
plasmticas de 50-65%, distribuindo-se, amplamente, nos tecido incluindo
no lquor11. O voriconazol sofre extensa metabolizao heptica atravs das
enzimas do CYP450. Apresenta semivida plasmtica de, aproximadamente,
seis horas, tornando-se mais prolongada com a manuteno do tratamento
(apresenta farmacocintica varivel devido a um metabolismo saturvel). A
eliminao feita por via urinria e intestinal. A dose preconizada 6 mg/kg
endovenosa de 12-12 h (no primeiro dia, dose de impregnao) seguida de
4 mg/kg endovenosa de 12-12 h, em administrao lenta (duas horas). Quando os doentes toleram a teraputica oral, deve usar-se esta via, na dose de
200 mg (> 40 kg) ou 100 mg (< 40 kg), de 12-12 h. Nos doentes com insuficincia heptica deve proceder-se ao ajuste da dose de manuteno (50%
da preconizada). No caso de insuficincia renal, o voriconazol oral pode ser
administrado, no entanto o uso de voriconazol por via endovenosa deve ser
cauteloso, uma vez que pode ocorrer acumulao do excipiente. Este frmaco no deve ser utilizado durante a gravidez (teratognico nos animais) e a
experincia da sua utilizao em crianas muito limitada.
Espectro de ao Candida spp, Cryptococcus neoformans, Aspergillus
spp, Fusarium spp, Scedosporium spp e fungos dimrficos (Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis e Coccidioides immitis).
Indicaes teraputicas o voriconazol est aprovado para o tratamento
da aspergilose invasiva, das candidoses invasivas resistentes ao fluconazol e
das infees fngicas sistmicas causadas por Scedosporium spp e Fusarium
spp. Os estudos clnicos demonstraram superioridade do voriconazol comparativamente anfotericina B (melhores respostas e menos efeitos secundrios
graves) no tratamento da aspergilose invasiva, pelo que atualmente o
150

Antimicrobianos Antifngicos

frmaco de primeira linha no tratamento desta infeo12. Adicionalmente,


pode ser utilizado no tratamento da candidose orofarngea refratria13,
embora, os isolados altamente resistentes ao fluconazol e ao itraconazol
possam apresentar resistncia cruzada ao voriconazol.
Efeitos adversos o efeito adverso mais descrito (30%) a alterao da
acuidade visual (viso desfocada, alterao da perceo da cor e fotofobia),
sendo reversvel aps a suspenso do tratamento. Ocasionalmente, podem
ocorrer alteraes gastrintestinais, exantema e elevao das transaminases.
Eventos graves so raros, mas foram descritos casos de hepatite aguda fulminante e a sndrome de Stevens-Johnson. No caso da teraputica endovenosa esto descritas reaes relacionadas com a perfuso (febre, rubor, sudao, taquicardia e dispneia). Quando estas reaes ocorrem deve
suspender-se a perfuso e passar via de administrao oral.

Posaconazol (Noxafil)14,15
Vias de administrao oral (suspenso oral) 40 mg/ml
Farmacocintica o posaconazol absorvido lentamente aps administrao
oral, com picos sricos atingidos cerca de trs-quatro horas aps a ingesto. As
concentraes sricas mximas so atingidas quando a administrao ocorre
aps uma refeio com gorduras, verificando-se, tambm, maior biodisponibilidade quando a dose total preconizada por dia dividida em intervalos de seis
horas. Cada dose da suspenso de posaconazol deve ser administrada aps uma
refeio completa ou, em alternativa, aps um suplemento nutricional lquido.
O steady state atingido sete dias aps o incio do tratamento. O posaconazol
apresenta uma taxa de ligao s protenas plasmticas elevada (> 98%), com
volume alto de distribuio difundindo-se, amplamente, nos tecidos. Diferentemente dos restantes azis, o posaconazol no extensamente metabolizado
pelo CYP450 mais de 75% da dose administrada eliminada nas fezes,
predominantemente inalterada e o restante excretado como derivados glucoronidados na urina. Apresenta uma semivida plasmtica prolongada (35 h).
No so necessrios ajustes posolgicos na insuficincia heptica ou renal.
Espectro de ao Candida spp, Cryptococcus neoformans, Aspergillus
spp, Fusarium spp, Scedosporium spp e fungos dimrficos (Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis e Coccidioides immitis). Contrariamente,
a outros azis apresenta atividade tambm contra Mucorales spp.
Indicaes teraputicas o posaconazol est aprovado para o tratamento
da candidose oroesofgica e no tratamento de resgate de aspergilose invasiva,
fusariose, coccidioidomicose, cromoblastomicose e micetoma. Tambm foi aprovado na profilaxia de infees fngicas invasivas em doentes de alto risco, nomeadamente transplantados de medula ssea com doena de enxerto versus
hospedeiro e doentes neutropnicos com doenas hematoncolgicas. Embora
no tenha sido licenciado para o tratamento de mucormicoses, diversas publicaes sugerem fortemente a sua eficcia. As doses recomendadas para doentes
151

P. Pacheco

adultos so variveis, desde 100 mg/d (25 mg de seis em seis horas) na candidose orofarngea a 800 mg/d (200 mg de seis em seis horas) nas infees
fngicas invasivas.
Efeitos adversos o posaconazol habitualmente bem tolerado, sendo
os efeitos secundrios mais frequentes as cefaleias e alteraes gastrintestinais. Elevaes moderadas e transitrias das transaminases tambm podem
ocorrer. Foram reportados casos raros de colestase e falncia heptica durante o tratamento com posaconazol, pelo que aconselhvel a suspenso
do mesmo se surgirem sinais de insuficincia heptica.

Caspofungina (Cancidas)15-18
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 70 e 50 mg.
Farmacocintica a caspofungina apresenta extensa ligao s protenas
plasmticas (96%) e farmacocintica no linear com acumulao aumentada
medida que se aumenta a dose. A semivida plasmtica prolongada (nove10 horas) e a metabolizao ocorre, fundamentalmente, a nvel heptico. A
excreo , essencialmente, por via intestinal, pelo que no necessrio
ajuste posolgico nos doentes com insuficincia renal. Administra-se em
toma nica diria por via endovenosa, sendo a dose de carga no primeiro
dia de 70 mg e a dose de manuteno de 50 mg. Em doentes com doena
heptica moderada, est recomendado a reduo da dose de manuteno
para 35 mg/dia. A durao do tratamento deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente, na recuperao da imunodepresso e na resposta clnica.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas a sua utilizao foi aprovada para o tratamento da aspergilose invasiva em doentes refratrios ou intolerantes teraputica convencional (voriconazol e anfotericina B), tratamento de primeira linha na candidose invasiva em adultos e crianas e tratamento emprico da
febre no doente neutropnico. Alguns ensaios clnicos sugerem a sua potencial utilidade noutras situaes, nomeadamente, na candidose esofgica
refratria ao fluconazol, como alternativa anfotericina B17. A caspofungina
no deve ser administrada durante a gravidez e aleitamento.
Efeitos adversos a caspofungina , em regra, bem tolerada, ocorrendo
efeitos adversos em pequena percentagem dos doentes (< 4%), nomeadamente febre, nuseas, vmitos e flebite no local da perfuso. Em termos
laboratoriais, pode determinar, em cerca de 10% dos casos, elevao das
transaminases e ligeira reduo da hemoglobina.
Interaes medicamentosas a caspofungina no um inibidor de quaisquer enzimas do CYP450, pelo que a possibilidade de interaes medicamentosas menor do que com os azis, existindo, contudo, a possibilidade de
interaes medicamentosas com alguns frmacos (ciclosporina, tacrolmus,
152

Antimicrobianos Antifngicos

rifampicina, efavirenz, nevirapina, entre outros), determinando ajustes


posolgicos em caso de coadministrao.

Anidulafungina (Ecalta)15
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 100 mg.
Farmacocintica a anidulafungina apresenta extensa ligao s protenas plasmticas (99%) e farmacocintica no linear com acumulao acrescida medida que se aumenta a dose. A penetrao no lquor negligencivel. A semivida plasmtica prolongada (24 h) e a via de metabolizao
diferente das restantes equinocandinas, ocorrendo degradao no enzimtica no sangue para um pptido inativo que excretado na bilis e fezes.
A excreo , essencialmente, por via intestinal (< 1% de excreo urinria)
pelo que no necessrio ajuste posolgico nos doentes com insuficincia
renal nem com insuficincia heptica. A anidulafungina no removida por
hemodilise. Administra-se em toma nica diria por via endovenosa, sendo a
dose de carga no primeiro dia de 200 mg e a dose de manuteno de 100 mg.
O ritmo de perfuso no deve exceder 1,1 mg/min. A durao do tratamento
deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente e na resposta
clnica. De um modo geral, o tratamento da candidose invasiva deve ser mantido durante 14 dias aps a ltima cultura positiva.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas na Europa a anidulafungina foi aprovada para o
tratamento de candidose invasiva em doentes no neutropnicos, tendo nos EUA
aprovao, tambm, para o tratamento de candidose esofgica e candidemia.
Efeitos adversos a anidulafungina , em regra, bem tolerada, ocorrendo efeitos adversos clnicos em pequena percentagem dos doentes, nomeadamente uma reao histaminrgica aguda relacionada com a perfuso rpida da formulao. Em termos laboratoriais, pode determinar elevao
transitria das transaminases.
Interaes medicamentosas a mais-valia da anidulafungina, comparativamente aos restantes membros da classe das equinocandinas, a ausncia
de interaes medicamentosas significativas

Micafungina (Mycamine)15,19
Vias de administrao exclusivamente endovenosa, ampolas de 50 e 100 mg.
Farmacocintica a micafungina apresenta extensa ligao s protenas
plasmticas (99%) e, tal como os restantes membros desta classe, uma farmacocintica no linear com acumulao aumentada medida que se aumenta a dose. A penetrao no lquor negligencivel. A semivida plasmtica prolongada (10-17 h) e a via de metabolizao heptica, com
transformao enzimtica para metabolitos inativos excretados principalmente nas fezes e acessoriamente na urina. No necessrio ajuste posolgico
153

P. Pacheco

nos doentes com insuficincia renal nem com insuficincia heptica, estando,
contudo, desaconselhada a sua utilizao em doentes com insuficincia heptica grave. A micafungina no removida por hemodilise. Administra-se em toma
nica diria (100-150 mg/d) por via endovenosa, no sendo necessrio dose
de carga. A administrao deve ser lenta, ao longo de uma hora, de forma a
minimizar as reaes histaminrgicas. A durao do tratamento deve ser fundamentada na gravidade da doena subjacente e na resposta clnica.
Espectro de ao Aspergillus spp (fumigatus, flavus, terreus e niger) e
Candida spp (incluindo estirpes resistentes ao fluconazol e anfotericina B).
Indicaes teraputicas na Europa a micafungina foi aprovada para o
tratamento de candidose esofgica refratria e candidose invasiva em doentes no neutropnicos. Est, tambm, licenciada para utilizao em profilaxia
de infees por Candida spp, nos doente sujeitos a transplante medular.
Efeitos adversos a micafungina , habitualmente, bem tolerada, ocorrendo efeitos adversos clnicos em pequena percentagem dos doentes, nomeadamente uma reao histaminrgica aguda relacionada com a infuso
rpida da formulao e flebites no local de administrao. Embora muito
raros, foram descritos casos de disfuno heptica grave, com hepatite e
insuficincia heptica aguda fulminante.
Interaes medicamentosas embora a micafungina no seja um substrato major para o CYP450 apresenta algumas interaes mediadas por este
sistema, nomeadamente com itraconazol, nifedipina e sirolmus.

Bibliografia
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154

Seco 3 Antimicrobianos

ANTIPARASITRIOS

Kamal Mansinho

1. Introduo
Neste captulo, sero descritos os antiparasitrios disponveis para o tratamento das parasitoses mais comuns em Portugal e ser efectuada referncia sucinta dos antiparasitrios para o tratamento das parasitoses menos
comuns ou inexistentes em Portugal. Os frmacos sero sistematizados tendo
em ateno as respectivas indicaes teraputicas, sendo as designaes
comerciais e as formulaes referidas de acordo com o Pronturio Teraputico 3, publicado em Junho de 2002 pelo Ministrio da Sade, atravs do
Infarmed1.

2. Antihelmintoses
Para alm da quimioterapia antihelmntica, o controlo das helmintoses
depende, fundamentalmente, da educao sanitria, do controlo dos vectores
e dos hospedeiros intermedirios e da melhoria das condies de salubridade e de higiene das populaes. Em relao s helmintoses intestinais, o
tratamento privilegiado de grupos alvo, tais como as crianas em idade escolar, apresenta relao de custoefectividade muito favorvel, particularmente,
quando a teraputica dirigida contra diversas espcies parasitrias2. Vrios
estudos sugerem que, por vezes, so necessrios repetidos tratamentos antiparasitrios para se atingir reduo efectiva da prevalncia das parasitoses
intestinais2. A prescrio alargada e frequente dos antihelmnticos encerra o
risco de emergncia de parasitas frmacoresistentes. Alguns relatos de
possvel resistncia dos ancilostomdeos a mebendazol parece confirmar-se
atravs de um estudo controlado efectuado no Mali, no qual foram comparados albendazol, mebendazol e pamoato de pirantel. Neste estudo,
apenas nos doentes tratados com albendazol se verificou reduo da eliminao dos ovos de ancilostomdeos nas fezes3.
A supresso prolongada de microfilariemia, em consequncia da prescrio de combinaes de antiparasitrios, nomeadamente dos compostos benzimidazis em conjunto com ivermectina ou com dietilcarbamazina, abre
novas perspectivas para a erradicao das filarioses4.

Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

155

K. Mansinho

Frmacos para o tratamento de nemtodos intestinais


Albendazol
Registado no Pas1 Zentel.
Apresentao1 comprimidos de 200 mg e suspenso (20 mg/ml), para
administrao por via oral.
Indicaes 5 antiparasitrio de amplo espectro com actividade contra:
Nemtodos intestinais Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Ascaris lumbricoides, Enterobius vermicularis, Strongyloide stercoralis, Trichuris trichiura, Trichinella spiralis, Clonorchis philippinensis e Trichostrongylus spp.
Nemtodos tissulares e sanguneos Toxocara canis, Toxocara catis,
Gnathostoma spinigerum (sndrome da larva migrante visceral), Ancylostoma caninum, Ancylostoma braziliense e outros ancilostomdeos (sndrome da
larva migrante cutnea), Cappilaria hepatica, Mansonella perstans.
Cstodos (vermes adultos intestinais e formas larvares tissulares) actividade varivel contra Hymenolepis nana, Taenia spp, no sendo considerado frmaco de eleio, Echinococcus granulosus (quisto hidtico), Echinococcus multilocularis, Cysticercus cellulosae (cisticercose).
Tremtodos tissulares Clonorchis sinensis.
Protozorios intestinais Giardia lamblia6 (no o frmaco recomendado) e microsporidiose intestinal e disseminada, nos doentes com sida,
causadas por Encephalitozoon (septata) intestinalis e Enterocytozoon bieneusi, embora menos eficaz contra o ltimo agente.
Posologia7 adultos e crianas com idade superior a dois anos:
Para a maior parte dos nemtodos intestinais 400 mg em administrao nica.
Strongyloides stercoralis, Trichuris trichiura, Hymenolepis nana, Taenia
spp e Giardia lamblia 400 mg, durante trs dias.
Trichuris spiralis, Cysticercus philippinensis 400 mg 2x/dia, durante
8-14 dias.
Mansonella perstans 400 mg 2x/dia, durante 10 dias.
Cysticercus cellulosae 400 mg 2x/dia, durante 8-30 dias (repetir quando necessrio).
Echinococcus granulosus 400 mg 2x/dia, durante 28 dias (repetir trs
ciclos com intervalos de 15 dias)8.
Encephalitozoon (septata) intestinalis e Enterocytozoon bieneusi 400800 mg 2x/dia, durante 21 dias.
Interaces os alimentos gordos e o praziquantel aumentam a biodisponibilidade do albendazol. A dexametasona aumenta em, aproximadamente, 50% a concentrao srica do albendazol9. A cimetidina e o ritonavir so
susceptveis de inibir o metabolismo do albendazol, aumentando os riscos
dos efeitos adversos do albendazol. A administrao de albendazol em doentes em tratamento com teofilina pode aumentar a teofilinemia1.
156

Antimicrobianos Antiparasitrios

Reaces adversas10 ocasionais dor abdominal, alopcia reversvel,


aumento do valor das transaminases e risco de migrao de Ascaris para a
boca e para o nariz. Raras leucopenia, toxidermia e nefrotoxicidade.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria C).

Mebendazol
Registados no Pas1 Pantelmin e Toloxim.
Apresentao1 comprimidos de 100 mg e suspenso (20 mg/ml), para
administrao por via oral para os dois e, ainda, comprimidos de 500 mg de
Pantelmin.
Indicaes 5 antiparasitrio de amplo espectro com actividade contra:
Nemtodos intestinais idnticas ao albendazol, sendo a eficcia contra
Strongyloides stercoralis varivel e inferior do albendazol.
Nemtodos tissulares e sanguneos Toxocara canis, Toxocara catis (sndrome da larva migrante visceral), Cappilaria hepatica, Mansonella perstans,
Loa loa (dietilcarbamazina continua a ser o frmaco de eleio para o tratamento da loase).
Cstodos (vermes adultos intestinais e formas larvares tissulares)
Echinococcus granulosus (quisto hidtico) e Echinococcus multilocularis (albendazol tem maior actividade porque atinge maiores concentraes srica
e intraqustica), actividade discutvel contra Hymenolepis nana e Taenia spp,
sendo praziquantel e niclosamida os frmacos de eleio para o tratamento
das tnias.
Posologia7 adultos e crianas com idade superior a dois anos:
Maior parte dos nemtodos intestinais 100 mg 2x/dia, durante trs
dias ou 500 mg, em administrao nica, excepto para Enterobius vermicularis, cuja dose de 100 mg em administrao nica, repetindo-se o tratamento duas semanas depois.
Trichinella spiralis 200-400 mg 3x/dia, durante trs dias, seguido de
400-500 mg 3x/dia, durante 10 dias.
Clonorchis philippinensis 200 mg 2x/dia, durante 20 dias.
Mansonella perstans (frmaco de eleio) e Loa loa aps tratamento
ineficaz com dietilcarbamazina 100 mg 2x/dia, durante 30 dias.
Interaces1 os alimentos gordos aumentam a biodisponibilidade do
mebendazol. A cimetidina, ao inibir o metabolismo do mebendazol, potencia o risco dos efeitos adversos do mebendazol. A coadministrao de mebendazol com carbamazepina e fenintona reduz, por induo enzimtica, a
concentrao plasmtica de mebendazol.
Reaces adversas10 ocasionais dor abdominal, aumento das transaminases (nos tratamentos prolongados) e migrao de Ascaris para a boca e
para o nariz. Raras leucopenia, agranulocitose e hipospermia.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria C).
157

K. Mansinho

Pamoato

de pirantel

Registados no Pas1 Combantrin e Vertel.


Apresentao 1 Combantrin 250 mg, em comprimidos para mastigar
e 750 mg/15 ml em suspenso oral, para administrao por via oral; Vertel
750 mg/15 ml em suspenso oral, para administrao por via oral.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra nemtodos intestinais
Ascaris lumbricoides, Enterobius vermicularis, Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Trichostrongylus colubriformis e orientalis e Moniliformis moniliformis.
Posologia7 adultos e crianas com idade superior a dois anos:
Ascaris lumbricoides e Trichostrongylus spp 5 mg/kg, por via oral, em
dose nica.
Enterobius vermicularis 10 mg/kg por via oral, em dose nica (dose
mxima de 1 g) (repetir o tratamento duas semanas depois).
Ancylostoma duodenale e Necator americanus 10 mg/kg/dia, durante
trs dias para (dose mxima 1 g).
Interaces5 pamoato de pirantel e piperazina so mutuamente antagonistas, pelo que no devem ser prescritos em simultneo.
Reaces adversas10 ocasionais distrbios gastrintestinais, cefaleias,
tonturas, exantema, febre e elevao das transaminases.
Contra-indicaes1,10 gravidez (categoria C), disfuno heptica e
anemia.

Piperazina
Registados no Pas1 Pipertox e Pipermel.
Apresentao1 Pipertox 125 mg/ml em xarope e Pipermel 1.000 mg/ml
em xarope, para administrao por via oral.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra nemtodos intestinais Ascaris lumbricoides e Enterobius vermicularis, praticamente substitudo por albendazol, mebendazol e pamoato de pirantel, por serem menos
txicos.
Posologia7 adultos:
Enterobius vermicularis 65 mg/kg dia, em administrao nica.
Ascaris lumbricoides 3,5 g, em toma nica, durante dois dias.
Interaces5 piperazina e pirantel so antagonistas, por isso no devem
ser administrados em combinao, podendo potenciar o efeito das fenotiazinas.
Reaces adversas10 ocasionais nuseas, vmitos, diarreia, dor abdominal e reaces alrgicas (broncospasmo e urticria), descoordenao motora, tonturas e confuso mental.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria C), disfuno heptica, epilepsia, doena renal grave e doena neurolgica.
158

Antimicrobianos Antiparasitrios

Frmacos para o tratamento dos nemtodos sistmicos


Dietilcarbamazina5
Registado no Pas Hetrazan, (o Banocide no est registado em Portugal).

Ivermectina5
Registado no Pas nenhum, o Mectizan no est registado em Portugal.

Frmacos para o tratamento dos cstodos e dos


tremtodos
Praziquantel
Registado no Pas5 Biltricid est disponvel em alguns hospitais, todavia
no est registado em Portugal.
Apresentao11 comprimidos de 500 mg, para administrao por via oral.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra:
Cstodos (vermes adultos) Taenia solium, Taenia saginata, Hymenolepis nana, Diphyllobotrium caninum, Diphyllobotrium latum.
Cstodos (formas larvares tissulares) Cysticercus cellulosae (em alternativa ao albendazol).
Tremtodos intravasculares Shistossoma haematobium, mansoni, intercalatum, japonicum e mekongi.
Tremtodos tissulares Clonorchis sinensis (em alternativa ao albendazol), Fasciola hepatica (pouco eficaz segundo alguns autores e ineficaz segundo outros), Fasciolopsis buski, Heterophyes heterophyes, Metagonimus
yokogawai, Nanophyetus salmincola, Opisthorchis viverrini, Opistorchis felineus, Paragonymus westermani.
Posologia7 adultos:
Vermes adultos dos cstodos 5-10 mg/kg, por via oral, em administrao nica, excepto para Hymenolepis nana cuja dose 25 mg/kg, em toma
nica.
Cysticercus cellulosae 50-100 mg/kg/dia, durante 30 dias (dose total
diria fraccionada em trs administraes).
Schistossoma haematobium, mansoni e intercalatum 40 mg/kg, durante um dia, em duas administraes.
Schistossoma japonicum e Schistossoma mekongi 60 mg/kg, durante
um dia, em trs administraes.
Tremtodos tissulares referidos acima 75 mg/kg, durante um dia, em trs
administraes, excepto para Nanophyetus salmincola (60 mg/kg, durante
um dia) e Paragonimus westermani (75 mg/kg, durante dois dias).
Interaces5 os nveis plasmticos de praziquantel diminuem em, aproximadamente, 50%, quando administrado em conjunto com corticosterides
159

K. Mansinho

(dexametasona); cimetidina, cetoconazol e miconazol inibem o metabolismo


do praziquantel, aumentando o seu nvel srico.
Reaces adversas10 frequentes dor abdominal, diarreia, mal-estar,
tonturas, cefaleias; ocasionais nuseas, sonolncia, febre, sudao e eosinofilia; raras prurido, toxicodermia, edema e soluos.
Contra-indicaes10 gravidez (categoria B) e amamentao.

Triclabendazol
Registado no Pas5 nenhum, o Fasinex no est registado em Portugal
para tratamento de patologia parasitria humana, sendo utilizado em medicina veterinria para o tratamento de fasciolose animal.
Apresentao12 comprimidos de 250 mg e soluo a 5%, para administrao por via oral.
Indicaes12,13 antiparasitrio com actividade contra tremtodos tissulares Fasciola hepatica (frmaco de eleio).
Posologia7,13 adultos 10 mg/kg, por via oral, em administrao nica
ou, nos casos mais graves, 20 mg/kg fraccionadas em duas administraes.
Reaces adversas13 nuseas, vmitos, dor epigstrica e dor no hipocndrio direito.
Contra-indicaes13 grvidas; experincia muito limitada em crianas.

Bitionol
Registado no Pas nenhum, o Bitin no est registado em Portugal.

3. Antiprotozooses
Ao contrrio dos helmintas, os protozorios so organismos unicelulares
que possuem organizao celular bsica, idntica das clulas eucariotas.
Nem todos os protozorios, que parasitam o organismo humano, so patognicos. Alguns so comensais, isto , so capazes de viver em harmonia com
o hospedeiro. Os progressos da investigao genmica tm proporcionado
conhecimentos para o desenvolvimento de novos alvos teraputicos, de vacinas e para a melhor compreenso dos fenmenos relacionados com a resistncia dos protozorios aos frmacos disponveis, possibilitando estratgias mais eficazes no controlo de algumas protozooses14.

Frmacos activos contra protozorios luminais


amibas, flagelados intestinais e vaginais e ciliados
Nitroimidazis
Metronidazol
Registado no Pas1 Flagyl
160

Antimicrobianos Antiparasitrios

Apresentao1 comprimidos de 250 mg, para administrao por via oral.


Indicaes5 antiparasitrio de amplo espectro com actividade contra:
Amibas Entamoeba hystolitica (formas invasivas intestinal e extraintestinal, excepto meningoencefalite amebiana), Entamoeba polecky, Dientamoeba fragilis.
Flagelados intestinal e vaginal Giardia lamblia (frmaco de eleio) e
Trichomonas vaginalis.
Ciliados Balantidium coli.
Outros Blastocystis hominis e Dracunculus medinensis.
Posologia7 adultos e crianas:
Amebase intestinal ligeira a moderada e Dientamoeba fragilis 500-750 mg
3x/dia, durante sete a 10 dias (adultos) e 35-50 mg/kg/dia repartidas em trs
tomas, durante sete a 10 dias (crianas).
Amebase intestinal grave e amebase extraintestinal (heptica) 750 mg
3x/dia, durante sete a 10 dias (adultos), sendo a dose peditrica idntica
anterior.
Giardia lamblia e Balantidium coli 750 mg 3x/dia, durante cinco dias.
Interaces5 o metronidazol pode potenciar o efeito anticoagulante dos
cumarnicos e pode aumentar a concentrao srica da fenintona. A coadministrao de etanol e metronidazol aumenta o risco das reaces do tipo dissulfiran.
Reaces adversas10 frequentes nuseas, cefaleias, anorexia e gosto
metlico; ocasionais vmitos, diarreia, insnias, fraqueza, secura da boca,
estomatite, vertigens, zumbidos, parestesias, exantema, urina avermelhada,
ardor uretral, reaces do tipo dissulfiran com a ingesto de lcool e candidose; raras convulses, colite pseudomembranosa, ataxia, leucopenia, neuropatia perifrica, pancreatite e encefalopatia.
Contra-indicaes1-5 gravidez (categoria B) no primeiro trimestre.

Tinidazol
Registado no Pas1 Fasigyn
Apresentao1 comprimidos de 500 mg, para administrao por via oral.
Indicaes1,15 antiparasitrio com actividade semelhante do metronidazol, sendo activo contra algumas (mas no todas) estirpes de Trichomonas
vaginalis resistentes ao metronidazol.
Posologia7 adultos e crianas:
Amebase intestinal ligeira a moderada 2 g em trs doses, durante
trs dias (adultos) e 50 mg/kg/dia em trs doses, durante trs dias (crianas
dose mxima 2 g).
Amebase intestinal grave e amebase extraintestinal 800 mg 3x/dia,
durante cinco dias (adultos), sendo a dose peditrica idntica anterior,
durante cinco dias.
Giardia lamblia 2 g em administrao nica.
161

K. Mansinho

Reaces adversas10 ocasionais nuseas, vmitos, gosto metlico e


toxidermia.
Contra-indicaes1-10 gravidez e amamentao, insuficincia heptica
(reduzir a dose), com vigilncia da funo heptica em tratamentos superiores a 10 dias.

Secnidazol
Registado no Pas1 Flagentil
Apresentao1 comprimidos de 500 mg, para administrao por via
oral.
Indicaes1 antiparasitrio com actividade semelhante do metronidazol.
Posologia1 adultos e crianas:
Amebase intestinal ligeira a moderada 2 g em dose nica (adultos) e
30 mg/kg/dia em dose nica (crianas).
Amebase intestinal grave e amebase extraintestinal 1,5-2,0 g, durante cinco dias (adultos), sendo a dose peditrica idntica anterior, durante
cinco dias.
Giardia lamblia e Trichomonas vaginalis 2 g, em administrao nica.
Reaces adversas1 ocasionais nuseas, vmitos, gosto metlico e
toxicodermia.
Contra-indicaes1 gravidez e amamentao, insuficincia heptica (reduzir a dose), com monitorizao da funo heptica, em tratamentos superiores a 10 dias.

Outros

frmacos

Paramomicina, iodoquinol, furoato de diloxanido e furazolidona no


esto registados em Portugal.

Frmacos activos contra paludismo (malria)


e leishmaniose
a)

Antipaldicos
Cloroquina
Registado no Pas1 Resochina
Apresentao1 comprimidos 250 mg (equivalente a 150 mg de cloroquina base), para administrao por via oral. As formulaes para administrao
por via parentrica e xarope no esto registadas em Portugal.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax sensveis cloroquina (SC), Plasmodium malariae e
Plasmodium ovale.
Posologia7 adultos e crianas:
162

Antimicrobianos Antiparasitrios

Tratamento do paludismo no complicado (SC) 10 mg/kg de cloroquina base, seguido de 5 mg/kg, seis horas mais tarde e 5 mg/kg s 24 horas e
48 horas aps a administrao inicial.
Quimioprofilaxia antipaldica para as reas SC 5 mg/kg/semana de
cloroquina base, para iniciar uma semana antes do embarque para regio
endmica, prosseguir durante a estada e durante mais quatro semanas aps
o regresso.
Reaces adversas10 ocasionais prurido, vmitos, cefaleias, confuso
mental, despigmentao do cabelo, toxidermia, opacidade da crnea, perda
de peso, alopcia parcial, parsia dos msculos extraoculares, exacerbao
de psorase, eczema, outras dermatoses esfoliativas, mialgias e fotofobia;
raras leso retiniana irreversvel (especialmente quando a dose total excede 100 g), discromia das unhas e das mucosas, surdez neurolgica, miopatia
e neuropatia perifricas, bloqueio auriculoventricular, discrasia sangunea e
hematemeses.
Contra-indicaes1-5-10 insuficincia heptica e insuficincia renal (ajustar
a dose), epilepsia, psorase, miastenia gravis, deficincia de G6PD; gravidez
(categoria C) doses elevadas de cloroquina na mulher grvida podem causar danos neurolgicos no feto, no entanto, a vastssima experincia clnica
deste frmaco, quer em doses profilcticas, quer em doses teraputicas indica que a cloroquina pode ser usada com segurana durante a gravidez.

Quinino
Registado no Pas sulfato de quinino e dicloridrato de quinino, estando
disponvel, exclusivamente, para prescrio hospitalar.
Apresentao5 sulfato de quinino disponvel em comprimidos de 250 mg
e de 325 mg e em cpsulas de 200 mg, 300 mg e 325 mg; dicloridrato de
quinino, para administrao parentrica, em ampolas de 2 ml, contendo
300 mg/ml.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale, estando
indicado para o tratamento de Plasmodium falciparum complicado e de
Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax resistentes cloroquina.
Posologia7 adultos e crianas:
Paludismo complicado por Plasmodium falciparum dicloridrato de quinino, 20 mg/kg dose inicial de carga, diludo em soro dextrosado, em perfuso lenta
endovenosa, a correr durante quatro horas, seguindo-se, oito horas depois da administrao de carga, na dose de 10 mg de oito em oito horas endovenosa, durante sete dias. Logo que possvel, o quinino deve ser administrado por via oral, na
dose de 500-600 mg de oito em oito horas.
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax resistentes
cloroquina (RC) 10 mg/kg de sulfato de quinino, por via oral, de oito em
oito horas, durante trs a sete dias.
163

K. Mansinho

Reaces adversas5 frequentes cinchonismo (zumbidos, cefaleias, nuseas, dor abdominal, distrbios visuais); ocasionais surdez, hemlise macia
(febre biliosa hemoglobinrica), discrasia sangunea, fotossensibilidade, hipoglicemia, arritmias, hipotenso, febre, prurido, vmitos, cefaleias, confuso mental, despigmentao do cabelo, toxidermia, opacidade da crnea,
perda de peso, alopcia parcial, parsia dos msculos extraoculares, exacerbao de psorase, eczema, outras dermatoses esfoliativas, mialgias e fotofobia; raras cegueira e morte sbita (quando injectado rapidamente).
Contra-indicaes5 insuficincia renal (ajustar a dose), miastenia gravis,
deficincia em G6PD; gravidez (categoria X) em doses elevadas tem efeito
ocitcico e embriotxico, fetotxico e teratognico, podendo, no entanto,
ser prescrito no terceiro trimestre de gravidez para o tratamento de paludismo
grave.

Mefloquina
Registado no Pas1 Mephaquin
Apresentao1 comprimidos de 250 mg, para administrao por via oral.
Indicaes1,5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, resistentes cloroquina.
Posologia7,16 adultos e crianas:
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax (RC) no adulto,
750 mg seguido de 500 mg, 12 h mais tarde, por via oral; na criana, com peso
<45 kg, 15 mg/kg, seguido de 10 mg/kg, oito a 12 h mais tarde, por via oral.
Quimioprofilaxia antipaldica para as reas RC adultos, 250 mg/semana, a iniciar uma semana antes do embarque para regio endmica,
prosseguir durante a estada e durante mais quatro semanas, aps o regresso; crianas, a cronologia de administrao idntica do adulto e a dose
deve ser estabelecida de acordo com o peso <15 kg 5 mg/kg/semana;
15-19 kg 1/4 comprimido/semana; 20-30 kg 1/2 comprimido/semana;
31-45 kg 3/4 comprimido/semana; 45 kg um comprimido/semana.
Reaces adversas5 frequentes vertigens, cefaleias, nuseas, diarreia,
pesadelos, distrbios visuais e insnias; ocasionais confuso mental; raras
psicose, hipotenso, convulses, coma e parestesias.
Interaces1,5 com antiarrtmicos e com o quinino h risco acrescido de
potenciao da ocorrncia de arritmias; a mefloquina reduz a concentrao
srica dos anticonvulsivantes.
Contra-indicaes gravidez (categoria C)10; nos casos de administrao
acidental da mefloquina, em mulheres grvidas, no se verificou qualquer
efeito deletrio no recm-nascido17; contudo, em doses elevadas, este frmaco
mostrou ser teratognico em animais, a coadministrao da vacina viva atenuada oral contra a Salmonella typhi (Ty21a) e da mefloquina deve ser evitada,
porque a aco antibitica da mefloquina destri a estirpe vacinal de Salmonella typhi5; epilepsia, doena psiquitrica (depresso) e arritmias1, 5.
164

Antimicrobianos Antiparasitrios

Halofantrina
Registado no Pas1 Halfan
Apresentao1 comprimidos de 250 mg e suspenso oral a 20 mg/ml,
para administrao por via oral.
Indicaes1,5 antiparasitrio com actividade contra Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, resistentes cloroquina.
Posologia7,18 adultos e crianas:
Paludismo por Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax RC adultos,
500 mg cada seis horas, at perfazer a dose total de 1.500 mg, repetindo-se
o tratamento aps uma semana de intervalo; crianas, cronologia de administrao idntica do adulto e dose de acordo com o peso e com a idade
<40 kg 8 mg/kg de seis em seis horas, em trs tomas, repetindo aps uma
semana de intervalo.
Reaces adversas5 ocasionais nuseas, diarreia, dor abdominal, prurido, prolongamento do intervalo PR e do intervalo QTc no ECG, risco de
torsades de pointes e de arritmias mortais.
Interaces1,10 com frmacos susceptveis de prolongar o intervalo QT,
tais como antiarrtmicos, mefloquina, quinino, cloroquina, antidepressivos
tricclicos, antipsicticos, terfenadina, entre outros, os quais aumentam o
risco de desenvolvimento de arritmias graves; a halofantrina tem absoro
muito errtica, estando referido que a ingesto prvia de alimentos contendo gorduras, ao melhorar a absoro, aumenta a concentrao srica do
frmaco.
Contra-indicaes1 gravidez e amamentao, doena cardaca, histria
familiar de sndrome de QT prolongado ou outras situaes associadas com
esta sndrome (hipocaliemia, hipomagnesiemia e outras alteraes electrolticas).
Artemisinina e derivados, associao atovaquona-proguanilo (Malarone)
e associao sulfadoxina-pirimetamina (Fansidar) no esto registadas em
Portugal.
b)

Antileishmaniose
Antimoniato de meglumina
Registado no Pas10 Glucantime (prescrio hospitalar exclusiva).
Apresentao5 ampolas de 5 ml contendo 85 mg de antimnio/ml, para
administrao por via parentrica.
Indicaes5 antiparasitrio com actividade contra Leishmania spp.
Posologia7-19 adultos e crianas:
Leishmaniose visceral (kala-azar) 20 mg Sb/kg/dia, por via endovenosa
ou intramuscular, durante 20-28 dias.
Reaces adversas5 frequentes mialgias, artralgias, fadiga, nuseas,
aumento das transaminases, aplanamento ou inverso da onda T no ECG
e pancreatite; ocasionais fraqueza muscular, dor abdominal, hepatite,
165

K. Mansinho

bradicardia, leucopenia, trombocitopenia, exantema e vmitos; raras diarreia, prurido, leso do miocrdio, anemia hemoltica, insuficincia renal,
choque e morte sbita.
Contra-indicaes gravidez e amamentao, doena cardaca, hepatite
e nefrite.

Nota do editor
Esto disponveis no mercado em Portugal os seguintes derivados da
artemisinina, em combinaes teraputicas fixas (comprimido nico), Artemter lumefantrina (Airalam, Riamet, artenimol piperaquina (Eurartesim), artesunato mefloquina (Falcitrim). A atovaquona-proguanilo (Malarone) est, tambm, autorizada no Pas.

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166

Seco 4

FEBRE E FEBRE PROLONGADA


INEXPLICADA
FEBRE

Francisco Antunes

1. Introduo
De entre as mltiplas definies de febre, a proposta pela International
Union of Physiological Sciences Thermal Comission em 1987 uma das mais
consistentes com os conceitos correntes1. Assim, febre um estado de temperatura central elevada, a qual , muitas vezes, mas no necessariamente
componente das respostas de defesa de organismos multicelulares (hospedeiro) invaso de matria viva (microrganismos) ou inanimada, reconhecida
como patognica ou estranha pelo hospedeiro. Claude Bernard, em Frana,
no sculo XIX, estabeleceu os princpios da regulao da temperatura corporal
e foi, apenas, no incio do sculo XX, que a descoberta dos pirognios bacterianos (mais tarde identificados como endotoxinas) permitiu os primeiros
progressos no conhecimento dos mecanismos patognicos da febre (Fig. 1)2.
Na dcada de 1960, foi estabelecido o primeiro modelo neurolgico de
termorregulao que consagrava o papel principal do hipotlamo no controlo da temperatura e das suas variaes3. A resposta febril, da qual a febre
um dos componentes, uma reaco fisiolgica complexa doena, envolvendo a subida da temperatura central mediada por citocinas, a produo de
resposta de fase aguda (sonolncia, anorexia, modificaes e alterao na
sntese, respectivamente, de protenas e de hormonas, para alm da inibio
do metabolismo sseo, do balano negativo do azoto, da neoglicognese, da
alterao do metabolismo dos lpidos e das alteraes hematolgicas leucocitose, trombocitose e reduo na eritropoiese, com anemia). As protenas de
fase aguda revelam aumento da sua sntese (protenas de fase aguda positivas
protena C reactiva, amilide A srico e componentes do complemento e
muitas outras) ou diminuio desta (protenas de fase aguda negativas albumina e transferrina, por exemplo). Muitas das protenas de fase aguda
desempenham, aparentemente, um papel na modulao da inflamao e da
reparao dos tecidos e de activao dos sistemas fisiolgico, endocrinolgico
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

167

F. Antunes

Febre

Infeco, toxina, ferida


inflamao,
resposta imune

Resposta perifrica
(conservao/produo de calor)

Moncitos, neutrfilos,
linfcitos, endotlio, clulas
gliais, mesngio, clulas
mesenquimatosas
Citocinas pirognicas
IL-1, TNF, IFN,
IL-6, IL-11, LIF, CNTF,
oncostatina M

Aumento do ponto de regulao)


Antipirticos
centrais
Antipirticos
sistmicos

Centro termorregulador

Prostaglandina E2

Clulas endoteliais hipotalmicas


Circulao

Figura 1. Patogenia da febre (adaptado de Mackowiak PA2).

e imunitrio4. A subida da temperatura durante a febre distinta daquela que


ocorre nos episdios de hipertermia. A hipertermia envolve subida da temperatura corporal desregulada, na qual as citocinas pirognicas no esto directamente envolvidas e em que os antipirticos so ineficazes. Neste caso, a
falncia da homeostase termorreguladora leva produo descontrolada de
calor, inadequada dissipao deste e termorregulao defeituosa.
Apesar de algumas variaes cclicas (dirias e mensais), a temperatura corporal normal do ser humano mantm-se constante, prxima dos 37 oC (98,6 oF).
Esta temperatura, designada de normal, uma mdia que pode variar entre
1 oC, mais ou menos, segundo os indivduos. A temperatura diria mais baixa (de 0,5 oC) regista-se logo de manh, podendo aumentar de 2 a 3 oC, na
altura de um exerccio intenso. A temperatura varia, de igual modo, no
decurso do ciclo menstrual, sendo mais baixa no perodo pr-ovulatrio.
A constncia da temperatura central testemunha o equilbrio que se estabelece entre a produo de calor e as perdas cutneas. O calor corporal um produto do metabolismo celular e da utilizao do cido adenosina trifosfato (ATP).
O calor produzido pelos tecidos , em seguida, distribudo atravs do sistema
circulatrio por todo o organismo, principalmente para a pele, onde se processa
a transferncia do calor para o ambiente exterior por radiao, por conduo ou
por conveco. Ao regular o dbito sanguneo cutneo, o sistema nervoso dispe
de um meio importante de regulao da temperatura corporal. Assim, na exposio ao frio ou hipotermia h vasoconstrio cutnea, para limitar a perda de
calor e, em caso de exposio ao calor ou de febre, a vasodilatao cutnea
permite aumentar as perdas de calor com o exterior, logo que a temperatura
do meio exterior esteja prxima da temperatura corporal, a evaporao (pela
sudao e pela respirao) constitui, ento, o nico meio fsico disponvel
168

Febre e febre prolongada inexplicada Febre

para a perda de calor. No homem, a sudao, sob o controlo do sistema


nervoso central (SNC), o principal meio de evaporao.
O controlo neurolgico da temperatura corporal depende de estruturas
neurolgicas constitudas pela regio pr-ptica do hipotlamo, sistema lmbico,
tronco cerebral, formao reticulada, espinal medula e gnglios linfticos. Os
neurnios da regio pr-ptica, que so termossensveis e recebem, tambm, as
informaes dos termorreceptores perifricos e agem como um termstato
destravando os mecanismos de produo ou de reteno de calor, adaptando-se
s modificaes da temperatura central e/ou perifrica5. As substncias pirognicas, tais como as interleucinas 1 e 6 (IL-1 e IL-6), o factor de necrose tumoral
(FNT), o interfero (INF) e as prostaglandinas (PG) modificam, directa ou indirectamente, a actividade dos neurnios hipotalmicos. Deste modo, diminuindo
a sensibilidade dos neurnios sensveis ao calor e aumentando a dos neurnios sensveis ao frio, amplificam o nvel da regulao do termstato hipotalmico que passa, por exemplo de 37 a 39 oC. A temperatura , agora,
regulada a 39 oC, e no a 37 oC, pelos neurnios hipotalmicos que desencadearo o(s) mecanismo(s) de regulao mais apropriado(s), fisiolgicos ou comportamentais, por forma a manter o novo nvel de temperatura, assim definido,
at que a concentrao dos pirognios volte ao normal. Na prtica clnica, toda
a temperatura superior a 37,8 oC considerada, em princpio, como febre.

2. Pirognios e febre
Os pirognios endgenos so todas as citocinas capazes de produzir febre
ao agirem directamente sobre o hipotlamo (sem a interferncia de uma outra
citocina), tais como as IL-1, IL-6, IL-11, o FNT, os INFs, a protena inflamatria do
macrfago (PIM-1), o factor inibitrio da leucemia (FIL), o factor neurotrpico
ciliar (FNTC) e a oncostatina M. Um certo nmero de molculas endgenas, tais
como os complexos antignio-anticorpo, alguns andrognios, os cidos biliares
e as fraces do complemento tm a capacidade de induzirem reaco febril,
porm pela induo de produo de citocinas endgenas.
Os pirognios exgenos so, na maioria dos casos, toxinas, de microrganismos (ou de produtos destes) responsveis indirectos pela febre, induzindo
a produo de citocinas endgenas pelo macrfago, excepo das endotoxinas, as quais agem directamente sobre os centros termorreguladores
localizados no hipotlamo. A maioria dos pirognios exgenos so de origem
bacteriana, vrica ou fngica. A actividade biolgica da endotoxina bacteriana
reside no lpido A das bactrias Gram-negativo, no peptiglicano das Gram-positivo, assim como na toxina do choque txico do estafilococo e das exotoxinas
estreptoccicas, na parede dos fungos e no ARN dos vrus. Os complexos
antignio-anticorpo e os linfcitos pr-sensibilizados podem explicar a febre
no lpus eritematoso disseminado e na intolerncia medicamentosa.
169

F. Antunes

3. Interpretao e valor diagnstico da febre


A temperatura pode ser medida com o recurso ao termmetro de mercrio, em vidro, e ao termmetro electrnico. A temperatura axilar permite
a avaliao aproximada da temperatura corporal no recm-nascido, mas no
nas crianas mais velhas ou nos adultos. Hoje, est recomendada a utilizao
da via oral, em geral, e a via rectal em caso de dvida ou de dificuldade. Na
prtica, considera-se que a temperatura axilar inferior em 0,5 oC a temperatura central. A membrana timpnica o local ideal para a medio da
temperatura central, dado que irrigada por uma tributria da artria do
centro termorregulador6.
A febre uma manifestao clnica comum no decurso da maioria das
doenas infecciosas, a qual se pode observar, tambm, no decurso de doenas inflamatrias, tumorais, endcrinas, neurolgicas ou alrgicas. O tipo de
febre, o seu modo de incio, a amplitude da curva trmica e a resposta ao
tratamento podem ajudar a orientar o diagnstico etiolgico, sobretudo se
associados a outras caractersticas clnicas. A medio do pulso, concomitantemente com a febre importante, dado que a elevao de 1 oC corresponde, em regra, a uma acelerao de 15 pulsaes/min e uma bradicardia relativa pode orientar para febre tifide, brucelose, febre medicamentosa,
doena dos legionrios e para a prpria simulao. A febre contnua est
associada s pneumopatias, s riquetsioses, febre tifide, ao acesso pernicioso de malria e ao envolvimento neurolgico central. A febre intermitente com temperatura normal de manh e picos febris entre as 16 e as 20 h
acompanha a endocardite bacteriana, as infeces piognicas com bacteriemia, a brucelose, o paludismo, no contexto da febre ter (todas as 48 h) ou
da quart (todas as 72 h). A febre intermitente, com dois picos dirios observa-se no decurso das salmoneloses, da tuberculose disseminada e da endocardite por gonococo ou por meningococo. A febre remitente corresponde febre intermitente sem que se registe apirexia entre os picos febris,
sendo apangio da infeco por Mycoplasma pneumoniae e da infeco vrica respiratria. A febre bifsica, com vrios dias de febre seguidos por um
dia de apirexia e depois, de novo, a mesma curva trmica caracterstica do
dengue, da febre amarela, da gripe e de outras viroses.
A febre intermitente de Charcot, espordica, evoca a colecistite. A febre
ondulante ou recorrente, alternando semanas com febre e semanas de apirexia, observa-se no decurso da doena de Hodgkin, da brucelose e das febres
recorrentes. As inverses do ciclo circadiano, com um mximo da temperatura de manh podem-se registar nas endocardites, nas salmoneloses, nos
abcessos do fgado e no decurso da tuberculose disseminada. Nos idosos, nos
recm-nascidos, nos insuficientes renais e nos doentes sob corticoterapia, a
resposta febril pode estar atenuada ou, mesmo, ausente.
170

Seco 4 Febre e febre prolongada inexplicada

Febre prolongada inexplicada

Francisco Antunes

1. Introduo
Em 1961, foi estabelecido por Petersdorf e Beesons a primeira definio
consensual de febre prolongada inexplicada (FPI), febre de origem desconhecida [fever of unknown origin (FUO)], nos EUA ou, ainda, como entre ns,
tambm se designa, sndrome febril indeterminada7. Para aqueles autores, FPI
era definida por febre superior a 38,3 oC (101 oF), documentada em vrias
ocasies, com durao superior a trs semanas, sem causa identificada aps uma
semana de avaliao em meio hospitalar. Nos ltimos 30 anos, os progressos
das tcnicas de diagnstico, o maior nmero de doentes neutropnicos e os
seropositivos para VIH, modificaram o espectro clnico e as etiologias da FPI,
tendo sido, recentemente, proposta uma nova definio e classificao desta8.
Assim, a FPI est, atualmente, codificada em quatro subtipos distintos da
doena FPI clssica, FPI nosocomial, FPI dos imunodeficientes e FPI associada infeco por VIH (Quadro 1).

2. FPI clssica
Na FPI clssica, a relativa frequncia das cinco categorias de doena
implicadas neste quadro (doenas infeciosas, neoplasias, doenas do tecido
conectivo, vrias outras doenas e causas no determinadas) depende da
regio geogrfica, idade do doente, tipo de hospital e outros fatores (Quadro 1). Na maioria das sries, a infeco a causa mais comum (25-50%
dos casos). Porm, em indivduos com mais de 65 anos, as doenas infecciosas so a segunda, se no mesmo a terceira causa de FPI10,11. Numa srie de
doentes com mais de 65 anos de idade, as doenas infecciosas foram identificadas em, apenas, 25% dos casos, a arterite temporal e outras conectivites
em 31% e os tumores em 12% (8% dos casos ficaram sem diagnstico, sendo
este nmero substancialmente inferior aos 30% no caso de FPI em adultos
jovens)11. Quanto mais prolongada for a febre, antes da primeira observao
mdica, tanto menor a probabilidade de se identificar a respetiva causa.
As doenas infecciosas mais frequentes nos adultos e nas crianas esto
descritas nos quadros 2 e 3, respectivamente*.
*As doenas raras responsveis por FPI no se esgotam nas referidas nos quadros 2 e 3
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

171

172

viagens, contactos, exposio a


animais e insectos, medicaes,
imunizaes, histria familiar,
doena valvular cardaca

fungos, orofaringe, artria


temporal, abdmen, gnglios
linfticos, bao, articulaes,
pele, unhas, genitais, reto ou
prstata, sistema venoso
profundo dos membros
inferiores

nfase da observao

VIH (infeco primria),


micobactrias tpicas e atpicas,
VCM, linfomas, toxoplasmose,
criptococose

maioria devida a infeces,


confirmadas em 40-60% dos
casos

infeces nosocomiais,
cancro, infeco, patologia
inflamatria no diagnosticada, complicaes ps-operatrias,
febre medicamentosa
hipertermia

Causas principais

nfase da histria

comunidade, clnica ou
hospital

hospital ou clnica

comunidade, clnica ou hospital hospital

feridas, drenos, prtese,


fstula, urina

medicamentos, contactos,
factores de risco, viagens,
exposies, estdio
da infeco VIH

continua

boca, fstulas, pele, gnglios


pregas cutneas, local de
administrao de e.v., pulmes, linfticos, olhos, pulmes,
regio peri-anal
regio peri-anal

cirurgia, prtese, consideraes estdio da quimioterapia,


tratamento medicamentoso,
anatmicas, tratamento
imunossupresso de base
medicamentoso

38,0 oC, > 3 semanas,


> 3 dias para hospitalizados,
infeco VIH confirmada

Local de observao

> 38,0 oC, > 3 dias,


culturas negativas > 48 h

> 38,0 oC, trs dias, ausente ou


em incubao na admisso

> 38,0 oC, > 3 semanas,


> 2 observaes ou trs dias
no hospital

FPI em infeco VIH

Definio

FPI em imunodeficincia

FPI nosocomial

FPI clssica

Quadro 1. Sumrio das definies e principais caractersticas dos subtipos da FPI

F. Antunes

observao, grfico de
temperatura em ambulatrio,
investigao, evitar medicao
emprica

meses

semanas

Procedimento

Tempo de evoluo
da doena

Tempo de
investigao

Adaptado de Durack9.

imagiologia, biopsias,
velocidade de sedimentao,
testes cutneos

nfase na
investigao

FPI clssica

protocolos de tratamento
antimicrobiano

depende da situao

dias

horas

dias

Rx trax, culturas para


bactrias

meios de imagem,
culturas para bactrias

semanas

FPI em imunodeficincia

FPI nosocomial

Quadro 1. Sumrio das definies e principais caractersticas dos subtipos da FPI (continuao)

dias ou semanas

semanas ou meses

protocolos antimicrobianos,
vacinas, reviso do esquema de
tratamento, boa nutrio

hemograma, testes serolgicos,


Rx trax, exames de fezes,
estudo da expectorao
(induo, fibroscopia, biopsia
pulmonar), da medula ssea,
do fgado e do bao (por
biopsia para culturas
microbiolgicas e citologia),
imagiologia cerebral

FPI em infeco VIH

Febre e febre prolongada inexplicada Febre prolongada inexplicada

173

174
pielonefrite
hepatite alcolica
embolia pulmonar
hepatite granulomatosa
enteropatia inflamatria
lpus eritematoso disseminado
angete necrosante
arterite temporal
febre medicamentosa
doena de Still
hematoma
vrus citomeglico
osteomielite
febre simulada
pericardite

linfoma/leucemia
tumor slido
infeco das vias biliares
tuberculose
endocardite
abcesso abdominal
infeco urinria complicada

Adaptado de Durack9.

Pouco frequentes (1-4%)

Frequentes (> 5%)

Quadro 2. Causas de FPI no adulto

meningite crnica
brucelose
infeco do cateter
candidose
infeco dentria
dissecao da aorta
vrus de Epstein-Barr
febre familiar mediterrnica
sndrome de Felty
linfadenite granulomatosa
doena de Fabri
artrite gonoccica
histoplasmose
leishmaniose
hemorragia cerebral
mixoma
malria

psitacose
flebite
pseudopoliartrite reumatismal
artrite reumatide
febre recorrente
sarcoidose
tiroidite
leptospirose
tularemia
sinusite
colite ulcerosa
mielofibrose
doena de Weber Christian
doena de Whipple

Raras (< 1%)

F. Antunes

pneumonia
amigdalite
meningite
sinusite
tuberculose
infeco estreptoccica
endocardite
vrus de Epstein-Barr
febre de origem central
septicemia
osteomielite
febre tifide
lpus eritematoso disseminado

virose
doena de Still
linfoma/leucemia
enteropatia inflamatria
febre simulada
infeco urinria sem diagnstico

Adaptado de Durack9.

Pouco frequentes (1-4%)

Frequentes (> 5%)

Quadro 3. Causas de FPI na criana

eritroblastopenia
anemia ferropnica
eritema polimorfo
febre medicamentosa
alergia ao leite
doena de Behet
sinusite crnica alrgica
pneumonia de deglutio
perfurao apendicular
otite crnica
abcesso peritoneal
abcesso do fgado
brucelose
virus herpes simplex

virus citomeglico
doena da arranhadela do
gato
rickettsiose
histoplasmose
intoxicao
malria
larva migrans visceral
reumatismo articular agudo
colite ulcerosa
prpura reumatide
vasculite
tiroidite
tumor slido

Raras (< 1%)

Febre e febre prolongada inexplicada Febre prolongada inexplicada

175

F. Antunes

Das conectivites responsveis por FPI, nos adultos jovens so mais frequentes a doena de Still, o lpus eritematoso disseminado e as variantes da artrite reumatide, sendo mais frequentes nos doentes idosos a arterite temporal e a polimialgia reumtica.

3. FPI nosocomial
A FPI nosocomial uma doena que est associada a fatores de risco que
so apangio do hospital, tais como procedimentos cirrgicos, instrumentao respiratria ou urinria, cateteres intravasculares, medicamentos e imobilizao. Neste grupo destacam-se a tromboflebite sptica, a embolia pulmonar recorrente, a colite pseudomembranosa, a febre medicamentosa e a
sinusite (em unidades de cuidados intensivos, em especial naqueles doentes
com entubao nasotraqueal e nasogstrica).

4. FPI dos imunodeficientes


A FPI em imunodeficientes afecta, principalmente, os doentes com neutropenia ou com deficincia da imunidade celular, tratando-se de doenas
de evoluo rapidamente fatal, se no diagnosticadas e tratadas atempadamente. Os sinais inflamatrios so escassos, a febre ou est ausente ou
no muito relevante, pela deficincia imunitria instalada, podendo ser a
apresentao clnica atpica. O diagnstico , muitas vezes, presuntivo (pela
resposta teraputica antimicrobiana emprica), sendo as bactrias piognicas a causa mais frequente de febre, durante os episdios de neutropenia.
Porm, em doentes com deficincia da imunidade celular outras causas so
mais frequentes do que as relacionadas com bactrias piognicas, tais como
agentes vricos ou doenas no infecciosas (como neoplasias e febre medicamentosa).

5. FPI associada infeco por VIH


A FPI em infectados por VIH est relacionada com a primo-infeco,
como o caso da sndrome mononuclesica ou, numa fase mais avanada, com infeces oportunistas, podendo ser os quadros clnicos atpicos
quer pela resposta imunitria infeco, quer pela profilaxia antimicrobiana instituda. Para alm das doenas infecciosas, como o caso da tuberculose disseminada, os linfomas so, tambm, causa de FPI neste grupo de
doentes.
176

Febre e febre prolongada inexplicada Febre prolongada inexplicada

Quadro 4. Avaliao do doente com FPI


Medio da temperatura e estudo da curva trmica (para excluir a inexistncia de febre
ou a possibilidade de ritmo circadiano exagerado)
Interrogatrio (antecedentes de viagem ou de exposio a animais ou a agentes
qumicos/fsicos)
Exames fsicos repetidos (no sentido de identificar sinais clnicos persistentes ou
transitrios), incluindo exame oftalmolgico
Hemograma completo
Urina II
Velocidade de sedimentao eritrocitria
Radiograma do trax
Anticorpos antinucleares
Factor reumatide
Culturas e serologias repetidas
Exame directo de esfregao de sangue (parasitas ou Borrelia)
Tcnicas de amplificao gentica, como a PCR
Cintigrafia com glio 67 (para alguns autores)
TAC abdominal (reduz o recurso a tcnicas invasivas, como o caso da laparotomia
exploradora)
Ressonncia magntica nuclear
Biopsia medular, do fgado ou do bao

6. Avaliao do doente com FPI


A avaliao do doente com FPI inclui a medio da temperatura e o estudo da curva trmica, o interrogatrio e o exame fsico e, ainda, uma srie
de exames complementares (Quadro 4).

7. Tratamento da febre
A utilizao de antipirticos (para reduzir especificamente as elevaes
da temperatura por pirognios endgenos ou exgenos) nem sempre
est recomendada, por poder interferir com o diagnstico ou com a
evoluo da doena, por serem responsveis por efeitos secundrios e,
principalmente, por serem inteis, quando a febre moderada. A aspirina um antipirtico de referncia [os salicilatos e os anti-inflamatrios
no-esterides (AINE) so inibidores da ciclo-oxigenase que bloqueia a
sntese de PGE2, induzida pelos pirognicos endgenos], sendo a dose recomendada de 10 a 15 mg/kg de 6-6 h na criana e de 325 a 500 mg de 4-4 ou
de 6-6 h no adulto. Em caso de alergia ao cido acetilsaliclico ou de contra-indicao, a alternativa de primeira escolha o paracetamol na dose de
0,5 mg a 1 g de 8-8 h no adulto e de 20 a 30 mg/kg/dia, em trs ou quatro
tomas na criana.
A febre de origem neoplsica no sensvel aos salicilatos e ao paracetamol, sendo a indometacina e o naproxeno os antipirticos de escolha
neste caso.
177

F. Antunes

Bibliografia
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178

Seco 5

SPSIS
Francisco Antunes

1. Introduo
A nvel mundial, estima-se que 18 milhes de casos de spsis ocorram
anualmente. A spsis uma sndrome que pretende definir as disfunes
orgnicas no decurso de um processo infeccioso1,2. Todavia, este conceito
mantm-se controverso, dado que clnicos, intensivistas e especialistas em
doenas infecciosas tm empregue terminologias diferentes para situaes
idnticas, mas em que os quadros clnicos se sobrepem (por exemplo, spsis, spsis grave e choque sptico). Algumas dificuldades relacionam-se,
ainda, com a identificao da causa e da extenso da doena infecciosa.
Algumas doenas no infecciosas, como o caso do trauma, das queimaduras ou da pancreatite, podem assemelhar-se a um processo infeccioso de
evoluo aguda, sendo, de igual modo, catastrficas2. Se bem que os especialistas de doenas infecciosas tenham realado a importncia das infeces
bacterianas (por Gram-negativo e Gram-positivo), hoje sabe-se que parasitas, fungos e, mesmo, os prprios vrus podem causar manifestaes idnticas s da spsis por Gram-negativo. A definio proposta para spsis requer
uma infeco documentada ou suspeitada e uma resposta inflamatria sistmica (SIRS)1.
Um dos maiores avanos na investigao pr-clnica e clnica foi a identificao de vrios factores envolvidos na evoluo desfavorvel, tais como a
desregulao da resposta imunitria, os superantignios, as toxinas bacterianas e as anomalias da coagulao. Neste sentido, a spsis pode ser considerada como uma constelao de sintomas e sinais que representam a resposta imunitria do hospedeiro infeco, por efeito da interaco complexa
entre as toxinas bacterianas e os antignios, a qual responsvel pela
maioria das manifestaes clnicas3. No sentido de conciliar alguns dos conceitos da Comisso do American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine (ACCP/SCCM), so referenciados no quadro 1 os critrios
de diagnstico de spsis no adulto4.
Dada a utilizao frequente de antibiticos, no ambulatrio, comum,
na altura em que o doente admitido numa unidade hospitalar, que as
culturas para isolamento de agentes bacterianos patognicos sejam negativas em doentes com quadros clnicos de infeco grave.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

179

F. Antunes

Quadro 1. Critrios de diagnstico de spsis no adulto


1.Infeco*, documentada ou suspeitada, e algumas das variveis seguintes
2. Variveis gerais
Febre (temperatura central > 38,3 oC)
Hipotermia (temperatura central < 36 oC)
Ritmo cardaco > 90 min ou 2x acima do valor do desvio padro para a idade
Taquipneia
Alterao do estado de conscincia
Edema significativo ou balano positivo de lquidos (> 20 ml/kg nas 24 h)
Hiperglicemia (glicemia > 120 mg/dl ou 7,7 mmol/l) em no-diabtico
3. Variveis inflamatrias
Leucocitose (> 12.000 l)
Leucopenia (< 4.000 l)
Contagem de leuccitos normal (> 10% formas imaturas)
Protena C reactiva > 2x o desvio padro para a idade
Procalcitonina > 2x o desvio padro para a idade
4. Variveis hemodinmicas
Hipotenso arterial (sistlica < 90 mmHg; mdia < 70 mmHg; diminuio sistlica
> 40 mmHg nos adultos; sistlica < 2x o desvio padro para a idade)
5. Variveis de disfuno orgnica
Hipoxemia arterial (PaO2/FIO2 < 300)
Oligria aguda (dbito urinrio < 0,5 ml/kg h ou 45 mmol/l em pelo menos 2 h,
apesar da reposio adequada de lquidos)
Aumento da creatinina > 0,5 mg/dl ou 44,2 mol/l
Anomalias da coagulao (INR > 1,5 ou PTT > 60 s)
leo paraltico (ausncia de rudos hidro-areos)
Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total > 4 mg/dl ou 70 mol/l)
6. Variveis de perfuso tecidual
Hiperlacticidemia (> limite superior do normal)
Diminuio do enchimento capilar ou pele marmoreada
*Infeco definida como um processo patolgico causado por um microrganismo.
Adaptado de Levy MM, Fink MP, Marshall JC, et al.

Na Europa morrem, anualmente, 150.000 pessoas de spsis grave e nos


Estados Unidos da Amrica (EUA) 200.000 pessoas5. Em Portugal, a mortalidade das formas mais graves de spsis, chega a atingir 51%6.
Em 1996, nos EUA, a septicemia foi a 10.a causa de morte7. A incidncia de
sndrome sptica varia de 1,1 a 3,3 casos por 100 admisses e de 1,5 a 5,6 casos
por 1.000 doentes/dia8. Entre 1986-1997, os estafilococos coagulase-negativa e
Staphylococcus aureus foram as causas mais frequentes de infeco nosocomial
do sangue e a seguir Enterococcus spp, Candida albicans e Enterobacter spp9.

2. Manifestaes clnicas
Os sintomas e os sinais mais frequentes associados s infeces bacterianas
no so exclusivo destes microrganismos, no entanto, obrigam execuo
imediata de hemoculturas, culturas do potencial (provvel) foco de desenvolvimento primrio da infeco e escolha da teraputica antimicrobiana
180

Spsis

Quadro 2. Sintomas e sinais mais sugestivos de infeco bacteriana sistmica como


causa de spsis
Primria

Complicaes

febre
arrepios de frio
hiperventilao
hipotermia
leses cutneas
alterao do estado mental

hipotenso
hemorragia
leucopenia
trombocitopenia
falncia de rgo
pulmo cianose e acidose
rim oligria, anria e acidose
fgado ictercia
corao insuficincia congestiva

mais apropriada (Quadro 2). A distribuio entre manifestaes primrias e


complicaes arbitrria, porm a hipotenso, hemorragia, hipoxia, acidose
e ictercia so as manifestaes clnicas que primeiro sugerem a spsis. Nalguns doentes, dado o seu estado de debilidade, a febre e os arrepios de frio
podem estar ausentes. A evidncia de hipotermia, em vez de febre, est
associada a pior prognstico. A hiperventilao, a hipotenso, a oligo-anria
e a trombocitopenia, mesmo antes dos arrepios de frio e da febre, podem
ser os sinais de alerta do incio de um processo sistmico infeccioso. As manifestaes mais frequentes, no estado mental, so a letargia ou a obnubilao, porm alguns doentes esto agitados, agressivos ou revelam comportamento bizarro. As manifestaes cutneas podem ser consequncia de
focos metastticos, devidos a doena estafiloccica ou estreptoccica. As
bactrias Gram-positivo podem causar, ainda, eritrodermia ou celulite.
As manifestaes cutneas das bactrias Gram-negativo so descritas
como leses vesiculares ou bolhosas, celulite ou leses petequiais em crivo
de chuveiro, porm, a mais caracterstica a Ecthyma gangrenosum associada
no s a Pseudomonas aeruginosa (na maioria dos casos no doente neutropnico), mas, tambm, a outras bactrias, como Aeromonas hydrophila, Escherichia coli, Klebsiella, Enterobacter e Serratia. Estas leses cutneas devem
ser aspiradas ou biopsadas para cultura, sendo o resultado do Gram, feito na
altura, um mtodo que pode fornecer informao microbiolgica, que suporte a teraputica antimicrobiana emprica, mesmo antes de se conseguir o
isolamento e caracterizao dos microrganismos atravs das hemoculturas.
A evoluo muito diversa, desde a spsis fulminante, que se revela por
choque ou evoluo rpida para o choque em questo de horas (meningococcemia, Pseudomonas aeruginosa ou Aeromonas), porm, o mais frequente a evoluo lenta para o choque ser precedida de algumas horas de
instabilidade hemodinmica.
A principal caracterstica do choque a hipoperfuso tecidual, devida
diminuio do volume de lquido intravascular e/ou diminuio da resistncia
vascular.
181

F. Antunes

Quadro 3. Factores que influenciam a evoluo da bacteriemia


Doenas de base
neutropenia
hipogamaglobulinemia
diabetes
alcoolismo cirrose
insuficincia renal
insuficincia respiratria
Complicaes infecciosas no incio do tratamento (como choque e anria)
Quimioterapia antibitica dependente do grau (gravidade) da bacteriemia (polimicrobiana)
Fonte da infeco
Intervalo at ao incio da teraputica
Idade do doente

Alguns doentes melhoram rapidamente da hipotenso ou da oligria,


aps a instituio de lquidos por via endovenosa. Outros progridem da fase
inicial de hipotenso, taquicardia e vasodilatao perifrica (choque quente) para fase moribunda, com palidez, vasoconstrio perifrica e anria
(choque frio). Este estado reflecte a incapacidade dos mecanismos compensatrios manterem a perfuso de rgos vitais.
Alguns doentes desenvolvem ARDS (adult respiratory distress syndrome),
caracterizado por hipoxia, shunt direito-esquerdo e infiltrados pulmonares
difusos, admitindo-se como causas a pneumonite bacteriana necrosante ou
a combinao de edema pulmonar (alveolar difuso/capilar) associado a macro-embolizao e micro-embolizao do pulmo (coagulopatia de consumo).
A coagulao intravascular disseminada (CID) devida activao sistmica da coagulao, que leva deposio de fibrina na microcirculao e
trombose microvascular, com falncia orgnica. O consumo de protenas da
coagulao leva hemorragia, podendo, assim, estar presentes, no mesmo
doente, fenmenos de coagulao com evidncia de hemorragia. Estas alteraes so reveladas, laboratorialmente, por trombocitopenia, aumento do
fibrinognio e presena de produtos de degradao da fibrina.
Alguns factores influenciam o prognstico da bacteriemia (Quadro 3).

3. Patognese
Actualmente, o conceito de spsis est associado desregulao das respostas do hospedeiro entre mecanismos pr-inflamatrios e anti-inflamatrios. A imunossupresso sptica ou paralisia do sistema imunitrio caracterizada pela libertao de citocinas anti-inflamatrias, pela incapacidade
182

Spsis

de erradicao do agente infeccioso e pela susceptibilidade a infeces secundrias nosocomiais10.


Dados recentes sugerem que a paralisia do sistema imunitrio, caracterizada, de entre outras, pela apoptose dos linfcitos, ocorre nas primeiras 24 horas do incio do processo e que as clulas T reguladoras desempenham um papel importante na progresso do quadro clnico11,12. Esta
perspectiva de atribuir, apenas, disfuno imunitria a complexidade da
spsis demasiadamente simplista. O papel dos neutrfilos, da lactoferrina, do xido ntrico, do zinco, do aminocido triptofano e de factores
genticos tem sido objecto de investigao recente, no mbito da bacteriemia e da spsis.
Os agentes patognicos podem ter actividade directa txica ou destrutiva tecidual, porm a patognese associada spsis atribuda, principalmente, resposta do hospedeiro. As clulas imunitrias do hospedeiro,
expostas a toxinas e a antignios microbianos, tal como o lpido A do lipopolissacardeo (LPS) das bactrias Gram-negativo, rapidamente produzem
um leque de citocinas, quimiocinas e outras protenas, no sentido de sequestrar e erradicar o agente patognico. No entanto, estas mesmas protenas
podem perturbar a homeostase anatmica e funcional dos tecidos do hospedeiro.

4. Tratamento
Para alm da teraputica antimicrobiana e das medidas de suporte (solues por via e.v. e vasopressores), no esto disponveis outras especficas,
por forma a melhorar a sobrevivncia, nos casos de spsis grave, por exemplo, suprimindo a tempestade generalizada de citocinas pr-inflamatrias.
A adequada e oportuna instituio da teraputica antimicrobiana fundamental, para a sobrevivncia dos doentes com spsis, utilizando antibiticos de largo espectro de aco, no perodo de uma hora aps o diagnstico
de choque sptico2.
Apesar da resistncia e multirresistncia aos antimicrobianos, de isolados
de bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, h um nmero restrito de antibiticos em desenvolvimento. Por exemplo, a linezolida e a daptomicina,
recentemente licenciadas, tm actividade limitada para Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA), para Staphylococcus coagulase-negativa e
para enterococos. Para as bactrias Gram-negativo produtoras de carbapenemes, as opes teraputicas so, ainda, mais limitadas.
A seleco da teraputica emprica adequada um desafio que tem vindo a adquirir, cada vez mais, papel de relevo, face emergncia recente de
microrganismos multirresistentes no s de infeces nosocomiais, mas, tambm, de infeces adquiridas na comunidade.
183

F. Antunes

A utilizao de corticides (hidrocortisona), no choque sptico, um assunto controverso. Assim, considera-se que os corticides no devem ser
recomendados para a maioria dos doentes em choque sptico que respondem aos vasopressores, dado o crescente risco de complicaes2.

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184

Seco 6

HEPATITES VRICAS
Helena Carmona
Francisco Antunes

1. Introduo
Vrus de vrias famlias podem provocar alteraes biolgicas hepticas, no
contexto das manifestaes do envolvimento sistmico da infeco vrica. No
entanto, o termo hepatite vrica , geralmente, atribudo s doenas provocadas
por vrus hepatotrpicos, que tm como manifestao predominante a hepatite clnica e/ou biolgica. Nos ltimos 20 anos, a lista de vrus hepatotrpicos
aumentou e aos vrus A e B juntaram-se os vrus C, D e E. Depois da identificao destes ltimos verificou-se que havia, ainda, uma percentagem de hepatites
crnicas, agudas, ps-transfusionais e espordicas de etiologia desconhecida.
Estes dados sugeriam a existncia de vrus adicionais. Assim, a partir se 1995
foram identificados os vrus G, TT e, mais recentemente, o vrus SEN1-8.

2. Hepatite A
Etiologia
Vrus da hepatite A (VHA) pertence famlia dos Picornaviridae, sendo o
seu genoma constitudo por ARN, revestido por uma cpside sem invlucro
exterior. O mecanismo da leso heptica provocada por VHA no est esclarecido, mas h indcios que sugerem um mecanismo mediado pela imunidade celular. VHA no , directamente, citoptico in vitro. No decurso da hepatite aguda A a viremia , extremamente, breve (uma semana, em mdia,
antes do aparecimento da ictercia). VHA pode ser detectado nas fezes antes
do incio das manifestaes clnicas, sendo a sua excreo fecal breve2,9.

Epidemiologia
VHA transmite-se, essencialmente, por via digestiva atravs de alimentos
contaminados com matria fecal. As transmisses parentrica e sexual, embora raras, so possveis. A doena pode revestir um carcter endmico e/ou
epidmico, atingindo, sobretudo, a criana e o adulto jovem, e a sua prevalncia
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

185

H. Carmona, F. Antunes

est, directamente, relacionada com as ms condies de higiene. Nos pases


economicamente mais desfavorecidos, 90% das crianas so infectadas at
idade dos 10 anos. Inversamente, nos pases industrializados, com nveis elevados
de higiene a infeco , praticamente, nula nas crianas e adultos jovens, aumentando nas idades mais avanadas. Em Portugal, a partir da dcada de 1990,
fruto da melhoria das condies socioeconmicas, a percentagem desta infeco tem vindo a diminuir, principalmente nas idades mais jovens2,10.

Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao varia entre 15-40 dias. As formas sintomticas so
mais frequentes no adulto (70%) do que nas crianas e adolescentes (30%). Os
indivduos sintomticos podem apresentar uma das seguintes formas clnicas:
Hepatite aguda, que compreende uma fase pr-ictrica com cerca de
uma a trs semanas de evoluo, caracterizada por anorexia, nuseas, dor
no hipocndrio direito, astenia, sndrome pseudogripal, com cefaleias, febre
e mialgias, artralgias e urticria. Estas manifestaes desaparecem, progressivamente, alguns dias depois da instalao da fase ictrica, em que predomina a colria, a ictercia, a hipocolia e, mais raramente, o prurido. O exame
objectivo revela hepatomegalia dolorosa e, por vezes, esplenomegalia e
adenomegalias cervicais.
Formas assintomticas e anictricas, que so frequentes, sendo a elevao das transaminases que orienta o diagnstico2.

Biolgico
A citlise constante, com elevao, por vezes muito marcada, das transaminases e a reteno biliar evidente, havendo bilirrubinemia elevada,
sobretudo custa da bilirrubina conjugada2.

Serolgico
O diagnstico de hepatite A aguda assenta na deteco do anticorpo IgM
contra vrus da hepatite A (anti-VHA IgM). Este pode ser detectado precocemente, uma a duas semanas aps a exposio a VHA e persistir durante trs a seis
meses. O anti-VHA IgG detectvel cinco a seis semanas aps a exposio e
persiste durante dcadas, conferindo imunidade especfica, slida e duradoira9.

Evoluo
Geralmente, favorvel, verificando-se em 10-15 dias a normalizao da
cor das fezes e da urina e o desaparecimento da ictercia. A normalizao
dos sinais biolgicos acompanha a cura clnica. Outras formas de evoluo de
hepatite A podem ser observadas, tais como:
186

Hepatites vricas

Prolongadas, que se caracterizam por evoluo de vrias semanas ou


meses, com persistncia de sinais clnicos e/ou biolgicos, sem cronicidade.
Colestticas, que se manifestam por febre, prurido marcado e ictercia,
durante alguns meses.
Com recadas, em que, aps a cura, aparentemente completa, ou depois
de uma remisso parcial, podem surgir uma ou mais recadas, geralmente com
um intervalo de cerca de um ms depois da cura aparente.
Fulminantes, as quais so muito raras (0,35%) e caracterizam-se por
acentuao rpida da ictercia, encefalopatia e prolongamento do tempo de
protrombina, geralmente durante a primeira semana de doena (55% dos
casos) e quase sempre no primeiro ms (90% dos casos). O risco de evoluo
para hepatite fulminante maior nos doentes idosos e com doena heptica crnica, se contrarem hepatite A, e a taxa de mortalidade , tambm,
mais elevada do que a registada nos grupos etrios mais jovens e sem doena heptica prvia2,9,11.

Tratamento
A teraputica essencialmente de suporte. O repouso na cama aconselhado, enquanto durar a adinamia e, de um modo geral, os doentes devem
evitar consumir lcool e outras hepatotoxinas. Os doentes com hepatite
fulminante devem ser monitorizados numa Unidade de Cuidados Intensivos
(UCI) e avaliados no sentido de um eventual transplante heptico9.

Profilaxia
A preveno da hepatite A comporta as medidas de higiene habituais nas
doenas de transmisso fecal-oral, imunizao passiva com imunoglobulina
e imunizao activa, atravs da vacinao.
Na imunoprofilaxia pr-exposio est indicada a administrao da imunoglobulina e/ou da vacina.
Na imunoprofilaxia ps-exposio est, apenas, indicada a imunoglobulina (contacto pessoal estreito, sexual, ou co-habitao com doente com hepatite A, epidemias em escolas, prises, hospitais, etc.) dentro de duas semanas aps a exposio. A dose a administrar de 0,02 ml/kg/i.m.
Em Portugal est comercializada a vacina Havrix, com duas formulaes
(adulta e peditrica), administrada em duas doses, com intervalo de seis a
12 meses. Por outro lado, est disponvel uma vacina contra hepatite A e B (Twinrix peditrico e adulto), administrada em trs doses, aos zero, um e seis meses.
A vacinao contra a hepatite A est recomendada nos seguintes casos:
Indivduos que se desloquem para pases ou comunidades de alta ou
mdia endemia de hepatite A.
Crianas que vivem em comunidades com taxas elevadas de hepatite A
ou onde haja surtos peridicos.
Homossexuais masculinos.
187

H. Carmona, F. Antunes

Heterossexuais com mltiplos parceiros e/ou infeces sexualmente


transmitidas (ISTs).
Toxicodependentes, receptores de plasma.
Portadores de doena heptica crnica, antes e depois de transplante
heptico.
Determinados trabalhadores como, por exemplo, de laboratrios de
investigao em VHA12,13.

3. Hepatite B
Etiologia
Vrus da hepatite B (VHB) possui um genoma constitudo por ADN, de
dupla cadeia e pertence famlia dos Hepadnaviridae. O virio completo
(partcula de Dane) constitudo por um invlucro exterior, que contm na sua
maior parte o antignio de superfcie (AgHBs) e os antignios pr-S1 e pr-S2,
que rodeiam a nucleocpside, o core, que contm o ADN, o antignio do core
(AgHBc), a polimerase do ADN e o antignio e (AgHBe). No indivduo infectado,
alm da partcula de Dane, esto, invariavelmente, presentes, em grande
nmero, outras partculas vricas (esfricas e tubulares), constitudas exclusivamente por AgHBs e por isso no infecciosas9.
So conhecidos oito gentipos, sendo reconhecidas diferenas na sua
evoluo clnica. Por exemplo, os doentes com gentipo A tm maior probabilidade para seroconverterem o AgHBe sob teraputica com interfero (INF),
aqueles com gentipo B tm maior probabilidade de seroconverso do AgHBe
e progresso menos acelerada do que os do gentipo C14,15.

Patogenia
VHB associa-se a um espectro muito variado de situaes clnicas que so
devidas reaco do hospedeiro infeco. Geralmente, admite-se que a
eliminao dos hepatcitos infectados est na dependncia de mecanismos
imunitrios celulares e humorais. A natureza e a qualidade da resposta imunitria obedecem a um determinismo gentico, provavelmente multifactorial, que se traduz, esquematicamente, em quatro tipos de relao hospedeiro/vrus:
Se a reaco do hospedeiro forte d-se a eliminao dos hepatcitos
infectados hepatite aguda. Se for superaguda acompanha-se de necrose
hepatocelular macia hepatite fulminante.
Se a reaco imunitria for fraca, mas adequada infeco assintomtica com evoluo para a cura.
188

Hepatites vricas

Se a reaco imunitria fraca e inadequada estabelece-se tolerncia


parcial combinada com replicao prolongada de VHB, com persistncia do
AgHBs e destruio silenciosa do tecido heptico hepatite crnica que
pode evoluir para cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC).
Se a resposta do hospedeiro for nula portadores crnicos assintomticos2,16.
A progresso para doena heptica na infeco por VHB desencadeada
pela replicao activa do vrus, reflectindo-se pela presena no soro de ADN-VHB acima de 1.000 a 10.000 UI/ml. Aqueles com ADN-VHB abaixo de 1.000
UI/ml e com a aminotransferase (ALT) persistentemente normal devem ser
considerados como portadores assintomticos e com risco baixo de progresso clnica17. O AgHBe o marcador srico de replicao vrica, o qual
acompanhado por nveis de ADN-VHB de 100.000 a um milho UI/ml ou mais.
A erradicao de VHB difcil, dado que o ADN de crculo fechado covalente (cccADN) se estabelece no ncleo do hepatcito integrado no genoma
da clula hospedeira (Fig. 1).

Epidemiologia
A infeco por VHB afecta 350 a 400 milhes de pessoas, a nvel mundial,
causando um milho de mortes por cirrose, insuficincia heptica e carcinoma hepatocelular18.
A transmisso de VHB processa-se por via parentrica, atravs de transfuses
de sangue ou de derivados do sangue contaminados, ou por contaminao
acidental com agulhas ou outros objectos cortantes infectados com VHB;
via sexual, atravs de esperma e das secrees vaginais infectadas com VHB; via
vertical (me-filho). A infeco por VHB no recm-nascido expe-no a um risco
de cronicidade muito mais elevado se a me AgHBe+ do que no caso da me
ser anti-HBe+. Este tipo de transmisso pode ser secundria a uma hepatite
aguda que ocorra na me, durante o 3.o trimestre da gravidez ou no perodo
neonatal, ou a uma infeco crnica na me (contgio perinatal). VHB ubiquitrio, mas a prevalncia da hepatite B varia consoante as regies do globo
terrestre. Esquematicamente podemos definir a prevalncia em trs zonas:
1. Uma zona de baixa endemicidade (Europa Ocidental, Amrica do Norte, Austrlia), onde a percentagem de portadores de AgHBs oscila entre
0,1-0,5%. Nestas zonas, a hepatite B rara nas crianas e a transmisso
processa-se, sobretudo, por via sexual e parentrica.
2. Uma zona de mdia endemicidade (bacia do Mediterrneo, Amrica
do Sul, Europa de Leste) com 2-7% de portadores crnicos.
3. Uma zona de forte endemicidade (China, Sudeste Asitico e frica
subsariana) com 8-15% de portadores crnicos. Aqui a infeco frequente
nas crianas e no perodo neonatal.
189

H. Carmona, F. Antunes

Figura 1. Ciclo replicativo de VHB.

Em Portugal, no podendo ignorar que a subnotificao das doenas de


declarao obrigatria um facto, os dados da Direco Geral da Sade (DGS)
indicam que os nmeros de casos de hepatite B tem apresentado um decrscimo regular desde 1993, sendo os grupos etrios dos 15-24 e 25-34 anos os
mais atingidos e a taxa de portadores de cerca de 1,5%16,19.

Diagnstico
Clnico

e biolgico

O perodo de incubao de 45-180 dias. A infeco por VHB apresenta


um grande pleomorfismo, sendo assintomtica em 70-90% dos casos. As
formas agudas tm um quadro clnico semelhante ao descrito na hepatite A,
190

Hepatites vricas

Quadro 1. Padres serolgicos da infeco por VHB


Doena

AgHBs

Anti-HBs

Anti-HBc

ADN-VHB

Hepatite aguda

(+) (IgM+, ttulo)

Hepatite fulminante

(+) (IgM+, ttulo)

(+) (IgM , ttulo)

+ ()

(+)

Portador so

Normais

Imunidade adquirida

Normais

Vacinado

Normais

Hepatite crnica

Cirrose heptica

*Os

Transaminases

doentes podem ser AgHBe ou anti-HBe positivos.

evoluindo para a cura em 90-95% dos casos. Em 5-10% dos casos da infeco
aguda o AgHBs permanece positivo durante mais de seis meses, aps a sua
deteco (portador crnico do AgHBs). No entanto, s 15-25% dos portadores crnicos evolui para hepatite crnica e destes 10-20% para cirrose e para
CHC, taxa de 1% ao ano2.

Etiolgico

e serolgico

VHB constitudo por trs sistemas antignicos, isto AgHBs, AgHBc e


AgHBe, aos quais correspondem trs tipos de anticorpos (anti-HBs, anti-HBc
e anti-HBe). Destes, s o anti-HBs protector. A evoluo dos marcadores da
hepatite aguda B caracteriza-se pela presena do AgHBs no sangue, um a trs
meses aps a contaminao, podendo preceder em duas a quatro semanas
os sinais biolgicos ou clnicos e deixando de se detectar vrias semanas aps
a normalizao das transaminases. O anti-HBc, em geral, aparece uma a duas
semanas depois do AgHBs. O anti-HBc IgM sinnimo de primo-infeco e pode
persistir vrios meses. O AgHBe est associado replicao activa de VHB. A
seroconverso em anti-HBe tem um significado favorvel. O desaparecimento do AgHBs seguido, em 80-90% dos casos, um a trs meses mais tarde,
pela presena do anti-HBs que persiste durante vrios anos aps a cura da
hepatite. Por vezes a sua presena fugaz e s persiste o anti-HBc IgG (Quadro 1)2,20.

Evoluo
As formas agudas tm evoluo geralmente benigna, com normalizao
das transaminases, desaparecimento do AgHBs e aparecimento do anti-HBs.
As hepatites fulminantes so raras (1%). A evoluo para a morte, na ausncia de transplante, cerca de 80%. O risco de evoluo para formas crnicas
est, directamente, relacionado com a idade em que a infeco adquirida,
191

H. Carmona, F. Antunes

ocorrendo em 90% dos recm-nascidos infectados antes do primeiro ano de


vida e em 5-10% dos adultos. Nos imunodepremidos a evoluo para a cronicidade mais elevada21.
A hepatite crnica caracteriza-se por alterao das transaminases e persistncia de marcadores de infeco e replicao vrica (AgHBs+, ADN-VHB)
por um perodo superior a seis meses, alterao da histologia heptica (necrose, infiltrado inflamatrio, fibrose com presena ou no de cirrose). H
dois tipos de hepatite crnica B. A mais frequente a que cursa com a
presena do AgHBe+ (infeco pelo vrus nativo) e a hepatite crnica B anti-HBe+ da responsabilidade de um vrus mutante, da regio do pr-core do
genoma de VHB. Esta tem pior prognstico, sendo a teraputica menos
eficaz. As manifestaes clnicas da hepatite crnica tm importncia reduzida, dado que a maioria dos doentes esto assintomticos ou apresentam
sintomas inespecficos22-24.

Tratamento
Formas

agudas

semelhana da hepatite A, no existe tratamento especfico, apenas


sintomtico e de suporte. Na hepatite fulminante dever-se- contactar um
centro de transplante.

Formas

crnicas

A teraputica da infeco por VHB tem por objectivo limitar a progresso


da doena heptica e melhoram o prognstico da histria natural da infeco crnica. Os marcadores utilizados para monitorizar os efeitos teraputicos so serolgicos, virolgicos, bioqumicos e histolgicos (Quadro 2).
A teraputica antivrica pode levar a uma resposta sustentada, aps a sua
interrupo, todavia o mais frequente que a teraputica seja mantida,
dado que a erradicao pouco habitual.
Para o tratamento da infeco crnica por VHB esto disponveis o INF-a,
o INF-a peguilado (PEG-INF-a), a lamivudina (3TC), o adefovir (ADV), o entecavir (ETV), a telbivudina (LdT) e o tenofovir (TDF) (Quadros 3 e 4)25,26. A
utilizao de INF requer a administrao subcutnea diria ou trs vezes por
semana, tendo sido suplantada pelo PEG-INF.

Preveno
Vacinao
Taxas sricas, protectoras, de anti-HBs > 10 UI/ml foram detectadas em
95-99% das crianas e adultos jovens que receberam as trs doses da vacina
192

Hepatites vricas

Quadro 2. Marcadores de monitorizao da teraputica para a infeco crnica por


VHB
Marcador

Resposta

Serolgico
AgHBe

perda ou seroconverso (portador assintomtico)

AgHBs

perda ou seroconverso (recuperao serolgica)

Vrico
ADN-VHB

reduo log10 ou supresso (< 10 a 100 UI/ml)

Bioqumico
ALT

normalizao

Histolgico

melhoria do grau necro-inflamatrio ou do estdio de fibrose

anti-hepatite B. Dos indivduos que no respondem vacinao, a maioria


so adultos com mais de 40 anos, nos quais pode estar indicada a administrao de mais uma dose da vacina21.

Indicaes
Crianas e adolescentes que no foram vacinados na infncia e adultos
com risco de contgio (toxicodependentes, trabalhadores de sade, politransfundidos, co-habitantes de portadores crnicos do AgHBs e doentes com
patologias crnicas)24.

Soroterapia
A imunoglobulina anti-hepatite B est indicada nos recm-nascidos de mes
AgHBs+ (administrar a 1.a dose de vacina e a imunoglobulina, em locais diferentes, nas primeiras 12 h aps o parto) e na contaminao acidental com sangue
AgHBs+ (a administrao da imunoglobulina deve ser feita dentro de 24 h aps
o acidente, se o contaminado no estiver vacinado ou se o anti-HBs for inferior
a 10 UI/ml). Se o ttulo do anti-HBs estiver entre 10-100 UI/ml dever-se- administrar, apenas, uma dose de vacina24,27.

4. Hepatite D
Etiologia
Vrus da hepatite D ou d (VHD) constitudo por um genoma ARN e necessita de um vrus auxiliar (VHB) para se replicar. So conhecidos oito gentipos, sendo o gentipo 1 o mais prevalente a nvel mundial, o gentipo
2 tem sido encontrado no Japo, em Taiwan e na regio de Yakutia na
Rssia, o gentipo 3 na bacia do Amazonas, o gentipo 4 em Taiwan e no
Japo e os gentipos 5-8 em frica31.
193

194

180 g/sem.

Dose

ND
25
39

> 1 ano

ADN-VHB indetectvel (%)

Normalizao ALT(%)

ND

> 1 ano

70 (5 anos)

15-30

49-62

41-75

36-44

50 (5 anos)

ND

nenhuma

53-68

ND

48-61

13-21

43 (3 anos)

12

bem tolerada
(monitorizao
da creatinina)

bem tolerada

16-21

10 mg/d

oral

ADV

100 mg/d

oral

3TC

ND no disponvel.
Adaptado de Dienstag JL. Hepatitis B Virus Infection. N Engl J Med. 2008;359:1486-500.

nenhuma

1 ano

Resistncia vrica (%)

38 (sem. 72)

> 1 ano

Melhoria histolgica (%)

ND

1 ano

Perda AgHBs (%)

27

1 ano

AgHBe seroconverso (%)

tipo sndrome gripal


(cansao, mialgias e
febre), citopenias,
depresso e ansiedade

subcutnea

Via de administrao

Tolerabilidade

PEG-INF-a-2a

Varivel

< 1% (> 4 anos)

nenhuma

72

68

67

39 (3 anos)

21

22

65

ND

<1

70

60

30 (2anos)

22

bem tolerada

bem tolerada

oral

LdT

600 mg/d

oral

ETV

0,5 mg/d

Quadro 3. Teraputica antivrica disponvel para portadores crnicos da infeco por VHB

ND

74

5 (sem. 64)

77

80

ND

21

bem tolerada
(monitorizao
da creatinina)

300 mg/d

oral

TDF

H. Carmona, F. Antunes

Hepatites vricas

Quadro 4. Vantagens e desvantagens dos antivricos disponveis para a teraputica


dos portadores crnicos da infeco por VHB
Frmaco

Vantagem/desvantagem

PEG-INF-a-2a

durao limitada, sem resistncia, vantagem de resposta serolgica ao ano


injectvel, tolerabilidade baixa

3TC

oral, bem tolerado, potncia moderada, resistncia elevada

ADV

oral, bem tolerado, potncia moderada, resistncia moderada

ETV

oral, bem tolerado, potncia elevada, resistncia baixa

LdT

oral, bem tolerada, potncia elevada, resistncia elevada

TDF

oral, bem tolerado, potncia elevada, resistncia baixa

Adaptado de Dienstag JL. Hepatitis B Virus Infection. N Engl J Med. 2008;359:1486-500.

Epidemiologia
Mundialmente, dos 350 milhes de portadores crnicos de VHB, mais de
15 milhes tm evidncia serolgica de exposio a VHD28.
A hepatite D, inicialmente descrita em Itlia, tem-se disseminado pelo
Mundo, nomeadamente pela bacia do Mediterrneo, Mdio Oriente, sia,
frica (corno de frica) e Amrica Latina (bacia do Amazonas). Nos Estados
Unidos da Amrica (EUA) e na Europa Ocidental mais rara29,30.
A via de transmisso principal a parentrica, sendo rara a transmisso
pelas vias sexual e perinatal. Nas reas de endemia, para alm das vias referidas,
a infeco pode, tambm, ser transmitida por via mucosa e percutnea21. A
transmisso sexual pode ocorrer, particularmente naqueles indivduos com
comportamentos sexuais de risco.
Em Portugal a hepatite D est, praticamente, confinada aos toxicodependentes.
Alguns estudos longitudinais apontam para a diminuio da prevalncia da infeco por VHD nalgumas regies endmicas, particularmente no
sul da Europa, tal ser devido, em parte, aos programas de vacinao
contra a hepatite B, mas, tambm, a uma melhor implementao das medidas de preveno (por exemplo, utilizao de agulhas e seringas descartveis)
e da melhoria das condies socioeconmicas.

Diagnstico
Clnico

e serolgico

VHD pode ser responsvel por dois tipos de infeco:


195

H. Carmona, F. Antunes

A co-infeco, que resulta da infeco simultnea de VHB e VHD e que


evolui para a cura em 93% dos casos. Serologicamente caracteriza-se pela
presena de AgHBs+, IgM anti-HBc+, IgM anti-VHD+ e ARN-VHD. Na co-infeco, a evoluo para hepatite fulminante ocorre em cerca de 5% dos casos
e para a cronicidade em 2%.
A superinfeco resulta da infeco por VHD num portador do AgHBs.
Esta evolui para a cronicidade em 95% dos casos, em 5% para hepatite fulminante e, em cerca, de 2% para a cura. Serologicamente define-se pela
presena de AgHBs+, IgM anti-VHD+ e ARN-VHD20,23.
A infeco crnica por VHB e VHD resulta na forma mais grave de hepatite vrica, com progresso para cirrose e CHC.

Teraputica e preveno
No est aprovada teraputica para a infeco por VHD. Uma metanlise
de cinco estudos com INF concluiu que a teraputica era benfica em termos
de reduo da aminotransferase, mas a resposta no era sustentada aps
descontinuao do tratamento e no estava, necessariamente, acompanhada
pela eliminao do ARN-VHD. Melhores resultados foram obtidos com doses
mais elevadas de INF (5 MU/dia ou 9 MU 3x/semana), durante 12 meses32.
Estudos recentes com PEG-INF-a-2b (1,5 g por kg peso/semana) mostraram
respostas vricas sustentadas (ARN-VHD indetectvel seis meses aps a interrupo
da teraputica) variando entre 17-43%, aps 48 a 72 semanas de tratamento33.
A preveno da hepatite D consiste na vacinao contra a hepatite B21.

5. Hepatite C
Etiologia
Vrus da hepatite C (VHC) de genoma constitudo por ARN pertence
famlia dos Flaviviridae. Para alm do seu hepatotropismo pode ser detectado, tambm, noutros tecidos, incluindo as clulas sanguneas mononucleadas
e os gnglios linfticos.
Pelo menos, so conhecidos seis gentipos diferentes e mais de 100 subtipos de VHC (designados por letras, sendo os mais comuns o 1a, 1b, 2a e 2b).
A distribuio dos gentipos varia consoante as regies do Mundo. Os
gentipos 1, 2 e 3 tm uma distribuio universal (Amrica do Norte e do
Sul e Europa), os gentipos 4 e 5 so encontrados, principalmente, em frica e o gentipo 6 na sia. Nos pases europeus, particularmente no ocidente, predominam os gentipos 1a, 1b, 2a, 2b e 3, sendo o 1b mais prevalente
no sul e no leste da Europa34-36.
196

Hepatites vricas

Epidemiologia
VHC transmite-se, essencialmente, por via parentrica, ainda que a transmisso sexual e perinatal possam ter algum papel na sua transmisso. Vrios
estudos indicam que existem percentagens variveis, segundo as sries estudadas, de doentes com hepatite C, que no tm factores de risco identificveis. VHC tem distribuio ubiquitria e, de acordo com os dados da Organizao Mundial da Sade (OMS), cerca de 200 milhes de pessoas (3% da
populao mundial) est infectada por este vrus. As taxas de prevalncia
desta infeco so difceis de obter, variando nos diferentes pases e at no
mesmo continente, como acontece na Europa. Nesta regio existe um gradiente norte-sul, que faz variar as prevalncias entre menos de 0,5%, nos
pases nrdicos, para mais de 2% nos pases mediterrnicos36,37. Em Portugal,
calcula-se que 1% da populao a que correspondem 105.240 indivduos,
esteja infectada por VHC38.

Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao da hepatite aguda C oscila entre 15-120 dias. A
infeco aguda por VHC , na maioria dos casos, assintomtica (60-70%),
sendo o quadro clnico ligeiro nos restantes (20-30%)34.

Serolgico
Os testes serolgicos, actualmente utilizados para o diagnstico da hepatite C, so os que detectam a presena de anticorpos anti-VHC. Destes os
mais utilizados so os testes imuno-enzimticos de 3.a gerao, que contm
antignios estruturais e no estruturais de VHC. Estes detectam o anti-VHC,
em cerca de 90% dos indivduos infectados, mas no permitem diferenciar as
formas agudas das crnicas, das activas ou das curadas. O melhor critrio para
definir a infeco em curso por pesquisa do ARN de VHC. Este pode ser detectado no soro uma a duas semanas aps a contaminao e vrias semanas
antes da elevao das transaminases. Os mtodos imuno-enzimticos s
detectam anticorpos 10-16 semanas depois do incio do quadro clnico21,34,39.

Evoluo
A evoluo da hepatite C varivel, sendo a elevao flutuante das transaminases o aspecto mais caracterstico. A hepatite fulminante rara. Aps
a infeco aguda, 15-25% dos doentes curam, sem sequelas. A evoluo para
a cronicidade ocorre em 75-85% dos doentes. A elevao das transaminases,
197

H. Carmona, F. Antunes

persistente ou flutuante, indica doena heptica activa e ocorre em 60-70%


dos indivduos cronicamente infectados; nos restantes 30-40%, as transaminases so normais. Em 20% dos doentes com hepatite crnica C surge cirrose, ao fim de um perodo de 20-30 anos, e CHC em 1-5%. A ingesto de
bebidas alcolicas, a co-infeco por VHB e por VIH podem agravar a progresso da doena34,39.
Tm sido descritas vrias manifestaes extra-hepticas em associao
com a hepatite crnica C, como crioglobulinemia mista, glomerulonefrite,
porfria cutnea tardia, artrite seronegativa, tiroidite auto-imune, lquen
plano, poliartrite nodosa, anemia aplstica, etc.21,34,39.

Teraputica
A teraputica para a hepatite C est indicada para os doentes com fibrose heptica significativa (estdio 2 Metavir ou estdio 3 Ishak), dado o
risco elevado de evoluo para cirrose.
A biopsia heptica mantm-se como o mtodo de referncia para avaliar a
fibrose heptica. Todavia, trata-se de um meio dispendioso e invasivo, com risco
de complicaes (1-5% dos doentes necessitam de hospitalizao)40. Outras limitaes da biopsia incluem o erro da amostra e a variabilidade entre os observadores. Vrios mtodos alternativos tm sido utilizados para a quantificao da fibrose, incluindo diversos marcadores biolgicos [2-macroglobulina,
2-globulina, g-globulina, apoliprotena A-I, g-glutamiltransferase, bilirrubina
total, cido hialurnico e o ndice do rcio plaquetrico (APRI)], variando
a sensibilidade, respectivamente, de 41-49% e de 44-95%. A elastografia
(Fibroscan, Echosens) uma tcnica nova, no invasiva, que permite determinar a rigidez do fgado, atravs da velocidade da onda criada pela vibrao transitria. Uma pontuao Metavir 2 define a fibrose significativa.
Na ltima dcada registaram-se avanos importantes no tratamento da
infeco por VHC. O PEG-INF associado ribavirina (RBV) tornou-se a teraputica de referncia para o tratamento da hepatite C crnica41. Para o
gentipo 1 a teraputica, durante 48 semanas, com PEG-INF e RBV (1.0001.200 mg/dia) permite a resposta vrica sustentada (ARN-VHC indetectvel s
24 semanas aps a interrupo do tratamento) de 40-50%42. Quanto aos
gentipos 2 e 3, a teraputica, durante 24 semanas, com PEG-INF e RBV (800
mg/dia) est associada a uma resposta vrica sustentada de 70-80%43. A resposta vrica sustentada est associada cura da doena, na maioria dos casos.
O quadro 5 mostra os factores preditores de resposta favorvel ao tratamento com PEG-INF-a e RBV.
Uma nova era para a teraputica da infeco por VHC crnica teve incio
com o desenvolvimento de dois inibidores da protease (IPs) de VHC, o boceprevir e o telaprevir. Estes novos antivricos, em associao com PEG-INF e
198

Hepatites vricas

Quadro 5. Factores preditores da resposta favorvel teraputica da infeco


crnica por VHC, com PEG-INF e RBV
Caractersticas gerais
Gentipo que no o 1
Nvel de viremia baixo
Raa branca
Gentipo da interleucina 28-B*
Ausncia de fibrose
Peso < 85 kg
Idade < 40 anos
Sexo feminino
Quociente da ALT 3
Resposta imunitria especfica anti-VHC
Antes do tratamento
Ausncia de resistncia insulina e de esteatose
Uso de estatinas
Durante o tratamento
Resposta durante o tratamento (RVR ou RVP)
Adeso ao tratamento
Dose de RBV
*Melhor resposta para o gentipo CC (78%), do que para o gentipo TC (38%) ou do que para o
gentipo TT (26%).

O quociente de alaninaminotransferase (ALT) a mdia do valor da ALT dividido pelo valor do limite
superior do normal.

A resposta vrica rpida (RVR) definida como ARN-VHC indetectvel (< 50 UI/ml) 4.a semana de
teraputica. A resposta vrica precoce (RVP) definida como a descida de ARN-VHC de, pelo menos, 2 log10
UI/ml ou da ausncia de ARN-VHC 12.a semana de tratamento.

RBV, para o gentipo 1 de VHC, aumentam em 20-30% a resposta vrica


sustentada44,45.

6. Hepatite E
Etiologia
Vrus da hepatite E (VHE) tem um genoma constitudo por ARN e pertence famlia dos Caliciviridae.

Epidemiologia
A transmisso de VHE faz-se, essencialmente, por via fecal-oral, sendo
responsvel por epidemias e endemias de hepatites agudas, que ocorrem
em pases em vias de desenvolvimento. Epidemias tm sido descritas na
ndia, Paquisto, China, frica do Norte e Central e Amrica Central. Os
199

H. Carmona, F. Antunes

casos observados na Amrica do Norte e Europa dizem respeito a viajantes


que se contaminaram em regies endmicas.

Diagnstico
Clnico
O perodo de incubao varia entre 15-60 dias. A infeco aguda manifesta-se,
muitas vezes, por ictercia, apresentando, com frequncia, um padro colesttico.

Etiolgico
Os anticorpos anti-VHE IgM e IgG so positivos, em 90% dos casos, no
incio do quadro clnico, no entanto estes testes no esto, por rotina, disponveis. O diagnstico deve ser considerado em indivduos com hepatite
aguda que tenham viajado para zonas endmicas, nos quais se tenham excludo outras causas de hepatite.

Evoluo
Em regra, a evoluo benigna, no entretanto, dados recentes indicam
que a hepatite E pode alterar o prognstico das hepatites vricas crnicas,
com o consequente agravamento do prognstico no contexto da doena
heptica crnica46,47.
Por outro lado, foi sugerido, recentemente, que a infeco por VHE pode
evoluir para a cronicidade e, mesmo, para cirrose no contexto de imunosupresso grave, em transplantados de orgos48-50.
Formas graves, com mortalidade elevada, de 15-25%, ocorrem durante as
epidemias, em mulheres grvidas, sobretudo no ltimo trimestre da gravidez.
A evoluo para hepatite fulminante, tambm, maior na grvida (22,2%)
do que nos outros doentes (2,8%)51-53.

Teraputica
No h tratamento especfico.

7. Hepatite G
Vrus da hepatite G (VHG) um vrus de genoma constitudo por ARN aparentado aos flavivrus. VHG um vrus ubiquitrio, com zonas de endemia mais
fortes na frica ocidental. A sua transmisso , sobretudo, parentrica, embora
200

Hepatites vricas

as vias sexual e vertical sejam possveis. A infeco aguda , em geral,


anictrica e com sintomatologia discreta. O diagnstico assenta na positividade do ARN de VHG, detectado pela reaco da polimerase em cadeia (PCR),
o que limita o seu diagnstico na prtica clnica. O poder patognico real
de VHG no est, ainda, definido, encontrando-se, muitas vezes, associado
a VHC e, por vezes, a VHB nas hepatites crnicas3-5.

8. Hepatite TT
Vrus TT (VTT) pertence famlia dos Circoviridae. O seu genoma constitudo por ADN. A via de transmisso de VTT , em regra, parentrica, no
podendo, no entanto, excluir-se outras vias. O diagnstico etiolgico baseia-se
na pesquisa do ADN de VTT, por tcnica da PCR. Do ponto de vista clnico,
embora haja vrios dados sugerindo que VTT possa causar doena heptica,
no existem, ainda, dados definitivos que sustentem esta hiptese54.

9. Hepatite pelo vrus SEN


O vrus SEN foi isolado, recentemente, num doente com as iniciais SEN e
possui um genoma constitudo por ADN, sendo, at agora, conhecidos oito
gentipos deste vrus (A-H). A sua prevalncia varia de acordo com os diferentes grupos populacionais, sendo mais elevada nos toxicodependentes por
via endovenosa. Os vrus SEN-D e SEN-H esto associados a hepatites ps-transfusionais, mas o seu poder patognico, ainda no foi estabelecido. A
diversidade genmica dos membros da famlia destes vrus to grande que
uns gentipos podero ser patognicos e outros no, por isso sero necessrios mais estudos para se reconhecer a sua capacidade patognica55.

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202

Seco 7

Infeco VIH-SIDA
Francisco Antunes
Manuela Doroana

1. Introduo
A sndrome de imunodeficincia adquirida (sida) foi descrita, pela primeira
vez, em 1981, nos Estados Unidos da Amrica (EUA), tendo sido identificada
em homossexuais do sexo masculino, com pneumonia por Pneumocystis jirovecii (antes carinii) e com sarcoma de Kaposi (SK). Pouco tempo depois foi
reportada na Europa, com caractersticas epidemiolgicas, imunitrias e clnicas idnticas, constituindo-se, actualmente, como uma pandemia, com 34
milhes de infectados (Fig. 1)1.
VIH transmitido, principalmente, atravs do contacto com lquidos orgnicos (sangue, esperma e secrees vaginais) de indivduos infectados,
sendo as principais formas de transmisso a sexual, a sangunea e me-filho.
A nvel mundial, predomina a transmisso sexual de VIH-1, sendo VIH-2
transmitido, quase exclusivamente, por via sexual.
A infeco por VIH-2 considerada endmica, em particular na Guin-Bissau,
Senegal, Gmbia, Gana e Costa do Marfim. Os primeiros casos de infeco por
VIH-2, na Europa, foram identificados em alguns pases como a Sucia, a Alemanha, Portugal e a Frana. Em Portugal, a infeco por VIH-2 associada a
VIH-1 corresponde a cerca de 4,5% das infeces notificadas no Pas.
Em Portugal, at 31 de Dezembro de 2010, foram recebidas pelo Centro
de Vigilncia Epidemiolgica das Doenas Transmissveis notificaes de
39.347 casos de infeco por VIH, dos quais 16.370 casos de sida, destes 513
causados por VIH-2 e 212 casos que referem infeco associada VIH-1 e VIH-2.
O padro epidemiolgico actual reflecte a prevalncia proporcional do nmero de casos de transmisso associada toxicodependncia (45,5%),
heterossexualidade (37,3%) e homobissexualidade (12,4%)2. Nos ltimos
sete anos no foram atribudos casos de sida a transfuses de sangue, sendo
a maioria das infeces relacionada com aqueles casos, adquirida antes da
introduo dos rastreios para as ddivas de sangue em 1986.
VIH-1 e VIH-2 tiveram a sua origem, mais que provvel, em lentivrus de
smios de diferentes regies, no continente africano. Os retrovrus tm a
caracterstica de evolurem rapidamente e, ao fim de vrias geraes do seu ciclo
biolgico, so geradas variantes; possivelmente, uma destas com capacidade
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

203

F. Antunes, M. Doroana

Total: 34 (31,6 35,2) milhes

Figura 1. Nmero estimado de adultos e crianas com infeco VIH/sida no ano de


2010 (adaptado de UNAIDS Epidemic update and health sector progress towards
Universal Access Progress Report 2010).

patognica para o homem. A infeco por vrus da imunodeficincia dos smios


(VIS), o lentivrus mais prximo de VIH, foi identificada em mais de 20 espcies diferentes de primatas africanos. A leitura da rvore de evoluo dos
lentivrus dos primatas permite afirmar que VIH-1 est mais prximo dos lentivrus dos chimpanzs (VIScpz/VIH-1), enquanto que VIH-2 est mais prximo
dos vrus de sooty mangabys e de mandrillus (VISsm/VISmac/VIH-2)3. Com
base em relaes filogenticas, os isolados de VIH-1 foram classificados em
quatro grupos, denominados M, N, O e P4. Por sua vez, VIH-2 constitudo
por oito grupos genticos denominados subtipos A-H5.
Assim, existem dois tipos de VIH, o tipo 1 (VIH-1) e o tipo 2 (VIH-2) que,
apesar da morfologia e estrutura serem semelhantes, apresentam homologia
genmica de cerca de 50% e induzem respostas imunitrias cruzadas, podendo, no entanto, distinguirem-se por caractersticas antignicas, moleculares e biolgicas. As infeces por VIH-1 e VIH-2 diferem quer pelo respectivo ciclo biolgico e, em consequncia, pela evoluo da infeco, desde a
fase aguda at ao estdio de sida, quer pela distribuio geogrfica.
As partculas de VIH tm forma esfrica, com 110 mm de dimetro, sendo
constitudas pelo core (nucleide central), formado pelo genoma associado a
protenas bsicas, a protena da matriz, a revestir o core e a contribuir para
manter a integridade do virio (partcula vrica madura, infecciosa) e o invlucro, derivado da membrana da clula hospedeira e possuindo espculas ou
peplmeros de glicoprotenas vricas. O genoma formado por duas molculas independentes de ARN, contendo trs genes principais, env, gag e pol
e seis genes reguladores/acessrios, tat, rev, nef, vif, vpr e vpx (s em VIH-2)
ou vpu (em VIH-1) e, nas extremidades da estrutura gnica, as sequncias
204

Infeco VIH-sida
ADN viral
dupla cadeia ADN pr-viral integrado
protease viral
ARN viral
ADN celular
ARNm proteases

correcetor
recetor

VIH

ARN pr-genmico

Figura 2. Ciclo de replicao de VIH.

repetitivas terminais longas [long terminal repeats (LTR)], as quais controlam


a iniciao e a transcrio do genoma, regulando a produo de viries6.
Os genes principais (env, gag e pol) codificam para a maior parte dos componentes estruturais e funcionais. O ciclo de replicao vrica compreende
duas fases, a primeira corresponde infeco da clula e a segunda expresso gnica e formao de novos viries (Fig. 2). O virio liga-se,
atravs da glicoprotena do invlucro gp120, molcula CD4 (existente na superfcie de algumas clulas do hospedeiro, principalmente linfcitos T-helper,
moncitos e macrfagos). A gp120 possui cinco regies hipervariveis, designadas de V1 loop a V5 loop, uma das quais, a V3 loop, tem algumas sequncias que interagem com os co-receptores CXCR4 e CCR5, determinando
o tropismo de VIH-1 para as clulas hospedeiras. Com a ligao da gp120 ao
receptor CD4 e a interaco daquela com o receptor da quimiocina CCR5, a
gp41 insere-se na membrana da clula, dando-se incio ao processo de fuso
do invlucro vrico com a membrana celular e a entrada da cpside na clula infectada. O ARN genmico liberta-se, ento, da cpside e, por aco da
enzima transcriptase reversa, forma-se uma molcula de ADN complementar,
originando o dmero ARN/ADN. A activao da ARNase degrada o ARN daquele hbrido e uma nova molcula de ADN sintetizada por uma ADN-polimerase. O ADN de dupla cadeia, neoformado, , por aco da integrase,
integrado no genoma da clula, sob a forma de provrus. A segunda fase do
ciclo, denominada fase de expresso gnica e de formao de novos viries,
depende do sinal dado pela regio 5 do LTR, da aco de protenas reguladoras vricas e de factores celulares, nomeadamente, da ARN polimerase. A
partir do ADN provrico sintetizam-se os ARN mensageiros (ARNm) e novas
cpias de ARN vricos. Os transcritos, resultantes da leitura dos ARNm, correspondem a protenas precursoras das protenas estruturais, as quais se
renem a molculas de ARN para formar uma nova partcula, a qual adquire
205

F. Antunes, M. Doroana

o seu invlucro ao atravessar a membrana da clula infectada (gemulao).


Durante, ou pouco depois da gemulao, as poliprotenas gag e pol so
clivadas por proteases viriais, o que essencial para a maturao das partculas dos retrovrus.

2. Patognese e resposta imunitria


Para que se compreenda a patognese da infeco VIH/sida necessrio
que se conheam os fundamentos do sistema imunitrio. Os linfcitos derivados do timo (T) so responsveis pela imunidade celular, sob aco da qual
esto os microrganismos intracelulares. A infeco por VIH interfere com
vrias clulas do hospedeiro, todavia atinge, em especial, os linfcitos T, pelo
que, na sida, as infeces so da responsabilidade, na maioria dos casos, de
microrganismos intracelulares, facultativos ou obrigatrios. Alguns linfcitos T
(clulas T4 ou CD4) tm, na sua superfcie, protenas, incluindo a CD4, que
se constitui como receptor para VIH. Estas clulas auxiliares (helper) sofrem
uma depleo marcada, durante a infeco aguda, diminuindo em nmero
e perturbando a sua funo, contribuindo, assim, para a imunodeficincia.
Esta depleo tem um papel importante na patognese, por exemplo, atravs do favorecimento da translocao bacteriana intestinal, podendo contribuir para a activao persistente do sistema imunitrio. A imunidade celular
, tambm, responsvel, em parte, pelo controlo de alguns microrganismos,
que persistem, no hospedeiro, aps a primo-infeco, em fase latente (por
exemplo, vrus do grupo herpes, micobactrias, Toxoplasma gondii, Pneumocystis jirovecii e Candida spp), podendo reactivar, quando a imunodeficincia se torna significativa. Quando os linfcitos T CD4+ se reduzem para
valores abaixo de 200 cls/mm3, o risco de ocorrer uma infeco oportunista,
associada sida, elevado. As neoplasias so, tambm, doenas que se revelam em estdios avanados da infeco por VIH, dado que a imunidade
celular fundamental no reconhecimento e na eliminao de clulas anormais ou malignas. Os linfcitos B so estimulados, policlonalmente, e produzem quantidades elevadas de imunoglobulinas, a maioria ineficazes, sendo
impossvel ao hospedeiro desencadear uma resposta imunitria humoral, por
forma a conter alguns microrganismos. Assim, em estdios avanados da
infeco por VIH verifica-se incidncia aumentada de infeces por microrganismos banais, que aproveitam a oportunidade da acentuada imunodeficincia para se revelarem (oportunisticamente) e, por outro lado, o insucesso da resposta imunitria humoral interfere com os mtodos de diagnstico
dependentes da produo de anticorpos especficos, por parte do hospedeiro, por um lado porque no garantem que os anticorpos detectados se relacionem com a doena infecciosa em curso (dado tratar-se, em geral, de reactivao de infeco latente) e, por outro lado, porque a produo de
206

Infeco VIH-sida

Quadro 1. Classificao de CDC destinada a vigilncia epidemiolgica da sida


Categorias clnicas
Nveis de T CD4+

A
Assintomtico,
LGP ou infeco
aguda

B
Sintomtico
(no-A ou no-C)

C*
Indicador de sida

1. 500/mm3 ( 29%)

A1

B1

C1

2. 200-499/mm3 (14-28%)

A2

B2

C2

3. < 200/mm3 (< 14%)

A3

B3

C3

*Nos EUA, nas categorias A3, B3 e C1-C3 so includos os doentes com sida, tendo em conta que esto
ou foram afetados por uma condio clnica indicadora de sida e/ou que tm uma contagem
de T CD4+ < 200/mm3. Para este fim, na Europa, s so considerados os doentes na categoria clnica C.
As condioes clnicas, includas na categoria B, so aquelas que no so consideradas como indicadoras
de sida, isto : atribudas infeo por VIH ou indicando um defeito na imunidade celular; aquelas com
evoluo clnica ou que requeiram tratamento de complicaes relacionadas com a infeo por VIH.
Alguns exemplos, mas nem todos, citam-se: angiomatose bacilar, candidose vulvovaginal persistente,
recidivante ou respondendo mal teraputica antifngica, displasia do colo in situ uterino (moderada ou
grave), cancro do colo in situ, sintomas constitucionais, tais como febre ( 38,5 C) ou diarreia > 1 ms,
tricoleucoplasia oral, herpes zoster (> 2 episdios e > 1 dermatoma), prpura trombocitopnica
trombtica (PTI), listeriose, DIP (especialmente se complicada por abcesso tubo-ovrico), neuropatia
perifrica.
Adaptado de MMWR. 1992;41:1-9.

anticorpos no suficiente para permitir um resultado positivo, isto , acima


do limiar de sensibilidade da tcnica utilizada. As manifestaes clnicas relacionadas com a maioria das doenas infecciosas so, em parte ou no todo,
causadas pelos prprios mecanismos de defesa do hospedeiro. Se estes so
deficientes, o quadro clnico pode ser inespecfico ou atpico.
Nestes doentes, a no ser que a infeco tenha sido erradicada, a recorrncia a regra. Assim, aps a teraputica antimicrobiana de induo, com
sucesso, torna-se imprescindvel a manuteno daquela (profilaxia secundria
ou teraputica de manuteno), pelo que os doentes em estdios avanados
esto sujeitos a acumular vrias profilaxias, o que pode ter como consequncia
o risco acrescido de toxicidade medicamentosa (o estado de imunodeficincia
est associado a maior incidncia de efeitos colaterais a frmacos).

3. Classificao da infeco por VIH


A classificao mais utilizada para a infeco por VIH a do Centers for
Diseases Control and Prevention (CDC), em Atlanta, a qual utiliza trs nveis
de valores de clulas T CD4+ ( 500, 200-449 e < 200/mm3) e trs categorias
clnicas, as quais incluem as letras A, B e C e cada uma delas os nmeros 1,
2 e 3. De salientar que na categoria B est includa a maioria das condies
classificadas, anteriormente, como ARC (Quadro 1). Na categoria C esto as
condies indicadoras de sida (Quadro 2).
207

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 2. Condies indicadoras na definio de caso de sida


Candidose do esfago, traqueia, brnquios ou pulmo
Cancro invasivo do colo uterino
Coccidioidomicose extrapulmonar
Criptosporidiose com diarreia > 1 ms
Vrus citomeglico de qualquer rgo, excepto fgado, bao ou gnglios linfticos
Herpes simplex com lcera mucocutnea com evoluo > 1 ms ou bronquite, pneumonite
ou esofagite
Histoplasmose extrapulmonar
Demncia associada infeco por VIH; incapacidade cognitiva e/ou disfuno motora,
interferindo com a actividade profissional ou com as actividades do dia a dia
Emaciao associada infeco por VIH perda involuntria > 10% do peso basal,
associada a diarreia crnica ( 2 deposies/dia 30 dias) ou astenia crnica e febre de
etiologia no esclarecida 1 ms
Isosporose com diarreia > 1 ms
Sarcoma de Kaposi
Linfoma do SNC
Linfoma no-Hodgkin de clulas B ou de fentipo imunitrio desconhecido e com
histologia evidenciando pequeno linfoma, sem clivagem ou sarcoma imunoblstico
Infeco disseminada por Mycobacterium avium ou kansasii
Infeco pulmonar ou disseminada por Mycobacterium tuberculosis
Nocardiose
Pneumonia por Pneumocystis jirovecii
Pneumonia bacteriana recorrente
Leuco-encefalopatia multifocal progressiva
Septicemia por Salmonella spp (no-tifide) recorrente
Estrongiloidose extra-intestinal
Toxoplasmose
Leishmaniose visceral

4. Histria natural
A infeco por VIH envolve mecanismos complexos de interaco entre a
replicao vrica e os mecanismos de defesa do hospedeiro. O vrus transmitido atravs da barreira mucosa, com extenso aos gnglios linfticos
regionais, estando a subsequente evoluo representada na figura 3.
A cintica de VIH e dos linfcitos T CD4+ muito varivel de indivduo
para indivduo, mas calcula-se que, em mdia, haja perda de 40-60 linfcitos
T CD4+/mm3/ano, o que no final de oito a 10 anos pode corresponder destruio macia do sistema imunitrio, predispondo ocorrncia de doenas
por microrganismos oportunistas e por tumores, quando aqueles atingem
valores < 200/mm3. Nos indivduos cronicamente infectados, a taxa de replicao de VIH corresponde a 1010 viries/dia, sendo o principal alvo de infeco
os linfcitos T CD4+, os quais so destrudos no decurso da aco dos linfcitos
T CD8+ citotxicos (LTC) sobre o vrus.
208

Infeco VIH-sida

Clulas CD4/mm3

Assintomtico

Sintomtico

1.000
Linfcitos CD4
500
0
Tempo (semanas)

sida

102 103 104 105 106

Morte

Seroconverso
Infeco

(anos)
ARN-VIH cpias/ml de plasma

Figura 3. Histria natural da infeco por VIH.

A evoluo da infeco dura 11 anos, em mdia, at ao diagnstico de


uma condio definidora de sida (a proporo dos infectados por VIH que
desenvolvem sida de 0-2%, dois anos aps a infeco, 5-10% aps quatro
anos, 10-25% aps seis anos, 30-40% aps oito anos e 48-51% aps 10 anos)7,8.
Porm, nalguns indivduos, aquele perodo de tempo muito menor, de dois
anos, e, noutros, designados por progressores lentos long term non-progressors [infeco VIH > oito anos, T CD4+ > 500/mm3, sem teraputica anti-retrovrica (TARV)], a infeco parece no evoluir. Estas variaes na evoluo esto, principalmente, na dependncia da aco dos LTC, a qual
regulada pelas respostas T CD4+ anti-VIH especficas e pelas citocinas. Outros
factores que influenciam a evoluo so a presena de vrus defectivos, a
susceptibilidade gentica dos receptores celulares, a idade do hospedeiro, os
genes do complexo major de histocompatibilidade (CMH), o nvel plasmtico
de ARN-VIH aps se ter alcanada a estabilizao da viremia. Por outro lado,
os factores que influenciam significativamente a sobrevivncia so a TARV,
a profilaxia da pneumonia por Pneumocystis jirovecii e da doena por Mycobacterium avium e, ainda, a experincia do mdico que presta assistncia
aos doentes. Aproximadamente, 50% dos doentes sobrevivem um ano, aps
o diagnstico de sida, cerca de 25% sobrevivem dois anos, aproximadamente,
5% trs a quatro anos, e, apenas, alguns ultrapassam os cinco anos9.

Infeco aguda por VIH


A infeco aguda sintomtica em 50-89% dos casos, sendo o perodo de
incubao de uma a quatro semanas, podendo estender-se at aos 10 meses.
As manifestaes clnicas mais frequentes so febre, odinofagia e linfadenopatias, sendo, tambm, comuns a astenia, as artralgias e as mialgias. O exantema
frequente, sendo, caracteristicamente, eritematoso, no pruriginoso e,
209

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 3. Manifestaes clnicas associadas infeco por VIH*


Sintomas e sinais

Percentagem (%)

Febre

96

Adenopatia

74

Faringite

70

Exantema

70

Mialgias

54

Cefaleias

32

Diarreia

32

Nuseas e vmitos

27

Espleno-hepatomegalia

14

Candidose oral

12

Manifestaes neurolgicas

12

*Testes

laboratoriais viremia elevada (2-40 milhes cpias/ml) e serologia VIH negativa ou interminada.
eritematoso da face, tronco ou extremidades, envolvendo (ou no) a palma das mos e a
planta dos ps.
Meningite linfocitria, meningo-encefalite, neuropatia perifrica, paralisia facial, sndrome de GuillainBarr, nevrite braquial e perda da capacidade cognitiva ou psicose.
Exantema

raramente, maculopapuloso. O envolvimento da face e do tronco, podendo


atingir a palma das mos e a planta dos ps, sugere o exantema da sfilis
secundria. As ulceraes mucocutneas podem atingir a boca, o esfago e
os rgos genitais. Dado tratar-se de um vrus neurotrpico, pode evoluir
com meningite ou meningo-encefalite, com cefaleias, fotofobia e dor retro-orbital. Por fim, as manifestaes gastrintestinais podem ser evidentes, com
perda de peso, nuseas, vmitos e diarreia. Cerca de 15% dos infectados
apresentam sndrome mononuclesica, com febre, faringite ou odinofagia e
adenomegalias das cadeias cervicais. O quadro clnico da infeco primria
sintomtica pode evoluir por um perodo de alguns dias a vrios meses,
sendo a durao, em mdia, de menos de duas semanas, admitindo-se que
aqueles, com manifestaes clnicas mais graves e por tempo mais prolongado, venham a padecer de doena progressiva mais rapidamente (Quadro 3).
Os dados laboratoriais podem revelar, durante a infeco primria sintomtica, linfopenia e trombocitopenia, sendo pouco frequente a existncia
de linfcitos atpicos. A elevao das enzimas hepticas, expressando componente colesttica, com aumento da fosfatase alcalina, pode estar presente. A queda dos linfcitos T CD4+ , em regra, modesta, todavia, quando
acentuada pode ser acompanhada por candidose oral ou, mesmo, por pneumonia a Pneumocystis jirovecii ou por candidose esofgica. No quadro da
primo-infeco, os linfcitos T CD4+ diminuem, todavia os T CD8+ aumentam,
com inverso da relao T CD4+/T CD8+.
210

Infeco VIH-sida

Seroconverso
A seroconverso verifica-se, na generalidade, trs a nove semanas depois
da transmisso. A resposta imunitria celular e humoral acompanhada por
reduo, em lise, da viremia ARN-VIH plasmtica, com reduo dos sintomas
associados primo-infeco.

Infeco crnica assintomtica por VIH


No perodo de quatro a seis semanas, que decorre entre a sndrome da
primo-infeco e o momento de estabilizao da viremia plasmtica, as concentraes plasmticas de ARN-VIH e o valor dos linfcitos T CD4+ so muito
variveis, aps o que se assiste estabilizao dos nveis de ARN-VIH, durante
vrios anos, o que caracteriza a infeco crnica assintomtica por VIH. Durante esta fase de evoluo, h aumento gradual da viremia plasmtica
(carga vrica), sensivelmente de 7% ao ano, com picos de aumento espordicos, correspondendo a estimulaes antignicas (doenas intercorrentes ou
imunizao). O ponto de estabilizao da viremia plasmtica um indicador
da subsequente taxa de progresso. Assim, as concentraes de viremia muito elevadas (> 100.000 cpias/ml) esto associadas perda de T CD4+, correspondente a 76 cls/mm3/ano e sobrevivncia mdia de 4,4 anos; concentraes mais baixas de viremia (< 5.000 cpias/ml) esto associadas perda
de T CD4+, correspondente a 36 cls/mm3/ano e sobrevivncia de mais de
10 anos. Durante este perodo, a infeco pode ser assintomtica ou evoluir
com adenomegalias generalizadas persistentes. O declnio gradual de linfcitos T CD4+, nos indivduos no tratados, de 40-60 cls/mm3/ano, como foi
referido, no sendo aquele linear, mas sim varivel, de acordo com as caractersticas biolgicas individuais e das condicionadas pela tecnologia laboratorial utilizada para a quantificao daqueles linfcitos.
No perodo da infeco crnica assintomtica, deve proceder-se avaliao clnica e laboratorial, a fim de se poder monitorizar o estado clnico dos
infectados, considerando-se importante estimar o comportamento sexual,
dado que a ocorrncia de doenas sexualmente transmitidas pode, por um
lado, acelerar a progresso da infeco por VIH e, por outro lado, facilitar a
transmisso do vrus aos parceiros sexuais. A nossa prtica de avaliar com
um intervalo de trs ou quatro meses, dependendo tal do estado da funo
imunitria, da carga vrica e, ainda, do acesso a estudos de investigao clnica. Esta avaliao clnica e imunitria indispensvel para se determinar o
momento mais apropriado para o incio da TARV.
A expresso clnica da perda dos linfcitos T CD4+ revela-se pela ocorrncia de infeces oportunistas, quando aqueles atingem valores < 200 cls/mm3
com valor mdio de 70 cls/mm3.
211

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 4. Manifestaes clnicas associadas infeco por VIH


Efeito directo do vrus
Sndrome da infeco aguda por VIH
Linfadenopatias generalizadas persistentes (LGP)
Demncia associada infeco por VIH
Pneumonia linfocitria intersticial (PLI)
Nefropatia associada infeco por VIH
Imunossupresso progressiva
Outras*
Consequncias da imunossupresso
Complicaes precoces
candidose vaginal
pneumonia pneumoccica
tuberculose
zona
Complicaes tardias
condies indicadoras de sida
*Anemia, neutropenia, trombocitopenia, cardiomiopatia, miopatia, neuropatia perifrica, meningite
crnica, poliomielite e sndrome de Guillain-Barr.
Ver quadro 2.

Infeco sintomtica por VIH


As manifestaes clnicas, associadas infeco por VIH, podem ser
devidas ao efeito directo do vrus ou s consequncias da imunodepresso (Quadro 4). As complicaes que se registam, na fase precoce da evoluo da infeco por VIH, so devidas ao efeito directo do vrus ou envolvem
infeces por microrganismos mais virulentos, que no necessitam de imunossupresso grave para se expressarem. As condies indicadoras de sida
surgem, na maioria dos casos, quando a imunossupresso marcada (linfcitos T CD4+ < 200 cls/mm3). Apesar de no serem caractersticas, as manifestaes clnicas, tais como eczema seborreico, infeces respiratrias de
repetio, candidose oral ou vaginal, suores nocturnos e adenomegalias
generalizadas, evoluindo sem razo aparente, devem ser suspeitadas como
de doena precoce associada infeco por VIH. De destacar, ainda, de entre
outras, pela sua frequncia, as manifestaes orais, tais como gengivite, incluindo as gengivites ulcerativas necrosantes, os abcessos dentrios, a tricoleucoplasia da lngua e, como foi referido, a candidose oral (eritematosa ou
pseudomembranosa).
A trombocitopenia regista-se em 5-10% dos infectados, sendo, em regra,
assintomtica e respondendo, na maioria dos casos, TARV.
O valor dos linfcitos T CD4+ correlaciona-se com o tipo de complicao,
sendo que, virtualmente, todas as condies aumentam em frequncia com
a diminuio progressiva da contagem daqueles linfcitos (Quadro 5).
212

Infeco VIH-sida

Quadro 5. Correlao das complicaes com o valor dos linfcitos T CD4+


T CD4+*
500/mm

Infeces

Complicaes

Sndrome aguda VIH

Linfadenopatia generalizada persistente

Vaginite por Candida spp

Poliomiosite
Meningite linfocitria
Sndrome de Guillain-Barr

200-499/mm

< 200/mm

Pneumonia pneumoccica ou outra Cancro do colo uterino in situ


Tuberculose pulmonar

Cancro do colo uterino

Zona

Pneumonite intersticial linfocitria

Criptosporidiose autolimitada

Anemia

Tricoleucoplasia oral

Prpura trombocitopnica idioptica

Pneumonia por P. jirovecii

Sndrome de emaciao

Candidose esofgica

Linfoma no-Hodgkin

Herpes simplex crnico disseminado Cardiomiopatia


Toxoplasmose

Neuropatia perifrica

Criptococose

Demncia associada infeco por VIH

Histoplasmose disseminada

Linfoma do SNC

Coccidioidomicose disseminada

Nefropatia associada infeco por VIH

Criptosporidiose crnica
Leucoencefalopatia multifocal
progressiva
Microsporidiose
Tuberculose extrapulmonar
Leishmaniose visceral
< 50/mm3

Doena por VCM


M. avium complexo disseminado

*As condies clnicas ocorrem com maior frequncia quanto mais baixo for o valor de T CD4+; os
linfomas podem ocorrer em qualquer altura, porm so mais frequentes quando T CD4+ < 200/mm3.

Deve ser notado, que os dados aqui referidos da histria natural se fundamentam em estudos em doentes no tratados, antes de se utilizar a TARV combinada
(TARVc), a qual modificou drasticamente a evoluo da infeco por VIH.

5. Avaliao do doente (Quadro 6)


Avaliao inicial
Histria mdica a histria mdica deve ser completa, com especial nfase para:
Serologia VIH datas de testes negativo e positivo, sendo necessrio
confirmar um teste positivo.
Comportamento de risco toxicodependncia de drogas por via endovenosa, heterossexualidade, homossexualidade masculina, transfuso de sangue, hemofilia, outro ou desconhecido.
213

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 6. Diagnstico diferencial das principais condies clnicas por rgo ou


sistema
Condies clnicas

T CD4+ > 300/mm3

T CD4+ < 200/mm3

Linfadenopatia

LGP (sfilis, linfoma, TB, SK)

LGP (VCM, TB, SK, MAC)

Retinopatia de VIH

Retinite por VCM

Olho (fundos)
Exsudado + hemorragia
Manchas algodonosas

Retinopatia de VIH

Oral
Pseudomembranas

Candida, tricoleucoplasia

Candida, tricoleucoplasia

lceras

VHS, lceras aftosas

VHS, lceras aftosas, VCM

Leses nodulares purpreas

SK

SK

Esfago (disfagia)
Abdmen
Diarreia

Candida, VCM, lceras


aftosas (VHS)
Salmonella, Clostridium
difficile, Campylobacter,
Shigella, vrus,
Cryptosporidium

Hepatomegalia e/ou
alteraes das provas de
funo heptica

Hepatites (VHB ou VHC),


Toxicidade medicamentosa

Esplenomegalia

VIH

Cryptosporidium,
microspordia, MAC, VCM,
toxicidade medicamentosa,
Clostridium difficile,
enteropatia da sida
(envolvimento do intestino
delgado por Isospora,
Cyclospora, linfoma)
Hepatites (VHB ou VHC),
VCM, MAC, linfoma, VIH,
fgado gordo secundrio a
m nutrio, colangiopatia
Cryptosporidium, VCM,
idioptica (microspordia)
Linfoma, MAC, VIH, cirrose,
leishmaniose visceral

Pele
Leses nodulares purpreas

SK (angiomatose bacilar,
pruritis nodularis)

SK (angiomatose bacilar,
pruritis nodularis)

Vesculas

VHS, VVZ

VHS, VVZ (VCM)

Leses maculopapulosas

Toxicidade medicamentosa,
sfilis

Toxicidade medicamentosa,
sfilis

Placas, leses escamosas

Seborreia, (psorase, eczema)

Seborreia (psorase, eczema)

Ppulas umbilicadas

Molluscum

Molluscum (Cryptococcus)

Petquias, prpura

PTI

PTI

Ndulos

Cryptococcus, Histoplasma,
pruritis nodularis

Pulmo
Pneumonia

Streptococcus pneumoniae
(Haemophilus influenzae,
TB, aspirao, agentes das
pneumonias atpicas)

Pneumocystis, infeces
bacterianas (TB, MAC), SK,
VCM, Cryptococcus,
histoplasma, pneumonia
linfocitria intersticial

Cavidade, ndulos

TB (Staphylococcus aureus
em toxicofilia por via e.v.)

TB (Cryptococcus, SK,
linfoma, MAC, pneumonia
atpica por Pneumocystis,
Rhodococcus, Aspergillus)
continua

214

Infeco VIH-sida

Quadro 6. Diagnstico diferencial das principais condies clnicas por rgo ou


sistema (continuao)
T CD4+ > 300/mm3

T CD4+ < 200/mm3

Meningite assptica

Neurossfilis, vrus

Cryptococcus, TB,
neurossfilis

Meningite crnica

TB, neurossfilis

Cryptococcus, TB,
neurossfilis

Demncia

Trauma, tumor, depresso,


hipotiroidismo

Demncia associada a VIH

Sintomas constitucionais
(febre, perda de peso)

Linfoma, TB

MAC, VCM, histoplasmose,


VIH, Cryptococcus,
Pneumocystis, linfoma

Condies clnicas
Sistema nervoso central

Histria relacionada com a infeco por VIH contagem de linfcitos T


CD4+, doenas definidoras de sida.
Cuidados assistenciais local de prestao de assistncia mdica, testes
tuberculina, teste de Papanicolau, vacinaes (VHA e VHB, gripe, pneumoccica e ttano).
Histria pregressa doenas cardiovasculares e respectivos riscos (obesidade, tabaco, hipertenso, diabetes e dislipidemia), pulmonar, renal, cutnea, heptica, neurolgica, urolgica, ginecolgica, gastrintestinal, intervenes cirrgicas e hospitalizaes.
Condies relevantes correlacionadas com a infeco por VIH exposio ao bacilo de Koch/risco; varicela e zona; infeces sexualmente transmitidas; hepatites A, B e C; histria ginecolgica/obsttrica; alcoolismo, toxicodependncia.
Medicaes para VIH, para outras doenas e respectiva adeso.
Reviso dos sistemas:
Constitucional perda de peso, febre, suores nocturnos e fadiga.
Gastrintestinal anorexia, disfagia, nuseas, vmitos, diarreia e dor
abdominal.
Cardiopulmonar dor torcica, dispneia e tosse.
Neurolgico cefaleias, astenia, dor nas extremidades, modificaes do
estado mental e parestesias.
Vrias exantema, insnias, adenopatia e perturbaes visuais.
A observao do doente deve, obrigatoriamente, incluir a orofaringe, o
sistema ganglionar perifrico, a pele, o corao, os pulmes, o abdmen, o
sistema urogenital e o sistema nervoso.
Testes laboratoriais serologia para VIH (confirmar resultados anteriores por
documentao de serologia positiva, diagnstico de doena associada sida ou
nveis detectveis de ARN-VIH); hemograma; contagem de linfcitos T CD4+ T
CD8+; quantificao da carga vrica ARN-VIH; funes renal e heptica; serologia
215

F. Antunes, M. Doroana

da toxoplasmose; radiograma do trax; Mantoux (a no ser que haja informao


de tuberculina positiva ou histria de tuberculose); VDRL; perfil lipdico e da
glicose em jejum, antes do incio da TARVc; serologia das hepatites (AgHBs, anti-HBs, anti-HBc e anti-VHC); teste de Papanicolau; urina II. Os testes seguintes so
opcionais serologia de vrus citomeglico (VCM), anti-VHA, glucose-6-fosfatodesidrogenase (africanos e homens originrios da bacia mediterrnica).
Actualmente, para alm dos testes referidos recomenda-se a avaliao do
risco cardiovascular, de fractura ssea ( 50 anos) e densitometria mineral
ssea (homens 70 anos e mulheres 65 anos). Antes do incio da TARV
deve incluir-se o teste HLA-B5701 [considerando o uso do abacavir (ABC)] e
um teste de tropismo no caso da utilizao dos inibidores do co-receptor
CCR5.
Testes sequenciais quantificao da carga vrica (ARN-VIH), confirmada,
sempre que possvel, duas a quatro semanas depois e, em seguida, de trs
em trs ou de quatro em quatro meses, se estvel ou, com maior frequncia,
por exemplo um ms aps o incio da TARV ou quando houver modificaes
desta; linfcitos T CD4+ T CD8+, de trs em trs ou de seis em seis meses;
VDRL e teste de Papanicolau, anualmente; perfil de lpidos e glucose em
jejum, de trs em trs ou quatro em quatro meses (aps incio da TARVc, o
aumento dos triglicridos, glucose e colesterol pode ser identificado a partir
dos trs meses; as modificaes da distribuio da gordura observam-se, em
regra, a partir dos seis-12 meses); hemograma, como componente da contagem de linfcitos T CD4+, na mesma periodicidade.
Consultas (opcionais) Psiquiatria e Psicologia; Obstetrcia e Ginecologia; Oftalmologia (se possvel para todos os indivduos com linfcitos T
CD4+ < 100/mm3 de seis em seis meses).
Vacinas:
Antipneumoccica recomendada para doentes com linfcitos T CD4+
> 200/mm3 e considerada naqueles com < 200/mm3 e, ainda, para aqueles
com vacinao prvia com 5 anos.
Gripe recomendada, mas com eficcia reduzida naqueles com linfcitos T CD4+ < 200/mm3 e revacinar, anualmente, em Outubro-Novembro.
Anti-VHB recomendada para aqueles com anti-HBc ou anti-HBs.
Anti-VHA recomendada para todos em risco (anti-VHA) e com infeco crnica por VHC.
Ttano reforo de 10 em 10 anos.

6. Animais de companhia, alimentos, viagens e profisso


Animais de companhia
Os animais de companhia podem ser portadores de microrganismos que
causam diarreia nos doentes, particularmente Cryptosporidium, Campylobacter
216

Infeco VIH-sida

e Salmonella. Os gatos so transmissores da toxoplasmose e de Bartonella,


responsvel pela doena da arranhadela do gato, bem como de agentes
causadores de diarreia. Bartonella transmitida pela arranhadela ou pela
mordedura dos gatos, devendo tal ser evitada, mas, desde que tal acontea,
a ferida deve ser, de imediato, cuidadosamente limpa. Quanto aos pssaros,
podem ser responsveis por transmisso de criptococos, os rpteis de Salmonella e, em relao aos peixes, os aqurios devem ser limpos, usando luvas,
dado o risco de exposio a Mycobacterium marinum. Os macacos devem ser
excludos como animais de companhia.

Alimentos
O maior risco relacionado com os alimentos e lquidos a transmisso de
agentes infecciosos responsveis por diarreia. Vrios so os microrganismos,
causadores de diarreia, mas os mais importantes so Cryptosporidium e Salmonella. Salmonella est presente, com frequncia, nos ovos e nas aves de
abate e a carne mal cozinhada pode ser responsvel pela transmisso de Toxoplasma. Os infectados por VIH devem ser avisados para no beberem gua,
directamente, de lagos ou de rios, dado o risco de se infectarem por Cryptosporidium. Desde que no haja qualquer aviso, recomendando a fervura
da gua, para eliminar o risco da criptosporidiose, no necessria qualquer
precauo neste sentido, por parte dos infectados por VIH.

Viagens
O grande risco, para aqueles que viajam para pases em vias de desenvolvimento, correlaciona-se com os microrganismos veiculados pelos alimentos e pela gua. Assim, devem ser evitadas a fruta e os vegetais, o marisco
e a carne crus ou mal cozinhados, gua da torneira, gelo, leite no pasteurizado, bem como os derivados do leite. Os antibiticos para prevenir as
infeces, durante as viagens a pases em vias de desenvolvimento, no
esto recomendados, mas tal pode ser excepo para os infectados por VIH.
O trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) utilizado por alguns doentes
para prevenir a pneumonia por Pneumocystis jirovecii, devendo ser recomendada a sua interrupo no caso de se instalar um quadro de febre e exantema. No caso da diarreia, os doentes, quando no disponham de assistncia mdica imediata, podem automedicar-se com loperamida, e se aquela
for sanguinolenta ou acompanhada por febre podem associar uma fluoroquinolona.
As vacinas so obrigatrias ou recomendadas para viajantes (Quadro 7).
Os infectados por VIH devem, em regra, evitar as vacinas preparadas a partir
217

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 7. Vacinas para viajantes


Doena

Aceitvel

Evitvel

Comentrios

Poliomielite

Polio inactivada (VIP)

Polio oral (VOP)

Os contactos prximos devem


ser tambm vacinados com
VIP

Hepatite A

Vacina VHA

Vacina viva; usar g-globulina

Febre tifide

Inactivada, injectvel

Vacina viva oral

Febre amarela

Vacina

Avisar os doentes do risco, das


medidas para evitar as picadas
dos mosquitos e da
necessidade de se fazerem
acompanhar de documento
comprovativo da contraindicao da vacinao

de vrus vivos. No que se refere vacina contra a febre tifide deve ser
recomendada a vacina inactivada injectvel, em vez da vacina viva, por via
oral. Para a febre amarela, a vacina viva no deve ser administrada aos infectados por VIH, por razes de segurana; se houver necessidade de viajar
para uma rea endmica de febre amarela, o viajante deve fazer-se acompanhar de um documento, passado pelo seu mdico assistente, referindo a
contra-indicao para a vacinao e deve evitar as picadas de mosquitos. As
vacinas mortas no constituem qualquer problema, como o caso da vacina
contra a difteria e contra o ttano.
Os viajantes devem estar avisados do risco particular que correm em relao a algumas doenas infecciosas, quando visitam determinadas regies.
A tuberculose tem taxas de prevalncia muito elevadas, na maioria dos pases em vias de desenvolvimento, e o risco do infectado por VIH adoecer
100 vezes superior ao do indivduo no infectado. A malria, apesar de no
se considerar doena com caractersticas particulares nos infectados por VIH,
pela sua frequncia e gravidade, deve ser prevenida pela quimioprofilaxia
e evitando a picada de insectos. A leishmaniose visceral (Kala-azar), que
transmitida pela picada da mosca da areia (flebtomo), pode constituir-se
como um problema importante de sade para aqueles que viajem para a
Amrica Central e do Sul, sia, frica e pases da bacia mediterrnica, incluindo Portugal. O mesmo acontecendo relativamente a Penicillium marneffei para quem viaje para a sia (Tailndia, Hong Kong, China, Vietname e
Indonsia).
Apesar disto, considera-se que viajar, mesmo para indivduos em estdios
avanados da infeco por VIH, no constitui um risco acrescido, desde que
medidas simples de precauo sejam adoptadas.
218

Infeco VIH-sida

Riscos ocupacionais
Os maiores riscos ocupacionais para os infectados por VIH relacionam-se
com as instituies de sade, creches e profisses que requeiram contacto
com animais. Nos estabelecimentos de sade, o maior risco a tuberculose,
nas creches a criptosporidiose, a hepatite A, a giardiose e a infeco por VCM
e para os que contactam com animais a criptosporidiose, a toxoplasmose,
as salmoneloses e, ainda, as infeces por Campylobacter e Bartonella. No
h qualquer evidncia de que as actividades ocupacionais referidas justifiquem mudana profissional, sendo, apenas, recomendado que os tcnicos
estejam avisados do risco e das medidas de precauo a adoptar.

7. Diagnstico laboratorial
Os testes laboratoriais essenciais esto referenciados no quadro 8, sendo
utilizados para:
Confirmar a infeco por VIH.
Estadiar a doena.
Identificar infeces latentes, por forma a estabelecer estratgias para
o respectivo tratamento e profilaxia.
Determinar o respectivo estado geral de sade.

Serologia para VIH


As recomendaes para rastrear atravs de testes serolgicos anti-VIH
esto resumidas no quadro 9. A metodologia utilizada no estudo serolgico
para VIH , em primeira mo, um teste de rastreio, isto um enzyme-linked
immunoabsorvent assay (ELISA) e, se positivo, a confirmao atravs do
Western blot.
A sensibilidade e a especificidade dos testes rondam, respectivamente,
99,3 % e 99,7%. A taxa de resultados falsos positivos, com ELISA e Western
blot, de 0,0007% e de falsos negativos de, respectivamente, 0,3% e 0,001%,
conforme se trate de uma populao de risco elevado (toxicoflicos de drogas
por via endovenosa) ou de risco inferior (dadores de sangue). A causa mais
frequente de resultados falsos positivos verifica-se para os testes que se realizam no intervalo de tempo que decorre entre a transmisso e a seroconverso, o qual no ultrapassa, em regra, os trs meses. Outras causas de
resultados falsos negativos so a agamaglobulinemia ou a infeco por estirpes de VIH antigenicamente distintos, tais como VIH-2 ou o subtipo O de
VIH-1. Dada a elevada prevalncia da infeco VIH-2 em Portugal (4,5%),
os testes ELISA utilizados entre ns incluem antignios para VIH-1 e VIH-2.
219

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 8. Testes complementares essenciais na avaliao dos infectados por VIH


Teste

Frequncia

Serologia VIH

Uma vez

Hemograma

Todos os 3-6 meses

Contagem de T CD4+

Todos os 3-6 meses

Carga vrica ARN-VIH

Todos os 3-4 meses e s 4-8 semanas, aps nova TARVc

Bioqumica do soro

Todos os 3-4 meses (incluindo a taxa estimada de filtrao glomerular)

Urina II

Todos os 12 meses (se tenofovir, todos os 3-6 meses)

Anti-VHC e AgHBs

De incio e quando das aminotransferases

IgG antitoxoplasma*

Uma vez

Papanicolau

De incio, aos seis meses e depois uma vez por ano

VDRL

Uma vez por ano

HLA-B5701

Uma vez

Testes de tropismo de Antes de MVC


co-receptor
*Todos os infectados devem ser rastreados e repetir se T CD4+ < 100/mm3 sem profilaxia com TMT-SMX, e
sintomas sugestivos de toxoplasmose.
Antes do incio da teraputica com regimes em que se inclua o ABC. Aos doentes com teste positivo no
se deve prescrever ABC.
Apenas naqueles doentes que albergam o vrus R5 (utilizam o receptor CCR5) que se pode utilizar a
teraputica com maraviroc (MVC).

Quadro 9. Recomendaes para rastrear com testes serolgicos anti-VIH


1. Indivduos com doenas sexualmente transmitidas.
2.Indivduos de risco elevado, tais como toxicoflicos de drogas por via endovenosa,
homens homo ou bissexuais, hemoflicos, parceiros sexuais destes indivduos infectados
por VIH.
3.Indivduos que se considerem eles prprios de risco e que desejem ser rastreados.
4.Mulheres de risco em idade gestacional, tais como toxicoflicas de drogas por via
endovenosa, prostitutas, parceiras sexuais de homens toxicoflicos de drogas por via
endovenosa, bissexuais ou infectados por VIH e, ainda, vivendo em comunidades ou
nascidas em pases com elevada prevalncia de infeco por VIH, ou transfundidas entre
1978 e 1986.
5.Grvidas.
6.Doentes com dados clnicos ou laboratoriais sugestivos de infeco por VIH, tais como
adenomegalias generalizadas, demncia sem causa aparente, febre ou diarreia de
evoluo arrastada, perda de peso ou doenas que se associam infeco por VIH, tais
como herpes crnico ou generalizado, candidose, tricoleucoplasia da lngua, outras
infeces oportunistas sugerindo imunodeficincia celular, sem causa aparente, assim
como tumores oportunistas, incluindo o SK e o linfoma de Burkitt, especialmente se
extraganglionar e agressivo, para alm de citopenia (anemia, leucopenia ou
trombocitopenia) e doenas neurolgicas sem razo aparente (sndrome de GuillainBarr, meningite assptica ou neuropatia perifrica).
7. Doentes com tuberculose.
8.Trabalhadores de sade expostos ao sangue ou a fluidos orgnicos, tais como esperma,
secrees vaginais, lquido cefalorraquidiano, lquido sinovial, lquidos pleural,
peritoneal, pericrdico ou amnitico ou, ainda, expostos a culturas de VIH ou VIS.
9. Dadores de sangue, esperma e rgos (teste obrigatrio).

220

Infeco VIH-sida

Os testes de rastreio ELISA para VIH-1 so positivos em 70-80% dos indivduos infectados por VIH-2, porm o Western blot para VIH-1 indeterminado ou
negativo para VIH-2, na maioria dos casos, pelo que se utiliza, por rotina, o
Western blot que discriminatrio para VIH-1 e VIH-2. Testes serolgicos de
repetio, com periodicidade (com seis ou 12 meses de intervalo), so recomendados para indivduos com resultados negativos, que mantm comportamentos de risco. A causa mais comum de resultados indeterminados relaciona-se com um ELISA positivo e, apenas, a presena de uma banda, em
regra p24, no Western blot. Este efeito pode reflectir uma seroconverso
em curso, pelo que o teste deve ser repetido trs a quatro meses mais tarde.
Indivduos sem comportamentos de risco, com resultados indeterminados,
em regra, nunca foram infectados, sendo estes efeitos de causa desconhecida. Nestes casos, por forma a excluir hiptese muito remota de infeco por
VIH, pode-se processar um teste qualitativo de determinao do ADN-VIH
por PCR ou, ento, se bem que menos sensvel, um teste quantitativo de
ARN-VIH, de igual modo por PCR. A presena de viremia pode ser, tambm,
determinada pela identificao do antignio p24 por ELISA, se bem que a
PCR seja mais sensvel, dado que se positiva trs a cinco dias mais cedo e,
por outro lado, o teste para o antignio p24 pode negativar-se, rapidamente,
pela formao de complexos antignio-anticorpo.

Hemograma
O hemograma um exame essencial para qualquer avaliao complementar, em especial nos infectados por VIH, dado que a anemia, a leucopenia e a trombocitopenia so complicaes frequentes. Este teste deve ser
repetido cada trs ou seis meses, associado contagem de linfticos T CD4+
e, com maior frequncia, se houver registo de anemia, neutropenia ou trombocitopenia.

Contagem de linfcitos T CD4+


A contagem de linfcitos T CD4+ um teste essencial para avaliao de
qualquer infectado por VIH, para estabelecer o estdio da doena, para
decidir sobre a TARV e para determinar a profilaxia das infeces oportunistas. Os valores mdios dos linfcitos T CD4+, em indivduos saudveis,
variam entre 800-1.050/mm3. Estes valores flutuam, substancialmente, tendo em considerao a tcnica em si prpria, as modificaes durante o dia
e, ainda, a possvel influncia das doenas intercorrentes. Por forma a reduzir as variaes, deve ser utilizado o mesmo laboratrio, as colheitas devem
ser feitas em momentos de estabilidade clnica e, ainda, deve ser mantido o
221

F. Antunes, M. Doroana

mesmo horrio daquelas. Os valores das percentagens dos linfcitos T CD4+,


comparativamente com os valores absolutos, esto menos sujeitos a variaes. A correspondncia entre valores absolutos e percentuais de linfcitos
T CD4+ a seguinte:
Linfcitos T CD4+
Valores absolutos
> 500/mm3
200-500/mm3
< 200/mm3

Valores percentuais (%)


29
14-28
< 14

A infeco aguda por VCM, por VHB, a tuberculose, algumas infeces


bacterianas e a grande cirurgia causam diminuio discreta na contagem dos
linfcitos T CD4+. A administrao de corticides (numa dose nica elevada)
tem profundo efeito na contagem de linfcitos T CD4+, com diminuio de,
por exemplo, 900 para < 300/mm3, sendo este efeito muito menos acentuado, quando da sua administrao por perodos prolongados.
Valor de linfcitos T CD4+ de 500/mm3 representa diminuio substancial
da competncia imunitria, com 350/mm3 o compromisso do sistema imunitrio grave, valor de 200/mm3 indica a necessidade de profilaxia da pneumonia por Pneumocystis jirovecii e, abaixo de 100/mm3, existe risco acrescentado da ocorrncia da maioria das infeces oportunistas. Quando no
existe a possibilidade de se conseguir a contagem dos linfcitos T CD4+, pode
considerar-se que a contagem de linfcitos totais abaixo de 1.000/mm3 ,
fortemente, sugestiva de valores de linfcitos T CD4+ abaixo de 200/mm3.

ARN-VIH quantitativo
A quantificao do ARN-VIH (carga vrica) revolucionou o conhecimento
da histria natural da infeco por VIH e a monitorizao da TARV. Assim,
a infeco aguda sintomtica est associada a valores elevados de ARN-VIH
( 106 cpias/ml), aps o que estes valores diminuem rapidamente, estabilizando-se num ponto de equilbrio (set point), dos quatro aos seis meses. Este
valor , em regra, relativamente estvel durante anos, com aumento de 7%
em mdia, por ano, nos doentes aos quais no prescrita TARV. A carga
vrica correlaciona-se, directamente, com a percentagem de doentes com
progresso clnica, baseada na descida dos linfcitos T CD4+, com o tempo
para a ocorrncia de uma doena associada sida e, ainda, com a sobrevivncia (Quadro 10).
Nos doentes submetidos a TARV, verificam-se duas curvas de descida:
A a, que se constata das duas s quatro semanas, aps o incio do tratamento, reflectindo a diminuio de ARN-VIH livre no plasma e de VIH nos
linfcitos T CD4+ produtivamente infectados.
222

Infeco VIH-sida

Quadro 10. Correlao entre os valores da carga vrica, risco de evoluo para sida
e para a morte, sobrevivncia e descida dos linfcitos T CD4+
Risco relativo
Carga vrica (cpias/ml)

sida

morte

Sobrevivncia (mediana)

Descida T CD4+

< 500

1,0

1,0

> 10 anos

36

500-3.000

2,4

2,8

> 10 anos

45

3.000-10.000

4,4

5,0

> 10 anos

55

10.000-30.000

7,6

9,9

7,5 anos

65

> 30.000

13,0

18,5

4,4 anos

76

A b, corresponde descida mais modesta do que a a e regista-se dos


quatro aos seis meses depois, exprimindo o efeito antivrico nos linfcitos T
CD4+ latentemente infectados, nos macrfagos e, ainda, sobre VIH libertados
das clulas dendrdicas foliculares.
Estes dados mostram que o impacto da TARV pode ser determinado das
duas s quatro semanas e o resultado final pode ser avaliado dos quatro aos
seis meses.
Alguns factores podem condicionar o aumento da carga vrica, tais como:
Doena progressiva.
Intercorrncia infecciosa (por exemplo, tuberculose e pneumonia bacteriana).
Imunizao (nas primeiras duas a quatro semanas).
Insucesso da TARV.
O teste de ADN provrico , principalmente, utilizado em duas circunstncias:
Em adultos para confirmao do diagntico da infeco por VIH, quando
a serologia ambigua e o ARN-VIH indetectvel.
Em recm-nascidos de mes seropositivas para VIH.

Testes de resistncia
Os testes de resistncia possibilitam in vitro avaliar a sensibilidade das
estirpes de VIH aos anti-retrovricos (ARVs), dispondo-se para tal de testes de
genotipagem e de fenotipagem.
Testes de genotipagem estes testes avaliam as mutaes nos genes
das enzimas transcriptase reversa, protease e integrase. As mutaes
so referenciadas por letra-nmero-letra, sendo que a primeira letra
indica o amino-cido do respectivo codo, da estirpe selvagem do vrus,
o nmero o codo e a segunda letra refere o amino-cido substituto.
223

F. Antunes, M. Doroana

Testes de fenotipagem estes testes so similares aos utilizados in vitro


para avaliar a susceptibilidade das bactrias aos antibiticos, sendo os resultados
referidos como IC50 e IC90, indicando as concentraes dos ARVs necessrias
para inibir 50 e 90%, respectivamente, das estirpes vricas.
As limitaes dos testes de resistncia so:
Determinao, apenas, da sensibilidade das estirpes VIH dominantes, as
restantes presentes (< 20%) no so estimadas, pelo que estirpes resistentes
podem no ser identificadas e, sendo assim, definem melhor os ARVs que
no so eficazes do que aqueles que o so.
Impossibilidade da realizao dos testes em amostras com carga vrica
< 1.000 cpias/ml.
Dificuldade na interpretao dos resultados. De acentuar, que os resultados so vlidos, apenas, quando as amostras so colhidas enquanto os doentes
esto sob a aco da TARV, presumivelmente ineficaz.
Os testes de resistncia esto indicados em:
Indivduos com infeco aguda sintomtica ou quando da seroconverso, permitindo, assim, optimizar a teraputica numa altura em que a resistncia da estirpe transmitida , ainda, possvel de avaliar.
Indivduos com falncia TARV, condio esta em que, at ao momento,
foi comprovado o benefcio do recurso aos testes de resistncia.
Indivduos considerados como presumvel fonte de infeco para trabalhadores de sade, com exposio ocupacional a VIH, sendo o objectivo seleccionar o esquema de profilaxia mais adequado, porm a informao do
resultado no est disponvel em tempo til, no perodo crtico (uma a duas
horas aps a exposio).
Mulher grvida, para possibilitar o recurso ao esquema de TARV, por
forma a reduzir o risco de transmisso me-filho, sendo de notar que a
maioria do benefcio relacionado com a utilizao de zidovudina (AZT) no
est relacionado com o respectivo efeito antivrico. Os testes de resistncia
no esto indicados em indivduos com infeco crnica, nos quais predominam
as estirpes selvagens de VIH, as quais so sensveis aos ARV.
Em Portugal a prevalncia da resistncia aos ARVs, em infectados no
tratados previamente (nave) de 8,6%10. A resistncia transmitida est associada, principalmente, aos inibidores da transcriptase e da protease, no
entanto, vem emergindo a resistncia ao inibidor da integrase.

Serologia da sfilis
Os testes de rastreio (VDRL) devem ser includos nos exames complementares requeridos na avaliao inicial, devendo ser repetidos anualmente nos
indivduos em fase sexual activa. Resultados falsamente negativos e positivos
tm sido referidos em indivduos com infeco por VIH. A positividade para
224

Infeco VIH-sida

um teste no-treponmico (VDRL) obriga confirmao com um teste treponmico [Treponema pallidum hemaglutination assay (TPHA)].

Testes de bioqumica
Os testes de bioqumica ao sangue e a anlise urina so indispensveis
na avaliao inicial dos infectados por VIH, dado o risco de poderem estar
em curso outras doenas intercorrentes, servindo, tambm, de valores de
base para reconhecer complicaes futuras potenciais multissistmicas e iatrogenia induzida pela medicao. Os testes essenciais so os das funes
heptica e renal e, ainda, a glicemia e o perfil lipdico.

Serologia das hepatites


Nos indivduos candidatos vacinao anti-VHB til a avaliao do
respectivo estado imunitrio, utilizando, apenas, um dos marcadores, isto ,
o anti-HBc, dado que este teste custo-efectividade vantajoso, visto que o
seu preo de, aproximadamente, uma dcima parte do da vacina.
Nos indivduos com alteraes das aminotransferases mandatria a excluso de co-infeco por VHB ou VHC, sendo para VHB o AgHBs o mais apropriado. Para VHC, dado que o anti-VHC no distingue a infeco aguda da crnica
ou da cura, torna-se indispensvel o recurso a um teste para quantificao de
ARN-VHC, indispensvel, tambm, para os candidatos teraputica anti-VHC,
em conjuno com as aminotransferases, biopsia heptica e teste de genotipagem (os portadores do gentipo 1, presente em 70% dos casos de infeco crnica por VHC, respondem pior a teraputica do que os gentipos 2 e 3).

Serologia da toxoplasmose
O teste IgG antitoxoplasma deve fazer parte da avaliao inicial, por
forma a:
Identificar os indivduos com infeco crnica, candidatos profilaxia
antitoxoplasma, que no o cotrimoxazol (utilizado na profilaxia anti-Pneumocystis jirovecii), em indivduos com linfcitos T CD4+ < 100/mm3.
Facilitar o diagnstico de toxoplasmose do sistema nervoso central (SNC)
em indivduos reconhecidos, previamente, como no infectados por Toxoplasma gondii ou sem serologia anterior.
Os indivduos sem anticorpos antitoxoplasma devem ser avisados, no
sentido de no se alimentarem de carne mal cozinhada e de evitarem o
contacto com as fezes dos gatos. Em Portugal, a seroprevalncia dos anticorpos antitoxoplasma de, aproximadamente, 60%.
225

F. Antunes, M. Doroana

Serologia para vrus citomeglico


A serologia para VCM tem relativo interesse para o diagnstico diferencial
de doena por VCM, candidatos a profilaxia anti-VCM (se bem que no seja
recomendao habitual) e, ainda, para identificar os candidatos a transfuses
de sangue com filtrao dos leuccitos.

Teste de Mantoux
Nos EUA, o CDC recomenda o teste de rotina com derivado proteico purificado (PPD), na dose de 5 UI, devendo ser avaliado o resultado s 48-72 h,
sendo a definio de positividade para leituras de 5 mm de incubao. Em
pases, como Portugal, com percentagem elevada de indivduos com BCG,
com prevalncia alta de tuberculose e, ainda, com os resultados comprometidos pela imunodeficincia induzida pela infeco por VIH, a realizao do
teste de rotina com PPD controversa. A sensibilidade do teste de Mantoux
pode ser melhorada com testes para a deteco de interfero (INF) g produzido pelos linfcitos T CD4+, quando em presena de protenas produzidas
pelas micobactrias.

Teste de Papanicolau
Recomendado pelo CDC, nos EUA, deve ser feito a todas as mulheres na
avaliao inicial, seis meses depois e, posteriormente, de ano a ano. O cancro
anal, particularmente em homossexuais, tem aumentado nos ltimos anos,
apesar da TARV. No entretanto, a citologia anal para rastreio por rotina da
neoplasia anal intra-epitelial no , ainda, recomendada.

Radiograma do trax
O radiograma do trax recomendado como exame complementar inicial
em indivduos com risco elevado de desenvolverem, mais tarde, doena pulmonar (por exemplo, tuberculose e pneumonia bacteriana) (Quadro 11).

Perfil lipdico e glucdico


Os doentes candidatos a TARVc devem ser sujeitos a uma avaliao inicial
de colesterol (HDL e LDL), de triglicridos e da glucose em jejum. Estes testes
devem ser repetidos de trs em trs ou de quatro em quatro meses.
226

Infeco VIH-sida

Quadro 11. Diagnstico diferencial das complicaes pulmonares fundamentado nos


achados do RX do trax
Apresentao RX

Hiptese de diagnstico

Infiltrados
reticulonodulares
difusos

Pneumocystis jirovecii, tuberculose miliar, virus citomeglico,


sarcoma de Kaposi, histoplasmose, leishmaniose visceral,
toxoplasmose, pneumonia intersticial linfide, coccidioidomicose

Ndulos

Tuberculose, criptococose, sarcoma de Kaposi, nocardiose

Adenopatia hilar

Tuberculose, criptococose, linfoma, sarcoma de Kaposi,


Mycobacterium avium complex, histoplasmose,
coccidioidomicose

Normal

Pneumocystis jirovecii, tuberculose, criptococose, Mycobacterium


avium complex

Consolidao*
Derrame

pleural

Cavitao

Bactria piognica, sarcoma de Kaposi, criptococose


Bactria piognica (Staphylococcus aureus, Streptococcus
pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa), tuberculose, sarcoma
de Kaposi, criptococose, Pneumocystis jirovecii, hipo-albuminemia,
mbolo sptico (toxicodependentes), insuficincia cardaca,
aspergilose
Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus pneumoniae, Klebsiella
spp, tuberculose, Mycobacterium kansasii, criptococose,
histoplasmose, aspergilose, coccidioidomicose, R. equi, bactrias
anaerbicas, Staphylococcus aureus (toxicodependentes),
nocardiose

*Raro nocardiose, tuberculose, Mycobacterium kansasii, Bordetella bronchiseptica.


Raro Rhodococcus equi, histoplasmose, coccidioidomicose, leishmaniose visceral, linfoma, Mycobacterium
avium complex, nocardiose, toxoplasmose
Raro Legionella, Pneumocystis jirovecii, linfoma, Mycobacterium avium complex.

Glucose-6-fosfatodesidrogenase (G6FD)
A deficincia em G6FD gentica e predispe a anemia hemoltica, em
indivduos expostos a frmacos oxidantes. Na maioria dos casos, a hemlise
moderada e autolimitada, dado que, apenas, os glbulos vermelhos mais
velhos so envolvidos no processo. A dapsona, a primaquina e, com menos
frequncia, as sulfonamidas so os mais responsveis pela hemlise.

8. Manifestaes clnicas associadas infeco


por VIH e sida
Anomalias hematolgicas
Aproximadamente 93% dos doentes com sida tm anemia, cerca de 12%
leucopenia e de 20% neutropenia e, aproximadamente, 75% linfopenia. A
anemia na sida , quase sempre, multifactorial, por dieta inadequada, por
227

F. Antunes, M. Doroana

debilidade geral, por m absoro ou, ainda, por perdas gastrintestinais (por
exemplo no caso de SK digestivo). Alguns frmacos, como a AZT e o ganciclovir (particularmente, quando administrados em conjunto) podem exacerbar a anemia induzida por VIH, o mesmo acontecendo com o cotrimoxazol,
quando prescrito durante longo perodo de tempo (para obstar a este risco
deve ser acompanhado com cido folnico). A pancitopenia pode ser causada
por disfuno da medula ssea, por medicamentos, pela infeco por VIH,
por infeces oportunistas (Leishmania e micobactrias) ou, ainda, por infiltrao tumoral. A forma idioptica de trombocitopenia, associada infeco
por VIH, no rara, principalmente na fase inicial da infeco por VIH. Hemorragias importantes so pouco frequentes, mesmo naqueles casos em que
a contagem de plaquetas < 20 x 109/l. Na ausncia de hemorragia prope-se no intervir. No caso de hemorragias graves, a transfuso de plaquetas e
a administrao de doses elevadas de imunoglobulina (0,5 mg/kg) esto indicadas, sendo esta, no entanto, menos eficaz quando a causa por falncia
da eritropoiese. A trombocitopenia associada infeco por VIH de evoluo crnica, sendo as transfuses de plaquetas de efeito transitrio, respondendo alguns doentes aos corticides, g-globulina, ao danazol, ao INF
ou esplenectomia, para alm do reconhecido efeito benfico do AZT11.

Pneumonia
A pneumonia por Pneumocystis jirovecii constitui a apresentao inicial
da sida em 60% dos doentes, ocorrendo em 85% dos doentes nos EUA12. Os
sintomas mais frequentes so insuficincia respiratria, tosse seca, perda
de peso e febre (Fig. 4). O radiograma do trax mostra infiltrados intersticiais bilaterais, podendo, no entanto, apresentar outros padres radiolgicos e, mesmo, aquele ser normal. O diagnstico confirmado pela presena do parasita na expectorao induzida, no lavado bronco-alveolar ou na
biopsia pulmonar. Outras causas de complicaes pulmonares associadas
infeco por VIH so a tuberculose, as infeces respiratrias por Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumonia e VCM, para alm do SK. O
tratamento e a profilaxia das complicaes pulmonares esto referidos no
quadro 12.

Manifestaes cutneas
O SK representa 15% dos casos associados ao diagnstico de sida e 8%
dos doentes tm SK associado a infeco oportunista. As leses de SK tm
colorao castanha-arroxeada, so circulares e papulares, com dimetro de
0,5 a 1,0 cm (por vezes as leses tm dimenses maiores e podem tornar-se
228

Figura 4. Algoritmo de complicaes pulmonares (tosse, febre e dispneia).

Infeco VIH-sida

229

F. Antunes, M. Doroana

confluentes). O SK deve ser considerado, logo de incio, como mltiplo, mesmo


se, apenas, uma leso tiver sido observada, dado que alguns rgos internos
podem estar envolvidos no processo (excepto, curiosamente, o crebro). As
leses de SK nas regies expostas do corpo podem ser, esteticamente, embaraosas e as do tubo digestivo, dos brnquios e, ainda, as que causam
bloqueio drenagem linftica podem ser problemticas. O SK pode responder TARV, com remisso completa das leses. Alm da TARV, o tratamento
fundamenta-se nas mscaras cosmticas, na exrese cirrgica, na criocoagulao, na alitretinona tpica ou vincristina intralesional13. No caso de leses
mltiplas ou sintomticas, a quimioterapia sistmica est, ento, indicada,
com vincristina associada bleomicina, para alm da doxorrubicina lipossmica b. Dado que vrus herpes humano tipo 8 (VHH-8) foi, recentemente,
identificado como o agente causal do SK, tal poder vir a ter implicaes
futuras no respectivo tratamento. Outras manifestaes cutneas, relativamente comuns, so herpes simplex (principalmente o genital), a zona, o molusco
contagioso, a sarna, para alm das dermatoses no infecciosas (doenas
eritematodescamativas e dermatoses reaccionais a medicamentos e erupes papulares)14.

Retinite
As manchas algodonosas, de etiologia desconhecida, podem aparecer,
transitoriamente, e o prprio VIH pode causar exsudado, com aspecto de
cera e micro-aneurismas, para alm das hemorragias. A infeco por VCM
a causa mais importante de problemas visuais, podendo, as imagens retineanas, ser semelhantes a incndio na floresta, molho de tomate e queijo de
coalho. Se no tratadas, podem evoluir para leses bilaterais em 60% dos
casos. A retinite por VCM pode progredir to rapidamente que a atitude de
expectativa pode levar amaurose uni ou bilateral. O tratamento e a profilaxia em uso para a retinite por VCM esto referidos no quadro 12. Pneumocystis jirovecii pode causar exsudados mltiplos, com evidncia mnima de
inflamao, vrus do herpes simplex ou do zster podem ser responsveis por
necrose da retina, o mesmo acontecendo infeco por Toxoplasma gondii;
todavia, neste caso, as hemorragias so pouco frequentes, sendo as outras
causas de retinite as infeces por micobactrias e os fungos.

Sistema nervoso central


A infeco por Cryptococcus neoformans a causa mais frequente de
meningite em doentes com sida, sendo o incio insidioso, com cefaleias, febre
e sinais menngeos. O diagnstico confirmado por puno lombar, com
230

Clotrimazol creme 7-14 dias ou cp. vaginais 100


mg/d x 7 dias ou 100 mg 2x/d x 3 dias ou 1
toma de fluconazol 150 mg

Fluconazol 200-400 mg/d x 15-21 dias

Vaginite

Esofagite

Anfotericina B lipossmica 5 mg/kg/d e.v.


(4-6 sem) e depois itraconazol 200 mg
2-3x/d oral (12 meses)

Anfotericina B 0,5-1 mg/kg/d e.v. x 2 sem, depois Anfotericina B 1 mg/kg e.v. (1-2x/sem)
itraconazol 200 mg 2-3x/d (10 sem)
ou fluconazol 200 mg/d

Meningite

Penicillium marneffei

Formulaes lipdicas, liposmicas ou de


anfotericina B, caspofungina, micafungina
ou posaconazol

Fluconazol 200 mg/d ou anfotericina B 1


Anfotericina B lipossmica 3 mg/kg/d e.v.
(1-2 sem) e depois itraconazol 200 mg 2x/d oral mg/kg e.v. (1-2x sem)
(12 meses)

Voriconazol 6 mg/kg/d e.v. (12-12 h)


depois 4 mg/kg/d e.v. (12-12 h) ou 40 kg
(< 40 kg 100 mg de 12-12 h)

Fluconazol 400-800 mg/d e.v.


flucitosina 100 mg/kg/d x 6-10 sem

Itraconazol, posaconazol, caspofungina,


micafungina ou anfotericina B

Itraconazol, voriconazol

Regime alternativo

Infeco disseminada

Histoplasma

Infeco pulmonar/
sinusite

Aspergillus

Criptococcemia e/ou
meningite

Anfotericina B 0,7 mg/kg/d e.v.


flucitosina 100 mg/kg/d x 10-14 dias ou
anfotericina B lipossmica 4 mg/kg/d e.v.
flucitosina 100 mg/kg/d

No recomendada

Profilaxia

Cryptococcus

Fluconazol 100-200 mg/d

Orofarngea

Candida

Infeces fngicas

Regime preferido

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas

A TARVc melhora o prognstico

continua

O prognstico reservado sem reconstituio


imunitria

Aps a fase de induo fluconazol 200 mg/d at


T CD4+ 100, durante, pelo menos,
seis meses

A TARV previne as recadas (T CD4+ > 200)

Sem benefcios custo/efectividade, com risco de


resistncia aos azis

Tratar durante 10-14 dias, a TARV previne as


recadas

Comentrios

Infeco VIH-sida

231

232

Eritromicina 0,5 g de 6/6 h e.v. ou imipenem


0,5 g de 6/6 h e.v. + rifampicina 600 mg/d,
durante 2-4 semanas

Ciprofloxacina 400 mg 2x/d e.v. at apirexia,


depois ciprofloxacina 750 mg 2x/d x 14 dias

Penicilina G 2 milhes UI de 4/4 h e.v. ou


ampicilina 2 g de 6-6 h e.v. ou ceftriaxona 2
g/d e.v.

Rhodococcus equi

Salmonella

Streptococcus pneumoniae

Vancomicina 30-60 mg/kg/d e.v. (dividida em


2-3 doses) linezolida 600 mg 2x/d e.v.

Penicilina G benzatnica 2,4 milhes UI i.m.


em toma nica

Penicilina G benzatnica 2,4 milhes UI i.m. x 3


semanas

Penicilina G aquosa 3-4 milhes UI/d e.v. x


14-21 dias

Sfilis primria (cancro),


secundria (exantema,
linfadenopatia) e latente
recente (< 1 ano)

Latente tardia
(> 1 ano e LCR normal)

Neurossfilis

Treponema pallidum

Dicloxacilina 500 mg 4x/d x 7-14 dias

Foliculite/furuncolose

Bacteriemia e/ou
endocardite

Staphylococcus aureus

Claritromicina 500 mg 2x/d ou azitromicina 250


mg/d (3 meses)

Evolui espontaneamente para a cura


em 2-6 meses

Angiomatose bacilar

B. henseae ou B. quintana

Doena da arranhadela do
gato imunocompetentes

Bartonella henseae

Infeces bacterianas

Regime preferido

As recadas so frequentes, manter teraputica


oral (macrlido + rifampicina); vancomicina 2 g/d
em caso de recada, aps eritromicina +
rifampicina

Comentrios

Penicilina G procana 2,4 milhes UI/d i.m.


+ probenecid 500 mg 4x/d x 14 dias

Doxiciclina 100 mg 2x/d x 14 dias ou


tetraciclina 500 mg 4x/d x 14 dias

Eritromicina 500 mg 4x/d x 7-14 dias

Seguir as anteriores recomendaes de


monitorizao
continua

PL mandatria em sfilis latente tardia em VIH+

Se latente precoce, mandatrio PL para excluir


neurossfilis; monitorizar eficcia da teraputica
com VDRL (3, 6, 12 e 24 meses); repetir
teraputica se persistncia dos sinais clnicos, ttulo
VDRL 4x ou no 4x aos 3-6 meses

Em toxicodependentes com endocardite do


corao direito duas semanas de teraputica

As taxas de resistncia penicilina e aos


Eritromicina 500 mg de 6-6 h e.v. ou
azitromicina 500 mg/d e.v. ou clindamicina macrlidos so um problema
600 mg de 8-8 h e.v.

Azitromicina 1 g, depois 500 mg/d,


durante 7-14 dias

Ciprofloxacina 750 mg 2x/d

Eritromicina 500 mg 6x/d ou doxiciclina


100 mg 2x/d (3 meses)

Azitromicina 500 mg/d, depois 250 mg/d x


4 dias

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

F. Antunes, M. Doroana

TOD (toma observao directa)


RMP + ETB + PZA/d x 18 meses
( 12 meses aps baciloscopia negativa)

TOD
INH + ETB + PZA/d x 18 meses
( 12 meses aps baciloscopia negativa)

3 antibacilares activos contra estirpes


multirresistentes: INH + RMP + PZA + ETB ou
STM + 2.a linha (amicacina) + quinolona
(ciprofloxacina ou levofloxacina)

Resistente a INH

Resistente a RMP

Tuberculose multirresistente
(resistente a INH e RMP)

Claritromicina 500 mg 2x/d ou azitromicina 600


mg/d + ETB 15/25 mg/kg/d + RFB
300 mg/d

RMP + ETB + INH, durante 15-18 meses

(MAC ou MAI)

Mycobacterium kansasii

Mycobacterium avium
intracellulare complex

INH + RMP + PZA/dia x 2 meses e depois INH +


RMP durante mais 4-7 meses ou INH + RMP +
PZA + ETB ou SM/dia x 2 meses e depois INH +
RMP durante mais 4-7 meses

Sensvel a INH e RMP

Mycobacterium tuberculosis

Infeces bacterianas (Cont.)

Regime preferido

Se no houver resposta, acrescentar


sulfametoxazol (1 g 3x/d)

Claritromicina ou azitromicina + ETB +


RFB + 1 ou mais de entre: ciprofloxacina
750 mg 2x/d, amicacina 7,5-15 mg/kg/d
e.v.

Teraputica com observao directa (TOD):


INH + RMP + PZA + ETB ou STM/d x 2 sem
e depois 2-3 x/sem durante 6 sem, depois
INH + RMP 2-3 x/sem durante 6 meses
INH + RMP + PZA + ETB ou STM 3 x/sem
durante 6 meses

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

continua

Profilaxia com RFB 300 mg/d, claritromicina 500


mg 2x/d ou azitromicina 1200 mg/semana; tempo
mdio de negativao das hemoculturas de
4-16 semanas; a teraputica de manuteno
necessria com claritromicina ou azitromicina +
ETB 15 mg/kg/d

A durao da teraputica no conhecida

Antibacilares de 2.a linha:


cicloserina 500-750 mg/d
etionamida 500-750 mg/d
canamicina 15 mg/Kg/d IM/IV
ciprofloxacina 750 mg/d
levofloxacina 750 mg/d

A profilaxia da tuberculose com antibacilares


discutvel, estando apenas indicada em casos
pontuais.
INH (isoniazida) 300 mg/d
RMP (rifampicina) 600 mg/d
PZA (pirazinamida) 2 g/d
ETB (etambutol) 1.600 mg/d
STM (estreptomicina) 1.000 mg/d
como alternativa RMP, RFB (rifabutina) 300 mg/d

Comentrios

Infeco VIH-sida

233

234

Encefalite aguda

Pirimetamina 100-200 mg seguida de 50-100


mg/d + cido folnico 10 mg/d + sulfadiazina
4-8 g/d x 6 semanas

TMP-SMX 480 mg/d ou 960 mg 3x/semana

Profilaxia e teraputica de
manuteno

Toxoplasma gondii

Trimetoprim 15 mg/kg/d + sulfametoxazol


75 mg/kg/d oral ou e.v. x 21 dias, dividida em
3-4 tomas

Tratamento

Pneumocystis jirovecii

Infeces parasitrias

Regime preferido

Pirimetamina + cido folnico (nas doses


referidas) + clindamicina 900-1.200 mg de
6-6 h e.v. ou 300-450 mg de 6-6 h x 6
semanas; pirimetamina + cido folnico
(nas doses referidas) + azitromicina
1.200-1.500 mg/d ou claritromicina 1 g 2x/d
ou atovaquona* 750 mg/d; azitromicina
900 mg x 2 (1.o dia), depois 1.200 mg/d x 6
semanas (< 50 kg, da dose)

Dapsona 100 mg/d ou pentamidina


aerossolizada 300 mg/ms por nebulizador
Respigard II ou dapsona
50 mg/d + pirimetamina 50 mg/sem +
cido folnico 25 mg/sem ou dapsona 200
mg + pirimetamina 75 mg + leucovorina
25 mg/sem ou atovaquona 1.500 mg/d

Trimetoprim 15 mg/kg/d + dapsona


100 mg/d x 21 dias ou pentamidina
4 mg/kg/d e.v. x 21 dias ou clindamicina
600 mg de 8-8 h e.v. ou 300-450 mg de
6-6 h + primaquina 30 mg base/d
x 21 dias ou atovaquona* 750 mg
suspenso 2x/d x 21 dias ou trimetrexato
45 mg/m2 e.v. + cido folnico 20 mg/m2
oral ou e.v. de 6-6 h

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

continua

A resposta clnica teraputica verifica-se no


perodo de 1 semana e a melhoria na TAC e na
RMN s 2 semanas; os corticides esto indicados
em caso de edema significativo/efeito de massa

Histria de pneumonia por P. jirovecii e T CD4+ <


200/mm3; a profilaxia primria pode ser
descontinuada, quando sob TARV T CD4+ > 200/
mm3 6 meses; em caso de teraputica de
manuteno, nos doentes com resposta
semelhante TARV, a interrupo poder ser
segura, mas os dados no so suficientes;
TMP-SMX superior em eficcia para profilaxia,
quando comparado com dapsona ou pentamidina
aerossolizada; TMP-SMX previne a toxoplasmose
e as infeces bacterianas; dapsona e
pirimetamina so eficazes na preveno da
pneumonia por P. jirovecii e da toxoplasmose

A intolerncia ao TMT-SMX de 25-50%,


principalmente exantema febre; quadros graves
(PaO2 < 70 mmHg), juntar corticides
(prednisolona 40 mg 2x/d x 5 dias, depois
40 mg/d x 5 dias e depois 20 mg/d at completar
o tratamento)

Comentrios

F. Antunes, M. Doroana

TMP-SMX 480 mg/d

Nitazoxamida 500 mg 2x/d (3 dias em


imunocompetentes)
Tratamento sintomtico com antidiarreicos
(lomotil, loperamida, salicilato de bismuto)

Profilaxia

Cryptosporidium

Trimetropim + sulfametoxazol 2x/d (2 x 960 mg


2x/d ou 960 mg 3x/d) x 2-4 sem

TMP-SMX 960 mg x 3 sem

Infeco aguda

Teraputica supressiva
(manuteno)

Isospora

Pirimetamina 25-75 mg/d + cido folnico


10 mg/d + sulfadiazina 0,5-1 g/d

Teraputica de manuteno

Infeces parasitrias (Cont.)

Regime preferido

Pirimetamina 25 mg + sulfadoxina
500 mg/semana (Fansidar/semana)
ou pirimetamina 25 mg + cido folnico
5 mg/d

TMP-SMX 960 mg 3x/semana ou dapsona


50 mg/d + pirimetamina 50 mg/semana +
cido folnico 25 mg/semana ou dapsona
200 mg/semana + pirimetamina 75 mg/
semana + cido folnico 25 mg/semana

Pirimetamina 25-75 mg/d + cido folnico


10-25 mg/d + clindamicina 300-450 mg de
6-6 ou 8-8 h

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

A TARV a melhor opo

continua

Indicaes IgG antitoxoplasma positiva + T CD4+


< 100/mm3; a interrupo da profilaxia sob TARV
eficaz no est definida, alguns autores
consideram a descontinuao quando T CD4+ >
100/mm3 por 6 meses; outros regimes sem
eficcia comprovada pirimetamina-clindamicina,
atovaquona, azitromicina, claritromicina ou
pirimetamina-sulfadoxina (Fansidar); eficcia
estabelecida para TMP-SMX e dapsonapirimetamina

Regimes alternativos com pirimetamina + cido


folnico (nas doses referidas) + atovaquona* 750
mg de 8-8 ou de 12-12 h ou dapsona 100 mg/d
ou azitromicina 600 mg/d no tm eficcia
estabelecida; pirimetamina/sulfadiazina,
TMP-SMX, atovaquona* pirimetamina so
eficazes na profilaxia de P. jirovecii;
pirimetamina/clindamicina no eficaz para P.
jirovecii

Comentrios

Infeco VIH-sida

235

236

Aciclovir 10 mg/kg 3x/d e.v. x 10 dias

Apenas quando se trata de casos com


recorrncias frequentes ou extensas; aciclovir
400 mg 2x/d ou 200 mg 3x/d por tempo
indeterminado

Encefalite

Teraputica supressiva
(manuteno)

Aciclovir 800 mg 5x/d ou famciclovir 500 mg


3x/d ou valaciclovir 1.000 mg 3x/d x 7 dias

Aciclovir 10-12 mg/kg 3x/d e.v. (administrao


> 1 h) x 7-14 dias

Zona (um dermatoma)

Zona (> 1 dermatoma, do


trignio ou disseminada)

Vrus varicela zster

Ganciclovir 5 mg/kg 2x/d e.v. x 5-10 dias

Aciclovir 5 mg/kg 3x/d e.v. x 5-10 dias ou


aciclovir 400 mg 3x/d ou famciclovir 500 mg
2x/d ou valaciclovir 1.000 mg 2x/d

Grave/extenso

Foscarnet 40 mg/kg 3x/d e.v. (administrao


> 2 h) ou 60 mg/kg 2x/d e.v.

Foscarnet 40 mg/kg e.v. ou famciclovir


250-500 mg 2x/d ou valaciclovir 500 mg/d,
indefinidamente

Foscarnet 40-60 mg/kg 3x/d e.v. x 21 dias


ou cidofovir 5 mg/kg e.v.

Aciclovir 400 mg 3x/d x 7-14 dias ou famciclovir


500 mg 2x/d x 7-14 dias ou valaciclovir 1000 mg
2x/d x 7-14 dias

Albendazol 400 mg x2/d x 3 sem; tratamento; Fumagilina 20 mg x3/d, especialmente


para E. bieneusi
sintomtico com antidiarreicos (lomotil,
loperamida, salicilato de bismuto)

Regime alternativo

Mucocutneo (oral, anal,


genital, cutneo) pouco
grave

Herpes simplex

Infeces vricas

Microsporidia

Infeces parasitrias (Cont.)

Regime preferido

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

continua

O tratamento deve comear 72 h aps


o aparecimento das vesculas; ajustar
a dose de aciclovir em caso de insuficincia renal;
resistncia ao aciclovir est documentada
em doentes previamente tratados com este
antivrico

Doena grave que no responde a aciclovir pode


corresponder a vrus resistente; a maioria
responde ao foscarnet; quando resistente a
aciclovir e a foscarnet, mantem-se em regra
sensvel a cidofovir

A teraputica de supresso s est indicada em


casos de recorrncias frequentes e/ou doena
extensa

A eficcia com albendazol est definida para


Septata intestinalis; TARV com reconstituio
imunitria constitui o melhor tratamento,
especialmente para E. bieneusi

Comentrios

F. Antunes, M. Doroana

Ganciclovir intra-ocular + valganciclovir


900 mg/d

No recomendada

Ganciclovir 5 mg/kg 2x/d e.v. x 3-6 sem ou


foscarnet 60 mg/kg 3x/d e.v. ou 90 mg/kg 2x/d
e.v. x 3-6 semanas, depois valganciclovir
Ganciclovir ou ganciclovir + foscarnet, depois
valganciclovir, como para gastrintestinal

Retinite (profilaxia)

Gastrintestinal

Neurolgica

Foscarnet 90-120 mg/kg/d e.v. ou valganciclovir


900 mg/d

Retinite (teraputica
supressiva manuteno)

Retinite (progresso em
Aumentar a dose (ganciclovir 10 mg/kg/d ou
teraputica de manuteno) foscarnet 120 mg/kg/d) ou mudar para o
antivrico alternativo ou ganciclovir + foscarnet
em doses de manuteno

Retinite (tratamento inicial)

Vrus citomeglico (VCM)

Infeces vricas (cont.)

Regime preferido

Valganciclovir 900 mg/d

Ganciclovir 5 mg/kg 2x/d e.v.


Foscarnet + ganciclovir ou injeco
intra-ocular de foscarnet (1,2-2,4 mg em
0,1 ml) ou de ganciclovir (2.000 g em
0,05-0,1 ml) (14-21 dias), depois
valganciclovir 900 mg/d ou foscarnet 60
mg/kg 3x/d ou 90 mg/kg 2x/d e.v. (14-21
dias, depois 90-120 mg/d e.v.)

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

continua

A teraputica de manuteno deve ser prescrita,


aps a fase de induo

A teraputica de manuteno para toda a vida


em doentes no tratados com TARV; a
interrupo da teraputica parece segura quando
T CD4+ 150/mm3 (a deciso deve ser tomada
levando em linha de conta a magnitude e
durao T CD4+, a supresso da carga vrica, a
localizao anatmica da retinite e o grau de
perda da viso)
Os efeitos colaterais do ganciclovir (anemia,
leucopenia), os benefcios clnicos limitados, sem
eficcia na sobrevida, o risco de resistncia e os
custos no suportam a profilaxia

O ganciclovir oral no deve ser usado na fase de


induo; a teraputica de manuteno com
ganciclovir oral de eficcia idntica e.v., mas
evitar em caso de leses junto ao nervo ptico
ou perto da fvea; o valganciclovir to eficaz
como o ganciclovir e.v., tendo 10 vezes mais
biodisponibilidade do que o ganciclovir oral; o
foscarnet necessita de perfuso contnua

Comentrios

Infeco VIH-sida

237

238

No havendo registo da via de administrao, considerar via oral

Hepatite crnica

PEG-INF(< 65 kg 80 mg/d; 65-75 kg 100


mg/d; 76-85 kg 120 mg/d; > 85 kg 150
mg/d) s.c. + RBV (< 65 kg 400 mg 2x/d; 65-85
kg 500 mg 2x/d; > 85 kg 600 mg 2x/d); as
doses de PEG-INF e RBV, devem ser ajustadas
em caso de reaces adversas ou alteraes
laboratoriais

A TARV est recomendada para todos os


co-infectados (incluir no regime teraputico
TDF + FTC ou 3TC)

Vrus da hepatite C

Teraputica no recomendada

Hepatite crnica

Ganciclovir 5 mg 2x/d e.v. 21 dias ou


valganciclovir, como para retinite

Hepatite aguda

Vrus da hepatite B

Pneumonia

Infeces vricas (cont.)

Regime preferido

Regime alternativo

Quadro 12. Profilaxia e teraputica das infeces oportunistas (continuao)

Considerar em doentes com


aminotransferases;
nveis detectveis de AgHBs e de ADN-VHB no soro
5
(> 10 cpias/ml), com mais de 6 meses

Critrios de diagnstico:
1) Infiltrados pulmonares;
2) deteco de VCM nas secrees pulmonares;
3) presena de incluso citomeglicas no tecido
pulmonar ou no LBA;
4) ausncia de outro agente patognico.
Considerar teraputica no caso de co-infeco
por outro agente que no responde
teraputica. Teraputica de manuteno no ,
em regra, necessria

Comentrios

F. Antunes, M. Doroana

Infeco VIH-sida

colorao especfica do lquor e deteco do antignio criptoccico. O tratamento e a profilaxia para a criptococose esto referidos no quadro 12.
A toxoplasmose a causa mais importante de leses ocupando espao
(nalgumas sries cerca de 30% dos doentes com sida desenvolveram encefalite toxoplsmica), sendo sugestivas as imagens de tomografia axial computorizada (TAC) ou pela ressonncia magntica nuclear (RMN) (Figs. 5 e 6). A
toxoplasmose cerebral expressa-se, em regra, clinicamente, por cefaleias,
febre e/ou sintomas neurolgicos focais ou, ento, por um quadro de encefalopatia15. O tratamento e a profilaxia para a toxoplasmose cerebral esto
referidas no quadro 13. O linfoma primrio do SNC a causa no infecciosa
mais comum de leso ocupando espao cerebral, ocorrendo em 5% dos doentes com sida. O prognstico mau (a sobrevivncia , apenas, de alguns
meses), mesmo com teraputica13. Outras causas de doena do SNC so a
encefalopatia associada infeco por VIH, a demncia e a leuco-encefalopatia multifocal progressiva (doena desmielizante, devida a vrus papova,
sendo o quadro clnico de ataxia, hemiparesia e alteraes mentais, sendo a
TAC e a RMN meios de orientao do diagnstico, todavia, o diagnstico
definitivo requere biopsia cerebral)16.
A neuropatia perifrica ocorre em 20-40% dos doentes com sida, porm,
os sintomas podem aparecer em qualquer estdio da infeco por VIH. Em
geral, trata-se de neuropatia distal, sensorial, podendo a dor (persistente)
causar limitaes importantes para o doente. A miosite por VIH pode imbricar
com a miopatia causada pelo AZT. As outras doenas relacionadas a doena
neurolgica perifrica associadas infeco por VIH so a polineuropatia
desmielizante inflamatria crnica (pode antecipar o sinais de infeco por
VIH) e a sndrome de Guillain-Barr. A neuropatia pode ser, tambm, manifestao de toxicidade medicamentosa ou, ento, estar relacionada com a
infeco por VCM.

Manifestaes orais e gastrintestinais


Candida albicans a causa mais frequente de odinofagia ou de leses
da cavidade oral, porm herpes simplex e SK podem estar envolvidos em
doenas associadas infeco por VIH, da cavidade oral e da orofaringe17.
A disfagia pode ser causada por dor ou por obstruo. Candida albicans
a principal causa de disfagia dolorosa. Os doentes com candidose esofgica tm, em regra, candidose oral. A infeco por VCM, por herpes
simplex, o SK e o prprio linfoma podem causar disfagia, sendo necessrio, ento, o recurso endoscopia, com biopsia, para o diagnstico definitivo17.
A diarreia constitui uma das principais causas de doena associada infeco por VIH/sida18-20. A criptosporidiose pode ser identificada em cerca de
239

Figura 5. Complicaes do SNC algoritmo I.

F. Antunes, M. Doroana

240

Figura 6. Complicaes do SNC algoritmo II.

Infeco VIH-sida

241

F. Antunes, M. Doroana

um tero dos doentes com diarreia, para alm deste protozorio, Isospora,
microspordia, Entamoeba histolytica ou Giardia lamblia devem ser considerados no diagnstico definitivo das causas de gastrenterite. As infeces por
salmonela so, nestes doentes, causa importante de diarreia. A colite por VCM,
por micobactrias (perda de peso, dor abdominal e febre) , tambm, causa
de diarreia (Fig. 7).
A hepatite e/ou a colestase podem estar relaccionadas com toxicidade
medicamentosa (ARV e antituberculosos) ou, ento, estarem associadas a
co-infeco por vrus das hepatites vricas, por tuberculose ou por linfomas18-22.
A figura 8 mostra o algoritmo da sndrome febril prolongada (SFP), expresso frequente da doena na infeco VIH/sida.

9. Anti-retrovricos
Introduo
Os parmetros clnicos, imunitrios, vricos e de adeso a um futuro esquema teraputico devem ser cuidadosamente analisados no sentido de se
identificar o benefcio imediato para o infectado por VIH ou se, pelo contrrio, se deve protelar essa medida, j que a teraputica tem limitaes23. Do
ponto de vista clnico, h que verificar qual o estdio em que o doente se
encontra, se existem sinais ou sintomas de infeco aguda por VIH ou se,
pelo contrrio, j existe evidncia de doena associada ou, mesmo, critrios
de sida. Dos parmetros imunitrios, importante a contagem de linfcitos
T CD4+, para se qualificar o estado imunitrio do indivduo, ou seja reconhecer qual a repercusso da infeco VIH no respectivo sistema imunitrio. O
parmetro vrico determinado pela quantificao do ARN e ter que ser
avaliado, pelo menos, em duas determinaes, no sentido de se excluir,
partida, situaes que possam falsear os valores desta determinao (a carga
vrica pode estar aumentada nos casos de vacinaes recentes e no decurso
de infeces intercorrentes). O ltimo parmetro a analisar, mas de modo
algum o menos importante, , sem dvida, a capacidade de adeso a um
futuro esquema teraputico. A no adeso teraputica tem sido considerada, pela maioria dos autores, como um dos factores mais importantes para
o insucesso da resposta ao tratamento e, tambm, para o aparecimento
rpido de resistncias, que iro comprometer os futuros esquemas teraputicos. Ao doente, deve ser dada a noo da necessidade do rigor, quanto ao
cumprimento do esquema teraputico, dos respectivos benefcios e, por
outro lado, deve ser informado das reaces adversas associadas aos ARVs,
bem como dos transtornos que aquela teraputica possa provocar na sua
vida diria24,25.
242

Figura 7. Algoritmo da diarreia crnica.

Infeco VIH-sida

243

Figura 8. Algoritmo de SFP.

F. Antunes, M. Doroana

244

Infeco VIH-sida

Quadro 13. Reaces secundrias dos NITRs


AZT

Anemia, neutropenia, miopatia, alteraes gastrintestinais, astenia, alteraes


cutneas e aumento das aminotransferases

3TC

Leucopenia

ABC

Hipersensibilidade (revelada por febre, nuseas, vmitos, sndroma gripal-like,


exantema)

TDF

Tubulopatia renal e diminuio da densidade mineral ssea

Esquemas teraputicos
Apesar de no existirem, ainda, recomendaes inquestionveis relativamente ao momento mais adequado para o incio do tratamento, dependendo este da experincia clnica do mdico, do tipo e da vontade do indivduo,
das doenas de base que, eventualmente, coexistam, do respectivo tipo de
vida, da capacidade de adeso a um esquema mais ou menos complicado
(em nmero de tomas e de comprimidos), consensualmente, estes devem ser
os indicadores para a adeso do incio da teraputica, para alm dos parmetros clnicos (evidncia de sintomas e/ou sinais), dos parmetros imunitrios (T CD4+ < 350 cls/mm3) e dos vricos (ARN vrico > 100.000 cpias/ml),
assim como j foi referido da capacidade de adeso a um futuro esquema
teraputico26. A deciso de iniciar ou no a TARV dever ter em conta os
quatro parmetros descritos.
Hoje em dia, considera-se que a TARV deve assentar na associao de,
pelo menos, trs medicamentos, designada por TARVc.
Os objectivos da TARVc so:
Supresso vrica (ARN < 50 cpias/ml) estvel e com o mximo de durao possvel.
Melhoria substancial da situao imunitria (T CD4+), com restaurao e
preservao, tanto quanto possvel, da funo imunitria, o que, s por si,
condicionar a interrupo da profilaxia para as vrias infeces oportunistas.
Diminuio da morbilidade e da mortalidade.
Melhoria da adeso e da qualidade de vida dos doentes com a implementao de esquemas teraputicos cada vez mais cmodos23.

Inibidores da transcriptase reversa


Nesta classe de ARVs incluem-se os anlogos nucleosdeos inibidores da
transcriptase reversa (NITRs) AZT, lamivudina (3TC), emtricitabina (FTC) e
abacavir (ABC), e os anlogos no-nucleosdeos inibidores da transcriptase
245

F. Antunes, M. Doroana

reversa (NNITRs), nevirapina (NVP), efavirenz (EFV) e etravirina (ETR), estando,


ainda, disponvel, outro inibidor da transcriptase reversa, que um nucleotdeo
o tenofovir (TDF).
Os seus efeitos em termos de eficcia so semelhantes, devendo ser prescritos em associao, por forma a aumentar a eficcia do esquema teraputico, pois tm efeitos sinrgicos ou aditivos e, em relao tolerncia, a
escolha deve ser ponderada, de acordo com o perfil de cada um destes ARVs,
no sentido de se seleccionarem as associaes melhor toleradas e com menos
efeitos colaterais previsveis. As associaes mais utilizadas so FTC/TDF +
EFV (disponvel em coformulao de comprimido nico) e ABC/3TC + EFV,
sendo alternativas as associaes FTC/TDF + NVP ou ABC/3TC + NVP.
O AZT foi o primeiro ARV disponvel, a partir de 1987, no devendo ser
prescrito a indivduos com anemia, pois para alm da miopatia est descrita
a toxicidade medular (sendo mais evidente a anemia), que tem relao directa com a idade do infectado e com o estdio da doena (quanto mais
idoso o indivduo e quanto mais avanado o estdio da doena, maior
o risco de toxicidade medular), estando, actualmente, somente recomendado
na TARVc em determinadas situaes, tais como:
Preveno da transmisso me-filho, pois atravessa a barreira placentria.
No contexto de alteraes do SNC, como a demncia, devido boa
penetrao na barreira hematoenceflica.
Na profilaxia ps-exposio acidental.
De salientar, no entretanto, que as combinaes TDF + FTC ou TDF + 3TC
devem ser as escolhidas como espinha dorsal da TARV no co-infectado por
VHB23. O ABC, para alm do risco de hipersensibilidade (particularmente nos
indivduos portadores do HLA-B5701), revelou menor eficcia, na combinao com 3TC, do que a combinao TDF + FTC, quando a carga vrica (ARN-VIH) > 100.000 cpias/ml23.
Em relao toxicidade de todos os elementos que constituem a famlia
dos nucleosdeos (AZT, 3TC, FTC e ABC) reala-se a toxicidade da mitocndria
com anemia (AZT) e as reaces graves de hipersensibilidade (ABC). Quanto
ao TDF est descrito o risco acrescido de toxicidade renal e a diminuio da
densidade mineral ssea (Quadros 13 e 14).
Dos NNITRs, a NVP e o EFV so eficazes em associao com os NITRs
(2 NITRs + 1 NNITR) sendo a sua eficcia sobreponvel dos IPs, tanto no que
diz respeito resposta imunitria, como vrica33. Quanto toxicidade, no
de todo considerada pouco relevante, dado o compromisso cutneo e heptico. O EFV, embora considerado menos hepatotxico apresenta principalmente
nos co-infectados por VHB e VHC, risco de toxicidade heptica. As alteraes do
comportamento, tais como irritabilidade, insnias, alucinaes, alteraes do
humor, depresso ou, mesmo, tentativas de suicdio esto relacionadas, tambm, com a utilizao de EFV. Por estas razes, o EFV no deve ser institudo
nos doentes com alteraes das provas de funo heptica, nos co-infectados
246

Infeco VIH-sida

Quadro 14. Dosagem dos NITRs


AZT

300 mg 2x/d

3TC

150 mg 2x/d

FTC

200 mg/d

Combivir (AZT + 3TC)

1 comprimido 2x/d

Trizivir (AZT + 3TC + ABC)

1 comprimido 2x/d

ABC

300 mg 2x/d

Kivexa (ABC + 3TC)

1 comprimido/d

Truvada (TDF + FTC)

1 comprimido/d

Atripla (TDF + FTC + EFV)

1 comprimido/d

por VHB ou VHC, em doentes com instabilidade emocional ou com alteraes


do humor ou da viglia, dado o risco de agravamento destas manifestaes
clnicas. No caso da NVP, os aspectos mais relevantes, relativamente aos seus
efeitos colaterais, so, tambm, a toxicidade heptica e o risco de hipersensibilidade cutnea, o qual no reduzido com a utilizao de corticides
(Quadros 15 e 16). A maior desvantagem do EFV e da NVP a sua baixa
barreira gentica para o desenvolvimento de resistncias ( frequente a resistncia cruzada entre estes dois NNITRs). A ETR est, apenas, aprovada para
os doentes com experincia prvia com TARVc.

Inibidores da protease
Nesta classe de ARVs esto disponveis o saquinavir (SQV), o lopinavir
(LPV), o atazanavir (ATV) e o darunavir (DRV). Estes IPs so utilizados potenciados com ritonavir (RTV), por forma a melhorar as suas caractersticas de
farmacocintica. A eficcia destes ARVs foi comprovada por mltiplos ensaios
e, mesmo, na prtica clnica, pois, com a associao dos IPs aos NITRs, a partir de 1996, registou-se reduo significativa, tanto na morbilidade, como na
mortalidade, associada supresso vrica duradoura28,29. Todavia, a toxicidade tem levantado algumas limitaes, relativamente sua utilizao, particularmente aquela associada s alteraes do metabolismo glucdico e lipdico, bem como s alteraes na distribuio do tecido adiposo, com
lipodistrofia (nuca de bfalo, atrofia facial, atrofia das massas musculares dos
membros superiores e inferiores, com relevo das varizes, distenso abdominal
marcada e aparecimento de outras massas adiposas localizadas). Associadas,
ou no, quelas manifestaes de lipodistrofia podem surgir alteraes do
247

F. Antunes, M. Doroana

Quadro 15. Reaces secundrias dos NNITRs


NVP

Hepatotoxicidade e toxicodermia

EFV

Alteraes do comportamento, insnias, agressividade, alteraes do humor,


depresso, hepatotoxicidade e toxicodermia

Quadro 16. Dosagem dos NNITRs


NVP

200 mg 2x/d

EFV

600 mg 1x/d

Quadro 17. Reaces secundrias dos IPs


Comuns a todos os IPs

Nuseas, enfartamento, diarreia, diabetes, hipertrigliceridemia,


hipercolesterolemia e lipodistrofia

Indinavir

Clicas renais, hiperbilirrubinemia

Atazanavir

Hiperbilirrubinemia

metabolismo glucdico, com diabetes grave, de difcil controlo, por vezes


resistente administrao de insulina ou de antidiabticos orais, com emagrecimento e, concomitante, reduo da qualidade de vida dos doentes23.
As alteraes do metabolismo lipdico, tanto a hipercolesterolemia como a
hipertrigliceridemia, tm sido difceis de controlar com medicao associada
(estatinas e fibratos) e, por si s, potencialmente esto associados a doena
cardiovascular enfarte do miocrdio, acidente vascular cerebral e, mesmo,
embolias vasculares perifricas. Por vezes, estas complicaes surgem sem
qualquer manifestao clnica prvia, o que refora a necessidade dos doentes serem monitorizados no s clnica, mas, tambm, laboratorialmente.

Inibidores da integrase
O raltegravir (RAL) um novo anti-retrovrico cujo alvo teraputico a
enzima integrase de VIH. A inibio da integrase do vrus constitui um novo
mecanismo de aco no sentido de travar a replicao vrica. Esta nova classe de ARVs mostrou ser muito eficaz ao ser associada a uma teraputica
optimizada em doentes j com experincia s trs classes. Em doentes sem
teraputica prvia, a sua eficcia em associao com TDF + FTC sobreponvel de 2 NITRs + 1 NNITR, caracterizando-se, tambm, por ter um bom
perfil de tolerabilidade e, praticamente, sem interaes medicamentosas23,30.
248

Infeco VIH-sida

Quadro 18. Dosagens dos IP2


IP

Dose

+ ritonavir 100 mg 1x/dia*


(efeito potenciador)

Saquinavir

1.000 mg 2x/d

Fosamprenavir

1.400 mg 1x/d

Lopinavir/ritonavir (Kaletra)
Atazanavir
Darunavir

400 mg/100 mg 2x/d


400 mg 1x/d

300 mg 1x/d
800 mg 1x/d

*Com saquinavir e tipranavir 100 mg 2x/d.

Concluses
A TARV deve ser individualizada, tendo em considerao o doente, o
estado imunitrio e a quantificao da carga vrica. Aps falncia, ao primeiro esquema teraputico institudo, devem ser realizados testes de genotipagem para se reconhecer o perfil das mutaes de resistncia, por forma a se
seleccionar o esquema seguinte mais eficaz de TARV.
A alterao da TARV deve ser ponderada, tendo em considerao a limitao dos ARVs disponveis e dos esquemas de combinao possveis,
por forma a preservar a teraputica futura, dado que a infeco por VIH
, actualmente, uma doena crnica, que necessita de teraputica para toda
a vida.

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250

Seco 8

MONONUCLEOSE INFECCIOSA
E SNDROME MONONUCLESICA
Eduardo Monteiro

1. Introduo
O termo mononucleose infecciosa (MNI) foi introduzido em 1921 para
descrever uma doena infecciosa aguda, autolimitada, de crianas e de adultos jovens, identificada pelas suas manifestaes clnicas, hematolgicas e
serolgicas que so caractersticas.
A infeco causada por vrus de Epstein-Barr (VEB) , a maior parte das
vezes, assintomtica nas crianas, principais vtimas daquela nos pases em
vias de desenvolvimento. Nos pases desenvolvidos, a infeco observa-se,
em geral, mais tardiamente, nos adolescentes ou em adultos jovens e , em
regra, sintomtica, sob a forma de MNI.

2. Etiologia
VEB um vrus da famlia Herpesviridae que possui um core central
com dupla cadeia de ADN, rodeado por uma cpside icosadrica, limitada
por um invlucro que deriva das membranas das clulas do hospedeiro e
tem um tropismo electivo para os linfcitos B, para as clulas epiteliais da
faringe e para as das glndulas salivares.
A transmisso de VEB processa-se pela saliva, necessitando de um contacto
estreito (doena do beijo). A transmisso acidental , tambm, possvel
por transfuso sangunea ou por transplante de rgo.
Conhecem-se dois subtipos de VEB (VEB1 e VEB2), que diferem nas suas
propriedades geno e fenotpicas, embora no se verifique clara distino nos
quadros clnicos que provocam.
No indivduo saudvel a forma usual de infeco devida ao subtipo 1,
enquanto que nas situaes de imunodepresso existe um aumento de prevalncia de VEB2.
O perodo de incubao , em regra, de quatro a seis semanas1,2.

Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

251

E. Monteiro

3. Patologia
VEB penetra nos linfcitos B da orofaringe, levando proliferao policlonal
destas clulas, o que, por sua vez, vai induzir intensa reaco imunitria de tipo
celular para conter a infeco. Assim, d-se uma forte estimulao de linfcitos T
citotxicos que, a par da sntese de vrios mediadores da actividade antivrica,
como o interfero gamma, vo destruir parte dos linfcitos B infectados.
O indivduo imunocompetente vai manter, assim, um delicado balano
entre a proliferao destes linfcitos B infectados e a resposta imunitria.
Este equilbrio pode romper-se em caso de alterao desta resposta, iniciando as clulas B um processo de crescimento descontrolado, podendo vir a
dar origem a linfoproliferao maligna3-5.

4. Epidemiologia
Como vimos, no decurso da primoinfeco, numerosas partculas vricas vo ser produzidas na cavidade orofarngea e excretadas pela saliva.
Esta excreo prossegue, intermitentemente, ao longo da vida, sendo,
por esta razo, a saliva o principal meio de transmisso, como alis j foi
referido. Nas crianas mais pequenas, em geral, a partir da saliva da me ou
da de outras crianas e nos adolescentes e adultos atravs do beijo. A transmisso maternofetal, tal como a transmisso sexual, so raras.
O vrus pode, ainda, ser transmitido por transfuso sangunea ou por
transplante de rgo (por exemplo, de medula ssea).

5. Quadro clnico
O quadro clnico clssico da MNI associa, em regra, febre, faringite e
poliadenopatias, geralmente, acompanhadas de astenia e, bastas vezes, por
hepatoesplenomegalia, enantema petequial do vu do paladar e edema
palpebral. A febre, em geral, o primeiro sintoma a aparecer, pode revestir
todas as formas e ser, mais ou menos, prolongada.
A orofaringe, que pode mostrar-se eritematosa ou ter o aspecto eritematopultceo , muitas vezes, recoberta por falsas membranas.
As adenopatias, com frequncia dolorosas, podem atingir todas as cadeias
ganglionares, embora apaream, primeiro, na regio cervical.
O bao, aumentado de volume em 50% dos casos, frivel, descrevendo-se,
classicamente, como complicao grave, a sua ruptura, que pode ser desencadeada at por manobras palpatrias menos suaves.
Dado o tropismo particular de VEB para o sistema nervoso, possvel o
aparecimento de meningite, encefalite ou polirradiculonevrite.
252

Mononucleose infecciosa e sndrome mononuclesica

Tambm, alteraes renais e cardacas podem ocorrer sob a forma, nomeadamente, de sndrome nefrtica ou de miopericardite6.
Por vezes, o diagnstico de MNI sugerido pela presena de exantema
morbiliforme em indivduos medicados, previamente, com antibiticos betalactmicos.

6. Diagnstico
Para alm dos aspectos clnicos, o diagnstico da sndrome mononuclesica
assenta na presena de grande nmero de linfcitos atpicos no sangue
circulante, sendo esta designao derivada do facto de se tratar de grandes
clulas mononucleadas, de citoplasma abundante e hiperbasfilo e com
ncleo excntrico e no nucleolado (clulas de Downey).
Na MNI, estes linfcitos representam, em geral, mais de 15 a 20% das
clulas mononucleadas e so expresso da proliferao das clulas T. Para
alm destas clulas, o hemograma mostra, em regra, a presena de intensa
leucocitose com linfocitose absoluta (> 4.500/mm3) e relativa (> 50% da totalidade dos leuccitos) e, muitas vezes, trombocitopenia.
Complicaes hematolgicas, como anemia hemoltica e/ou agranulocitose,
podem ocorrer, se bem que no sejam frequentes.
Como expresso da discreta leso heptica, que frequente, pode observar-se elevao moderada das transaminases (at trs a quatro vezes o normal), assim como aumento, desproporcionado, do valor da fosfatase alcalina.
O achado de anticorpos heterfilos (anticorpos IgM, com capacidade para
aglutinar eritrcitos de outras espcies animais, como o carneiro ou o cavalo,
mas que no reagem com as clulas de rim de cobaia) constitui um elemento de diagnstico rpido que, nalguns casos, necessita, no entanto, de ser
confirmado por serologia especfica para VEB7.
A reaco de Paul-Bunell-Davidsohn (reaco quantificativa de aglutinao de eritrcitos de carneiro) , hoje, muitas vezes, substituda pelo monoteste (reaco de aglutinao em lmina para eritrcitos de cavalo), que
permite um diagnstico bastante mais rpido.
Convm, no entanto, notar que para alm do intervalo etrio dos 15 aos
25 anos e, sobretudo, nas crianas com idade inferior a cinco anos, o monoteste pode ser negativo em cerca de 20-30% dos casos8.
S o achado de anticorpos especficos para VEB constitui um elemento
de diagnstico de certeza e , particularmente, til nos doentes que no
desenvolvem anticorpos heterfilos.
Ttulos de anticorpos IgM e IgG para o antignio da cpside viral (VCA)
so elevados no soro de mais de 90% dos doentes, no incio da afeco.
O anticorpo IgM anti-VCA til para o diagnstico de mononucleose
infecciosa aguda, porque permanece em ttulos elevados s nos primeiros
253

E. Monteiro

Sintomas
Linfcitos
atpicos

IgM
VCA

IgG
VCA

IgC
EBNA
Excreo
de vrus
2s

4s

6s

2m

3m

6m

1a

5a

Figura 1. Evoluo clnica, vrica e serolgica na MNI.

dois meses de infeco. Pelo contrrio, a pesquisa de anticorpos IgG anti-VCA


, muitas vezes, usada para confirmar doena antiga, dado que permanecem
no soro durante toda a vida.
Os anticorpos anti-EBNA (EB-nuclear antigene) so detectveis s quatro
a seis semanas aps o incio dos sintomas e persistem, tambm, toda a vida.
A seroconverso para estes anticorpos afirma o diagnstico de infeco recente (Fig. 1)9,10.

7. Tratamento
O tratamento da mononucleose infecciosa , geralmente, sintomtico. O
cido acetilsalclico ou o paracetamol so teis para o alvio da febre e da
odinofagia, devendo recomendar-se repouso na fase inicial da doena e
proibir a prtica de actividades violentas ou desportivas, dado o risco de
ruptura do bao.
O uso de corticides controverso, visto que, se por um lado leva resoluo rpida da faringite, por outro lado possvel que a imunodepresso
que acarreta possa ser responsvel por quadros graves de encefalite ou de
miocardite. A sua utilizao deve, pois, reservar-se para casos de obstruo
das vias areas, anemia hemoltica ou trombocitopenias importantes.
254

Mononucleose infecciosa e sndrome mononuclesica

O aciclovir (antivrico especfico para vrus do grupo herpes) tem actividade contra VEB, mas no est aprovada a sua utilizao generalizada, j
que parece no modificar o curso da MNI11.

8. Sndrome mononuclesica
Para alm da MNI, vrias outras etiologias so possveis para explicar esta
sndrome.
Entre estas podem distinguir-se causas infecciosas (as mais frequentes) e
causas no infecciosas.

Causas infecciosas
Infeco

por vrus citomeglico

A primoinfeco por vrus citomeglico (VCM) (vrus do grupo herpes)


a segunda causa mais importante de sndrome mononuclesica em adolescentes e em adultos.
A sua transmisso processa-se, essencialmente, por via sexual ou atravs
da saliva, podendo, tambm, ocorrer como consequncia de transfuso de
sangue ou de transplante de rgo.
A clnica desta infeco distingue-se da MNI por vrios aspectos. Assim,
so afectados, sobretudo, indivduos na idade adulta e a faringite est ausente, sendo os restantes sintomas e sinais comuns, como a febre prolongada que se acompanha de mal-estar geral, adenopatias, hepatite e esplenomegalia. Tal como na MNI, pode aparecer exantema morbiliforme ou
petequial, sobretudo aps o uso de ampicilina.
A primoinfeco por VCM deve ser considerada no diagnstico diferencial
de febre prolongada do adulto. Na mulher grvida, esta infeco pode
transmitir-se ao feto com vrias consequncias possveis. A doena congnita no apresenta manifestaes clnicas na grande maioria dos casos (90%),
podendo, no entanto, evoluir para doena crnica. As formas sintomticas
(10%) tm, em regra, envolvimento dos sistemas reticuloendotelial e nervoso central (com ou sem compromisso ocular ou auditivo), apresentando, essencialmente, hepatoesplenomegalia, ictercia, prpura e/ou microcefalia.
Nos imunodeprimidos, a infeco por VCM tem localizaes viscerais,
focalizadas ou disseminadas (por exemplo, retina, pulmo, SNC).
Sob o ponto de vista laboratorial, para alm da leucocitose com linfocitose
atpica, existe, com frequncia, aumento moderado das aminotransferases.
No indivduo imunocompetente o diagnstico confirma-se por serologia,
geralmente, atravs de testes de imunofluorescncia indirecta ou de fixao
do complemento. A presena da IgM anti-VCM, duma seroconverso, ou da
255

E. Monteiro

subida para o qudruplo dum ttulo de anticorpos, confirmada pelo resultado da serologia de dois soros consecutivos, so indicadores de infeco
activa.
A evoluo da infeco por VCM, em adultos saudveis, , em regra, favorvel e no justifica nenhuma teraputica etiolgica.
Nos imunodeprimidos, o ganciclovir, o foscarnet ou o cidofovir so os
antivirais de eleio.

Toxoplasmose
A toxoplasmose causada por um protozorio, Toxoplasma gondii, e
transmitida ao homem pela ingesto de carne mal cozinhada, contendo
quistos ou, ainda, pela ingesto de oocistos veiculados nas fezes dos
gatos.
A toxoplasmose adquirida em imunocompetentes , em regra, subclnica, embora possa manifestar-se como sndrome mononuclesica, associando
febrcula, que pode ser, mais ou menos, prolongada, a poliadenopatia,
inicialmente, cervical e, mais tarde, generalizada. Exantema maculopapular,
esplenomegalia e/ou hepatomegalia podem, tambm, fazer parte do quadro
clnico.
As manifestaes graves da toxoplasmose adquirida (coriorretinite, miocardite, encefalite e hepatite) so raras.
Nos imunodeprimidos, o tropismo neurolgico do parasita a razo da
gravidade desta infeco, ressaltando, pela frequncia, o abcesso cerebral.
A infeco na grvida pode acarretar a transmisso do parasita ao feto,
tanto mais grave quanto mais precoce aquela tiver sido no decurso da
gravidez.
Sob o ponto de vista laboratorial pode aparecer, em cerca de 30% dos
casos, linfomonocitose, a maior parte das vezes discreta (at 10% de clulas
hiperbasfilas), que se pode acompanhar de hipereosinofilia transitria.
O diagnstico de toxoplasmose, no indivduo imunocompetente, confirma-se por serologia.
A deteco de IgM ou o estudo da cintica dos anticorpos da classe IgG
antitoxoplasma permitem o diagnstico. Para isso utiliza-se, por exemplo, a
tcnica de imunofluorescncia indirecta, de aglutinao directa ou de ELISA.
A presena de IgM especfica e/ou a elevao para o qudruplo da taxa
de IgG, encontrada em dois soros com duas semanas de intervalo, permitem
afirmar o diagnstico de toxoplasmose evolutiva. A pesquisa de IgA pode
ter interesse nos casos (5%) de seroconverso, na ausncia de IgM.
O tratamento no necessrio, na maioria dos casos de toxoplasmose
adquirida em imunocompetentes. Quando em presena de coriorretinite
activa ou em imunodeprimidos, justifica-se, ento, teraputica antitoxoplasma que consta, em geral, da associao de pirimetamina com sulfadiazina,
clindamicina ou dapsona.
256

Mononucleose infecciosa e sndrome mononuclesica

Primoinfeco

por

VIH

A infeco por VIH pode traduzir-se, duas a seis semanas aps a exposio,
por um quadro pseudogripal, com febre, adenopatias, mialgias e, eventualmente, exantema.
Por vezes, a presena de um quadro neurolgico (meningite, polinevrite
e polirradiculonevrite), pode, tambm, ser observado.
Do ponto de vista laboratorial, possvel confirmar a linfomonocitose.
O teste ELISA , em regra, negativo nesta fase, vindo a tornar-se positivo
algumas semanas mais tarde.
A antigenemia p24 positiva associada a um teste ELISA negativo indica
uma primoinfeco, podendo ser identificada, tambm, nesta altura, uma
depleo profunda e transitria de linfcitos T CD4+.
Classicamente, as primoinfeces sintomticas esto, em geral, associadas a progresso mais rpida para sida.
O tratamento da primoinfeco por VIH um assunto controverso. Todavia, por exemplo nos casos que se acompanha por cargas vricas muito elevadas ou por descida muito marcada dos linfcitos T CD4+ ou por infeces
oportunistas, est indicada a teraputica anti-retrovrica, de modo a suprimir
a replicao vrica e a recuperar a imunidade12,13.

Outras

etiologias infecciosas

Outras doenas infecciosas podem ser causa de sndrome mononuclesica.


Nestes casos os achados laboratoriais so em geral discretos, sendo o diagnstico orientado por elementos de ordem clnica.
Das infeces vricas so de assinalar a rubola, as hepatites vricas (por
exemplo, a hepatite A), as causadas pelo parvovrus B19, por herpesvrus, etc.
A etiologia bacteriana bastante mais rara, havendo, no entanto, que destacar que a sfilis secundria pode ser causa de sndrome mononuclesica
associada a exantema morbiliforme no pruriginoso, sendo o diagnstico
afirmado por serologia.
Quanto s parasitoses, o paludismo pode, tambm, acompanhar-se de
sndrome mononuclesica.

Causas no infecciosas
A sndrome mononuclesica representa, nas etiologias no infecciosas,
uma disfuno imunitria.
Certas doenas autoimunes (lpus eritematoso disseminado e poliartrite
reumatide) e algumas afeces malignas (linfomas) podem acompanhar-se, em qualquer estdio da sua evoluo, de sndrome mononuclesica
discreta.
257

E. Monteiro

O mesmo pode acontecer em casos de alergia medicamentosa em que,


presena de leucocitose com eosinofilia e linfocitose atpica no sangue
perifrico, pode juntar-se exantema morbiliforme pruriginoso e edema, mais
ou menos marcado, sobretudo da face.
Os medicamentos mais responsveis por estas reaces so os antibiticos
betalactmicos, as sulfamidas, a hidantina e outros antiepilpticos, o alopurinol e os antitirideos.

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258

Seco 9

Infees respiratrias
Pneumonia aguda

Jos Lus Boaventura

1. Introduo
A taxa de incidncia anual de pneumonia oscila entre 510 casos/1.000 habitantes, o que transposto para Portugal dar uma mdia de 50.000100.000 casos/
ano. A pneumonia posicionase entre as 10 doenas mais mortferas e uma das
principais causas de mortalidade na rea da patologia infeciosa, particularmente no mundo mais desenvolvido. A sua mortalidade global oscila entre
520%, nas formas moderadas a graves, e entre 12% nas formas ligeiras,
sendo os grupos etrios extremos os mais atingidos, em especial os idosos,
onde a mortalidade pode atingir 30%1-4.
Existem dois tipos de pneumonia muito distintos quanto etiologia, aspetos epidemiolgicos e clnicos, diagnstico e abordagem teraputica, que
so o da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e o da adquirida no hospital ou pneumonia nosocomial (PN). Acrescentouse, nos ltimos anos, um
terceiro tipo, o da pneumonia associada a cuidados de sade (PACS), que abrange os doentes no hospitalizados, mas sujeitos a cuidados de sade extensivos,
como os residentes em lares de terceira idade, centros de cuidados continuados,
e com frequncia regular de consultas hospitalares e centros de hemodilise,
entre outros. Este tipo de pneumonia situase entre as duas primeiras, com
caractersticas que a aproximam mais da PN.
Abordase, com mais destaque, a PAC, pela sua maior repercusso na prtica
clnica ambulatria. Nesta seco tratada apenas a patologia do adulto de
etiologia bacteriana, no deixando de referir os aspetos essenciais das PN e PACS.

2. Pneumonia adquirida na comunidade


Em primeiro lugar, temos que distinguir entre as pneumonias causadas
por microrganismos e as situaes no infeciosas. Diversas patologias no
infeciosas podem pr, sobretudo no idoso, diagnstico diferencial com as pneumonias. Citamse, por exemplo, a embolia pulmonar, a insuficincia cardaca
congestiva, o carcinoma brnquico, as pneumonites txicas, as medicamentosas
259

J.L. Boaventura

(amiodarona, metotrexato e nitrofurantona, por exemplo) ou psradiao,


a fibrose pulmonar, as doenas granulomatosas (sarcoidose), as conectivites
(granulomatose de Wegener, vasculites sistmicas, lpus eritematoso sistmico) e as pneumonias eosinfilas agudas (sndrome de Loeffler) e crnicas. O
clnico experiente faz esta distino com uma relativa facilidade.
Outra diferenciao importante entre a pneumonia vrica e a bacteriana, sendo a primeira muito mais frequente na criana e relativamente rara
no idoso (com exceo da gripe).
Definese pneumonia bacteriana como o aparecimento de uma condensao ou infiltrado novo na radiografia (RX) do trax acompanhado de dois
dos seguintes itens febre elevada, tosse com expetorao purulenta, leucocitose com neutrofilia.
A sua evoluo aguda, na maioria dos casos, sendo, por vezes, subaguda. Dura dias a poucas semanas, em oposio pneumonia crnica, que
perdura semanas a meses, e provocada por agentes especficos, como Mycobacterium tuberculosis (de longe o mais presente), Actinomyces spp, Histoplasma capsulatum e outros fungos, a qual est fora do mbito deste texto.

Agentes etiolgicos
Apesar da enorme variedade de dados estatsticos sobre agentes microbianos responsveis por PAC, a nvel mundial, e das suas caractersticas regionais, pode afirmar-se, em termos globais, que seis microrganismos so os
mais responsveis por este tipo de pneumonia, embora com incidncias bem
diversificadas. Os valores percentuais procuram representar uma mdia dos
dados da literatura e com adequao realidade nacional. Assim, e por
ordem decrescente de frequncia, citam-se Streptococcus pneumoniae
(4060%), Haemophilus influenzae (15%), Mycoplasma pneumoniae (1015%),
Staphylococcus aureus (1012%), Chlamydophila spp (35%) e Klebsiella
pneumoniae (12%). Os valores apresentados para Staphylococcus aureus
esto inflacionados, pois incluem as pneumonias primrias e as secundrias
a bacteriemia ou spsis (as mais comuns), sendo o valor real das primrias apenas de 25%. Os restantes microrganismos so mais raros e representam 12%
na sua globalidade Pseudomonas aeruginosa, outros bacilos Gramnegativo,
anaerbios, Coxiella burnetii, Legionella spp e Streptococcus pyogenes1,311.

Aspetos epidemiolgicos e clnicos


da pneumonia adquirida na comunidade
O tratamento da pneumonia , quase sempre, emprico. Deste modo,
mais do que conhecer a incidncia global dos diferentes microrganismos,
260

Infees respiratrias Pneumonia aguda

importa ter a noo dos aspetos epidemiolgicos e clnicos que determinam, em grupos de doentes, a maior ocorrncia de diferentes agentes microbianos1013.
clssico afirmarse que a expetorao ferruginosa caracterstica das
pneumonias por pneumococo, a expetorao esverdeada por Haemophilus
influenzae e Pseudomonas aeruginosa, a expetorao cor de chocolate por
Klebsiella e a de cheiro ptrido por anaerbios. Por outro lado, o aspeto
intersticial do RX do trax a favor de pneumonia dita atpica. Porm, relacionar o aspeto da expetorao ou do exame radiolgico com o agente
causal pode introduzir uma enorme margem de erro.
Se considerarmos, apenas, o fator da incidncia global, quer a nvel geral
quer mesmo regional, refirar-se como mais frequentes Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Mycoplasma pneumoniae.
Na presena de pneumonia em grupo etrio juvenil (abaixo dos 20 anos), com
uma evoluo subaguda dos sintomas, com a concomitncia de miringite (inflamao timpnica) bolhosa, um RX do trax com uma imagem bilateral, com
infiltrao de tipo intersticial a partir dos hilos (em asa de borboleta) e a
ocorrncia simultnea, num familiar, de uma doena respiratria aguda do
trato respiratrio superior ou inferior, fortemente provvel a etiologia
micoplsmica.
A pneumonia bacteriana complicando infeo gripal ou na sua sequncia
apresenta, como maiores probabilidades causais, os seguintes agentes Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae.
Em indivduos com doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) e em infectados por VIH, numa fase relativamente precoce (perodo de latncia
clnica), antes do descalabro imunitrio que propicia a ocorrncia de agentes
oportunistas, os microrganismos mais em evidncia so Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis.
Nas pessoas semabrigo, nos toxicodependentes endovenosos e nos alcolicos crnicos, para alm de Streptococcus pneumoniae, sempre presente, h
a considerar, tambm, a maior ocorrncia de infeo por Staphylococcus
aureus, Klebsiella pneumoniae e anaerbios (pneumonia de aspirao)14.
A existncia prvia de uma doena metablica (por exemplo, diabetes),
debilitante, crnica, sistmica ou de rgo (hepatopatia e nefropatia crnicas) ou de imunodepresso, incluindo a iatrognica, condicionam a etiologia
por bacilos Gramnegativo e Staphylococcus aureus.
O grupo das pneumonias atpicas, designao algo ultrapassada pelo
tempo e pelos novos dados etiopatognicos e clnicos, mas que se mantm,
apenas, como norma de referncia didtica para determinados agentes,
caracterizase por um quadro clnico de evoluo subaguda, em que os sintomas e sinais pulmonares surgem apenas ao fim de trs-quatro dias do incio
das manifestaes gerais, com semiologia pulmonar muitas vezes discordante
da imagem radiolgica (muitos sinais e poucas alteraes imagiolgicas ou
261

J.L. Boaventura

viceversa) e com um aspeto radiolgico de tipo infiltrativo e instersticial e


no condensante, por vezes com a tpica imagem em vidro fosco.
Os agentes bacterianos que se caracterizam por este quadro clnico atpico, para alm de Mycoplasma pneumoniae, so Chlamydophila spp (pneumoniae, psittaci e trachomatis), Legionella spp e Coxiella burnetii (o agente
da febre Q)1517.
A pneumonia de aspirao surge, como o seu nome indica, aps a aspirao de qualquer contedo lquido ou semisslido para a rvore brnquica.
A situao mais frequente a aspirao do vmito. Os microrganismos
predominantes so os Grampositivo da orofaringe e os Gramnegativo
do trato digestivo. Os anaerbios tambm so comuns neste tipo de infeo pulmonar, uma vez que a sua proliferao est facilitada pela obstruo
parcial dos brnquios segmentares. A infeo anaerbia estrita relativamente rara, pois, na maioria dos casos, a infeo polimicrobiana18.
O abcesso e o empiema pulmonares so mais frequentes quando existe flora
anaerbia, mas tambm podem ocorrer nas infees por Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e
Legionella pneumophila, embora, neste ltimo caso, com alguma raridade.
Os agentes microbianos que mais frequentemente geram cavitao pulmonar, na pneumonia aguda, so Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae,
anaerbios e Pseudomonas aeruginosa. O estafilococo tem tendncia a formar
pequenas cavidades, mas que podem confluir e Klebsiella pneumoniae origina, em regra, grandes cavidades anfractuosas, com colapso pulmonar, desvio
do mediastino e subida da hemicpula diafragmtica do lado da leso.

Diagnstico
O diagnstico etiolgico das pneumonias, mesmo nos melhores centros,
dificilmente ultrapassa os 40%. No obstante valer a pena o esforo desse
diagnstico, particularmente nas situaes que prenunciam necessidade de
internamento hospitalar. Para tal, temos de recorrer aos exames microbiolgicos e serolgicos. Dos primeiros destacase a hemocultura, a qual, apesar
do seu rendimento relativamente baixo (1015% de positividade), tem alta
especificidade.
O mesmo no se poder afirmar acerca da anlise de expetorao, quer
em exame direto quer em exame bacteriolgico. A sua grande sensibilidade
acompanhada por um baixo grau de especificidade1,3,4,6,8,17,19,20. No caso
especfico do pneumococo, por exemplo, o exame direto, desde que baseado
num esfregao com mais polimorfonucleares (PMNs) do que clulas epiteliais
(relao ideal 10 clulas epiteliais e 25 ou mais PMNs por campo), mais
fivel do que o exame cultural. Por outro lado, nem sempre os doentes com
pneumonia tm tosse produtiva (mais de um tero no tem expetorao) e,
262

Infees respiratrias Pneumonia aguda

muitas vezes, os agentes identificados em exames diretos e culturais so


meros colonizantes da orofaringe ou rvore traqueobrnquica superior e
nada tm a ver com a causa da pneumonia. o que sucede, por exemplo,
com Streptococcus pneumoniae.
Outros exames suscetveis de contribuir para o diagnstico em ambiente
hospitalar so a aspirao de secrees brnquicas e o lavado bronco-alveolar
(LBA), que exigem, habitualmente, a prtica de fibrobroncoscopia. Para alm
do suporte do Rx do trax, a ecografia poder esclarecer na suspeita de derrame, e a tomografia computorizada (TAC) torcica tem indicao nas situaes
mais arrastadas e complicadas e nunca como mtodo de diagnstico inicial.
Os testes serolgicos de pesquisa de antignios urinrios podem substituir,
com alguma vantagem, as anlises de expetorao. Os resultados so imediatos (no prprio dia, na hora ou em poucas horas) e vlidos mesmo aps
o incio da antibioterapia. As desvantagens so as dificuldades da tcnica,
no universal em todos os centros hospitalares, e a deteo, apenas, de
Streptococcus pneumoniae e de Legionella pneumophila do serogrupo 1,
todavia o mais frequente (> 70% dos casos).
Os restantes exames serolgicos apenas permitem o diagnstico retrospetivo, pela sua resposta demorada de 23 semanas, de alguns agentes patognicos no detetveis no exame microbiolgico. o caso de Mycoplasma
pneumoniae, Chlamydophila spp, Legionella spp e Coxiella burnetii.
As tcnicas de biologia e gentica moleculares de amplificao do ADN
microbiano, como a reao em cadeia da polimerase (PCR) esto longe da
prtica clnica habitual, mesmo incluindo a hospitalar, e s so executadas
em contextos e locais muito selecionados.
Os marcadores de reao de fase aguda ou inflamatrios, a protena C
reativa e/ou a procalcitonina (PCA), quando muito aumentados (> 10 vezes
o normal), alertam para a no benignidade do processo clnico e so a favor
da provvel etiologia bacteriana e no de origem vrica.
Se a abordagem for ambulatria, por evidncia de benignidade clnica, o
nico exame justificvel o Rx do trax, o qual pode ajudar num contexto de
dvida e esclarecimento de diagnstico. A sua execuo em tempo til, em
regime ambulatrio, nem sempre exequvel, mas vale a pena ser tentada
quando existam dvidas diagnsticas pertinentes. Os restantes exames devem ser praticados em regime de internamento hospitalar.

Diagnstico etiolgico de probabilidade da


pneumonia baseado em fatores preditores de risco
No sentido de se atingir uma melhor caracterizao emprica do diagnstico etiolgico das PAC, bem como uma melhor definio dos critrios de
internamento [sim ou no e, se sim, em que local enfermaria de medicina
263

J.L. Boaventura

ou em unidade de cuidados intensivos (UCI)] e de prognstico e, sobretudo,


para contribuir para uma abordagem teraputica mais dirigida e rigorosa,
elaboraramse normas de orientao clnica (NOC) baseadas em fatores preditores de risco.
Diversos especialistas mundiais, entre os quais Bartlett, Fine, MacFarlane,
Sullivan, Campbell e Mandell, e diferentes grupos de trabalho e sociedades
mundiais de medicina torcica e doenas infeciosas, European Thoracic Society, British Thoracic Society, American Thoracic Society, Canadian Thoracic
Society, Infectious Diseases Society of America (IDSA), Centers for Disease
Control and Prevention (CDC), European Centre for Disease Prevention and
Control (ECDC), Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), apresentaram
normas preditoras de categorizao das PAC em grupos de risco e orientadoras do diagnstico e tratamento2,5,1929. Existem largos consensos entre as
diferentes normas, mas com alguns aspetos de aplicao regional diferentes,
nomeadamente quanto expresso local das estirpes bacterianas resistentes
s teraputicas clssicas. Seguese uma proposio de normas que refletem
o maior consenso mundial com opes que se consideram de aplicao nacional811,3032.
Referemse dois mtodos estratificadores de risco com uma aceitao
global. So eles, o Pneumonia Severity Index (PSI) e o CURB65. O primeiro
mais complexo e difcil de aplicar na prtica clnica, sobretudo ambulatria.
O PSI define quatro categorias de grupos de risco que se relacionam com:
a) O doente.
b) A presena de doenas concomitantes.
c) Os parmetros clnicos.
d) Os parmetros laboratoriais.
No que diz respeito ao doente, salientase a idade (> 60 anos) como fator
de pior prognstico. Os indivduos semabrigo ou com ms condies de
habitabilidade, os toxicodependentes (drogas injetveis, lcool), os incapazes
de cuidar de si prprios e os que tiveram uma hospitalizao prvia por PAC
menos de um ano antes, apresentam, partida, uma evoluo menos favorvel.
As doenas concomitantes (DPOC, diabetes mellitus, alcoolismo crnico,
cardiopatia, hepatopatia e nefropatia crnicas, neoplasias) funcionam como
potenciadoras do risco na PAC.
Quanto aos parmetros clnicos a considerar na estratificao do risco
temos a frequncia respiratria superior a 30 respiraes por minuto (r.p.m.),
hiperpirexia (> 39,5 oC) ou hipotermia (< 36 oC), hipotenso [tenso arterial
sistlica (TAS) < 90 mmHg ou tenso arterial diastlica (TAD) < 60 mmHg] ou
choque, localizao sptica extrapulmonar (spsis, meningite e artrite), e
qualquer alterao da conscincia.
Os parmetros laboratoriais de eventual gravidade so leucocitose superior a 30.000/mm3 ou leucopenia inferior a 4.000/mm3, hematcrito inferior
264

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Quadro 1. Agentes microbianos mais provveis nas PAC consoante os grupos de risco
Grupo ambulatrio
Grupo I

Grupo II
Mais frequentes

S. pneumoniae

S. pneumoniae

M. pneumoniae

H. influenzae

H. influenzae

S. aureus

C. pneumoniae

Bacilos aerbios Gramnegativo


Menos frequentes

S. aureus

M. catarrhalis

Bacilos aerbios Gramnegativo

Legionella spp

(exceto P. aeruginosa)
Grupo hospitalizado
Grupo III

Grupo IV
Mais frequentes

S. pneumoniae

S. pneumoniae

H. influenzae

Bacilos aerbios Gramnegativo

S. aureus

S. aureus

Flora mista (aerbios e anaerbios)

P. aeruginosa

Bacilos aerbios Gramnegativo

Legionella spp

( P. aeruginosa)

M. catarrhalis

C. pneumoniae
Legionella spp
Menos frequentes
P. aeruginosa

H. influenzae

M. pneumoniae
M. catahrralis

a 30%, hemoglobina inferior a 9 g/100 ml, PaO2 inferior a 60 mmHg, PaCO2


superior a 50 mmHg e pH inferior a 7,35.
Com este conjunto de parmetros, definemse quatro grandes grupos de
doentes:
a) Doentes suscetveis de ser tratados em ambulatrio
Grupo I doentes com menos de 60 anos e sem doena concomitante.
Grupo II doentes com mais de 60 anos e/ou doena concomitante.
b) Doentes com indicao de hospitalizao
Grupo III doentes com indicao de internamento em enfermaria
geral.
Grupo IV doentes graves com necessidade de internamento em UCI.
No quadro 1 so referidos os agentes etiolgicos mais provveis nos quatro grupos anteriormente apresentados, tendo em considerao os dados da
265

J.L. Boaventura

anamnese, os dados epidemiolgicos e clnicos e a presena de fatores preditores de risco de maior ou menor gravidade.
Apesar destas indicaes, cerca de 10% dos indivduos do grupo I acaba
por ter, mais tarde, necessidade de internamento, mas este grupo apresenta
uma mortalidade global relativamente baixa, inferior a 1%. No grupo II,
o grau de hospitalizao ulterior pode alcanar 20%, com uma mortalidade geral de 13%. A mortalidade do grupo III sobe para 1015% e a do
grupo IV pode atingir 35%. Os grupos de internamento correspondem queles em que se observam fatores de risco de natureza clnica e/ou laboratorial.
Em Portugal, a percentagem mdia global de internamento situase entre
2540%32.
Estas normas de orientao clnica na PAC foram atualizadas por Bartlett, et al., em nome da IDSA, em duas reunies de consenso e publicadas,
respetivamente, em 1997 e revistas em 20002,29. Ganhouse em rigor, pois os
doentes passaram a ser estratificados quanto ao risco por uma pontuao,
mas perdeuse um pouco mais em sentido prtico de aplicao cabeceira
do doente.
Esta nova categorizao divide os doentes em cinco classes de risco, sendo a primeira definida por trs respostas negativas s questes a seguir
apresentadas:
O doente tem mais de 50 anos?
O doente tem antecedentes de qualquer destas doenas?
Neoplasia
Insuficincia cardaca congestiva
Doena vascular cerebral
Doena renal
Doena heptica
O doente apresenta alguma destas alteraes?
Alterao do estado de conscincia
Pulso superior a 125/m
Frequncia respiratria superior a 30 r.p.m.
TAS inferior a 90 mmHg
Temperatura inferior a 35 oC ou superior a 40 oC?
Os doentes da classe I podem ser tratados em ambulatrio com razovel
segurana. Os das classes IIV derivam do total averbado na tabela de pontuao do risco do quadro 2 e distribuemse da seguinte forma:
Inferior a 70 pontos classe II (tratamento ambulatrio).
De 71 a 90 pontos classe III (tratamento hospitalar curto).
De 91 a 130 pontos classe IV ( tratamento hospitalar).
Superior a 130 pontos classe V (tratamento em UCI).
No fundo, tratase de um desdobramento do grupo II da classificao
anterior, tentando prevenir as situaes de atraso de eventual internamento.
Podese acrescentar que os doentes das classes II e III tm um risco ligeiro a
266

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Quadro 2. Pontuao para a estratificao do risco na PAC adaptada das normas da


IDSA e baseada no PSI
Caractersticas do doente

Pontuao

Aspetos demogrficos
Idade do homem

N.o anos

Idade da mulher

N. anos 10

Residncia em lar

10

Doenas concomitantes
Neoplsica

30

Heptica

20

Insuficincia cardaca congestiva

10

Vascular cerebral

10

Renal

10

Exame objetivo
Alterao da conscincia

20

Frequncia respiratria 30 r.p.m.

20

TAS < 90 mmHg

20

Temperatura < 35 C ou 40 C

15

Pulso 125/m

10

Exames laboratoriais e radiolgicos


pH arterial < 7,35

30

Uremia 60 mg/dl ou 10 mmol/l

20

Sdio < 130 mmol/l

20

Glicemia 13,9 mmol/l (250 mg/dl)

10

Hematcrito < 30%

10

paO2 < 60 mmHg ou saturao < 90%

10

Derrame pleural

10

moderado, os da classe IV um risco moderado a grave e os da classe V um


risco muito elevado.
O CURB65 baseiase em cinco fatores de fcil avaliao. So, segundo
o acrnimo anglossaxnico, a Confuso mental, a Uremia igual ou superior
a 60 mg/dl ou 10 mmol/l, a frequncia respiratria superior a 30 r.p.m.
(Respiratory rate), a TAS inferior a 90 mmHg ou TAD inferior a 60 mmHg
(Blood pressure) e a idade superior a 65 anos. Cada item equivale a um
ponto. Assim, 01 ponto traduz uma pneumonia benigna e de mortalidade
reduzida que pode ser tratada em ambulatrio; dois pontos so situaes
que podem justificar um internamento de curta durao, mas com uma
mortalidade que pode atingir os 9%; trs ou mais pontos implicam internamento obrigatrio, e em UCI se a pontuao for de 4 ou 5 (mortalidade
mdia de 2030%).
Nas formas mais benignas e que, em princpio, no implicam internamento, pode dispensarse o exame laboratorial. a forma abreviada de CRB65
267

J.L. Boaventura

(0 pontos tratamento ambulatrio; 12 pontos internamento hospitalar


curto; 34 pontos internamento hospitalar obrigatrio e urgente).
Este ltimo mtodo tem uma fiabilidade muito aproximada do PSI e de
mais fcil aplicao junto do doente, sem necessidade de outros exames
auxiliares de diagnstico (laboratoriais ou imagiolgicos), com exceo do
RX do trax, por dvida de diagnstico, evoluo menos favorvel ou patologia pulmonar subjacente, e, casualmente, da determinao da uremia.
Por margem de segurana o doente deve ser reavaliado s 4872 h,
sobretudo se no houver melhoria mas antes agravamento da situao
clnica.
Algumas razes podem alterar a indicao inicial de no internamento.
Referemse, entre outras, as eventuais complicaes da prpria pneumonia,
a exacerbao de uma doena subjacente, a subestimao das pontuaes
de gravidade, a existncia de vrios fatores de risco no limiar dos parmetros
aceitveis, a incapacidade social ou fsica de tomar a medicao (semabrigo,
toxicodependente e doente psiquitrico).
Em ltima anlise, a avaliao caso a caso, e o bom senso clnico que
devem imperar e, eventualmente, sobreporse s NOCs. Estas no so dogmas
irredutveis, a que s os crentes obedecem piamente, mas antes referncias
de atuao para os sensatos.

Critrios de pneumonia adquirida na comunidade grave


No quadro 3 apresentamse os critrios de gravidade major e minor na
PAC, que implicam, em regra, internamento hospitalar. Um critrio major ou
trs minor so necessrios e suficientes para o internamento urgente, de
preferncia em UCI25.

Tratamento
O tratamento antibitico da PAC , quase sempre, emprico. Com base
nos consensos apresentados nas vrias sociedades de pneumologia e de infeciologia, mostrase, no quadro 4, o tratamento sugerido de primeira linha
e as possveis alternativas, em regime ambulatrio, e no quadro 5 em regime
de internamento. Apenas nas situaes mais graves, que implicam internamento obrigatrio, se devem utilizar as ureidopenicilinas, os carbapenemes
e as cefalosporinas de terceira e quarta geraes26,8,12,19,21,23,2733.
A metodologia da abordagem teraputica dever seguir a proposio do
algoritmo da figura 1. Por exames mnimos entendese, essencialmente, o Rx
do trax. Os restantes exames efetuamse, em regra, num contexto de indicao forte para o internamento.
268

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Quadro 3. Critrios de PAC grave


Critrios minor
Frequncia respiratria 30 r.p.m.
PaO2/FIO2 250 (sem ARDS*)
Infiltrados multilobares
Confuso/desorientao
Uremia 60 mg/dl ou 10 mmol/l
Leucopenia < 4.000/mm3
Trombocitopenia < 100.000/mm3
Hipotermia < 35 C
Hipotenso
Critrios major
Necessidade de ventilao mecnica invasiva
Choque sptico
*Acute Respiratory Distress Syndrome.

Quadro 4. Antibioterapia emprica na PAC em regime ambulatrio


1.a escolha

Alternativa

Sem antibioterapia prvia

Amoxicilina
ou
macrlido*

Doxiciclina

Com antibioterapia prvia

Macrlido + coamoxiclav

Fluorquinolona 2.a gerao

Macrlido

Fluorquinolona 2.a gerao

Situao clnica
Previamente saudvel

Doena coexistente
Sem antibioterapia prvia
Com antibioterapia prvia

Macrlido + blactmico

Suspeita de aspirao

Coamoxiclav
Clindamicina

Fluorquinolona 2.a gerao


Fluorquinolona 2.a gerao

*Na hiptese de infeo por micoplasma, se o quadro clinicorradiolgico for sugestivo, caso contrrio dar
preferncia amoxicilina. No caso da utilizao da azitromicina, o tratamento apenas de 35 dias
consoante a dosagem diria.
De preferncia azitromicina ou claritromicina.
Devem ser, em regra, alternativa e no indicao primria, para obviar o aparecimento de resistncias
microbianas (levofloxacina, moxifloxacina).
Amoxicilina clavulanato.
Coamoxiclav, cefuroxima.

Na pneumonia ligeira sem critrios de internamento e em doente previamente saudvel, o antibitico preferencial a amoxicilina. A alternativa
do macrlido apenas para contemplar a hiptese clnica, num contexto
de probabilidade, de presena de Mycoplasma pneumoniae. Por outro lado,
deve terse em conta, em Portugal, a situao de menor sensibilidade de
Streptococcus pneumoniae aos macrlidos911.
Apresentase no quadro 6 a teraputica antimicrobiana dirigida na PAC,
para contemplar as situaes minoritrias em que o agente causal isolado
269

J.L. Boaventura

Quadro 5. Antibioterapia emprica na PAC em regime de internamento


1.a escolha

Situao clnica

Alternativa

Enfermaria
Sem antibioterapia prvia

Macrlido + ceftriaxona*

Fluorquinolona 2.a gerao

Com antibioterapia prvia

Macrlido + coamoxiclav

Fluorquinolona 2.a gerao

P. aeruginosa improvvel

Macrlido + ceftriaxona

Fluorquinolona 2.a gerao

P. aeruginosa provvel

blactmico
antiPseudomonas +
macrlido
aminoglicosdeo

Fluorquinolona 2.a gerao


aminoglicosdeo

UCI

*Defende melhor a eventualidade de S. pneumoniae, dada a resistncia crescente aos macrlidos em


Portugal, e da presena de bacilos Gramnegativo (enterobactereceas).
Dependente da antibioterapia prvia instituda.
Piperacilina/tazobactam, imipenem, meropenem, cefepima.
Sinergia na P. aeruginosa.

Pneumonia?

No
Bronquite
Asma
Outra

Sim

Gravidade

Ligeira

Expectorao
Dados epidemiolgicos
Dados fsicos e laboratoriais (?)

Moderada grave

Que exames?

Mnimos
(Rx trax)

Hemocultura
Secrees brnquicas
Exames serolgicos
Que antibiticos?

Amoxicilina
(clavulanato)
Macrlidos

Amoxicilina clavulanato
Cef. 2.a e 3.a gerao
Cef. 4.a gerao ou carbapenemes
Fluorquinolonas de 2.a gerao

Figura 1. Algoritmo de manejo da pneumonia da comunidade.

270

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Quadro 6. Tratamento etiolgico na PAC


Agente microbiano

Eleio

Alternativa

Penicilinossensvel

Penicilina G
Amoxicilina

Resistncia intermdia*

Penicilina G
Ceftriaxona
Amoxicilina
Fluorquinolona 2.a gerao
Ceftriaxona
Vancomicina

Cef. 1.a gerao


Doxiciclina
Macrlido
Doxiciclina
Clindamicina

S. pneumoniae

Resistncia elevada
S. aureus
SAMS

Flucloxacilina

SAMR

Vancomicina

H. influenzae
Ampicilinossensvel

Ampicilina (amoxicilina)

Ampicilinorresistente

Enterobactericeas
K. pneumoniae,
E. coli,
S. marcescens

Cef. 2.a gerao


Coamoxiclav
Azitromicina/claritromicina
Fluorquinolona 2.a gerao

Cef. 1.a gerao


Cefuroxima
Linezolida
Azitromicina
Claritromicina
Doxiciclina
Cef. 3.a gerao
Cotrimoxazol

Cef. 3.a gerao**

Aztreonam
Piperacilina/tazobactam
Carbapeneme

P. aeruginosa

Piperacilina/tazobactam
Cefepima
Carbapenem
Aminoglicosdeo

Ceftazidima

aminoglicosdeo

M. catarrhalis

Coamoxiclav
Cef. 2.a e 3.a gerao

Macrlidos

Macrlido

Doxiciclina

Doxiciclina

Macrlidos

M. pneumoniae

Fluorquinolonas

Fluorquinolonas
Chlamydophila spp

Fluorquinolonas
Legionella spp

Eritromicina
rifampicina

Fluorquinolonas
Doxiciclina

C. burnetii

Doxiciclina

Eritromicina

Penicilina G

Piperacilina/tazobactam

Coamoxiclav

Carbapenemes

Anaerbios

Clindamicina
*Sensvel para CIM 2 mcg/ml; resistncia intermdia para CIM 4 mcg/ml; Doses altas de 812 milhes U/dia;
CIM 8 mcg/ml; Alguns estudos recentes provam maior eficcia do linezolida vs vancomicina na
pneumonia por SAMR, graas sua melhor penetrao no interstcio pulmonar; Ampicilina injetvel e
amoxicilina por via oral; **Ceftriaxona; Sinergismo e potenciao contra P. aeruginosa; Levofloxacina,
moxifloxacina; Azitromicina, claritromicina; O metronidazol no uma boa opo visto ter uma m
difusibilidade no tecido pulmonar. Nota: Os valores de CIM apresentados para S. pneumoniae no
incluem as infees do SNC, os quais, nesta eventualidade, so muito mais baixos: sensvel CIM 0,06
mcg/ml; resistncia intermdia CIM > 0,121 mcg/ml; resistncia elevada CIM 2 mcg/ml.

271

J.L. Boaventura

e como consulta de referncia. Tal como no tratamento emprico mostramse


os frmacos de primeira linha e as possveis alternativas por resistncia ou
ao colateral indesejvel ou prvia utilizao da primeira linha3,4,6,17,20,21,3133.
A durao do tratamento nas pneumonias ligeiras de sete dias. Nas
moderadas a graves pode ser de 1015 dias. Alguns agentes microbianos
justificam, por si s, um tratamento mais prolongado, como, por exemplo,
Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, anaerbios, Legionella pneumophila, podendo atingir, nestes casos particulares, as trs semanas.

Preveno
A preveno da PAC passa pelo reconhecimento e controlo das possveis
doenas subjacentes. A boa hidratao e alimentao, bem como a prtica
regular de cinesiterapia respiratria precoce, em grupos selecionados, so
medidas gerais importantes. Os doentes devem abandonar, se possvel, os
hbitos tabgicos e alcolicos.
A vacinao contra a gripe, no s para evitar a doena como as suas
complicaes bacterianas, importante a partir dos 65 anos de idade, particularmente nos indivduos com DPOC, diabticos, e naqueles com patologia
crnica de rgo (corao, rim, fgado), nos quais a indicao pode ser posta mais cedo (50 anos)20,23,25.
A vacinao antipneumoccica est recomendada nos indivduos com
65 ou mais anos, e com menos de 65 anos naqueles com diabetes, alcoolismo
crnico, patologia crnica de rgo, ou imunodepresso congnita ou adquirida, incluindo a infeo por VIH. No caso da asplenia funcional, anatmica ou cirrgica esta indicao impese de imediato, aquando do seu
diagnstico ou ocorrncia21,23,29,31.
A imunoterapia passiva controversa e, em regra, menos eficaz que as
medidas atrs mencionadas.
Nalgumas situaes especficas, por exemplo em surtos de gripe, pode justificarse, nas pessoas em maior risco, a quimioprofilaxia antigripal com ozeltamivir.

3. Pneumonia nosocomial e pneumonia associada


a cuidados de sade
A PN (mnimo 48 h aps o internamento) constitui a terceira ou segunda
causa de infeo hospitalar (consoante os pases) aps as infees urinrias e
as cirrgicas, mas a primeira causa de mortalidade, apenas seguida de perto
pela spsis nosocomial. So responsveis por 1520% de todas as infees hospitalares. A sua prevalncia temse mantido constante, nos ltimos anos, apesar
de todas as medidas de conteno tomadas para combater este flagelo3437.
272

Infees respiratrias Pneumonia aguda

A PACS definese como uma pneumonia que ocorre num indivduo no


hospitalizado mas com amplos contactos com os cuidados de sade teraputicas endovenosas, incluindo quimioterapia, tratamentos de feridas nos 30 dias
que antecedem o diagnstico, residncia em lares de terceira idade e/ou em
setores de prestao de cuidados continuados, hospitalizao anterior, por
dois ou mais dias, nos ltimos 90 dias; assistncia num hospital ou clnica de
hemodilise nos 30 dias anteriores37,38.
A pneumonia associada ao ventilador (PAV) um tipo particular de PN
que se desenvolve mais de 4872 h aps a intubao endotraqueal39.
A mortalidade global da PN oscila entre 2050%, nmeros estes nem
sempre fceis de reduzir. A mortalidade na PACS, embora menos elevada,
pode atingir os 2030%37,39.

Agentes

etiolgicos

Os agentes etiolgicos responsveis pela PN nada tm em comum com o


espectro microbiano da PAC. Predominam os bacilos Gramnegativo (cerca
de 6070%), apesar da tendncia de subida dos Grampositivo, nos ltimos
anos, ser uma evidncia. Os primeiros incluem enterobactericeas (Klebsiella
spp, Serratia marcescens, Enterobacter spp, Escherichia coli), Pseudomonas
aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Stenotrophomonas maltophilia. Entre
os Grampositivo, o agente mais frequente , em 75% dos casos, Staphylococcus aureus (> 50% meticilinarresistentes). Tambm neste contexto da PN
e da PACS, as infees polimicrobianas so mais frequentes do que na PAC3439.

Patogenia

da pneumonia nosocomial

As vias para a colonizao e posterior infeo da rvore traqueobrnquica na PN so, por ordem de frequncia, a aspirao dos microrganismos da
orofaringe, a inalao de aerossis contaminados por bactrias, a via hematognea por foco infecioso distncia e a transposio dos microrganismos
do trato gastrintestinal, este ltimo mecanismo importante nas PN dos doentes com intubaes nasogstrica e endotraqueal. Na figura 2 apresentase
um fluxograma que exemplifica as diferentes possibilidades patognicas36.
A via mais importante a aspirativa, na qual podemos associar, secundariamente, a de transposio. A aderncia das bactrias ao epitlio da mucosa,
na primeira fase de contaminao, decisiva para a infeo ulterior3739.

Fatores

predisponentes

Os fatores predisponentes da PN agrupamse nas seguintes categorias:


Relacionados com o doente (idade avanada, doenas concomitantes,
imunodepresso).
Relacionados com a promoo da colonizao da orofaringe e/ou do
estmago por microrganismos (antibioterapia prvia, coma, DPOC, internamento em UCI).
273

J.L. Boaventura

Factores
do
hospedeiro

Antimicrobianos,
imunossupressores

Cirurgia

Tcnicas
invasivas

Infeco dos
sistemas de
ventiloterapia

Colonizao cruzada
(mos, luvas)

Desinfeco/
esterilizao
inadequadas

Colonizao
orofarngea

Colonizao
gstrica

Aspirao

Bacteriemia

Aerossis
contaminados

Solutos/gua
contaminados

Inalao

Defesas pulmonares
ultrapassadas

Transposio

Pneumonia

Figura 2. Patogenia da PN (adaptado de Satcher, et al.36).

Relacionados com as condies que facilitam a aspirao ou o refluxo


(intubaes endotraqueal e nasogstrica, decbito supino).
Relacionados com situaes que exigem ventilao mecnica1,3336.
Determinados fatores favorecem o desenvolvimento de PN, entre os quais
se destacam a ventilao mecnica superior a 48 h, durao do tempo de internamento hospitalar, particularmente em UCI, gravidade das pontuaes dos
sistemas de estratificao de risco (SAPS, APACHE), gravidade da doena de
base, ARDS concomitante.

Fatores

de risco de pneumonia nosocomial

Podem ser endgenos (relacionados com o prprio doente) idade,


DPOC, alterao da conscincia (coma), gravidade da doena de base, falncia
de rgo, queimaduras, politraumatismo, hipoalbuminemia. Os fatores exgenos so tubos endotraqueais, sondas nasogstricas (podem facilitar a aspirao), cirurgia prvia, antibioterapia anterior, teraputica imunossupressora,
274

Infees respiratrias Pneumonia aguda

corticoterapia, preveno das lceras de stress com anticidos, antagonistas


H2 ou inibidores da bomba de protes (IBP), por facilitarem a pululao dos
microrganismos e ulterior aspirao.

Fatores

de risco de emergncia de microrganismos multirresistentes

Os microrganismos multirresistentes (MMR) a dois ou mais frmacos antimicrobianos so um dos flagelos atuais da infeciologia, a que no escapam
as pneumonias, particularmente nosocomiais mas tambm associadas aos
cuidados de sade. Os agentes patognicos mais incriminados neste contexto so Staphylococcus aureus meticilinorresistente (SAMR), por vezes com
resistncia intermdia tambm vancomicina, Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli produtoras de b-lactamases de espectro alargado, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp e Stenotrophomonas maltophilia, os quais originam
srias dificuldades na abordagem teraputica.
Os fatores de risco destas situaes so antibioterapia prvia (at 90 dias
anteriores), hospitalizao por mais de cinco dias, elevada resistncia a um
microrganismo na comunidade e, sobretudo, numa unidade hospitalar especfica, doena e/ou teraputica imunossupressoras, e doena de base grave.
Estes riscos so partilhados pelas PN e PACS3439.

Diagnstico
O diagnstico de PN bem mais difcil que o da PAC. A semiologia
pouco importante e muito enganadora. Os pontoschave baseiamse na presena de febre, secrees traqueobrnquicas purulentas, leucocitose, imagem radiolgica progressiva. A presena de trs destes itens pe a suspeita
de pneumonia e a dos quatro fortemente indiciadora.
O diagnstico microbiolgico assenta no isolamento do agente nas secrees brnquicas, de preferncia com cateter duplamente protegido (CDP),
no estudo do LBA ou microLBA, que tambm pode ser com a tcnica de
dupla proteo. O exame de expetorao no tem qualquer interesse neste
tipo de pneumonias. A hemocultura, quando positiva, o que acontece poucas
vezes, decisiva para o diagnstico.
A progresso na agressividade dos exames inclui o aspirado transtraqueal,
com pouca especificidade e reduzida aplicao, e as biopsias transbrnquica
e transtorcica, embora estas ltimas estejam longe de constituir uma rotina,
mesmo em UCI. Utilizamse em casos muito selecionados.
Apesar de todos estes procedimentos, a fiabilidade destes mtodos relativamente baixa. Mais de metade dos casos fica sem diagnstico etiolgico.
Em casos duvidosos o Clinical Pulmonar Infection Score (CPIS) pode ser um
instrumento muito til para o diagnstico de PN, PAV e PACS (Quadro 7). A
pontuao de 6 suspeita e a superior fortemente diagnstica38.
A figura 3 mostra um algoritmo prtico para a marcha do diagnstico e
de orientao teraputica nas PN, PAV e PACS39.
275

J.L. Boaventura

Quadro 7. CPIS*
Parmetro

Valor

Temperatura (C)

36,538,4

38,538,9

< 36 ou > 39

Leuccitos

Secrees brnquicas

Pontuao

4.00011.000

< 4.000 ou > 11.000

Formas imaturas

Escassas

Abundantes

Purulentas

paO2/FIO2

> 240 ou ARDS

< 240 sem ARDS

RX trax

Limpo

Infiltrado difuso

Condensao

Sem progresso

Com progresso

Progresso do infiltrado pulmonar


Anlise de aspirado brnquico

N. no significativo

N.o significativo

Gram idntico

*> 6 pontos diagnstico altamente provvel.


Excluir falncia cardaca e ARDS.
Adaptado de Singh, et al.38.

Tratamento
O tratamento da PN e da PACS , na esmagadora maioria dos casos, emprico
e tem que ser precoce quando se suspeita da hiptese diagnstica. Embora, neste caso particular, os dados epidemiolgicos e clnicos no sejam to importantes
no sentido discriminativo do agente causal, possvel apresentar quatro grandes
grupos, baseados no tempo de internamento (que condiciona probabilidades
particulares de agentes microbianos) e no quadro epidemiolgico e clnico37,39.
Assim, h a considerar as pneumonias de incio precoce (> 72 h mas < 5 dias),
onde ainda aparece a flora da comunidade, particularmente a do grupo IV das
PACs (Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Staphylococcus
aureus, Moraxella catarrhalis, bacilos entricos Gramnegativo, Legionella
pneumophila e, menos frequentemente, Pseudomonas aeruginosa).
Nas formas pneumnicas de incio tardio e mais graves, Pseudomonas aeruginosa mais frequente e Haemophilus influenzae menos comum, a menos que
o doente tenha feito antibioterapia prvia, em casa ou j em meio hospitalar.
A PAV depende dos fatores relacionados com o doente (quebra de barreiras), com a aparelhagem (contaminao) e com os trabalhadores de sade
(manipulao dos doentes e dos aparelhos). Os agentes mais comuns, nesta
276

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Vigiar

No

Critrios clnicos
de pneumonia (CPIS)
Sim
Broncoscopia e
LBA ou CDP

Exame directo
positivo

Antibioterapia
emprica
(amplo espectro)
Sim

Antibioterapia
orientada

Sim

Antibioterapia
ajustada

No
Manter ou interromper
consoante a evoluo
clnica e o CPIS

No

Culturas positivas

Figura 3. Estratgia diagnstica e teraputica nas PNs, PAVs e PACSs


(adaptado de Chastre, et al.39).

situao particular, so Staphylococcus aureus [formas meticilinassensveis (SAMS)


e meticilinarresistentes], Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp (baumannii,
calcoaceticus), Legionella pneumophila, Stenotrophomonas maltophilia.
Na PN associada ao grande imunodeprimido, alm dos agentes microbianos
considerados h que acrescentar os fungos Aspergillus fumigatus, Candida spp,
sobretudo se ao fim de quatro a cinco dias de antibioterapia para as eventualidades anteriores no se registar uma melhoria ou houver agravamento.
No quadro 8 mostramse os principais esquemas de tratamento antibitico emprico nas PN. Das formas menos graves, que no necessitam de
transferncia para uma UCI, at s mais graves, com indicao para cuidados
intensivos ou aquelas que surgem na sequncia de internamento em UCI, h
uma escalada na indicao de antimicrobianos de mais amplo espectro e de
maior cobertura de hipteses etiolgicas ou de agentes menos habituais,
como Legionella pneumophila, Acinetobacter baumannii, Stenotrophomonas
maltophila e, no caso do grande neutropnico ou grande imunodeprimido
em geral, Aspergillus spp e Candida spp.
No caso da infeo por Acinetobacter spp o tratamento de primeira escolha carbapeneme ou ampicilina/sulbactam ou fluoroquinolonas amicacina
ou ceftazidima. H referncias eventual eficcia do sulbactam em monoterapia. Todavia as resistncias mesmo a estes antimicrobianos so frequentes.
Assim, s a utilizao de colistina endovenosa pode vir a melhorar o quadro
clnico grave. Na infeo por Stenotrophomona maltophilia, o tratamento de
eleio com o cotrimoxazol em doses muito altas equivalentes s utilizadas
na pneumonia por Pneumocystis jirovecii. As alternativas teraputicas, menos
eficazes, so as fluoroquinolonas (levofloxacina), cefepima ou ceftazidima3739.
O tratamento das formas graves, que exigem internamento em UCI, deve
ser iniciado precocemente, de preferncia em menos de duas quatro horas,
277

J.L. Boaventura

Quadro 8. Tratamento antimicrobiano emprico nas PN


Quadro clinicoepidemiolgico

1.a escolha

Alternativa

PN precoces (> 72 h, < 5 dias)


de mdia gravidade*

Ceftriaxona
macrlido
clindamicina

Piperacilina/ tazobactam
ou ceftazidima
ou cefepima

PN tardias (com > 5 dias)


graves

Piperacilina/tazobactam
aminoglicosdeo
ou ceftazidima
aminoglicosdeo
ou cefepima
aminoglicosdeo

Carbapeneme
aminoglicosdeo
vancomicina

PAV**

Piperacilina/tazobactam
ou cefepima
ou carbapeneme
+ aminoglicosdeo
vancomicina

As anteriores
+ ciprofloxacina
ou aztreonam
vancomicina

Pneumonia no grande
imunodeprimido

As anteriores
+ vancomicina

As anteriores
+ vancomicina
+ antifngicos

*Possibilidade de flora orofarngea da comunidade.

Para a eventualidade de infeo por Legionella.

Na pneumonia de aspirao.

Gentamicina, netilmicina e amicacina (de preferncia esta ltima na hiptese de SAMS ou de bacilos
entricos multirresistentes) para obter ao sinrgica til na eliminao de P. aeruginosa, sobretudo no
imunodeprimido neutropnico.

Na possibilidade da infeo por SAMR.


**No esquecer a eventualidade de infeo por Acinetobacter e S. maltophilia
(ver texto para o tratamento especfico).

Piperacilina/tazobactam ou cefepima ou carbapeneme.

Anfotericina B, fluconazol e equinocandinas.

com antibioterapia de espectro alargado, para incluir todas as hipteses mais


provveis, sendo depois simplificado e dirigido se obtivermos um diagnstico
etiolgico3741.
A teraputica antibitica sequencial, que consiste na passagem da via
endovenosa para a via oral, logo que se registe melhoria clnica e dos marcadores inflamatrios (protena C reativa ou PCA), ainda em fase de internamento ou na alta para ambulatrio, mais cmoda para o doente, diminui o tempo de internamento e o risco de infeo nosocomial, tem menos
custos e poupa algumas resistncias aos antimicrobianos.
A durao do tratamento, tal como na PAC, no deve ultrapassar, em
mdia, os sete a 10 dias. A vantagem da curta durao deriva da menor
alterao do ecossistema, da menor toxicidade e dos custos menos acentuados. O nico seno a eventualidade de maior taxa de recadas. A teraputica de longa durao, at s trs semanas, est indicada nos chamados
microrganismos problema, j referenciados na PAC, Staphylococcus aureus,
Pseudomonas aeruginosa, Legionella spp, anaerbios, e a que se acrescentam
Acinetobacter spp e Stenotrophomonas maltophilia3741.
278

Infees respiratrias Pneumonia aguda

Preveno
As medidas gerais de preveno da PN so comuns s indicadas na infeo
nosocomial. Como medidas especficas podem considerar-se as de carter
genrico, como a cabeceira da cama elevada a 3045o, a mudana de decbito, o levante e a cinesiterapia respiratria precoces3542.
As medidas especficas relacionadas com o ventilador implicam desinfeo
e esterilizao dos circuitos na utilizao entre doentes, uso, quando possvel,
de material descartvel, gua esterilizada no ventilador/nebulizador, mudana
regular da tubagem (cada sete dias), mudana do humidificador (cada 48 h).
As medidas de controlo da infeo respiratria implicam, entre outras, a
lavagem frequente das mos, entre cada observao ou manipulao do doente ou dos aparelhos e antes e depois da utilizao de luvas esterilizadas (por
exemplo, na aspirao de secrees), o isolamento de doentes com infees
por SAMR, Acinetobacter spp, Stenotrophomonas maltophilia e a vacinao
contra a gripe (doentes e trabalhadores de sade), em perodos de epidemia.
H que ter ateno ao posicionamento da sonda nasogstrica, aspirar
contedo gstrico (drenagem livre), se houver estase gstrica, evitar frmacos emetizantes e, sempre que possvel, a hipersedao dos doentes.
A profilaxia da gastrite e lceras de stress deve ser praticada com o sucralfato (protetor da mucosa gstrica), que no inibe a acidez, importante
como barreira para os microrganismos. Em alternativa, se o risco de hemorragia for grande, podem utilizarse os inibidores da bomba de protes. Os
antagonistas H2 devem ser evitados34,35,37.
Por ltimo, a descontaminao seletiva do intestino (DSI), como medida de
preveno da PN, nas modalidades de pasta orofarngea e/ou de lquido pela
sonda nasogstrica, contendo polimixina, gentamicina e anfotericina ou nistatina, mantemse controversa. Os inconvenientes so variados, incluindo a seleo
de estirpes resistentes, a eficcia nem sempre comprovada, protegendo, apenas,
contra aerbios Gramnegativo e alguns fungos, deixando de fora anaerbios
e alguns Grampositivo e, por outro lado, no apresenta uma boa relao de
custoefetividade, pois no reduz a incidncia de PN, a mortalidade global, o
tempo de internamento e de ventiloterapia. Assim, os riscos podem ultrapassar
os benefcios. Esta questo continua em aberto e sujeita a discusso ativa3742.

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280

Seco 9 Infees respiratrias

Bronquite aguda e crnica

lvaro Ayres Pereira

Os mdicos que exercem medicina familiar so confrontados diariamente


com infees brnquicas, as mais frequentes das infees das vias respiratrias inferiores.
Fatores genticos, ambientais e infeciosos podem contribuir para a inflamao aguda ou crnica das vias areas do pulmo. A natureza, gravidade
e durao destas agresses podem produzir uma inflamao aguda ou crnica, associada a tosse, dispneia, produo de expetorao e doena pulmonar
obstrutiva. Clinicamente, estas entidades so classificadas como bronquite e
bronquectasias. A bronquite aguda ou crnica tm como principais sintomas
a tosse e a expetorao, e as bronquectasias caracterizamse pela dilatao
das vias areas, que esto, estruturalmente, lesadas. A capacidade para interromper a progresso da bronquite crnica , geralmente, limitada pela
inflamao crnica e por alteraes estruturais nas vias areas. Contudo, os
antibiticos, os antiinflamatrios e outras formas de teraputica podem
modular as exacerbaes agudas e, potencialmente, a sua progresso.
A bronquite aguda caracterizada por um estado inflamatrio da rvore
traqueobrnquica associado a infeo respiratria generalizada, e manifestase pelo desenvolvimento de tosse com ou sem expetorao. Ocorre,
principalmente, durante os meses de inverno quando as infees agudas do
trato respiratrio so frequentes, principalmente em crianas abaixo dos
cinco anos. A bronquite aguda causada, em regra, por infeo do epitlio
respiratrio por um vrus, como o da gripe, rinovrus ou adenovrus. Tambm,
pode ser causada por infees no-vricas, como por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae ou Bordetella pertussis. A invaso secundria
por Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae no est bem
definida.
Os efeitos patognicos destes microrganismos no esto, completamente,
compreendidos, mas eles infetam e lesam, diretamente, o epitlio das vias
areas, causando libertao de citocinas prinflamatrias, aumentando a produo de secrees e diminuindo a clearance mucociliar. As vias areas lesadas,
por estas infees, ficam mais suscetveis irritao por toxinas inaladas ou
por bactrias. Esta infeo respiratria aguda caracterizada por faringite,
rinorreia, febrcula e tosse, que pode persistir durante meses.
Enquanto no resfriado comum a tosse um dos sintomas, na bronquite
infeciosa aguda por vrus a tosse o sintoma predominante e mais prolongada e tipicamente no produtiva.
281

A. Ayres

O tratamento sobretudo sintomtico, base de antiinflamatrios no-esterides, antihistamnicos, esterides inalados e boa hidratao oral. Habitualmente, no se justifica o uso de antibiticos, a no ser que estejam
presentes polimorfonucleares e bactrias no exame microbiolgico de expetorao ou se, ao fim de duas semanas, no h resposta teraputica sintomtica. Nestes casos utilizarse aminopenicilina, macrlido ou doxiciclina
durante cinco a sete dias.
A bronquite crnica definida por critrios clnicos, isto tosse produtiva por mais de trs meses/ano, durante pelo menos dois anos consecutivos.
A bronquite crnica uma categoria major, tal como o enfisema pulmonar,
da doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC), que contribui, significativamente, para a morbilidade e mortalidade, principalmente, em indivduos
com mais de 55 anos. As manifestaes clnicas da DPOC refletem um jogo
dinmico entre bronquite crnica e enfisema. Muitos dos doentes tm
caractersticas mistas. Numerosos fatores, importantes, contribuem para
a bronquite crnica, tais como tabagismo, infeo vrica ou bacteriana,
inalao de poluentes (poeiras ou fumos) ambientais ou ocupacionais e de
alergenos, que contribuem para a resposta alrgica13.
A bronquite crnica comum e pode afetar 1025% da populao adulta, sendo mais frequente no homem do que na mulher, e em indivduos com
mais de 45 anos. Embora o tabagismo esteja, muitas vezes, associado a esta
doena, existem, provavelmente, outros fatores que, tambm, devem ser
importantes, dado que, apenas, cerca de 15% dos fumadores desenvolve
bronquite crnica. Por outro lado, de 6-10% dos homens no-fumadores tm
tosse persistente e produo de expetorao.
Perante um doente com suspeita de bronquite crnica, a primeira atitude caracterizar bem a gravidade da doena subjacente, fazendo uso
da anamnese e de diversos meios auxiliares de diagnstico. Na sua avaliao deve realar-se a idade, a quantidade de tabaco fumado, a existncia
de comorbilidade e o nmero de exacerbaes agudas, no ltimo ano. As
provas de funo respiratria so essenciais para estabelecer o diagnstico,
medir o grau de obstruo nas vias areas e quantificar a evoluo da
doena. A gasometria arterial indica o valor da hipoxemia e avalia o grau
de acidose respiratria e, ainda, da alcalose metablica compensadora. No
hemograma, o valor do hematcrito permite apreciar o grau de eritrocitose compensadora e a concomitante presena de hiperviscosidade. O exame
da expetorao permite a avaliao do nmero de polimorfonucleares, por
campo de observao, e a identificao dos possveis microrganismos envolventes.
No h tratamento especfico da bronquite crnica. O tratamento deve
basearse no conhecimento do grau de obstruo, da extenso da doena
e da relativa reversibilidade da mesma. Dado que o enfisema um processo irreversvel, o afastamento de agresses agudas constitui um objetivo
282

Bronquite aguda e crnica

Quadro 1. Bactrias responsveis por exacerbaes agudas da DPOC, por ordem


decrescente de frequncia
Funo pulmonar bem preservada

H. influenzae (50%)
S. pneumoniae
M. catarrhalis

Funo pulmonar no preservada

Enterobactericeas e P. aeruginosa

primordial na teraputica. Os princpios gerais do tratamento incluem os


abaixo citados13:
Abolio do tabagismo (os doentes podem chegar a recuperar a funo
pulmonar dos indivduos da sua idade)4.
Possibilidade de uma (re)colocao profissional.
Exerccio e nutrio equilibrada, com o objetivo de se atingir o peso
ideal que embora no melhorem a funo pulmonar, aumentam a tolerncia
ao exerccio e o bemestar.
Programas de reabilitao pulmonar incluindo a cinesioterapia respiratria, oxigenoterapia de longa durao e ventilao assistida no invasiva
nos casos graves5.
Broncodilatadores inalatrios, b2agonistas e antagonistas dos recetores
muscarnicos, de curta e longa durao de ao. Nalguns doentes com resposta subptima aos broncodilatadores e que apresentam hipoxemia e fadiga muscular, a teofilina pode ter um efeito adjuvante.
Corticosterides inalados e sistmicos.
Antibioterapia nas exacerbaes agudas6,7.
Imunoterapia, incluindo a vacina da gripe anualmente e a utilizao
de inibidores das neuraminidases (oseltamivir ou zanamivir), com incio nos
primeiros dois dias de sintomas de gripe, para alm da vacina pneumoccica.
As bactrias presentes nas exacerbaes agudas da DPOC so, em geral,
as que colonizam, habitualmente, o trato respiratrio e incluem, por ordem
decrescente, as referidas no quadro 1.
Mesmo se os vrus so causa frequente ( 50%) das recadas mucopurulentas da expetorao, alguns estudos mostraram a convenincia da utilizao de antibiticos nas exacerbaes agudas, independentemente da sua
etiologia. Este procedimento, ainda, mais eficaz se no exame da expetorao (colorao Gram) esto presente polimorfonucleares e predomina determinada bactria. Esta atitude condiciona diminuio da durao e da gravidade das exacerbaes agudas e verificase, tambm, quando estes episdios
no esto relacionados com o isolamento de bactrias, em exames microbiolgicos culturais. Por outro lado, no existem dados que justifiquem, como
aconteceu no passado, a utilizao profiltica de antibioterapia, pelo que
283

A. Ayres

esta medida no aconselhada6,8. Muitas vezes, tambm, difcil de diferenciar entre bronquite aguda, exacerbaes agudas de bronquite crnica,
pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e infees vricas, pelo que a
utilizao de antibiticos no clara e racional.
A utilizao de antibiticos nas exacerbaes agudas da DPOC controversa, mas justificase quando esto presentes, pelo menos, dois dos trs
seguintes sintomas aumento da purulncia (cor e consistncia) da expetorao, aumento da quantidade da expetorao e agravamento da dispneia
(desconforto torcico ou da fadiga) ou quando necessitam de ventilao
mecnica13. A evidncia de exacerbao aguda pode ser objetivada pelo
estudo microbiolgico e pelo aumento das imunoglobulinas A (IgA) A7s (se
no existe infeo so do subtipo IgA 11s), numa amostra fresca de expetorao.
Na presena de uma exacerbao aguda, o doente deve estar educado
para iniciar precocemente um curto perodo de corticoterapia oral e antibioterapia8. Esta atitude mostrouse, sobretudo, eficaz, quando utilizada em
doentes que tinham mais de quatro exacerbaes/ano ou quando as exacerbaes eram, suficientemente, graves para motivar o internamento hospitalar e quando os antimicrobianos utilizados estavam dirigidos contra microrganismos produtores de blactamases (amoxicilina/clavulanato, cefalosporinas,
macrlidos e, possivelmente, quinolonas).
Alm de se basear na situao clnica concreta, a antibioterapia utilizada
devese, sempre, apoiar nos padres locais de sensibilidade e resistncia das
bactrias supostamente envolvidas e nos estudos microbiolgicos, de amostra
de expetorao de episdios anteriores, se existirem (Quadro 2). Em Portugal
a suscetibilidade de Streptococcus pneumoniae penicilina, amoxicilina e
quinolonas tem permanecido muito baixa, embora tenha aumentado a resistncia aos macrlidos, que alcanou os 20%. Tambm tem permanecido
estvel a resistncia de Haemophilus influenzae e de Moraxella catarrhalis
ampicilina, de 1012% e mais de 80%, respetivamente, como resultado da
produo de blactamases9. Neste pas, a amoxicilina/clavulanato ser o antibitico emprico de primeira linha contra as infees do trato respiratrio
inferior adquiridas na comunidade.
Nos doentes com exacerbaes frequentes, grave obstruo ao fluxo areo ou necessitando de ventilao mecnica, deve ser efetuado exame microbiolgico da expetorao, dado que podem estar presentes bactrias com
padres de resistncia menos comuns.
Num indivduo jovem com funo pulmonar bem preservada e menos de
quatro exacerbaes/ano, a utilizao de um blactmico ou tetraciclina
pode ser suficiente e o prognstico bom. Num doente mais idoso, com
funo pulmonar deteriorada e/ou comorbidade significativa (como diabetes mellitus, insuficincia cardaca congestiva, insuficincia renal crnica e
doena heptica crnica), justificase a utilizao de amoxicilina/clavulanato,
284

Bronquite aguda e crnica

Quadro 2. Recomendaes para a utilizao de antibiticos na bronquite13,8


Estado clnico
de base

Critrios/fatores de
risco

Agentes etiolgicos

Tratamento

Bronquite
aguda

Sem doena
estrutural subjacente
com tosse/
expetorao

Geralmente vrica

Nenhum; se prolongada,
macrlido ou tetraciclina

Bronquite
crnica
simples

VEMS > 50%;


volume e
purulncia da
expetorao;
< 4 exacerbaes/ano;
sem fatores de risco
adicionais

H. influenzae e spp
M. catarrhalis
S. pneumoniae

Amoxicilina/clavulanato;
doxiciclina;
macrlido 2.a gerao;
(cotrimoxazol)

Bronquite
crnica
complicada

volume e
purulncia da
expetorao;
VEMS < 50%, mas >
35% do previsvel;
65 anos;
4 exacerbaes/ano;
comorbilidade
significativa

= bronquite crnica
simples;
> frequente
Gramnegativo;
comum a resistncia
aos blactmicos

Amoxicilina/clavulanato;
cefalosporina 2.a gerao;
macrlido 2.a gerao;
fluoroquinolona 3.a4.a
geraes

Bronquite
crnica com
supurao

Produo contnua de
expetorao
purulenta
com exacerbaes
frequentes;
corticoterapia crnica;
possibilidade de
spsis

= bronquite crnica
complicada
enterobactericea
P. aeruginosa

Fluoroquinolona ou
blactmico e.v., com
ao sobre pneumococos
e Pseudomonas;
se spsis +
aminoglicosdeo

cefalosporina de segunda gerao ou de uma quinolona. Se as exacerbaes


so muito frequentes, com expetorao muito purulenta, tosse e dispneia
acentuada, pode mesmo ser necessria uma antibioterapia mais agressiva,
utilizandose a via endovenosa.
A levofloxacina e a moxifloxacina apresentaram bons resultados no tratamento das exacerbaes agudas da bronquite crnica, sendo algumas
atualmente recomendadas, por grupos de largo consenso, nos doentes com
fatores de risco de mau prognstico10. Todavia, o uso das fluoroquinolonas
nas infees do aparelho respiratrio foi posto em dvida, quando apareceram os primeiros casos de insucesso clnico ou de superinfees, durante o
tratamento de pneumonias com ciprofloxacina. Assim, e apesar dos bons
resultados conseguidos no tratamento de diversas infees do aparelho respiratrio, sobretudo das exacerbaes agudas da bronquite crnica (EABC),
as primeiras quinolonas de 2. gerao nunca foram aceites para uso na PAC,
em contraste com as fluoroquinolonas mais recentes, que apresentaram resultados superiores s teraputicas mais conservadoras, mas para as quais
285

A. Ayres

tambm comearam a surgir resistncias11,12. Devido possibilidade de induo de resistncias, o seu uso deveria ser restringido s situaes previsveis
de falncia teraputica aos outros antimicrobianos ou com base nos respetivos antibiogramas. Contudo, a ciprofloxacina ou a levofloxacina podero
ser a opo correta no ambulatrio, quando apoiada em estudos microbiolgicos que apontem para infeo por Pseudomonas aeruginosa.

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286

Seco 10

Infees do aparelho urinrio


Alice Ribeiro

1. Introduo
A infeo do trato urinrio (ITU) uma patologia muito frequente, que
ocorre em todas as idades, desde o recm-nascido ao idoso, mas durante o
primeiro ano de vida consequncia de malformaes congnitas, ao nvel
da vlvula da uretra e mais frequente no sexo masculino1,2. A partir deste
perodo, durante toda a infncia e, principalmente, na fase pr-escolar, as
ITUs no sexo feminino so 10 a 20 vezes mais frequentes, do que no sexo
masculino.
Na idade adulta, a incidncia da ITU aumenta, mantendo-se o predomnio no sexo feminino, com picos de maior frequncia no incio ou relacionados com a atividade sexual, durante a gestao ou na menopausa, pelo
que 48% das mulheres apresentam, pelo menos, um episdio ITU ao longo
da vida3-5.
Na mulher, a suscetibilidade ITU deve-se uretra mais curta e proximidade do nus com o vestbulo vaginal e com a uretra. No homem, o maior
comprimento uretral, o maior fluxo urinrio e o fator antibacteriano prosttico so protetores. O papel da circunciso controverso, mas a menor
ligao de enterobactericeas mucosa do prepcio pode exercer proteo
contra ITU. A partir dos 50 anos, o prostatismo torna o homem mais suscetvel ITU4.
A ITU classificada como no complicada, quando ocorre num doente
com estrutura e funo do aparelho urinrio normais, sem doena crnica
associada e que surge fora do ambiente hospitalar. As condies que se associam ITU complicada incluem as obstrutivas, tais como hipertrofia benigna da prstata, tumores do aparelho urinrio, urolitase, estenose da juno
ureteropilica, corpos estranhos e outras patologias associadas. Outras causas
de ITUs complicadas so as anatomofuncionais (bexiga neurognica, refluxo
vesicoureteral, rim espongiomedular, nefrocalcinose, rim poliqustico e divertculos vesicais), as metablicas (diabetes mellitus, insuficincia renal e transplante renal), o uso de cateter vesical de longa durao ou qualquer outro
tipo de instrumentao e as derivaes ileais4,6,7.
A avaliao urolgica das ITUs est indicada em recm-nascidos e crianas,
nas infees persistentes, aps 72 horas de antibioterapia orientada segundo
o antibiograma, nas ITUs recorrentes em homens ou em transplantados renais e, tambm em mulheres com reinfees frequentes1,2,8,9.
287

A. Ribeiro

consensual que os microrganismos uropatognicos como Escherichia coli,


colonizam o clon e a regio perineal e, nas mulheres, a regio periuretral.
Posteriormente, processa-se a ascenso facultativa para a bexiga e/ou rins,
pois em condies normais, h competio entre estes microrganismos com
a flora vaginal e perineal6,10,11.
O espectro clnico da ITU muito amplo e rene diferentes condies,
tais como cistite aguda e a pielonefrite na mulher saudvel pr-menopusica
e na grvida sem histria sugestiva de anomalias do aparelho urinrio que
so, em geral, classificadas como no complicadas e as outras como complicadas. Esta distino utilizada como guia para a escolha e a durao da teraputica antimicrobiana, com antibiticos de maior espectro de ao e maior
tempo de tratamento para as ITUs complicadas.

2. Patogenia
A frequncia dos germes causadores das ITU varia, na dependncia do local
onde foi adquirida a infeo, intra ou extrahospitalar e tambm difere do ambiente hospitalar considerado. Os maiores responsveis pelas ITUs so os germes
Gram-negativo entricos, especialmente Echerichia coli, que o mais frequente,
independentemente da srie estudada, seguido dos demais Gram-negativo,
como Klebsiella, Enterobacter, Acinetobacter spp, Proteus spp e Pseudomonas
aeruginosa. Alm destes, na maioria das sries estudadas, Staphylococcus saprophyticus, um germe Gram-positivo, tem sido apontado como a segunda causa
mais frequente das ITU no complicadas. O diagnstico das ITUs, por Staphylococcus saprophyticus, difcil, por vezes, pelo fato de apresentar um crescimento muito lento em urocultura e, tambm, porque este agente pode ser confundido com outro Staphylococcus coagulase e ADNase-negativo, saprfita
da flora comensal de trato urinrio, mucosas e pele, como Staphylococcus
epidermidis. O que o diferencia deste ltimo, a resistncia novobiocina e
ao cido nalidxico. Nas ITUs complicadas, a incidncia de Pseudomonas
maior e de Gram-positivo resistentes tambm, como Enterococcus4,6,7,10.
A virulncia e a capacidade patognica das bactrias incluem os seguintes
fatores4:
Flagelos ou antignio H, responsvel pela mobilidade da bactria.
Cpsula ou antignio K, que confere resistncia fagocitose.
Polissacardeos ou antignio O, presentes na membrana externa da
bactria, que so determinantes antignicos de anticorpos especficos, sendo,
portanto, teis na tipagem serolgica (so conhecidos 150 antignios O) e
na distino entre recorrncia e reinfeo.
Fmbrias ou pili ou adesinas, responsveis pela adeso da bactria ao
urotlio e transmisso de informao gentica a outra bactria por via do
ADN dos plasmdeos e toxinas.
288

Infees do aparelho urinrio

So conhecidos dois tipos de pili tipo I (manose-sensvel) cujos recetores


so a manose ou a protena de Tamm-Horsfall e o tipo II (manose-resistente)
cujo recetor parte de um glico-esfingolpido (Gal-Gal). Os fagcitos do
hospedeiro, incluindo polimorfonucleares neutrfilos e macrfagos, reconhecem os pili tipo I e so capazes de fagocitar e destruir a bactria na ausncia
de anticorpo especfico, sendo possvel que os anticorpos contra os pili tipo I
diminuam a resistncia infeo e por esta razo que, este antignio no
deve ser incorporado a uma eventual vacina. As bactrias que possuem pili tipo
II aderem ao urotlio e tambm a antignios do grupo sanguneo tipo B12 . Tal
deve-se presena de antignios do grupo sanguneo B na superfcie do
urotlio. Devido similaridade antignica entre bactrias Gram-negativo e
este ou outros grupos sanguneos (Lewis, A, B, O), a determinao de fentipos relacionados com os grupos sanguneos serve como marcao de populaes com risco de desenvolverem ITU de repetio.

3. Fatores de risco
Obstruo do trato urinrio a estase urinria predispe para a proliferao bacteriana e a prpria distenso vesical reduz a capacidade bactericida da mucosa.
Refluxo vesicoureteral a insero lateral do urter na bexiga, sem
constrio adequada durante a contrao do msculo detrusor, permitindo
o refluxo de urina durante a mico e manuteno de posterior volume
residual, predispe para a proliferao bacteriana9.
Cateterizao urinria os cateteres de longa durao predispem
bacteriria significativa (geralmente assintomtica), especialmente em drenagem aberta (ITU em 48 horas) e o risco de bacteriemia por Gram-negativo
(de cinco vezes) proporcional ao tempo de cateterizao. A leucocitria
no tem uma boa correlao com a ITU em doentes com cateter. Alm de
crescerem em suspenso, algumas bactrias produzem uma matriz de polissacridos ou biofilme, que as envolve e protege das defesas do hospedeiro
e, tambm, confere resistncia aos antimicrobianos4,6,13,14. Adicionalmente, a
presena de germes neste biofilme cria um ambiente favorvel formao
de incrustaes na superfcie interna do cateter, levando sua obstruo.
Gravidez a prevalncia de bacteriria assintomtica de at 10% na
gravidez, podendo ser observada desde o incio da gestao ao 3.o trimestre
e 25-57% destas bacteririas no tratadas podem evoluir para infeo sintomtica, inclusive pielonefrite, devido dilatao fisiolgica do urter e
pelve renal, facilitando o refluxo. Por outro lado, h risco de necrose papilar.
A incidncia de bacteriria aumenta, tambm, em relao ao nmero prvio
de gestaes. As ITUs na gravidez associam-se a maior ndice de prematuridade, baixo peso e mortalidade perinatal, alm de maior morbilidade
289

A. Ribeiro

materna. As alteraes mecnicas e fisiolgicas da gravidez que contribuem


para as ITUs, incluem:
Dilatao plvica e hidrourter.
Aumento do tamanho renal (1 cm).
Modificao da posio da bexiga, que se torna um rgo abdominal
e no plvico.
Aumento da capacidade vesical, devido reduo do tnus, mediado
por hormonas.
Relaxamento do msculo liso da bexiga (detrusor) e urter mediados
pela progesterona.
Diabetes mellitus no h provas de que a frequncia das ITUs sintomticas esteja aumentada em diabticos, quando comparada com indivduos
normais do mesmo sexo e faixa etria13. H referncias de maior frequncia
de bacteriria assintomtica entre mulheres diabticas, mas no entre homens
diabticos. Existem vrias alteraes nos mecanismos de defesa do hospedeiro diabtico, que o tornam mais suscetvel s complicaes decorrentes das
ITUs, tais como defeito no poder quimiotxico e fagoctico dos polimorfonucleares devido ao ambiente hiperosmolar, doena microvascular, que leva
isqumia tecidual local e fraca mobilizao leucocitria, neuropatia vesical
(bexiga neurognica). A infeo iatrognica decorre da necessidade frequente
de hospitalizao e cateterizao nestes doentes. O papel da glicosria, ainda
muito discutido, no tendo sido comprovada a sua associao com maior
colonizao bacteriana. Certas complicaes clnicas como a pielonefrite
enfisematosa (90% dos casos so diabticos), abcesso perirenal e necrose
papilar so muito mais frequentes entre os diabticos.
Relao sexual/mtodos contracetivos os fatores de risco para cistite
e pielonefrite no complicada espordicas e recorrentes, incluem relaes
sexuais, uso de espermicidas, ITUs prvias, um novo parceiro sexual durante
o ano anterior e histria de ITU num familiar de 1.o grau do sexo feminino6,7.
Estudos caso-controlo no encontraram associaes significativas entre as
infees urinrias e os padres de comportamento antes e depois do coito,
consumo de bebidas alcolicas, frequncia urinria, uso de tampes, duche,
tipo de roupa interior, padres de higiene ou a massa corporal. No entanto
h uma forte associao entre a pr-disposio gentica e as ITUs recorrentes
(cistites e pielonefrites)2,7,15. O uso do diafragma e gel espermicida, como
mtodos contracetivos, tambm tm sido considerados fatores predisponentes
para as ITUs. A presena do diafragma pode levar a uma discreta obstruo
ureteral que no se associa a maior risco de infeo. No entanto, quando da
associao com o gel espermicida, ocorrem alteraes do pH e da flora
vaginal (perda dos lactobacilos que mantm a acidez do pH vaginal), que
podem favorecer a ascenso de germes ao trato urinrio. O uso de preservativos s predispe para as ITU quando contm espermicidas.
290

Infees do aparelho urinrio

Prostatismo a ocorrncia de hipertrofia prosttica benigna ou carcinoma da prstata condiciona obstruo ao fluxo urinrio com consequente
esvaziamento vesical incompleto. Nestes casos, as ITUs decorrem da presena
de urina residual e, tambm, da necessidade mais frequente de cateterizao
urinria.
Menopausa o estrognio estimula o crescimento e a multiplicao
celular da mucosa vaginal, facilitando a eliminao das bactrias. Adicionalmente, o estrognio promove a acumulao de glicognio pelas clulas
epiteliais, o que favorece o crescimento de lactobacilos que reduzem o pH
vaginal, tornando-o adverso para germes Gram-negativo, como as enterobactericeas. Portanto, a diminuio de estrognios na menopausa, expe a
mulher a um maior risco de bacteriria e ITU sintomtica, pela reduo do
glicognio, ausncia de lactobacilos e aumento do pH vaginal. Sabe-se que
a colonizao vaginal por Escherichia coli um pr requisito para ascenso
da bactria ao trato urinrio10,16. Em culturas seriadas de secreo vaginal,
56% das doentes ps-menopausa com ITUs recorrentes, eram portadoras de
enterobactericeas, especialmente Escherichia coli.
Idade avanada a frequncia das ITUs aumenta com a idade em ambos
os sexos. No homem idoso, alm da doena prosttica e suas implicaes j
descritas, a ITU pode ser decorrente do estreitamento uretral e de outras
anomalias anatmicas. Na mulher idosa, alm da menopausa, alteraes
anatomofuncionais da bexiga, por exemplo relacionadas ou no, multiparidade, a presena de cistocelo, a prpria acumulao de infees recorrentes, acabam, tambm, por aumentar a incidncia das ITUs nesta faixa etria.
A prpria infeo urinria, estimula a hiperreflexia do msculo detrusor
(msculo liso da parede da bexiga) e a endotoxina da Escherichia coli inibe
as concentraes -adrenrgicas uretrais, reduzindo a presso esfincteral, de
que resulta incontinncia urinria. Para ambos os sexos, a presena de patologias coexistentes como diabetes, bexiga neurognica, insuficincia renal,
acidente vascular cerebral, demncia, alteraes na resposta imunitria e
hospitalizao e/ou instrumentao mais frequente, tornam as ITUs mais
frequentes nesta faixa etria.
Transplante renal a prevalncia das ITUs no ps-transplante de 35-80%,
sendo mais frequente nos primeiros trs meses aps o transplante4,11. A maioria das ITUs so assintomticas (rins desnervados), mas em 45% dos casos so
recorrentes. Os agentes infeciosos podem ser adquiridos a partir do rim do
dador, da ferida cirrgica, do uso de cateteres urinrios e do ambiente hospitalar. Microrganismos endgenos latentes, podem, tambm, ser reativados devido ao uso de imunossupressores. O risco de bacteriria aumenta
com o tempo de cateterizao. Nas ITUs recorrentes, devem ser consideradas
as manifestaes urolgicas ou pesquisa de refluxo urinrio. Existem controvrsias quanto a uma possvel acelerao no processo de rejeio crnica
entre aqueles que apresentam ITUs recorrentes. Normalmente so causadas
291

A. Ribeiro

por bacilos Gram-negativo e enterococos. Entretanto, tm sido referidas


ITUs por Corynebacterium urealyticum em 10% dos casos, contra 2% na
populao normal.

4. Quadro clnico
No adulto, as manifestaes clnicas da cistite so a disria, polaquiria
ou aumento da frequncia urinria, urgncia miccional, dor na regio supra
pbica, arrepios de frio ou calafrios, com presena ou no de dor lombar.
Podem fazer parte do quadro clnico, mal-estar geral e indisposio. No indivduo idoso comum a dor abdominal ou distrbios do comportamento,
tais como sonolncia e prostrao. Em crianas, o principal sintoma pode ser
dor abdominal. Em recm-nascidos, o diagnstico clnico de ITU torna-se
suspeito, quando na presena de ictercia fisiolgica prolongada associada
ou no, perda de peso (30% dos casos), hipertermia, presena de complicaes neurolgicas (30%), diarreia, vmitos ou cianose. Em lactentes, o
dfice ponderoestatural, diarreia ou obstipao, vmitos, anorexia ou febre
de etiologia no esclarecida, podem levar suspeita de ITU. Por fim, na
faixa pr-escolar, os sintomas podem ser febre, enurese, disria ou polaquiria. No adulto, existe sobreposio entre as caractersticas clnicas da ITU
baixa versus alta (cistite versus pielonefrite). No entanto, a febre, os arrepios
de frio e a dor lombar (o aumento da sensibilidade no ngulo costovertebral
o sinal que mais sugere o diagnstico de pielonefrite) so muito mais comuns na pielonefrite, que se pode acompanhar, tambm, por nuseas e
vmitos, com ou sem sinais de cistite.

5. Diagnstico laboratorial
Tiras reagente
So especialmente teis na triagem de casos agudos suspeitos de ITU,
principalmente no ambulatrio. As tiras detetam a esterase leucocitria (indicativa de piria) ou atividade redutora de nitratos a nitritos. A reduo
de nitratos para nitritos so tempo-dependente e s positiva nas ITUs
causadas por enterobactericeas, pois s elas apresentam esta atividade. O
resultado negativo da tira o mais importante, pois praticamente exclui ITU
(sensibilidade de 75% e especificidade de 82%). No entanto, o resultado de
um teste negativo no caso de uma histria fortemente sugestiva de infeo
urinria tem pouca utilidade, dado que no exclui infeo urinria neste
caso. Eritrcitos e leuccitos so lisados em urinas com pH > 6,0, com reduzida osmolaridade ou em anlises tardias. Portanto, resultados falsos
292

Infees do aparelho urinrio

negativos nas tiras reagente mais difcil do que na microscopia. O pH


urinrio > 7,5 detetado pelas tiras reagente tambm sugere fortemente ITU.

Sedimento urinrio
O exame microscpico feito aps centrifugao da urina.
Leucocitria so consideradas anormais, contagens superiores a 10.000
leuccitos/ml ou 10 leuccitos/campo, independentemente da morfologia
destes leuccitos. Laboratrios que utilizam tecnologia mais avanada, em
que o exame microscpio da urina realizado atravs de citometria de fluxo, contagem de leuccitos at 30.000/ml so considerados normais nas
mulheres. A presena de leucocitria no faz diagnstico de ITU, devido s
inmeras causas de leucocitria estril tais como tuberculose, infeo por
fungos, Chlamydia trachomatis, gonococo, Leptospira spp, Haemophilus spp,
anaerbios e vrus. De entre as leucocitrias estreis, de origem no infeciosa, destacam-se, de entre outras, a nefrite intersticial, litase, presena de
corpo estranho, rejeio de transplante, teraputica com ciclofosfamida,
trauma genitourinrio, glomerulonefrite aguda e crnica, neoplasias e contaminao vaginal.
Proteinria costuma ser discreta e varivel.
Hematria quando presente, tambm discreta. Como achado isolado est mais vezes relacionada presena de clculos, tumores, tuberculose
ou a infees fngicas.
pH geralmente alcalino, exceto nas infees causadas por micobactrias. Quando o pH muito alcalino, superior a 8,0 pode sugerir infeo por
Proteus spp.
Bacteriria geralmente presente, mas necessitando, sempre, de ser
confirmada por cultura da urina.
Cilindros leucocitrios sugerem pielonefrite.

Urocultura
A urina para urocultura deve ser obtida a partir do jato mdio e colhida
atravs de tcnicas asspticas e antes da administrao de qualquer antibitico. Apesar da primeira urina da manh conter, potencialmente, maior populao de bactrias, devido ao maior tempo de incubao, a sintomatologia
exuberante da ITU com elevada frequncia urinria, dificulta esta medida.
Desta forma, a urina de qualquer mico pode ser valorizada, desde que
obtida com um intervalo, no mnimo, de duas horas aps a mico anterior,
perodo que corresponde ao tempo de latncia para o crescimento bacteriano, para que se evitem falsos negativos. Em crianas procede-se colheita,
293

A. Ribeiro

em saco coletor. Se a urocultura for negativa exclui ITU. Se duvidosa, pode-se


confirmar por nova colheita, tendo em ateno s medidas de assepsia. O nmero de colnias necessrias para o diagnstico de bacteriria classicamente
considerado como superior a 105 colnias/ml de urina. No entanto, este critrio
tem sido, progressivamente questionado, principalmente no que diz respeito
ITU. Nos casos sintomticos com contagens inferiores referida, torna-se difcil
excluir a existncia de uma ITU. Vrios testes tm sido utilizados para distinguir entre ITU baixa (cistite) e alta (pielonefrite). No entanto, pela sua sensibilidade e inespecificidade no so, por regra, aplicados na prtica clnica.

6. Imagiologia
O diagnstico por imagem mais utilizado nos casos de ITU complicada,
para identificar anormalidades que predisponham ITU.

Ecografia (ultrassonografia)
til para identificar a presena de clculos, que podem estar associados
com os quadros agudos de ITU, bem como a sua repercusso no trato urinrio. A ecografia til, tambm, na identificao de outras condies associadas s ITU como, por exemplo, abcessos e rins poliquisticos.

Urografia excretora
Est contra-indicada na fase aguda da infeo, pois os resultados so
pobres, alm da exposio nefrotoxicidade. Em quase 85% das mulheres
com ITUs recorrentes, a urografia excretora normal. Devido reduzida
sensibilidade deste exame, tem-se questionado bastante a sua validade nas
ITUs, a no ser, na investigao da ITU complicada, para obter informaes
sobre as alteraes anatmicas, como por exemplo dilatao calicial, plvica
e ureteral, estenose, duplicidade pielocalicial e adequao do esvaziamento
vesical ou, ainda, identificar a presena de obstruo ou de clculo. Salienta-se que, no caso de suspeita de clculos, a prpria radiografia simples do
abdmen e/ou ultrassonografia podem sugerir o diagnstico.

Uretrocistografia miccional
Nas crianas, com idade inferior a dois anos e com ITUs recorrentes, alm
da urografia excretora, est indicada a uretrocistografia miccional, que o
294

Infees do aparelho urinrio

gold-standard para o diagnstico do refluxo vesicoureteral. Nos adultos no


tem indicao, a no ser no caso de ITUs recorrentes no ps-transplante, para
afastar a hiptese de refluxo ao rim transplantado.

Cintilografia com cido dimercaptosiccnico


A cintilografia com cido dimercaptosiccnico (DMSA) marcado com tecnsio 99 (99mTc) tem sido muito utilizada no acompanhamento de crianas
com refluxo vesico-ureteral, para detetar a presena de leses corticais ou
cicatriz renal secundria ao refluxo. Mais recentemente, a DMSA tem sido
recomendada na fase aguda da ITU em crianas, devido sua maior sensibilidade em identificar danos corticais, auxiliando portanto, no diagnstico
diferencial com pielonefrite.

Outros exames
A tomografia axial computorizada (TAC) raramente necessria, a no ser,
para descartar a presena de abcessos perirrenais e, tambm, em casos de investigao de rins poliqusticos, que podem estar associados a ITU.
A cistoscopia no tem indicao na ITU no complicada e deve ser realizada somente em condies de urina estril ou aps profilaxia com antibiticos. Em idosos e transplantados renais com ITUs recorrentes e hematria,
a cistoscopia est indicada, apenas, para afastar o diagnstico de neoplasia
da bexiga.

7. Tratamento
As estratgias teraputicas, que envolvem diferentes esquemas, de acordo
com grupos especficos de doentes com ITU, maximizam os benefcios teraputicos, alm de reduzir os custos e as incidncias dos efeitos secundrios7-9,12.

Recomendaes para tratamento emprico da cistite


aguda no complicada
Primeira linha (Quadro 1):
Nitrofurantona, na dose de 100 mg de 12/12 horas durante cinco dias,
uma das opes teraputicas, beneficiando dos efeitos secundrios serem
mnimos e de, praticamente, no estarem descritas resistncias (no est
indicada na pielonefrite).
295

A. Ribeiro

Quadro 1. Tratamento emprico da cistite aguda no complicada


Regime antimicrobiano

Eficcia

Comentrios

Nitrofurantona 100 mg cada


12 horas, durante cinco dias
(com as refeies)*

Eficcia clnica num regime


de cinco a sete dias 93%
(84-95%); num regime de
trs dias parece ser menos
eficaz, do que regimes mais
longos; resistncia mnima
in vitro para E. coli

Raros efeitos adversos.


Deve ser evitada, se
suspeitar de pielonefrite.
Os efeitos secundrios mais
frequentes incluem
nuseas, enxaqueca e
flatulncia

TMP/SMX 160/800 mg
(trimetoprim/sulfametoxazol
ou cotrimoxazol), cada 12
horas, durante trs dias

Eficcia clnica num regime


de trs dias com TMP/SMX
93% (90-100%); eficcia
similar com apenas
trimetoprim 100 mg, duas
vezes por dia durante
trs dias; evitar se a taxa de
resistncia > 20% ou se a
exposio ocorrer dentro de
trs a seis meses

Tem menos efeitos


adversos do que os
observados com as
fluoroquinolonas; os
efeitos secundrios mais
frequentes incluem
nuseas, vmitos, anorexia,
exantema, urticria,
alteraes hematolgicas e
sensibilidade luz

Trometamol de fosfomicina,
saqueta de 3 g em uma
nica dose

Eficcia clnica 91%


baseado em uma nica
experincia aleatria, mas a
fosfomicina parece ser
menos eficaz do que TMP/
SMX ou fluoroquinolonas;
resistncia mnima in vitro,
mas a maioria dos
laboratrios no testam a
resistncia

Mnimos efeitos adversos;


evitar se suspeita de
pielonefrite. Os efeitos
secundrios frequentes
incluem diarreia,
enxaqueca e vaginite

Pivmecilinam, 400 mg duas


vezes dia, durante trs a
sete dias

Regimes clnicos eficazes


de trs a sete dias 73%
(55-82%); resistncia mnima
in vitro

Mnimos efeitos adversos;


evitar se suspeita de
pielonefrite. Os efeitos
secundrios frequentes
incluem nuseas, vmito,
diarreia; no disponvel
nos EUA

Teraputica de 1. linha

*Este regime teraputico no apresenta nenhum risco para o feto, na base de estudos em animais,
nos humanos ou em ambos (categoria B na grvida).
Estudos em animais mostraram um efeito adverso deste regime no feto (categoria C na grvida);
usar somente se o potencial benefcio justificar o risco no feto.

Trimetoprim-sulfametoxazol ou cotrimoxazol, na dose de 160 mg de


trimetoprim associado a 800 mg de sulfametoxazol, na posologia de um
comprimido de 12 em 12 horas, durante trs dias, o antimicrobiano considerado de 1.a linha, na Europa e nos EUA e pelas recomendaes internacionais5-7,17. No entanto, nalgumas regies a taxa de resistncia de 20% ou
mais (nestas circunstncias o cotrimoxazol no est recomendado).
Fosfomicina trometamol em dose nica de 3 g, com eficcia de cerca
de 90%. Todavia menos eficaz do que trimetoprim-sulfametoxazol ou do que
as fluoroquinolonas. Os efeitos colaterais so mnimos e a resistncia in vitro
muito pequena (deve ser evitado quando h suspeita de pielonefrite).
296

Infees do aparelho urinrio

Pivmecilinam 400 mg cada 12 horas, durante trs a sete dias, com eficcia de cerca de 70%, efeitos colaterais mnimos (nuseas, vmitos e diarreia) e
a resistncia in vitro limitada.
Segunda linha:
Fluoroquinolonas a ciprofloxacina (250 mg, duas vezes por dia, durante
trs dias) ou a levofloxacina (250 ou 500 mg, uma vez por dia, durante trs
dias) tm eficcia clnica de cerca de 90%, no entanto devem ser reservadas
para tratamento das infees urinrias altas (por exemplo pielonefrites). As
fluoroquinolonas tm predisposio para desenvolverem resistncias, sendo
estas elevadas nalgumas regies do mundo (as fluoroquinolonas no esto
indicadas para tratamento das ITUs, quando a resistncia na comunidade
superior a 10%).
b-lactmicos por exemplo amoxicilina-cido clavulnico e cefaclor,
sendo a eficcia clnica, em regime de trs a cinco dias, de 89% (79 a 98%).
Amoxicilina ou ampicilina no devem ser usadas no tratamento emprico
devido sua pobre eficcia e elevada prevalncia de resistncia microbiana
a nvel mundial. Os efeitos secundrios mais frequentes incluem diarreia,
nuseas e vmitos, exantema e urticria.

Tratamento emprico de pielonefrite aguda no


complicada (Quadro 2)
Primeira linha:
Fluoroquinolonas as fluoroquinolonas (ciprofloxacina, 500 mg, duas
vezes por dia, durante sete dias; levofloxacina, 750mg, uma vez por dia,
durante cinco dias) so a primeira escolha para o tratamento emprico das
pielonefrites, sendo a sua eficcia superior a 90% para a ciprofloxacina e um
pouco menor (86%) para a levofloxacina.
Segunda linha:
Trimetoprim-sulfametoxazol 160 mg de TMP e 800 mg de SMX, duas
vezes ao dia, durante 14 dias; em comparao com as fluoroquinolonas, o
risco de insucesso teraputico maior, dadas as taxas de prevalncia das
resistncias mais elevadas. Nalgumas regies do mundo, a resistncia de
Escherichia coli ultrapassa 20%. Os efeitos colaterais mais frequentes so
nuseas, vmitos, toxidermia, fotossensibilidade e pela toxicidade mitocondrial h o risco de complicaes hematolgicas.
b-lactmicos orais os dados so escassos, no entanto, sabe-se que a sua
eficcia inferior das fluoroquinolonas e, mesmo, do TMP-SMX. Apenas,
devem ser utilizados quando estes antibiticos esto contra-indicados. As cefalosporinas (cefalexina, 250 mg, de seis em seis horas ou o cefaclor, 250 mg,
297

A. Ribeiro

Quadro 2. Tratamento emprico da pielonefrite aguda no complicada*


Regime antimicrobiano

Eficcia

Comentrios

Teraputica de 1.a linha


So a primeira escolha para
o tratamento emprico da
pielonefrite aguda no
complicada, sendo a sua
eficcia superior a 90% para
a ciprofloxacina e de 86%
para a levofloxacina

Os efeito secundrios mais


frequentes incluem
nuseas, vmitos, diarreia,
enxaqueca, sonolncia e
insnia

TMP-SMX, 160/800 mg por


via oral, duas vezes ao dia,
durante 14 dias

Em comparao com as
fluoroquinolonas, o risco de
insucesso teraputico maior,
dadas as taxas de prevalncia
das resistncias de E. coli
ultrapassar em 20%, em
muitas reas do mundo.

b-lactmicos orais (agentes


especficos no listados nas
orientaes da IDSA),
por 10 a 14 dias
A amoxicilina e a ampicilina
no esto indicadas para o
tratamento emprico das
pielonefrites, dada a sua
eficcia limitada e pela
prevalncia elevada de
resistncias, a nvel mundial

Os dados so escassos, no
entanto, sabe-se que a sua
eficcia inferior das
fluoroquinolonas e, mesmo,
do TMP-SMX. O regime de
14 dias foi aprovado pela
FDA e recomendado pelas
orientaes da IDSA, mas
regimes de 7 a 10 dias,
parecem ser eficazes nas
mulheres, quando a
defervescncia rpida

Os efeitos colaterais mais


frequentes so nuseas,
vmitos, toxidermia,
fotosensibilidade e pela
toxicidade mitocondrial h
o risco de implicaes
hematolgicas
Apenas devem ser
utilizados, quando outros
agentes recomendados
esto contra-indicados.
Tm menos efeitos
secundrios do que as
cefalosporinas de largo
espectro. Os efeitos
secundrios mais
frequentes incluem a
diarreia, nuseas, vmitos,
erupo cutnea e urticria

Fluoroquinolonas:
Ciprofloxacina 500 mg
duas vezes por dia,
durante sete dias;
levofloxacina 750 mg,
uma vez por dia, durante
cinco dias
Administrao por via oral
Teraputica de 2.a linha

*As taxas de eficcia e as recomendaes antimicrobianas so baseadas nas orientaes da Sociedade de


Doenas Infeciosas Americana (IDSA)

Estudos em animais mostraram um efeito adverso deste regime no feto (categoria C na grvida); usar
somente se o potencial benefcio justificar o risco no feto.

de 12 em 12 horas) so as mais indicadas. A amoxicilina e a ampicilina no


esto indicadas para o tratamento emprico das pielonefrtes, dada a sua eficcia limitada e pela prevalncia elevada de resistncias, a nvel mundial.
Os doentes com pielonefrite no complicada podem ser tratados em ambulatrio, exceto se o quadro clnico grave, com instabilidade hemodinmica ou com
fatores de maior risco para gravidade (diabetes, litase renal ou gravidez). A teraputica parentrica recomendada, dado que acelera a resposta ao tratamento ou nos casos em que a via oral no est livre, por exemplo, por vmitos.
Vinte e quatro horas depois da apirexia, a teraputica pode passar a via oral.
Infees por anaerbios podem ser tratadas com metronidazol ou clindamicina. Para o tratamento da uretrite e da prostatite por Chlamydia trachomatis est indicada a doxiciclina ou minociclina, durante sete a 14 dias.
A diluio urinria reduz a populao bacteriana, mas tambm, a concentrao do antibitico, sendo que a mico remove ambos. Portanto, a eficcia tima
298

Infees do aparelho urinrio

dos frmacos, ocorre no perodo ps-miccional. As concentraes urinrias dos


antibiticos refletem as presentes na medula renal, sendo as melhores guias de
eficcia, do que as concentraes sricas, exceto quando, da presena de insuficincia renal. As concentraes renais dos frmacos, por sua vez, dependem do
mecanismo de excreo renal, fluxo urinrio, pH e funo renal.
Estudos recentes tm reconsiderado a durao ideal da teraputica antibitica nas ITUs. A utilizao de dose nica, justifica-se devido superficialidade da infeo na mucosa, na cistite bacteriana, pela concentrao do
antibitico no rim, resultando em nveis urinrios extremamente elevados e,
ainda, pelo facto de quase 30% dos doentes submetidos a lavagem vesical,
com soluo, de neomicina a 10%, terem sido eficazmente tratados.
As indicaes para dose nica so as ITUs no complicadas da bexiga
(cistites), no sendo eficaz nas pielonefrites, nas infees por Staphylococcus
saprophyticus e em relao fosfomicina, a sua eficcia est comprovada
para Escherichia coli, sendo pouco eficaz nas infees por Klebsiella spp,
Enterobacter, Acinetobacter spp, Proteus spp e Pseudomonas aeruginosa.
O regime teraputico mais aconselhado para a tratamento da cistite o
TMP-SMX, durante trs dias, pela sua eficcia, pela prevalncia de resistncias
ser baixa e ser barato. A nitrofurantuna, durante cinco dias, em doentes previamente expostos ao TMP-SMX, uma boa alternativa, dado o risco de resistncia a este antibitico. As queixas de disria diminuem em poucas horas,
aps o incio da teraputica antibitica, no entanto, estas podem ser reduzidas
com um analgsico urinrio, trs vezes por dia, segundo as necessidades.

Recomendaes para o tratamento das ITU complicadas


No fcil padronizar as recomendaes de utilizao de antibiticos no
tratamento das ITUs complicadas. O espectro clnico das ITUs complicadas,
com alteraes anatmicas do trato urinrio, alargado e o tratamento ir
depender da condio associada (pielonefrite, cateter, obstruo, ps-transplante renal e diabetes, de entre outras) e do microrganismo implicado. De um
modo geral, nas infees graves, com importante compromisso sistmico, as
cefalosporinas de 1.a gerao (por exemplo cefazolina), de 2.a gerao (por
exemplo cefoxitina ou cefuroxima), de 3.a gerao (por exemplo cefetamet
pivoxil, ceftazidima ou ceftriaxona) ou mesmo de 4.a gerao (por exemplo
cefepima) esto indicadas de acordo com o nvel de gravidade. As cefalosporinas
de 3.a gerao so altamente eficazes contra enterobactericeas em geral,
mas no contra Pseudomonas aeroginosa. Algumas bactrias Gram-positivo,
como Enterococcus spp ou Staphylococcus spp, so, tambm, pouco sensveis.
Os aminoglicosdeos como a amicacina ou a gentamicina so eficazes, para
microrganismos Gram-negativo, mas deve ter-se em mente o efeito nefrotxico destes antibiticos. O teste de Gram pode ajudar na identificao de
299

A. Ribeiro

Enterococcus spp. Se o Gram positivo ou se esta informao no est disponvel, deve associar-se ampicilina ou vancomicina, por via endovenosa. Em
doentes com quadros clnicos mais complicados, histria de pielonefrites prvias ou manipulao recente do trato urinrio, pode ser considerado o uso de
monobactmicos, como o aztreonam ou a combinao de inibidores das b
-lactamases, como ampicilina-sulbactam, ticarcilina, cido clavulnico ou, ainda, de carbapenemes, como imipenem-cilastatina.

8. Bacteriria assintomtica
O tratamento da bacteriria assintomtica depende da condio que lhe
pode estar associada15.

Gravidez
A nica condio absoluta de tratamento de bacteriria assintomtica
a gravidez, devido ao risco da bacteriria, predispor pielonefrite e necrose papilar. O tratamento da ITU na gravidez por dose nica, no est
recomendado. O tratamento deve prolongar-se por um mnimo de sete dias.
Os antimicrobianos que podem ser utilizados com segurana na gravidez so
a cefalexina, a ampicilina, a amoxacilina e a nitrofurantona.

Diabetes mellitus
O tratamento de bacteriria assintomtica controverso, sendo a indicao
relativa. Por outro lado, a infeo pode comprometer o adequado controlo
glicmico, portanto, a monitorizao destes doentes torna-se importante. Cistite ou ITU no complicada, devem ser tratadas durante, pelo menos, 10 dias.

Transplante renal
No ps-transplante imediato, em caso de bacteriria assintomtica ou de
baixa contagem, h indicao de tratamento, embora controversa nalguns
estudos4,18. Segundo alguns autores, a ITU na fase precoce deve ser tratada
por um perodo mnimo de quatro semanas. No perodo tardio do transplante, a monitorizao de ITU importante e a indicao de tratamento mais
varivel, mas cursos de 10 a 14 dias de antibioterapia so suficientes. No caso
de ITU por Corynebacterrium urealyticum, o antimicrobiano de escolha a
vancomicina. Na seleo do antibitico deve ter-se em conta as interaes
300

Infees do aparelho urinrio

medicamentosas, particularmente sobre as concentraes de ciclosporina


(por exemplo TMP-SMX), bem como a sinergia de nefrotoxidade e a necessidade no ajuste de doses, no caso de insuficincia renal. A recorrncia
frequente e a recada indica, em geral, que o tempo de tratamento foi insuficiente.

Cateteres
A bacteriria assintomtica no deve ser tratada, devido ao potencial
desenvolvimento de resistncias, incluindo Candida spp4,13. A preveno a
melhor medida e inclui insero estril e cuidados com o cateter, remoo
rpida quando for possvel e uso de drenagem fechada, abaixo do nvel da
bexiga. Devem ser obtidas colheitas de urina, no por desconexo do cateter,
mas sim atravs da aspirao com agulha, na poro distal do cateter. Alternativas para os cateteres de longa durao, incluem a autocateterizao
intermitente em caso de doentes com certa incontinncia urinria e, tambm, o uso de cateteres suprapbicos.

Homens
A ITU no complicada no homem adulto jovem rara. Assim, quando tal
ocorrer, devem ser descartadas anomalias anatmicas, clculos ou obstruo
urinria, histria de cateterizao ou instrumentao recente e cirurgia4,13.
Afastadas estas causas, o tratamento deve ter a durao mnima de sete dias.
J em caso de ITU acompanhada de febre e hematria, ou quando ocorrem
recorrncias com o mesmo microrganismo, deve considerar-se a possibilidade
de prostatite. O diagnstico fundamenta-se no resultado de culturas seriadas do jato urinrio inicial, antes e aps massagem prosttica, mas deve
ter-se cuidado com esta ltima, pelo risco de bacteriemia. A prostatite
aguda responde melhor s fluroquinolonas, como a ciprofloxacina, com
melhor penetrao tecidual e o tratamento longo, por um mnimo de
quatro a seis semanas, para evitar a recorrncia. Alm dos microrganismos
habituais, aps instrumentaes frequentes, h grande risco de ITU por Staphylococcus aureus, para a qual deve ser utilizada teraputica antimicrobiana antiestafiloccica.

Menopausa
A bacteriria assintomtica, no deve ser tratada com antibiticos, devido aos potenciais riscos de desenvolvimento de microrganismos resistentes.
301

A. Ribeiro

No entanto, cremes vaginais contendo estrgenio tm sido preconizados,


tanto para tratamento de bacteriria sintomtica, como para as ITUs recorrentes3,5.
A reposio estrognica, restaura a atrofia da mucosa vaginal, reduz o
pH vaginal, impedindo a colonizao por enterobactericeas, seguida de
colonizao periuretral, culminando em ITU. Os cremes que contm estriol
podem ser aplicados por via intravaginal noite, duas vezes por semana. O seu
uso deve ser monitorizado, sendo contra-indicados na suspeita de cancro da
mama ou de neoplasias estrogeniodependentes, hemorragia vaginal, tromboflebites ou tromboembolismo.

9. Formas especiais de pielonefrite


As formas especiais de pielonefrite incluem:
Tuberculose renal que, pode permanecer, clinicamente, silenciosa,
fazendo parte de quadros clnicos de piria estril ou hematria, ou at
mesmo, associada ITU por outros microrganismos. A tuberculose renal
no complicada, sensvel aos esquemas habituais, pode ser tratada com
cursos de dois meses de rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol,
seguida de quatro meses de rifampicina e isoniazida.
A pielonefrite xantogranulomatosa, um tipo de pielonefrite crnica
bacteriana com formao de abcessos e destruio do parnquima renal, tem
como agentes etiolgicos Proteus mirabilis ou Escherichia coli. O tratamento
a remoo cirrgica do rim, j que o diagnstico pr-operatrio, raramente feito.
Malocoplaquia, que uma reao inflamatria, histologicamente descrita na infeo crnica recorrente do trato urinrio, com formao de placas
que contm macrfagos, e que, clinicamente, apresenta-se com um quadro
insuficincia renal aguda.

10. Profilaxia
A profilaxia das ITUs est indicada, principalmente, em mulheres com
infeces recorrentes, que apresentam mais do que duas infees por ano
ou pela presena de fatores que perpetuam a infeo, como os clculos. Para
que se inicie a profilaxia, necessrio que a urocultura seja negativa, para
evitar o tratamento de uma eventual infeo em curso com doses de antibiticos inadequadas.
Os frmacos mais utilizados, com fins profilticos, so a nitrofurantona,
cotrimoxazol e as antigas quinolonas, como cido pipemdico ou cido nalidxico. A dose sugerida, de um comprimido noite, ao deitar (a eliminao
302

Infees do aparelho urinrio

das bactrias menor do que durante o dia), ou, ento, trs vezes por semana, durante trs a seis meses. Quando a ITU estiver relacionada com a
atividade sexual, pode prescrever-se um comprimido aps o coito. Algumas
estratgias para o maneio no medicamentoso das mulheres com ITU recorrente ou com bacteriria assintomtica, incluem:
Aumento da ingesto de lquidos.
Urinar em intervalos de duas a trs horas.
Urinar sempre antes de deitar e aps o coito.
Evitar o uso do diafragma ou preservativos associados a espermicida,
para no alterar o pH vaginal.
Evitar banhos de espuma ou aditivos qumicos na gua do banho, para
no modificar a flora vaginal.
Aplicao tpica de estrognio em mulheres ps-menopausa.
Aps a defecao, limpar-se de frente para trs.
Outras medidas no medicamentosas, que tambm tm sido sugeridas para
reduo da recorrncia das ITUs em mulheres na pr-menopausa, incluem17:
Instilao vaginal de Lactobacillus casei, uma vez por semana (reduo
de 80% num estudo).
Acidificantes urinrios tipo mandelato de metenamina associados ou
no vitamina C.
Ingesto de sumo de arando, tambm chamado mirtilo (Vaccinium macrocarpon), que supostamente inibe a expresso de fmbrias de Escherichia
coli3,5,17. O consumo deste sumo, e no, o de lactobacilos em forma de bebida, cinco vezes por semana, durante um ano, reduziu a recorrncia das ITU
em relao ao placebo17. Tambm existe a formulao oral, em cpsulas com
300 mg de arando (cranberry), associado a 100 mg de vitamina C, administrada na dose de uma cpsula duas vezes ao dia.
A profilaxia antimicrobiana reduz o risco de recorrncias em 95%, todavia aquela est, apenas, indicada nas mulheres com trs ou mais infees
urinrias nos ltimos 12 meses ou duas ou mais infees urinrias, nos ltimos seis meses, nas quais as outras estratgias (no antimicrobianas) no
resultaram.
Recentemente, a IDSA fez uma atualizao das orientaes para o tratamento das cistites e pielonefrites no complicadas, nas mulheres. As recomendaes consultadas na bibliografia internacional para o tratamento das
infees do trato urinrio no complicadas so consistentes com as recomendadas pela IDSA8,10.

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304

Seco 11

ENDOCARDITE INFECCIOSA
Germano do Carmo

1. Introduo
H cerca de 120 anos, William Osler descreveu, numa histrica sesso das
famosas Gulstonian Lectures em Londres, uma nova entidade nosolgica que
designou de endocardite maligna e cuja descrio clnica nos seus aspectos
essenciais ainda hoje se mantm. Apesar de, poca, no ter sido possvel
estabelecer uma relao etiolgica causal, rapidamente se concluu que a
gnese da doena era infecciosa e a designao passou ento a ser de endocardite bacteriana. Em 1930, primeiro Thayer e depois Lerner e Weinstein,
atendendo variabilidade de agentes etiolgicos possveis, bactrias, fungos,
riqutsias e at, eventualmente, vrus, denominaram-na de endocardite infecciosa (EI), terminologia que ainda hoje se mantm e que, pode dizer-se,
est definitivamente consagrada1,2. A EI a inflamao das vlvulas cardacas
e do endocrdio, causada por agentes microbianos que atingem e se fixam
nestas estruturas cardacas. At ao advento da teraputica antibitica, era
doena inexoravelmente fatal, decorrendo a morte at s seis semanas de
evoluo nas formas agudas e de seis semanas a trs meses ou mais, nas
formas ditas subagudas ou crnicas de endocardite3.
Apesar de muitos dos aspectos descritos por William Osler se poderem
continuar a observar hoje, a verdade que esta , seguramente, a entidade
nosolgica infecciosa que mais se modificou ou em que mais avanos se
verificaram nos ltimos 25-30 anos, nos domnios da epidemiologia, fisiopatologia, etiologia, clnica, diagnstico e teraputica.
Passemos ento em revista os diferentes aspectos acima mencionados.

2. Epidemiologia
Se h, efectivamente, aspecto em que se tenha assistido a uma profunda
alterao, no decurso dos ltimos 30 anos, ele foi, sem qualquer dvida, nos
domnios da epidemiologia da EI. Embora a incidncia se mantenha relativamente constante com um caso por cada mil admisses no hospital e a
prevalncia de 1,6 a 6 casos por 100.000 habitantes/ano nos pases desenvolvidos, h que reconhecer que novos e muito relevantes aspectos se tm
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

305

G. do Carmo

vindo a registar3-5. Assim, a idade mdia dos doentes com EI passou dos 30 anos
que se verificava na dcada de 20, para os 50 anos na dcada de 90; e isto
devido marcada mudana da populao susceptvel, que no passado era,
maioritariamente, a dos doentes com febre reumtica e doena cardaca
reumatismal, quase sempre gente jovem e, na actualidade, predominantemente a de pessoas de idade mais avanada, incluindo idosos com patologia
valvular degenerativa e, em nmero crescente, com prolapso da vlvula
mitral4-9. No mesmo sentido concorre tambm o facto de que as crianas com
doenas cardacas congnitas atingidas com frequncia por EI, que no passado tinham sobrevidas relativamente curtas, atingem hoje idades mais avanadas e chegam mesmo idade adulta. Outra das grandes mudanas verificadas na epidemiologia das EI o crescente e verdadeiramente preocupante
nmero de toxicodependentes endovenosos que hoje constituem, provavelmente, o principal grupo de indivduos susceptveis de contrair a doena. E,
se nos lembrarmos que o primeiro caso descrito na literatura reporta a 1936,
num doente toxicmano de Nova Iorque, teremos que reconhecer a surpreendente evoluo desta patologia. Por ltimo, a referncia ao facto de que,
com os grandes avanos tecnolgicos da medicina, nomeadamente a utilizao de cateteres centrais, implantao de pace-makers, crescente nmero de
cirurgias cardacas e toda uma vasta gama de procedimentos agressivos, tem
vindo a aumentar o risco de ocorrncia de EI10.

3. Fisiopatologia
Uma das reas de maiores progressos no estudo e compreenso das EI foi
a da fisiopatologia. Dos aspectos mais relevantes nesse sentido foi o de se
ter comprovado que, ao contrrio do que se pensava no passado, no
necessrio, em absoluto, que existam prvias leses do endocrdio valvular
para que uma EI se possa desenvolver. claro que, se houver um locus prvio de minor resistncia, seja ele de que natureza for, a instalao da infeco ser mais fcil, mas como se disse, no condio imprescindvel. Contudo, para que possa desenvolver-se o processo de EI necessria uma
complexa interaco entre o endotlio cardiovalvular, a corrente sangunea
e os microrganismos circulantes. O passo inicial a leso do endotlio causada quer pela deposio de imunocomplexos circulantes, quer pela turbulncia da corrente sangunea, resultante de gradientes de presso ou regurgitao, provocados por leses valvulares. A leso do endotlio
condiciona de seguida a deposio de plaquetas e de fibrina, que se organizam numa estrutura consistente a que alguns chamam de vegetao assptica e d origem entidade designada de endocardite trombtica assptica. Para l das causas acima apontadas, sabe-se, hoje, que estas alteraes
podem ocorrer tambm na sequncia de stress exgeno, como exposio
306

Endocardite infecciosa

ao frio, s altitudes elevadas e em certas doenas malignas do pncreas, do


estmago e do pulmo e, ainda, nos casos de uremia e lpus eritematoso
disseminado5,11-13. Uma vez constituda a leso inicial, a j mencionada vegetao assptica, logo que por qualquer razo haja bacteriemia, existe a
possibilidade de essas bactrias circulantes aderirem leso formada e, de
seguida, serem envoltas por fibrina e por plaquetas, criando, assim, condies que vo permitir o desenvolvimento da EI. A capacidade de adeso das
diferentes bactrias vegetao estril inicial no igual para todas, sendo
bem conhecida a particular propenso para esse facto dos enterococos,
Streptococcus viridans, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e
Pseudomonas aeruginosa5,14-16. Apesar de estes serem os microrganismos
mais vezes implicados na gnese da EI, qualquer bactria, fungo ou at,
eventualmente, vrus, a pode provocar. De uma maneira geral o que se passa que a vegetao assptica vai ser rapidamente colonizada por bactrias
provenientes de um foco infeccioso distante ou por qualquer bacteriemia
transitria, como acontece quando uma mucosa, fortemente colonizada,
traumatizada por procedimentos agressivos nas reas da estomatologia,
urologia e ginecologia. Mas, ateno, o simples acto de mastigao, num
indivduo com m higiene bucal, pode causar a mencionada bacteriemia
transitria. Na sequncia destes procedimentos, as bactrias entram em circulao em nmero considervel, conseguem escapar aos diferentes mecanismos
de defesa imunitria do hospedeiro e, atendendo sua capacidade de aderncia,
vo infectar a leso primitiva, at a estril. A maior capacidade de adeso de
algumas bactrias depende da possibilidade de produzirem certas substncias,
como o dextrano, que lhes permite ligao mais consistente a estruturas do
hospedeiro, nomeadamente a fibronectina e a outros normais constituintes
do endotlio lesado, como o fibrinognio e o colagnio de tipo 417-21.
Uma vez encastoadas na vegetao, as bactrias vo multiplicar-se, conti
nuando a verificar-se deposio de mais fibrina e de plaquetas, levando ao
crescimento continuado da vegetao e criando um habitat muito particular
para as bactrias. De facto, atendendo proteco que as sucessivas camadas
de fibrina e de plaquetas constituem, os microrganismos ficam a salvo dos diferentes mecanismos de defesa do hospedeiro, atingindo concentraes elevadssimas da ordem das 109-1010 bactrias por grama de tecido4,22,23. Estas
bactrias, envolvidas ento numa matriz de fibrina e de plaquetas, entram numa
fase de actividade metablica reduzida e com diminuio da diviso celular,
de que resulta uma menor susceptibilidade aos antibiticos, nomeadamente
aos betalactmicos, que necessitam de sntese de parede celular e diviso
bacteriana para a sua mxima actividade23. Estes dados tm sido comprovados, experimentalmente, com a modificao enzimtica do glicoclice das
vegetaes atravs da administrao de dextranase, a qual facilita a actuao
bactericida da penicilina nas leses24. Para l do j afirmado, sabe-se que as
vegetaes vo crescendo, mas igualmente sofrendo uma regular eroso com
307

G. do Carmo

fragmentao, de que resulta uma bacteriemia continuada, caracterstica


muito tpica da EI e que motiva muitos dos aspectos clnicos e patolgicos da
doena. Desta infeco permanente resulta estimulao intensa da imunidade
celular e humoral, traduzida por hipergamaglobulinemia, esplenomegalia e
presena de macrfagos no sangue perifrico25. Igualmente, o factor reumatide positivo em cerca de 50% dos doentes com mais de seis semanas de
doena26,27, verificando-se que estes valores se reduzem, significativamente,
aps seis semanas de teraputica antibitica adequada, ficando seronegativos
cerca de 70% dos doentes, correctamente tratados27. Do exposto se compreende que, para l das alteraes verificadas nas vlvulas cardacas e tecidos envolventes, a EI tenha repercusses significativas em todo o organismo. Assim, no
rim, devido a infeco persistente, fenmenos de tromboembolismo repetidos
e deposio de imunocomplexos circulantes ocorrem, com frequncia, abcessos,
enfartes e glomerulonefrite imunolgica. No sistema nervoso central (SNC) sucedem, em cerca de 1/3 dos casos, fenmenos tromboemblicos de que resultam
abcessos, arterites, aneurismas micticos e mais raramente meningites28,29. No
bao, esto descritos casos de enfarte e, mais raramente, de abcessos. No
pulmo, e tendo presente a cada vez maior frequncia das EI do corao direito, so comuns as embolias, os abcessos, as pneumonias e os derrames
pleurais e, ainda, os empiemas. Na pele verificam-se uma srie variada de
manifestaes como os ndulos de Osler, as manchas de Janeway, as petquias,
as hemorragias subungueais e, finalmente, no olho, as conhecidas manchas
de Roth, hemorragias da retina com halo de edema, muito sugestivas de EI.

4. Etiologia
Como se compreende facilmente, devido s modificaes epidemiolgicas
verificadas nas ltimas dcadas, a microbiologia da doena sofreu, tambm,
grandes mudanas. Contudo, o grupo dos estreptococos continua a ser o
mais prevalente, sendo responsvel por mais de 50% dos casos5. Streptococcus viridans o agente mais comum e, apesar de ter baixa patogenicidade
e ser, habitualmente, sensvel penicilina, causa muitas vezes EI devido sua
frequente presena na circulao e s suas mpares propriedades de aderncia. Os enterococos so os segundos, em termos de frequncia, sendo, tradicionalmente, responsveis por quadros clnicos subagudos, muitas vezes na
sequncia de manipulaes urolgicas no homem e genitourinrias e obsttricas na mulher5. So tambm frequentes as EI nosocomiais e as dos toxicmanos, causadas por este microrganismo. Do grupo dos estreptococos merece ainda uma palavra especial Streptoccocus bovis, muitas vezes responsvel
de EI nos idosos e com associao, muito frequente, a patologia tumoral do
intestino. O seu isolamento em hemoculturas deve obrigar sempre o clnico a
uma investigao adequada do tubo digestivo. Os estafilococos so, de igual
308

Endocardite infecciosa

modo, bactrias frequentemente responsveis pela ocorrncia de EI, sendo


Staphylococcus aureus o primeiro agente das EI dos toxicmanos e das EI
protsicas, causando doena de evoluo normalmente muito rpida e grave
com elevadas taxas de mortalidade, devido s importantes bacteriemias e
destruio valvular. Contudo, quando a doena do corao direito, ela
muito mais lenta, mais oligossintomtica e menos agressiva. Dos estafilococos
coagulase negativos, o mais importante Staphylococcus epidermidis, responsvel frequente de EI precoces (menos de 60 dias aps cirurgia) em prteses valvulares, mas, curiosamente, muito poucas vezes responsvel de doena em vvulas naturais. Os bacilos Gram-negativo e Pseudomonas
aeruginosa so agentes pouco frequentes de EI. Contudo, quando acontecem, so, por regra, situaes de gravidade e mau prognstico. Na actualidade, so frequentes em toxicmanos que usam drogas por via endovenosa
e, tambm, nos doentes com patologia dos tractos gastrintestinal e urinrio.
Dentro dos bacilos Gram-negativo h a considerar um subgrupo muito importante, o denominado grupo HACEK (Haemophilus spp, Actinobacillus,
Cardiobacterium, Eikenella e Kingella), constitudo por bactrias fastidiosas,
de crescimento muito lento e com exigncias particulares nos meios de cultura30. Por estas razes, no so, habitualmente, isoladas nas hemoculturas,
o que, inevitavelmente, obriga o clnico a alertar os colegas do laboratrio
para a eventualidade da presena destes microrganismos. Por norma, estas
bactrias causam doena de evoluo muito lenta e com enormes vegetaes. Como j foi dito, os fungos so, tambm, agentes etiolgicos de EI,
tendo o primeiro caso sido descrito em 194531. Ocorrem, principalmente, em
toxicmanos, mas atingem de igual modo outros tipos de doentes, como os
imunodeprimidos, seja qual for a causa da imunodepresso, os portadores
de prteses e os indivduos susceptveis, sob teraputica antibitica h muito
tempo. Os agentes mais frequentes so Candida albicans e Aspergillus spp.
De igual modo, importante ter presente a possibilidade de ocorrncia de
EI causada por Coxiella burnetii, cujo primeiro caso foi descrito em 1959. A
sua indiscutvel importncia resulta, no s da relativa elevada frequncia
com que acontecem, mas, fundamentalmente, pela habitual gravidade com
que evoluem. Tambm, no podem esquecer-se como possveis responsveis
etiolgicos de EI, Brucella spp e Chlamydia spp, os quais semelhana do
que acontece com Coxiella burnetii so de diagnstico microbiolgico difcil,
exigindo recurso frequente serologia e condicionando deste modo atrasos,
por vezes muito importantes, no diagnstico desta afeco.

5. Quadro clnico
De modo geral trata-se de doena de expresso subaguda, com um perodo de incubao de cerca de duas semanas. Contudo, em certos contextos
309

G. do Carmo

clinicoepidemiolgicos e com alguns agentes etiolgicos como Staphylococcus aureus, o tempo de incubao mais curto e as manifestaes clnicas
mais exuberantes. No entanto, na maioria dos casos, trata-se de doena com
evoluo de vrias semanas e com uma gama variada de sinais e sintomas,
dos quais os mais relevantes so febre, anorexia, emagrecimento, prostrao,
artralgias, mialgias e, ainda, se bem que menos frequentes, confuso mental,
alteraes neurolgicas focais, meningite, dor torcica, dor abdominal, e, ainda,
insuficincia congestiva de grau varivel. No exame objectivo, no esquecendo
a extrema variabilidade de apresentao da doena, os dados positivos mais
frequentes e relevantes so a febre, que o sinal/sintoma mais constante da EI
(90 a 95%)4, os sopros cardacos, quer se trate de um novo sopro, quer da modificao na intensidade e no timbre de um sopro pr-existente, a esplenomegalia, os sinais neurolgicos focais, os ndulos de Osler, as manchas de Janeway,
as manchas de Roth e as hemorragias subungueais. Sendo certo que todas estas
manifestaes e mais algumas outras podem estar presentes, importante
lembrar que, de maneira geral, o quadro clnico muito polimrfico e por vezes
extremamente oligossintomtico. A doena, com frequncia, apresenta-se apenas e durante muito tempo como sndrome febril indeterminada. Estas particularidades constituem um grande desafio aos clnicos que se confrontam,
assim, com EI de muito difcil diagnstico. A terminar este captulo apenas
mais duas chamadas de ateno. A primeira que, nas endocardites do corao direito, que tm vindo a aumentar devido ao incremento da toxicodependncia, muito frequente no se ouvirem sopros e no haver grandes
repercusses hemodinmicas, apesar de grandes destruies valvulares, dado
que um corao de regime tensional mais baixo. A segunda que nestes
doentes onde ocorrem mais frequentemente os processos de tromboembolismo pulmonar, traduzidos por manifestaes clnicas e semiolgicas conhecidas,
como so os fervores crepitantes e atritos pleurais4.

6. Diagnstico
Decorrente de tudo o j foi dito, bvio que o diagnstico da EI por
vezes difcil e exige do clnico grande acuidade e correcta utilizao e interpretao dos recursos tcnicos de diagnstico actualmente disponveis. Assim,
a primeira condio para o xito do diagnstico a correcta avaliao clinicoepidemiolgica do quadro clnico, valorizando, adequadamente, os dados
anamnsticos e comportamentais. Depois, na tentativa de identificao do
agente etiolgico, no basta efectuarem-se as hemoculturas seriadas em nmero conveniente (nunca menos que trs) e com uma correcta execuo tcnica, em que a assepsia primordial. H, tambm, que ter presente a possibilidade de existirem bactrias nutricionalmente deficientes a exigirem meios
de cultura apropriados, com enriquecimento particular, e imprescindvel
310

Endocardite infecciosa

no esquecer que, nalguns casos, como no das infeces por Coxiella burnetii,
h que recorrer serologia. Ainda, no que respeita aos exames analticos,
importante saber que as EI decorrem com leucocitose e neutrofilia, com velocidade de sedimentao eritrocitria e PCR elevadas, com anemia, mais ou
menos importante, conforme o tempo de doena, normoctica e normocrmica, e que o sedimento urinrio , habitualmente, patolgico com proteinria
e hematria. Nos estudos de imagem importante recordar que o ecocardiograma transesofgico tem acuidade de diagnstico superior ao do eco transtorcico, mas que, mesmo assim, a no visualizao de vegetaes no exclui
o diagnstico de EI e que, no contexto de uma clnica suspeita mas com ecocardiogramas normais, o que h a fazer repetir os exames de imagem alguns
dias mais tarde. Outro exame com interesse no diagnstico em contextos clnicos particulares como so a existncia de leses septais e abcessos do anel
perivalvular, ainda no visualizveis nos exames de imagem, o electrocardiograma, que detecta precocemente alteraes de actividade elctrica muito
sugestivas. O radiograma do trax um meio de diagnstico importante, nos
casos de EI do corao direito, frequentemente oligossintomticas, porque
permite detectar imagens compatveis com tromboembolismo sptico, como,
por exemplo, abcessos pulmonares, derrames ou empiemas. Mas, como j anteriormente afirmado, o diagnstico desta entidade, apesar de todos os recursos disponveis muito difcil. Com o intuito de ultrapassar essas dificuldades
e semelhana do que foi feito, no passado, com os critrios de Jones para a
febre reumtica, um grupo de cientistas da Universidade de Duke, nos EUA,
elaborou um conjunto de regras, recentemente modificadas, para ajudar
confirmao do diagnstico nos casos mais complexos. Este esquema de avaliao baseia-se em critrios microbiolgicos, anatomohistolgicos e clnicos e
permite pela conjugao de critrios major e minor a assuno do diagnstico
da endocardite em EI confirmada, EI possvel ou EI rejeitada. Apesar de inicialmente estes critrios de Duke terem sido pensados para fins, essencialmente,
de investigao, eles constituem-se hoje como uma real ajuda aos clnicos.

7. Tratamento
Antes dos antibiticos, a evoluo da EI era, inexoravelmente, fatal3-5.
Actualmente, com os frmacos disponveis e com os conhecimentos das suas
propriedades farmacocinticas e farmacodinmicas e, bem assim, da fisiopatologia da doena e, em particular, do modo de formao das vegetaes e
das consequncias da resultantes para as populaes bacterianas, os resultados so muito diferentes. Contudo, indispensvel que o tratamento seja
institudo o mais precocemente possvel, com antibiticos bactericidas, por
via endovenosa (apesar de haver j disponveis frmacos com grande biodisponibilidade e que permitem atingir por via oral concentraes sricas do
311

G. do Carmo

antibitico equiparveis s obtidas por via endovenosa, a gravidade potencial


da doena no permite correr riscos, como seja o de uma inadequada absoro
do frmaco a nvel intestinal) e durante um perodo de tempo conveniente,
habitualmente nunca menos de trs/quatro semanas nos casos mais favorveis,
chegando s seis ou oito semanas nas infeces protsicas ou nos casos de
patognios particulares como Staphylococcus aureus e Candida albicans. No
caso de EI devida a Coxiella burnetii o tratamento tem que ser feito conjuntamente com doxiciclina e com cloroquina, por um perodo nunca inferior a
dois ou mesmo trs anos. Embora hoje se defenda que a teraputica antimicrobiana seja em monoterapia, h casos em que existe benefcio na associao sinrgica de alguns frmacos, como o caso do tratamento das EI por
enterococos4. De igual modo, nos casos de doena sem agente isolado, se
aconselha a associao de um betalactmico e de um aminoglicosdeo.
O quadro 1 apresenta, de forma simplificada, os principais esquemas teraputicos, mais aceites na actualidade, para tratamento das EI causadas
pelos patognios mais comuns.
No caso de EI protsica, independentemente do tipo de prtese e da
vlvula atingida, o esquema teraputico semelhante, em termos de frmacos a utilizar, mas as posologias so as mximas toleradas e por perodos de
tempo, de pelo menos, seis semanas.

8. Complicaes
As complicaes so frequentes nas EI, podendo at constiturem-se na
primeira manifestao da doena em curso ainda no correctamente diagnosticada, como o caso de alguns acidentes vasculares cerebrais trombo-emblicos. Contudo, o habitual que, independentemente de um correcto
diagnstico e de uma adequada e atempada teraputica instituda, elas
venham a suceder no decurso do prprio tratamento. Entre as mais frequentes,
e constituindo-se sempre como situaes a obrigar ao recurso teraputica
cirrgica, encontram-se a insuficincia cardaca congestiva refractria, os
fenmenos de tromboembolismo sptico de repetio, a constatao da
existncia de uma ou mais vegetaes de grandes dimenses (> 1 cm), a
manuteno do processo infeccioso activo para l de oito a dez dias, apesar
de uma teraputica antibitica correcta. Em todos estes casos, a sua comprovao indicao formal para o recurso rpido cirurgia3-5.

9. Profilaxia
Embora, segundo alguns autores, seja discutvel o benefcio da profilaxia,
as altas taxas de morbilidade e mortalidade da EI justificam o recurso a essas
312

Endocardite infecciosa

Quadro 1. Principais esquemas teraputicos da EI, tendo em conta os agentes mais


frequentes
Microrganismo

Antibitico

Dose e via

Tempo

S. viridans, S. bovis
(MIC <0,1 mg/ml)

Penicilina G
ou ceftriaxona

12 milhes/UI/dia, por via e.v.


2 g/dia, por via e.v.

4 semanas
4 semanas

S. viridans, S. bovis
Penicilina G
(MIC >0,1 e <0,5 mg/ml) + gentamicina

12 a 18 milhes/UI/dia,
por via e.v.
1 g /kg/de 8-8 h por via e.v.

4 semanas
2 semanas

Enterococos, S. viridans
(MIC >0,5 mg /ml)

Penicilina G
+ gentamicina

18 a 30 milhes/UI/dia, por via e.v.


1 g/kg/de 8-8 h por via e.v.

4 a 6 semanas
4 a 6 semanas

Ampicilina
+ gentamicina

12 g/dia, por via e.v.


1 g/kg/de 8-8 h por via e.v.

4 a 6 semanas
4 a 6 semanas

Vancomicina
+ gentamicina

1 g/de 12-12 h, por via e.v.


1 g/kg/de 8-8 h por via e.v.

4 a 6 semanas
4 a 6 semanas

Oxacilina ou

9 a 12 g/dia, por via e.v.

4 a 6 semanas

Flucloxacilina
+ gentamicina

9 a 12 g/dia, por via e.v.


1 g/kg/de 8-8 h por via e.v.

4 a 6 semanas
3 a 5 dias

Estafilococos sensveis
meticilina

Vancomicina

1 g/de 12-12 h, por via e.v.

4 a 6 semanas

Estafilococos resistentes
meticilina

Vancomicina

1 g/de 12 h-12 h, por via e.v.

4 a 6 semanas

Bactrias do grupo
HACEK

Ceftriaxona
ou ampicilina
+ gentamicina

2 g/dia, por via e.v.


12 g/dia, por via e.v.
1 g/kg/ de 8-8 h por via e.v.

4 semanas
4 semanas
4 semanas

medidas. Tendo como referncia as orientaes da Associao Americana de


Cardiologia, revistas em 1997, os princpios gerais assentam nos seguintes
aspectos: 1) O risco do doente para o desenvolvimento de EI; 2) a possibilidade de ocorrncia de bacteriemia, aps os diferentes procedimentos mdicos previstos; 3) os potenciais efeitos adversos da teraputica antibitica
proposta. Estas recomendaes estratificam os doentes cardacos em categorias de alto, moderado ou baixo risco, sendo a profilaxia recomendada
para as duas primeiras. Relativamente aos procedimentos mdicos que se
devem considerar, os estomatolgicos so os principais, atendendo abundante flora existente na cavidade oral e ao predomnio de Streptococcus
viridans, patognio com particular capacidade para causar endocardite. De
igual modo, as manifestaes genitourinrias e gastrenterolgicas devem
ser, sempre, consideradas. Os regimes aconselhados so, no caso de manipulaes dentrias, uma dose nica de 2 g de amoxacilina oral, uma hora
antes da interveno e, no caso das actuaes urolgicas, ginecolgicas,
obsttricas e gastrintestinais, administrao de 2 g de ampicilina por via e.v.
+ 1,5 mg/kg de gentamicina, por via endovenosa, 30 min antes dos procedimentos, seguido de 1 g de ampicilina por via endovenosa, seis horas aps a
interveno.
313

G. do Carmo

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314

Seco 12

MENINGITES E OUTRAS INFECES


DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
EPIDEMIOLOGIA, ETIOLOGIA,
CLNICA E DIAGNSTICO

Francisco Antunes

1. Introduo
As infeces do sistema nervoso central (SNC) incluem as meningites, as
encefalites e os abcessos cerebrais. A meningite um processo inflamatrio
do SNC identificado por um nmero aumentado de leuccitos no lquido
cefalorraquidiano (LCR), que se deve distinguir da sndrome menngea
causada por doenas infecciosas e no-infecciosas. A encefalite tem caractersticas clnicas sobreponveis meningite, porm, naquela, em regra, as
alteraes do estado de conscincia mais precoce, relativamente ao
desenvolvimento do coma1.

2. Meningites
Meningites vricas
Os vrus so a causa mais frequente de sndrome menngea assptica
aguda (meningite, com pleiocitose linfocitria, para a qual a causa no
aparente, aps a avaliao inicial e exames directos e culturais do LCR)2.
Os agentes mais frequentes da sndrome menngea assptica aguda so os
enterovrus, os arbovrus, o vrus da papeira, o vrus da coriomeningite linfocitria, os vrus herpes e o vrus da imunodeficincia humana (VIH).
Os enterovrus (vrus echo e coxsachie) so a principal causa de sndrome
menngea assptica aguda (80 a 85% dos casos em que o agente foi identificado). A transmisso fecal-oral e, tambm, provavelmente, por via respiratria, sendo as crianas mais susceptveis do que os adultos (os enterovrus
mantm-se, neste grupo etrio, a causa mais frequente de meningite assptica).

Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

315

F. Antunes

Os arbovrus mais comuns, responsveis por meningite assptica, so o vrus


da encefalite de So Lus e os vrus flavi2, com maior incidncia nos meses
mais quentes do ano, em que maior o risco de contacto com o vector. A
infeco pelo vrus da papeira mais frequente no inverno e na primavera,
podendo ocorrer o envolvimento do SNC, sem evidncia de parotidite (40 a 50%
dos casos). Numa populao no imunizada, o vrus da papeira uma das
causas mais frequentes de meningite assptica e de encefalite. Os homens
so mais atingidos do que as mulheres (duas a cinco vezes mais), sendo o
pico da incidncia no grupo etrio dos cinco aos nove anos (a incidncia
da papeira diminuiu, drasticamente, com a vacinao). A meningite assptica por vrus da coriomeningite linfocitria , actualmente, muito rara,
sendo a transmisso do vrus ao homem por contacto com roedores. Os
vrus herpes incluem vrus herpes simplex tipos 1 e 2 (VHS-1 e VHS-2), vrus da
varicela zster (VVZ), vrus citomeglico (VCM), vrus de Epstein-Barr (VEB) e
vrus herpes humanos 6 e 7 (VHH-6 e VHH-7). A meningite por VHS est mais
associada primo-infeco genital por VHS-2 e menos vezes ligada recorrncia do herpes genital3. A primo-infeco e as recorrncias por VHS-1 raramente resultam em meningite4. A meningite assptica por VVZ tem sido
identificada em doentes com ou sem leses cutneas da varicela5. A meningite por VHH-6 tem sido vinculada com a rosola infantum, a encefalite e
com as convulses recorrentes em crianas, aps transplante de medula ssea6. VCM e VEB podem causar meningite assptica, com sndrome mononuclesica, principalmente, em imunocomprometidos. A meningite associada
infeco por VIH pode ocorrer no decurso da primo-infeco ou em qualquer
estdio evolutivo.
As manifestaes clnicas das meningites vricas dependem da idade do
hospedeiro e do seu estado imunitrio, sendo mais exuberantes no perodo
neonatal (vrus entricos), com febre, acompanhada por vmitos, anorexia,
exantema ou, ainda, sintomas e sinais de envolvimento do aparelho respiratrio superior2. O envolvimento neurolgico caracteriza-se por rigidez da
nuca e abaulamento da fontanela anterior no recm-nascido, podendo estar
alterado o estado de conscincia, mas, em regra, sem sinais neurolgicos
focais. A mortalidade por meningo-encefalite nos recm-nascidos pode atingir 10%. Para alm desta idade a clnica , em regra, menos exuberante2. A
durao da doena no ultrapassa uma semana, acontecendo que muitos
doentes melhoram aps a puno lombar, provavelmente por reduo da
presso intracraniana.
A pleiocitose do LCR est, quase sempre, presente, sendo a contagem de
clulas entre 100 a 1.000/mm3 ou, ainda, mais elevada2. Na fase inicial pode
haver predomnio de polimorfonucleares. O predomnio de polimorfonucleares no LCR obriga instituio de teraputica antibitica, como se fosse
uma meningite bacteriana, at que esta possa ser excluda. As protenas e
a glucose no LCR esto, em regra, dentro de valores normais, porm as
316

Meningites e outras infeces do SNC Epidemiologia, etiologia, clnica e diagnstico

primeiras podem estar, discretamente, aumentadas e a segunda diminuda.


A identificao do agente possvel por:
Isolamento de vrus entricos (excepto o vrus da poliomielite) da orofaringe e do recto.
Subida para mais do qudruplo dos ttulos de anticorpos, na reaco de
fixao do complemento ou na da inibio da hemaglutinao, no sangue colhido na fase aguda e na convalescena, no caso da infeco por
vrus da papeira.
Isolamento de vrus da coriomeningite linfocitria e de VHS possvel a
partir de culturas obtidas do LCR e da camada de leuccitos do sangue.
Os recentes avanos nas tcnicas de polymerase chain reaction (PCR) permitem identificar no LCR as meningites vricas por enterovrus, arbovrus
(vrus de West Nile), VHS-2, VEB e VIH7.

Meningites bacterianas
A incidncia anual das meningites bacterianas de cinco a 10 casos por
100.000 indivduos. Os agentes mais frequentes das meningites bacterianas
so Haemophilus influenzae, Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae, Listeria monocytogens, Streptococcus agalactiae, bacilos aerbios
Gram-negativo, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis e, mais
raramente, Nocardia, enterococos, anaerbios e difterides. A meningite por
Haemophilus influenzae mais frequente em crianas com idade inferior aos
seis anos, sendo 90% dos casos da responsabilidade das estirpes capsuladas
do tipo b. A utilizao da vacina conjugada anti-Haemophilus veio reduzir,
profundamente, a incidncia das infeces na criana pelas estirpes invasivas
de Haemophilus influenzae tipo b. A meningite por Haemophilus influenzae
em crianas mais velhas e em adultos sugere a presena de factores predisponentes sinusite, otite mdia, epiglotite, pneumonia, diabetes mellitus,
alcoolismo, esplenectomia ou asplenia, traumatismo craniano com fstula de
LCR e imunodeficincia (por exemplo, hipogamaglobulinemia), sendo a mortalidade de 3 a 6%. A meningite por Neisseria meningitidis mais frequente em crianas e adultos jovens (os doentes com deficincias nos componentes terminais do complemento tm risco aumentado), sendo a mortalidade
de 3 a 13%, e a meningite por Streptococcus pneumoniae mais frequente
em adultos e a mortalidade de 19 a 26%. Os doentes tm, em regra, um
foco de infeco pneumoccica contguo ou distncia (pneumonia, otite
mdia, mastoidite, sinusite e endocardite). Streptococcus pneumoniae o agente mais frequente de meningite nos doentes com fractura da base do crnio e
com fstula de LCR. O risco de maior gravidade associa-se a esplenectomia ou
asplenia funcional, mieloma mltiplo, hipogamaglobulinemia, alcoolismo,
malnutrio, doena heptica ou renal crnica, sndrome de Wiskott-Aldrich,
317

F. Antunes

talassemia major e diabetes mellitus. A meningite por Listeria monocytogenes (3.a causa mais frequente de meningite no adulto, a seguir a N.
meningitidis e a S. pneumoniae) acompanhada por mortalidade elevada,
de 15 a 29%, sendo mais frequente no recm-nascido (mais de 10% dos
casos) ou naqueles doentes com factores predisponentes, como idade 50 anos,
alcoolismo, doenas malignas, imunossupresso (por exemplo, transplantados
renais), corticoterapia, diabetes mellitus, doenas heptica ou renal crnicas
e doenas vasculares do colagnio. A meningite por Streptococcus agalactiae
frequente nos recm-nascidos, com mortalidade de 7 a 23%, e nos adultos
parece haver tendncia para aumento da sua frequncia, sendo a mortalidade de 27 a 34%. Os factores de risco para os adultos so idade 60 anos,
diabetes mellitus, parturiente, doena cardaca, doena vascular do colagnio, neoplasia, alcoolismo, doena heptica ou renal e corticoterapia. As
meningites por bacilos aerbios Gram-negativo (por exemplo, Klebsiella spp,
Escherichia coli, Serratia marcescens, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella spp)
so cada vez mais frequentes, considerando-se a mortalidade entre 30 a 80%.
Os factores de risco so traumatismos cranianos, no contexto de procedimentos neurocirrgicos, recm-nascidos, idosos, imunocomprometidos e aqueles
com spsis por Gram-negativo. A meningite por Staphylococcus aureus enquadra-se no contexto do traumatismo craniano, incluindo os procedimentos
neurocirrgicos e, ainda, no caso de fstula do LCR. Para alm destas causas
predisponentes, outros factores podem estar envolvidos no processo, como
endocardite ou infeco para-espinhal, diabetes mellitus, alcoolismo, insuficincia renal crnica, requerendo hemodilise, toxicodependncia de drogas
injectveis e neoplasias, para alm da sinusite, osteomielite e pneumonia,
sendo a mortalidade de 14 a 17%. Staphylococcus epidermidis a causa
mais frequente de meningite bacteriana no caso de shunts do SNC, sendo mais raros os difterides. As meningites por Nocardia ocorrem em doentes com factores predisponentes; as meningites por enterococos so registadas, principalmente, em doentes peditricos com patologia do SNC; as
meningites por anaerbios so, muitas vezes, polimicrobianas e associadas a
focos de contiguidade.
A meningite bacteriana cursa com febre, cefaleias, meningismo e sinais
de disfuno cerebral (por exemplo, confuso mental, delrio ou diminuio
do nvel de estado da conscincia, podendo ir da letargia ao coma)8. O meningismo pode-se acompanhar por Kernig e Brudzinski. A paralisia dos pares
cranianos III, IV, VI, VII ou VIII pode estar presente, assim como sinais focais.
As convulses ocorrem em cerca de uma tera parte dos doentes. O exantema, de incio eritematoso e macular, evolui, rapidamente, para a fase petequial e, posteriormente, para a forma purprica. O exantema regista-se em
cerca de 50% dos doentes com meningococemia, com ou sem meningite,
podendo ser semelhante quele que se regista em esplenectomizados com
spsis por Streptococcus pneumoniae ou por Haemophilus influenzae tipo b.
318

Meningites e outras infeces do SNC Epidemiologia, etiologia, clnica e diagnstico

A perda da audio (por labirintite purulenta) pode observa-se em mais de


30% dos doentes.
O diagnstico de meningite bacteriana assenta nas caractersticas do LCR,
com contagem de clulas de 1.000 a 5.000/mm3, com predomnio de polimorfonucleares (cerca de 10% podem ter predomnio de linfcitos, particularmente os recm-nascidos com meningite por Listeria monocytogenes)8. A
concentrao da glucose no LCR est diminuda (< 40 mg/dl) e as protenas
esto aumentadas. A colorao Gram do LCR permite a rpida identificao
do agente etiolgico em 60 a 90% dos casos, sendo a probabilidade menor
naqueles doentes sujeitos a teraputica antibitica prvia. O exame directo
(microscpico) do LCR por colorao Gram ou a cultura permitem a identificao do microrganismo em 70-90% dos doentes. As hemoculturas so positivas em 50% dos doentes com meningite. A colheita de LCR e de sangue,
para exames microbiolgicos, devem ser obtidas antes da teraputica antibitica. Os testes rpidos de diagnstico (contra-imuno-electroferese, aglutinao do ltex) detectam antignios de Neisseria meningitidis, por Haemophilus influenzae tipo b, por pneumococo, por estreptococo e por Escherichia
coli9. A utilizao por rotina destes testes tem sido questionada. O uso de
antignios para identificao dos agentes patognicos das meningites bacterianas mais frequentes est indicado nas seguintes circunstncias:
Para confirmar resultados do exame directo pouco claros.
Se o LCR mostra pleiocitose marcada, mas o exame microscpico negativo.
Se foi instituda teraputica antibitica antes da colheita do LCR.
A tcnica de PCR poder ser til no diagnstico etiolgico das meningites
bacterianas, principalmente, naqueles casos em que o Gram no LCR negativo, assim como os testes rpidos de diagnstico e as culturas10. A protena
C reactiva tem sensibilidade e especificidade elevada para distinguir as meningites bacterianas das vricas, estando aumentada nas primeiras11. A procalcitonina, que um polipptido que est aumentado nas infeces bacterianas graves, pode ser til no diagnstico diferencial entre meningites
bacterianas e vricas12. A tomografia axial computorizada (TAC) e a ressonncia magntica (RMN) so teis nos doentes com febre persistente (apesar da
teraputica antibitica), com evidncia clnica de aumento da presso intracraniana, com sinais neurolgicos focais, com disfuno neurolgica persistente ou com parmetros anormais do LCR ou das culturas13.

Outras causas de meningite


As meningites por espiroquetas (Treponema pallidum e Borrelia burgdorferi), por fungos (Cryptococcus neoformans, Candida e Coccidioides immitis) e
a meningite tuberculosa so tratadas noutros captulos deste Manual. A meningite por amibas de vida livre (Naegleria fowleri e Acantamoeba), tem duas
319

F. Antunes

formas de evoluo, isto a aguda, rapidamente mortal, em dois a trs dias,


e a subaguda ou crnica de incio insidioso, podendo evoluir para a morte em
duas a quatro semanas ou, mesmo, em mais tempo, isto , em cinco a 18 meses14.

3. Encefalites
Diversos agentes infecciosos e no infecciosos causam encefalite aguda,
incluindo alguns dos microrganismos responsveis por meningites. As infeces por VHS e por VVZ representam a causa mais frequente de encefalites
vricas, sendo as nicas para as quais se dispe de teraputica etiotrpica. A
infeco por VHS responsvel pela forma mais grave de infeco vrica do
crebro, sendo a mortalidade, sem teraputica, superior a 70%1. A maior
parte dos casos (94 a 96%) da responsabilidade de VHS-1. O envolvimento
do SNC, durante a varicela, varia entre 0,1 a 0,75% e, por outro lado, o
compromisso do SNC no decurso da zona tem maior mortalidade do que a
causada pela varicela15.
A encefalite por VHS caracteriza-se por alteraes do estado de conscincia, com sinais neurolgicos focais, incluindo disfasia, falta de fora e parestesias, estando a febre e as alteraes da personalidade quase sempre presentes, para alm das cefaleias e das convulses (focais ou generalizadas)1.
A encefalite por VHS pode evoluir lentamente ou muito rapidamente, com
progressiva perda de conscincia, que culmina em coma. A evidncia clnica
de compromisso do lobo temporal est, quase sempre, associada a encefalite
por VHS (diagnstico diferencial com abcesso ou empiema subdural, tuberculose, criptococose, toxoplasmose, infeco por VCM, tumor ou hematoma
subdural). Relativamente encefalite por VVZ, a ataxia o sinal neurolgico
mais comum. As outras manifestaes clnicas so cefaleias, febre e vmitos,
muitas vezes acompanhadas por alteraes do estado de conscincia e por
convulses. Para alm destas, esto descritos sinais neurolgicos focais, incluindo disfuno dos pares cranianos, afasia e hemiplegia. A encefalite a
manifestao mais frequente associada ao zster, a qual se verifica em doentes de idade avanada, em casos de imunossupresso e naqueles casos com
zster disseminada. Alguns doentes com zster oftlmico podem desenvolver
(mais tarde, semanas ou mesmo meses) hemiplegia contralateral.
Os estudos do LCR em doentes com encefalite por VHS no so de diagnstico, sendo a contagem de clulas superior a 100/mm3, com predomnio
de linfcitos. A presena de eritrcitos no LCR sugere o diagnstico de encefalite herptica. As protenas podem estar aumentadas. Cerca de 5 a 10%
dos doentes tm, na primeira avaliao, LCR normal. A PCR para identificar
ADN-VHS no LCR muito sensvel e especfica, pelo que o mtodo mais
adequado para o diagnstico de encefalite herptica16. A electro-encefalografia revela actividade de ondas ponta-e-lentas e descargas epileptiformes
320

Meningites e outras infeces do SNC Epidemiologia, etiologia, clnica e diagnstico

lateralizantes, peridicas, localizadas, principalmente, nas regies temporal


e frontotemporal. A TAC mostra reas de baixa densidade, com efeito de
massa localizada no lobo temporal, sendo, no entanto, para muitos, a RMN
o mtodo de imagem mais apropriado para a orientao do diagnstico de
encefalite herptica (demonstra, precocemente, as leses nos lobos temporal
e orbitofrontal)17. A biopsia cerebral foi relegada para segundo plano, a
favor da PCR, no diagnstico da encefalite por VHS. Na encefalite por VVZ,
o LCR , muitas vezes, anormal, com pleiocitose custa dos linfcitos e aumento das protenas. O electro-encefalograma mostra anomalias difusas,
porm alteraes focais podem ocorrer, mesmo sem actividade convulsiva. O
VVZ pode ser cultivado a partir da biopsia cerebral e detectado por PCR.

4. Abcessos cerebrais
A maioria dos casos diagnosticada na 3.a ou 4.a dcadas de vida, mas
podem ocorrer em qualquer idade. A epidemiologia dos abcessos cerebrais
mudou na era dos antibiticos, tendo diminudo a incidncia pelas causas
tradicionais, tais como sinusite aguda ou crnica, otite mdia crnica, traumatismo craniano penetrante, infeco dentria, aumentando a sua incidncia nos doentes imunocomprometidos (transplantados de rgos e medula
ssea, infectados por VIH/sida e doentes sob quimioterapia oncolgica)18. Os
agentes mais frequentes, isolados em 60 a 70% dos abcessos cerebrais, so
os estreptococos (aerbios, anaerbios e micro-aeroflicos)19. Abcessos por
Staphylococcus aureus (aps traumatismo ou craniotomia) podem ocorrer
em indivduos com endocardite ou com traumatismo craniano. Para alm
destes, so agentes de abcessos cerebrais Bacteroides fragilis, enterobactericeas e, mais raramente, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Listeria monocytogenes e Nocardia. Dos fungos, Candida pode causar
abcessos mltiplos e microscpicos, Aspergillus tem o foco de desenvolvimento primrio no pulmo ou em zonas adjacentes ao crebro, e mucormicose
uma das mais fulminantes infeces fngicas. Em regra, existe uma causa
predisponente (neutropenia, doena hematolgica maligna, diabetes mellitus, doena heptica, doena granulomatosa crnica, toxicodependentes de
drogas por via endovenosa, ps-craniotomia, transplantados de rgo, infectados por VIH e corticoterapia, para alm de outras). As manifestaes clnicas (cefaleias, nuseas e vmitos, convulses, rigidez da nuca e edema da
papila, alteraes do estado de conscincia e sinais neurolgicos focais)
ocorrem, secundariamente, presena de uma massa ocupando espao.
A apresentao clnica (febre, cefaleias e dfice neurolgico) depende,
fundamentalmente, do tamanho e da localizao da leso no crebro ou no
cerebelo. A puno lombar est contra-indicada no caso de suspeita de abcesso cerebral, dado o risco de herniao e, por outro lado, as alteraes
321

F. Antunes

citoqumicas so inespecficas e o exame cultural , na maioria dos casos,


negativo. O diagnstico de abcesso cerebral bacteriano foi revolucionado
com a TAC (excelente para o exame do parnquima cerebral, dos seios perinasais, da mastide e do ouvido mdio)19. Tipicamente, a TAC revela leso
hipodensa com um anel perifrico com captao de contraste, rodeada por
um halo de edema. No entanto, a RMN , actualmente, o meio de imagem
de escolha para o diagnstico do abcesso cerebral pela sua maior sensibilidade em detectar, precocemente, a cerebrite, para alm de evidenciar melhor contraste entre o edema e o crebro e, ainda, pela identificao das
leses satlites20. Para estabelecer o diagnstico definitivo e o isolamento do
agente recomendada a aspirao do abcesso guiada por TAC ou RMN. No
abcesso cerebral fngico, os mtodos no-invasivos de diagnstico (por
exemplo, estudo do LCR, TAC e RMN) so pouco especficos, com alguma
excepo, sendo a biopsia cerebral o mtodo mais adequado, com aplicao
de tcnicas de colorao apropriadas para os fungos21.

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322

Seco 12 Meningites e outras infees do SNC

TRATAMENTO

A. Mota Miranda

1. Introduo
As infees do sistema nervoso central (SNC) tm formas de apresentao
clnica variada, sendo as mais frequentes a meningite e a encefalite. As sndromes focais, menos comuns, so entidades neurocirrgicas e incluem o abcesso
cerebral, o empiema subdural e o abcesso epidural. Estas patologias constituem
emergncias mdicas, que obrigam a um diagnstico rpido, considerando a
mltipla etiologia, infeciosa (vrus, bactrias, fungos e parasitas) ou no infeciosa, e a um tratamento precoce para reduzir a sua elevada morbilidade e
mortalidade. Logo, a instituio imediata de teraputica antimicrobiana emprica, baseada nos dados epidemiolgicos, idade do doente e fatores predisponentes, precedida de estudo do lquido cefalorraquidiano (LCR) e de, pelo
menos, duas hemoculturas, fundamental para atingir esse objetivo. No deve
ser descurada, ainda, a manuteno das funes vitais e o controlo das complicaes que podem surgir em doentes graves, com disfuno neurolgica e
de outros rgos, os quais podero pr em risco imediato a vida desses doentes. O recurso a tcnicas de neuroimagem a preceder a puno lombar, caso se
justifique, no deve obstar ao atraso na investigao ou ao incio de tratamento. Nesse caso, deve instituir-se o tratamento antimicrobiano at se excluir situao neurolgica que contra-indique, de modo absoluto, esse procedimento.
Ainda, se o transporte do doente a hospital especializado se prev ser demorado, torna-se mandatria a instituio de tratamento antimicrobiano, mesmo
sem colheita de LCR para exame microbiolgico. Em ambos os casos, deve
proceder-se execuo de duas hemoculturas, antes do incio da teraputica
antimicrobiana. Embora o tratamento antimicrobiano tenha reduzido, de modo
significativo, a morbilidade e a mortalidade das infees do SNC, deve notar-se
que continuam a ser doenas temveis, mesmo aquelas para as quais est disponvel tratamento etiotrpico eficaz1. Assim, a melhor estratgia deve
apoiar-se na preveno, atualmente possvel para algumas delas atravs de
vacinas especficas, a maioria integrada nos Programas Nacionais de Vacinao.

2. Meningite aguda bacteriana


Apesar do melhor conhecimento cientfico, a meningite bacteriana continua a ser causa importante de morte em crianas e adultos e, tambm,
323

A. Mota Miranda

Quadro 1. Tratamento da meningite bacteriana


Deve ser feito em UCI, sempre que possvel
Etiotrpico antibioterapia esterilizao do processo infecioso
Cefalosporinas de 3.a gerao cefotaxima, ceftriaxona
Ampicilina
Vancomicina
Atenuao da resposta inflamatria
Corticoterapia dexametasona
Tratamento da hipertenso intracraniana (PIC > 15/20 mmHg)
Suporte ou sintomtico

causa relevante de sequelas neurolgicas permanentes1-4. Se a preveno


deve ser o objetivo prioritrio, no deve descurar-se a importncia do diagnstico precoce e do seu tratamento, tendo em considerao, neste contexto, a emergncia de resistncias aos antimicrobianos. De uma doena uniformemente fatal antes do advento da antibioterapia, o prognstico da
meningite bacteriana modificou-se, consideravelmente, com a disponibilidade de antibiticos potentes e da melhoria dos cuidados de sade, em que
foi relevante o desenvolvimento das Unidades de Cuidados Intensivos (UCI).
O seu tratamento deve incluir, alm da teraputica etiotrpica, medidas
sintomticas e de suporte, em particular das funes vitais, e atitudes medicamentosas que atenuem a resposta inflamatria no espao subaracnoideu,
principal fator que contribui para o prognstico desfavorvel da doena
(Quadro 1)2-7. A teraputica antibitica emprica deve iniciar-se o mais precocemente possvel, considerando as hipteses etiolgicas mais provveis, de
acordo com os dados epidemiolgicos, idade, aspetos clnicos, comorbilidades, resultados do Gram e dos testes de pesquisa de antignios capsulares,
bem como da possibilidade de resistncia antimicrobiana. A medicao dever ser administrada por via endovenosa e em doses menngeas, tendo em
ateno a penetrao do antimicrobiano atravs da barreira hematoenceflica, de modo a atingirem-se concentraes locais superiores s concentraes
bactericidas mnimas (CBM)2-4,7,8. Vrios fatores influenciam a atividade bactericida dos antibiticos, citando-se o grau de inflamao menngea e caractersticas inerentes aos frmacos, como a lipossolubilidade, o grau de ionizao, a ligao s protenas, o peso molecular e o pH, entre outros. O
conhecimento destes aspetos importante para se selecionar o antibitico
com as caractersticas adequadas, que favoream a sua eficcia antimicrobiana no espao subaracnoideu2-4,7,8. Uma vez identificado o agente etiolgico,
o tratamento antibitico poder ser modificado de acordo com a sua sensibilidade aos antimicrobianos. Entre vrios, a penicilina G, a ampicilina, as cefalosporinas de 3.a gerao cefotaxima, ceftriaxona, ceftazidima e cefepima
324

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

Quadro 2. Teraputica emprica da meningite bacteriana por grupo etrio


Etiologia

Antibitico
Recm-nascido

Streptococcus do grupo B (agalactiae)

Cefotaxima ou ceftriaxona + ampicilina

L. monocytogenes
Bacilos entricos Gram-negativo
(E. coli, Klebsiella spp)
1 ms-23 meses
Cefotaxima ou ceftriaxona + vancomicina

N. meningitidis
S. pneumoniae
H. influenzae tipo b
Streptococcus do grupo B (agalactiae)
E. coli

2 anos/ 50 anos
N. meningitidis

Cefotaxima ou ceftriaxona + vancomicina

S. pneumoniae
> 50 anos
S. pneumoniae

Cefotaxima ou ceftriaxona + ampicilina + vancomicina

N. meningitidis
L. monocytogenes
Bacilos entricos Gram-negativo

o meropenem e a rifampicina (RFP) atingem concentraes no LCR superiores s CBM para os agentes mais habituais de meningite, constituindo, por
estas razes, os frmacos principais para uso nessas situaes2-4,7,8. No entanto, a nvel mundial tm surgido vrios tipos de resistncia aos antimicrobianos de bactrias Gram-positivo e Gram-negativo, situao que importa conhecer para otimizar a teraputica9,10. O tratamento emprico deve
fundamentar-se na administrao de antibiticos bactericidas, habitualmente,
uma cefalosporina de 3.a gerao cefotaxima ou ceftriaxona associada
ampicilina nos recm-nascidos e em adultos com idade superior a 50 anos e
imunodeprimidos, e vancomicina em lactentes, crianas e adultos, bem
como em doentes com traumatismo craniano, com shunts para derivao de
LCR (ventriculoperitoneais) ou submetidos a atos neurocirrgicos e imunodeprimidos, nestes casos, usando a ceftazidima, cefepima ou o meropenem pela
possibilidade etiolgica de Pseudomonas aeruginosa, (Quadros 2 e 3)2-4,7,11.
Este tratamento dever ser modificado aps a identificao do agente etiolgico e o conhecimento do estudo de sensibilidade aos antimicrobianos
(Quadro 4)2-4,7,11. No quadro 5 mostra-se a posologia dos frmacos usados no
tratamento da meningite bacteriana, em crianas e adultos2-4,7. A emergncia
325

A. Mota Miranda

Quadro 3. Teraputica emprica da meningite bacteriana por fator predisponente


Etiologia

Antibitico
Traumatismo craniano
cefotaxima ou ceftriaxona + vancomicina

S. pneumoniae
H. influenzae tipo b
Streptococcus grupo A b-hemoltico

Aps traumatismo penetrante, neurocirurgia ou shunts para derivao de LCR


ceftazidima ou cefepima ou meropenem + vancomicina

S. aureus
Staphylococcus coagulase-negativo
Bacilos entricos Gram-negativo
P. aeruginosa

Com condies predisponentes*


S. pneumoniae

cefotaxima ou ceftriaxona ou ceftazidima

Listeria monocytogenes

ou meropenem + ampicilina + vancomicina

Bacilos entricos Gram-negativo


P. aeruginosa
*Alcoolismo,

cirrose heptica, insuficincia renal crnica, diabetes mellitus, doenas hemolinfoproliferativas e


outras situaes com compromisso da imunidade celular.

de estirpes de Haemophilus influenzae produtoras de b-lactamase, resistentes ampicilina, e de novos padres de sensibilidade do pneumococo modificaram, radicalmente, o tratamento etiotrpico da meningite bacteriana.
Estes factos devem ter-se em considerao na deciso da teraputica emprica, justificando um conhecimento do panorama epidemiolgico da regio
e da sensibilidade desses microrganismos aos antimicrobianos9,10. Assim, as
cefalosporinas de 3.a gerao cefotaxima e ceftriaxona so os antibiticos
de primeira escolha no tratamento emprico da meningite bacteriana. A
associao da vancomicina deve ser considerada em todos os doentes com
suspeita de meningite pneumoccica, pela possibilidade de existir estirpes
de Streptococcus pneumoniae com resistncia elevada penicilina G concentrao inibitria mnima (CIM) 2,0 /ml bem como deve associar-se
em recm-nascidos e imunodeprimidos a ampicilina, considerando a etiologia
por Listeria monocytogenes2-4,7,11.

Meningite pneumoccica
A introduo da vacina conjugada, 7-valente em 2000 e, posteriormente,
a 13-valente, foi determinante na reduo da incidncia da meningite pneumoccica nos pases desenvolvidos12. A penicilina G e a ampicilina so os
frmacos de eleio para o tratamento da meningite pneumoccica por estirpes sensveis (CIM 0,06 g/ml). No caso de isolados de resistncia inter326

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

Quadro 4. Tratamento etiotrpico da meningite bacteriana


Etiologia

Antibitico

Durao
(dias)

N. meningitidis*
CIM < 0,1 g/ml
CIM 0,1-1,0 g/ml

Penicilina G ou ampicilina
Cefotaxima ou ceftriaxona

7
7

CIM < 0,1 g/ml

Penicilina G ou ampicilina

10-14

CIM 0,1-1,0 g/ml

Cefotaxima ou ceftriaxona

10-14

CIM 2,0 g/ml

Vancomicina + cefotaxima ou ceftriaxona

10-14

Cefalosporinarresistente

Vancomicina

10-14

Cefotaxima ou ceftriaxona
Ampicilina

7-10
7-10

S. pneumoniae*

H. influenzae tipo b
b-lactamase+
b-lactamase
L. monocytogenes

Ampicilina ou penicilina G + gentamicina

Streptococcus grupo B (agalactiae)

Penicilina G ou ampicilina

14-21

21

Bacilos entricos Gram-negativo

Cefotaxima ou ceftriaxona

21

P. aeruginosa

Ceftazidima ou cefepima

21

S. aureus meticilinassensvel

Flucloxacilina ou oxacilina

21

S. aureus meticilinarresistente

Vancomicina ( rifampicina)

21

Staphylococcus coagulase-negativo

Vancomicina ( rifampicina)

21

Ampicilina + gentamicina
Vancomicina + gentamicina
Linezolida

14-21

Enterococci spp
Sensvel ampicilina
Resistente ampicilina
Resistente ampicilina e vancomicina

*De acordo com a sensibilidade penicilina G.

mdia (CIM = 0,1-1,0 g/ml), as cefalosporinas de 3.a gerao so a melhor


opo para as estirpes sensveis (CIM < 0,5 g/ml), enquanto para as mais
resistentes penicilina G (CIM > 2,0 g/ml) e, tambm, s cefalosporinas (CIM
1,0 g/ml), a vancomicina ser o frmaco de escolha, apesar do receio de
no se atingirem concentraes adequadas no LCR, sobretudo, em doentes
medicados com dexametasona ou com outro corticide2-4,7,13. No entanto,
no tm sido referidos insucessos teraputicos, quando so usadas as doses
corretas de vancomicina14. Deste modo, considerando a prevalncia de resistncia penicilina G, em vrias regies do globo, a associao de cefalosporina de 3.a gerao com vancomicina dever ser a escolha para o tratamento da meningite pneumoccica. A associao da rifampicina a este esquema
teraputico parece exercer mais rpida esterilizao do LCR, mesmo em
doentes medicados com corticides, favorecendo o seu uso em situaes de
fracasso teraputico ou isolados resistentes s cefalosporinas de 3.a gerao
(CIM > 4,0 g/ml)2-4,7,13. Apesar do meropenem ser alternativa eficaz de tratamento de estirpes sensveis penicilina G, no est, ainda, validado o seu
uso no caso de isolados com elevado grau de resistncia penicilina G ou s
327

A. Mota Miranda

Quadro 5. Tratamento da meningite bacteriana posologia


Antibitico (endovenoso)

Dose no adulto

Dose/kg na criana

Amicacina

5 mg/kg cada 8 h

5-10 mg/kg cada 8 h

Ampicilina

2 g cada 4 h

200-400 mg cada 4 h

Cefepima

2 g cada 8 h

50 mg cada 8 h

Cefotaxima

2 g cada 4-6 h

150-300 mg cada 8 h

Ceftazidima

2 g cada 8 h

100-150 mg cada 8 h

Ceftriaxona

2 g cada 12 h

80-100 mg cada 4 h

Cotrimoxazol

5 mg/ cada 8-12 h

5 mg/kg cada 8-12 h

Flucloxacilina

2 g cada 4 h

100-200 mg cada 6 h

Gentamicina

5 mg/kg cada 8 h

5-7,5 mg/kg cada 8 h

Linezolida

600 mg cada 12 h

10 mg/kg cada 12 h

Meropenem

1 g cada 8 h

40 mg/kg cada 8 h

Oxacilina

1,5-2 g cada 4 h

25-50 mg/ kg cada 6 h

Penicilina G

2 MUI cada 2 h ou 4 MUI cada 4 h 300.000-500.000 UI cada 4 h

Rifampicina

600 mg cada 24 h

10-20 mg cada 12-24 h

Tobramicina

2,5 mg/kg cada 8 h

2,5-5 mg/kg cada 8-12 h

Vancomicina

15-20 mg/kg cada 8-12 h

15 mg cada 6 h

cefalosporinas de 3.a gerao2-4. As novas quinolonas moxifloxacina, gatifloxacina, trovafloxacina (obste a sua hepatotoxicidade), entre outras podero
ser potenciais agentes, sobretudo em associao com as cefalosporinas de 3.a
gerao, para estes casos de multirresistncia, dada a sua eficcia e boa penetrao menngea2-4. A durao do tratamento dever ser de 10 a 14 dias2-4,15.

Meningite por Haemophilus influenzae de tipo b


A incidncia desta forma de meningite e de outras formas clnicas de
doena invasiva teve reduo drstica nos pases desenvolvidos, pela introduo da imunizao com as vacinas conjugadas, perspetivando a possvel erradicao deste agente microbiano16,17. As cefalosporinas de 3.a gerao, cefotaxima ou ceftriaxona, so, atualmente, a base do tratamento da meningite por
Haemophilus influenzae2-4,7. A cefepima outra alternativa eficaz e incua2-4,18.
A ampicilina, durante muitos anos o antibitico de eleio, deixou de ter
328

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

atualidade pela ocorrncia frequente de estirpes produtoras de b-lactamases,


que nalgumas regies podem atingir mais de 30% dos isolados2-4. Situao
similar se passa com o cloranfenicol, outrora uma opo de tratamento em
doentes alrgicos aos b-lactmicos e, ainda hoje, a primeira opo, dado seu
baixo custo, nos pases em vias de desenvolvimento2-4. A durao de tratamento da meningite por Haemophilus influenzae de 10 a 14 dias, conquanto
alguns estudos mostrem que bastam sete dias2-4,15,19.

Meningite meningoccica
A penicilina G ou a ampicilina so as primeiras opes para o tratamento
da meningite meningoccica, pois a maioria dos isolados so sensveis a esse
antibitico2-4,7. Porm, tm sido identificadas estirpes de sensibilidade intermdia (CIM = 0,1-1,0 g/ml) em algumas regies Europa, frica do Sul, Canad e Estados Unidos e, excecionalmente, isolados produtores de b-lactamase
com alto grau de resistncia (CIM 250 g/ml) penicilina G2-4. Apesar disso,
estes aspetos no condicionam modificao da orientao do tratamento da
meningite meningoccica, pois esses casos continuam a ser eficazmente tratados com penicilina G2-4. No entanto, nas regies com esses padres de
resistncia as cefalosporinas de 3.a gerao constituem a opo teraputica
mais eficaz2-4. A durao do tratamento de sete dias, conquanto alguns
estudos revelem que quatro dias so suficientes2-4,15,20.

Meningite por Listeria monocytogenes


A ampicilina ou a penicilina G so os frmacos de eleio da listeriose
menngea, sendo que a associao de gentamicina, pelo menos, em estudos
animais, exerce efeito bactericida sinrgico2,4,21,22. As estirpes resistentes
penicilina G so raras, devendo usar-se, nestes casos, o cotrimoxazol2,4,21,22.
O meropenem parece ser uma opo eficaz, mas os estudos so, ainda, insuficientes para validar o seu emprego2,4. As cefalosporinas de 3.a gerao
no so ativas contra Listeria monocytogenes2-4,21,22. O tratamento da meningite por Listeria monocytogenes dever ser de 21 dias, sendo a gentamicina usada durante uma semana2-4,21,22.

Meningite por Streptococcus agalactiae


ou Streptococcus do grupo B
O tratamento consiste na administrao de ampicilina ou de penicilina
G, em associao com a gentamicina2-4,23. As cefalosporinas de 3.a gerao
329

A. Mota Miranda

podero ser uma alternativa igualmente eficaz e a vancomicina ser reservada para doentes alrgicos2-4. A durao da teraputica dever prolongar-se
por 14 a 21 dias2-4.

Meningite por bacilos Gram-negativo


A introduo das cefalosporinas de 3.a gerao veio revolucionar o tratamento das meningites por bacilos entricos, associadas a elevada mortalidade. Com estes frmacos conseguem-se taxas de cura superiores a 80%2-4,24-26.
A cefotaxima, a ceftriaxona so os frmacos de eleio, exceto no caso da
meningite por Pseudomonas aeruginosa, em que deve optar-se pela ceftazidima ou cefepima, em monoterapia ou associada a um aminoglicosdeo2-4,24-26.
A administrao intraventricular de aminoglicosdeos hoje raramente usada, por estar associada a maior morbilidade e mortalidade, sobretudo em
crianas com meningite e ventriculite2-4,27. No entanto, no obsta que possa
usar-se esta via em casos refratrios ao tratamento convencional2-4,27. Em doentes com meningite por bacilos entricos o tratamento dever ser de 21 dias2-4.
Outros antibiticos so o aztreonam, o imipenem, o meropenem e as fluoroquinolonas ciprofloxacina, pefloxacina, gatifloxacina e moxifloxacina.
Contudo, o seu emprego est indicado, apenas, em situaes particulares,
aps identificao etiolgica e estudo de sensibilidade aos antimicrobianos,
revelando microrganismos multirresistentes2,4.

Meningite por Staphylococci


A oxacilina ou a flucloxacilina so a base do tratamento da meningite
por Staphylococcus aureus sensvel meticilina (MSSA)2,4,28. A vancomicina
deve ser reservada para doentes alrgicos penicilina G ou para infees
por microrganismos resistentes meticilina (MRSA) e, ainda, no tratamento
emprico da meningite bacteriana, enquanto se aguardam os resultados dos
testes de sensibilidade aos antimicrobianos2,4,28,29. A associao de rifampicina, embora sem comprovao do seu benefcio, recomendada por alguns
autores, considerando a limitada penetrao da vancomicina no LCR29,30.
Outra estratgia a perfuso endovenosa contnua de vancomicina, na dose
de 50-60 mg/kg por dia. Esta modalidade de tratamento aumenta, significativamente, os nveis no LCR da vancomicina, pelo que pode ser uma opo
em doentes com funo renal normal, aps uma dose inicial de 15 mg/kg29.
No obstante, este tratamento dever ser equacionado em situaes particulares, dada a nefrotoxicidade que ocorre com frequncia nestas situaes,
justificando uma vigilncia apertada deste efeito adverso. A linezolida, o cotrimoxazol e a daptomicina, eventualmente em associao com a rifampicina,
330

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

so opes de tratamento destes casos ou quando est contraindicada a


vancomicina, conquanto ainda necessitem de validao clnica2,4,31-35. A durao do tratamento de duas semanas2,4,29. A meningite causada por Staphylococcus coagulase-negativo (Staphylococcus epidermidis), principal
agente das infees dos shunts para derivao de LCR (ventrculo-peritoniais/
auriculares), deve ser tratada com vancomicina, em associao com a rifampicina ou com instilao intraventricular de vancomicina 5-20 mg/dia, no caso
de ausncia de resposta clnica29,36-38. Nestes doentes, recomenda-se tambm
a remoo de todos os componentes do shunt para derivao do LCR infetado e a introduo de derivao externa do LCR, pese o risco de infeo
secundria, predominantemente, por cocos Gram-positivo, se no so tidas em
considerao as condies asspticas na introduo e no manuseamento da derivao externa do LCR2,4,29,36-38. Nestes casos, a durao do tratamento depender
da esterilizao do LCR. Se as culturas de LCR so negativas s 48 horas suficiente uma semana de tratamento, mas se persistem positivas a teraputica
deve manter-se at esterilizao do LCR. A reposio da derivao interna
de LCR s deve ser efetuada aps a negatividade das culturas em 10 amostras
dirias consecutivas2,29,36,38.

Tratamento anti-inflamatrio
O uso dos corticides continua a ser objeto de debate, com estudos mostrando benefcio, em termos de morbilidade e mortalidade, nem sempre
comprovado por outros2,4-7,39-42. A finalidade deste tratamento visa reduzir a
resposta inflamatria no espao subaracnoideu, causada pela libertao de
mediadores pr-inflamatrios, em consequncia da lise bacteriana induzida
pelos agentes antimicrobianos2-4,7. Essa inflamao a principal responsvel
pela morbilidade e mortalidade da doena, e vrios estudos mostraram a
reduo das sequelas neurolgicas, sobretudo auditivas, em crianas com meningite por Haemophilus influenzae tipo b, bem como a reduo da mortalidade em doentes com meningite pneumoccica, tratados com corticides2-4,7.
Porm, vrios estudos no confirmam estes resultados39-42. Apesar da controvrsia, aconselha-se o uso de corticides em doentes com meningite pneumoccica e, tambm, por Haemophilus influenzae tipo b. A dexametasona,
na dose de 10 mg no adulto ou 0,15 mg/kg na criana, deve ser administrada 15 a 20 min antes ou em simultneo com o antimicrobiano, e em cada
seis horas, durante quatro dias. No se aconselha o seu uso em recm-nascidos, em doentes com tratamento antimicrobiano prvio ou por outros
agentes bacterianos. A vigilncia deve ser rigorosa, incluindo estudo do LCR
s 48 horas aps o incio do tratamento, em doentes com meningite por
Streptococcus pneumoniae resistente penicilina G ou s cefalosporinas de
3.a gerao ou em doentes com resposta clnica no favorvel2-4,7.
331

A. Mota Miranda

Quadro 6. Frmacos usados no tratamento da meningite tuberculosa


Adulto

Criana

INH 5 mg/kg (300 mg)

INH 10-15 mg/kg

RFP 10 mg/kg (600 mg)

RFP 10-20 mg/kg

RFB 5 mg/kg (300 mg)

RFP no aprovado

com IP 150 mg
com EFV 450-600 mg
PZA 20-25 mg/kg (1.000-2.000 mg)

PZA 15-30 mg/kg

Peso 40-55 kg 1.000 mg


Peso = 56-75 kg 1.500 mg
Peso > 75 kg 2.000 mg
ETB 15-20 mg/kg (800-1.600 mg)

ETB 15-20 mg/kg

Peso 40-55 kg 800 mg


Peso = 56-75 kg 1.200 mg
Peso > 75 kg 1.600 mg
SM 15 mg/kg

SM 20-40 mg/kg

Peso 50 kg 750 mg
Peso > 50 kg 1.000 mg
INH isoniazida; RFP rifampicina; PZA pirazinamida; ETB etambutol; SM estreptomicina;
IP inibidor de proteasa; EFV efavirenze

Meningite tuberculosa
A meningite tuberculosa causa de elevada morbilidade e mortalidade43,44.
O diagnstico precoce fundamental para minimizar o risco de morte e ocorrncia de sequelas, por vezes, incapacitantes. Assim, o tratamento deve ser
institudo o mais precocemente possvel, mesmo sem a sua confirmao
etiolgica. Quatro frmacos principais isoniazida, rifampicina, etambutol e
pirazinamida constituem a base da estratgia do tratamento, que, obrigatoriamente, implica a associao de vrios desses medicamentos43,44. Outros,
de segunda opo, esto disponveis para uso em doentes com intolerncia,
em situaes de interferncia medicamentosa ou em infetados por microrganismos resistentes e incluem a cicloserina, capreomicina, etionamida, cido
para-aminosaliclico (PAS), estreptomicina, canamicina, amicacina, ofloxacina,
ciprofloxacina, levofloxacina, moxifloxacina, gatifloxacina, rifabutina e rifapentina43,44. Estes medicamentos, de um modo geral, apresentam menor eficcia e maior toxicidade43,44. No quadro 6 mostram-se os principais frmacos
usados no tratamento da tuberculose e a respetiva posologia, na criana e no
adulto. A teraputica da meningite tuberculosa semelhante ao de outras
formas de tuberculose, conquanto a sua durao deva ser de 9-12 meses43,44.
A medicao deve ser prescrita em toma nica, por via oral, administrada em
332

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

Quadro 7. Tratamento da meningite tuberculosa


Esquema teraputico

Durao

INH + RFP + PZA + EBM

2 meses

INH + RFP

7-10 meses

INH isoniazida; RFP rifampicina; PZA pirazinamida; EMB etambutol

jejum e sob vigilncia direta. Todas as medidas que possam promover a adeso
medicao so importantes para o sucesso do tratamento e para o xito na
luta contra a tuberculose43,44. A seleo do esquema de tratamento deve
basear-se no conhecimento da prevalncia de estirpes resistentes aos frmacos, antecedentes de tuberculose, formas de tratamento e sua adeso. Neste contexto deve usar-se um esquema de tratamento que seja eficaz contra
estirpes de Mycobacterium tuberculosis multirresistentes (MDR) e extensivamente resistentes (XRD). Posteriormente, a teraputica dever ser modificada, de acordo com os resultados dos testes de sensibilidade. Assim, fundamental que sejam efetuados em todos os casos exames culturais dos
produtos biolgicos, incluindo do LCR, para identificao de Mycobacterium
tuberculosis e realizao de estudos de suscetibilidade. A associao de quatro antibacilares de primeira linha e com adequada penetrao menngea
e enceflica fundamental para o sucesso do tratamento. O esquema aconselhado consiste na associao de isoniazida com rifampicina, pirazinamida
e etambutol, nos primeiros dois meses, seguido de isoniazida e pirazinamida at perfazer nove-12 meses (Quadro 7)43,44. O tratamento deve ser prolongado nas situaes em que so usados outros frmacos, podendo atingir dois
anos no caso de no se poderem usar frmacos bactericidas43,44. A este esquema teraputico deve associar-se a piridoxina na dose de 50 mg/dia, para
minimizar o risco de neuropatia perifrica associado isoniazida. A vigilncia da toxicidade deve ser peridica, tendo em considerao os aspetos
mostrados no quadro 8. A corticoterapia, ainda objeto de debate, pode estar
indicada no doente com edema cerebral, dfices neurolgicos, hidrocefalia,
aracnoidite optoquiasmtica e bloqueio espinhal, devendo ser usada a dexametasona (0,3-0,4 mg/kg) 10 mg inicial, seguida de 5 mg cada seis horas,
ou prednisolona (1 mg/kg) 50-75 mg/dia, durante seis a oito semanas43-45.
Nos casos de hidrocefalia, presena de tuberculoma e de bloqueio espinhal
pode justificar-se a cirurgia (Quadro 9). De um modo geral, em doentes infetados por VIH, mais sujeitos ao risco de desenvolver tuberculose ativa,
aplicam-se os mesmos princpios de tratamento da meningite tuberculose
que para doentes no infetados por VIH43,44,46,47. No entanto, h particularidades, incluindo o incio do tratamento antirretrovricos sabendo a influncia que
a tuberculose tem na progresso da doena, as interferncias medicamentosas,
sobretudo das rifamicinas com alguns antirretrovricos, a sobreposio de
333

A. Mota Miranda

Quadro 8. Toxicidade dos principais antituberculosos


Frmaco

Interveno

Isoniazida
Hepatite, neuropatia perifrica, exantema,
febre e convulses

Funo heptica, uso de piridoxina

Rifampicina
Hepatite, trombocitopenia, exantema,
febre, mialgias e nefrite

Funo heptica, plaquetas, funo renal

Rifabutina
Artralgias, uvete e leucopenia

Exame ocular, leucograma

Pirazinamida
Hepatite, exantema, artralgias e gota

Funo heptica, uricemia

Etambutol
Nevrite tica e exantema (raro)

Viso cromtica, campos visuais

Estreptomicina
Nefrotoxicidade e ototoxicidade

Funo renal, audio

toxicidades, bem como o apoio e integrao em cuidados de sade especiais43,44,46,47,50. Esse conhecimento fundamental para permitir selecionar a
opo de tratamento mais eficaz da coinfeco VIH-tuberculose. Embora a rifampicina possa ser usada com alguns antirretrovricos, a rifabutina uma alternativa com a mesma eficcia e menos interferncias medicamentosas43,44,46,47.
Assim, se o tratamento da meningite tuberculosa deva ser prioritrio, no

Quadro 9. Tratamento da meningite tuberculosa


Indicaes da corticoterapia

Teraputica

Edema cerebral/alteraes da conscincia

Dexametasona/prednisolona; durao
6-8 semanas

Dfices neurolgicos
Hidrocefalia
Aracnoidite optoquiasmtica
Bloqueio espinhal
Indicaes para tratamento cirrgico
Hidrocefalia
Tuberculoma
Bloqueio espinhal

334

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

Quadro 10. Tratamento da meningite tuberculosa em doentes infetados por VIH


Induo

Manuteno

Observaes

INH + RFP diria


INH + RFP 2-3x/sem
(se T CD4+ > 100)
durante 7-10 meses

 squemas com RFP impedem o


E
uso concomitante de IP, NNITR
(ETR e RPV), MVC e RAL.
So necessrias duas semanas
entre a ltima dose de RFP e o
incio de IP ou NNITR.

INH + RFB diria


INH + RFB 2-3x/semana
(se T CD4+ > 100)
durante 7-10 meses

Controlar a toxicidade da RFB


artralgias, uvete, leucopenia.
Modificar a dose de RFB e de
IP/NNITR, quando administrados
em simultneo.

RFP + EMB durante


10 meses

Nas forma graves associar QNL.

INH + EMB + QNL diria


durante 10-16 meses

Nas formas graves associar


amicacina ou capreomicina nos
primeiros 2-3 meses.

Formas sensveis
Esquemas base de RFP
INH + RFP + PZA + EMB
durante dois meses

Esquemas base de RFB


INH + RFB + PZA + EMB
durante 6 meses

Formas resistentes INH


RFP + PZA + EMB diria,
durante 2 meses
Formas resistentes RFP/RFB
INH + PZA + EMB + QNL
diria, durante 2 meses

Formas multi/extensivamente resistentes (MDR/XDR)


O tratamento dever ser individualizado e baseado no padro de resistncia
RIF rifampicina; INH isoniazida; PZA pirazinamida; EMB etambutol; RFB rifabutina;
QNL quinolona; IP inibidor da protease; NNITR no nucleosdeo inibidor da transcriptase reversa;
ETR etravirina; RPV rilpivirina; MVC maraviroc; RAL raltegravir

deve descurar-se o benefcio do tratamento antirretrovrico e a deciso de iniciar


esse tratamento deve apoiar-se na situao clnica e no estado imunitrio,
conforme mostram os resultados de vrios estudos43,46-49. Nos quadros 10 e
11 mostram-se os diferentes esquemas teraputicos que podem ser utilizados
nesses doentes, bem como o momento do seu incio.

Meningite criptoccica
A meningite ou meningoencefalite por Cryptococcus neoformans ocorre,
principalmente, em hospedeiros imunodeprimidos, sobretudo em doentes
com sida ou sujeitos a transplantao de rgos. Pode, no entanto, tambm
surgir em hospedeiros sem evidncia de imunodeficincia51-53. O seu tratamento tem sido objeto de vrios estudos que mostram ser a anfotericina B,
o fluconazol e a flucitosina os frmacos de eleio e que em associao
335

A. Mota Miranda

Quadro 11. Incio do tratamento antirretrovrico em coinfectados por


M. tuberculosis
Situao clnica/estado imunolgico

Momento de incio do tratamento antirretroviral

Linfcitos T CD4+ < 50

At 2 semanas aps o incio do tratamento da TB

Linfcitos T CD4+ 50
Manifestaes clnicas de gravidade*

2-4 semanas aps o incio do tratamento da TB


(sobretudo se linfcitos T CD4+ entre 50-200)

Sem manifestaes de gravidade

8-12 semanas aps o incio de tratamento da TB


(sobretudo se linfcitos T CD4+ entre 50-500)

*De acordo com o score Karnofsky, ndice de massa corporal, hemoglobina e albumina, disfuno de
rgo ou doena VIH progressiva.

constituem a forma mais eficaz de tratamento52-57. Esse tratamento engloba


uma fase supressiva e uma de consolidao, a que se segue a manuteno,
que pode prolongar-se por toda a vida do doente47,52,53. A anfotericina B ,
desde h vrias dcadas, a principal arma teraputica das infees fngicas
sistmicas. Os seus efeitos colaterais so comuns e, por vezes, graves, a que
acresce a toxicidade hematolgica, heptica e renal da flucitosina, o que
obriga sua interrupo e ao recurso a outras alternativas teraputicas. As
formulaes lipdicas da anfotericina B tm a mesma eficcia, mas melhor
tolerncia e, sobretudo, reduzida nefrotoxicidade, o que torna vantajoso
o seu emprego, particularmente no doente submetido a tratamento com
mltiplos frmacos, com toxicidade idntica e possveis interaes medicamentosas, que importa minimizar, de modo a obter-se o benefcio clnico
mximo 52,53,58-61. Alm disso, dispensa pr ou comedicao e possibilita o
uso de doses mais elevadas, o que permite uma maior concentrao do frmaco no sistema reticuloendotelial52,58-61. As indicaes destas formulaes
so a insuficincia renal, os graves efeitos sistmicos da anfotericina B convencional, a progresso da doena e os doentes transplantados52,53. A anfotericina B, na dose de 0,7-1 mg/kg/dia, em perfuso endovenosa, cada seis
horas, em associao com a flucitosina, 100 mg/kg/dia por via oral ou, eventualmente, endovenosa, constitui a teraputica preferencial da meningite
criptoccica (Quadros 12-14). O benefcio clnico da associao da flucitosina
manifesta-se por uma mais rpida esterilizao do LCR, habitualmente, at
s duas semanas aps o incio do tratamento, e pela reduo das recorrncias, consoante provam vrios estudos clnicos52-56. A durao deste tratamento em doentes no imunodeprimidos deve ser de quatro ou seis semanas,
neste caso, se houver complicaes neurolgicas. Aconselha-se a substituio
da anfotericina B por uma formulao lipdica anfotericina B lipossmica,
3-4 mg/kg/dia, ou complexo lipdico de anfotericina B, 5 mg/kg/dia ao fim de
duas semanas de tratamento. Este tratamento de induo dever prolongar-se por mais duas semanas nas situaes em que no for possvel associar a
336

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

Quadro 12. Tratamento da meningite criptoccica em doentes com infeo VIH/sida*


Induo (dose diria)

Durao

ANFB 0,7-1 mg/kg + FLCT: 100 mg/kg


ou

2 semanas

ANFB-L 3-4 mg/kg ou ANFB-CL 5 mg/kg + FLCT 100 mg/kg


ou

2 semanas

ANFB 0,7-1 mg/kg ou ANFB-L 3-4 mg/kg ou ANFB-CL 5mg/kg


ou

4-6 semanas

Outras alternativas do tratamento de induo ANFB + FLCZ ou


FLCZ + FLCT ou FLCZ ou ITCZ (em vez de FLCZ)
Consolidao (dose diria)

Durao

FLCZ 400 mg

8 semanas

Manuteno

Durao

FLCZ 200 mg
ou
ITCZ 400 mg/dia
ou
ANFB 1 mg/kg/semana (menor eficcia)

1 ano; toda a vida

ANFB anfotericina B; ANFB-L anfotericina B lipossmica; ANFB-CL anfotericina B complexo lipdico;


FLCT flucitosina; FLCZ fluconazol; ITCZ itraconazol
*Iniciar TARV 2-10 semanas aps o incio do tratamento antifngico.
Pode ser interrompido se supresso vrica 3 meses, linfcitos T CD4+ 100

flucitosina. Aps esse perodo deve seguir-se um tratamento de consolidao


com fluconazol, por via oral, na dose de 400 mg por dia, por oito semanas,
seguido de uma manuteno de 6-12 meses52,53,54. Em doentes com sida, o tratamento idntico, conquanto a durao da induo seja de duas semanas,
seguido de fluconazol 400 mg por dia por mais oito semanas52,53. No
sendo possvel a associao da flucitosina, a anfotericina B ou formulaes

Quadro 13. Tratamento da meningite criptoccica em doentes transplantados


Induo (dose diria)

Durao

ANFB-L 3-4 mg/kg ou ANFB-CL 5 mg/kg + FLCT 100 mg/kg

2 semanas

ou
ANFB-L 6 mg/kg ou
ANFB-CL 5 mg/kg

4-6 semanas

Consolidao

Durao

FLCZ 400-800 mg

8 semanas

Manuteno

Durao

FLCZ 200-400 mg

6 -12 meses

ANFB-L anfotericina B lipossmica; ANFB-CL anfotericina B complexo lipdico; FLCT flucitosina;


FLCZ fluconazol

337

A. Mota Miranda

Quadro 14. Tratamento da meningite criptoccica em doentes no imunodeprimidos


Induo (dose diria)

Durao

ANFB 0,7-1 mg/kg + FLCT 100 mg/kg

4 semanas

ou
ANFB 0,7-1 mg/kg

6 semanas

ou
ANFB-L 3-4 mg/kg
ou
ANFB-CL 5 mg/kg + FLCT 100 mg/kg

4 semanas
4 semanas

ou
ANFB 0,7 mg/kg + FLCT 100 mg/kg

2 semanas

Consolidao

Durao

FLCZ 400-800 mg

8 semanas

Manuteno

Durao

FLCZ 200 mg

6-12 meses

ANFB anfotericina B; FLCT flucitosina; ANFB-L anfotericina B lipossmica; ANFB-CL anfotericina B


complexo lipdico; FLCZ fluconazol

lipdicas ou a lipossmica devem ser administradas durante quatro a seis


semanas52,53. Outras alternativas de tratamento da meningoencefalite criptococcica so a associao de anfotericina B com fluconazol 800 mg/dia,
por via endovenosa ou por via oral, durante duas semanas, o fluconazol em
doses elevadas 800-1.200 mg/dia, em associao com a flucitosina, durante
seis semanas, ou o fluconazol em monoterapia 800-2.000 mg, durante 10-12
semanas52,53,57,62,63. No entanto, estas opes no tm o mesmo benefcio
clnico e, portanto, a sua prescrio s aconselhada em doentes intolerantes ou com fracasso aos regimes teraputicos anteriores. O itraconazol, outro
derivado triazlico, mesmo na dose de 400 mg/dia, no to eficaz como o
fluconazol ou a anfotericina B, pelo que no recomendado52,53,64. Estes
doentes, dada a elevada frequncia de recadas, devem ser submetidos a
tratamento de manuteno com fluconazol oral 200 mg por dia, por perodo superior a um ano, eventualmente, por toda a vida. O itraconazol (200
mg cada 12 h) ou a anfotericina B (1 mg/kg/semana em doentes intolerantes
aos azis) so opes possveis52,53,65. O tratamento antirretrovrico est indicado iniciar-se entre duas a 10 semanas aps o tratamento de induo da
meningite criptoccica e nos casos de supresso da replicao vrica e resposta imunitria sustentada subida de linfcitos T CD4+ > 100, por perodo
superior a seis meses , pode interromper-se esse tratamento46,47,52,53. Em
transplantados, a anfotericina B no a opo de escolha, pelo risco de
toxicidade renal, devendo optar-se pela anfotericina B lipossmica ou pelo
complexo lipdico de anfotericina B, em associao com a flucitosina, durante duas semanas, seguido de fluconazol na dose de 400-800 mg/dia, por oito
semanas, e na dose de 200-400 mg/dia, por mais seis-12 meses52,53. Outra
338

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

alternativa a anfotericina B lipossmica em monoterapia durante quatro


a seis semanas, continuando, posteriormente, a manuteno com fluconazol52,53. Em casos ligeiros a moderados, o fuconazol, 400 mg/dia, durante
seis-12 meses, pode ser uma opo, bem como em casos refratrios pode
usar-se uma dose de anfotericina B lipossmica de 6 mg/kg por dia52,53.O
voriconazol, derivado triazlico mais recente, tem sido usado em casos refratrios, com algum sucesso. Apesar da sua excelente tolerncia, apenas
uma opo para situaes de insucesso ou intolerncia a outras formas de
tratamento66.

3. Encefalite e meningite vrica


A encefalite um processo inflamatrio do parnquima cerebral e evidncia, clnica ou laboratorial, de disfuno neurolgica. O diagnstico
diferencial entre encefalite infeciosa, encefalite ps-infeciosa ou ps-imunizao (encefalomielite), mediada pela resposta imunitria do hospedeiro,
e encefalopatia fundamental para a deciso teraputica67,68. De igual
modo, importante distinguir entre meningite (inflamao predominante
das meninges) e encefalite, em particular pelas suas implicaes no prognstico1,67,68. Porm, o envolvimento menngeo e enceflico , com frequncia, comum, tornando difcil a sua diferenciao clnica. Em termos gerais,
os princpios de tratamento da encefalite e da meningite de etiologia vrica
so idnticos, pelo que a abordagem sobre o tratamento da encefalite
aplica-se ao da meningite vrica. Nestas entidades, o tratamento , na maioria das vezes, sintomtico e de suporte das funes vitais, sobretudo, neurolgica e cardiorrespiratria. Apesar de serem numerosos os vrus responsveis
por infees do SNC, apenas para a etiologia por vrus da famlia Herpesviridae, em particular, por vrus herpes simplex, est disponvel teraputica
etiotrpica1,67-71. No doente que se apresenta com manifestaes de disfuno cerebral, sugestivas de encefalite aguda, dada a dificuldade de diagnstico etiolgico, fundamental tentar identificar a causa suscetvel de tratamento etiotrpico, em particular a meningite bacteriana e a encefalite
herptica1,67-71. Se a meningite bacteriana no for excluda, com segurana,
deve iniciar-se tratamento antibitico emprico e, no caso de se suspeitar
de encefalite herptica, pelo seu quadro clnico e imagiolgico, evidenciando focalizao dos lobos temporal ou frontal, deve instituir-se, tambm,
de imediato, o tratamento com aciclovir67-69. Mesmo em situaes no
evocadoras da etiologia herptica e enquanto se aguardam os resultados
microbiolgicos, o tratamento deve ser iniciado com aciclovir por via intravenosa (10 mg/kg cada oito horas em crianas e adultos, e 20 mg/kg cada
oito horas em recm-nascidos), de modo a impedir a morte e minimizar as
graves sequelas da encefalite herptica67-71. Identificado o agente microbiano
339

A. Mota Miranda

a teraputica ser orientada em conformidade. Confirmada a etiologia por


herpes simplex, o tratamento dever continuar por 14-21 dias67,71. O valaciclovir e o famciclovir, pr-frmacos com melhor biodisponibilidade oral, no
esto aprovados para uso nestas situaes67,71. Nas infees por vrus Varicella
zoster est indicado o aciclovir (10-15 mg/kg, cada oito horas, por via intravenosa, durante 10-14 dias), conquanto esta teraputica no esteja validada
em ensaios clnicos67,68. O ganciclovir pode ser uma alternativa67,68. discutvel o uso de corticides67,68. No est ainda esclarecido o melhor tratamento
da encefalite ou meningite por vrus citomeglico. O ganciclovir (5 mg/kg
cada 12 h) ou o foscarnet (60 mg/kg cada oito horas ou 90 mg/kg cada 12 h),
ambos por via endovenosa e durante duas a trs semanas, so possveis opes
de tratamento, apesar das suas limitaes e frequentes insucessos teraputicos64,65. Em doentes infetados por VIH, a associao de ganciclovir e foscarnet
a estratgia mais eficaz47,67,68. Nestes doentes est indicado o tratamento
antirretrovrico e tratamento de manuteno com ganciclovir ou foscarnet
por via endovenosa ou valganciclovir oral, aps o tratamento de induo
de duas a trs semanas, de modo a evitar as recorrncias47,67,68. Este tratamento pode ser interrompido se ocorrer reconstituio imunitria, sob
tratamento antirretrovrico linfcitos T CD4+ > 100 por perodo superior
a trs-seis meses47. No est definido o tratamento etiotrpico da encefalite
por vrus Epstein-Barr e por outros vrus herpes humano, embora o aciclovir,
ganciclovir e foscarnet possam ser uma escolha em doentes imunodeprimidos. No obstante, no h comprovao do seu benefcio67,68. Na encefalite
por vrus herpes B ou vrus herpes simiae, o aciclovir (12,5-15 mg/kg, cada
oito horas, por via endovenosa) e o ganciclovir (5 mg/kg cada 12 h, por via
endovenosa) tm sido usados com resultados favorveis, mas, de igual modo,
no est documentada a sua eficcia. O tratamento de 14 dias67,68. Subsequentemente deve ser considerada a administrao de valaciclovir para supresso da infeo latente (1 g, cada oito horas, por via oral)67,68. Em infees
por outros vrus tm sido prescritos outros antivricos, referindo-se a ribavirina
no tratamento da encefalite por vrus do sarampo e por vrus Nipah, o oseltamivir na encefalite por vrus da gripe e os antirretrovricos na encefalite
por VIH67,68.

Tratamento da hipertenso intracraniana


O tratamento da hipertenso intracraniana dever ser considerado,
quando a presso intracraniana for superior a 15 mmHg. Doentes com
manifestaes de hipertenso, como estupor, coma, midrase fixa ou
pouco reativa, movimentos oculares, perturbaes respiratrias, podero
beneficiar da introduo de dispositivo para monitorizar a presso intracraniana e se confirmada a hipertenso iniciar tratamento de modo a
340

Meningites e outras infees do SNC Tratamento

manter a presso intracraniana < 15 mmHg e uma presso de perfuso


cerebral 60 mmHg2,72-74. As medidas a adotar, nesta situao, incluem a
elevao da cabeceira da cama do doente at 30o, para favorecer a drenagem
venosa, hiperventilao, de modo a manter a paCO2 entre 27 e 30 mmHg,
dexametasona, na dose inicial de 10 mg por via endovenosa, seguida de
5 mg cada quatro a seis horas, e manitol, 0,25-1,0 mg/kg cada quatro horas.
Na ausncia de resposta a este tratamento poder usar-se o pentobarbital
(dose inicial de 5-12 mg/kg por via endovenosa lenta, seguido de perfuso
de 1-5 mg/kg/h, no ultrapassando a dose mxima de 50 mg/min) ou o
propofol na dose inicial de 1-3 mg/kg, seguido da perfuso de 20-100 g/
kg/min2,72-74. Pode ainda ser adotada, para controlar a hipertenso intracraniana, drenagem de LCR atravs de punes lombares repetidas ou
atravs de derivao externa. Estas medidas implicam vigilncia e monitorizao de funes vitais em UCI que disponham de uma equipa multidisciplinar com experincia nesta rea.

Tratamento sintomtico e de suporte


Outras medidas so, de igual modo, necessrias para o sucesso do tratamento, devendo ser considerada a manuteno das funes vitais, a fluidoterapia, que deve ser rigorosa para impedir o agravamento do edema cerebral
800-1.000 ml/m2/dia na criana e 25 ml/kg/dia no adulto, a correo do
desequilbrio hidroelectroltico e cido-base, os analgsicos e os antipirticos.
O tratamento do edema cerebral poder ainda estar indicado com o recurso
ao manitol, furosemida e dexametasona, assim como a teraputica anticonvulsivante com fenobarbital, fenitona ou diazepam, o tratamento da
spsis, da coagulao intravascular disseminada (CID), da sndrome de dificuldade respiratria do adulto (ARDS) e da insuficincia renal aguda (IRA).
Aps concluir o tratamento o doente deve ser aconselhado a ser observado
em consultas especializadas, de modo a avaliar as funes neurolgica, auditiva e visual e, ainda, a estudar a condio predisponente, que possa ser
corrigida ou ser objeto de atitudes preventivas.

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343

Seco 13

INFEES DA PELE E dos


TECIDOS MOLES
Joaquim Oliveira

1. Introduo
A pele ntegra constitui uma barreira eficaz penetrao dos microrganismos devido sua estrutura anatmica, ao pH baixo, secreo pilosebcea,
que inibe o crescimento microbiano e flora comensal residente1. Esta atua
como inibidor competitivo da colonizao por bactrias patognicas e ,
tpicamente, constituda por estafilococos, corinebactria, propionibactria
e fungos. A sua quantidade varia de centenas a vrios milhares por cm2 nas
reas hmidas das axilas e regies inguinais2. Para que ocorra infeo cutnea,
necessrio que haja alterao da sua integridade ou dos mecanismos de
defesa, no esquecendo que as alteraes da irrigao sangunea podem
favorecer a penetrao bacteriana3.
As infees cutneas podem ser causadas por muitos agentes, sendo Staphylococcus aureus o mais frequente, quase sempre nos abcessos e outras
infees supuradas, seguido de Streptococcus pyogenes. Muitos outros microrganismos podem, tambm, ser causa de infees cutneas anaerbios, micobactrias, fungos, parasitas e vrus. Cabe, aqui, relevar as dificuldades em conseguir o diagnstico etiolgico nas infees da pele e dos
tecidos moles (IPTMs), particularmente nas formas no purulentas, onde
os mtodos disponveis so pouco sensveis (puno aspirao, punch ou
biopsia e hemoculturas); deste facto resulta um grau de incerteza significativo na etiologia das IPTMs4.
As infees bacterianas, pela sua maior frequncia e importncia, sero
as nicas referidas. Da mesma maneira, pela sua complexidade e/ou especificidade, no ser abordado, aprofundadamente, todo o espectro de infees que ocorrem em contextos especficos, como sejam, as infees no
p diabtico, as infees das feridas cirrgicas e as infees em utilizadores
de drogas endovenosas, remetendo para revises ou para recomendaes
especificas5-7.
Vrias classificaes tm sido propostas para as IPTMs. No quadro 1 apresentamos a classificao clssica. Uma outra classificao, mais simples e
talvez mais til do ponto de vista clnico, a proposta por Gunderson celulite (com o subgrupo importante das celulites supuradas), erisipelas, abcessos e infees necrosantes dos tecidos moles8. No entanto, a tendncia atual,
345

J. Oliveira

Quadro 1. Classificao das infees da pele e do tecido celular subcutneo


Estrutura anatmica
Infees superficiais

Impetigo
Foliculite
Intertrigo
Hidrosadenite
Oniquia e perioniquia

Infees dermoepidrmicas

Erisipela
Linfangite
Panarcio

Infees dermohipodrmicas

Celulite
Abcesso

at por imposies regulamentares, classificar as IPTMs em complicadas ou


no complicadas. As ltimas so as infees superficiais da pele, sem supurao ou com supurao, mas que podem ser tratadas apenas com drenagem
cirrgica. As primeiras englobam as que afetam as camadas mais profundas da
pele ou que necessitam de abordagem cirrgica mais extensa, como sejam lceras infetadas, queimaduras e abcessos major ou infees na presena de
condies subjacentes que complicam a resposta ao tratamento, infees superficiais ou abcessos em reas, como a regio retal, em que a probabilidade de
envolvimento de bacilos Gram-negativo ou anaerbios elevada, todas as infees acompanhadas de sinais e sintomas de toxicidade sistmica e, finalmente, todas as que tm necessidade de internamento para a sua estabilizao2.
No esquecer que as feridas por inoculao podem condicionar o risco de
ttano e, nessa medida, mandatrio desencadear as medidas preventivas
adequadas. As mordeduras constituem uma situao particular de ferida por
inoculao e os agentes implicados dependem da flora microbiana residente
na boca do agressor.

2. Avaliao inicial das infeces da pele e dos


tecidos moles
As IPTMs so ubiquitrias, constituindo uma das causas mais frequentes
de recurso aos cuidados de sade2. Apresentam um amplo espectro de manifestaes clnicas, desde ligeiras e autolimitadas a graves, com risco de vida
e/ou de amputao do membro, quando este est envolvido. Nem sempre
fcil diferenciar estas situaes, sendo fundamental avaliar a sua gravidade,
dado que desta depende o tipo de tratamento (mdico, cirrgico ou ambos)
e o local de tratamento (internamento ou ambulatrio)4. Um desafio muito
346

Infees da pele e dos tecidos moles

Quadro 2. Critrios clnicos de gravidade das infees da pele e dos tecidos moles
Febre ou hipotermia
Instabilidade hemodinmica
Taquicardia > 100 pulsaes/min
Hipotenso (tenso arterial sistlica < 90 mmHg ou > 20 mmHg abaixo do valor basal)
Crepitao
Necrose da pele
Necrose
Bolhas
Presena de gs no radiograma simples
Edema sob tenso, que se estende para alm da rea de pele afetada
Equimose extensa
Adaptado de Dryden2 e Anaya, et al.9

importante para o clnico, que observa uma infeo da pele tentar distinguir as que so benignas, e podem ser tratadas em ambulatrio com antibioterapia oral, daquelas que so, potencialmente, graves e colocam em
risco a vida do doente, como o caso das infees necrosantes dos tecidos
moles (INTMs). Tm sido propostos vrios indicadores nesta avaliao. Nos
quadros 2 e 3 apresentamos os critrios clnicos clssicos e o Laboratory Risk
Indicator for Necrotizing fasciitis (LRINEC), respetivamente. Os critrios clnicos, embora tpicos e bastante especficos de INTM, apresentam uma sensibilidade baixa e esto presentes em apenas 10-40% dos doentes. Os critrios
de Wall (Na srico < 134 mEq/l; leuccitos > 15,5 g/l) so um bom indicador
na excluso, mas no tm utilidade na confirmao de INTM2,8. O LRINEC
(ndice > 6) constitui o melhor indicador para excluir ou confirmar uma INTM,
embora necessite de validao prospetiva, sendo til, apenas, quando a
suspeio clnica forte, ab initio9. Na avaliao inicial das IPTMs, alm dos
dados analticos necessrios aplicao dos critrios LRINEC, pode ser til a
ecografia dos tecidos moles, sobretudo na deteo de colees supuradas
no evidentes no exame fsico. Adicionalmente, alguns autores defendem a
pesquisa da existncia de flebite ou flebotrombose dos membros inferiores
por ECO-doppler2,8.
Um outro desafio que se coloca ao clnico tentar determinar qual(is) o(s)
agente(s) mais provavelmente implicado(s) para, assim, instituir a teraputica
mais adequada. Este aspeto particularmente relevante numa poca em que
a epidemiologia da IPTM tem sofrido alteraes significativas, particularmente a emergncia de infees por Staphylococcus aureus resistentes meticilina adquirido na comunidade (SARM-AC). De acordo com as mais recentes
recomendaes da IDSA e outras publicaes, as infees purulentas da pele
so, at prova em contrrio, de etiologia estafiloccica e, dentro destas, nos
EUA, uma grande responsabilidade cabe a SARM-AC8-11.
347

J. Oliveira

Quadro 3. Critrios para distinguir as infeces da pele benignas das graves


(LRINEC)
Valores

ndice LRINEC (pontos)

Protena C reativa (mg/dl)

Leuccitos/mm

< 15

> 15

< 15

15-25

> 25

> 13,5

11-13,5

< 11

135

< 135

1,6

> 1,6

180

> 180

Hemoglobina (g/dl)

Sdio srico (mmol/l)

Creatinina srica (mg/dl)

Glicose srica (mg/dl)

Adaptado de

Gunderson8

e Anaya, et

al.9

Na Europa, a prevalncia de SARM-AC parece ainda muito baixa (< 0,5%


de todos os SARM) mas comeam a surgir relatos da sua ocorrncia nos pases
escandinavos (curiosamente pases quase livre de SARM nosocomiais) e tambm no Reino Unido12. Em Portugal, os dados disponveis, embora escassos,
apontam para uma prevalncia muito baixa de SARM-AC13,14. Assim, parece-nos adequado continuar a tratar as IPTMs da comunidade com b-lactmicos,
embora seja de relevar a necessidade de monitorizao atenta da emergncia
de resistncias, prevalente j nos EUA e emergente tambm em alguns pases
europeus.

3. Impetigo
Trata-se de uma piodermite aguda superficial causada por Staphylococcus
aureus e por Streptococcus pyogenes ou pela associao de ambos, sendo
frequente na criana em idade escolar e muito contagiosa no meio familiar
e escolar3.
348

Infees da pele e dos tecidos moles

Quadro 4. Medidas gerais de preveno e tratamento das infees cutneas


Banho dirio
Lavagem frequente das mos
Escovagem das unhas que devem ser cortadas curtas
Toalhas de banho e mos de uso pessoal, lavadas parte
Roupa interior de algodo que deve ser lavada a temperaturas elevadas
No traumatizar as leses
Lavagem e desinfeo da pele com sabo e champs com clorexidina ou hexaclorofeno
Adaptado de Association des Professeurs de Pathologie Infeccieuse et Tropicale3.

Clinicamente, caracteriza-se por leses crostosas, espessas, com margens


arredondadas ou irregulares, localizadas, com frequncia, na face, com colorao amarelada caracterstica na etiologia estreptoccica. O tratamento,
para alm das medidas de higiene gerais (Quadro 4), consiste no tratamento
tpico com bacitracina ou mupirocina e, nas leses extensas, antibioterapia
sistmica com flucloxacilina3,15,16.

4. Ectima
Caracteriza-se por leses crostosas secas da pele, causado por Staphylococcus aureus e por Streptococcus pyogenes. Ao contrrio do impetigo atinge
a derme, pelo que pode ocasionar cicatrizes. O tratamento semelhante ao
impetigo16.

5. Perioniquia
Consiste numa infeo entre o leito da unha e a cutcula, que est associado ao hbito de chupar os dedos e s profisses ou passatempos que
obrigam imerso prolongada dos dedos em gua. Staphylococcus aureus
o agente mais implicado, podendo, nalgumas circunstncias, estarem envolvidos os anaerbios da boca e os estreptococos. Necessita, apenas, de
drenagem das leses, no havendo em regra necessidade de antibioterapia16.

6. Erisipela
Refere-se a uma infeo aguda da pele, com invaso dos vasos linfticos,
causada pelo estreptococo b-hemoltico do grupo A. Mais raramente, podem estar implicados os estreptococos dos grupos C, G ou B 10. Os fatores
349

J. Oliveira

predisponentes so a estase venolinftica, os traumatismos, a obesidade


ou, mais raramente, doena sistmica como a diabetes, o alcoolismo e as
neoplasias17.
As localizaes mais frequentes so os membros inferiores (70-80%) e a
face. Os achados clnicos mais caractersticos so a febre elevada e a leso
cutnea, caracterizada por rea dolorosa sobrelevada, eritematosa e edemaciada, com bordo bem demarcado17.
Raramente, a erisipela cursa com bacteriemia (5%) e a biopsia da margem da leso poder fornecer o diagnstico etiolgico em at 32% dos
casos18.
O tratamento antibitico consiste na prescrio de penicilina G, na dose
de 2 milhes de unidades endovenosa, 4x/dia ou, nas formas no graves, a
flucloxacilina 500 mg, por via oral, 4x/dia (esta opo decorre da inexistncia
de formulaes de penicilina V oral em Portugal)16.

7. Foliculite
Trata-se de pequena infeo focal, tendo como porta de entrada o folculo piloso, sendo na maior parte dos casos da responsabilidade de Staphylococcus aureus. Raramente os germes podem atingir o folculo por via hematognica15. A foliculite pode progredir, formando abcessos subcutneos
designados furnculos, sobretudo nas reas de pele espessa1. Em geral, drenam espontaneamente e evoluem para a cura. No entanto, podem progredir,
formando conglomerados de furnculos contguos, muito dolorosos, designados por antraz, com vrios orifcios de drenagem, situados mais vezes na
nuca, no dorso e nas ndegas3. Esta forma requer drenagem cirrgica e
antibioterapia dirigida ao estafilococo15.

8. Hidrosadenite
Consiste numa doena supurativa crnica das glndulas apcrinas da regio axilar, genital e perianal, com tendncia formao de cicatrizes. As
leses iniciam-se pela ocluso dos ductos de drenagem por secrees espessas, queratinosas, que, secundariamente, infetam com flora polimicrobiana,
isto , estafilococos, estreptococos no hemolticos, Streptococcus milleri,
Escherichia coli, Proteus spp, Pseudomonas aeruginosa e, eventualmente,
anaerbios. O tratamento muito difcil, com teraputica antibitica orientada pelos resultados dos exames bacteriolgicos e respetivos testes de sensibilidades. Com frequncia, necessrio o recurso cirurgia, quer para
drenagem dos abcessos, quer para exciso das reas lesadas ou com cicatrizes
extensas19.
350

Infees da pele e dos tecidos moles

9. Celulite
A celulite uma infeo mais profunda e localizada na pele que atinge
a juno dermohipodrmica caracterizada, histopatologicamente, por infiltrao leucocitria, dilatao capilar e proliferao bacteriana15. Do ponto
de vista clnico, manifesta-se por inflamao aguda da pele, com dor localizada, eritema com tonalidade mais plida que a erisipela, edema, rubor
e limites mal definidos. Com frequncia, regista-se a presena de adenopatia regional e a bacteriemia comum, podendo formar-se pequenos
abcessos, com eventual necrose de algumas zonas de pele 15,19. Os agentes mais frequentes so o estreptococo e o estafilococo. A celulite purulenta, definida como associada a presena de exsudato ou drenagem
purulenta sem presena de abcesso, , mais provavelmente, de etiologia
estafiloccica8.
A celulite por Staphylococcus aureus progride, centrifugamente, a partir
do ponto de entrada. A celulite por estreptococo um processo mais difuso,
progredindo com maior rapidez e associado, com frequncia, a linfangite e
febre15.
Outros agentes podem estar implicados em circunstncias particulares,
tais como Streptococcus agalactiae na diabetes mellitus ou na doena
vascular perifrica, Haemophilus influenzae na criana com celulite orbitria e sinusite, otite mdia aguda ou epiglotite, Pasteurella multocida
nas celulites associadas a mordeduras (gato e co), Streptococcus intermedius e Capnocytophaga canimorsus na mordedura do co, Eikenella
corrodens e outros anaerbios na mordedura humana e por animais,
Pseudomonas aeruginosa nas leses da pele adquiridas em banhos de
imerso quentes, Aeromonas hydrophyla nas laceraes produzidas ao
nadar em guas doces, Vibrio vulnificus nas leses produzidas ao nadar em
guas salgadas, especialmente nas Carabas, no golfo do Mxico e no Sudoeste Asitico10,19.
A celulite uma infeo potencialmente grave, em virtude da propenso
disseminao linftica e sangunea. Os princpios do tratamento so semelhantes da erisipela, mas necessitam, com maior frequncia, de internamento e antibioterapia parentrica10,19.

10. Infees necrosantes da pele e dos tecidos moles


A nomenclatura particularmente confusa nesta rea, sendo utilizados
nomes diferentes para designar processos patolgicos que tm em comum
as seguintes caractersticas destruio tecidular extensa, trombose dos vasos
sanguneos, bactrias abundantes em propagao atravs dos planos das
fascias musculares, infiltrado inflamatrio relativamente escasso, embora
351

J. Oliveira

Quadro 5. Classificao das infees necrosantes da pele e dos tecidos moles


A. Infees necrosantes com progresso focal
Gangrena bacteriana progressiva sinergstica
Gangrena de Fournier
B. Infees necrosantes difusas
1. Fascete necrosante
Tipo I ou polimicrobiana
Tipo II ou monomicrobiana
2. Gangrena gasosa (mionecrose por clostridia) e celulite anaerbica
3. Celulite necrosante sinergstica

por vezes com pequenas colees de polimorfonucleares ou microabcessos.


Nas situaes em que evidente a infeo agressiva dos tecidos moles
determinante proceder a explorao cirrgica atempada. Nos doentes com
sinais locais discretos, mas com toxicidade sistmica marcada dever-se- atuar
da mesma maneira. S este procedimento pode determinar um diagnstico
preciso e, desta maneira, proporcionar um tratamento adequado20. No quadro 2 foram j apresentados os critrios clnicos de gravidade das IPTMs, e
no quadro 3 os indicadores de diagnstico das INTMs.
Muitas classificaes tm sido propostas para as INTMs, algumas das quais
tm contribudo para a confuso reinante nesta rea. Adotamos a classificao de Lewis21 por nos parecer corresponder a um verdadeiro esforo de
simplificao (Quadro 5). Mais recentemente, discute-se a utilidade de tentar
distinguir estas diferentes entidades, considerando que o aspeto mais importante a discriminao entre a presena ou no de um componente
necrosante que, quando presente, implica a explorao cirrgica precoce e
alargada com remoo de todos os tecidos desvitalizados9.

11. Fascete necrosante


O termo fascete necrosante compreende duas entidades:
Tipo I por anaerbios (bacterides ou Peptostreptococcus spp) em
associao com anaerbios facultativos (estreptococos no-grupo A) e membros
da famlia Enterobacteriaceae (Escherichia coli, Proteus spp, Enterobacter
spp, Klebsiella spp). Mais raramente pode, tambm, associar-se Pseudomona
aeruginosa.
O tipo II , mais vezes, da responsabilidade de Streptococcus pyogenes19,20, mas, tambm, em circunstncias especficas, de Staphylococcus aureus, Vbrio vulnificus, Aeromonas hydrophila e estreptococos anaerbicos
(Peptostreptococcus spp)10.
352

19

20

21

e Lewis .

estreptococos
estafilococos
V. vulnificus
A. hydrophila
peptostreptococos
30-70%

++++

fscias e pele

0
sero-sanguinolento

1 a 4 dias
++++
+
++++
edema, eritema,
necrose, bolhas

Adaptado de Pasternack, et al. , Stevens

Letalidade

Germes

Toxicidade sistmica
Porta de entrada
Diabetes
Tecidos atingidos

Gs
Exsudato

Odor

Incubao
Febre
Dor difusa
Dor localizada
Aspeto da pele

Gangrena
monomicrobiana
(fascete tipo II)

15-30%

Clostridium
spp

msculos pele
e fscias

++++
serosanguinolento
++++
++++

algumas horas
+++
+
++++
edema, pele
negra, fria,
bolhas,
necrose
nauseabundo

Gangrena
gasosa
(mionecrose)

Quadro 6. Caractersticas das diferentes celulites e miosites

> 50%

aerbios +

++
++++
++++
pele, fscias e
msculos

25%
purulento

3 a 14 dias
++
+
++
edema,
eritema,
lceras, placas
de necrose
nauseabundo

Gangrena
sinergstica
ou celulite
necrosante
sinergstica
(fascete tipo I)

baixa

estafilococos
anaerbios

msculos

0
purulento

1 a 3 semanas
++
+
++
normal

Piomiosite

baixa

estreptococos
microaeroflicos
+ estafilococos

pus, gua de
lavar
mnima
++++
++
pele, fscia
superficial

indolente

grave
lcera necrtica
central
marginada por
eritema
nauseabundo

Celulite
sinergstica
bacteriana
progressiva

baixa

mnima
++++

tecido celular
subcutneo,
pele
Clostridium
spp

por vezes
nauseabundo
++++
escuro, fino

> 3 dias

ligeira
descolorao
mnima

Celulite por
Clostridium

baixa

moderado
++
+++
tecido celular
subcutneo,
pele
anaerbios +
aerbios

++++
pus escuro

nauseabundo

vrios dias

ligeira
descolorao
mnima

Celulite
anaerbica no
clostridiana

Infees da pele e dos tecidos moles

353

J. Oliveira

Fascete necrosante tipo I


Pode surgir espontaneamente ou aps cirurgia em doentes com diabetes
ou doena vascular perifrica. Estas infees ocorrem, sobretudo, nos ps,
com progresso rpida para as fscias da perna. Deve considerar-se este
diagnstico em doentes com celulite e sinais sistmicos de infeo, como
taquicardia, leucocitose, acidose ou hiperglicemia marcada20.

Fascete tipo II (celulite necrosante monomicrobiana)


Forma rara de gangrena causada por estreptococo do grupo A (C ou G),
mas, tambm, por Staphylococcus aureus, Vibrio vulnificus, Aeromonas
hydrophila e estreptococos anaerbicos (Peptostreptococcus spp)10. Em geral
desencadeada por um traumatismo minor duma extremidade, mas pode
ocorrer sem porta de entrada evidente, sobretudo em doentes com fatores
predisponentes. Tambm pode ocorrer como complicao do parto vaginal
com ou sem episiotomia (Fig. 1). A leso comea por uma rea dolorosa de
eritema e edema. Nos dias seguintes (um a trs dias) a pele torna-se escura, aparecem bolhas com contedo amarelo a vermelho escuro que
rompem. A leso evolui para rea bem demarcada, coberta por escara
negra e rodeada por halo de eritema. A toxicidade sistmica marcada,
quase sempre acompanhada de choque txico. Pode existir bacteriemia e
abcessos metastticos. A mortalidade elevada19.

Gangrena gasosa ou mionecrose por clostrdio


Trata-se de infeo fulminante dos msculos esquelticos causado por
Clostridium perfringens produtor de toxina. O diagnstico diferencial faz-se,
fundamentalmente, com a celulite por Clostridium perfringens, sendo nesta
o atingimento exclusivo do tecido celular subcutneo enquanto que na gangrena gasosa , predominantemente, muscular (Quadro 6). Considera-se uma
infeo rara, podendo surgir aps traumatismo, cirurgia ou espontaneamente, sendo fundamental o diagnstico precoce, sugerido pelas alteraes da
colorao da pele, dor grave e toxicidade sistmica, com taquicardia desproporcional febre e crepitao. O tratamento envolve a explorao cirrgica
precoce e alargada associada a antibioterapia com penicilina e clindamicina.
Este ltimo antibitico, e outros que inibem a sntese proteica, como a tetraciclina e o cloranfenicol, parecem melhorar o prognstico pela inibio
da produo de toxinas. A utilizao do oxignio hiperbrico, quando disponvel, poder ter utilidade teraputica embora discutida por alguns autores.
A mortalidade elevada22.
354

Infees da pele e dos tecidos moles

Figura 1. Fascete necrosante tipo II em jovem toxicodependente, ps-parto vaginal.

Celulite por Clostridium perfringens


uma infeo necrosante por Clostridium perfringens de tecidos subcutneos desvitalizados. As camadas profundas no so atingidas e, por norma,
no h miosite associada. A celulite anaerbica muito mais frequente que
a gangrena gasosa nas feridas de guerra. Clostridium perfringens penetra por
uma ferida suja ou por contaminao cirrgica ou, ainda, atravs de leso
preexistente. A formao de gs proeminente, com crepitao evidente,
que se pode estender para alm das reas lesadas. O diagnstico diferencial
faz-se sobretudo com a gangrena gasosa (Quadro 6) e s pode ser efetuado,
com certeza, no ato cirrgico, pela observao de msculos normais na celulite e anormais sem resposta aos estmulos na gangrena gasosa19,20.

Celulite necrosante sinergstica


Tambm, designada por celulite anaerbica no clostridiana, gangrena
cutnea anaerbica, mionecrose anaerbica sinergstica no clostridiana, miosite cutnea necrosante. Trata-se de uma entidade muito semelhante celulite por clostrdio, mas produzida por bactrias anaerbicas no formadoras
de esporos como Bacteroides spp, peptostreptococos e peptococos, isolados
ou em associao, podendo estar associados com bactrias anaerbicas facultativas. Os quadros clnicos, as formas de apresentao e a teraputica so
355

J. Oliveira

muito semelhantes da celulite por Clostridium perfringens. A gangrena de


Fournier pode-se considerar uma forma focalizada desta entidade19,22.

12. Formas focais


Gangrena sinergstica bacteriana progressiva
Em regra, ocorre aps cirurgia abdominal, ou com ponto de partida em
ileostomia ou colostomia, trato fistuloso ou ulcerao crnica das extremidades, comeando por rea dolorosa de eritema e edema que, mais tarde,
ulcera. A lcera dolorosa alarga-se gradualmente e , em geral, marginada
por pele gangrenosa. No tratada, a leso progride, formando reas enormes
de ulcerao. Os agentes so os estreptococos microaeroflicos ou anaerbicos em associao com Staphylococcus aureus, e por vezes, tambm, Proteus
spp ou outros germes Gram-negativo19,20,22.

Gangrena de Fournier ou gangrena escrotal idioptica


A infeo comea por celulite junto da porta de entrada (circunciso,
herniorrafia), com edema, eritema e dor, bem como toxicidade sistmica
marcada. Posteriormente, surgem crepitao e reas escuras de pele, que
progridem para a necrose. A gangrena de Fournier , tipicamente, polimicrobiana, sendo os agentes mais vezes identificados Streptococcus spp, Staphylococcus spp, Enterobacteriaceae e anaerbios19,22.
Em todas as infees necrosantes da pele fundamental a explorao
cirrgica precoce e alargada, retirando todos os tecidos desvitalizados e
deixando as suturas abertas. Empiricamente, enquanto no esto disponveis
os resultados dos exames bacteriolgicos, perante uma infeo necrosante,
a antibioterapia deve ser orientada tendo em conta o amplo espectro de
agentes etiolgicos possveis acima descritos. Esquemas aceitveis incluem
monoterapia com imipenem, meropenem, ertapenem, piperacilina/tazobactam ou tigeciclina9. Tm sido, tambm, utilizadas vrias associaes, como por
exemplo ampicilina + gentamicina + clindamicina ou metronidazol, amoxicilina/clavulanato + gentamicina e imipenem + metronidazol19. A utilizao de
inibidores da sntese proteica, como a clindamicina, pode ser importante nos
quadros com toxemia marcada9. De realar, ainda, que os corticides e,
eventualmente, os anti-inflamatrios no-esterides, pela diminuio da resposta inflamatria podem atrasar o diagnstico, sendo mesmo apontados,
por alguns, como fatores favorecedores das infees necrosantes3.
Nas infees necrosantes da pele que ocorrem associados aos cuidados de
sade necessrio ter em conta a epidemiologia microbiana local e o
356

Infees da pele e dos tecidos moles

conhecimento das resistncias dos germes potencialmente implicados, nomeadamente, a resistncia meticilina de Staphylococcus aureus e o perfil de resistncia
dos germes Gram-negativo. Nestas circunstncias, enquanto no for possvel excluir com segurana a presena de SARM, devem ser utilizados frmacos com
atividade nestes agentes como vancomicina, daptomicina ou linezolida9.
discutvel ainda qual o papel dos novos antibiticos (linezolida, tigeciclina e daptomicina) nas infees complicadas da pele e tecidos moles.
Relativamente ao SARM, no existe, at ao momento, evidncia de superioridade dos novos agentes em detrimento dos glicoptidos clssicos,
embora aqueles devam ser considerados quando no h melhoria com a
vancomicina ou se registam efeitos secundrios desta. Tambm a linezolida
poder constituir uma vantagem quando a via oral pode ser utilizada, permitindo uma alta mais precoce. A tigeciclina poder ser uma opo em situaes de etiologia claramente polimicrobiana, sobretudo se houver contra-indicao a um dos componentes das associaes habitualmente preconizadas
nestas situaes23.

13. Sndromes txicas associadas s infees cutneas


Sndrome da pele escaldada estafiloccica
Considera-se uma dermatite esfoliativa mediada por toxinas. O quadro
clnico pode variar desde formas localizadas como o impetigo bolhoso at
forma completa da sndrome da pele escaldada estafiloccica (SEPE), sendo
causada por Staphylococcus aureus produtor de toxinas epidermolticas A e
B. A SEPE est associada a focos de infeo banais como conjuntivite, otite
mdia aguda ou infeo nasofarngea. Do ponto de vista clnico, inicia-se
pelo aparecimento de eritema discreto, de colorao laranja avermelhado,
podendo observar-se acentuao periorificial. Nesta fase, pode observar-se
o sinal de Nikolsky (descolamento da camada superficial da pele presso
muito ligeira), seguindo-se a instalao de bolhas, que se tornam grandes e
flcidas nas axilas, virilhas e volta dos orifcios naturais no atingindo as
mucosas. Posteriormente, surge descamao superficial, que fica completa
em cinco a sete dias. Apesar do quadro clnico aparatoso a mortalidade
baixa. O tratamento dirigido ao estafilococo, com flucloxacilina, por via
endovenosa, na fase inicial e depois por via oral19.

Sndrome do choque txico


Doena febril aguda caracterizada por erupo generalizada acompanhada de envolvimento sistmico, sendo devida a infeo por Staphylococcus
357

J. Oliveira

aureus produtor de toxina sindrome do choque txico (TSS-toxina 1). Descrito,


de incio, em associao com o uso de tampes vaginais hiperabsorventes,
tambm, foram descritas formas no relacionadas com o perodo menstrual.
Na dcada de1980, descreveu-se uma doena semelhante, mas da responsabilidade de Streptococcus pyogenes, designada por sndrome do choque
txico estreptoccico.
Do ponto de vista clnico, seja qual for a etiologia, observa-se sintomatologia idntica com febre, exantema, hipotenso e envolvimento multiorgnico. Uma a duas semanas depois regista-se a descamao das palmas das
mos e das plantas dos ps.
No tratamento importante remover o fator desencadeante e a antibioterapia deve ser dirigida ao estreptococo e estafilococo, tendo-se registado
melhoria do prognstico com a utilizao de clindamicina. Os resultados
foram inconclusivos com a utilizao de imunoglobulinas22,24.

14. Concluso
A abordagem diagnstica e teraputica das IPTMs constitui um desafio
muito importante para os clnicos devido ao polimorfismo de apresentao, gravidade potencial e ao leque enorme de microrganismos que
podem estar implicados. Adicionalmente, assiste-se a alteraes epidemiolgicas, que podem ter repercusso na interveno teraputica destas
infees. Em contrapartida surgiram, nos ltimos anos, novas classificaes que permitem uma melhor sistematizao desta patologia e dispomos tambm de novos frmacos que abriram o leque das opes teraputicas nas IPTMs complicadas No entanto, porque as realidades podem
ser completamente distintas consoante a rea geogrfica, crucial o
conhecimento da epidemiologia microbiana local, com particular relevo
para a prevalncia de resistncias, para uma correta seleo dos antimicrobianos a utilizar.

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Infees da pele e dos tecidos moles


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359

Seco 14

INFEES INTRA-ABDOMINAIS
Manuela Doroana

1. Introduo
As infees intra-abdominais correspondem presena na cavidade peritoneal de um processo infecioso devido a um microrganismo, em regra, identificvel1. Por uma questo didtica, as infees intra-abdominais so tratadas
separadamente em peritonites e em abcessos. As peritonites so processos
inflamatrios do peritoneu, sendo classificadas em primrias, secundrias e
tercirias, consoante as suas causas (Quadro 1)1,3.
Os abcessos so colees localizadas de material purulento, resultando da
interao entre os sistemas de defesa do hospedeiro e as bactrias que invadem a cavidade peritoneal. Os abcessos, pela sua localizao, so classificados
em intraperitoneais, do espao retroperitoneal ou viscerais.

2. Peritonites
As peritonites nem sempre so devidas presena de microrganismos ou seja
de causa infeciosa, podendo ser de origem qumica (por exemplo suco gstrico
oriundo de perfurao gstrica, blis das vias biliares, enzimas como consequncia de pancreatite), por radiaes ou pela presena de corpos estranhos
(ingesto e perfurao ou feridas penetrantes)2.
No decurso da peritonite, o lquido peritoneal pode aumentar cerca de
300-500 ml/h, o que poder resultar em hipovolemia, pelo que necessrio
interveno imediata, no sentido de repor a volemia.
No caso da peritonite de origem infeciosa so conhecidos fatores que
podem dar noo da gravidade do processo, tais como localizao e tamanho
do local de partida da infeo, natureza da doena de base, presena de
aderncias na cavidade peritoneal, em consequncia de cirurgias prvias ou
de episdios anteriores de peritonite, durao da doena e mecanismos de
defesa do prprio indivduo1.

Peritonite primria
A peritonite primria ocorre espontaneamente, sem evidncia de perfurao de rgo intra-abdominal, surgindo, na maioria dos casos, em doentes
361

M. Doroana

Quadro 1. Classificao de peritonites


Classificao

Causas

Peritonite primria

Cirrose
Dilise em ambulatrio
Tuberculose

Peritonite secundria

Perfurao gastrintestinal
Infeo de rgos plvicos
Cirurgia
Traumatismo

Peritonite terciria

Peritonite secundria em imunodeprimidos

com ascite, como na doena heptica crnica (cirrose) ou em doentes submetidos, por exemplo, a dilise peritoneal em ambulatrio. Este termo inclui
situaes nas quais no se evidencia qualquer foco intra-abdominal ou de
desenvolvimento primrio da infeo ou, ainda, quando causada por certos
microrganismos, tais como pneumocos, estreptococos e Mycobacterium tuberculosis4.
A cirrose e a ascite predispem para a infeo pela diminuio das protenas totais e dos nveis de complemento, com influncia na opsonizao bacteriana, diminuio da quimiotaxia e da fagocitose pelos polimorfonucleares.
A peritonite primria bacteriana ou espontnea, do ponto de vista da
patogenia, pode desenvolver-se por quatro mecanismos:
Com origem no trato genital feminino.
Por disseminao hematognica dos microrganismos.
Por migrao transmural dos microrganismos intestinais endgenos.
Por disseminao da infeo por contiguidade, atravs dos linfticos,
desde o intestino, pncreas ou aparelho urinrio.
Os microrganismos mais frequentes so Gram-positivo Streptococcus
pneumoniae e Streptococcus do grupo A e Gram-negativo Escherichia coli5.
No cirrtico, os mecanismos patognicos mais frequentes, na peritonite espontnea bacteriana, so a existncia de hipertenso portal, a insuficincia heptica, a diminuio da capacidade fagocitria do sistema reticulo endotelial
(SRE) e a diminuio da capacidade antibacteriana do lquido asctico, que
se relaciona diretamente com a respetiva concentrao de protenas. A clnica da peritonite espontnea bacteriana semelhante da secundria,
iniciando-se por nuseas, febre (em mais de 80% dos casos), vmitos e dor
abdominal. Ao exame objetivo reala-se a palpao dolorosa, com rigidez
muscular e ausncia dos rudos intestinais. No cirrtico, as manifestaes
clnicas podem ter incio mais insidioso, com febrcula, palpao indolor do
abdmen, podendo o quadro estar mascarado pela insuficincia heptica,
no contexto da encefalopatia, da sndrome hepatorrenal ou da ascite.
362

Infees intra-abdominais

O diagnstico de peritonite primria fundamentado pela excluso


de um foco primrio de infeo intra-abdominal. A paracentese permite
o diagnstico, com o achado no lquido asctico de polimorfonucleares (PMN)
> 500/ml, pH < 7,35 e aumento dos nveis de lactatos > 32 mg/dl. Para
alm deste estudo citoqumico, o exame bacteriolgico pode possibilitar
o isolamento do agente.
O tratamento emprico, cobrindo os cocos Gram-positivo e os bacilos
Gram-negativo, utilizando as cefalosporinas de 3.a gerao, at que se disponha dos resultados das culturas do lquido asctico ou do sangue. Quando
se suspeita de infeo por Staphylococcus aureus deve ser utilizada a flucloxacilina ou uma cefalosporina de 1.a gerao. Se se suspeita de infeo polimicrobiana devem ser associados antimicrobianos com cobertura para Bacteroides fragilis e outros microrganismos anaerbios, associando metronidazol
ou clindamicina. Regra geral, o tratamento tem a durao de 10-15 dias, tal
dependendo da resposta clnica e dos resultados da monitorizao dos leuccitos do lquido asctico.
No caso da cirrose, a peritonite espontnea bacteriana to frequente,
bem como as suas recidivas, pelo que proposto, por alguns autores, a profilaxia com norfloxacina, na dose de 400 mg/dia. O prognstico correlaciona-se com a precocidade da instituio da teraputica, sendo a mortalidade da
ordem dos 20-40% e estando em relao direta com a insuficincia renal, a
gravidade da hipoalbuminemia, a encefalopatia ou a hemorragia digestiva
a acompanhar o quadro da peritonite4,5.

Peritonite secundria
A peritonite secundria devida a condies predisponentes colonizao de bactrias na cavidade peritoneal. As causas so inmeras, tais como
diverticulite com perfurao, doenas inflamatrias do intestino (Crohn e
colite ulcerosa), apendicite, infees das vias biliares, pancreatite necrosante,
doenas inflamatrias plvicas, gravidez ectpica, toro do ovrio, perfurao de lcera, neoplasias (com obstruo intestinal e perfurao) e de ordem
vascular (ocluso ou isquemia da mesentrica), traumticas ou, mesmo, cirrgicas1.
A colonizao bacteriana varivel, dependendo do ponto de partida da
infeo e por esta razo deve ser dada especial ateno para a histria clnica no sentido de se identificar a sua origem. Em relao flora microbiana, relativamente ao tubo digestivo, o leo e o clon so as localizaes mais
contaminadas. Os agentes mais encontrados so aerbios (Escherichia coli,
outras enterobactericeas, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa,
Klebsiella, Proteus e enterococos) e anaerbios (Bacteroides fragilis, Fusobaccteria, Peptostreptococcus spp e Clostridium spp)5.
363

M. Doroana

O conhecimento da microflora intestinal importante, dado que a maioria dos casos de peritonite so entidades graves, no se podendo aguardar
pela identificao do ou dos agentes para se instituir o tratamento, devendo
optar-se pela teraputica emprica.
O diagnstico desta entidade clnico, insistindo-se na condio predisponente da peritonite. Antecedentes de lcera gastroduodenal, de alteraes do trnsito, de doena inflamatria do intestino, de alcoolismo (doena heptica crnica e pancreatite), de litase biliar, de doena inflamatria
plvica, de gravidez (gravidez ectpica) e de traumatismos devem ser cuidadosamente investigados.
A sintomatologia, em geral, caracterizada por dores abdominais de
incio sbito, em regra agravadas pelos movimentos, acompanhadas por
outros sintomas, tais como anorexia, febre elevada, nuseas, vmitos e mal-estar geral. Ao exame objetivo, a palpao abdominal dolorosa (dor e defesa abdominal), com diminuio ou, mesmo, abolio dos rudos hidroareos devem ser realadas, bem como a existncia de taquicardia e ou
taquipneia. O clnico deve estar alertado para que estes sinais e sintomas de
spsis podem ser mnimos no caso dos idosos, bem como nos doentes sob
corticoterapia e outras teraputicas imunossupressoras16.
Perante a suspeita clnica de peritonite devem ser considerados alguns
exames complementares, de imediato, tais como o hemograma, em que se
deve estar atento leucocitose com neutrofilia, estudo dos parmetros de
fase aguda de infeo (protena C, fibrinognio, velocidade de sedimentao, a-2 globulina), anlises da funo renal (ureia e creatinina), ionograma, albumina, gasimetria arterial, o radiograma simples do abdmen
e das cpulas diafragmticas (pesquisa de presena de gs infradiafragmtico, observada nas perfuraes de vscera oca, de nveis hidroareos e de
dilatao do clon), a paracentese, a ecografia abdominal ou mesmo a laparatomia2.
A ecografia abdominal importante para a explorao do hipocndrio
direito (fgado e vias biliares), bem como para os rins e plvis com sensibilidade de cerca de 90%. A TAC abdominal tem sensibilidade de 78 a 100%,
sendo bastante especfica no caso de pancreatite aguda, de perfurao de
vscera oca ou na deteo de plastro inflamatrio1,2. Consideramos que
hoje a TAC o exame imagiolgico de eleio para se determinar a presena de uma infeo intra-abdominal e qual a sua causa16.
Como teraputica, as medidas mdicas incluem o suporte das funes
vitais, tais como a manuteno do volume intravascular, com reposio
de fluidos, correes inicas e da acidose, manuteno do dbito urinrio e instituio imediata de teraputica antimicrobiana, com cobertura para
aerbios e anaerbios1,16.
Consoante a causa da peritonite, deve ponderar-se a drenagem ou mesmo
outras intervenes cirrgicas, como a remoo de tecidos necrosados, por
364

Infees intra-abdominais

Quadro 2. Fatores preditivos de falncia no controlo das infees intra-abdominais16


Incio de antibioterapia > 24 horas
Gravidade da doena (APACHE II score > 15)
Idade avanada
Comorbilidades e grau de disfuno de rgo
Nvel baixo de albumina
Baixo nvel nutricional
Peritonite difusa
Presena de malignidade associada

Quadro 3. Teraputica emprica nas infees intra-abdominais extrabiliares16


Regime

Infees de mdia gravidade


(apendicites)

Infees graves em
imunodeprimidos, na idade
avanada e naqueles com
alteraes do conhecimento

Um agente

Cefoxitina, ertapenem e amoxicilina


+ c. clavulnico

Imipenem, meropenem ou
piperacilina-tazobactam

Associaes

Ceftriaxona + metronidazol
Ciprofloxacina + metronidazol

Cefepima ou ceftazidima +
metronidazol
Ciprofloxacina + metronidazol

forma a evitar futuras contaminaes ou, mesmo, a laparatomia exploradora, a correo de lcera perfurada, a resseco do clon ou de intestino
delgado perfurado.
A teraputica antimicrobiana visa o controlo da bacteriemia e a preveno da metastizao, pela criao de outros focos de infeo. O incio da
teraputica dever ser imediato, logo que se estabelea a presena de infeo intra-abdominal. Como referido anteriormente, estas infees so polimicrobianas, em cerca de 76% dos casos, estando presentes aerbios e
anaerbios. Os microrganismos mais representativos da flora intestinal, agentes de peritonite so Escherichia coli, Bacteroides fragilis e enterococos. Os
antibiticos preconizados para o tratamento so ampicilina/cido clavulnico, imipenem, meropenem ou piperacilina/tazobactam6-8. Dada a gravidade
destas situaes, prope-se um esquema teraputico que inclua a cobertura
para Gram-positivo, Gram-negativo e anaerbios.
A avaliao da eficcia da teraputica dever ser considerada ao fim de
dois a trs dias pela estabilizao dos sinais vitais, desaparecimento da febre,
devendo ser revistos todos os resultados dos exames culturais e de sensibilidade aos antibiticos, para eventual alterao da teraputica emprica instituda. Alm do mais, devero tambm ser pesquisados, sistematicamente,
sinais de sobreinfeo. A evoluo destas infees intra-abdominais tem uma
relao direta com os fatores preditivos de falncia ao controlo destas mesmas infees16 (Quadro 2 e 3)16.
365

M. Doroana

Peritonite terciria
A peritonite terciria , em regra, difusa e persistente com pouco exsudado fibrinoso, observando-se em doentes com passado de peritonite secundria, que no se resolveu nem evoluiu para a formao de abcessos intra-abdominais bem delimitados. Geralmente de difcil diagnstico pois
ocorre em doentes crticos, sendo a histria inatingvel e mesmo o nvel de
conscincia do doente no permite qualquer colaborao. Este tipo de peritonite s ocorre em doentes submetidos a mltiplas operaes e que esto
imunodeprimidos. Deve ser considerado o seu diagnstico na presena de
sinais de spsis ou de disfuno de um rgo, quando existe histria de cirurgia prvia, de doena vascular perifrica, de fonte de embolia arterial, de
doena trombtica, de recente arteriografia ou histria de uso de vasopressores ou de choque prolongado. Nestes casos so isolados microrganismos
de baixa patogenicidade, como Serratia spp, Acinetobacter spp, Pseudomonas aeruginosa, Staphilococcus coagulase negativa, Enterococcus spp e,
sobretudo, fungos (Candida spp)3,15. Nestes doentes crticos recomenda-se a
associao de imipenem/cilastatina com aminoglicosdeo e com anfotericina
B ou fluconazol.

3. Abcessos
Os abcessos intra-abdominais continuam a ser um grave problema na
prtica cirrgica. Por vezes a sua localizao de difcil diagnstico, o que
condiciona aumento de mortalidade e hospitalizao prolongada9.

Abcessos intraperitoneais
Os abcessos intraperitoneais so devido, em regra, a soluo de continuidade, que ocorre no tubo digestivo. As causas mais frequentes so a perfurao de lcera pptica, a perfurao do apndice ou de um divertculo, a
colecistite gangrenosa, a isquemia da mesentria e a pancreatite, com progresso para abcessos pancreticos. Outras causas resultam de traumatismos
abdominais e de complicaes ps-operatrias (por exemplo, clculo residual
ps-colecistectomia laparoscpica). Estes abcessos podem-se, tambm, formar numa fase posterior ocorrncia de peritonite9.
Em regra, a flora microbiana mista e constituda por aerbios, sendo o
mais frequente Escherichia coli, e por anaerbios (Bacteroides fragilis). No
caso de ferida penetrante deve ser levada em linha de conta a flora da pele.
Quanto aos abcessos plvicos, como consequncia de doena inflamatria
plvica, Neisseria gonorrhea e Chlamydia trachomatis tero, tambm, de ser
366

Infees intra-abdominais

considerados. Assim sendo, a colonizao bacteriana varivel consoante a


localizao do abcesso1,9,10.
Os abcessos so colees de pus confinadas cavidade peritoneal por uma
barreira inflamatria. Essa barreira pode incluir adeses ou vsceras contguas. Os
abcessos, em geral, contm flora microbiana mista, de aerbios e de anaerbios,
oriunda do tubo digestivo. As bactrias estimulam o influxo de clulas inflamatrias para o interior da cavidade peritoneal. Numa primeira fase predomina a atividade dos aerbios, que consomem oxignio local, sendo a hipoxia
resultante a responsvel pelo crescimento de anaerbios e pela reduo da
atividade bactericida dos granulcitos. Se o processo no for tratado desenvolve-se bacteriemia, que se generaliza para spsis e choque.
A apresentao clnica dos abcessos intra-abdominais varivel, com
dores abdominais persistentes, dor palpao, febre, leo paraltico e bacteriemias intermitentes, que sugerem o diagnstico em doentes com patologia intra-abdominal predisponente ou aps cirurgia abdominal. Se o abcesso for de localizao profunda, alguns destes achados podem no estar
presentes, exceto a febre persistente, a disfuno moderada heptica ou
gastrointestinal.
O diagnstico suportado, em geral, pelo quadro clnico, pelas alteraes
dos parmetros laboratoriais (leucocitose, anemia e trombocitopenia), incluindo as provas hepticas, pelos resultados dos exames imagiolgicos (radiograma do trax e do abdmen, ecografias e TAC) e pelos resultados das
hemoculturas. Porm, algumas vezes, apenas a laparotomia permite o diagnstico.
O tratamento, por norma, envolve o suporte das funes vitais, a administrao de teraputica antimicrobiana parentrica e procedimento cirrgico. A administrao de antibiticos tem pouca possibilidade de ser completamente eficaz, devido fraca penetrao do antibitico no interior do
abcesso e sua inativao no ambiente da infeo (hipoxia e acidose). A
teraputica antimicrobiana deve ter incio antes da drenagem cirrgica e s
termina quando todos os sinais sistmicos se resolverem. Mais tarde, aps o
resultado dos exames culturais, pode optar-se por teraputica guiada pelo
resultado do antibiograma. Em regra, o tratamento para qualquer abcesso
intraperitoneal a drenagem. Esta depende da localizao do abcesso assim, se este est localizado entre as ansas intestinais ou num fundo de saco,
em regra, tem de se recorrer laparatomia. Se os abcessos so nicos, pode
tentar-se a drenagem percutnea e se forem mltiplos, a drenagem tem de
ser cirrgica11. O desbridamento do abcesso, para alm da drenagem, aumenta a eficcia da antibioterapia.
O recurso ecografia, como mtodo complementar de diagnstico e,
mesmo, com o objetivo de orientao da drenagem, levou a reduo significativa da mortalidade. Este mtodo tem a vantagem de poder ser porttil
e sem riscos. Revela-se muito importante na identificao dos abcessos e
367

M. Doroana

colees lquidas, na deteo de lquido livre e na avaliao da rvore biliar.


Apresenta como desvantagem o resultado ser extremamente dependente do
tcnico que a realiza e tambm ser difcil a sua execuo em leo paraltico16.
A incidncia da mortalidade est relacionada com a doena de base, com o
atraso no diagnstico, com inadequada drenagem, com idade > 50 anos, com
falncia multiorgnica e com a persistncia de abcessos.

Abcessos retroperitoneais
Os abcessos retroperitoneais podem formar-se por vrios mecanismos,
incluindo a perfurao do tubo digestivo para o retroperitoneu e a disseminao linftica ou hematognica de bactrias aos rgos retroperitoneais,
especialmente a partir do pncreas inflamado. Convm lembrar que fazem
parte do espao retroperitoneal o clon ascendente e descendente, o duodeno, o pncreas, os rins e as glndulas suprarrenais, podendo os abcessos retroperitoneais estarem relacionados com processos mrbidos destes rgos1.

Abcessos

viscerais

Os abcessos viscerais so devidos propagao hematognica ou linftica de bactrias para um determinado rgo.

Abcessos

hepticos

Os abcessos hepticos so relativamente raros, apesar da frequncia das


colecistites, das apendicites, das diverticulites e das peritonites, que se constituem como a fonte das infees bacterianas do fgado. Os abcessos piognicos so mais frequentes que os abcessos amebianos que, em regra, so
complicaes em 3-9% dos casos das colites amebianas.
Os abcessos piognicos so polimicrobianos, incluindo Escherichia coli,
enterococos, Bacteroides spp, Fusobacterium necrophorum e Actynomyces
israelii.
Microabcessos devidos a bacteriemias secundrias por Staphylococcus aureus ou Streptococcus milleri ou, mesmo, por Candida spp, podem ser encontrados, mas, em geral, estes casos s ocorrem em doentes submetidos a
quimioterapia antineoplsica12,15.
A fonte de infeo para o fgado pode ser a via biliar (colangite ascendente), a via portal (apendicite, diverticulite e doena inflamatria do intestino) ou por contiguidade, a partir de uma estrutura vizinha e, ainda, por
bacteriemias oriundas de qualquer foco ou por traumatismos hepticos. Os
abcessos podem ser nicos (regra geral via portal) ou mltiplos (secundrios
a doenas do trato biliar)13.
Do ponto de vista clnico, so frequentes a febre contnua, com calafrio,
a dor no hipocndrio direito e, por vezes, sintomatologia respiratria,
368

Infees intra-abdominais

quando o abcesso est localizado no lbulo superior direito do fgado. A


anorexia frequente, bem como sudao, emagrecimento, nuseas e vmitos.
A hepatomegalia que se observa em 50-70% dos casos dolorosa e, por
vezes, acompanha-se de ictercia3.
Para o diagnstico, parte do exame objetivo, importante a epidemiologia, principalmente no caso dos abcessos amebianos, sendo muito difcil
diferenciar um abcesso amebiano dum piognico, embora, no primeiro, a
ocorrncia de diarreia possa ser um dado sugestivo. Dos resultados analticos
frequente a leucocitose com neutrofilia, elevao da bilirrubina, bem como
da fosfatase alcalina e alteraes ligeiras das transaminases. Os outros exames complementares primordiais so os radiogramas simples do trax e do
abdmen, a ecografia abdominal ou mesmo a TAC (com zonas de hipodensidade). No radiograma do trax pode detetar-se elevao da hemicpula
diafragmtica direita, derrame pleural ou mesmo atelectasia. No radiograma
do abdmen deve tentar-se identificar a presena de gs na cavidade do
abcesso. No entanto, a ecografia, ou mesmo a TAC, so essenciais para o
diagnstico, dado que a observao de zonas suspeitas possibilitam a realizao de uma puno aspirativa. Se o lquido de aspirao for estril e sem
odor sugestivo de abcesso amebiano, se o lquido aspirado for purulento
e com cheiro ftido mais sugestivo de abcesso piognico. A serologia, no
caso dos abcessos amebianos, indispensvel para a confirmao do diagnstico.
A drenagem percutnea, ou mesmo cirrgica, continua a ser o pilar bsico do tratamento. Do ponto de vista de quimioterapia antibitica emprica
devem ser cobertos os entricos Gram-negativo, bem como enterococos e
anaerbios. Vrios esquemas teraputicos so preconizados, como ceftriaxona e/ou quinolonas associadas ao metronidazol at confirmao microbiolgica, para alm da piperacilina/tazobactam, imipenem ou meropenem em
monoterapia ou, mesmo, associados a um aminoglicosdeo. Atualmente, os
aminoglicosdeos no esto recomendados para serem usados na rotina das
infees intra-abdominais oriundas da comunidade, pois considera-se que
existem outros antibiticos com igual eficcia e menor toxicidade16.
Para o tratamento do abcesso amebiano utiliza-se o metronidazol, no
sendo necessrio, em regra, o tratamento cirrgico.

Abcessos

esplnicos

Os abcessos esplnicos so considerados raros, podendo surgir em doentes com determinada patologia de base (hemoglobinopatias, traumatismos
abdominais ou em toxicodependentes por via endovenosa). Em regra, so
microabcessos mltiplos, por disseminao hematognica, podendo surgir na
evoluo de endocardite por Staphylococcus aureus ou por Streptococcus
viridans, sendo muito menos frequentes que os hepticos. Em 37% dos casos
s se diagnosticam na necropsia13.
369

M. Doroana

A infeo mais associada ao abcesso esplnico a endocardite. Regra


geral resulta de um quadro metasttico, mas pode surgir, tambm, por contiguidade ou por hematomas traumticos infetados.
A febre, dor no hipocndrio esquerdo com irradiao para o ombro e
esplenomegalia (em 50% dos casos) so os componentes do quadro clnico
mais sugestivos. A presena de microabcessos pode tornar a clnica menos
evidente.
Para alm da clnica, os resultados dos exames analticos, com a presena
de leucocitose bem como os parmetros de quadro sptico so suporte para
o diagnstico. A ecografia, ou mesmo a TAC, so os exames complementares
mais fidedignos, embora a ltima tenha sensibilidade superior nestes casos.
A antibioterapia emprica deve cobrir, essencialmente, os Gram-positivo
(Staphylococcus aureus e Streptococcus spp), os Gram-negativo e os anaerbios at que seja possvel obter os resultados dos exames microbiolgicos,
sendo preconizadas associaes de vancomicina, cefalosporina de 3.a gerao, quinolonas ou aminoglicosdeos e metronidazol. Caso se trate de um
abcesso nico e bem definido e com provas de coagulao normais, pode
realizar-se biopsia puno guiada por ecografia. Nalgumas situaes em que
exista contraindicao para drenagem percutnea, como o caso dos abcessos mltiplos, a evoluo desfavorvel do doente ou a presena de patologia intestinal contgua ser, mesmo, necessrio drenagem cirrgica ou
esplenectomia14.

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370

Seco 15

INFECES GASTRINTESTINAIS
Isabel Aldir

1. Introduo
O tubo digestivo uma das maiores superfcies de contacto com o exterior e uma das mais expostas a eventuais coexistncias, mais ou menos
pacficas, ou agresses devidas aos mais diversos microrganismos. At h relativamente pouco tempo, considerava-se que o pH fortemente cido do suco
gstrico funcionava como uma barreira natural, de superior eficcia, no
permitindo o desenvolvimento de qualquer forma de vida. No entanto, como
muitos outros, esse dado adquirido deixou de o ser, superado por um
extraordinrio exemplo de adaptao biolgica, isto , Helicobacter pylori.
Mas, ainda antes do conhecimento do importante papel de Helicobacter
pylori na doena ulcerosa pptica e na neoplasia gstrica, j as infeces
do aparelho gastrintestinal, particularmente a diarreia infecciosa, se encontravam entre as mais importantes (e debilitantes) das doenas infecciosas1.
De facto, as diarreias infecciosas so a segunda causa de morte em termos
mundiais, sendo a principal causa de morte nas crianas2.

2. Esfago (esofagite)
A esofagite infecciosa ocorre com maior frequncia em doentes com
imunossupresso subjacente. Os agentes patognicos mais frequentes so
Candida albicans, o vrus herpes simplex e o citomeglico. A apresentao
clnica habitual a odinofagia e a disfagia, existindo candidose oral em 75%
dos casos de candidose esofgica e em 25 a 50% dos casos de esofagite viral.
O diagnstico de certeza estabelecido com recurso endoscopia digestiva alta, com eventual biopsia. A candidose esofgica apresenta-se como
placas esbranquiada-amareladas aderentes mucosa, difusas e lineares a
esofagite citomeglica caracteriza-se por uma ou mais lceras de grandes
dimenses, superficiais, e a herptica por mltiplas, pequenas e profundas
ulceraes. As principais opes teraputicas so, respectivamente, os imidazis, o ganciclovir e o aciclovir, estando o prognstico, fundamentalmente,
dependente da doena de base.
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

371

I. Aldir

3. Estmago e duodeno (gastrite, doena ulcerosa


pptica e neoplasia gstrica)
Helicobacter pylori um bacilo Gram-negativo, que embora no invasivo,
causa inflamao da mucosa gstrica. A sua prevalncia varivel (de 10 a 50%),
sendo inversamente proporcional ao estado socioeconmico. A transmisso
de indivduo-a-indivduo e processa-se, em regra, durante a infncia. A infeco
causa doena transitria, manifestada por nuseas e dor abdominal, progredindo
para infeco crnica, com o processo inflamatrio confinado, em geral, mucosa gstrica superficial. A sua extenso em profundidade resulta na atrofia glandular (gastrite atrfica) e metaplasia do epitlio gstrico para epitlio intestinal.
A erradicao de Helicobacter pylori com teraputica antibitica, conseguida
em 85% dos casos, leva resoluo da gastrite crnica. Embora a infeco
crnica esteja presente em 30-50% da populao com gastrite, a maioria
assintomtica e no sofre qualquer sequela e, apenas, 15% dos casos de infeco crnica desenvolvem doena ulcerosa. No entanto, h que referir que a
infeco crnica leva a aumento de duas a seis vezes no risco de desenvolvimento de adenocarcinoma gstrico e de linfoma gstrico de clulas B de baixo
grau (linfoma tipo MALT). Dado que Helicobacter pylori um microrganismo
comum, que s raramente causa doena, o rastreio da populao em geral no
est indicado, devendo, apenas, ser efectuado quando existe histria de doena ulcerosa pptica, de linfoma tipo MALT ou de histria familiar de carcinoma
gstrico. Nos ltimos anos, desenvolveram-se vrios testes no invasivos para
o diagnstico de infeco por Helicobacter pylori. Entre eles salientam-se os
testes serolgicos (cuja positividade no significa, necessariamente, infeco em
curso), teste fecais de antignios e testes respiratrios com ureia-13C e ureia-14C,
ambos com excelente especificidade e sensibilidade (90%), sendo o resultado
positivo indicador de infeco activa. Os inibidores da bomba de protes reduzem a sensibilidade destes dois tipos de testes, pelo que devem ser suspensos
sete a 14 dias antes da sua realizao. Os exames endoscpicos no esto
indicados para diagnstico de infeco por Helicobacter pylori, mas se efectuados por outro motivo pode obter-se biopsia gstrica para sua deteco e
proceder-se ao teste da urease, para excluso de infeco activa.
Os regimes teraputicos so vrios, em regra associam um inibidor da
bomba de protes (por duas a quatro semanas) com dois antibiticos (vulgarmente amoxicilina e claritromicina) por 10 a 14 dias1,3.

4. Gastrenterites infecciosas
As gastrenterites infecciosas so das situaes clnicas mais frequentes, particularmente durante a infncia. Do ponto de vista diagnstico e teraputico,
til considerar dois grandes grupos os que produzem doena inflamatria, com
372

Infeces gastrintestinais

diarreia sanguinolenta, e os que no produzem inflamao, com diarreia aquosa.


Em regra, o termo diarreia inflamatria sugere envolvimento clico, com invaso
da mucosa por bactrias, por parasitas ou por toxinas que afectam o intestino grosso. As causas mais comuns desta sndrome incluem Shigella spp, Salmonella spp,
Campylobacter spp, Yersinia enterocolitica, estirpes invasivas de Escherichia coli,
Escherichia coli O157:H7, Entamoeba histolytica e Clostridium difficile. Clinicamente,
os doentes apresentam-se com diarreia sanguinolenta, com dejeces de pequeno
volume, acompanhada de febre, dores abdominais, tenesmo e urgncia. A presena de leuccitos fecais frequente e o diagnstico de certeza requer coprocultura. A diarreia no inflamatria uma doena ligeira, causada por vrus ou
toxinas, que atingem o intestino delgado e interferem com o balano de gua e
de ies, originando dejeces aquosas volumosas, muitas vezes acompanhadas de
nuseas, vmitos e clicas abdominais. Na sua origem esto vrus (rotavrus, vrus
Norwalk, adenovrus entricos, astrovrus), vibries (Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio vulnificus), Escherichia coli produtora de enterotoxina, Giardia
lamblia, Cryptosporidium spp e agentes de intoxicaes alimentares. O termo intoxicao alimentar traduz o facto da doena ser causada por toxinas presentes nos
alimentos. O perodo de incubao curto (de horas) e a doena manifesta-se
por vmitos, dores abdominais e diarreia, habitualmente acompanhadas de febre.
Os exemplos etiolgicos incluem Staphylococcus aureus, Bacillus cereus e Clostridium perfrigens. Na sua maioria, os casos de gastrenterite aguda so autolimitados
e no necessitam de teraputica, para alm da de suporte. Quando se realizam
coproculturas, data da obteno do seu resultado, j a doena, em regra, terminou, e mesmo que tenha havido identificao de microrganismo patognico, no
se deve prescrever teraputica antimicrobiana, excepo feita para o caso de Shigella spp, uma vez que o inoculo to pequeno que, por razes epidemiolgicas,
se deve tratar por forma a erradic-la das fezes. Se data da identificao do
agente etiolgico a doena persistir, lcito instituir teraputica antimicrobiana,
com ressalva para os casos de gastrenterite a Salmonella spp (em que a medicao
pode prolongar a fase de portador e aumentar as recidivas) e por Escherichia coli
O157:H7 (em que a teraputica no minimiza os sintomas e aumenta o risco de
aparecimento de sndrome hemoliticaurmica)4. Em cerca de 30-40% dos casos
a etiologia vrica. Os rotavrus (serotipos G1-G4 e G9) constituem a principal
causa de morbilidade associada diarreia, podendo infectar adultos expostos,
sendo ubiquitrios no meio ambiente. O vrus Norwalk e alguns calicivrus so,
em conjunto, responsveis por epidemia em grupos e instituies, tratando-se,
no entanto, de doenas benignas, autolimitadas, com tratamento sintomtico.

5. Infeces anorrectais (proctite)


A proctite definida como inflamao dos 15 cm distais do recto e caracteriza-se por tenesmo, desconforto anal, obstipao e imperiosidades
373

I. Aldir

defecatrias. Em regra, considerada doena sexualmente transmitida, e


entre os agentes etiolgicos mais comuns esto Neisseria gonorrhoeae, Treponema pallidum, Chlamydia trachomatis, vrus herpes simplex do tipo 2 e
o vrus do papiloma humano. O diagnstico baseia-se em exames microbiolgicos e serolgicos, com ulterior tratamento em funo da etiologia.

6. Situaes clnicas particulares


Salmoneloses
As salmoneloses humanas so, na quase totalidade, originadas por Salmonella enterica subespcie enterica, serotipos typhi, typhimurium e choleraesuis.
A transmisso processa-se por via oral e na sua forma de apresentao clnica
distinguem-se trs grandes sndromes, isto , a gastrenterite, a febre entrica
e a bacteriemia. A gastrenterite a forma mais comum das salmoneloses e
tem um perodo de incubao de oito a 48 horas. Os sintomas consistem em
febre, dores abdominais (tipo clica), nuseas, vmitos e diarreia, a qual pode
ser sanguinolenta. O diagnstico diferencial deve ser feito com gastrenterites
vricas, intoxicaes alimentares, shigeloses, disenteria amebiana, doenas
inflamatrias intestinais, trombose mesentrica, de entre outras. Em regra,
a doena autolimitada. O diagnstico confirmado pela identificao do
microrganismo nas fezes e o tratamento das formas no complicadas sintomtico, podendo a teraputica antibitica ser contraproducente ao aumentar a probabilidade do doente permanecer portador crnico. Nas formas
mais graves, o tratamento fundamenta-se na prescrio de trimetoprim-sulfametoxazol (960 mg, duas vezes ao dia), de ampicilina (100 mg/kg/dia)
ou de ciprofloxacina (750 mg, duas vezes ao dia), durante cinco dias. A febre
entrica (vulgarmente denominada de febre tifide, quando causada pelo
serotipo typhi) tem perodo de incubao de cinco a 14 dias e, na sua fase
inicial, prodrmica, h aumento crescente de mal-estar, cefaleias, odinofagia,
tosse, dor abdominal e obstipao, com febre de agravamento progressivo.
Cerca de sete a 10 dias depois, a febre atinge um patamar e o paciente tem
um ar muito mais doente, mantendo a obstipao ou referindo diarreia com
aspecto de pur de ervilha, acompanhada de distenso abdominal. Ao
exame objectivo pode apresentar exantema do tronco (denominado de
rosola tfica, constituda por algumas ppulas rosas, de 2 a 3 mm de dimetro, que so evanescentes digitopresso e que desaparecem em trs a
quatro dias), esplenomegalia, bradicardia relativa, com dissociao esfigmotrmica, e meningismo. Se no houver complicaes, assiste-se a melhoria
progressiva nos sete a 10 dias seguintes. Em 30% dos casos no tratados
surgem complicaes, as quais contribuem para 75% da mortalidade, particularmente na terceira semana de doena. De entre elas, as mais frequentes
374

Infeces gastrintestinais

so a hemorragia intestinal (manifestada por apirexia sbita, sinais de choque e presena de sangue escuro ou vermelho vivo nas fezes) e a perfurao
intestinal. O diagnstico confirmado pela identificao do microrganismo
em hemoculturas (positivas em 80% dos doentes na primeira semana de
doena) e a demonstrao do aumento do ttulo de anticorpos no soro, relacionados com o antignio somtico O, sugestiva, na presena de clnica
compatvel. A teraputica com ampicilina, cefalosporinas de 3 gerao, cloranfenicol, trimetoprim-sulfametoxazol ou ciprofloxacina recomendada5.
Cerca de 3% dos adultos com infeces por Salmonella typhi evoluem para
o estdio de portador crnico (definido como a presena de coproculturas
positivas por mais de seis meses), por norma devido persistncia do microrganismo no tracto biliar. Na presena de litase vesicular necessrio proceder colecistectomia para se ultrapassar o estado de portador crnico, caso
contrrio a teraputica antibitica com amoxicilina ou ciprofloxacina, durante quatro a seis semanas, pode resolver a situao.
As infeces por salmonelas podem apresentar-se como febres recorrentes
ou prolongadas, com bacteriemia e artrite, osteomielite, empiema, aneurisma artico mictico, para alm de outras condies, sendo mais frequentes
nos doentes com infeco por vrus da imunodeficincia humana. O tratamento o mesmo indicado para as febres entricas, em conjunto com a
drenagem dos focos abcedados, sendo vulgar a recorrncia nos imunodeprimidos, nos quais a teraputica de manuteno est, muitas vezes, indicada.

Shigeloses
As shigelas so microrganismos invasivos, que causam diarreia, com sangue e muco, de incio sbito, com clicas abdominais e tenesmo e, ainda,
sintomas sistmicos (febre, anorexia e cefaleias). Na sua maioria so causadas
por Shigella sonnei seguida por Shigella flexneri e por Shigella dysenteriae
(responsvel pela forma mais grave de doena). O diagnstico confirmado
pelo isolamento do agente nas fezes, sendo as hemoculturas positivas em
menos de 5% dos casos. O tratamento com trimetoprim-sulfametoxazol (960 mg,
duas vezes ao dia) ou com ciprofloxacina (750 mg, duas vezes ao dia), durante sete a 10 dias, o recomendado.

Clera
A clera uma doena diarreica aguda, epidmica, causada por certos
serotipos de Vibrio cholerae. A febre rara e a doena mediada por toxinas, que activam a adenilciclase das clulas epiteliais do intestino delgado,
resultando na hipersecreo de gua e de ies cloro, com diarreia macia (at
375

I. Aldir

15 l por dia), sendo a morte resultante da hipovolemia. O incio sbito,


com diarreia aquosa, acinzentada, turva, sem cheiro, sangue ou pus (diarreia
tipo gua de arroz), surgindo rapidamente desidratao e hipotenso. O
diagnstico confirmado pela identificao do microrganismo nas fezes e o
tratamento baseia-se na reposio hidroelectroltica. A teraputica antibitica, com tetraciclina, trimetoprim-sulfametoxazol, ampicilina ou com uma
quinolona, diminuiu o tempo de durao da doena.

Parasitas gastrintestinais
Os parasitas intestinais encontram-se distribudos por todo o mundo,
embora com maior prevalncia nos pases em vias de desenvolvimento.
Em regra, os sintomas que apresentam devem-se presena fsica do
prprio parasita no intestino, reaco inflamatria que desencadeiam
ou sua migrao, salientando-se, pela sua frequncia ou gravidade os
seguintes:
Trichuris trichiura as infestaes ligeiras so geralmente assintomticas,
ao invs das macias que se acompanham de diarreia, de dor abdominal, de
anemia (por leses lticas da parede intestinal, com perda crnica de sangue),
emagrecimento e, ocasionalmente, por prolapso rectal. O diagnstico confirmado pelo exame parasitolgico das fezes, com identificao dos ovos, e
o tratamento com mebendazol ou albendazol. O tiabendazol no deve ser
utilizado, uma vez que ineficaz e acarreta toxicidade.
Strongyloides stercoralis a estrongiloidiose, assintomtica em 30% dos
doentes, pode-se manifestar por alteraes cutneas, intestinais, pulmonares ou pela sndrome de hiperinfeco. As queixas intestinais mais frequentes so a diarreia, a dor abdominal (habitualmente localizada regio
epigstrica, mimetizando a lcera pptica), a flatulncia, a anorexia e as
nuseas. O diagnstico estabelecido pela observao de larvas rabditiformes ou filariformes nas fezes ou no aspirado duodenal. A contagem de
leuccitos encontra-se dentro dos valores normais, existindo ligeira eosinofilia, excepto nos casos de migrao das larvas, em que se pode registar
leucocitose com eosinofilia acentuada. O tratamento com ivermectina (200
mg/kg, durante dois dias), com tiabendazol (25 mg/kg, duas vezes ao dia,
por dois a trs dias) ou com albendazol (400 mg, duas vezes ao dia, durante
trs a sete dias).
Ascaris lumbricoides os sintomas gastrintestinais desencadeados por
este nemtodo resultam, na sua maioria, da sua presena mecnica, particularmente quando h migrao anormal, causando obstruo dos canais biliares ou pancreticos, do apndice ou mesmo do intestino. O diagnstico
confirmado pela identificao dos ovos nas fezes e a teraputica com albendazol, pamoato de pirantel ou mebendazol.
376

Infeces gastrintestinais

Enterobius vermicularis o prurido anal intenso, particularmente


noite, o sintoma mais frequente desta parasitose, sendo desencadeado
pela presena de vermes adultos ou de ovos embrionrios. O diagnstico
confirmado pela observao directa de vermes no perneo ou atravs da
observao de ovos em fita adesiva, previamente colocada na regio perianal. O tratamento, que deve ser simultneo para todo o agregado familiar,
idntico ao da infeco por Ascaris lumbricoides.
Ancylostoma duodenale e Necator americanus o primeiro sintoma associado a esta infeco por ancilostomdeos prurido intenso, secundrio a
dermatite eritematosa, que resulta da penetrao de larvas na pele. Durante a sua passagem pelo pulmo podem surgir tosse seca, expectorao raiada de sangue e febrcula. Cerca de duas semanas aps a infeco, os vermes
atingem a mucosa duodenal ou jejunal, no causando sintomas, excepto
quando h infestaes macias, que se acompanham de sintomas gastrintestinais vagos (anorexia, diarreia e dor abdominal). Resultante de pequenas
perdas crnicas de sangue pelo tubo digestivo, passados alguns meses surgem
queixas associadas anemia. O diagnstico confirmado pela identificao
de ovos nas fezes e o tratamento de forma idntica ao das infeces por
Ascaris lumbricoides.
Infeces por tnias as infeces por tnias, de grandes ou pequenas
dimenses, so, em geral, assintomticas, muito embora possam ocorrer
sintomas gastrintestinais vagos (nuseas, diarreia e dores abdominais). Nas
infeces por Diphyllobotrium latum os doentes podem apresentar quadro
clnico semelhante ao da anemia perniciosa (com excepo da acidez gstrica, que se encontra normal), resultante da competio pela vitamina B12
entre a tnia e o organismo hospedeiro. O diagnstico , em regra, suspeitado aps a constatao, pelo doente, de segmentos de tnia nas fezes ou
no vesturio, sendo confirmado pela identificao de ovos nas fezes ou pela
identificao dos progltidos. O tratamento das infeces por Taenia saginata,
Taenia solium e Diphyllobotrium latum com praziquantel na dose de 10 mg/kg,
em toma nica, est recomendado. Nas infeces por Taenia solium, como o
frmaco no activo nos ovos existentes nos segmentos desintegrados, por
forma a no se correr o risco da eventual cisticercose, cerca de duas a trs
horas aps deve-se proceder um purgante para se acelerar a eliminao dos
segmentos e dos ovos do intestino. O tratamento das infeces por Hymenolepis nana, Hymenolepis diminuta e Dipylidium caninum feito com praziquantel na dose de 25 mg/kg, em toma nica.
Giardia lamblia o espectro da infeco por Giardia pode ser muito
amplo, desde a infeco assintomtica ao doente com um quadro agudo
de diarreia ou de mal-nutrio com esteatorreia. Dada a sua maior frequncia nos indivduos com acloridria gstrica e com hipogamaglobulinemia, cr-se que o cido clordrico e a imunoglobulina G tenham um papel
fundamental nas defesas do hospedeiro. O diagnstico confirmado pela
377

I. Aldir

identificao de quistos ou de trofozoitos de Giardia nas fezes, pela presena de trofozoitos no lquido duodenal ou pela identificao de antignio nas
fezes. O tratamento com metronidazol ou com tinidazol o que est recomendado.
Entamoeba hystolitica a infeco por Entamoeba hystolitica, na grande
maioria dos casos, assintomtica, mas pode-se apresentar como colite ligeira, grave (em que as dejeces so cada vez mais lquidas, com menos
material fecal e com sangue e tecidos necrosados, acompanhada de sintomas
txicos sistmicos), como doena ulcerativa ou como doena granulomatosa
localizada ao clon (ou ameboma, que o resultado da resposta granulomatosa excessiva infeco, fazendo diagnstico diferencial com neoplasias).
A amebiose pode, ainda, apresentar-se na forma extraintestinal, nomeadamente na de abcesso heptico. O diagnstico da amebiose intestinal estabelecido pela presena de antignio nas fezes ou pela identificao de trofozoitos mveis em fezes frescas, a qual tambm se pode efectuar por
biopsia da margem de lceras, quando da realizao da sigmoidoscopia ou
da colonoscopia (ter o cuidado de no se utilizarem laxantes ou enemas na
preparao do exame, uma vez que estes mtodos limpam os exsudados
das lceras e destroem os trofozoitos). Os testes serolgicos de hemaglutinao indirecta so pouco sensveis na infeco precoce e no distinguem
infeces recentes de passadas. A teraputica fundamenta-se na prescrio
de metronidazol ou tinidazol em associao com clioquinol. Os portadores
crnicos em reas no-endmicas devem ser tratados com clioquinol na dose
acima indicada.
Infeces por coccdeos e microspordeos as infeces por coccdeos
(Cryptosporidium spp, Isospora belli, Cyclospora spp e Sarcocystis spp) e por
microspordeos (conhecem-se onze espcies capazes de infectar o homem,
embora as duas mais frequentes sejam Enterocytozoon bieneusi e Encephalitozoon intestinalis) so infeces cosmopolitas, responsveis por quadros
de diarreia do viajante, de gastrenterites endmicas na infncia, de diarreias
em instituies e comunidades e de diarreias agudas e crnicas nos doentes
com infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH). Nas infeces por
Cryptosporidium spp o desenvolvimento de teraputicas especficas surge
como alternativa mais atractiva ao controlo da infeco, dada a dificuldade
de se prevenirem os novos casos pela ingesto de gua contaminada com
oocistos, sendo cada vez mais numerosos os indivduos susceptveis a este
agente6,7. As infeces por Cyclospora spp, provavelmente cosmopolitas,
assumem-se como doena emergente, sendo responsveis por quadros de
diarreia do viajante e de intoxicaes alimentares. No entanto, ainda pouco
se sabe acerca do ciclo de vida deste coccdia, limitando, assim, a aplicao
de medidas de controlo da infeco e o estudo de alternativas teraputicas
ao trimetoprim-sulfametoxazol8. Para as infeces por Cryptosporidium spp
e por Sarcocystis spp no h tratamento eficaz. As infeces por Isospora
378

Infeces gastrintestinais

belli so tratadas com trimetoprim-sulfametoxazol. As microsporidioses, particularmente as causadas por Encephalitozoon spp, respondem ao albendazol.

Diarreia do viajante
Em geral, uma doena autolimitada, com evoluo para a cura, passados
um a cinco dias. As bactrias causam 80% dos casos de diarreia do viajante,
das quais as mais frequentes so Escherichia coli (atravs da sua enterotoxina), Campylobacter jejuni e algumas espcies de shigelas. A diarreia aquosa,
com carcter crnico, pode-se dever a amebiose, giardiose ou, raramente,
ao sprue tropical. Se no existirem sinais sistmicos ou fezes com sangue,
por forma a minimizar os sintomas, poder-se- instituir medicao antidiarreica com loperamida. Se a diarreia persistir, se fizer acompanhar de febre
e fezes sanguinolentas, prefervel iniciar medicao com uma quinolona
oral ou, em alternativa, com trimetoprim-sulfametoxazol9. O uso de antibiticos para profilaxia no deve ser generalizado, sendo fundamental recomendar medidas de higiene alimentar, por forma a reduzir a probabilidade
da doena10.

Diarreia associada a teraputica antibitica


uma das causas mais frequentes de diarreia aguda, sendo provocada
por alteraes da flora intestinal normal, que se repercutem na fermentao dos glcidos, pelo que no existem leuccitos nas fezes e as coproculturas so negativas, estando mais associada com a teraputica com cefalosporinas, com clindamicina e com penicilinas de largo espectro11. No
entanto, em 15 a 25% dos casos identifica-se Clostridium difficile, sendo,
porm, tal achado observado em 5% dos adultos saudveis e em 20% da
populao hospitalizada em geral. Apenas 30% dos indivduos colonizados
desenvolve colite induzida por Clostridium difficile, tratando-se, em regra, de
doentes desnutridos, particularmente se submetidos a alimentao por sonda
nasogstrica, em estado crtico ou sob quimioterapia. A diarreia ligeira,
aquosa, esverdeada, por vezes com muco, mas raramente com sangue, com
cheiro ftido e acompanhada de clicas nos quadrantes inferiores, podendo
registar-se febre alta (40 C), dor palpao abdominal e leucocitose. Nos
casos graves, particularmente em doentes j hospitalizados, devem ser pesquisadas as toxinas A (ou enterotoxina) e B (ou citotoxina) de Clostridium difficile nas fezes, atravs dum teste rpido de electroimunoensaio (EIA). A
coprocultura, embora seja o exame mais sensvel, tem limitaes, porque
25% das estirpes isoladas no so patognicas. A colonoscopia pode mostrar,
apenas, colite inespecfica, localizada ou mais difusa, mas nas situaes mais
379

I. Aldir

graves encontram-se os aspectos de colite pseudomembranosa (placas amarelas, aderentes, com dimetros de 2 a 10 mm, disseminadas sobre uma
mucosa hiperemiada). A tomografia axial computorizada (TAC) abdominal
pode ter utilidade ao mostrar o edema do clon, particularmente quando a
colite afecta o clon direito, situao em que a diarreia pode ser pouco relevante e, por outro lado, revela as eventuais complicaes graves, nomeadamente o megaclon txico e a perfurao. No que respeita teraputica,
a primeira atitude , sempre que possvel, a interrupo da antibioterapia e,
se no for bastante, dever-se- prescrever metronidazol ou e se houver intolerncia ou em grvidas, vancomicina, tambm por via oral. Se a via oral
no estiver disponvel ou se existir megaclon txico, deve prescrever-se o
metronidazol endovenoso, se possvel associado com vancomicina, por sonda
entrica. O receio crescente do aparecimento de estirpes resistentes a esta
teraputica tem estimulado a identificao de teraputicas alternativas, de
entre as quais se salienta a imunizao (uma vacina toxide tem-se mostrado com capacidade imunognica e segura) e polmeros que se ligam s toxinas A e B (GT 160-246)12-14.

Sprue tropical
O sprue tropical ou sndrome de mal-absoro ps-infecciosa, afecta quer
os residentes, quer os visitantes das regies tropicais, podendo, inclusivamente, manifestar-se passados meses ou anos aps a visita. A etiologia , quase
seguramente, infecciosa, nomeadamente a enterobactericeas aerbias e
suas toxinas, embora no exista, ainda, confirmao15. Clinicamente, exprime-se como qualquer outra sndrome de mal-absoro, com anorexia, diarreia, perda de peso, distenso abdominal, semiologia de anemia e de dfices
de outros nutrientes. A teraputica com sulfamidas ou tetraciclina, durante
duas a quatro semanas, , habitualmente, eficaz, o que vem reforar a hiptese de etiologia infecciosa.

Doena de Whipple
Com o recurso s tcnicas de hibridizao do DNA e de amplificao,
identificar-se um actinomicete, no relacionada com qualquer gnero conhecido, que se designou de Tropheryma whippeli16, sendo a causa desta doena multissistmica, que incide, principalmente, em homens de 40 a 60 anos,
com poliadenopatias, poliartralgias, sndrome de mal-absoro e febre. Em
regra, as poliartralgias ou poliartrite, que atingem as grandes articulaes,
so as queixas de apresentao. Em 40% dos casos, existe hiperpigmentao
cutnea das reas expostas ao sol. Em 25% dos doentes, pode no haver
380

Infeces gastrintestinais

diarreia. A tosse persistente parece ser vulgar, podendo, ainda, ocorrer alteraes cardacas (miocrdicas e valvulares), oftalmolgicas e envolvimento
do sistema nervoso central. A teraputica preconizada o trimetoprim-sulfametoxazol (na posologia de 960 mg, de 12/12 h, durante um ano) ou, em
doentes com histria de hipersensibilidade a este antibitico, ceftriaxona ou
cloranfenicol, devendo estar presente na escolha da teraputica, a necessidade de se optar por frmacos que passem a barreira hematoenceflica.

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381

Seco 16

Osteomielite e artrite
Soraia Almeida
Rui Sarmento e Castro

Osteomielite
1. Introduo
A osteomielite uma das doenas conhecidas h mais tempo pois foi
descrita por Hipcrates (460-370 a.C.)1. Os termos abcesso da medula,
necrose e febre da medula ssea eram usados para descrever a infeo
antes de Nelaton ter introduzido o termo osteomielite em 1844.
Antes da introduo da penicilina, em 1940, o tratamento da osteomielite aguda era puramente cirrgico com remoo de todo o osso necrtico1.
A mortalidade era alta (~33%) devido spsis, mas com o aparecimento da
penicilina o tratamento mudou e houve melhoria do prognstico. Complicaes
como o sequestro, formao de fstulas e spsis tornaram-se menos frequentes e
o objetivo do tratamento passou da conteno da infeo para a cura.

2. Definio e classificao
A osteomielite uma infeo difcil de tratar, caracterizada por reao
inflamatria progressiva com destruio e formao de novo tecido sseo2.
Existem dois tipos de classificao de osteomielite, uma descrita por Lew
e Waldvogel e outra por Cierny e Mader4,5.
A classificao de Lew e Waldvogel baseia-se na durao da doena. Esta
pode ser aguda, tendo uma durao de alguns dias a semanas, e considerada como um processo infecioso supurativo associado a edema, congesto
vascular e trombose dos pequenos vasos, ou pode ser crnica, em que aps
uma fase inicial de insuficincia da irrigao do osso, existe extenso da infeo para os tecidos moles, compromisso da irrigao medular e do peristeo
e formao de reas de necrose ssea (sequestro). A necrose e o dfice circulatrio dificultam a erradicao bacteriana que, se no conseguida, conduzir osteomielite crnica. As caractersticas da infeo crnica so a existncia de foco de osso ou de tecido cicatricial infetado, com isquemia dos tecidos
envolventes e curso clnico refratrio5. Esta classificao tem, tambm, em
conta o mecanismo da infeo, podendo ser hematognica ou secundria a
383

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

um foco infecioso adjacente. Esta afeo pode, ainda, ser subdividida em


osteomielite com ou sem insuficincia vascular. Esta classificao etiolgica
e no tem em conta uma estratgia teraputica especfica6.
A classificao de Cierny e Mader baseia-se na zona do osso afetada, no
estado fisiolgico do hospedeiro e no ambiente local, tendo em conta o tratamento e prognstico da osteomielite o estdio 1 (osteomielite medular)
pode, geralmente, ser tratada apenas com antibioterapia, enquanto os estdios 2, 3 e 4 (osteomielite superficial, localizada e difusa) necessitam de um
desbridamento agressivo, antibioterapia e reconstruo ssea subsequente7.
De referir que os fatores predisponentes da infeo ssea so o traumatismo, a cirurgia, a presena de prteses articulares, a utilizao de cateteres
endovenosos no recm-nascido, a infeo de tecidos moles e a drepanocitose8.
Mesmo quando a teraputica parece ter tido xito no pode falar-se de cura
da osteomielite. A infeo permanece quiescente e pode reativar anos mais
tarde.

3. Patognese
Modelos animais mostraram que o osso altamente resistente infeo
e que esta s ocorre aps grande inculo, traumatismo que leva a leso ssea
ou devida presena de corpos estranhos9. A patognese da osteomielite
multifatorial e pouco conhecida. Depende de vrios fatores, como da virulncia do microrganismo causador da infeo, do estdio imunitrio do
hospedeiro e do tipo, localizao e vascularizao do osso. Pode resultar de
disseminao hematognica, por contiguidade com atingimento sseo ou
por inoculao direta resultante de traumatismo ou cirurgia.
Os microrganismos causadores da infeo tm vrios determinantes de
virulncia que contribuem para o seu desenvolvimento. No entanto, sabe-se,
tambm, que certos agentes, como Staphylococcus aureus, aderem ao osso
atravs de recetores (adesinas) de componentes da matriz ssea como a fibronectina, a laminina, o colagnio e a sialoglicoprotena e que, por exemplo, a expresso de adesinas para o colagnio facilita a adeso do agente
cartilagem e que a expresso de adesinas para a fibronectina facilita a ligao
de Staphylococcus aureus a material de prtese10,11. A capacidade de sobrevivncia de alguns agentes dentro de osteoblastos e a expresso de resistncia fenotpica aos antimicrobianos, aps a adeso do microrganismo ao material sseo, explicam a elevada taxa de insucesso, a possibilidade de
recidiva e de cronicidade da osteomielite em cursos curtos de antibiticos.
A remodelao ssea resulta de complexa interrelao entre osteoblastos
e osteoclastos. Vrios fatores intervm de formas variadas neste processo
citocinas, produzidas localmente, atuam como fator de ostelise, clulas
fagocticas libertam radicais de oxignio txico e enzimas proteolticas que
384

Osteomielite e artrite

lisam os tecidos adjacentes. Vrios componentes bacterianos atuam como


fatores de modulao ssea e a prostaglandina E2, estimulando os osteoclastos, diminui o inculo necessrio para produzir a infeo12.
A produo de pus, que penetra nos vasos sanguneos, aumenta a presso
intramedular e diminui o fluxo, conduzindo a necrose isqumica do osso,
com consequente separao de fragmentos desvascularizados, chamados
sequestros. Histologicamente, podem observar-se, na osteomielite aguda,
microrganismos, neutrfilos e vasos sanguneos congestionados ou trombosados. A erradicao da bactria, presente no tecido isqumico e necrtico,
pode ser difcil, apesar da presena de resposta imune intensa do hospedeiro, da
interveno mdica e cirrgica e a osteomielite aguda torna-se crnica12.
Na osteomielite crnica pode ver-se osso necrosado, reconhecido pela ausncia de ostecitos vivos, e pode ocorrer formao de osso ao longo do peristeo e superfcies de endsteo intactos ou formao de um invlucro irregular e com pequenas perfuraes a envolver o osso destrudo, podendo levar
ao aparecimento de fstulas e abcessos dos tecidos circundantes12. Em algumas situaes, o osso destrudo , gradualmente, destacado do osso saudvel
e forma-se um sequestro1. O osso sobrevivente, na osteomielite, osteoportico durante o perodo ativo da doena. A osteoporose resulta de uma reao
inflamatria e atrofia por desuso. As sequelas da osteomielite podem desaparecer na criana e, menos frequentemente, no adulto13.

4. Microbiologia
Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase-negativo e os bacilos
aerbios Gram-negativo so os agentes microbianos mais frequentes. Outros
agentes como os estreptococos, enterococos, anaerbios, fungos e micobactrias podem estar implicados4,14-16.

5. Tipos de osteomielite
Osteomielite hematognica
Epidemiologia
De acordo com a literatura, a incidncia estimada varia de 1 por 20.000 adolescentes na Nova Zelndia a 1 por 1.000 aborgenes australianos17. A sua incidncia maior nas primeiras duas dcadas (85%). Pelo menos um quarto dos
doentes tm menos de dois anos e cerca de metade tm menos de cinco.
Esta infeo ocorre, sobretudo, em crianas e num tero dos casos h traumatismo prvio. O sexo masculino duas vezes mais afetado do que o feminino18,19.
385

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

Os fatores de risco incluem a doena de clulas falciformes, o dfice imunitrio, a spsis, o traumatismo minor com bacteriemia e a presena de cateteres endovasculares. Nos recm-nascidos, a osteomielite hematognica
rara e os fatores de risco so a prematuridade, a doena de pele, a presena
de cateteres venosos centrais ou parto complicado20.

Etiologia
Na maioria dos casos a osteomielite hematognica causada por um
microrganismo. Staphylococcus aureus o principal causador de osteomielite hematognica nas crianas. Em 50% dos casos, o agente causal no
identificado21.
Nas crianas com menos de um ano, os agentes isolados mais frequentemente so Staphylococcus aureus, Streptococcus do grupo B e Escherichia
coli. Nas crianas, com mais de um ano, so, sobretudo, encontrados Staphylococcus aureus e Streptococcus do grupo A. Atualmente, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae so agentes raros, devido ao uso das
vacinas conjugadas. Nos adultos predominam as infees por Staphylococcus
aureus. Staphylococcus aureus meticilinarresistente tem emergido como causador de osteomielite na comunidade.
Os patognios variam de acordo com os fatores de risco do hospedeiro.
Nos doentes com doena de clulas falciformes, Salmonella spp e outros
Gram-negativo, como Escherichia coli, so os principais patogneos22. Nos
doentes com infeo por VIH, Staphylococcus aureus o agente mais frequente. Outros agentes patognios como Kingella kingae, Brucella spp,
Mycobacterium tuberculosis, Bartonella henselae, fungos como Coccidioidis
immitis so raros e tm em conta a epidemiologia e os fatores de risco do
hospedeiro.

Patognese
A osteomielite hematognica atinge, em 80% dos casos, os ossos tubulares, sobretudo, o fmur e a tbia (50%), o mero, o pernio, o rdio e a
clavcula23. Nos casos em que a metfise est localizada dentro da cpsula
articular, como na espdua, na anca e no cotovelo, pode ocorrer infeo da
articulao.
A osteomielite hematognica primria pode ocorrer, tambm, no adulto.
O processo infecioso comea, geralmente, na difise, mas pode envolver
todo o canal medular. Por vezes, a infeo estende-se para os tecidos adjacentes, com formao de abcesso dos tecidos moles e, mesmo, fistulizao
para a pele.
No adulto, as infees hematognicas secundrias so mais frequentes do
que as primrias e representam reativao de foco infecioso quiescente,
desde a infncia. Por isso, estas osteomielites ocorrem, mais vezes, na metfise. Os sinais clnicos, no adulto, so menos exuberantes para alm da dor,
386

Osteomielite e artrite

com ou sem tumefao, a febre pouco elevada ou est ausente, o que leva
a que o diagnstico seja feito tardiamente, j com um a trs meses de evoluo,
na presena de compromisso sseo importante.

Clnica
A forma clssica da criana caracteriza-se pelo aparecimento de quadro
clnico, com menos de trs semanas de evoluo, com febre elevada (>39 oC),
arrepios, irritabilidade, perda de apetite e letargia, dor referida regio
metafisria dos ossos longos, com (ou sem) tumefao local associada e
com (ou sem) limitao funcional24. Posteriormente, surgem sinais inflamatrios locais.
Na osteomielite hematognica regista-se leucocitose e elevao da velocidade de sedimentao em cerca de 80% dos casos.

Osteomielite vertebral
Epidemiologia
A incidncia desconhecida pela escassez de estudos, mas em dois trabalhos publicados, um em 1979 e outro em 2001, a incidncia estimada de
osteomielite vertebral foi de 1:250.000 e 1:450.000, respetivamente 25,26.
Acredita-se que a sua incidncia tem vindo a aumentar por trs motivos
aumento de infees nosocomiais associadas a cateteres, envelhecimento da
populao e toxicodependncia. A maioria dos casos ocorre em adultos com
mais de 50 anos de idade27. O sexo masculino tem um risco duas vezes
superior ao sexo feminino27.

Etiologia
O agente mais isolado , tambm, Staphylococcus aureus, correspondendo a mais de 50% dos casos, na maioria das sries realizadas em pases desenvolvidos. O isolamento de Staphylococcus aureus meticilinarresistente tem aumentado na ltima dcada com crescente importncia como
causador desta infeo. Em toxicodependentes e em infees associadas a
acessos intravasculares, Pseudomonas aeruginosa e Candida spp so os agentes mais frequentes28,29. Outros agentes mais raros, mas importantes, so os
bacilos entricos Gram-negativo, nos casos de instrumentao urinria, Streptococcus do grupo B nos doentes diabticos e Mycobacterium tuberculosis
em pases endmicos. A geografia e a epidemiologia do hospedeiro influenciam os agentes patognicos envolvidos e causadores da infeo. Brucella
melitensis um importante patognio nos pases mediterrnicos; Burkholderia pseudomallei (melioidosis) deve ser considerada como patognio potencial nas regies periequatoriais; Salmonella spp e Entamoeba histolytica,
a considerar em determinadas regies de frica e da Amrica do Sul.
387

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

Patogenia
A osteomielite vertebral tem, na maioria das vezes, origem hematognica, mas pode resultar de inoculao direta por traumatismo, cirurgia da
coluna ou por contiguidade, resultando de infeo dos tecidos adjacentes.
A infeo envolve, em regra, duas vrtebras adjacentes e o respetivo disco
intervertebral. Outras fontes de infeo so a pele e os tecidos moles (toxicodependentes, por exemplo), o trato urinrio, o corao (endocardite), o
trato respiratrio, infeo da ferida ps-operatria, infeo dentria e as
flebites por puno venosa.

Clnica
A dor local, geralmente insidiosa, com evoluo arrastada, o aspeto mais
comum. Com frequncia pode acompanhar-se por limitao da mobilidade e,
raramente, pode documentar-se a presena de uma tumefao ou deformidade espinal. A febre pode estar ausente, em metade dos doentes. As regies
mais atingidas so a coluna lombar e, depois, as vrtebras dorsais e cervicais.
A extenso da infeo, para regies adjacentes, pode ocasionar abcessos e,
mesmo, meningite. Nalguns doentes registam-se dfices motores ou sensoriais.
A velocidade de sedimentao est elevada em cerca de 80% dos casos,
podendo ser superior a 100 mm e pode, ou no, registar-se leucocitose.

Osteomielite secundria a foco infecioso adjacente


sem insuficincia vascular
Epidemiologia
A incidncia desconhecida pela escassez de estudos publicados.

Etiologia
Apesar de Staphylococcus aureus continuar a ser o agente mais frequente, outros microrganismos, como bacilos Gram-negativo e anaerbios, so,
tambm, isolados com frequncia.

Patogenia
Neste tipo de osteomielite o agente infecioso atinge o osso, no contexto
de traumatismo, por contaminao nosocomial durante procedimentos cirrgicos ou a partir de infeo dos tecidos moles.

Clnica
Por via de regra, o doente, geralmente adulto, apresenta-se cerca de um
ms aps o acidente desencadeante, com febre (pouco elevada), dor e
drenagem purulenta e com compromisso sseo importante, dificultando o
xito da teraputica.
388

Osteomielite e artrite

Osteomielite secundria a foco infecioso


adjacente com insuficincia vascular
Epidemiologia
A sua incidncia desconhecida pela escassez de estudos publicados.
A prevalncia de osteomielite aps uma puno venosa no p de 16%
(30-40% no p de um doente diabtico)30.

Etiologia
Geralmente causada por mltiplos agentes, nomeadamente estafilococos
coagulase positivos e negativos, estreptococos, enterococos, bacilos Gram-negativo e anaerbios.

Patogenia
Esta forma de osteomielite , em regra, complicao da diabetes. A irrigao deficiente facilita a infeo, que mais frequente nos ossos pequenos
do p. Cerca de 15% dos doentes diabticos desenvolvem lcera no p e 6%
necessitam de hospitalizao ao longo da sua vida31.
Os fatores de risco para o aparecimento de lceras e, em consequncia,
osteomielite por contiguidade so a presena de diabetes h mais de 10 anos,
o mau controlo glicmico, a presena de doena cardiovascular e renal, a
neuropatia perifrica, a doena vascular perifrica e histria prvia de lceras
e de amputao32.

Clnica
Aspetos que evocam a possibilidade de osteomielite so a presena de
lcera do p, dfice de crescimento da unha, infeo de tecido profundo ou
celulite. O diagnstico dificultado pela ausncia de febre e de outra sintomatologia geral e, ainda, pela diminuio da perceo da dor devida
neuropatia acompanhante.

Osteomielite crnica
Incidncia
A incidncia desconhecida pela escassez de estudos publicados.

Etiologia
As osteomielites crnicas so, com frequncia, polimicrobianas (30-60%).
Os agentes mais vezes isolados so Staphylococcus aureus, bacilos Gram-negativo, particularmente Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus epidermidis se h material estranho (por exemplo, prtese).
389

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

Patogenia
Qualquer osteomielite aguda pode evoluir para a cronicidade. A doena
de progresso lenta e pode complicar-se com abcessos ou com infees dos
tecidos moles. Raramente, pode sobrevir, no local de drenagem, um carcinoma
de clulas escamosas ou amiloidose.

Clnica
Autores franceses consideram como crnica a osteomielite que tem, pelo
menos, um ms de evoluo8. Os doentes apresentam, muitas vezes, febre, com
temperatura no muito elevada e manifestaes variadas, como perda local de
osso, drenagem persistente e trajetos fistulosos. A velocidade de sedimentao
est, em regra, elevada, mas no se regista leucocitose.

Sndrome SAPHO (sinovite, acne, pustulose,


hiperostose e ostete) e osteomielite multifocal
recorrente crnica
Incidncia
uma sndrome rara e foi descrita pela primeira vez em 1972 por Giedion, et al.33.

Etiologia
A etiologia desconhecida. A osteomielite multifocal recorrente uma
forma peditrica de SAPHO.

Patogenia
A sua patognese desconhecida. Recentemente, levanta-se a hiptese
da interveno de fatores genticos34.

Clnica
A febre, a perda ponderal e o mal-estar geral so raros. Geralmente, sinais
inflamatrios esto presentes nos locais afetados.
O nmero mdio de leses por doente de cinco. uma doena autolimitada com perodos de exacerbao e de remisso.
Os diagnsticos diferenciais so a osteomielite infeciosa, neoplasia ssea
e outras artrites inflamatrias.
A velocidade de sedimentao est elevada em 65% dos casos. A biopsia
ssea, com colheita de material para realizao de culturas fundamental.
As culturas so negativas para bactrias, micobactrias e fungos e a antibioterapia no tem impacto na doena35. Radiologicamente podem estar presentes eroses lticas nas metfises e, com o tempo, podem desenvolver-se
reas de hiperostose reativa.
390

Osteomielite e artrite

6. Diagnstico
A suspeio clnica fundamental. O diagnstico da osteomielite baseia-se no isolamento do agente em hemoculturas ou a partir de produtos obtidos da leso por biopsia aspirativa ou interveno cirrgica, bem como por
zaragatoa, em determinadas situaes.
A velocidade de sedimentao e a proteina C reativa so inespecficas, e
em alguns casos esto elevadas, mas podem estar dentro dos valores de
referncia, tal como a contagem de leuccitos.
As hemoculturas so positivas em cerca de 50% dos casos de osteomielite aguda. No caso da osteomielite vertebral, se estas culturas estiverem
positivas dever excluir-se a presena de endocardite.
Outros produtos a examinar so o pus da fstula, o pus obtido por puno
subperistea, o material colhido por biopsia ou aquando de procedimentos
intraoperatrios, os lquidos de drenagem e os drenos. Devem colher-se
duas amostras para exame microbiolgico (aerobiose, anaerobiose, pesquisa de micobactrias e fungos) e para exame anatomopatolgico. Na osteomielite hematognica, a infeo monobacteriana ao contrrio da contgua
que polimicrobiana.
A radiologia convencional til, sobretudo no diagnstico da osteomielite aguda hematognica, mas h que ter em conta que as primeiras manifestaes radiolgicas demoram cerca de duas semanas (10 a 14 dias) a revelarem-se. Nesta altura, pode apreciar-se edema dos tecidos moles, espessamento
do peristeo e osteopenia focal, a que se segue o aparecimento de leses
osteolticas. As alteraes radiolgicas da osteomielite de foco infecioso
adjacente e da osteomielite crnica so pouco especficas. A cintilografia
ssea utilizada quando o diagnstico de osteomielite duvidoso e ajuda
a determinar, com precocidade, a extenso do processo infecioso, mas apesar
de sensvel, cara e pode dar falsos positivos (doena osteoarticular degenerativa, tumor sseo e cirurgia recente)36. Como marcadores podem usar-se
o tecnsio, o glio e o ndio. As imagens obtidas por tomografia axial computorizada (TAC) e por ressonncia magntica nuclear (RMN) permitem definir, com maior preciso, a extenso da infeo e apoiam a deciso da interveno teraputica. A RMN mais sensvel e considerada o gold-standard
no diagnstico radiolgico da osteomielite37,38.
Se as hemoculturas e a cultura de pus/material colhido por biopsia forem
negativas e a suspeita clnica de osteomielite for elevada, tendo em conta a
clnica e os achados radiolgicos, dever repetir-se a biopsia e se esta se
mantiver negativa deve iniciar-se teraputica emprica para bactrias Gram-negativo (Pseudomonas aeruginosa) e Gram-positivo (Staphylococcus aureus).
O diagnstico de osteomielite deve ter em conta a resposta teraputica
antibitica emprica. Nas crianas, se a cultura de qualquer material colhido
for positiva e se apresentarem caractersticas radiolgicas sugestivas de
391

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

osteomielite, ento assume-se o diagnstico e a teraputica antimicrobiana


dever ser instituda.

7. Tratamento
O tratamento da osteomielite inclui a avaliao do doente, a classificao
do processo infecioso, a identificao do agente, a teraputica antibitica e,
quando necessrio, o desbridamento cirrgico do tecido necrosado, o tratamento do espao morto, a estabilizao e a reconstruo39. No tratamento
mdico da osteomielite devem escolher-se antibiticos com boa penetrao
no osso, como as penicilinas, as cefalosporinas (cefazolina, ceftriaxona, cefepima e ceftazidima), a rifampicina, as oxazolidinonas (linezolida), os lipopeptdeos (daptomicina) e as fluoroquinolonas (ciprofloxacina e levofloxacina),
tendo sempre em conta o teste de suscetibilidade aos antibiticos (TSA). Se
os exames microbiolgicos no estiverem disponveis, deve iniciar-se teraputica emprica. O tratamento inicial deve ser feito por via endovenosa e com
associao de dois antibiticos. A durao do tratamento da osteomielite
controversa. Na maioria dos casos, a antibioterapia endovenosa deve ser mantida at que haja revascularizao dos tecidos moles, que circundam o osso
desbridado, o que, geralmente, demora seis semanas, sendo necessrio monitorizar a funo renal, heptica e hematolgica, bem como dosear o antibitico, se se justificar40. O tratamento da osteomielite aguda deve durar, pelo
menos, quatro a seis semanas e o da osteomielite crnica mais longo, podendo necessitar de uma mdia de 12 semanas. A teraputica antimicrobiana
deve ser instituda aps a colheita de pus/material para estudo microbiolgico
e aps o desbridamento cirrgico, quando necessrio, exceto nos casos de
spsis e infeo de tecidos moles concomitante, em que a teraputica deve
ser iniciada rapidamente, independentemente das colheitas. As teraputicas
adjuvantes podem ser necessrias, como o caso do oxignio hiperbrico no
caso da osteomielite crnica ou refractria ao tratamento.

Osteomielite aguda hematognica


Na criana, este tipo de osteomielite um problema mdico, enquanto que, no adulto, para alm da antibioterapia, vrias tcnicas cirrgicas
so, em regra, necessrias, para que se obtenha melhoria do processo
infecioso.
O tratamento inicial da osteomielite , muitas vezes, emprico. Tendo em
conta os agentes mais frequentes na criana deve usar-se a associao de um
aminoglicosdeo com uma oxacilina ou com uma cefalosporina de 2.a ou 3.a gerao. Se se suspeita de infeo por Staphylococcus aureus resistente meticilina
392

Osteomielite e artrite

pode utilizar-se a associao aminoglicosdeo-vancomicina ou cefotaxima-vancomicina. Nos doentes com drepanocitose, frequente o isolamento de
Salmonella spp e outros bacilos Gram-negativo, alm de Staphylococcus
aureus, pelo que aconselhado o tratamento com ciprofloxacina ou outra
quinolona. A identificao do agente muito importante, podendo ser conseguida por hemoculturas ou, se estas so negativas, por cultura de biopsia
ssea, para se ajustar a teraputica antibitica. Esta, quando adequada ,
em geral, eficaz, mas, se no se obtm resposta nas primeiras 48 h, se persiste um abcesso dos tecidos moles ou se h suspeita de artrite adjacente,
est indicado procedimento cirrgico. A durao da antibioterapia deve ser
de, pelo menos, trs semanas e a passagem para via oral possvel se houver
melhoria clnica com apirexia sustentada. Nas crianas, no usar quinolonas.
No adulto, a osteomielite hematognica , em geral, refractria ao tratamento mdico e para alm da teraputica antimicrobiana necessrio,
muitas vezes, realizar procedimentos cirrgicos. A durao da teraputica
antibitica por via endovenosa mantm-se incerta, mas dever ser feita pelo
menos durante quatro semanas ou durante quatro semanas aps o ltimo
desbridamento e o doente pode manter a teraputica em ambulatrio com
o uso de um cateter venoso central de longa durao.
No adulto, os regimes teraputicos recomendados, em funo do agente
isolado ou suspeito, so os seguintes:
Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis sensvel meticilina quinolona + rifampicina ou oxacilina/nafcicilina.
Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis resistente meticilina vancomicina com ou sem associao com gentamicina, daptomicina
ou linezolida.
Enterobactericeas cefalosporina de 3.a gerao ou quinolona.
Pseudomonas aeruginosa cefepima ou ciprofloxacina ou ceftazidima.
Enterococos e estreptococos do grupo D penicilina G cristalizada ou
ampicilina ou vancomicina com associao (ou no) da gentamicina.

Osteomielite vertebral
Para a identificao do agente, so, em geral, necessrias culturas de
material de biopsia ou de desbridamento, predominando as infees por
Staphylococcus aureus, mas no se devem esquecer, sobretudo no nosso Pas,
a tuberculose e a brucelose. Infees por Pseudomonas aeruginosa so comuns em toxicodependentes. O tratamento antimicrobiano deve ser institudo tendo em conta a epidemiologia do doente e a probabilidade dos agentes e , muitas vezes, suficiente, embora a cirurgia aberta possa ser
necessria, quando se regista insucesso teraputico, quando surgem complicaes, como abcessos paravertebrais ou epidurais ou, ainda, quando h
393

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

instabilidade. O desbridamento percutneo, com discectomia, removendo


material infetado, ajuda a acelerar a cura e fundamental manter a estabilidade vertebral. A durao da teraputica controversa, mas o tempo de
tratamento mnimo recomendado de quatro a seis semanas e pode ser
mais prolongado (12 semanas). A passagem da teraputica antibitica para
via oral deve ser feita tendo em conta a suscetibilidade dos agentes isolados,
a evoluo clnica e radiolgica, devendo ser assegurada a adeso do doente em ambulatrio.

Osteomielite secundria a foco infecioso


e osteomielite crnica
Nestas formas de osteomielite, o problema principal a presena de osso
infetado e necrtico, envolvido por tecido adjacente mal irrigado. A infeo no controlada sem que este foco seja removido. A teraputica implica drenagem, desbridamento amplo, obliterao do espao morto, remoo de material estranho, proteo da ferida e teraputica antimicrobiana41.
A teraputica antibitica deve ser realizada, de preferncia, por via endovenosa, durante quatro a seis semanas, aps a realizao dos procedimentos
cirrgicos adequados. Em alguns casos tem sido usada, com sucesso, teraputica oral com as quinolonas. As infees por Staphylococcus aureus sensveis
meticilina devem ser tratadas com cefalosporinas, quinolonas (atividade
varivel) ou clindamicina ou, ainda, com associao de penicilina semissinttica com rifampicina. A associao de vancomicina e rifampicina tem sido
usada, com xito, em osteomielites causadas por Staphylococcus aureus resistente meticilina, surgindo a daptomicina tambm como uma teraputica eficaz42. A utilizao de oxignio hiperbrico, para aumentar a tenso de
oxignio intramedular, parece ser fator adjuvante no caso das osteomielites
crnicas43,44.

Osteomielite secundria a foco adjacente


de infeo com insuficincia vascular
Dado que estas infees so insidiosas, o doente tende a procurar o
mdico numa fase tardia da evoluo, pelo que estas osteomielites so
difceis de tratar. Para alm da teraputica antibitica, deve realizar-se desbridamento ou mesmo cirurgia de amputao. No doente que recusa
procedimentos cirrgicos pode usar-se antibioterapia supressora de durao indefinida. No caso da osteomielite estar localizada nos maiores ossos do
p ou na regio distal da tbia, o desbridamento, combinado com antimicrobianos durante quatro semanas, poder ser eficaz se houver oxigenao
394

Osteomielite e artrite

aceitvel no local da interveno. Caso contrrio, a leso no cicatrizar e


ser necessria amputao. Neste caso, as infees geralmente so polimicrobianas, sendo necessria uma teraputica antibitica de largo espectro,
como a piperacilina/tazobactam, ampicilina/sulbactam, ertapenem ou outros
b-lactmicos associados a metronidazol. A associao de uma quinolona
(moxifloxacina) ao metronidazol ou clindamicina tambm uma boa opo. A durao da teraputica no consensual, mas a maioria da literatura
aconselha a manuteno da teraputica at revascularizao dos tecidos
moles e cicatrizao cutnea32, podendo necessitar de vrias semanas de
tratamento.
No doente com osteomielite extensa e m irrigao local necessrio
recorrer amputao.

Sndrome SAPHO e osteomielite multifocal


recorrente crnica
A antibioterapia no tem impacto na doena. A teraputica com anti-inflamatrios no-esterides, pamidronato, glicocorticides, sulfadiazina,
metotrexato e interfero g tem sido usada em pequenas sries de casos45-47.

Osteomielite em situaes particulares


Doente

hemodialisado

Esta populao tem um risco aumentado para osteomielite. As infees


sseas nestes doentes so, em geral, de origem hematognica, podendo
apresentar osteomielite vertebral, resultante do manuseio contnuo das fstulas arteriovenosas e do cateter de dilise. A maioria dos casos deve-se a
infeo por Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis, face sua
colonizao. O tratamento fundamenta-se na combinao da antibioterapia
adequada com cirurgia.

Anemia

de clulas falciformes

A Salmonella spp o agente, em regra, isolado nestes casos. A febre


elevada, os arrepios, a dor ssea e a leucocitose, aps crise de anemia, sugere o diagnstico de osteomielite. As hemo e coproculturas permitem
confirmar a etiologia da osteomielite. O tratamento emprico deve incluir
agentes ativos contra Salmonella spp e Staphylococcus aureus.

Toxicodependncia
A toxicodependncia um fator de risco para a osteomielite. Os microrganismos podem atingir o osso por via hematognica, de forma contgua
395

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

ou por inoculao direta. A localizao mais frequente da osteomielite


atpica e a regio mais atingida a regio das vrtebras, da snfise pbica
e da clavcula. O doente no apresenta sintomatologia significativa, para
alm da dor localizada. Os agentes mais frequentes so Staphylococcus
aureus, Staphylococcus epidermidis, Pseudomonas spp e Candida spp. Eikenella corrodens uma bactria colonizante da flora oral e pode causar osteomielite nos toxicodependentes que lambem a agulha antes de se injetarem. A interveno teraputica (mdica e/ou cirrgica) semelhante ao
descrito anteriormente. O tratamento endovenoso e o uso de cateteres venosos centrais em ambulatrio devem ser feitos com precauo nesta populao de doentes.

Abcesso

de

Brodie

um abcesso crnico, nico e o local mais frequente a parte distal da


tbia, embora possa ocorrer noutros locais. Esta leso mais comum nos
jovens e a sintomatologia, para alm da dor, pouco especfica. A combinao de antibiticos, segundo o antibiograma, com a cirurgia costuma ser
eficaz48.

Tuberculose

ssea

A sua origem hematognica, em regra, e, mais raramente, resulta de


foco caseoso adjacente. Nas crianas e adolescentes so mais atingidas as
metfises dos ossos longos, enquanto no adulto predominam as leses da
coluna, seguidas pelas do fmur, do joelho e dos ossos da mo e do p.
Sessenta por cento dos doentes tm tuberculose noutro rgo. O mal de Pott
corresponde a osteomielite vertebral causada por Mycobacterium tuberculosis e, ao contrrio da osteomielite de causa bacteriana, geralmente as
manifestaes clnicas sistmicas esto ausentes, sendo a dor na coluna, na
maioria das vezes, o nico sintoma. O diagnstico requer, em geral, colheitas
de tecido e de osso para exame cultural e histolgico. A teraputica com os
antibacilares deve ser longa e, por vezes, necessrio recorrer cirurgia.

Micobactrias

atpicas

A osteomielite causada por micobactrias atpicas mais comum nos


doentes imunodeprimidos ou por infeo de leses aps cirurgia ou traumatismo. Vrios agentes podem causar osteomielite, tais como Mycobacterium avium-intracellulare, marinum, fortuitum, chelonae, ulcerans, kansasii e xenopi. Foram descritos casos de doena osteoarticular disseminada
por Mycobacterium bovis aps a vacinao pelo bacilo de Calmette-Gurin
(BCG). As crianas e adolescentes com infeo por micobactrias atpicas
disseminadas de etiologia indeterminada devem ser testadas para a deficincia do recetor de IFNg (IFNg R1) ou IL-12 (IL-12b1)32. O tratamento pode necessitar de procedimentos cirrgicos.
396

Osteomielite e artrite

Fungos
A endocardite fngica rara. A epidemiologia do doente fundamental
para a suspeio clnica. Os agentes da coccidioidomicose, da paracoccidioidomicose, da candidose, da criptococose, da esporotricose extracutnea e da
blastomicose podem originar osteomielite que, geralmente, hematognica,
e se apresenta, em regra, como abcesso frio suprajacente a leso osteoltica.
O tratamento implica o uso de antifngicos e desbridamento.

Osteomielite

com cultura negativa

Raramente, as culturas do material sseo so negativas, apesar da evidncia


clnica e radiolgica de osteomielite. Na maioria dos casos pode dever-se ao
uso prvio de antibioterapia. Nos casos em que no h resposta antibioterapia deve parar-se o tratamento e esperar um ms para realizao de
nova biopsia e colheita de novos produtos. Quando as culturas para bactrias
em aerobiose e anaerobiose so negativas, devem fazer-se culturas para
fungos e micobactrias e o uso da PCR pode justificar-se49.

Artrite
1. Introduo
A artrite definida como reao inflamatria que acompanha ou se segue
infeo da articulao por variados microrganismos.
Se o agente causador uma bactria, origina artrite supurativa, geralmente monoarticular. Contudo, algumas bactrias causam sintomatologia em vrias articulaes, durante a fase de bacteriemia e algumas,
como Neisseria gonorrhoeae induzem inflamao das bainhas tendinosas
adjacentes.
As infees vricas causam, em geral, inflamao sem supurao e atingem, por via de regra, vrias articulaes.
As artrites crnicas granulomatosas so, com frequncia, causadas por
micobactrias ou por fungos e, por norma, atingem, apenas, uma articulao.
Artrites estreis podem ocorrer na fase inicial da infeo, como acontece na
hepatite B ou, mais tardiamente, na artrite ps-infeciosa50.

2. Modo de aquisio e fatores predisponentes


A via principal de contaminao articular hematognica, dado que a sinovial apresenta boa vascularizao. As artrites podem, tambm, resultar da
397

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

inoculao direta do microrganismo na articulao, por processo traumtico


ou cirrgico, nomeadamente por injeo intra-articular, ferida, fratura aberta
e por colocao de uma prtese. Finalmente, a artrite pode ser causada por
extenso, para a articulao, de um foco de infeo adjacente.
Os doentes com artrite pr-existente, os que esto sujeitos a teraputica
imunossupressora, os idosos (> 80 anos), ou com histria de cirurgia recente, os
toxicodependentes, os diabticos ou aqueles com neoplasias, tm maior predisposio para a artrite. Fatores endcrinos e imunitrias parece terem importncia na gnese de algumas artrites. A presena do antignio de histocompatibilidade HLA-B27 aumenta, em 50 vezes, o risco de artrite ps-infeciosa.

3. Caractersticas clnicas gerais


A incidncia de artrite sptica de dois a cinco casos por 100.000 pessoas/
ano, aumentando para 28 a 38 casos/100.000/ano em doentes com artrite
reumatide e para 40 a 68 casos/100.000/ano em portadores de prteses
articulares51,52.
O doente com artrite bacteriana aguda apresenta-se com febre (60-80%),
com temperaturas no muito elevadas e compromisso monoarticular, em
80% dos casos e, ainda, com limitao do movimento articular, edema e dor,
que pode ser ligeira mas , com frequncia, grave.
O joelho a articulao mais envolvida e corresponde a mais de 50% dos
casos, sobretudo na artrite bacteriana e por Mycobacterium tuberculosis, mas
as articulaes do pulso, tornozelo e quadril so, tambm, com frequncia
afetadas. A articulao sacroliaca atingida, mais vezes, por infees da
responsabilidade de estafilococos, estreptococos e Brucella spp, tendo esta
curso mais indolente. A artrite da articulao esternoclavicular est, muitas
vezes, associada ao uso de drogas e a infeo das interfalngicas das mos,
raramente atingidas, Neisseria gonorrhoeae e Mycobacterium tuberculosis e
a mordeduras de animais ou humanas so as causas mais frequntes de artrite esternoclavicular. Em cerca de 10% dos casos, a artrite pode envolver
vrias articulaes53. As artrites vricas tendem a envolver vrias articulaes,
nomeadamente as interfalngicas, o joelho, o tornozelo e o cotovelo.

4. Artrite bacteriana aguda


No gonoccica
A artrite bacteriana no gonoccica uma forma de artrite aguda muito
destrutiva. A patofisiologia complexa e depende da capacidade de aderncia
dos microrganismos e da colonizao da membrana sinovial, da proliferao
398

Osteomielite e artrite

bacteriana e da infeo no lquido sinovial, resultante da resposta inflamatria do hospedeiro. Aps a disseminao hematognica ou da entrada direta da bactria na articulao, a aderncia bacteriana facilitada pela
presena de doena e/ou leses na articulao (traumatismo, cirurgia, por
exemplo), o que aumenta a quantidade ou a exposio s proteinas da matriz extracelular (fibronectina, colagnio, laminina, elastina e cido hialurnico), promovendo a aderncia do microrganismo e a infeo.
A artrite sptica no gonoccica causada por vrios microrganismos. O
agente responsvel pelo maior nmero de casos de artrite bacteriana aguda,
em crianas com mais de dois anos e nos adultos, Staphylococcus aureus,
responsvel por 37-65% dos casos nos adultos54, A variao dos resultados
depende da localizao geogrfica, da incidncia da doena reumtica e da
proporo da infeo que atinge as articulaes nativas. Nos lactentes, com
menos de um ms, os agentes mais frequentes so os estreptococos do grupo B, bactrias Gram-negativo e Staphylococcus aureus. Nas crianas com
menos de dois anos, Haemophylus influenzae de tipo B era o agente preponderante, mas, com a introduo da vacina, a sua importncia tem diminudo. Em crianas com doena das clulas falciformes, Streptococcus pneumoniae, raro noutras circunstncias, encontrado com frequncia. A artrite
sptica causada por bactrias Gram-negativo tem frequncia de 5 a 20% e
tem como fatores predisponentes o uso de drogas endovenosas, extremos
etrios (recm-nascidos e idosos), doentes com dfice imunitrio, a presena
de artrite crnica e de infees extra-articulares55. Pseudomonas aeruginosa
um importante agente causador de artrite sptica, nos toxicodependentes, e
tem afinidade para estruturas articulares atingidas mais raramente, como a
snfise pbica, a articulao esternoclavicular, esternocondral e sacroilaca.
Em 80 a 90% dos casos esta artrite monoarticular, sendo o joelho a
localizao mais frequente56. Os fatores de risco para artrite poliarticular so
a presena de artrite reumatide e de presena de fatores de imunossupresso ou bacteriemia prolongada. Mordeduras humanas podem causar artrite
das articulaes interfalngicas, por infeo causada por agentes da cavidade oral. A mordedura de gato ou de co, ao inocular agentes como Pasteurella multocida e Capnocytophaga spp, pode originar artrite destas articulaes. A mordedura de rato, associada a infeo por Streptobacillus
moniliformis, pode originar artrite de grandes articulaes, acompanhada
de febre e de exantema das palmas das mos e plantas dos ps. A artrite
associada doena de Lyme, causada por mordedura de carraa, caracteriza-se por episdios intermitentes de artrite poliarticular das grandes articulaes, que pode ter evoluo crnica. A artrite causada por Brucella spp
afeta mais vezes a articulao sacroilaca, o joelho e a anca e pode ter
evoluo aguda ou crnica. Os anaerbios causam, raramente, artrite sptica. O agente mais vezes isolado Clostridium spp em crianas. A artrite
sptica pode, ainda, ser causada por Mycoplasma hominis e Ureaplasma
399

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

urealyticum, em mulheres no puerprio e em indivduos com hipogamaglobulinemia.


Clnicamente, os doentes apresentam dor e limitao da funo da articulao com evoluo de uma a duas semanas, presena de sinais inflamatrios e de derrame articular na articulao atingida.

Gonoccica
Durante as dcadas de 1970 e 1980, Neisseria gonorrhoeae foi a principal
causa de artrite bacteriana em adultos e adolescentes sexualmente ativos e
ocorria em idades inferiores a 30 anos57. A prevalncia diminuiu 75%, entre
1975 e 200258.
A artrite gonoccica, mais frequente em mulheres durante a gravidez ou
durante o perodo menstrual, pode apresentar-se de duas formas. Numa delas,
a doente apresenta-se com febre, arrepios, leses da pele ppulas eritematosas, que evoluem para vesculas ou para pstulas e compromisso poliarticular
e o agente pode ser isolado a partir de hemoculturas e de culturas de material
das reas genital, retal e orofarngea. Na outra forma, a artrite gonoccica
monoarticular, o envolvimento cutneo raro e o agente isolado no lquido
sinovial, o que acontece raramente na forma anterior. A artrite gonoccica
e a infeo gonoccica disseminada (IGD) ocorrem, secundariamente, infeo da mucosa da uretra, do colo uterino, do reto ou da orofaringe.
Clnicamente, os doentes com IGD apresentam uma trade clssica dermatite, tenossinovite e poliartralgia ou poliartrite migratrias58. A febre,
tremor e mal-estar geral geralmente esto presentes. Dois teros dos doentes desenvolvem tenossinovite nos dedos, mos e pulsos, mas as pequenas e
grandes articulaes dos membros inferiores podem ser, tambm, acometidas. Menos de metade dos doentes iro evoluir artrite sptica com derrame
articular purulento. Em dois teros dos casos de IGD as leses cutneas
(mculas, ppulas ou pstulas) tm uma base eritematosa com uma regio
central com necrose.

Artrite crnica monoarticular


A artrite crnica geralmente monoarticular e menos vezes oligoarticular
e caracteriza-se por uma evoluo insidiosa, com um curso indolente, com
presena de poucos sintomas e com destruio progressiva da articulao
afetada, podendo resultar em perda da sua funo.
As artrites crnicas so causadas, sobretudo, por infees por micobactrias e por fungos e, menos vezes, por bactrias. As leses so, em geral,
graves e atingem a sinovial e as cartilagens.
400

Osteomielite e artrite

A artrite crnica causada por parasitas, como helmintas e filria tem sido
descrita, mas muito rara59.

Micobactrias
Em 10-11% dos casos de tuberculose extrapulmonar so atingidas as
estruturas sseas e articulaes e a artrite corresponde a 1-3% de todos
os casos de tuberculose 60. Os fatores de risco so a idade superior a 60
anos, o sexo feminino, a imigrao de zonas endmicas, o alcoolismo, a
toxicodependncia, o uso de teraputica imunossupressora, a infeo por
VIH e a presena de doena articular prvia. A artrite tuberculosa mais
conhecida a espondilodiscite, em que o disco vertebral atingido por
contiguidade. A infeo , lentamente, progressiva, em regra, monoarticular, podendo atingir bainhas tendinosas adjacentes, e granulomatosa. Os
doentes com menos de 60 anos apresentam, muitas vezes, artrite monoarticular de uma articulao que suporta o peso, como o joelho, tendo poucos
sintomas sistmicos, enquanto que acima desta idade a sintomatologia
mais marcada; h, por norma, outros focos de tuberculose e a articulao
envolvida menos importante61. Geralmente, resulta de disseminao hematognica, mas muitas vezes, no diagnosticada tuberculose pulmonar em
atividade nestes doentes.
Algumas micobactrias atpicas, em particular Mycobacterium kansasii,
marinum e avium-intracellulare, podem causar artrite sptica e, mais raramente, terrae, chelonae, fortuitum e abcessus. Estes agentes atingem, com
frequncia, as articulaes da mo e do punho e causam tenossinovite
flexora, sndroma do canal crpico e, mais raramente, bursite do olecrnio62.
Geralmente a infeo resulta de inoculao percutnea direta. A artrite por
Mycobacterium marinum resulta, a maior parte das vezes, de traumatismo
ou de picada sofrida por indivduo que trabalha com aqurios ou em meios
marinhos, enquanto que a infeo articular por Mycobacterium kansasii
causada por disseminao a partir do pulmo. Doentes com lepra lepromatosa podem apresentar um quadro de poliartrite simtrica do punho e das
articulaes da mo.

Fungos
Vrios fungos do origem a quadros de artrite sptica e podem acometer
quer indivduos saudveis, quer imunodeprimidos. Em regra, a evoluo
subaguda ou crnica e ocorre compromisso monoarticular.
Os agentes causadores de artrite crnica, mais frequentes, em indivduos
saudveis que residem em reas endmicas so Blastomyces dermatitidis,
401

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

Coccidioides spp, Paracoccidioides brasiliensis e Sporothrix schenckii. A blastomicose pode originar artrite que , em geral, secundria a foco de osteomielite da vizinhana. A coccidioidomicose, adquirida por inalao de artrocondias, em reas endmicas, pode originar artrite monoarticular (por vezes
oligoarticular), que atinge mais vezes o joelho. O diagnstico desta afeo
baseia-se na positividade da reao de fixao de complemento e na cultura
de fragmento sinovial, colhido por biopsia. A paracoccidioidomicose, que
afeta, principalmente, trabalhadores rurais em reas endmicas, pode, tambm, originar artrite das articulaes dos ossos longos, mesmo sem envolvimento pulmonar. A infeo por Sporothrix schenkii pode originar artrite de
uma ou mais articulaes perifricas, afetando, sobretudo, o joelho, o cotovelo e o punho, que apresentam tumefao e limitao dos movimentos, sem
outros sinais inflamatrios. Monoartrites por Pseudallescheria boydii, Scedosporium spp e Curvalaria spp tm sido descritas, aps traumatismo penetrante do joelho. A poliartrite migratria, associada a exantema ou eritema nodoso, observada em doentes infetados por Histoplasma capsulatum.
Os agentes causadores de artrite crnica fngica, em indivduos imunodeprimidos so Candida spp, Cryptococcus spp e Aspergillus spp. A infeo
articular por Candida albicans pode resultar da disseminao hematognica
do agente ou da inoculao, aquando da administrao de corticoterapia
intra-articular. O incio , em geral, abrupto, com envolvimento de uma articulao perifrica, embora em alguns casos se possa registar envolvimento
de vrias articulaes. A artrite causada por Cryptococcus neoformans
muito menos frequente do que a osteomielite e, em geral, o local mais acometido o joelho. O diagnstico requer aspirao do lquido sinovial e/ou
biopsia da sinovial para realizao de exame cultural apropriado.

Bactrias
Borrelia burgdorferi, agente da doena de Lyme, causa, vrios meses aps
o eritema crnico, um quadro intermitente de poliartrite migratria das
grandes articulaes, que pode evoluir para artrite crnica do joelho.
Embora pouco frequentes, esto descritos casos de infeo articular por
Nocardia spp, com ponto de partida pulmonar, em imunocomprometidos, e casos de infeo articular por Tropheryma whippleii (doena de
Whipple) e Treponema pallidum (sfilis terciria).

6. Artrites vricas
Vrias infees vricas podem acompanhar-se de sintomatologia articular
e podem resultar de inoculao direta ou por resposta imune do hospedeiro
402

Osteomielite e artrite

infeo. Nos pases desenvolvidos, a causa mais frequente o parvovrus


B19, responsvel pelo eritema infecioso, que se associa, sobretudo na mulher,
com sintomatologia poliarticular de carter simtrico, com atingimento preferencial das falanges proximais e articulaes metacarpofalngicas.
A artrite relativamente frequente durante a evoluo da rubola,
sobretudo na mulher adulta. Poliartralgias, com compromisso preferencial
das articulaes da mo, revelam-se com o exantema nos trs primeiros
dias aps a erupo, em 52% dos casos63. A prpria vacina da rubola induz
sintomas em cerca de 30% das mulheres adultas64.
O vrus da parotidite associa-se, raramente, sobretudo no homem, com
sinais de poliartrite migratria, que se manifestam vrios dias antes e durante as manifestaes tpicas da doena.
Em 10-25% dos casos de hepatite B registam-se manifestaes articulares, muitas vezes associadas a urticria65. A artrite geralmente ocorre, em
geral, na fase prodrmica da doena, tem carter simtrico e poliarticular, atingindo, sobretudo, as mos, os joelhos e os tornozelos e surge
cerca de duas a seis semanas antes da ictercia, desaparecendo quando esta
se inicia.
O vrus da hepatite C, raramente, se acompanha de manifestaes de
artrite e pode ocorrer entre 2-20% dos casos, dependendo das sries publicadas65.
A artrite pode ser manifestao proeminente de infeo por vrios
togavrus. Infees por Chikungunya, Onyong-nyong e Sindbis caracterizam-se pelo desenvolvimento de artrite das grandes articulaes, com dor
grave e incapacitante22. Na Austrlia, outros togavrus (Ross River, Barmah
Forest) podem causar artrite simtrica, que se acompanha, em geral, por
exantema.
O vrus da coriomeningite linfocitria pode associar-se a episdios de
artrite e de cefaleias, que podem ser confundidos com infees gripais mais
graves. HTLV-1 pode ocasionar oligoartrite e a infeo por VIH tem sido associada com artralgias de vrias articulaes.
A artrite tambm pode resultar de infeo por enterovrus, adenovrus, vrus Varicella Zoster, Epstein-Barr, herpes simples e por vrus citomeglico.

7. Artrite de causa parasitria


A artrite acompanha, raramente, infees parasitrias. Na Nova Guin, a
infestao por filrias era a principal causa de artrite. Esta caracterizava-se
por envolvimento preferencial do joelho, com dor, edema, rubor e limitao
dos movimentos. Tambm, a esquistossomose pode acompanhar-se de quadro
de poliartragias56.
403

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

8. Exames complementares de diagnstico


A artrite sptica , em geral, acompanhada por velocidade de sedimentao elevada, principalmente, quando a causa bacteriana, registando-se,
tambm, sobretudo nas crianas, leucocitose com neutrofilia. Estes exames
so, contudo, inespecficos. Mais importante o estudo das caractersticas
do lquido sinovial. Na artrite de etiologia bacteriana este produto tem
aspeto trbido ou purulento e a contagem de leuccitos francamente
elevada (> 50.000 cls/mm3) e com predomnio de polimorfonucleares.
Este valor tem sido usado como diagnstico de artrite sptica, no entanto, um valor inferior no a exclui. Contudo, tambm, nos doentes com artrite reumatide e outras artrites no infeciosas se regista leucocitose com
neutrofilia. Nos doentes com artrite bacteriana, portadores de neoplasia, nos
que tomam corticides e nos toxicodependentes, a leucocitose do lquido
sinovial no to marcada, apesar de se verificar neutrofilia.
Nas artrites de etiologia vrica regista-se elevao, pouco significativa, do
nmero de clulas do fluido sinovial e predomnio de mononucleares. O
exame microbiolgico do lquido sinovial importante.
Esfregaos do lquido sinovial revelam o agente, em cerca de um tero
dos casos de artrite bacteriana66. As hemoculturas e a cultura de lquido sinovial, para pesquisa de aerbios e anaerbios, so essenciais e permitem
estabelecer o diagnstico em percentagens elevadas.
Na artrite no gonoccica, a cultura do lquido sinovial positiva em
80-90% dos casos e as hemoculturas so positivas em 50-70% dos casos67,
enquanto que na artrite gonoccica as hemoculturas so positivas em menos
de 30% dos casos e Neisseria gonorrheae documentada em exame cultural
em cerca de 50% dos casos de artrite gonoccica e em 20-30% nos doentes
com IGD68. Na suspeita de doena gonoccica devem estudar-se, ainda, produtos provenientes da orofaringe, do reto, do colo uterino e da uretra.
Nas artrites causadas por micobactrias, o teste da tuberculina positivo
em 90% dos casos69 e o lquido sinovial apresenta um valor de leuccitos
entre 10.000 a 20.000/mm3, mas este pode ser mais elevado. Nas artrites por
micobactrias ou por fungos, a cultura do tecido sinovial tem maior rentabilidade que a cultura de lquido sinovial.
A utilizao recente da PCR para deteo de ADN bacteriano, no lquido
sinovial, tem-se revelado til, em particular para agentes raros ou com crescimento fastidioso como Borrelia burgdorferi, Mycoplasma spp, Ureaplasma spp,
Neisseria gonorrhoeae, Yersinia spp e Chlamydia spp.
As alteraes produzidas pela infeo articular so melhor definidas pela
tomografia (TAC) e pela ressonncia magntica (RMN), do que pela radiologia convencional. A ecografia articular um exame muito sensvel e confirma a presena ou ausncia de derrame e permite a realizao de biopsia
ecoguiada. A TAC, para alm de definir melhor as leses sseas, permite
404

Osteomielite e artrite

guiar a puno articular. Radiologicamente, a artrite bacteriana origina, nos


adultos, diminuio dos espaos articulares e, na criana, deslocao do ncleo de ossificao ou destruio da cartilagem.
Na artrite tuberculosa, radiologicamente h diminuio, pouco significativa, do espao articular, que acompanhada com eroses marginais e desmineralizao70.
As infees vricas no produzem alteraes radiolgicas significativas.
A cintilografia tem pouco interesse na avaliao da artrite sptica. Pode
ser til no diagnstico diferencial com a artrite reumatide e no estudo da
artrite secundria a osteomielite.
A colorao e a cultura de tecido sinovial, colhido por cirurgia ou por
artroscopia, pode ser importante para o diagnstico de infees bacterianas,
fngicas ou por micobactrias.

9. Diagnstico diferencial
A artrite monoarticular de etiologia bacteriana tem de ser distinguida da
artrite reumatide, artrite reativa (sndrome de Reiter), artrite vrica, da gota,
da condrocalcinose (pseudogota) e da doena de Lyme. Os exames microbiolgicos do lquido sinovial e os resultados de hemoculturas estabelecem,
com frequncia, o diagnstico. Se atingida mais do que uma articulao
deve suspeitar-se de possvel doena gonoccica disseminada, da sndrome de Reiter e da febre reumtica. Para alm da pesquisa de fator reumatide, de anticorpos antinucleares e do ttulo de antiestreptolisina O, a sintomatologia acompanhante pode evocar a patologia em causa. O aparecimento
de exantema, inicialmente papular, e de tenossinovite so a favor de possvel
doena gonoccica. Por vezes, s a realizao de teraputica etiolgica permite distinguir a doena gonoccica da sndrome de Reiter.
A artrite monoarticular crnica evoca, sobretudo, a presena de infeo por
micobactria atpica ou Sporothrix schenckii. A cultura de fluido e tecido sinovial, para pesquisa de micobactrias e de fungos, permite estabelecer o
diagnstico. A artrite de etiologia vrica deve suspeitar-se perante um quadro de envolvimento de vrias articulaes, associado a sintomatologia
consistente com infeo vrica. Dado que difcil isolar o agente a partir do
lquido sinovial, o diagnstico assenta na evoluo clnica, apoiado em estudos do soro das fases aguda e da convalescena. A doena de Still do
adulto evoca, com frequncia, a artrite vrica, mas, em geral, esta autolimitada e no deixa sequelas. Na gota e na pseudogota, o diagnstico
pode ser feito atravs da anlise do lquido sinovial e na presena de cristais de urato ou de pirofosfato de clcio, respetivamente. Na pseudogota, a
presena de condrocalcinose a nvel radiolgico til no diagnstico. A doena de Lyme caracteriza-se pela presena de monoartrite que se desenvolveu
405

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

aps semanas a meses do aparecimento de exantema, febre e artralgias


migratrias e deve suspeitar-se em doentes que estiveram em zonas endmicas e que apresentam anticorpos imunoglobulina G (IgG) para Borrelia
burgdorferi, devendo-se confirmar por Western blot.

10. Teraputica
O tratamento emprico deve ser iniciado logo aps a colheita de sangue
para hemoculturas e de lquido sinovial, para estudos citolgico, bioqumico
e cultural. A maior parte dos doentes responde bem teraputica adequada.
No caso do derrame articular recorrente pode ser necessrio realizar aspiraes repetidas nos primeiros dias. Quando a resposta teraputica antimicrobiana falha e as drenagens so ineficazes ser necessria a drenagem cirrgica. A artroscopia constitui alternativa drenagem cirrgica,
porque permite a visualizao da articulao e a destruio das adeses, a
drenagem de pus e o desbridamento de material necrtico. Em geral, no
necessrio imobilizar a articulao afetada, embora seja de evitar que ela
suporte peso56.
A escolha inicial da antibioterapia baseia-se na epidemiologia do doente,
no agente mais provvel e na colorao de Gram. Se esta anlise mostra a
presena de cocos Gram-positivo, face suspeita de Staphylococcus aureus
deve usar-se por via endovenosa uma penicilina resistente s penicilinases
como a nafcilina (adulto 9 g/dia repartidos de quatro em quatro horas;
criana 150 mg/kg/dia divididos em quatro a seis doses) e, em alternativa, a vancomicina (1 g, por via endovenosa, de 12-12 h). Se a colorao
pelo Gram sugere infeo estreptoccica pode usar-se, por via endovenosa, a penicilina em dose de 12 a 18 milhes de unidades/dia repartidas de
quatro em quatro horas. Como alternativa pode usar-se a cefazolina e a
vancomicina.
Se se documentam cocos Gram-negativo deve usar-se ceftriaxona 1 g de 24
em 24 horas.
Se so observados bacilos Gram-negativo deve administrar-se ceftriaxona na dose de 2 g/dia para o adulto, e de 50 mg/kg/dia para a criana, por
via endovenosa. Como alternativa pode usar-se cefotaxima, num total de
6 g/dia (adulto) administrados de oito em oito horas, cefepima 2 g de 12-12
horas, ceftazidima 1-2 g de oito em oito horas, piperacilina/tazobactam 4,5
g de seis em seis horas, ou carbapenemes (imipenem 500 mg 6-6 horas; meropenem 1 g 8-8 horas ou doripenem 500 mg 8-8 horas), por via endovenosa.
Se se suspeita que o agente causador Pseudomonas aeruginosa (nos toxicodependentes, por exemplo) deve administrar-se ceftazidima 1-2 g, de oito em
oito horas, associada a um aminoglicosdeo, como a gentamicina (3-5 mg/kg de
oito em oito ou de 12-12 horas). Se o doente for alrgico s cefalosporinas,
406

Osteomielite e artrite

pode usar-se a ciprofloxacina 400 mg de 12 em 12 horas por via endovenosa ou 500-750 mg de 12 em 12 horas por via oral.
Se a colorao pelo Gram inconclusiva deve ser escolhida, empiricamente, a vancomicina nos doentes imunocompetentes. Nos doentes imunodeprimidos, nos toxicodependentes ou nos doentes com artrite bacteriana, aps
traumatismo, deve associar-se uma cefalosporina de 3.a gerao, que seja,
com probabilidade, eficaz contra gonococos, estreptococos e bacilos Gram-negativo, ou uma fluoroquinolona (ciprofloxacina ou levofloxacina), se houver alergia s cefalosporinas. A teraputica ser, mais tarde, alterada em
funo dos resultados dos exames culturais.
Se a artrite surge aps mordedura de co ou de gato pode usar-se por
via endovenosa a ampicilina-sulbactam (6 a 9 g de ampicilina/dia repartidos em administraes de quatro em quatro horas) porque esta associao
tem excelente atividade contra Pasteurella spp e Capnocytophaga spp. As
artrites causadas por Haemophilus influenzae, estreptococos e cocos Gram-negativo devem ser tratadas durante, pelo menos, duas semanas. As infees causadas por estafilococos e bacilos Gram-negativo devem ser tratadas
durante trs semanas. A artrite sptica gonoccica exige tratamento durante trs semanas56.
O tratamento das artrites crnicas varia consoante o agente envolvido.
As infees fngicas so, em geral, tratadas com anfotericina B desoxicolato na dose de 0,5 a 1 mg/kg/dia, durante, pelo menos, duas a trs semanas,
seguido de fluconazol at perfazer seis a 12 meses de tratamento. A anfotericina B lipossmica (3-5 mg/kg/dia) pode ser usada se h intolerncia ou
nefrotoxicidade. No caso de isolamento de Candida spp suscetvel, como
alternativa pode usar-se fluconazol 6 mg/kg/dia durante seis a 12 meses, por
via oral. Como alternativas, pode usar-se o voriconazol, posaconazol e as
equinocandinas (caspofungina, micafungina e a anidulafungina) que so
boas opes teraputicas, especialmente nas estirpes resistentes aos triazis
(Candida glabrata e Candida kruzei). Na artrite criptoccica, a escolha de
tratamento vai depender da extenso da doena e do estado imunitrio do
doente e a anfotericina B seguida de fluconazol uma opo. O tratamento preferido para as micoses endmicas sem atingimento do sistema nervoso
central (SNC) (Coccidioides spp, Blastomyces spp, Histoplasma spp e Sporotrix
spp) o itraconazol, 400 mg por dia, durante 12 meses. Para a infeo por
Aspergillus spp, o voriconazol parece ser eficaz e alguns autores preferem-no
em relao anfotericina B.
A artrite causada por Borrelia burgdorferi responde bem a tratamento
com ceftriaxona (2 g/dia, durante 14 dias) ou doxiciclina (200 mg/dia, durante um ms). A doxiciclina (200 mg/dia) e a rifampicina (15 mg/kg/dia) so
usadas no tratamento da artrite bruclica durante, pelo menos, seis semanas. As infees por Nocardia spp respondem bem a tratamento com cotrimoxazol, ciclinas ou sulfadiazina. As artrites causadas por Mycobacterium
407

S. Almeida, R. Sarmento e Castro

tuberculosis ou Mycobacterium kansasii devem ser tratadas com os frmacos


usados, em regra, no tratamento da tuberculose pulmonar. A infeo articular por Mycobacterium marinum deve ser tratada durante seis a 12 semanas
com rifampicina e etambutol5.

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409

Seco 17

Infees ginecolgicas
e obsttricas
Elsa Nunes
Ctia Carnide
Carla Rodrigues
Eullia Galhano

1. Infees ginecolgicas
Doenas caracterizadas por lceras genitais
Em pases desenvolvidos, a maioria das lceras genitais causada por
herpes genital ou por sfilis, sendo o herpes genital a condio mais prevalente. Entre as causas menos frequentes encontramse o cancride, o granuloma inguinal ou donovanose e o linfogranuloma venreo. O diagnstico
etiolgico das lceras vulvares difcil, sendo que em cerca de 25% dos
casos no se encontra uma causa1. Se o diagnstico for exclusivamente baseado no aspeto da leso esta percentagem pode ascender a 40%. As lceras
vulvares de etiologia no infeciosa no sero abordadas neste captulo.

Herpes

genital

O herpes genital uma infeo vrica crnica e recorrente. Dois tipos de


vrus herpes simplex (VHS), VHS1 e VHS2, so responsveis por esta condio
e por 7080% dos casos de lceras vulvares. A maioria dos casos de herpes
genital recorrente causada pelo VHS22. As infees por VHS por este so,
na maior parte, assintomticas ou tm manifestaes ligeiras. No entanto, a
libertao do vrus no trato genital realizada de forma intermitente mesmo
em assintomticas, pelo que a transmisso do vrus imprevisvel.
O risco de herpes neonatal elevado nas situaes em que ocorre uma
primoinfeo materna no final da gravidez (3050%). Nas mulheres com
herpes genital recorrente, na altura do parto, ou naquelas que adquirem o
vrus na primeira metade da gravidez, o risco de transmisso inferior a 1% 3.
A doena manifesta-se pela presena de mltiplas leses vesiculadas ou
ulceradas e dolorosas, localizadas na regio genital.
No episdio primrio as referidas leses surgem dois14 dias aps o contacto, podendo ocorrer em grande nmero, provocando sintomas prolongados ou graves. A nvel local ocorre disria, dor e prurido e a nvel sistmico
pode provocar cefaleias, febre e mialgias. A resoluo das leses , em geral
411

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

prolongada, podendo demorar at trs semanas e ser agravada pela sobre-infeo bacteriana ou mictica.
Quase todas as pessoas que tiveram um episdio inicial de herpes genital
vo ter episdios subsequentes. Na infeo recorrente as leses tendem a
ser mais confinadas, em menor nmero e de mais rpida resoluo (cincosete dias). Est associada a sintomatologia ligeira ou so assintomticas.
O vrus pode ser detetado atravs de cultura em meio celular ou pelo
mtodo de reao em cadeia da polimerase (PCR). A sensibilidade da cultura
baixa, especialmente nas leses recorrentes. O mtodo PCR, com colheita
do exsudado da base da lcera mais sensvel4,5. O exame citolgico (teste
de Tzanck) tem uma sensibilidade e especificidade baixas e no deve ser
usado. Os testes serolgicos para VHS1 e VHS2 so os mais utilizados na
prtica clnica, com sensibilidade de 8098% e especificidade superior a 96%6.
A positividade para VHS2 implica sempre infeo genital, enquanto a positividade para VHS1 mais difcil de interpretar, porque pode implicar uma
infeo oral.
O tratamento com antivricos oferece benefcios clnicos s doentes. Todas
as doentes com episdios primrios devem ser tratadas1. Os esquemas teraputicos recomendados no episdio primrio so aciclovir 400 mg (via oral)
3x/dia durante sete10 dias, aciclovir 200 mg (via oral) 5x/dia durante
sete10 dias, famciclovir 250 mg (via oral) 3x/dia durante sete10 dias e valaciclovir 1.000 mg (via oral) 2x/dia durante sete10 dias.
O tratamento dos episdios recorrentes deve ser iniciado no prdromo
ou no primeiro dia do aparecimento de leses1. Os esquemas teraputicos
recomendados so aciclovir 400 mg (via oral) 3x/dia durante cinco dias,
aciclovir 800 mg (via oral) 2x/dia durante cinco dias, aciclovir 800 mg (via
oral) 3x/dia durante dois dias, famciclovir 125 mg (via oral) 2x/dia durante
cinco dias, famciclovir 1.000 mg (via oral) toma nica, famciclovir 500 mg
(vial oral) toma nica e depois 250 mg (via oral) 2x/dia durante dois dias,
valaciclovir 500 mg (via oral) 2x/dia durante trs dias e valaciclovir 1.000 mg
(via oral)/dia durante cinco dias.
O tratamento supressivo reduz a frequncia dos episdios de herpes genital recorrente em 7080%7,8. A frequncia destes episdios tende a diminuir
ao longo do tempo, pelo que se preconiza a interrupo da teraputica
supressiva periodicamente para avaliao da necessidade (uma vez ano, por
exemplo) de manuteno da teraputica.
Os esquemas teraputicos supressivos recomendados so aciclovir 400 mg
(via oral) 2x/dia, famciclovir 250 mg (via oral) 2x/dia e valaciclovir 1.000 mg
(via oral) 1x/dia.
A mulher grvida com episdio inicial ou com herpes recorrente (sintomtico) pode ser tratada com aciclovir por via oral ou e.v., dependendo da
gravidade dos sintomas. Os dados disponveis em relao ao uso deste frmaco na gravidez so tranquilizadores9. A cesariana recomendada nos
412

Infees ginecolgicas e obsttricas

casos em que existam leses genitais herpticas ativas, apesar de no eliminar


completamente o risco de transmisso ao recmnascido1.

Sfilis
A sfilis uma doena sistmica causada por Treponema pallidum, que se
divide em estdios de acordo com a progresso da doena.
O perodo de incubao de trs90 dias, em mdia trs semanas. A sfilis
primria cursa com ulcerao vulvar (nica em 70% dos casos), indolor, dura
e com granulao na base, que ocorre no local de inoculao (mais vezes
nos grandes lbios). Pode ser acompanhada de adenopatias no dolorosas e
a resoluo espontnea, sem cicatriz, em umdois meses.
A sfilis secundria manifestase por exantema e adenopatias generalizadas. Aps a ocorrncia de sfilis secundria no tratada, a doena entra em
fase latente, sem manifestaes clnicas. A sfilis latente, adquirida no ano
precedente, referida como sfilis latente recente, e todos os restantes casos
so definidos como sfilis latente tardia ou de durao desconhecida. A sfilis
terciria a manifestao mais grave e tem efeitos devastadores a nvel do
sistema nervoso central (SNC) e cardiovascular.
Na gravidez, a transmisso vertical proporcional espiroquetemia. Assim,
o risco de transmisso mximo na sfilis precoce (70100%), diminuindo nos
outros estdios. A infeo fetal pode resultar em aborto, morte fetal, parto
prtermo e sfilis congnita, com morte perinatal em 30%.
A microscopia de fundo escuro e os testes de imunofluorescncia direta
ou PCR do exsudado da leso, aps colheita com zaragatoa ou no tecido de
biopsia, fazem o diagnstico de sfilis primria1.
Os testes serolgicos fazem o diagnstico presuntivo. So utilizados testes
notreponmicos (VDRL e RPR) e testes treponmicos (FTAABS, TPPA e
MHATP). Aconselhase a utilizao de um teste treponmico inicialmente
porque apresenta maior sensibilidade na sfilis primria e positividade mais
precoce do que os notreponmicos10. Se positivo, deve efetuarse um segundo teste treponmico devido baixa especificidade dos testes. Se se
pedir inicialmente um teste notreponmico (VDRL ou RPR), deve ser confirmado por um teste treponmico. Os testes serolgicos podem ser negativos
inicialmente, sendo necessria a repetio dos mesmos aps duas semanas,
ou recorrer a biopsia.
A monitorizao deve fundamentar-se nos testes notreponmicos, porque estes tendem a negativar aps o tratamento, ao passo que os testes
treponmicos mantmse, persistentemente, positivos ao longo da vida11.
Deve ser efetuada titulao peridica (de seis em seis meses) at negativao
ou obteno de uma diminuio de quatro vezes nos ttulos.
O tratamento da sfilis primria alicera-se na penincilina G benzatnica
2,4 milhes UI, por via i.m. em dose nica. Nos casos de alergia penicilina pode ser prescrita doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante 14 dias,
413

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

ceftriaxona 1 g i.m./dia durante 10 dias ou azitromicina 2 g (via oral) em


toma nica1214.
Na gravidez deve ser administrada penicilina, e em caso de alergia a opo preferencial a dessensibilizao.
Nas primeiras 24 h, aps o incio do tratamento da sfilis primria, pode
surgir uma reao febril, acompanhada de cefaleias e mialgias (reao de
JarischHerxheimer), que responde a antipirticos, mas que na segunda metade da gravidez pode causar parto prtermo e sofrimento fetal.
Os parceiros sexuais, nos trs meses anteriores ao incio do aparecimento
da leso de sfilis primria, devem ser tratados, mesmo se seronegativos.
Todos os doentes com sfilis devem ser testados para infeo por VIH.

Cancride
O cancride uma infeo sexualmente transmissvel aguda causada por
Haemophylus ducreyi. rara nos pases desenvolvidos, ocorrendo, geralmente, por surtos. prevalente em algumas regies de frica e nas Carabas.
Haemophylus ducreyi muito contagioso e o seu perodo de incubao de
trs14 dias. Inicialmente surge uma ppula ou pstula no local de inoculao,
evoluindo para uma lcera dolorosa, profunda, mole, de bordos mal definidos, com base frivel e exsudado com cheiro, podendo ocorrer uma ou mais
lceras. Na maioria dos casos surgem adenopatias inguinais unilaterais, por
vezes de grandes dimenses, com flutuao e eventual supurao. A cicatrizao ocorre espontaneamente em dois meses, com formao de cicatriz15.
O diagnstico definitivo exige a identificao por cultura, num meio especial, ou por PCR, meios no disponveis comercialmente. Como tal, o diagnstico presuntivo, baseado na clnica e na excluso de infeo por Treponema pallidum ou VHS.
O tratamento proporciona alvio sintomtico ao fim de trs dias e melhoria das leses em sete dias. Em estdios avanados pode existir retrao cicatricial marcada, apesar da teraputica adequada. A resoluo de lceras
de grandes dimenses pode demorar at duas semanas. A resoluo das
adenopatias lenta e pode ser necessrio recorrer a aspirao ou inciso
para drenagem1.
Os esquemas teraputicos preconizados so azitromicina 1 g (via oral),
toma nica, ceftriaxona 250 mg i.m. toma nica; ciprofloxacina 500 mg (via oral)
2x/dia durante trs dias e eritromicina 500 mg (via oral) 3x/dia durante sete dias.
Os parceiros sexuais nos 10 dias que precederam o diagnstico devem ser
examinados e tratados1.

Granuloma

inguinal/donovanose

O granuloma inguinal causado por Klebsiella granulomatis, anteriormente designada Calymmatobacterium granulomatis. A doena endmica
em frica, Carabas, Austrlia, sul da ndia, Amrica do Sul e sudeste asitico16.
414

Infees ginecolgicas e obsttricas

Caracterizase por ulceraes progressivas (leses mltiplas em 50% dos


casos), indolores, sem adenopatias regionais. Granulomas subcutneos podem ocorrer (pseudobubes). As leses so muito vascularizadas e moles,
sangrando muito facilmente, com bordos bem definidos (variantes ulcerovegetativa, nodular, hipertrfica e cicatricial). Podem ocorrer distoro/destruio da genitlia, linfedema e elefantase. A infeo pode atingir a plvis e
disseminarse para outros rgos intraabdominais, ossos ou boca. frequente a sobreinfeo bacteriana.
O agente etiolgico difcil de isolar em cultura, pelo que o diagnstico requer
a identificao histolgica de corpos de Donovan em fragmento de biopsia.
O esquema teraputico de primeira linha doxiciclina 100 mg (via oral)
2x/dia, durante 21 dias. Os esquemas teraputicos alternativos so ciprofloxacina 750 mg (via oral) 2x/dia durante 21 dias, eritromicina 500 mg (via oral)
4x/dia, durante 21 dias; azitromicina 1.000 mg (via oral), toma nica semanal,
durante pelo menos trs semanas, trimetoprimsulfametoxazol 160/800 mg
(via oral) 2x/dia durante 21 dias.
Se ainda existirem leses ao fim de trs semanas deve ser prolongado o
tratamento. Podem ocorrer recorrncias seis18 meses aps aparente tratamento com sucesso.
Os parceiros sexuais dos 60 dias anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados1.

Linfogranuloma

venreo

Chlamydia trachomatis (serotipos L1, L2 e L3) provoca infeo crnica dos


tecidos linfticos, sendo prevalente nos trpicos17.
A manifestao clnica mais comum consiste na presena de adenopatias
inguinais, tipicamente unilaterais e dolorosas (bubes), que podem apresentar fistulizao. No local de inoculao surge uma pequena lcera, plana e
indolor, que cicatriza rapidamente e que pode j ter desaparecido na altura
em que procurado o tratamento. O perodo de incubao de trs-21 dias.
A exposio retal causa proctocolite, que se no for tratada pode originar
estenoses e fstulas crnicas.
Pode ser realizada colheita de material por zaragatoa da leso genital
ou aspirao dos bubes e proceder a cultura, imunofluorescncia direta ou
deteo de cidos nucleicos. A serologia tem baixa sensibilidade e especificidade, mas pode ajudar a estabelecer o diagnstico num contexto clnico
apropriado.
O tratamento de primeira linha doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia
durante 21 dias. Em alternativa, os esquemas utilizados so eritromicina 500 mg
(via oral) 4x/dia durante 21 dias e azitromicina 1.000 mg (via oral), toma
nica semanal durante trs semanas.
Pode ser necessrio proceder a drenagem dos bubes maiores e com
flutuao, para prevenir a formao de ulceraes inguinais ou femorais.
415

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

Os parceiros sexuais nos 60 dias anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados com azitromicina 1 g dose nica ou doxiciclina 100 mg 2x/dia,
durante sete dias1.

Doenas caracterizadas por cervicite


A cervicite , muitas vezes assintomtica, mas pode manifestarse atravs de dois sinais caractersticos exsudado mucopurulento visvel no
canal endocervical e colo com aspeto frivel, que sangra facilmente ao
toque ou aps relaes sexuais. Na maioria dos casos nenhum agente
etiolgico identificado, mas os mais vezes associados a cervicite so
Chlamydia trachomatis ou Neisseria gonorrhoeae. A cervicite pode ocorrer,
tambm, na tricomonase e no herpes genital. Outros fatores como a ectopia cervical ou a vaginose bacteriana podem estar associados a persistncia
da cervicite.

Infeo

por

Chlamydia Trachomatis

Chlamydia trachomatis a bactria de transmisso sexual mais comum a


nvel mundial, sendo encontrada, com frequncia, em mulheres com idades
inferiores a 25 anos. Pode ser transmitida por via sexual ou perinatal e tem
um perodo de incubao varivel, podendo apresentar recidivas.
A sua apresentao clnica muito varivel, sendo assintomtica em
3060% dos casos. tpica a presena de um corrimento vaginal e/ou endocervical mucopurulento. O colo uterino apresentase, habitualmente, frivel
e congestivo, podendo ocorrer coitorragias. Associase por vezes a uretrite
(disria) e a sintomas e sinais de doena inflamatria plvica (DIP).
Deve ser realizada zaragatoa endocervical ou colheita de urina e utilizar,
preferencialmente, um mtodo baseado em PCR, cuja sensibilidade elevada18. Esto tambm disponveis testes de imunofluorescncia direta e imunoenzimticos. A cultura celular tem sensibilidade mais baixa (cerca de 70%).
A utilizao dos mtodos serolgicos no tem indicao.
O tratamento deve ser iniciado o mais rapidamente possvel para prevenir
complicaes. A coinfeo com Neisseria gonorrhoeae frequente, pelo que
deve ser realizado tratamento simultneo em todos os casos1.
Os esquemas teraputicos de primeira linha so azitromicina 1 g (via
oral) dose nica, doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia durante sete dias e eritromicina 500 mg (via oral) 4x/dia durante sete dias. Em alternativa eritromicina 500 mg (via oral) 4x/dia durante sete dias, levofloxacina 500 mg (via
oral), em toma nica diria, durante sete dias e ofloxacina 300 mg (via oral)
2x/dia durante sete dias.
O tratamento durante a gravidez previne a transmisso ao recmnascido
durante o parto. Na gravidez esto recomendados azitromicina 1 g (via
416

Infees ginecolgicas e obsttricas

oral) dose nica, amoxicilina 500 mg (via oral) 3x/dia durante sete dias e
eritromicina 500 mg (via oral) 4x/dia durante sete dias. importante o controlo pstratamento na gravidez, com repetio do teste, cerca de trs semanas aps o final do tratamento.
Os parceiros sexuais dos 60 dias anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados. Pensase que a elevada taxa de reinfeo, nos meses seguintes, se deva ao no cumprimento de tratamento apropriado dos parceiros sexuais. Por este motivo preconizase a repetio do teste em todos os
casos, cerca de trs meses aps o tratamento, ou na sua impossibilidade no
prazo de at um ano aps o tratamento1.

Gonorreia
Neisseria gonorrhoeae um diplococo Gramnegativo, de transmisso
sexual ou perinatal e com perodo de incubao de 27 dias. frequente a
co-infeo com Chlamydia trachomatis (1030% dos casos).
A infeo na mulher pode ser assintomtica e ser apenas diagnosticada
quando ocorrem complicaes como DIP e consequente leso tubar, que
pode ser causa de infertilidade e maior incidncia de gravidez ectpica. A
infeo sintomtica cursa com cervicite mucopurulenta. No homem, a infeo
provoca, muitas vezes, sintomas de uretrite. Na mulher pode, tambm ocorrer uretrite, que se manifesta como disria e corrimento uretral. Outros locais
de contacto sexual podem estar envolvidos, como a faringe e o reto. A infeo gonoccica disseminada resulta em leses cutneas, articulares (artralgia assimtrica, tenossinovite e artrite sptica), ocasionalmente perihepatite
e raramente endocardite ou meningite.
Na gravidez, a infeo por Neisseria gonorrhoeae est associada a aborto
sptico, morte fetal, rotura prematura de membranas, corioamniotite, parto
prtermo e endometrite psparto.
O diagnstico pode presumirse atravs de colheita de exsudado do endocolo, uretra, reto ou faringe por zaragatoa e procedendose a exame direto com colorao de Gram, sendo possvel identificar a presena de diplococos Gramnegativo no interior de leuccitos. No entanto um mtodo
pouco sensvel e especfico.
A cultura requer colheita de exsudado do endocolo ou da uretra e permite a identificao especfica da bactria, assim como a realizao de um
teste de sensibilidade aos antibiticos (TSA), de particular interesse, devido
capacidade do gonococo desenvolver resistncia aos antibiticos. O teste
de amplificao gnica por PCR tem sensibilidade superior cultura e pode
ser utilizado em colheitas do endocolo, vagina, uretra e urina18.
Devido elevada prevalncia de gonococo resistente a fluoroquinolonas,
esta classe de antibiticos no deve ser utilizada1,19.
Nas infees no complicadas so recomendados os seguintes esquemas
ceftriaxona 250 mg i.m., dose nica, cefixima 400 mg (via oral), dose nica
417

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

e outras cefalosporinas injetveis, em dose nica [cefoxitina 2 g i.m. + probenecid 1 g (via oral), ceftizoxima 500 mg i.m., cefotaxima 500 mg i.m.].
Deve ser associado tratamento emprico para Chlamydia spp com azitromicina 1 g (via oral) em dose nica ou doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia,
durante sete dias.
Os esquemas alternativos, nomeadamente em caso de alergia penicilina,
incluem espectinomicina 2 g i.m., em dose nica ou azitromicina 2 g (via
oral), em dose nica.
Na gravidez podem ser utilizados os esquemas recomendados com cefalosporinas ou eventualmente espectinomicina 2 g i.m., em dose nica ou
azitromicina 2 g (via oral), em dose nica. Os parceiros sexuais nos 60 dias
anteriores ao diagnstico devem ser avaliados e tratados. Preconizase a
repetio do teste em todos os casos, cerca de trs meses aps o tratamento,
ou na sua impossibilidade no prazo de at um ano aps o tratamento.

Doenas caracterizadas por corrimento vaginal


A maioria das mulheres ter uma infeo vaginal, caracterizada por corrimento vaginal (leucorreia), prurido ou odor ftido, durante a sua vida. Com
o aparecimento de cremes vaginais de prescrio livre (nomeadamente
antifngicos), muitas mulheres recorrem a estes, sem consulta mdica prvia, levando por vezes a tratamentos inapropriados, infees prolongadas
e desequilbrios graves da flora vaginal. necessrio proceder a uma histria clnica completa, exame ginecolgico e eventualmente a exames complementares para um diagnstico preciso. Deve ser fornecida informao
acerca de prticas de higiene apropriadas e de preveno de transmisso
sexual.
As infees mais frequentemente associadas a corrimento vaginal so a
vaginose bacteriana, tricomonase e a candidase vulvovaginal (CVV). A candidase pode no ser transmitida sexualmente, mas includa nesta seco
por ser muito frequente.

Vaginose

bacteriana

A vaginose bacteriana resulta da substituio da flora vaginal predominante de lactobacilos produtores de perxido de hidrognio (Lactobacillus
spp), por elevadas concentraes de bactrias anaerbias (Prevotella spp,
Mobiluncus spp), Gardnerella vaginalis, Ureaplasma spp e Mycoplasma spp.
O motivo pelo qual tal acontece no est, completamente, elucidado. Pensase que possa estar associado a mltiplos parceiros sexuais, mudana de
parceiro sexual e no utilizao de preservativo, mas tambm pode ocorrer
em mulheres que nunca tiveram relaes sexuais. A vaginose bacteriana pode
aumentar o risco de aquisio de outras infees sexualmente transmissveis
418

Infees ginecolgicas e obsttricas

(VIH, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis e VHS2) ou de complicaes aps cirurgia ginecolgica1.
Caracterizase por leucorreia abundante, fluida, com cheiro ftido. A inflamao vaginal rara ou discreta. Aproximadamente 50% das mulheres
so assintomticas20,21.
A ocorrncia durante a gravidez pode aumentar o risco de complicaes,
nomeadamente corioamniotite, parto prtermo, rotura prematura de membranas e endometrite psparto ou psaborto1.
O diagnstico pode ser confirmado atravs do exame direto com colorao de Gram ou utilizando os critrios de Amsel22. A colorao de Gram
determina a concentrao relativa dos diversos microrganismos da flora vaginal. Utilizando os critrios de Amsel, o diagnstico confirmado se trs
das seguintes condies estiverem presentes:
Leucorreia homognea, que cobre finamente as paredes da vagina.
Presena de clue cells ao exame microscpico.
pH vaginal superior a 4,5.
Teste de aminas positivo [odor a peixe podre aps adio de hidrxido de potssio (KOH) a 10%].
As mulheres sintomticas devem ser tratadas1. Os esquemas teraputicos recomendados so metronidazol 500 mg (via oral) 2x/dia durante sete
dias, metronidazol 500 mg vulos vaginais, um vulo ao deitar durante
sete dias, clindamicina 2% creme vaginal, uma aplicao ao deitar durante
sete dias. Em alternativa podem ser utilizados os seguintes esquemas tinidazol 2 g (via oral), toma nica diria durante dois dias, tinidazol 1 g (via oral)
toma nica diria durante cinco dias e clindamicina 300 mg (via oral) 2x/dia
durante sete dias.
Deve ser recomendada a abstinncia sexual ou o uso do preservativo,
durante o tratamento. O tratamento dos parceiros sexuais no preconizado.
Diversas formulaes probiticas com lactobacilos esto disponveis para
restaurar a flora vaginal, sendo necessrios mais estudos para avaliar a sua
eficcia, na preveno e tratamento da vaginose bacteriana23.
Na gravidez recomendase o tratamento das grvidas sintomticas1. Apesar da vaginose bacteriana estar associada a complicaes obsttricas, o
nico benefcio comprovado do seu tratamento foi a reduo da sintomatologia da mulher grvida e diminuio do risco de aquisio de outras infees
sexualmente transmissveis. Deve ser preferida a administrao por (via oral)
A clindamicina, por via vaginal, est contraindicada na segunda metade da
gravidez, por aumento do risco de complicaes fetais (baixo peso ao nascer
e infeo neonatal)24,25.
Os esquemas recomendados na gravidez so metronidazol 500 mg (via
oral) 2x/dia durante sete dias, metronidazol 250 mg (via oral) 3x/dia durante
sete dias e clindamicina 300 mg (via oral) 2x/dia durante sete dias.
419

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

Tricomonase
A tricomonase causada pelo protozorio Trichomonas vaginalis.
Na mulher, manifestase por leucorreia amarela esverdeada arejada, de
cheiro ftido, associada a prurido vulvovaginal. A vulva, a vagina e o colo
uterino apresentam sinais inflamatrios. Aproximadamente 30% das mulheres so assintomticas e at 50% apresentam quadros clnicos incompletos23.
Os homens infetados so muitas vezes assintomticos, mas podem apresentar
sintomas de uretrite.
A tricomonase na gravidez est associada a aumento do risco de rotura
prematura de membranas, parto prtermo e baixo peso ao nascer1.
A microscopia das secrees vaginais a fresco tem uma sensibilidade de
6070%. Existem alguns testes especficos para Trichomonas vaginalis, realizados nas secrees vaginais, que apresentam sensibilidade superior a 83%
e especificidade superior a 97%. A cultura para Trichomonas vaginalis um
mtodo sensvel e altamente especfico1,23.
Os nitroimidazis so a nica classe de frmacos recomendada no tratamento da tricomonase1. Os esquemas utilizados em primeira linha so metronidazol 2 g (via oral), em dose nica e tinidazol 2 g (via oral), em dose
nica. Em alternativa pode utilizarse metronidazol 500 mg (via oral) 2x/dia
durante sete dias.
O tratamento de todos os parceiros sexuais mandatrio. As relaes
sexuais devem ser evitadas at ao final do tratamento.
Os doentes devem ser informados acerca dos efeitos adversos que podem
ocorrer com o consumo de lcool, devendo este ser evitado at 24 h aps o
final do tratamento com metronidazol ou 72 h aps o final do tratamento
com tinidazol.
O tratamento durante a gravidez reduz os sintomas e previne a ocorrncia de infeo respiratria ou genital do recmnascido. Assim, todas as
grvidas sintomticas devem ser tratadas. As grvidas assintomticas podem
ser tratadas aps as 37 semanas, para prevenir a transmisso perinatal1. O
metronidazol 2 g (via oral), em dose nica, o esquema de eleio.

Candidase

vulvovaginal

A candidase vulvovaginal (CVV) causada por Candida albicans, em


8095% dos casos, sendo nos restantes casos causada por outras espcies de
Candida. Cerca de 75% das mulheres tero um episdio de CVV e 4045%
tero dois ou mais episdios durante a vida1.
A CVV dividese em no complicada (CVV espordica ou ligeiramoderada
provocada, em geral, por Candida albicans) e em complicada (CVV grave,
recorrente, ou que ocorre em mulheres imunodeprimidas e que pode ser
provocada por outras espcies de Candida).
Os sintomas tpicos da CVV no complicada so prurido vulvovaginal e
disria externa. Os sinais so edema, eritema vulvar e leucorreia branca
420

Infees ginecolgicas e obsttricas

grumosa. A CVV grave manifestase por eritema vulvar extenso, com edema
marcado e formao de fissuras.
O diagnstico pode ser confirmado pela observao de hifas, pseudohifas
ou leveduras em esfregao a fresco com KOH a 10%. Nas mulheres com
sintomas em que o esfregao a fresco com KOH 10% negativo, pode ser
considerada a cultura de secrees vaginais, em meio apropriado. A CVV
complicada exige sempre confirmao por cultura.
As formulaes tpicas de antifngicos tratam, eficazmente, a CVV no
complicada. Devem ser administradas, de preferncia, ao deitar. Esto disponveis em Portugal os seguintes esquemas clotrimazol creme vaginal 10 mg/g,
uma aplicao/dia, durante seis dias, clotrimazol 100 mg, um comprimido
vaginal/dia durante seis dias, clotrimazol 500 mg, um comprimido vaginal,
em aplicao nica, econazol creme vaginal 10 mg/g, uma aplicao/dia,
durante 14 dias, econazol 150 mg, um vulo intravaginal/dia, durante trs
dias, fenticonazol 200 mg, um vulo intravaginal/dia, durante seis dias, isoconazol creme vaginal 10 mg/g, uma aplicao/dia, durante sete dias, sertaconazol, creme vaginal 20 mg/g, uma aplicao/dia, durante sete dias, sertaconazol
300 mg, um vulo intravaginal, em aplicao nica, sertaconazol 500 mg, um
comprimido intravaginal em aplicao nica, tioconazol 100 mg, um comprimido intravaginal/dia, durante trs dias, tioconazol 100 mg, trs comprimidos
intravaginais, em aplicao nica.
Os cremes de aplicao tpica podem diminuir a eficcia dos preservativos.
Outra opo a ter em conta nestas situaes a administrao de dose
nica de 150 mg de fluconazol por (via oral).
O tratamento dos parceiros sexuais no recomendado, a no ser que
estes apresentem sintomas de balanite, situao, que, em geral, responde ao
tratamento com antifngicos tpicos.
Na CVV grave recomendase o tratamento prolongado com formulaes
tpicas at 14 dias ou a administrao de fluconazol 150 mg (via oral), duas
doses separadas em 72 h.
A CVV recorrente definese como quatro ou mais episdios de CVV, durante um ano, e o seu tratamento implica uma teraputica inicial prolongada (sete14 dias de tratamento tpico ou trs doses de fluconazol 150 mg,
por via oral, nos dias um, quatro e sete), seguida de teraputica de manuteno durante seis meses com fluconazol 150 mg/semana (via oral).
Na gravidez esto apenas recomendadas as formulaes tpicas.

Doena inflamatria plvica (DIP)


A DIP uma infeo ascendente do trato genital feminino, que pode incluir
qualquer combinao de endometrite, salpingite, abcesso tuboovrico e peritonite plvica26. As sequelas so frequentes e graves. O risco de infertilidade por
421

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

leso tubar de cerca de 8%, aps um nico episdio de DIP e de 40%, aps trs
ou mais episdios. Aps um episdio de DIP o risco de gravidez ectpica aumenta em seis vezes. A incidncia de dor plvica crnica de 12%, aps um
episdio de DIP, 30%, aps dois episdios e 67%, aps trs ou mais episdios27.
A DIP causada na maioria dos casos por microrganismos sexualmente
transmitidos, especialmente Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.
No entanto, alguns microrganismos da flora vaginal foram tambm associados
a DIP (anaerbios, Gardnerella vaginalis, Haemophilus influenzae, bastonetes
Gramnegativo e Streptococcus agalactiae), assim como algumas espcies de
Mycoplasma spp e vrus citomeglico (VCM)28.
Os fatores de risco implicados so idade inferior a 25 anos, coitarca
precoce, mltiplos parceiros, novo parceiro recente, antecedentes de DIP ou
infees sexualmente transmitidas, instrumentao atravs do colo [dispositivo intrauterino (DIU), histerossalpingografia e curetagem]32.
Muitas mulheres apresentam sintomatologia fruste, pelo que a DIP aguda
pode ser difcil de diagnosticar, ocorrendo um atraso no tratamento e, em
consequncia, maior risco de sequelas inflamatrias no trato genital superior.
Os sintomas mais vezes referidos so metrorragia, dispareunia, dor plvica e
corrimento vaginal. Pode ocorrer febre. O exame fsico pode revelar corrimento cervical purulento, colo frivel, dor mobilizao do colo uterino e/
ou dor palpao anexial.
Os critrios laboratoriais de diagnstico incluem aumento da velocidade
de sedimentao (VS) ou da protena C reactiva (PCR) e a documentao de
infeo por Neisseria gonorrhoeae e/ou Chlamydia trachomatis.
Os critrios definitivos para o diagnstico de DIP so evidncia histopatolgica de endometrite, por biopsia endometrial, presena de imagem ecogrfica compatvel com salpinge ou abcesso tuboovrico e alteraes laparoscpicas compatveis com DIP1.
O tratamento emprico deve ser iniciado quando existe dor plvica associada a um ou mais dos seguintes sinais dor mobilizao do colo uterino
ou dor palpao uterina ou dor palpao anexial (critrios mnimos de
tratamento)1. O tratamento pode ser realizado em ambulatrio. Nos casos
de DIP ligeiramoderada. Se no existir agravamento do quadro clnico, que
motive observao clnica mais precoce, a doente deve ser reavaliada 72 h
aps incio do tratamento. Deve ser associado um antiinflamatrio no-esteride (AINE), desde a fase inicial do tratamento. Os protocolos teraputicos, tm em conta a etiologia polimicrobiana desta afeo clnica, o que
obriga associao de antibiticos29 ceftriaxona 250 mg i.m., dose nica +
doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante 14 dias, cefoxitina 2 g i.m. dose
nica + probenecid 1 g (via oral) dose nica + doxiciclina 100 mg (via oral)
2x/dia, durante 14 dias, outra cefalosporina parentrica de terceira gerao
(cefotaxima ou ceftizoxima) + doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante
14 dias, ofloxacina 400 mg (via oral) 2x/dia, ou levofloxacina 500 mg (via oral)
422

Infees ginecolgicas e obsttricas

toma nica diria durante 14 dias. Em todos os esquemas pode ser associado
metronidazol 500 mg 2x/dia, durante 14 dias para tratamento da vaginose
bacteriana, frequentemente associada a DIP.
Constituem critrios de hospitalizao gravidez, incapacidade de excluir
emergncia cirrgica, ausncia de resposta teraputica oral em ambulatrio em 72 h, incapacidade de tolerar teraputica oral (nuseas e vmitos),
doena grave (febre alta e peritonite), presena de abcesso tuboovrico,
imunossupresso, no garantia de cumprimento da teraputica em ambulatrio33. Os esquemas de teraputica antibitica parentrica recomendados
so cefotetano 2 g e.v. 12/12 h ou cefoxitina 2 g e.v. seis-seis horas + doxiciclina 100 mg (via oral) ou e.v. 12/12 horas, clindamicina 900 mg e.v. oito-oito horas + gentamicina 2 mg/kg (dose inicial), seguida de dose de manuteno 1,5 mg/kg i.m. ou e.v. de oito-oito horas; ampicilina/sulbactam 3 g
e.v. seis a seis horas + doxiciclina 100 mg (via oral) ou e.v. 12/12 h.
A teraputica antibitica parentrica deve manterse at 24 h aps melhoria clnica e prosseguir com doxiciclina 100 mg (via oral) 2x/dia, durante
14 dias ou com clindamicina 450 mg (via oral) 4x/dia, durante 14 dias.
Tambm se preconiza o tratamento sistemtico dos parceiros sexuais (cobertura para Chlamydia spp e gonococo) dos 60 dias prvios ao incio dos
sintomas. Deve recomendarse a abstinncia de relaes sexuais ou relaes
sexuais protegidas at final da vigilncia psteraputica.

Condilomas genitais
Mais de 100 tipos de vrus do papiloma humano (VPH), so conhecidos e
mais de 40 tipos infetam o trato genital. Os subtipos de VPH de alto risco, oncognicos, so responsveis pelo cancro do colo do tero e por outros cancros da
regio anogenital. Os subtipos de VPH de baixo risco, especialmente o 16 e o 18,
so a causa dos condilomas genitais30. Estimase que mais de 50% das pessoas
sexualmente ativas sejam infetadas por VPH, pelo menos uma vez na vida.
As infees por VPH so, na sua maioria, assintomticas ou subclnicas.
Os condilomas genitais so leses exofticas moles, que podem provocar dor
ou prurido, dependendo do seu tamanho e do local onde se encontram.
Podem encontrarse em qualquer local do trato genital inferior e na regio
anal, mas ocorrem, de preferncia na mulher a nvel do introito vaginal e
no homem sob o prepcio e na glande.
O diagnstico , em geral clnico, pela inspeo visual da leso. A biopsia
pode estar indicada se existem dvidas no diagnstico, se as leses no respondem ou pioram com a teraputica instituda ou se as leses so pigmentadas, endurecidas, hemorrgicas ou ulceradas1. A utilizao dos testes de
VPH no diagnstico dos condilomas genitais, no recomendada, porque
no altera a conduta teraputica.
423

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

As leses visveis no tratadas podem progredir, estabilizar ou regredir. O


tratamento tem como principal objetivo melhorar os sintomas e, em ltima anlise, eliminar os condilomas. As teraputicas disponveis reduzem a probabilidade de contgio, mas dificilmente a eliminam. No existe evidncia da superioridade de um tipo de tratamento em relao a outro, pelo que a escolha deve
recair na preferncia do doente, recursos disponveis e experincia do mdico.
O tratamento mdico est indicado em leses limitadas em mulheres
jovens31 cido tricloroactico a 7080% podofilino (contra-indicado na
grvida) ou imiquimod (preferencial, mas contra-indicado na grvida, aps
a semana 32).
O tratamento cirrgico deve ser preconizado nas leses extensas e recidivantes31 vaporizao laser CO2 (preferencial), eletrodiatermia, excisional
(situaes raras).
Independentemente do mtodo utilizado, a taxa de recidivas alta (cerca de 30%). O tratamento com imiquimod parece ter menor taxa de recidivas, entre os 1316%31.
O tratamento dos parceiros sexuais no influencia a taxa de recidivas,
porque estas devemse reativao da infeo subclnica persistente, aps
o tratamento.
A vacina profiltica quadrivalente contra o VPH tem mostrado alta eficcia na preveno primria da doena.
Na grvida pode proporse tratamento destrutivo com cido tricloroactico ou vaporizao laser CO2, at semana 32 e, se conveniente, at semana 36. A cesariana eletiva est indicada sempre que as leses constituam
obstculo mecnico ao parto por via vaginal1,31.

Infees congnitas
Os efeitos imediatos e a longo prazo das infees congnitas e perinatais
representam um importante problema de sade pblica. O feto pode ser
infetado por vrios microrganismos vrus, bactrias, protozorios e fungos.
Estas infees podem ser adquiridas in utero (sendo a via mais frequente a
hematognica transplacentar) ou durante o parto. A imunidade materna, as
caractersticas do agente infecioso, a prpria placenta e a idade gestacional
da infeo materna so fatores que determinam se o feto ser acometido e
quais as consequncias fetais.

Vrus citomeglico
Vrus citomeglico (VCM) um vrus ADN da famlia dos herpesvrus que
tem a caracterstica de, aps uma infeo primria, se tornar latente e poder
424

Infees ginecolgicas e obsttricas

ser reativado, com possvel infeo fetal em ambos os casos. Este vrus
extremamente comum, podendo ser encontrado em quase todos os rgos
e fluidos corporais. A transmisso horizontal requer o contacto com smen,
saliva, urina, fezes, leite materno, sangue ou secrees vaginais, ocorrendo
mais vezes atravs do contacto domstico ou profissional direto com crianas,
ou de relaes sexuais. A transmisso vertical pode ocorrer por via hematognica transplacentar (semanas ou meses aps a infeo primria) ou durante o parto. Atualmente, a infeo congnita vrica mais frequente (0,52%)
e a principal causa de surdez neurossensorial congnita34,35.
A primoinfeo por VCM ocorre mais vezes entre os 1535 anos, tendo,
assim, uma elevada incidncia durante a gravidez (15%)35,36. No adulto
imunocompetente, em geral assintomtica, podendo, ocasionalmente, originar sndrome mononuclesica. Aps o episdio inicial, a infeo tornase
latente, podendo ocorrer reativao ou reinfeo por nova estirpe.
O diagnstico clnico difcil, sendo os testes serolgicos teis no
diagnstico de infeo primria ou de reinfeo. A infeo induz resposta de anticorpos especficos [imunoglobulina M (IgM)], sendo estes
um indicador til de infeo aguda. Em geral esto presentes durante
3060 dias, porm, o seu aparecimento pode demorar at quatro semanas
e podem persistir at quatro-oito meses, aps a primoinfeo. Nas situaes em que a IgM e imunoglobulina G (IgG) so positivas, a utilizao
complementar da determinao do ndice de avidez de IgG permite distinguir uma infeo recente (avidez fraca) de uma no recente (h mais de
trs meses).
Perante a suspeita de primoinfeo materna, por serologia ou por achados ecogrficos sugestivos (restrio de crescimento intrauterino, ventriculomegalia, hepatoesplenomegalia, hiperecogenicidade intestinal, calcificaes
intracranianas, microcefalia e oligoidrmnios), o diagnstico de infeo in
utero requer a colheita de lquido amnitico por amniocentese (para PCR e
cultura), uma vez que o feto infetado excreta o vrus na urina. A amniocentese deve ser realizada aps a semana 21 de gravidez e, pelo, menos, seis
semanas aps a seroconverso materna36.
A transmisso vertical aumenta com a idade gestacional, ocorrendo em
3540% dos casos, sendo a gravidade da infeo tanto menor, quanto mais
tardiamente for adquirida3538. Dos recmnascidos infetados, 1015% sero
sintomticos ao nascer (prpura trombocitopnica, hepatoesplenomegalia,
ictercia, microcefalia, coriorretinite), dos quais 90% tero sequelas34. Entre
os recmnascidos assintomticos, 1015% viro a desenvolver sintomas34,
habitualmente nos primeiros dois anos de vida, principalmente hipoacusia
ou surdez neurossensorial, mas tambm atraso motor e problemas comportamentais. As recorrncias so responsveis por menos de 2% dos casos de
infeo fetal, situao em que a probabilidade e a gravidade das sequelas
so tambm menores36,38.
425

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

O tratamento da infeo aguda, em indivduos imunocompetentes, ,


apenas, sintomtico. No existe qualquer forma de evitar a transmisso vertical ou qualquer teraputica fetal eficaz. A utilizao de valaciclovir e de
imunoglobulina especfica no , ainda, suportada por suficientes evidncias
clnicas37,38. Assim, a interveno na grvida deve ser sobretudo no sentido
da preveno, atravs da adoo de medidas higinicas na gravidez e a
evico de profisses de risco (fundamentalmente profisses que lidam com
crianas na idade prescolar).
Assim, devido inexistncia de teraputica etiolgica, para a me e para
o recmnascido, e dificuldade no estabelecimento do prognstico do feto
infetado, a realizao dos testes serolgicos por rotina no decurso da gravidez continua a ser um tema controverso36,38,39.

Rubola
A rubola causada por um vrus ARN, em que o homem o nico reservatrio. A transmisso ocorre por via respiratria, aps contacto direto
com secrees nasofarngeas. A rubola tem baixa incidncia na gravidez,
no s por haver uma baixa suscetibilidade no adulto, mas tambm pela
imunizao preconizada na populao (Programa Nacional de Vacinao).
Clinicamente, a rubola assintomtica em 5080% dos casos. No entanto, pode manifestarse por um exantema maculopapular eritematosa no
pruriginoso, febre, conjuntivite, artralgia e linfadenopatias (retroauriculares
e suboccipitais). O perodo de maior contgio verificase entre uma semana
antes e uma semana depois do aparecimento do exantema.
A infeo durante a gravidez associase a aborto espontneo, restrio
de crescimento intrauterino, morte fetal e infeo fetal. O risco de infeo
fetal de 5080%, se a seroconverso materna ocorrer no primeiro trimestre,
diminuindo para 20% se ocorrer durante o terceiro trimestre40. Os defeitos
congnitos [sndrome da rubola congnita (SRC) manifestamse, em geral,
nas infees que ocorrem at a semana 16]. A SRC caracterizase por anomalias transitrias (prpura trombocitopnica, hepatoesplenomegalia, ictercia e meningoencefalite), permanentes (defeitos oculares, cardacos, auditivos e do SNC) e tardias (diabetes, disfuno hormonal, hipertenso arterial
e panencefalite progressiva). A anomalia mais vezes associada ao SRC a
surdez neurossensorial (6075% dos fetos).
Assim, devido inexistncia de teraputica etiolgica, para a me e para
o recmnascido, e dificuldade no estabelecimento do prognstico do feto
infetado, a realizao dos testes serolgicos por rotina no decurso da gravidez continua a ser um tema controverso36,38,39.
Quando o quadro clnico caracterstico, este permite o diagnstico. No
entanto, na maioria dos casos a serologia que permite o diagnstico do
426

Infees ginecolgicas e obsttricas

estado imunitrio. Os anticorpos IgM surgem com o aparecimento do exantema, permanecendo positivos durante quatrooito semanas. A IgG surge
alguns dias aps o aparecimento da IgM e, em geral, persiste durante toda
a vida. Perante a suspeita de seroconverso materna, a avidez das IgG til
para esclarecer acerca do momento da gravidez, em que ter ocorrido a
infeo, sendo uma avidez forte indicadora de uma infeo h mais de trs
meses.
Aps o diagnstico de infeo materna, a infeo fetal identificada
atravs da deteo do vrus no lquido amnitico (amniocentese) ou no
sangue fetal (cordocentese). A pesquisa da infeo fetal deve ser realizada
seis-oito semanas aps a seroconverso materna e aps as 21 semanas de
gravidez40,41.
Nos casos em que confirmada a infeo materna no primeiro trimestre,
em que esta est associada a elevado risco de SRC, e uma vez que no
existe tratamento disponvel, a interrupo da gravidez constitui uma opo
do casal.
A vacinao generalizada representa o principal meio de preveno. A
mulher adulta no imunizada dever ser vacinada, com contraceo eficaz
durante o ms seguinte vacinao40. A grvida no imune deve evitar o
contacto com doentes infetados, principalmente crianas. O puerprio o
perodo ideal para efetuar a vacina nas mulheres no imunes, no estando
contra-indicada a amamentao nestes casos.

Parvovrus B19
Os parvovrus so um vrus ADN da famlia Parvoviridae, sendo o B19 o
nico patognico para a espcie humana. Caracterizase pelo alto tropismo para as clulas eritropoiticas e responsvel pelo eritema infecioso
(5.a doena).
O vrus est presente no sangue e secrees respiratrias dos doentes
virmicos, sendo a via de transmisso mais frequente a respiratria.
A viremia mxima sete14 dias antes do exantema, desaparecendo
quando surgem os sintomas.
No adulto, 50% das infees so assintomticas, porm, se sintomticas, podem cursar com febre, adenopatias, artralgias ou falncia medular.
A incidncia da infeo primria na grvida de 34%. A probabilidade
de infeo fetal, via transplacentar, de 2533%42, e est associada a aborto,
morte fetal e anasarca. A anasarca surge em 26% dos fetos infetados, sendo responsvel por 18% das anasarcas fetais no imunes (por insuficincia
cardaca secundria a anemia aplstica). Contrariamente a outros agentes, o
parvovrus no provoca malformaes fetais ou sequelas a longo prazo. A
427

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

incidncia de fetos afetados com gravidade diminui ao longo da gravidez,


sendo considerada a possibilidade de resoluo espontnea da anasarca nos
fetos infetados aps a semana 20.
O rastreio sistemtico desta infeo, ao longo da gravidez, no est indicado devido sua baixa incidncia. Perante um quadro clnico sugestivo
ou achados ecogrficos suspeitos (derrame pleural ou pericrdico, ascite,
edema da parede abdominal, oligoidrmnios e cardiomegalia) deve ser feita
a avaliao serolgica. A IgM surge 1014 dias aps a infeo e permanece
positiva durante cerca de cinco meses. A IgG surge poucos dias aps o aparecimento da IgM, coincidindo com a resoluo dos sintomas, e persiste toda
a vida. A deteo de parvovrus B19 no lquido amnitico, por cultura ou
PCR, permite o diagnstico de infeo fetal.
Na seroconverso materna est indicada a vigilncia ecogrfica seriada,
para deteo de anemia fetal, previamente ao aparecimento de anasarca,
sendo a incidncia mxima da anasarca quatroseis semanas aps a infeo
materna, mas podendo ocorrer at a semana 1743. O estabelecimento de
anasarca obriga a avaliao do hematcrito fetal e a transfuso intrauterina,
quando indicado.
A longo prazo, a incidncia de atraso de desenvolvimento igual da
populao em geral.

Varicela
O vrus varicela-zster (VVZ) um vrus ADN da famlia dos herpes, responsvel pela varicela (infeo primria) e pelo herpes-zster (reativao do
vrus latente nos gnglios nervosos sensitivos).
A varicela uma doena muito contagiosa, caracterizada por febre e
leses cutneas pruriginosas tpicas (mculas, ppulas, vesculas, pstulas
e crostas). A transmisso ocorre por contacto direto, atravs das secrees
respiratrias ou das leses cutneas vesiculares, sendo a doena contagiosa
desde dois dias antes do exantema at sua completa cicatrizao44. Sendo
esta uma doena, essencialmente, da infncia que confere imunidade duradoura, cerca de 90% das grvidas esto imunizadas, sendo a incidncia da
infeo na gravidez muito baixa46,47.
O tratamento da varicela materna no complicada sintomtico. Na varicela complicada por pneumonia, o tratamento com aciclovir ou valaciclovir
parece reduzir a mortalidade associada a esta condio47.
Na gravidez, se a infeo ocorre antes das 20 semanas, pode associarse
a morte fetal e a sndrome de varicela congnita (SVC). O risco de infeo
fetal atinge os 8%, mas o de SVC baixo (< 2%), e caracterizase por atrofia
ou hipoplasia dos membros e dedos, deformaes das extremidades associadas a leses cutneas cicatriciais ao longo dos dermtomos, do SNC, oftal428

Infees ginecolgicas e obsttricas

molgicas e viscerais44,46,47. Se a varicela materna ocorre aps as 20 semanas,


a infeo fetal rara, podendo causar contractilidade uterina e parto
prtermo. Quando a doena materna ocorre cinco dias antes e at dois
dias aps o parto, pode originar varicela congnita em 2030% dos casos
e associase a elevada mortalidade neonatal44,45,47. Nestes casos, deve evitar-se o parto nos cinco dias subsequentes ao incio do exantema. Na mulher
grvida com reativao de VVZ, o risco de SVC e de infeo neonatal
baixo, uma vez que a carga vrica muito baixa e as IgG maternas conferem
proteo fetal47.
O diagnstico clnico geralmente evidente, mas essencial o diagnstico de certeza, pelo que se deve efetuar a serologia. Os anticorpos IgG e
IgM surgem cinco dias aps o incio do exantema e atingem o pico s quatro
semanas. A confirmao da infeo fetal fundamentada na amniocentese,
devendo esta ser realizada quatroseis semanas aps o quadro clnico materno e 18 semanas de gravidez. A vigilncia atravs de ecografias seriadas
fundamental46.
A grvida no imunizada deve evitar o contacto com indivduos com
varicela. No caso de haver contacto com o vrus de varicela, a administrao
de imunoglobulina especfica (IGVZ) nas primeiras 96 h discutvel, uma
vez que no foi demonstrada a reduo da infeo embriofetal e das sequelas congnitas44,45,47.
essencial promover a vacinao prconcecional nas mulheres sem antecedentes ou com histria duvidosa, aps a determinao do seu estado
imunitrio, mantendo um mtodo contracetivo eficaz durante o ms seguinte vacina.

Toxoplasmose
Toxoplasma gondii um parasita intracelular obrigatrio, de distribuio
universal, cujo hospedeiro definitivo o gato. A infeo adquirese por ingesto de quistos (forma latente), na carne crua ou mal cozinhada, ou de
oocistos, pelo contacto com gatos, com o solo ou com gua contaminados.
Esta doena no transmissvel de pessoa para pessoa.
A infeo , em geral, infecciosa, embora possa originar um quadro semelhante ao da mononucleose, aps um perodo de incubao de 518 dias.
A infeo primria na gravidez est associada a risco de aborto espontneo,
morte fetal, parto prtermo e infeo fetal (transmisso transplacentar) e
neonatal. O risco de infeo congnita aumenta, gradualmente, com a idade
gestacional, de cerca de 1025% no primeiro trimestre at 6080% no terceiro trimestre41,48. Porm, a gravidade desta infeo congnita maior quando a infeo materna ocorre durante o primeiro trimestre, diminuindo ao
longo da gravidez. A maioria das infees congnitas so assintomticas na
429

E. Nunes, C. Carnide, C. Rodrigues, E. Galhano

altura do parto (70%), podendo evoluir ao longo dos anos para leses oculares (coriorretinite), auditivas e do SNC (convulses e atraso mental). A
transmisso me-filho ocorre em cerca de 7% dos casos de toxoplasmose
adquirida durante a gravidez. O recmnascido com infeo aguda adquirida
no perodo periparto pode apresentarse com um quadro de septicemia, com
ou sem meningite.
Uma vez que a clnica desta doena inaparente ou inespecfica, o
diagnstico da infeo materna aguda confirmado por serologia. Devido
elevada prevalncia desta infeo em Portugal, recomenda-se o rastreio
trimestral serolgico ao longo da gravidez nas grvidas no imunes toxoplasmose. A IgM pode ser detetada umaduas semanas aps a infeo,
atinge a concentrao mxima em umdois meses, e diminui posteriormente, tornandose indetetvel em 612 meses. A IgG surge uma semana aps
o a IgM, persistindo elevada durante meses e diminui lentamente. Porm,
em alguns indivduos, os nveis de IgM podem manterse elevados durante anos49,50, sendo essenciais os testes de avidez. No caso de uma avidez
fraca ou intermdia no pode ser excluda infeo h mais de trs meses,
devendo ser obtida nova titulao da IgG trs semanas depois. Uma subida do ttulo de IgG em duas ou mais diluies sugestivo de infeo recente51.
Aps diagnstico de infeo materna deve propor-se a amniocentese,
com pesquisa de Toxoplasma gondii no lquido amnitico por PCR e/ou por
cultura, a realizar apa a semana 18 e, pelo menos, quatro semanas aps a
data da seroconverso. O diagnstico de infeo fetal pode ser sugerido,
ainda, por achados ecogrficos, atravs da trade clssica (calcificaes intracerebrais, hidrocefalia e coriorretinite), ou de outros sinais (hepatoesplenomegalia, microcefalia, ventriculomegalia, ascite, derrame pleural ou pericrdico, intestino hiperecognico e placentomegalia). A vigilncia ecogrfica
seriada est recomendada nos casos de suspeita ou diagnstico de seroconverso materna na gravidez41,51.
O tratamento, logo aps o diagnstico da infeo materna, de preferncia no primeiro e segundo trimestres da gravidez, uma prtica comum
em Portugal, que tem vindo a ser questionada por alguns estudos, referindo no haver evidncia cientfica que comprove a reduo da taxa de transmisso vertical5254. No entanto, o tratamento antenatal com espiramicina
continua a ser o mais vezes utilizado, devendo ser iniciado nas trs semanas aps a seroconverso48,51,52. No caso de diagnstico de infeo fetal
est indicado o tratamento com pirimetamina e sulfadiazina, aps a semana 18, com o objetivo de diminuir as sequelas fetais, sobretudo as leses
cerebrais50,51.
A preveno primria deve ser recomendada a todas as grvidas no
imunizadas, de forma a evitar a exposio aos quistos e aos oocistos de
Toxoplama gondii.
430

Infees ginecolgicas e obsttricas

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Seco 18

DOENAS SEXUALMENTE
TRANSMITIDAS
Francisco Antunes

1. Introduo
A gonorreia, a infeco por Chlamydia trachomatis (uretrite no-gonoccica), a sfilis, o herpes genital e a tricomonose (ou tricomonase) so doenas
sexualmente transmitidas (DSTs) curveis; todavia so diagnosticados, ainda,
anualmente, 333 milhes de casos, em adultos, a maioria em pases em via
de desenvolvimento. As DSTs constituem um dos maiores problemas de sade
pblica, porm, com possibilidade de serem prevenidas e controladas atravs
de interveno no comportamento das populaes e no mbito biomdico.
Desde os finais da dcada de 1980 que se vem assistindo a alteraes nas
caractersticas das DSTs, tais como:
Diminuio da incidncia e aumento da concentrao em determinados
grupos sociais e reas geogrficas da sfilis e da gonorreia as duas DSTs
para as quais esto em curso programas de mbito nacional.
Identificao de elevada prevalncia de infeco por clamdia e o seu
impacto na sade das mulheres.
Conhecimento de que a prevalncia das DSTs vricas (herpes genital,
papiloma e hepatite B) excedem, largamente, as DSTs de causa bacteriana,
na populao em geral.
Percepo de que a infeco por vrus do papiloma humano (VPH) a
causa principal de cancro do colo uterino.
Emergncia da infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH), a
qual facilita a co-infeco por outras DSTs1.
Evidncia de que o controlo das DSTs previne a transmisso por
VIH 2.
Demonstrao de que o lcool e o abuso de drogas ilcitas est relacionado com prticas sexuais no protegidas3,4.
Disponibilidade de novos mtodos de diagnstico, de tratamento e de
interveno no comportamento.
Aumento da competio pelos fundos (escassos) disponveis entre as
instituies de sade.

Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

433

F. Antunes

Crescimento das organizaes de sade com experincia em DSTs, que


permitem a disponibilizao de estruturas que podem facilitar o desenvolvimento de parcerias em programas de preveno e de controlo destas doenas.
As outras DSTs so o cancride ou lcera mole venrea (Haemophilus
ducreyi), o granuloma inguinal (donovanose Clymmatobacterium granulomatis), o linfogranuloma venreo ou doena de Nicolas-Favre (Chlamydia
trachomatis), a vaginite em adultos, a infeco por VPH e a infeco por VIH.
As DSTs so descritas neste captulo e, ainda, noutros deste Manual (hepatites vricas, infeco VIH/sida e infeces ginecolgicas e obsttricas).

2. Sfilis
A sfilis reconhecida como DST desde o incio do sculo XVI. A introduo dos antibiticos na prtica clnica alterou, dramaticamente, a prevalncia
da sfilis, a apresentao clnica e a evoluo da doena. Treponema pallidum, o agente da sfilis, tem-se mantido susceptvel aos antibiticos ao
longo do tempo. A utilizao da penicilina para o tratamento de muitas
doenas infecciosas, incluindo a gonorreia, diminuiu, drasticamente, a prevalncia da sfilis. A probabilidade de transmisso da sfilis (atravs da pele
ou das mucosas) de 50%, a partir de um indivduo em fase contagiosa, com
acidente primrio sifiltico (leses hmidas).

Clnica
A sfilis adquirida caracteriza-se por um perodo de incubao, pelo estdio de sfilis recente, com o complexo primrio (acidente primrio sifiltico,
linfadenopatia satlite e espiroquetemia), pelo estdio de generalizao e,
finalmente, pela fase de sfilis tardia. O perodo de incubao (para alguns,
o primeiro perodo de incubao) dura de nove a 90 dias (mdia de duas a
quatro semanas), seguindo-se-lhe a lcera (ppula que evolui para ndulo
com eroso), em geral nica, dura e, tipicamente, indolor (as leses mltiplas
podem ocorrer em 30% dos casos). O diagnstico diferencial das lceras
genitais inclui o herpes genital, o linfogranuloma venreo, o cancride, o
granuloma inguinal, traumatismos e neoplasias. A lcera localiza-se, na mulher, na vagina e, sobretudo, no colo uterino (em regra, assintomtica). No
homem, a lcera encontra-se, mais vezes, no sulco balanoprepucial. O acidente primrio anal ou rectal doloroso. A lcera desvanece-se, em geral,
em duas a seis semanas. A linfadenopatia satlite, de localizao inguinal (no
caso de acidente primrio genital), em regra nica, mas podendo ser mltipla,
dura, indolor, sem sinais inflamatrios e no aderente aos planos superficiais
ou profundos. Aps a cicatrizao da lcera e a resoluo espontnea da
434

Doenas sexualmente transmitidas

linfadenopatia satlite segue-se um segundo perodo de incubao, de seis


a oito semanas, aps o que se desencadeia o perodo de generalizao (perodo secundrio ou secundarismo). Este perodo de generalizao caracteriza-se por febre, artralgias, anorexia, sudao profusa e emagrecimento,
com adenomegalias generalizadas (os gnglios so de pequenas dimenses
os gnglios epitrocleares podem ser de maiores dimenses duros, indolores e sem caractersticas inflamatrias). A pele o rgo mais atingido (em
90% dos casos), sendo a rosola o exantema mais precoce e mais tpico
(fugaz, pouco exuberante e passando despercebido a maioria das vezes)5. As
outras expresses clnicas das manifestaes cutneas so as mculas, as leses papulosas, maculopapulosas e ulcerativas. As leses comeam, em regra,
no tronco e na poro proximal das extremidades, envolvendo, depois, todo
o corpo, especialmente as palmas das mos e as plantas dos ps. Embora no
seja frequente, o envolvimento sistmico pode ocorrer (hepatite, glomerulonefrite, sndrome nefrtica, gastrite, uvete, artrite e neurossfilis) (Quadro 1).
Aproximadamente, 65 a 75% dos doentes evoluem para a cura5.
Os doentes no tratados, aps o perodo de generalizao, dois anos
depois, passam a ser estadiados em sfilis adquirida tardia. Aproximadamente, uma tera parte est em latncia, sem manifestaes clnicas, com
teste treponmico reactivo; outra tera parte est, tambm, em latncia,
todavia com testes treponmicos e no treponmicos reactivos e, finalmente, outra tera parte, para alm dos testes treponmicos e no treponmicos reactivos exibem manifestaes clnicas (cutneas, sseas, cardiovasculares e do sistema nervoso)5. As manifestaes cutneo-mucosas
podem surgir at, aproximadamente, 15 anos da evoluo da sfilis tardia,
caracterizando-se pelos denominados tubrculos (sfilis tuberosa ndulos
drmicos, eritematosos, indolores, com disposio arciforme ou circular) e
gomas (ndulos subcutneos, indolores, constitudos por material granulomatoso, que ulceram com eliminao de material caseoso). A osteocondrite dos ossos longos (que pode, tambm, ocorrer nos primeiros 15 anos
de evoluo da doena), caracteriza-se por peri-ostite ou osteocondrite,
sendo dolorosa e com eventual ostelise, em regra dos ossos longos, como
o caso da tbia5. A aortite sifiltica, paradigma da sfilis tardia, manifesta-se 15 ou mais anos depois do incio da doena. A sfilis nervosa expressa-se
na forma meningovascular e de paralisia geral, cerca de 25 ou mais anos
depois do incio da doena e na forma de tabes, mais de 30 anos depois
do incio da afeco.
Nos doentes com infeco por Treponema pallidum, no tratados, com
mais de dois anos de evoluo e completamente assintomticos, a sfilis
designada de latente (com testes no treponmicos e/ou testes treponmicos positivos). A fase de latncia tardia (ou indeterminada) corresponde
queles casos com mais de dois anos de evoluo (ou em que desconhecido o momento da infeco sifiltica), aps o perodo secundrio da sfilis,
435

F. Antunes

Quadro 1. Manifestaes clnicas da sfilis secundria5,6


Manifestao (frequncia)
Pele (90%)
Exantema
Maculoso
Maculopapuloso
Papuloso
Pustoloso
Condilomas planos (condylomata lata)
lceras
Alopecia em clareiras
Discromia (manchas melnicas irregulares)
Prurido
Sintomas constitucionais (70%)
Febre
Artralgias
Anorexia
Sudao profusa
Prostrao
Emagrecimento
Faringite/laringite
Sistema nervoso central (40%)
Cefaleias
Meningismo
Meningite
Manifestaes oculares (diplopia e reduo da acuidade visual)
Otite
Zumbidos
Compromisso dos pares dos nervos cranianos (II e VIII)
Vertigens
Boca e orofaringe (35%)
Eroses
lceras
Odinofagia e rouquido
Rim (pouco frequente)
Glomerulonefrite
Sndrome nefrtica
Aparelho digestivo (pouco frequente)
Hepatite
Invaso da parede do intestino
Artrite, ostete e periostite (pouco frequentes)

com teste treponmico positivo ou, ento, testes no treponmico e treponmico positivos.
O diagnstico da sfilis depende das manifestaes clnicas, da identificao dos treponemas nas leses e dos testes serolgicos. Quando as lceras
so acessveis, a observao em campo escuro do transudado seroso o
mtodo mais rpido e mais utilizado para confirmao do diagnstico de
lcera sifiltica. Os testes serolgicos disponveis para o diagnstico da sfilis
e a sua sinopse esto citados no quadro 26,7.
436

Doenas sexualmente transmitidas

Quadro 2. Testes serolgicos para a sfilis e sua sinopse


Teste

Sinopse

Testes no treponmicos (reagnicos)


No especficos, com elevada sensibilidade

Venereal Disease Research Laboratory (VDRL)
na sfilis precoce (sfilis adquirida recente
e secundarismo)
Rapid Plasma Reagin (RPR)

Execuo rpida e no dispendiosa


Testes de rastreio
Titulveis e teis para a monitorizao da
teraputica

Testes treponmicos

Especficos e sensveis


Treponema pallidum hemaglutination assay
(TPHA)

Execuo morosa e dispendiosa

Fluorescent antibody, absorbed (FTA-ABS)

No titulveis e imortais, sem utilidade


para a monitorizao da teraputica*

Testes confirmatrios

*Os testes treponmicos so considerados imortais, isto , manter-se-iam positivos durante toda a vida.
Porm, podem negativar-se nos doentes submetidos a teraputica com penicilina no decurso da sfilis
adquirida recente (FTA-ABS e TPHA tornam-se negativos, respectivamente, em 24% e 13% dos casos) e,
ainda, nos infectados por VIH.

As preparaes de penicilina de aco prolongada mantm-se como


tratamento de escolha para todos os estdios da sfilis. A sfilis primria,
secundria e latente recente so, eficazmente, tratadas com uma dose
nica de penicilina benzatnica, enquanto que a sfilis latente tardia ou
indeterminada requer administraes semanais de penicilina benzatnica,
durante trs semanas. A azitromicina em dose nica, por via oral, demonstrou excelente eficcia para o tratamento da sfilis recente8. No entretanto,
a identificao da mutao no ribossoma 235 do ARN, associada resistncia aos macrlidos e a eventuais insucessos ao tratamento tem levado
recomendao de que a sua utilizao seja monitorizada muito de perto,
particularmente nos homossexuais masculinos9. A azitromicina pode ser
considerada como uma alternativa penicilina, em caso de risco de alergia,
ou doxiciclina, quando esta no for praticvel. A doxiciclina o regime
teraputico alternativo mais indicado, quando a teraputica com penicilina
no exequvel10. A avaliao clnica e serolgica deve ser programada para
os seis e 12 meses depois do tratamento. No se registando descida de quatro vezes no ttulo do teste treponmico, dos seis aos 12 meses, pode estar
em causa insucesso da teraputica. A puno lombar est recomendada para
avaliao dos doentes com sfilis latente tardia, com sfilis terciria ou com
insucesso teraputico ou, ainda, com sinais neurolgicos (a puno lombar
controversa nos indivduos sem manifestaes clnicas neurolgicas). No
quadro 3 esto referidos os esquemas de tratamento da sfilis11. A sfilis (estdios de complexo primrio, de generalizao ou de sfilis latente recente),
nos infectados por VIH, deve ser tratada como no caso dos no infectados.
437

F. Antunes

Quadro 3. Regimes para tratamento da sfilis


Perodo/estdio

Tratamento

Complexo primrio (sfilis


primria) ou generalizao
(sfilis secundria) ou sfilis
latente recente

Penicilina G benzatnica 2,4 milhes UI, por via i.m.,


em dose nica*
Na criana 50.000 UI/kg, por via i.m., em dose nica,
dose mxima, correspondente do adulto
Alergia penicilina doxiciclina 100 mg 2x/d, por via oral,
por 14 dias ou tetraciclina 500 mg 4x/d, por via oral, por
14 dias ou azitromicina 2 g, por via oral, em dose nica ou
ceftriaxona 1 g, por via i.m. /ev., por 8-10 dias

Sfilis latente tardia ou


sfilis tardia (sfilis
terciria), excepto
neurossfilis

Penicilina G benzatnica 2,4 milhes UI/semana, durante


trs semanas, por via i.m.
Na criana 50.000 UI/kg, por semana, durante trs
semanas, por via i.m., dose mxima, correspondente do
adulto de 7,2 milhes UI
Alergia penicilina doxiciclina 100 mg 2x/d, por via oral,
por 28 dias ou tetraciclina 500 mg 4x/d, por via oral, por
28 dias

Neurossfilis

Penicilina G cristalina aquosa 18 a 24 milhes UI/dia,


sendo de 3-4 milhes de 4-4 h, em perfuso contnua,
por 10-14 dias
Como alternativa, penicilina procanica 2,4 milhes UI/dia,
por via i.m., associada ao probenecid 500 mg 4x/d, durante
10-14 dias
Alergia penicilina ceftriaxona 2 g/dia, por via i.m. /ev.,
durante 10-14 dias

*Eficcia comprovada para no-infectados por VIH.


Dados clnicos limitados.
Eficcia no comprovada em infectados por VIH.

No caso da sfilis latente tardia, com lquor cefalorraquidiano (LCR) normal, o


tratamento idntico ao da sfilis latente tardia no no infectado por VIH.
Quando o LCR consistente com neurossfilis, os co-infectados por VIH devem ser tratados como tal.
O tratamento da sfilis na grvida eficaz para prevenir a transmisso
me-filho e para tratar a infeco no feto. O regime teraputico idntico
aos esquemas gerais referidos, conforme tipo e estdio da sfilis. No caso de
alergia penicilina, para a grvida no existem regimes alternativos, pelo
que se sugere a sua dessensibilizao, dado que a doxiciclina no deve ser
usada na gravidez e os dados so insuficientes em relao azitromicina e
ceftriaxona.
Para o tratamento da sfilis congnita est recomendada a penicilina G cristalina aquosa na dose de 100.000-150.000 UI/kg/dia, administradas 50.000 UI/kg,
de 12-12 h, por via e.v. durante os sete primeiros dias de vida e depois de 8-8 h,
num total de 10 dias. Como alternativa, penicilina G procanica, 50.000 UI/kg/
dia, por via i.m., durante 10 dias.
438

Doenas sexualmente transmitidas

3. Herpes genital
O herpes genital uma infeco por vrus herpes simplex (VHS) recorrente,
de evoluo crnica. Dois serotipos foram identificados, isto VHS-1 e VHS2. A maioria dos casos de herpes genital recorrente causada por VHS-2. A
maior parte dos indivduos infectados por VHS-2 no diagnosticada,
todavia elimina o vrus pelo aparelho genital e, por outro lado, a transmisso ocorre em indivduos que desconhecem estarem infectados ou que
esto assintomticos, na altura em que aquela ocorre. Raramente, a primo-infeco manifesta-se por doena grave que requer hospitalizao. O
diagnstico clnico de herpes genital pouco sensvel e no especfico.
As leses tpicas, dolorosas e vesiculares ou ulcerativas mltiplas, esto ausentes na maioria dos indivduos infectados. Mais de 30% das primo-infeces por herpes genital so causadas por VHS-1, porm, proporcionalmente,
as recorrncias so mais frequentes para VHS-2 do que para VHS-1. Por
consequncia, a distino entre os serotipos de VHS influencia o prognstico
e o aconselhamento. Desta forma, o diagnstico clnico de herpes genital
deve ser confirmado por testes laboratoriais. Os testes vricos mais utilizados
para o diagnstico de herpes genital so a cultura (lceras genitais ou outras
leses mucocutneas), a reaco em cadeia da polimerase [polymerase chain
reaction (PCR)], para o ADN-VHS, muito sensvel [fundamentalmente para
o diagnstico no LCR de infeco por VHS do sistema nervoso central (SNC)],
mas o seu papel no diagnstico do herpes genital no est, ainda, bem definido e, por fim, a deteco citolgica das alteraes celulares causadas pela
infeco por VHS no sensvel e inespecfica, quer nas leses genitais
(preparao de Tzanck), quer nos esfregaos cervicais. Quanto aos anticorpos, especficos e no especficos do tipo de infeco por VHS, desenvolvem-se nas primeiras semanas de infeco e persistem toda a vida. Dado que a
maioria das infeces por VHS-2 so adquiridas por via sexual, os anticorpos
especficos para VHS-2 indicam infeco anogenital, porm, a presena de
anticorpos anti-VHS-1 no distingue a infeco anogenital da orolabial. Desde 1999 que est disponvel uma tcnica especfica para a deteco de anticorpos anti-VHS, a glicoprotena G2 que especfica para VHS-2 e a glicoprotena G1 para o diagnstico de infeco por VHS-1.
O tratamento antivrico de herpes genital eficaz do ponto de vista sintomtico, porm, no erradica o vrus latente, no afecta o risco, a frequncia ou a gravidade das recorrncias, aps a interrupo do tratamento. O
aciclovir, o valaciclovir e o famciclovir so os antivricos indicados para o
tratamento do herpes genital12. A aplicao tpica de antivricos no recomendada. O tratamento indicado para o primeiro episdio de herpes
genital e para as recorrncias est referido no quadro 411.
O aciclovir por via e.v. est recomendado nas formas graves de disseminao, pneumonite, hepatite, encefalite ou meningite. A dose de aciclovir
439

F. Antunes

Quadro 4. Regimes teraputicos para o herpes genital


Primeiro episdio

Episdios recorrentes*

Teraputica supressiva

Aciclovir, 400 mg 3x/d,


via oral, durante 7-10 dias
ou
Aciclovir, 200 mg 5x/d,
via oral, durante 7-10 dias
ou
Famciclovir, 250 mg 3x/d,
via oral, durante 7-10 dias
ou
Valaciclovir, 1 g 2x/d,
via oral, durante 7-10 dias

Aciclovir, 400 mg 3x/d,


via oral, durante cinco dias
ou
Aciclovir, 200 mg 5x/d,
via oral, durante cinco dias
ou
Famciclovir, 250 mg 2x/d,
via oral, durante cinco dias
ou
Valaciclovir, 500 mg 2x/d,
via oral, durante 3-5 dias
ou
Valaciclovir, 1 g/dia, via oral,
durante cinco dias

Aciclovir, 400 mg 2x/d,


via oral
ou
Famciclovir, 250 mg 2x/d,
via oral
ou
Valaciclovir, 500 mg/dia,
via oral
ou
Valaciclovir, 1 g/dia, via oral

*O tratamento deve ter incio no primeiro dia do episdio.


A teraputica supressiva (durante um no ou mais) reduz a frequncia das recorrncias do herpes genital
de 70 a 80% nos indivduos com episdios frequentes por ano (> 6 episdios), com melhoria da qualidade
de vida dos doentes. Porm, a teraputica supressiva apesar de reduzir a eliminao subclnica de VHS,
no a erradica.

recomendada de 5-10 mg/kg peso, de 8-8 h, por via e.v., durante dois a
sete dias ou, ento, at melhoria clnica, seguida por teraputica por via
oral at completar o total de 10 dias de tratamento.
No caso de herpes genital, peri-anal ou anal no infectado por VIH, consultar captulo infeco VIH/sida e, no caso de herpes genital da mulher
grvida, consultar captulo infeces ginecolgicas e obsttricas deste Manual.
Nas crianas com evidncia de herpes neonatal, o aciclovir deve ser administrado na dose de 20 mg/kg peso de 8-8 h, por via e.v., durante 21 dias para
o caso de doena disseminada ou do SNC, e durante 14 dias para a doena
limitada pele e s mucosas.

4. Granuloma inguinal (donovanose)


O granuloma inguinal uma doena ulcerativa genital causada por
Calymnatobacterium granulomatis, sendo rara nos Estados Unidos da Amrica (EUA) e na Europa, e endmica na ndia, na Papua Nova-Guin, na
Austrlia e na frica setentrional. Clinicamente, observam-se leses ulcerativas progressivas, no dolorosas e sem adenopatia satlite. As leses so
muito vascularizadas, com o aspecto de carne em sangue, sangrando, com
facilidade, ao toque (tipo ulcerovegetante). Outros aspectos das leses so
as variantes hipertrfica, necrtica ou fibrosa. A bactria difcil de cultivar
e o diagnstico confirmativo requer observao dos corpos de Donovani na
biopsia ou no macerado do tecido. O tratamento deve ser prolongado, at
440

Doenas sexualmente transmitidas

Quadro 5. Regimes para o tratamento do granuloma inguinal


Recomendados*

Alternativos*

Doxiciclina, 100 mg 2x/d, via oral,


durante 3 semanas
ou
Trimetoprim-sulfametoxazole forte
(800/160 mg) 2x/d, via oral,
durante 3 semanas

Ciprofloxacina, 750 mg 2x/d, via oral,


durante 3 semanas
ou
Eritromicina, 500 mg 4x/d, via oral,
durante 3 semanas
ou
Azitromicina, 1 g/dia, via oral, durante 3 semanas

*Alguns especialistas recomendam a associao com um aminoglicosdeo (gentamicina, 1 mg/kg de 8-8 h,


por via e.v. ), se no houver melhoria nos primeiros dias de tratamento. Na mulher grvida est
recomendada a eritromicina associada ou no a um aminoglicosdeo.

re-epitelizao da lcera, podendo, no entanto, ocorrer recadas seis a


18 meses aps a cura aparente (Quadro 5).

5. Linfogranuloma venreo (doena de Nicolas e Favre)


O linfogranuloma venreo causado por Chlamydia trachomatis serovares L1, L2 e L3, sendo a doena rara na Europa e nos EUA. A manifestao
clnica mais frequente a adenomegalia de consistncia mole, unilateral,
localizada na regio inguinal ou femoral. Na mulher e nos homossexuais
pode haver proctite ou envolvimento do tecido linftico peri-rectal ou perianal, com fistulizao ou aperto. O diagnstico de linfogranuloma venreo
assenta na serologia e na excluso de outras causas de adenomegalia inguinal ou de lcera genital. A reaco de fixao do complemento positiva, com
ttulos 1/64, consistente com o diagnstico de linfogranuloma inguinal. O
tratamento recomendado a doxiciclina, na dose de 100 mg, 2x/dia, por
via oral, durante 21 dias (em alternativa a eritromicina, na dose de 500 mg,
4x/dia, por via oral, durante 21 dias).

6. Cancride (lcera mole venrea)


O cancride causado por Haemophilus ducreyi, sendo cofactor de transmisso de VIH, podendo coexistir com Treponema pallidum ou VHS. O diagnstico presuntivo de cancride pode estabelecer-se se forem identificados
os seguintes critrios:
Presena de uma ou mais lceras genitais.
Excluso de infeco por Treponema pallidum (exame em campo escuro do exsudado da lcera ou serologia sete dias depois do incio da lcera).
441

F. Antunes

Quadro 6. Tratamento das uretrites e cervicites por Neisseria gonorrhoeae e


Chlamydia trachomatis
Neisseria gonorrhoeae

Chlamydia trachomatis

Recomendado*

Recomendado*

Ceftriaxona, 125 mg, dose nica, por via i.m. Azitromicina, 1 g, dose nica, por via oral
ou
ou
Doxiciclina, 100 mg 2x/d, durante sete dias,
Cefixima, 400 mg, dose nica,
por via oral
por via oral
Alternativo*

Alternativo*

Espectinomicina, 2 g, dose nica, por via i.m. Eritromicina, 500 mg 4x/d, durante sete dias,
por via oral
ou
Cefotaxima, 500 mg, dose nica, por via i.m.
*Se a infeco por Chlamydia no puder ser excluda, azitromicina, 1 g, dose nica, por via oral ou
doxiciclina, 100 mg 2x/d, durante sete dias. Nas grvidas a doxiciclina deve ser substituda pela eritromicina.

Apresentao clnica, com lcera genital dolorosa e adenomegalia inguinal de consistncia mole.
Se estas manifestaes clnicas forem acompanhadas de adenomegalia
inguinal supurativa, estes sinais so, praticamente, patognomnicos. O diagnstico definitivo fundamenta-se na identificao de Haemophilus ducreyi
em meio especial de cultura, no disponvel comercialmente. O tratamento
fundamenta-se na azitromicina, 1 g, em dose nica, por via oral ou ceftriaxona, 250 mg, em dose nica, por via i.m. ou ciprofloxacina, 500 mg, 2x/dia,
por via oral, durante trs dias ou, ainda, eritromicina, 500 mg, 3x/dia, por
via oral, durante sete dias.

7. Uretrites e cervicites
As uretrites caracterizam-se por corrimento uretral, mucopurulento ou
purulento, podendo acompanhar-se por disria ou por prurido uretral. No
entanto, as infeces assintomticas so frequentes. Os principais agentes
so Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis (muitas vezes existe co-infeco). O diagnstico etiolgico mandatrio, sendo as uretrites gonoccicas confirmadas pela observao no esfregao uretral de diplococos intracelulares Gram-negativo. As uretrites no gonoccicas so diagnosticadas
se no se observam os supracitados diplococos. Para alm de Chlamydia
trachomatis, os outros agentes de uretrites no gonoccicas so Ureaplasma
urealyticum, Mycoplasma genitalium, Trychomonas vaginalis e VHS. Para o
diagnstico de Chlamydia trachomatis recomendam-se as tcnicas de amplificao do ADN (por exemplo, PCR), sendo, no entanto, tambm, corrente a
utilizao de testes de identificao de antignios [enzimticos enzyme
442

Doenas sexualmente transmitidas

immunoassay (EIA) ou de fluorescncia directa direct fluorescent antibody (DFA)]. O tratamento das uretrites por Neisseria gonorrhoeae e por Chlamydia trachomatis est referido no quadro 611.

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12. Wald A. New therapies and preventing strategies for genital herpes. Clin Infect Dis. 1999;28 Suppl:4-13.

443

Seco 19

INFECES OCULARES
Isabel Aldir

1. Introduo
A etiologia infecciosa tem um papel major na patologia ocular aguda e
crnica. Esta pode, de igual modo, reflectir doenas sistmicas, de natureza
infecciosa ou outra, cuja primeira manifestao foi ocular.
A sistematizao adoptada neste captulo, baseada no local da infeco,
visou facilitar a orientao do diagnstico e da teraputica de quem o consulte.

2. Infeces das plpebras e dos anexos


Infeces localizadas
O hordeolum (ou hordolo), vulgarmente denominado treolho, uma
infeco aguda, supurativa, habitualmente recorrente das glndulas de Zeis
ou de Moll (hordeolum externo) ou das glndulas meibomianas (hordeolum
interno). Clinicamente, manifesta-se por tumefaco dolorosa, avermelhada
e localizada. O chalazion a inflamao lipogranulomatosa crnica, indolor,
que resulta da obstruo duma ou de mais glndulas meibomianas, evoluindo, em regra, dum hordeolum interno. Em ambas as situaes, Staphylococcus aureus o agente habitual e a teraputica consiste na aplicao local de
compressas mornas e de antibitico tpico, sendo esporadicamente necessria drenagem cirrgica. Estas infeces tendem a recorrer, habitualmente,
no na mesma localizao (a persistncia da inflamao crnica ou a recorrncia no mesmo local, aps teraputica adequada, deve levantar a suspeita
de neoplasia, particularmente de carcinoma de clulas basais ou carcinoma
das glndulas sebceas)1. Embora rara, a dracrioadenite (infeco da glndula lacrimal) deve ser admitida se existir edema doloroso na poro temporal da plpebra superior, condicionando ptose mecnica e curvatura em S da
plpebra. Os agentes etiolgicos mais frequentes so Neisseria gonorrhoeae
no adulto jovem e os vrus na criana. A presena de infeco por Actinomyces israelii deve levantar a suspeio de litase nos canais da glndula.
Quando a inflamao se localiza na poro nasal da plpebra inferior,
com tumefaco discretamente escura junto regio mediocantal, que se
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

445

I. Aldir

palpada provoca extruso de pus do punctum lacrimal, ento estamos


perante infeco do saco lacrimal ou dracriocistite. Nos casos agudos, os
agentes etiolgicos so Staphylococcus aureus, Streptococcus pyogenes e
Streptococcus pneumoniae, enquanto que nos casos crnicos os fungos,
particularmente Actynomyces israelii, Aspergillus spp e Candida albicans, so
os mais implicados. A teraputica consiste na aplicao local de compressas
mornas e de antibitico por via sistmica (por exemplo a oxacilina), sendo,
muitas vezes, necessria a drenagem cirrgica.

Infeces difusas
A blefarite a inflamao crnica das margens das plpebras, que causa
prurido, ardor, hiperemia e descamao cutnea. Staphylococcus aureus e
Staphylococcus epidermidis so os agentes causais mais frequentes. O tratamento baseia-se na aplicao local de compressas mornas, de antibitico
local e da dermite seborreica, habitualmente, coexistente.
A celulite dos tecidos periorbitrios , tradicionalmente, dividida em celulite pr-septal (confinada s plpebras para a frente do septum orbitrio)
Quadro 1. Sinais e sintomas da celulite pr-septal e orbitria

446

Sinais e sintomas

Pr-septal

Orbital

Edema plpebra

Moderado a marcado

Marcado

Proptosis

Ausente ou ligeira

Marcada

Viso

Normal

Pode estar reduzida

Motilidade ocular

Normal

Vrios graus oftalmoplegia

Dor com movimento

Ausente

Presente

Pupila

Normal

Normal

Edema e injeco conjuntival

Presente

Presente

Presso intraocular

Normal

Pode estar aumentada

Febre

Ausente ou mnima

Elevada

Sinais menngeos

Ausentes

Podem estar presentes

Leucocitose

Ausente ou mnima

Elevada

TC rbita

Edema pr-septal

Proptosis, edema pr-septal,


aspecto mosqueado da gordura
da rbita

Anamnese

Ferida, hordeolum

Sinusite, abcesso dentrio,


infeco vias areas, diabetes
mellitus ou outra doena crnica

Infeces oculares

e celulite periorbitria (envolvendo plpebras e tecidos orbitrios, para alm


do septum). O doente apresenta-se com edema generalizado, unilateral, das
plpebras com ou sem febre e com leucocitose e com neutrofilia. O diagnstico diferencial entre estas duas situaes mandatrio, uma vez que a teraputica e a possibilidade de complicaes so, substancialmente, diferentes
(Quadro 1). A celulite periorbitria resulta, em geral, de pequenas feridas
ou laceraes, secundariamente infectadas por Staphylococcus aureus ou
Streptococcus pyogenes. Na criana de idade inferior a cinco anos, Haemophylus influenzae o agente mais frequente e, em regra, associado a otite
mdia ou a sinusite. Embora o septum orbitrio limite a infeco, o atraso
na instituio da teraputica pode condicionar evoluo para celulite orbitria. Para avaliar a gravidade e extenso da infeco deve ser efectuado o
leucograma, a tomografia axial computorizada (TAC) da rbita e, por forma
a obter-se o diagnstico etiolgico, devem ser realizadas culturas do sangue
e do exsudado ocular. O tratamento fundamenta-se na utilizao de antibitico por via sistmica, durante sete a 10 dias, podendo nos casos minor optar-se pela via oral. A celulite orbitria evolui, geralmente, por continuidade
dum foco infeccioso local (sinusite ou abcesso dentrio) e, mais raramente,
por ferida penetrante ou por disseminao hematognica. Os agentes etiolgicos so semelhantes, devendo nos imunocomprometidos excluir-se a hiptese de fungos ou de Pseudomonas aeruginosa. As possveis complicaes
incluem o abcesso da rbita e a trombose do seio cavernoso.

3. Infeces da conjuntiva
As conjuntivites so as causas mais frequentes do denominado olho
vermelho e apresentam-se como ardor e prurido de incio unilateral, tornando-se bilateral em poucos dias, sem dor ou alterao da viso2. Entre as

Quadro 2. Diagnstico diferencial das conjuntivites


Sinais e sintomas

Viral

Bacteriana

Chlamydia

Fngica

Exsudado

Mnimo e
aquoso

Profuso e
purulento

Profuso e
aquoso

Mnimo

Lacrimejo

Profuso

Moderado

Moderado

Mnimo

Prurido

Mnimo

Mnimo

Mnimo

Ausente

Injeco

Generalizada

Generalizada

Generalizada

Localizada

Ndulo pr-auricular

Comum

Raro

Comum

Comum

Odinofagia e febre

Ocasional

Espordica

Inexistente

Inexistente

447

I. Aldir

sua inmeras causas esto os agentes infecciosos, processos alrgicos e qumicos. O quadro 2 estabelece o diagnstico diferencial entre as causas infecciosas mais comuns de conjuntivite.

Conjuntivite purulenta
As conjuntivites purulentas so, usualmente, indicadoras de infeco bacteriana, no obstante algumas queratoconjuntivites vricas se possam apresentar desta forma. Os agentes mais frequentes so Staphylococcus aureus,
Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus spp. Com
excepo dos casos em que se suspeite de etiologia gonoccica ou por Pseudomonas aeruginosa (os agentes etiolgicos com maior capacidade deletria
e que exigem teraputica sistmica) a teraputica assenta em antibitico
tpico, que se suspende 48 a 72 horas aps a resoluo dos sintomas. Nunca
se deve proceder ao encerramento do olho, pois esta medida favorece o crescimento bacteriano.

Conjuntivite no purulenta
As conjuntivites vricas, por Chlamydia trachomatis, fngicas e alrgicas
caracterizam-se pela inexistncia de exsudado purulento. A conjuntivite vrica mais frequente a queratoconjuntivite epidmica, habitualmente causada por adenovrus tipo 8, 10 ou 19. A conjuntivite hemorrgica aguda
relaciona-se com medidas de fraca higiene e causada por enterovrus tipo
70 ou vrus coxsackie tipo A24, sendo ambas autolimitadas e o tratamento
sintomtico. Chlamydia trachomatis um microrganismo intracelular obrigatrio, com reservatrio no aparelho genitourinrio, que responsvel por
duas sndromes oculares distintas conjuntivite de incluso e tracoma ocular
(consoante o serotipo envolvido). A conjuntivite de incluso do tipo folicular aguda, do adulto sexualmente activo, causada pelos serotipos D a K e
que se manifesta na conjuntiva palpebral inferior, estando com frequncia
associada a adenopatias pr-auriculares e o diagnstico confirmado pela
demonstrao de corpos basfilos de incluso citoplsmica na colorao
giemsa e na imunofluorescncia directa dos raspados (89-100%)3. O tratamento fundamenta-se na utilizao de doxiciclina, eritromicina ou tetraciclina oral, durante duas a trs semanas. O tracoma ocular, uma das principais
causas de cegueira no mundo, comea como conjuntivite folicular bilateral,
no purulenta, em crianas vivendo em reas endmicas. Posteriormente,
evolui para espessamento da conjuntiva tarsal com hipertrofia papilar e cicatrizao gradual das plpebras e opacificao da crnea, levando cegueira. O diagnstico estabelecido de forma idntica e a teraputica
448

Infeces oculares

efectuada com tetraciclina, doxiciclina, eritromicina ou rifampicina durante


trs a seis semanas4.

Oftalmia neonatorum
Trata-se de conjuntivite purulenta, que se manifesta durante o primeiro
ms de vida, resultante da contaminao da criana durante a passagem
pelo canal de parto, usualmente devida a estafilococos, Chlamydia trachomatis, gonococos, pneumococos e vrus herpes simplex. Porm, pode, ainda,
ser manifestao de toxicidade ao nitrato de prata a 1%, usado profilacticamente ao nascer, surgindo nesta situao nos primeiros dias de vida5. Com
excepo da conjuntivite qumica, a teraputica antibitica deve ser prescrita por via sistmica, durante sete a 10 dias. Actualmente, d-se preferncia a uma cefalosporina de 3 gerao, para se cobrirem as estirpes de gonococos resistentes penicilina. Se se estiver perante infeco por Chlamydia
trachomatis, o antibitico de eleio a eritromicina na dose de 50 mg/kg/
dia, por via oral.

4. Infeces da crnea (queratites)


As queratites so emergncia oftalmolgica, pelo risco subjacente de
perda de viso rpida. Estas infeces podem ser agudas (adenovirus tipo 8),
crnicas (fungos), indolentes (vrus herpes simplex) ou, rapidamente, destrutivas (Pseudomonas spp). Os sinais e sintomas major so olho vermelho unilateral, com dor moderada a grave, fotofobia, lacrimejo e diminuio da viso.
Se houver uso de lentes de contacto, a hiptese de infeco por Acanthomoeba spp deve ser considerada, especialmente se houver lcera em anel e
ausncia de resposta s medidas teraputicas adoptadas. O uso crescente de
lentes de contacto condicionou, de igual modo, aumento das infeces por
Pseudomonas aeruginosa, agente etiolgico, tambm frequente, nas unidades de cuidados intensivos. As queratites por vrus herpes simplex, no adulto,
representam infeco recorrente, no sendo a dor um aspecto importante,
devido hipostesia da crnea, associada a esta infeco. Esta queratite pode
evoluir para queratite disciforme ou queratite intersticial necrosante, as
quais necessitam de corticides para diminuir o componente de autoimunidade existente. A teraputica fundamenta-se, em regra, na prescrio de
colrios de antivricos (trifluridina, vidarabina ou aciclovir)6. A zona oftlmica,
doena mais frequente no idoso, refere-se ao exantema vesicular com leso
do ramo oftlmico do trigmio, pelo vrus da varicela zoster. O olho tem
maior probabilidade de ser atingido, quando existem vesculas no cimo do
nariz, as quais traduzem a propagao ao ramo nasociliar. A teraputica
449

I. Aldir

fundamenta-se na prescrio de aciclovir oral (800 mg, cinco vezes ao dia)


ou de valaciclovir (500 mg, trs vezes ao dia)7.
O nmero de casos de queratite intersticial (inflamao intersticial bilateral da crnea, com vascularizao progressiva e cicatrizao) tem vindo a
diminuir, pelo adequado tratamento da sfilis congnita, etiologia mais frequente, embora tambm se possa dever tuberculose, lepra ou doena
de Lyme8.

5. Infeces intraoculares
Infeces focais (uvete e retinite)
As uvetes so inflamaes do tracto uveal, o qual constitudo por um
segmento anterior (ris e corpo ciliar) e um posterior (coroideia). Os dois
componentes do segmento anterior tm vascularizao comum e, por isso,
o processo inflamatrio , tambm, comum, designando-se iridociclite ou
uvete anterior. Na maioria dos casos, a etiopatogenia imunitria, como,
por exemplo, nas espondilartropatias seronegativas9, na sarcoidose e na
doena de Behet. As uvetes anteriores de causa infecciosa so, tambm,
bastante frequentes, particularmente as de etiologia vrica, como o caso
das viroses sistmicas, por exemplo, a parotidite, a varicela, a rubola, o
sarampo, mas, tambm, viroses localizadas (por vrus herpes simplex ou por
vrus da varicela zoster). A iridociclite sifiltica , tambm, uma entidade
frequente. Menos frequentes, mas ainda importantes, so as uvetes anteriores da gonorreia, da brucelose, da doena de Lyme, da leptospirose e da
infeco por vrus da imunodeficincia humana (VIH). Clinicamente, a uvete
anterior apresenta-se como olho vermelho, unilateral e doloroso, particularmente digitopresso, com miose, epfora e fotofobia e algum grau de diminuio da acuidade visual, sendo as uvetes agudas, naturalmente, muito
mais exuberantes do que as crnicas. Atendendo ao risco de perda de viso,
estas situaes so de referncia obrigatria ao oftalmologista. A uvete
posterior ou coroidite propaga-se, quase sempre, retina, originando retinocoroidites. A inversa tambm verdadeira, podendo a retinite ou vasculite retiniana ser o ponto de partida. Embora possam ocorrer retinocoroidetes
agudas associadas a bacteriemias ou a fungemias, que podem evoluir para
endoftalmites, as situaes mais frequentes so as retinocoroidetes crnicas
ou granulomatosas, cuja etiologia semelhante das doenas granulomatosas sistmicas. A toxoplasmose responsvel por 25% dos casos de uvete
posterior e a causa mais frequente de leucocria (pupila branca) nas
crianas. No indivduo imunocompetente, trata-se de reactivao de infeco
congnita, podendo, no entanto, no doente imunocomprometido, tratar-se
de infeco adquirida de forma aguda10. Quando as leses esto perto da
450

Infeces oculares

mcula ou do nervo ptico ou quando existe hemorragia ou, ainda, inflamao extensas e sempre que se trata dum doente imunocomprometido, h
indicao formal para teraputica com pirimetamina, sulfadiazina e prednisolona. A toxocariose ocular (infeco causada por Toxocara canis), incide
sobre crianas e adultos jovens e , tambm, causa frequente de leucocria11.
A uvete grave desencadeia-se, habitualmente, aps a morte da larva. A
teraputica fundamenta-se na utilizao de corticides (periocular e por via
sistmica), sendo os antihelmnticos (tiabendazol e dietilcarbamazina) pouco
eficazes. O levamizol um frmaco promissor, actualmente em fase investigacional. A frequncia da retinite citomeglica, enquanto infeco oportunista, aumentou consideravelmente, acompanhando a generalizao dos
doentes imunocomprometidos quer devido infeco por VIH, quer teraputica imunossupressora ou quimioterapia12. Mais de metade daquelas
infeces manifestam-se, apenas, como doena ocular, tratando-se de retinite necrosante com vrios graus de hemorragia e inflamao do vtreo, podendo ser uni ou bilateral. Como, habitualmente, se inicia periferia da
retina, as queixas de diminuio da acuidade visual surgem numa fase avanada, envolvendo a mcula. Como teraputica, utiliza-se o ganciclovir, em
primeira escolha, com taxa de reactivao de 50%, ultrapassada com o recurso profilaxia secundria com ganciclovir oral. A necrose retiniana aguda,
pelo vrus da varicela-zoster ou herpes simplex, uma doena de descrio
relativamente recente, que pode atingir indivduos imunocompetentes. Comea por uvete anterior, evoluindo em dias ou semanas para retinite grave.
O aciclovir endovenoso, durante 14 dias e, seguidamente, por via oral, durante quatro a oito semanas, o tratamento de eleio. O prognstico depende da rapidez do incio da teraputica.
No que respeita ao diagnstico diferencial das uvetes posteriores, interessa, ainda, considerar algumas outras entidades patolgicas. A oftalmia
simptica, que uma uvete do olho contralateral ao que sofreu perfurao
de causa traumtica; a sndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, que uma uvete bilateral associada a alopecia, despigmentao das pestanas, sobrancelhas
ou do cabelo, vitligo e surdez; a vasculite retiniana autoimune e a uvete
intermdia ou pars planitis. Finalmente, no esquecer que o descolamento
da retina, alguns tumores intraoculares e o linfoma do SNC podem manifestar-se sob a forma de uvete. Clinicamente, a uvete posterior pouco exuberante, apresentando-se com diminuio gradual da acuidade visual sem
outras alteraes e , em regra, bilateral.

Infeces difusas (endoftalmite)


A endoftalmite a infeco ocular primria mais grave e urgente, tratando-se de infeco supurativa do vtreo, com formao de abcesso, em regra
451

I. Aldir

resultante da penetrao traumtica ou cirrgica do olho (endoftalmite


exgena). Os agentes mais usuais so os estafilococos coagulase negativa e
Staphylococcus aureus.
A endoftalmite endgena (tambm denominada de metasttica) resulta
da disseminao hematognica do microrganismo e mais frequente em
imunodeprimidos, em doentes crnicos ou submetidos a alimentao parentrica13. Em cerca de dois teros dos casos, Candida albicans e outros fungos
so os agentes etiolgicos. De entre as bactrias, os estafilococos e os estreptococos so os predominantes. Os sintomas incluem dor e diminuio da
viso. Ao exame fsico h opacificao do vtreo, perda do reflexo vermelho
e hipopion. A teraputica inicial deve incluir a administrao intravtrea de
vancomicina com um aminoglicosdeo (preferencialmente amicacina, pela
sua baixa toxicidade retiniana) ou ceftazidima. Se a hiptese fngica for
considerada, a administrao intravtrea e endovenosa de anfotericina B a
escolha. Por vezes a vitrectomia cirrgica necessria, para remoo dos
restos de vtreo e diminuio do nmero de microrganismos.

6. Infeces da rbita
As infeces da rbita que importam considerar so as celulites (vid
Infeces das plpebras e dos anexos) e as infeces fngicas (conhecidas
por mucormicoses, situaes raras mas, em regra, fatais). Estas ocorrem,
principalmente, em doentes com diabetes mellitus mal controlada com
episdios de cetoacidose ou sob teraputica imunossupressora. As infeces
podem ser por Phycomycetes spp, Mucor spp ou Rhizopus spp, embora
outros fungos tais como o Aspergillus spp tambm possam estar implicados.
Na patognese destas infeces est a invaso vascular dos seios perinasas,
com resultante necrose trombtica e extenso rbita e ao sistema nervoso
central. Clinicamente, tpica a rinorreia seropurulenta com cheiro ftido, a
alterao do estado de conscincia, a paralisia de nervos craneanos (particularmente stimo) e os sinais neurolgicos focais centrais. O diagnstico
histolgico, por biopsia de qualquer rea necrtica, e o tratamento processa-se com anfotericina B e limpeza cirrgica.

7. Situaes clnicas particulares


Sfilis
As manifestaes oculares da sfilis congnita so, graas melhoria dos
cuidados de sade, cada vez menos frequentes. Em regra, o envolvimento
bilateral, com infiltrao vascular, edema da crnea, podendo haver, no
452

Infeces oculares

decurso da evoluo, diminuio da acuidade visual, resultante da cicatrizao da crnea, com ou sem atrofia do nervo ptico, secundria a uvete. Na
sfilis adquirida, as manifestaes oculares podem ser as mais diversas, ocorrendo, em regra, nos estdios secundrio e tercirio (esclerite, queratite intersticial, iridociclite, coroidite multifocal ou pupilas de Argyll-Robertson,
que so pupilas miticas, irregulares, com reflexo fotomotor abolido e reflexo de acomodao mantido). Todo o doente com sfilis ocular deve efectuar
puno lombar, para excluso de neurossfilis. O prognstico est dependente do diagnstico precoce e tratamento adequado.

Doena de Lyme
Classicamente dividida em trs estdios (estdio I infeco precoce localizada; estdio II infeco precoce disseminada; estdio III infeco
tardia persistente), as manifestaes oculares fazem parte de qualquer deles,
embora sejam mais frequentes nas fases mais avanadas, traduzindo a extenso da doena ao sistema nervoso central. Assim, se no estdio I a manifestao ocular mais referida a conjuntivite (em cerca de 11% dos casos),
nos estdios II e III as manifestaes de inflamao intraocular, como a vitrite
e a vasculite da retina e as manifestaes neuro-oftlmicas, tais como a nevrite ptica, disfunes da motilidade ocular e a sndrome de Horner, so as
mais comuns. O diagnstico estabelecido por provas serolgicas e a teraputica fundamenta-se na prescrio de doxiciclina ou de amoxiciclina oral,
embora nos estdios mais avanados seja necessria teraputica endovenosa
com ceftriaxona ou penicilina G14.

Sndrome de imunodeficincia adquirida


A infeco por VIH do tipo 1 e do tipo 2 e a sndrome de imunodeficincia adquirida podem acompanhar-se de grande variedade de manifestaes
oculares, de natureza infecciosa ou outra15. De entre elas salientam-se, pela
frequncia, os exsudados algodonosos (presentes em 50% dos casos e traduzindo isquemia axonal das fibras nervosas da retina) e as retinites citomeglica e toxoplsmica (a qual pode resultar de infeco primria ou da reactivao de quistos latentes).

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I. Aldir
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454

Seco 20

TUBERCULOSE
Emlia Valadas

1. Breve histria da tuberculose


A tuberculose (TB) conhecida desde Hipcrates foi, durante muitos sculos,
rodeada de mistrios e preconceitos. E foi s em 1546 que se referiu, pela
primeira vez, a noo de contgio na TB1. Em 1679, Silvius tinha descrito a
existncia dos tpicos ndulos da TB pulmonar, aos quais chamou tubercula1 e, cerca de 100 anos mais tarde, Villemin demonstrou que animais desenvolviam a doena, quando injetados com expetorao doentes com TB2.
Mas, s em 1882, Robert Koch conseguiu isolar Mycobacterium tuberculosis.
Acreditava-se, ainda, que a TB era uma doena constitucional e, mesmo aps
a descoberta de Koch, quase todos os patologistas da poca se recusaram a
aceitar a causa infeciosa para a TB. Da a necessidade da formulao dos
conhecidos postulados de Koch, forma indiscutvel de provar que Mycobacterium tuberculosis era a causa da TB isolamento do microrganismo, cultura e reproduo da doena, por administrao do microrganismo.

2. Incidncia e mortalidade por tuberculose


O otimismo que se seguiu ao aparecimento dos antibiticos, no perodo
ps-guerra, fez com que se acreditasse que as doenas infeciosas poderiam
ser, rapidamente, controladas ou, at eliminadas. De facto, no que diz respeito TB, observou-se um declnio progressivo na sua incidncia entre as
dcadas de 1950 e 1980. Como consequncia, o mundo ocidental tornou-se
complacente para com as doenas infeciosas e as prioridades em sade pblica passaram a ser direcionadas para as doenas crnicas, para as quais no
se adivinhava uma causa nem havia um tratamento eficaz.
Em 2010, registaram-se 8,8 milhes de casos de TB, 1,1 milhes de mortes
por TB em indivduos no infetados por VIH e 350.000 mortes em infetados
por VIH3. E tudo isto acontece apesar de se conhecer a causa da doena, h
mais de um sculo, e de se dispor de um tratamento eficaz, desde h mais
de 50 anos. No entanto, a nvel global, a incidncia da doena tem diminudo, desde 2002 e, desde 2006, o nmero absoluto de casos de TB tem
vindo a reduzir-se3.
Embora a pandemia VIH/sida seja a principal causa para o aumento da
prevalncia de TB, outros fatores devem ser considerados, tais como o
455

E. Valadas

101-150 por 100.000


51-100 por 100.000
21-50 por 100.000
11 to 20 por 100.000
10 por 100.000
No includo
ou no reportado

Figura 1. Taxa de casos de TB notificados em 2010 na regio europeia. Em 2010,


foram notificados 73.996 casos na Unio Europeia/rea Econmica Europeia
(adaptado de ECDC).

crescimento global da populao e o aumento da sua longevidade, fatores


socioeconmicos e a deteriorao das infraestruturas de sade pblica. A
emergncia de estirpes de Mycobacterium tuberculosis multirresistentes veio
agravar, ainda mais, o problema da TB a nvel mundial.
Nas ltimas duas dcadas, Portugal tem mantido a mais elevada incidncia de TB da Europa ocidental (Fig. 1). Considerando a regio europeia, a
incidncia de TB superior a 20 casos por 100.000 habitantes em apenas
seis pases Bulgria, Estnia, Letnia, Litunia, Portugal e Romnia4.
Entre as possveis causas para esta elevada incidncia, h a referir, entre
outros, a elevada incidncia de infeo por VIH nesta regio, Portugal
apresenta a segunda mais elevada taxa de coinfeo por VIH, 13%4.

3. Patogenia
A maioria dos infetados (90%) por Mycobacterium tuberculosis nunca ir
desenvolver doena. Dos restantes 10%, metade desenvolver TB nos dois a
trs anos seguintes (TB primria) e a outra metade apenas muitos anos mais
tarde, devido reativao endgena de micobactrias, que persistiram em
leses residuais em estdio latente (TB ps-primria). Esta reativao pode
ser o resultado de imunodepresso, tal como acontece na infeo por VIH.
No Homem, a via respiratria , em regra, a porta de entrada para Mycobacterium tuberculosis. A nasofaringe e a rvore respiratria superior
456

Tuberculose

servem de barreira fsica s partculas de maior tamanho. S as partculas


mais pequenas (1-2 m) conseguem atingir o alvolo, onde so fagocitadas
pelo macrfago alveolar. No caso de Mycobacterium tuberculosis no ser
destrudo pelo macrfago e se se iniciar a sua multiplicao imediatamente
a seguir infeo, o indivduo ter TB. No entanto, se a imunidade do hospedeiro no destruir a bactria, mas se tiver a capacidade de a transformar
e de a manter num estdio latente, a infeo poder ser revelada, apenas,
por um teste cutneo tuberculina positivo, mas no ter TB. Anos mais
tarde desenvolver-se-, ento, a chamada reativao endgena da TB, se as
micobactrias latentes se comearem a multiplicar.
A imunidade do hospedeiro um fator crucial na reativao da TB, o que
demonstrado pelas diferentes taxas de reativao em indivduos imunocompetentes e em coinfectados por VIH. Assim, enquanto os imunocompetentes tm taxa de reativao de cerca de 5-10% durante toda a vida, nos
coinfetados por VIH essa taxa de 7% por ano5,6. Com o advento da teraputica antirretroviral, e com o consequente aumento da sobrevida dos infetados por VIH, provvel que se v assistir a um aumento do nmero de
doentes com TB. Isto ser, especialmente, importante em pases com elevada
taxa de infeo por Mycobacterium tuberculosis na populao em geral e,
tambm, com elevada taxa de coinfeo VIH/Mycobacterium tuberculosis,
como o caso de Portugal7,8.

Tuberculose primria
Aps a fagocitose, inicia-se a multiplicao de Mycobacterium tuberculosis no macrfago alveolar e o aumento intracelular de bactrias pode provocar a destruio do macrfago. Aps a destruio da clula, os bacilos libertados so fagocitados por outros macrfagos ou por moncitos e
neutrfilos, que, entretanto, foram atrados da corrente sangunea. medida que este processo continua, o granuloma, a leso tpica da TB, comea a
ser organizado. A seguir fagocitose da micobactria pelo macrfago, os
neutrfilos migram para o local da infeo, seguidos pelos moncitos, que
ao fim de dois a trs dias se diferenciam em macrfagos. Nos dias cinco a
sete, o granuloma formado por macrfagos e por clulas epiteliais imaturas, e no dia nove aparecem as clulas gigantes de Langerhans9. Os macrfagos imaturos transformam-se em clulas epitelioides, rodeadas por linfcitos T (CD4+ e CD8+) e o granuloma caseoso comea a ser formado. Na fase
inicial, a micobactria multiplica-se, exponencialmente, at ao aparecimento
de uma populao de linfcitos T, com especificidade para Mycobacterium
tuberculosis, o que acontece cerca de duas a oito semanas aps a infeo, e
coincide no tempo com o aparecimento de positividade cutnea tuberculina. Alguns macrfagos infetados, ou mesmo pequeno nmero de bactrias
457

E. Valadas

com localizao extracelular, podem escapar do granuloma, atingir um vaso


linftico e migrar para os gnglios linfticos regionais, onde se desenvolvem as
leses secundrias. As micobactrias podem ser depois conduzidas pelos linfticos
at corrente sangunea, podendo disseminar para outras reas do pulmo ou
para outros rgos. Clinicamente, esta fase corresponde a marcada linfadenopatia, o que caracterstico da TB primria. A partir desta altura, e como resultado
da ativao dos macrfagos, a multiplicao de Mycobacterium tuberculosis diminui, drasticamente, quer no foco inicial, quer nas leses secundrias. Os macrfagos produzem factor de necrose tumoral (FNT-a), citocina com fortes propriedades antimicobacterianas que, juntamente com interleucina 12 (IL-12)
estimulam a produo de interfero-gama (IFN-g) pelos linfcitos T. O FNT-a
interatua com o IFN-g, aumentando a imunidade protetora contra a infeo10.
Nos casos de TB miliar, a disseminao hematognica da micobactria leva
formao de leses secundrias em vrios rgos. Esta forma grave da
doena resulta da eroso de um granuloma para um vaso sanguneo ou
linftico e pode redundar da evoluo da TB primria progressiva, sendo
mais frequente em crianas, em idosos e em doentes imunodeprimidos. No
entanto, no deve ser confundida com a disseminao hematognica, que
acontece nas fases iniciais da infeo, na qual, apenas um pequeno nmero
de bactrias se dissemina para os rgos extrapulmonares.

4. Tuberculose ps-primria
A TB ps-primria pode resultar da reativao endgena de uma infeo
primria ou de reinfeo exgena, num indivduo previamente infetado. Nos
indivduos infetados por VIH existe risco aumentado de reativao, o que
sugere a importncia dos linfcitos T CD4+ na manuteno desta fase latente. Esta reativao acontece, em regra, na fase inicial da infeo VIH, numa
altura em que no se observa, ainda, diminuio marcada do nmero de
linfcitos T CD4+ e em que, ainda, outras infees oportunistas no se manifestaram.
No claro que a imunidade do hospedeiro consiga erradicar grande
parte das bactrias no complexo primrio, mas incapaz de esterilizar as
leses secundrias, que, tipicamente, contm pequeno nmero de bactrias.
A discusso deste problema importante, j que cerca de metade de todos
os casos de TB so devidos a reativao endgena. Pouco conhecido acerca dos mecanismos que contribuem para o estabelecimento e a manuteno
da infeo latente, ou dos mecanismos que levam sua reativao. A este
propsito, pode especular-se que a micobactria possa, atravs de um mecanismo ainda desconhecido, impedir a sua prpria destruio. Uma melhor
compreenso dos fatores responsveis pela latncia da micobactria pode
levar a melhores intervenes, para prevenir a reativao da infeo latente.
458

Tuberculose

A tenso de oxignio mais alta nos vrtices pulmonares, o que poderia


explicar porque as leses, com esta localizao, progridem mais rapidamente
do que nas bases. De facto, a multiplicao da micobactria pode ser influenciada pela tenso de oxignio. Tal foi demonstrado em dois trabalhos, em
que se estudou a relao entre a percentagem de oxignio no ar inspirado
e a multiplicao da micobactria no pulmo de cobaias e de ratinhos. Os
animais que viviam em atmosferas com baixa percentagem de oxignio
mostravam diminuio da multiplicao da micobactria e reduo da progresso da doena11, acontecendo o oposto nos animais que viviam em
atmosferas com percentagens elevadas de oxignio12.
A TB ps-primria pode, tambm, ter origem na reinfeo exgena de
indivduos previamente infetados. No entanto, a proporo exata de reativao ou de reinfeo, como causa de TB ps-primria, no , ainda, conhecida.
Provavelmente, a reinfeo o mecanismo mais frequente em pases em desenvolvimento, nos quais a exposio a casos infeciosos de TB mais intensa.

5. Interaes entre Mycobacterium tuberculosis e VIH


Os indivduos infetados por VIH tm um risco aumentado de desenvolver TB.
Atendendo elevada taxa de coinfeo Mycobacterium tuberculosis/VIH em
Portugal, no de estranhar que a TB constitua o critrio definidor de sida
mais frequente e est presente em 42,5% dos doentes13.
Os efeitos negativos recprocos entre a TB e a infeo por VIH tm vindo a ser
demonstrados em mltiplos trabalhos. Se, por um lado, a infeo por VIH agrava
o risco de TB, a TB agrava o prognstico da infeo por VIH14,15. Os indivduos
infetados por VIH, alm de elevada taxa de reativao da TB, tm, tambm, mais
rpida evoluo de infeo para doena14. Em regies com elevada prevalncia de TB, e, como tal, com elevado nmero de bacilferos, a reinfeo exgena pode ser mais frequente do que anteriormente se pensava e ser responsvel
por elevada percentagem dos casos de TB. O aumento do nmero de casos
de TB, na populao infetada por VIH, condiciona o aumento da probabilidade de transmisso aos outros, incluindo a populao imunocompetente.

6. Manifestaes clnicas da TB
Apenas 10% dos indivduos imunocompetentes infetados por Mycobacterium tuberculosis desenvolvero doena. A TB pode atingir qualquer rgo e
a sua expresso clnica varia conforme a localizao. No entanto, o quadro
clnico da TB , quase sempre, insidioso e os sintomas inespecficos.
Na TB pulmonar os sintomas mais comuns so a tosse e a expetorao. A
expetorao , em regra, mucopurulenta e, por vezes, nos doentes com
459

E. Valadas

doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC), no valorizada. Mais raramente,


pode haver hemoptises em pequena quantidade. A hemoptise sbita e em
grande quantidade (aneurisma de Rasmussen), provocada pela eroso da artria pulmonar, por uma cavidade, passou a ser rara na era ps-antibitica. Estas
queixas podem, tambm, ser acompanhadas de dor torcica ou de dispneia,
sendo aquela devida, em geral, inflamao da pleura parietal, podendo haver
derrame pleural associado ou, mais raramente, empiema. Os sintomas gerais
so pouco especficos e consistem em febre, de predomnio vespertino, sudorese noturna, anorexia, astenia e emagrecimento, os quais evoluem, gradualmente, podendo ser bem tolerados e pouco valorizados pelo doente. O exame
objetivo pode no revelar qualquer alterao, mesmo quando h doena
extensa. A radiografia de trax um importante exame complementar, no
s para o diagnstico de TB pulmonar, mas, tambm, para determinar a
extenso da doena e avaliar a sua evoluo sob teraputica. Embora no
confirmem o diagnstico de TB, alguns padres radiogrficos so muito sugestivos de TB, tais como infiltrados das reas apicais ou subapicais posteriores
dos lobos superiores, especialmente se este for bilateral ou se estiver associado
a cavidades. As alteraes laboratoriais que, em geral, acompanham a TB so
anemia normocrmica e normoctica, hipergamaglobulinemia, hipoalbuminemia, aumento dos parmetros de fase aguda, hiponatremia e hipercalcemia.
A hiponatremia pode estar associada a meningite tuberculosa, mas pode,
tambm, estar presente em casos de TB pulmonar sem outras localizaes.
A TB extrapulmonar definida como qualquer localizao fora do parnquima pulmonar, incluindo a TB pleural e dos gnglios mediastnicos. Os
sintomas e os sinais podem ser inespecficos ou podem apontar para o compromisso de um rgo em particular, como, por exemplo, as cefaleias e os
sinais menngeos no caso de meningite tuberculosa ou a presena de tubrculos coroideos na TB miliar.
Quando associada infeo por VIH, as manifestaes clnicas da TB so
semelhantes s dos indivduos imunocompetentes, sendo, no entanto, as
formas de localizao extrapulmonar mais frequentes do que na populao
imunocompetente. Embora a TB possa ocorrer em qualquer estdio da infeo por VIH, as manifestaes clnicas variam com o grau de imunodepresso
associada16. Assim, um nmero de linfcitos T CD4+ < 200/mm3 correlaciona-se
com localizaes extrapulmonares ou com as formas disseminadas de TB e,
medida que a infeo por VIH progride no tempo, mais atpica pode ser a
apresentao clnica da TB.

7. Diagnstico
O diagnstico de TB deve ser, sempre que possvel, bacteriolgico, recorrendo s tcnicas laboratoriais habitualmente usadas (colorao por auramina
460

Tuberculose

e cultura em meio de Lwenstein-Jensen ou em meios lquidos). Sempre que


exista suspeita de TB, a pesquisa de micobactrias deve ser exaustiva. Esta
deve ser realizada em amostras dos rgos envolvidos, tais como expetorao
ou secrees brnquicas, sangue, medula ssea, urina, lquido cefalorraquidiano (LCR) ou fragmentos de tecidos, obtidos por biopsia (fgado, gnglios,
pleura, bao e osso). O exame histolgico do material obtido por biopsia,
com a identificao de granulomas caractersticos de TB, pode ajudar no
diagnstico. Como a formao de granulomas est, diretamente, dependente da manuteno da imunidade celular eficaz, esses achados histolgicos
so menos tpicos se houver imunodepresso associada. A radiografia de
trax pode mostrar o envolvimento tpico dos lobos superiores, podendo ser
visvel a cavitao. A expresso radiolgica do trax semelhante no indivduo imunocompetente e no indivduo com infeo por VIH com contagem
de linfcitos T CD4+ 200/mm3; em regra, as cavitaes so encontradas em
doentes com contagem de linfcitos T CD4+ 200/mm3, enquanto que as
adenopatias intratorcicas so observadas em doentes com < 200 linfcitos T
CD4+/mm3. A presena de leses hipoecogneas no bao, que, com frequncia,
se associam a discreta esplenomegalia, so, tambm, a favor do diagnstico
de TB17. O papel da reao de Mantoux no diagnstico da TB , atualmente,
controverso, j que a interpretao dos resultados difcil. Um resultado
positivo pode significar infeo no passado, doena ou vacinao com BCG,
pelo que, com exceo das crianas e do rastreio de contactos, muito
inespecfico.

8. Tratamento da tuberculose
O esquema teraputico a usar no tratamento da TB deve ser escolhido
tendo em considerao as caractersticas do quadro clnico, a coexistncia
de outras doenas e a respetiva teraputica, bem como o perfil psicolgico do doente e a sua capacidade em aderir a uma teraputica prolongada.
Alm disso, a escolha do esquema teraputico pode ser diferente se houver
histria de tratamento prvio com antibacilares ou contacto prximo com
doentes com TB multirresistente.
De um modo geral, a teraputica da TB pode ser considerada como
composta por duas fases distintas a fase inicial, com a durao de dois
meses, seguida por um perodo mais longo e com a durao mnima de
quatro meses. A fase inicial de teraputica tem como objetivo a rpida reduo do nmero de micobactrias de localizao intra e extracelular. Embora nesta fase inicial da teraputica, e at h pouco tempo, fosse prtica
corrente o uso de trs frmacos diferentes, atualmente recomenda-se o uso
de um quarto, o etambutol ou a estreptomicina. O etambutol tem como vantagens, em relao estreptomicina, o facto de ter menos efeitos secundrios
461

E. Valadas

e de poder ser administrado por via oral. A recomendao em relao ao


uso de quatro frmacos deve ser considerada sempre que a taxa de resistncia isoniazida seja superior a 4%. Um dos objetivos da Organizao
Mundial da Sade (OMS), no que diz respeito TB, e com base no amplo
uso da estratgia Directly Observed Treatment Short course (DOTS), atingir taxas de cura da TB superiores a 95%. Se se usarem trs antibacilares
em circunstncias em que a taxa de resistncia isoniazida superior a
4%, esse objetivo no ser atingido. Atualmente, calcula-se que a resistncia
isoniazida em Portugal seja de 7,7%. Assim, os antibacilares usados durante
os dois primeiros meses so isoniazida 300 mg/dia, rifampicina 600 mg/dia (ou
450 mg/dia se menos de 45 kg de peso), pirazinamida 20 a 30 mg/kg/dia e
etambutol 15 mg/kg/dia. A segunda fase da teraputica tem como principal
objetivo esterilizar os focos infeciosos. Em geral usam-se, no mnimo, dois
antibacilares, durante um perodo mnimo de quatro meses, mas que pode
ser mais prolongado, dependendo do quadro clnico e da sua evoluo.
O tratamento da TB idntico em doentes infetados por VIH, que no
tenham, ainda, indicao para teraputica antirretroviral. No entanto, nos
doentes j medicados com antirretrovirais ou com indicao para iniciar
esta teraputica, h algumas particularidades que condicionam alteraes
a este esquema teraputico. Como a TB agrava o prognstico da infeo
por VIH consensual tratar, simultaneamente, as duas doenas. O problema em prescrever os dois tratamentos, em simultneo, devido, principalmente, ao facto de ser difcil conciliar a teraputica antirretroviral mais
eficaz com os antibacilares mais potentes. A rifampicina no deve ser
usada em associao com os inibidores da protease (IPs) j que, por induo do citocrmio P450 (CYP450) heptico, provoca diminuio dos nveis
sricos destes ltimos, o que levaria induo de resistncia aos antirretrovirais e a risco aumentado de resistncia cruzada com outros frmacos. Por
outro lado, os antirretrovirais diminuem o metabolismo das rifamicinas,
aumentando a sua toxicidade.
Em 1998, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) publicou
as recomendaes para a teraputica da TB em coinfetados por VIH. Nestas recomendaes era sugerida a utilizao de esquemas teraputicos que
inclussem rifabutina, em vez de rifampicina, nos doentes medicados com
IPs ou com no-nuclesidos inibidores da transcriptase reversa (NNITRs).
Os inibidores da transcriptase reversa (NITRs) no so metabolizados pelo
CYP450, pelo que o uso da rifampicina no est contraindicado e no
necessrio fazer ajustes posolgicos. Dois anos depois, estas recomendaes sofreram algumas alteraes, admitindo-se possvel a teraputica simultnea de efavirenz com rifampicina ou rifabutina18. Neste mesmo documento, sugere-se que, em casos de esquemas teraputicos complexos,
que incluam IPs ou NNITRs, seja possvel, embora no recomendado, considerar teraputicas que no incluam rifamicinas. No entanto, , tambm,
462

Tuberculose

este documento que chama a ateno para o facto de que os doentes medicados, em simultneo, com antirretrovirais e com antibacilares devam ser
vigiados, com especial ateno, em relao possibilidade de insucesso no
tratamento de ambas as doenas e aos mltiplos efeitos sinergsticos e acessrios dos vrios frmacos usados.

9. Tuberculose multirresistente e extensivamente


resistente
A TB multirresistente (TB-MR) definida como a resistncia simultnea
a, pelo menos, isoniazida e rifampicina, os dois antibacilares mais eficazes
no tratamento da TB. Em alguns pases, a prevalncia de TB-MR pode ser
to elevada como 48%, verificando-se haver uma relao inversa entre o uso
da estratgia DOTS e a prevalncia de TB-MR19.
Em Portugal, s a partir de meados da dcada de 1990, se passou a realizar a vigilancia da TB-MR de uma forma sistemtica. At quela data eram
investigados, apenas, os casos crnicos e os insucessos teraputicos. Em 1997,
o programa Sistema de Alerta e Resposta Apropriada (SARA) entrou em vigor, passando a registar todos os casos de Mycobacterium tuberculosis resistente aos antibacilares, notificados pelos vrios laboratrios. Segundo este
programa, at fevereiro de 2000, foram, apenas, identificados 375 casos de
TB-MR a nvel nacional, dos quais 168 em Lisboa. Em 2010, e segundo dados
do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), a taxa de
TB-MR, a nvel nacional, era de 1,6%4, uma das mais baixas da Europa.
Embora o esquema teraputico tenha que ser sempre individualizado ,
no entanto, consensual que se devam combinar trs ou quatro frmacos no
usados previamente, incluindo uma fluoroquinolona e um aminoglicosdeo
ou capreomicina, devendo ser mantidos por 18-24 meses20.
Atendendo s dificuldades no tratamento da TB-MR, tm-se tentado outras alternativas teraputicas, tais com o uso de Mycobacterium vaccae morta, de talidomida ou de fenotiazinas21-23. Resultados de um estudo realizado
em Inglaterra mostram que o tratamento da TB-MR tem custos 100 vezes
mais elevados, mesmo em indivduos sem infeo por VIH ($87.600 vs $8.818),
contabilizando o tempo de isolamento e de internamento, o nmero de
consultas, frmacos e monitorizao da toxicidade24.
O uso de TMC207 no tratamento de TB-MR veio alterar o prognstico
desta doena25 e outros dois novos frmacos, OPC-67683 and PA-824, esto
j em ensaios clnicos26.
A TB extensivamente resistente (TB-XDR) , por definio, a resistncia
a rifampicina e isoniazida (TB-MR), resistncia a quinolonas e a, pelo menos, um dos seguintes frmacos injetveis canamicina, capreomicina ou
amicacina27.
463

E. Valadas

Vacinao e quimioprofilaxia
A necessidade de uma nova vacina contra a TB indiscutvel. A vacina BCG,
usada desde 1921, tem uma eficcia bastante contraditria, que varia desde
80% at uma eficcia negativa28. No entanto, consensual que a BCG protege contra as formas graves da doena, tais como a TB menngea e TB miliar,
nas crianas. A BCG, por ser uma vacina viva atenuada, no deve ser administrada em casos de depresso da imunidade celular, como o caso da infeo
por VIH. Cinco novas vacinas contra a TB esto, atualmente, em ensaios de
fase I/IIa, havendo, pelo menos 16 vacinas, em desenvolvimento pr-clnico29.
A medida considerada mais importante para a preveno da TB a rpida identificao e tratamento dos casos de TB. Os defensores da quimioprofilaxia, como uma das medidas para o controlo da TB, argumentam que
iniciar quimioprofilaxia nos infetados por Mycobacterium tuberculosis pode
prevenir a progresso de infeo latente para doena, diminuindo, assim, a
transmisso da TB. Por outro lado, nos coinfetados por VIH, a preveno da
reativao da TB pode evitar a ativao dos linfcitos T CD4+ e, assim, diminuir o risco de progresso para sida. De facto, a diminuio da incidncia de
TB e da progresso para sida, pela quimioprofilaxia da TB, tem sido documentada em mltiplas publicaes. Os resultados publicados continuam a ser
alvo de intensa discusso e os argumentos contra a quimioprofilaxia generalizada apoiam-se, principalmente, em razes de sade pblica. Em primeiro
lugar, h que identificar os infetados por Mycobacterium tuberculosis. Em
regies com elevada prevalncia de vacinao por BCG e de TB, como o
caso de Portugal, o teste de Mantoux no permite esta distino30, mas, nos
ltimos anos, essa dificuldade foi ultrapassada pelo desenvolvimento do
diagnstico imunolgico da TB. Atualmente, h dois testes comercialmente
disponveis, QuantiFERON e T-SPOT.TB, com especificidade e sensibilidade
diferentes. O T-SPOT.TB, por apresentar sensibilidade mais elevada, deveria
ser o teste a realizar em imunodeprimidos31,32.

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465

Seco 21

ZOONOSES E INFEES
TRANSMITIDAS POR ARTRPODES
Patrcia Pacheco

1. Definio
Zoonose doena infeciosa transmissvel, em condies naturais, dos animais vertebrados ao homem e inversamente1. A transmisso pode ocorrer de
forma direta, atravs do contacto com o animal infetado e com os seus produtos ou, indiretamente, atravs de um artrpode vetor. O termo antropozoonose refere-se a zoonoses transmissveis exclusivamente do animal ao homem.
Infeo transmitida por artrpodes infees transmitidas dos animais invertebrados ao homem. Neste caso os artrpodes (caros e insetos) funcionam,
simultaneamente, como reservatrios e vetores dos microrganismos.
Classicamente, as infees transmitidas por animais foram divididas entre
zoonoses e infees transmitidas por artrpodes, contudo, nem sempre os
limites desta diviso so claros. Por exemplo, algumas infees, que so originalmente zoonoses, so mantidas com razovel eficcia na populao de
artrpodes vetores, atravs da migrao transovrica, mantendo-se sem necessidade de um reservatrio vertebrado, como acontece, habitualmente,
com as ricketsioses.

2. Consideraes gerais
As doenas transmitidas por animais tendem a ocorrer em circunstncias
adequadas de geografia, clima e atividade humana, pelo que aparecem,
habitualmente, em reas geogrficas definidas, com frequncia varivel ao
longo do ano e em populaes de indivduos com maior risco, nomeadamente aqueles cuja atividade, profissional ou de lazer, implica maior oportunidade de encontro com outras espcies animais, como o caso dos caadores,
veterinrios, trabalhadores de exploraes agropecurias e de matadouros.
Os avanos cientificotecnolgicos e a melhoria das condies higienicossanitrias das populaes condicionaram, nas ltimas dcadas, marcado decrscimo de algumas zoonoses nos pases desenvolvidos. Contudo, o crescimento
da atividade humana, incluindo os fenmenos de migrao em massa, a
desflorestao, com urbanizao de grandes reas, as mudanas climatricas
induzidas pela crescente industrializao e o processamento e distribuio
467

P. Pacheco

Quadro 1. Algumas zoonoses e doenas transmitidas por artrpodes (lista no inclusiva)

Bactrias

Vrus

Parasitas

Fungos

Patognios

Doena

Brucella spp

Brucelose

Rickettsia conorii

Febre escaronodular

Rickettsia rickettsii

Febre das Montanhas Rochosas

Rickettsia typhi

Tifo murino

Coxiella burnetii

Febre Q

Leptospira interrogans

Leptospirose

Borrelia burgdorferi

Doena de Lyme

Chlamydia psittaci

Psitacose

Erlichia chafensis

Erlichiose

Listeria monocytogenes

Listeriose

Bartonella spp

Angiomatose bacilar e doena da arranhadela do gato

Rhodococcus equi

Rodococose

Salmonella spp

Gastrenterite

Campylobacter jejuni

Gastrenterite

Yersinia pestis

Gastrenterite

Mycobacterium bovis

Tuberculose

Flavivrus

Febre amarela; dengue

Rabdovrus

Raiva

Hantavrus

Hantaviroses

Leishmania spp

Leishmaniose

Plasmodium spp

Malria

Toxoplasma gondii

Toxoplasmose

Echinococcus granulosus

Equinococose

Trypanosoma spp

Doena de Chagas e doena do sono

Toxocara spp

Larva migrans visceral

Taenia spp

Teniose, cisticercose

Dermatfitos

Tinhas

em larga escala de produtos alimentares animais, tm condicionado o


aparecimento de zoonoses emergentes, ou seja, zoonoses devidas a agentes infeciosos previamente desconhecidos (por exemplo, a erlichiose) ou
doenas infeciosas j conhecidas, que assumem maior frequncia ou gravidade do que previamente (por exemplo, as epidemias de infees alimentares por Salmonella enteritidis, resultantes da distribuio em massa de um
alimento contaminado no seu local de origem)2.
Diversos microrganismos esto associados a zoonoses e doenas transmitidas por artrpodes, incluindo vrus, bactrias, fungos e parasitas (Quadro 1).
A via de transmisso ao ser humano pode ser:
Cutnea diretamente atravs da mordedura ou da arranhadela de um
animal vertebrado ou, indiretamente, atravs da picada de um artrpode vetor.
468

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

Como exemplos, refiram-se a doena da arranhadela do gato (bartonelose)


e a febre escaronodular, respetivamente.
Respiratria atravs da inalao dos microrganismos transmitidos pelo
animal, como o caso da psitacose e da febre Q.
Digestiva atravs da ingesto de produtos animais e dos seus derivados contaminados, como acontece, nomeadamente, com a brucelose e a
listeriose.
Alguns microrganismos podem ser transmitidos por mais de uma via,
como, por exemplo, Coxiella burnetii, agente da febre Q, a qual pode ser
veiculada ao homem quer por via respiratria, quer por via digestiva.
O seres humanos servem, em regra, como hospedeiros acidentais para a
infeo, podendo, contudo, em algumas ocasies, atuar como reservatrio
da doena, como acontece na febre amarela.
Uma vez que sai do mbito deste manual a reviso exaustiva de todas as
zoonoses e doenas transmitidas por artrpodes, opta-se por apresentar, de
uma forma orientada para a clnica, as infees mais vezes diagnosticadas
em Portugal, incluindo infees autctones (brucelose, febre escaronodular,
febre Q, doena de Lyme, leptospirose, leishmaniose e equinococose) e doenas infeciosas importadas de maior expresso na prtica clnica (malria e
dengue).

3. Brucelose
A brucelose, conhecida no passado como febre ondulante mediterrnica
ou febre de Malta, uma zoonose provocada por bactrias do gnero Brucella. Existem diversas espcies de Brucella, sendo patognicas para o ser
humano as espcies Brucella melitensis (ovinos e caprinos), Brucella suis (sunos), Brucella abortus (bovinos) e Brucella canis (ces). Nos ltimos anos foram
descritas, pontualmente, infees humanas por espcies de espcies de Brucella relacionadas com animais marinhos (delphini, pinnipediae, cetaceae).

Epidemiologia
Em Portugal, a espcie prevalente Brucella melitensis, persistindo uma
endemia no gado ovino e caprino. Nos animais, a brucelose , com frequncia, inaparente e, quando sintomtica, traduz-se por infeo genital,
nomeadamente, orquite nos machos e abortamento nas fmeas. A doena transmitida ao ser humano, sobretudo, por via digestiva, pela ingesto de produtos lcteos crus provenientes de animais infetados, mas, tambm,
pode ser adquirida por via respiratria (partculas infetadas aerossolizadas)
e cutnea (atravs de solues de continuidade da pele), no caso de pessoas
469

P. Pacheco

cuja atividade implique um trabalho direto com os animais, como sejam os


pastores, os veterinrios e os magarefes. O contgio interhumano muito
raro, embora possvel, nomeadamente por transfuses sanguneas e contacto sexual3,4. Em Portugal, a brucelose ainda frequente, embora se tenha vindo
a assistir diminuio gradual da sua incidncia (em 1999 notificaram-se
683 casos, enquanto que, em 2008, apenas, 58 casos)5. A distribuio da
doena apresenta assimetrias regionais, associadas criao e comrcio de gado,
sendo Bragana o distrito com a mais elevada taxa de incidncia.

Fisiopatologia
Aps a penetrao da barreira cutnea ou mucosa (digestiva, respiratria
e conjuntival) as bactrias atingem, por via linftica, o sistema ganglionar
regional, onde se multiplicam. A partir deste foco primrio vo atingir a
circulao sangunea sendo, posteriormente, captadas pelas clulas do sistema reticuloendotelial, concentrando-se no bao, fgado, medula ssea, gnglios linfticos e osso. Nestes rgos, as bactrias multiplicam-se, intracelularmente, desencadeando uma resposta imunitria do tipo humoral, com
produo de anticorpos, e do tipo celular, com formao de granulomas.
Os granulomas podem conter a infeo, evoluindo para fibrose e morte
dos microrganismos ou, mais vezes, constiturem focos secundrios, reservatrios de bactrias quiescentes, capazes de desencadear recadas, muito
tempo aps a infeo inicial.

Quadro clnico
A brucelose tem diversas formas de apresentao, sendo a mais habitual
a aguda septicmica, a qual surge aps um perodo de incubao de duas a
oito semanas. O quadro clnico tem incio sbito e , em regra, caracterizado
por febre elevada, de predomnio vespertino, sudao noturna profusa, mio-artralgias e prostrao. O exame objetivo pode ser normal ou podem existir
organomegalias (fgado, bao e gnglios). A forma aguda focalizada segue-se fase anterior, sendo as manifestaes dependentes do local da focalizao infeciosa (osteoarticular, hepatoesplnica, neuromenngea, genital e
cardiovascular). A focalizao infeciosa mais frequente ao nvel da coluna
vertebral, particularmente da coluna lombar, atingindo, por norma, o disco
e as duas vrtebras adjacentes (espondilodiscite) e manifesta-se por lombalgias e impotncia funcional de grau varivel. As formas focalizadas podem
no se acompanhar de manifestaes sistmicas de infeo, ocorrendo aps
uma fase aguda de infeo inaparente (forma subaguda focalizada). A brucelose crnica pode definir-se como infeo que persiste durante mais de
470

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

12 meses, aps o diagnstico inicial. Esta categoria complexa e abrange


doentes com comprovadas recadas e doentes com queixas recorrentes de
fadiga, febre intermitente, algias generalizadas, em que no se deteta nenhum sinal de infeo em atividade, sendo provvel que as queixas sejam
de ordem funcional.

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Elevao dos parmetros inflamatrios [proteina C reactiva (PCR), velocidade de sedimentao eritrocitria (VSE) e fibrinognio], anemia normoctica normocrmica ligeira, leucopenia ou neutropenia, podendo ocorrer ligeira
elevao das provas de funo heptica.

Mtodos

microbiolgicos

Nas formas agudas, o isolamento de Brucella spp obtm-se atravs de hemoculturas e/ou mielocultura. Estes exames culturais eram, tradicionalmente,
realizados em meio especfico (triptose), no entanto o desenvolvimento de
novos mtodos automatizados de culturas do sangue veio permitir a sua
deteo nos meios habituais de hemoculturas6. Nas formas subagudas focalizadas, as mieloculturas tm maior rentabilidade do que as hemoculturas,
no entanto, o diagnstico microbiolgico depende, essencialmente, da cultura de material de biopsia ou de puno aspirativa dirigida ao local de
focalizao infeciosa (por exemplo, osteoarticular, heptico e testicular). O
isolamento do agente permite o diagnstico definitivo da infeo por Brucella spp. A identificao da espcie e o respetivo teste de suscetibilidade
antibitica no so, em regra, tcnicas de rotina, disponveis nos laboratrios
de microbiologia hospitalares.

Mtodos

serolgicos

O diagnstico serolgico da brucelose assenta, tradicionalmente, num


teste de aglutinao que pesquisa anticorpos dirigidos contra o lipopolissacrido bacteriano (em lmina reao de Huddlesson e em tubo reao
de Wrigth). um teste quantitativo, que pesquisa anticorpos totais, mas
fundamentalmente da classe IgM. O ttulo a partir do qual se considera positiva a reao de Huddleson de 1/160, sendo lcito, na presena de um
quadro clnico sugestivo, iniciar teraputica. A confirmao serolgica
determinada pela subida do ttulo entre o soro de fase aguda e de convalescena (em regra, trs semanas de intervalo). Podem existir resultados
falsamente positivos, por reaes cruzadas, na presena de outras infees
(por exemplo, Yersinia enterocolitica, Francisella tularensis, Vibrio cholerae)
ou de doenas autoimunes. Os falsos negativos resultam de um fenmeno de
471

P. Pacheco

pr-zona ou de infeo por Brucella canis, uma vez que os testes serolgicos
correntes no detetam anticorpos contra esta espcie. Outros testes que se
podem utilizar so o enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), a reao
de imunofluorescncia indireta, o teste de Coombs e a reao do 2-mercaptoetanol (2-ME), sendo este ltimo, particularmente, importante nas formas
subaguda e crnica.

Mtodos

de biologia molecular

Embora j esteja disponvel uma tcnica de PCR para Brucella spp, com
boa sensibilidade e especificidade, este mtodo no est, ainda, acessvel na
rotina do diagnstico laboratorial da brucelose.

Tratamento
Por ser uma infeo causada por bactrias de crescimento intracelular e
com um ritmo de replicao lento, o tratamento deve fundamentar-se na
combinao de antibiticos ativos, com boa penetrao intracelular e prolongado no tempo. O tempo de tratamento deve ser adaptado s formas
clnicas, sendo, em mdia, de seis semanas nas formas agudas no focalizadas
e de trs a 12 meses nas formas focalizadas (maior tempo de tratamento
para a neurobrucelose). A associao de antibiticos fundamental para
minimizar o risco de falncia/recada sendo o esquema teraputico preferencial nas formas no complicadas doxiciclina (200 mg/dia, durante seis
semanas) associada a aminoglicosdeo (estreptomicina 1 g/d ou gentamicina
240 mg/d, durante as primeiras duas semanas) Em casos de maior gravidade
alguns autores recomendam uma teraputica tripla com doxiciclina, rifampicina e aminoglicosdeo7. A combinao de doxiciclina e rifampicina, recomendada pela Organizao Mundial da Sade (OMS), em 1986, associou-se
em diversos estudos a maior taxa de falncias e recadas pelo que, atualmente, dever ser considerada apenas como regime alternativo. O tratamento
com quinolonas tambm se associou a piores resultados. Na grvida e nas
crianas com menos de oito anos, devem ser evitadas as tetraciclinas e os
aminoglicosdeos, podendo ser usado o cotrimoxazol (em monoterapia) ou
em combinao com rifampicina. O tratamento cirrgico adjuvante deve ser
ponderado em algumas formas focalizadas, nomeadamente na discite e na
endocardite.

Prognstico
A mortalidade por brucelose com tratamento antimicrobiano adequado
rara, e quando ocorre deve-se, sobretudo, a casos graves de endocardite
472

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

ou de meningite bruclica. Relativamente morbilidade, o prognstico


bom nas formas no focalizadas. Nas formas com focalizao osteoarticular
pode permanecer algum compromisso funcional.

Preveno
As medidas preventivas consistem na evico dos produtos lcteos (leite
e queijos frescos) no fervidos ou no pasteurizados. Os trabalhadores com
atividades diretamente relacionadas com a manipulao de gado ou dos seus
produtos devem utilizar medidas adicionais de segurana, como o uso de
mscaras e luvas. O controlo da doena nos animais possvel, atravs da
vacinao dos sos e do abate dos infetados.

4. Febre escaronodular
A febre escaronodular, tambm chamada, na literatura anglo-saxnica
mediterranean spotted fever e na francesa fivre boutonneuse, uma zoonose provocada por bactrias do gnero Rickettsia. Existem diversas espcies
do gnero Rickettsia, sendo as mais importantes Rickettsia rickettsii, responsvel pela febre das Montanhas Rochosas (Amrica do Norte), Rickettsia
typhi, responsvel pelo tifo murino, e Rickettsia conorii, responsvel pela
febre escaronodular. So bactrias Gram-negativo, de crescimento intracelular obrigatrio.
A febre escaronodular , atualmente, a zoonose mais prevalente em
Portugal, com o maior nmero de casos notificados anualmente.

Epidemiologia
Rickettsia conorii tem como vetor e reservatrio um artrpode, Ripicephalus sanguineus, habitualmente designado por carraa do co. A
infeo da carraa ocorre quando se alimenta em animais selvagens infetados (roedores). As bactrias multiplicam-se nos seus rgos e so transmitidas descendncia por via transovrica, tornando desnecessria a
existncia de hospedeiros intermedirios ou de reservatrios vertebrados.
A infeo transmite-se ao homem, acidentalmente, atravs da mordedura
da carraa infetada ou por contaminao das mucosas com tecidos ou
sangue do artrpode. A possibilidade de encontro entre o homem e este
vetor aumenta quando o ser humano penetra no meio rural (por exemplo, em atividades de campismo ou em passeios campestres) ou, no meio
urbano, pela proximidade com o co domstico. A febre escaronodular
473

P. Pacheco

apresenta carter endmico nos pases da orla mediterrnica, nomeadamente,


em Portugal, onde mantm uma frequncia estvel ao longo dos anos,
com cerca de 500 casos notificados anualmente, ocorrendo a maioria no
terceiro trimestre do ano, evidenciando a sazonalidade tpica da poca
estival5.

Fisiopatologia
A infeo inicia-se no local da inoculao, onde as bactrias se multiplicam nas clulas endoteliais do vaso sanguneo lesado, provocando uma
reao inflamatria perivascular, responsvel pela necrose cutnea (escara
de inoculao). Posteriormente, as bactrias invadem a corrente sangunea
e penetram nas clulas endoteliais dos pequenos vasos, desencadeando um
processo de vasculite sistmica. Os rgos mais atingidos so, naturalmente,
os mais vascularizados, como a pele, o pulmo, o fgado, o corao, o crebro e o rim.

Quadro clnico
Aps um perodo de incubao de cerca de sete dias surge o perodo
prodrmico, caracterizado por febre elevada, cefaleias intensas, mialgias,
artralgias, prostrao e injeo conjuntival. Cerca de dois dias depois, aparece um exantema no pruriginoso, maculopapulonodular, que no poupa as
superfcies palmoplantares (inicialmente surgem mculas dispersas, evoluindo
rapidamente para ppulas rseas, as quais assumem, posteriormente, aspeto
nodular com cor vermelhoarroxeada, aveludadas ao toque). A mordedura da
carraa , em regra, indolor, mas nesse local desenvolve-se uma pequena
lcera com centro necrtico, de aspeto caracterstico, denominada escara de
inoculao (tache noir na literatura francesa). A escara de inoculao localiza-se mais vezes no trax e nos membros, podendo, contudo, encontrar-se
noutros locais (por exemplo, couro cabeludo e regio genital). Em cerca de
10% dos casos no se encontra a porta de entrada, podendo traduzir, por
exemplo, penetrao atravs da mucosa ocular, detetando-se, nesse caso,
uma conjuntivite unilateral8,9. Os casos mais atpicos (escara ausente, exantema no nodular, entre outros) exigem maior percia para o diagnstico.

Exames complementares de diagnstico


O diagnstico da febre escaronodular , fundamentalmente, clnico e
baseia-se na observao da trade caracterstica do perodo de estado da
474

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

doena (febre, escara de inoculao e exantema) e na histria epidemiolgica. Contudo, em situaes mais atpicas podem ser teis alguns exames
complementares.

Avaliao

analtica geral

Elevao dos parmetros inflamatrios, ausncia de leucocitose e, ocasionalmente, trombocitopenia ligeira. Elevao ligeira das provas de funo
heptica.

Mtodos

serolgicos

O diagnstico serolgico da febre escaronodular fundamenta-se na tcnica de imunofluorescncia indireta, permitindo a deteo, no soro, de anticorpos da classe IgG e IgM. A confirmao serolgica do diagnstico assenta na seroconverso ou na subida do ttulo com trs semanas de intervalo.
As tcnicas de imunofluorescncia direta podem ser utilizadas em produtos
de biopsia. A reao de Weil-Felix, tradicionalmente utilizada para o diagnstico serolgico, foi abandonada, dada a sua baixa especificidade e sensibilidade.

Mtodos

microbiolgicos

As bactrias do gnero Rickettsia no so detetveis nas hemoculturas


habituais. A sua cultura (por tcnica de shell-vial) pode ser, contudo, efetuada em produtos de biopsia e no sangue (tubo com anticoagulante), colhidos
antes do incio da antibioterapia.

Mtodos

de biologia molecular

A tcnica de PCR pode ser utilizada diretamente nos produtos biolgicos, para demonstrar a presena do microrganismo ou com fins epidemiolgicos, para identificar a espcie envolvida atravs de identificao
genmica. Atravs deste mtodo j foi comprovada a existncia, em Portugal, de febre escaronodular provocada por Rickettsia israelii, cuja distribuio se pensava estar restrita a Israel10. Como dado interessante, importa referir que a ausncia de escara habitual nas infees provocadas por
esta espcie.

Tratamento
O tratamento habitual efetuado com doxiciclina (100 mg oral, 2/dia)
durante sete dias. Outros frmacos, de segunda escolha, so a ciprofloxacina
(750 mg oral, 2/dia) e o cloranfenicol. Este ltimo frmaco raramente
usado, devido ao risco de depresso medular, ficando reservado para as
crianas e grvidas.
475

P. Pacheco

Prognstico
A evoluo da febre escaronodular, aps a introduo de antibioterapia,
, na generalidade, favorvel, com desaparecimento dos sintomas em dois a
trs dias, sendo a taxa de mortalidade baixa (2,5%). Contudo, a gravidade
da doena depende de fatores do hospedeiro (mais grave, por exemplo, em
idosos e em doentes com patologia subjacente, nomeadamente, com insuficincia renal ou cardaca, diabetes e neoplasias), fatores do microrganismo
(possibilidade de existirem estirpes com maior virulncia) e de fatores tcnicos
(atraso no diagnstico ou prescrio de antibiticos inadequados). Nestas
circunstncias, agrava-se a morbilidade (nomeadamente, com ocasional evoluo para choque sptico) e a mortalidade.

Preveno
Os locais com muita vegetao e sombra devem ser evitados e as carraas
dos animais devem ser cuidadosamente removidas.

5. Febre Q
A febre Q uma zoonose provocada por bactrias Gram-negativo da
espcie Coxiella burnetii, bactrias Gram-negativo, de crescimento intracelular obrigatrio, apresentando uma fase de esporo, que lhes permite sobreviver em ambientes inadequados, resistindo dissecao e ao calor, e serem
transportadas pelo vento a distncias considerveis. A alta capacidade infeciosa deste microrganismo e a sua transmisso por partculas aerossolizadas,
torna-o um agente potencial de bioterrorismo.
O nome febre Q permanece desde a descrio original, em 1937, de um
surto de doena febril de etiologia indeterminada, ocorrido em trabalhadores de um matadouro na Austrlia (Q fever = Query fever).

Epidemiologia
O gado ovino e caprino constitui o reservatrio fundamental de Coxiella
burnetii, embora este microrganismo se possa encontrar, tambm, em animais domsticos, incluindo os ces e os gatos. A infeo nos animais no
provoca doena. Os animais infetados eliminam as bactrias na urina, fezes,
leite e, especialmente, nos produtos de conceo (a placenta da ovelha infetada pode conter at 109 organismos por grama de tecido). O ser humano
infeta-se, em regra, por via respiratria, atravs da inalao de pequenas
partculas aerossolizadas contendo Coxiella burnetii, e, acessoriamente, por
via digestiva, atravs da ingesto de produtos lcteos no pasteurizados,
476

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

provenientes de animais infetados. A febre Q , por norma, uma doena


ocupacional, que afeta aqueles com contacto direto com os animais
infetados (por exemplo, pastores, veterinrios e magarefes), no entanto,
o contacto indireto com os animais, tambm deve ser considerado. Por
exemplo, na Sua, foi descrita uma epidemia de febre Q em 350 pessoas
que viviam ao longo de uma estrada, onde os rebanhos passavam para
se dirigirem para a montanha 11. A febre Q apresenta distribuio mundial, no entanto, as manifestaes clnicas da doena apresentam variabilidade geogrfica, predominando as formas pulmonares ou as formas hepticas. Em Portugal, a verdadeira incidncia da febre Q desconhecida, uma
vez que s foi considerada doena de declarao obrigatria em 1999, assistindo-se a uma clara subnotificao, com uma mdia de 12 casos declarados
por ano.

Fisiopatologia
Aps a infeo, por via respiratria ou digestiva, ocorre disseminao
hematognica, sendo, depois, captadas por clulas do sistema monociticomacrofgico. Uma vez no interior dos macrfagos, as bactrias multiplicam-se
no ambiente acdico do fagolisossoma, acabando por destruir as clulas.
Os tecidos infetados revelam leses vasculares e inflamao granulomatosa,
juntamente com hemorragia e necrose.

Quadro

clnico

De acordo com alguns estudos seroepidemiolgicos, a infeo por Coxiella burnetii , muitas vezes, assintomtica. Quando sintomtica, pode
revelar-se por um quadro agudo ou crnico. A febre Q aguda pode manifestar-se como sndrome febril autolimitada, assemelhando-se ao quadro gripal (febre elevada, mialgias e cefaleias) ou como sndrome febril
com focalizaes hepticas, pulmonares e neurolgicas. No caso de envolvimento pulmonar, o quadro clnico o de pneumonia atpica febre,
mioartralgias, cefaleias, prostrao, tosse seca e infiltrado intersticial bilateral na radiografia de trax. No caso de focalizao heptica, a sintomatologia idntica (exceto tosse), mas as alteraes das provas de
funo heptica so mais marcadas, traduzindo um processo de hepatite
granulomatosa. Esta ltima a forma mais frequente em Portugal12. Em
qualquer das formas, poder existir exantema macular discreto evanescente. A febre Q crnica rara e resulta da persistncia do microrganismo nos
tecidos aps um episdio de infeo aguda. A manifestao mais frequente,
de infeo crnica, a endocardite, a qual se desenvolve, fundamentalmente, nos doentes com patologia valvular cardaca e nos imunocomprometidos (sobretudo por doenas hemato-oncolgicas)13. Em presena de
endocardite, com hemoculturas negativas, esta hiptese diagnstica dever
ser considerada.
477

P. Pacheco

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Elevao dos parmetros inflamatrios, leucograma, habitualmente, normal e elevao moderada das provas de funo heptica.

Mtodos

bacteriolgicos

Por ser uma bactria de crescimento intracelular obrigatrio, Coxiella


burnetii no isolada pelos mtodos culturais habituais, necessitando de
inoculao em animais e em culturas celulares.

Mtodos

serolgicos

O diagnstico serolgico da febre Q permite a deteo de anticorpos contra


os antignios de fase I e fase II (o microrganismo existe numa de duas fases
antignicas, devido a variao na expresso dos seus lipopolissacridos e protenas). Os anticorpos contra a fase II encontram-se no soro do doente com doena aguda e os de fase I esto mais relacionados com as situaes de infeo
crnica. A tcnica mais utilizada a imunofluorescncia indireta, permitindo a
deteo de anticorpos da classe IgG e IgM. A confirmao serolgica de febre Q
aguda fundamenta-se na subida do ttulo de anticorpos contra a fase II, com
trs semanas de intervalo. A confirmao serolgica da febre Q crnica consiste na deteo de anticorpos contra a fase I, em excesso aos anticorpos detetados contra a fase II. A presena de anticorpos IgG contra o antignio de
fase I num ttulo superior ou igual a 800 de diagnstico de febre Q crnica.

Mtodos

moleculares

A tcnica de PCR pode confirmar o diagnstico, mas no est disponvel


na rotina laboratorial.

Tratamento
O tratamento habitual da febre Q aguda efetuado com doxiciclina (100 mg
2/dia) durante 14 a 21 dias. O tratamento prolongado at trs semanas
para prevenir a evoluo para a cronicidade. O tratamento da endocardite por
Coxiella burnetii nunca foi objeto de um estudo controlado, sendo os regimes
recomendados de acordo com a experincia clnica de cada centro. Em regra,
preconiza-se a teraputica combinada (por exemplo, ciprofloxacina e doxiciclina ou doxiciclina e cloroquina) durante um tempo prolongado (um a trs
anos), podendo associar-se um procedimento cirrgico de substituio valvular.
Num protocolo recentemente publicado por um dos grandes centros de referncia mundial de riquetioses, em Marselha (Frana), recomendado que cada
doente com febre Q aguda seja submetido a ecografia cardaca transtorcica
478

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

sem alteraes tratamento habitual com doxiciclina; com qualquer valvulopatia


pr-existente (congnita, reumatismal, degenerativa e prtese valvular) tratamento profiltico da endocardite com associao de doxiciclina e cloroquina14.

Prognstico
A mortalidade por febre Q aguda muito rara. A endocardite da febre
Q crnica apresenta mau prognstico, com elevada mortalidade (23,5-40%,
consoante as sries).

Preveno
Para alm da fervura ou da pasteurizao do leite, de forma a evitar a
contaminao por via digestiva, no existem outras medidas preventivas.

6. Borreliose de Lyme
A borreliose de Lyme ou doena de Lyme, como era anteriormente conhecida, uma zoonose provocada por bactrias (espiroquetas) da espcie
Borrelia burgdorferi sensu lato e transmitida ao homem pela mordedura
de carraas do gnero Ixodes. O agente etiolgico desta doena, inicialmente definido como pertencente a uma espcie nica, designada Borrelia burgdorferi, corresponde, de facto a vrias espcies diferentes, das quais trs so
reconhecidas como patognicas para o ser humano (Borrelia burgdorferi
sensu strictu, Borrelia garinii e Borrelia afzelii). Deste modo, a designao
original deve ser entendida como Borrelia burgdorferi sensu lato, de modo
a englobar todas as espcies isoladas at ao momento.
Desde a primeira descrio, em 1977, aps um surto de artrite juvenil
ocorrido em Old Lyme, Connecticut, Estados Unidos da Amrica (EUA), passando pela descoberta do seu agente etiolgico, em 1982, esta doena tem
vindo a assumir importncia crescente, tornando-se numa das infees emergentes mais investigadas da atualidade.

Epidemiologia
A borreliose de Lyme encontra-se limitada ao hemisfrio norte, sendo
particularmente frequente nos EUA (predominantemente nas reas costeiras)
e na Europa central e do norte, onde se localizam algumas das regies endmicas. Em Portugal, no se conhece a verdadeira incidncia da doena,
479

P. Pacheco

uma vez que s foi considerada doena de declarao obrigatria em 1999,


ano em que foram notificados dois casos, com notificaes estveis desde
ento (seis-sete casos/ano)5. No entanto, diversos estudos seroepidemiolgicos j confirmaram a ocorrncia generalizada desta infeo no pas15. A
borreliose de Lyme transmitida ao homem atravs da mordedura do artrpode vetor, um ixoddeo ou carraa dura, do complexo Ixodes ricinus. As
larvas e as ninfas infetam-se quando se alimentam dos pequenos animais
reservatrios de Borrelia spp (pequenos mamferos selvagens e aves). As
bactrias permanecem no artrpode ao longo do seu ciclo de vida, e so
transmitidas ao homem atravs da mordedura da carraa (mais vezes na fase
de ninfa), aquando de uma nova refeio. A maioria dos casos ocorre entre
os meses de maio e agosto, correspondendo ao perodo de atividade do
estado de ninfa. As ninfas so muito pequenas (2-3 mm), razo pela qual a
mordedura passa inaparente. As pessoas em risco para adquirir a infeo so
as que tm um contacto prximo com reas rurais, florestadas, uma vez que
as carraas se encontram na vegetao.
Existe variao geogrfica na distribuio das trs espcies patognicas
para o homem, sendo as espcies Borrelia azfelii e Borrelia garinii, predominantes na Europa central, do norte e do leste, e a Borrelia burgdorferi sensu
strictu, predominante nos EUA. Recentemente, tm sido divulgados estudos
que apontam para organotropismo especfico de cada espcie, isto , afinidade preferencial para determinados rgos, motivo que justificaria a diferente
expresso clnica nas diferentes regies (nos EUA so preponderantes as
formas articulares e na Europa as formas cutneas tardias e neurolgicas)16.

Fisiopatologia
Aps penetrarem na pele, onde so inoculadas durante a mordedura da
carraa, as espiroquetas migram na derme e invadem, posteriormente, a corrente sangunea, atingindo diversos rgos, particularmente a pele e o sistema
musculoesqueltico. A presena de antignios bacterianos desencadeia um
processo de imunidade humoral e celular, mas estes mecanismos nem sempre
conseguem limitar a infeo. Pensa-se que existe suscetibilidade gentica
individual, que condiciona propenso para o desenvolvimento da doena.

Quadro clnico
Classicamente, o quadro clnico da borreliose de Lyme foi dividido em trs
fases:
Fase primria ou infeo localizada, na qual o eritema crnico migratrio surge como manifestao predominante (ocorre em 60% dos casos),
480

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

sendo patognomnico da doena. Ocorre no local da mordedura da carraa


aps, um perodo de incubao de cerca de uma semana, e apresenta-se
como leso de bordo eritematoso anelar, que se expande, ficando mais claro na parte central. O eritema crnico tem um dimetro mdio de 15 cm e
quente ao toque, podendo ser pruriginoso. Ao longo do tempo, a parte
central pode ficar necrtica ou vesicular. Esta leso resolve em cerca de trs
semanas ou menos, se for instituda antibioterapia. Esta fase inicial pode ser
acompanhada de sintomatologia sistmica, como febre, mialgias e cefaleias.
Fase secundria ou infeo disseminada recente, a qual ocorre semanas
a meses depois da inoculao e resulta da espiroquetemia e da reao imunolgica do hospedeiro. O envolvimento de diversos rgos condiciona o
aparecimento de diversos quadros clnicos, isolados ou em sobreposio, com
atingimento preferencial da pele, sistema nervoso central (SNC) e perifrico,
sistema osteoarticular e corao. Na pele podem surgir mltiplas leses eritematosas cutneas, mais pequenas do que o eritema migratrio inicial. O
compromisso do sistema nervoso manifesta-se, em regra, por radiculite dolorosa, paralisia de pares cranianos (sobretudo do VII par paralisia de Bell)
ou por meningite linfocitria. As artralgias intensas, migratrias e intermitentes, localizadas, sobretudo, nos membros inferiores, so a manifestao
fundamental do atingimento do sistema musculoesqueltico. O compromisso cardaco mais raro, revelando-se, nomeadamente, por bloqueio auriculoventricular.
Fase terciria ou infeo tardia, a qual corresponde s manifestaes causadas pela persistncia da bactria, 12 ou mais meses aps o
incio da infeo. Assim, aps um perodo de tempo de latncia prolongado, a doena evolui para manifestaes crnicas, graves e de prognstico reservado. O envolvimento do sistema nervoso caracterizado
por quadros de encefalopatia/encefalomielite, com perturbaes cognitivocomportamentais progressivas ou por polineuropatias crnicas. As manifestaes articulares, nesta fase, so, por norma, de episdios recorrentes e migratrios de artrite, particularmente dos joelhos, que se
acompanham de sinais inflamatrios objetivveis, contrariamente s artralgias da fase secundria. Em alguns doentes, particularmente na Europa,
surge uma leso cutnea no local onde existiu o eritema migratrio, chamada acrodermite crnica atrfica, caracterizada por descolorao e
atrofia da pele.

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

No existe alterao consistente de parmetros laboratoriais que possa


indiciar o diagnstico.
481

P. Pacheco

Mtodos

microbiolgicos

A microscopia tica de fundo escuro pode detetar esta bactria nos tecidos,
embora tenha baixa sensibilidade. Borrelia burgdorferi sensu latu pode ser cultivada em meio especfico [meio de Barbour, Stoener e Kelly (BSK)], no entanto, o
crescimento muito lento e este meio nem sempre est disponvel nos laboratrios hospitalares. A sua utilizao deve restringir-se a produtos biolgicos, nos
quais existe maior possibilidade de recuperar o agente etiolgico, nomeadamente a biopsia cutnea (bordo das leses do eritema migratrio) ou o lquor.

Mtodos

imunolgicos

O diagnstico serolgico da borreliose de Lyme assenta na tcnica de


imunofluorescncia indireta ou na ELISA, com confirmao dos resultados
positivos por imunoblot. Este mtodo permite a deteo de anticorpos da
classe IgG e IgM (no soro e no lquor). A imunofluorescncia direta, com o
uso de anticorpos monoclonais especficos nas coloraes de tecidos pode,
tambm, permitir a deteo de antignios em microscopia tica.

Mtodos

de biologia molecular

A identificao desta bactria pode, em laboratrios especializados, ser


efetuada por PCR.

Tratamento
O tratamento recomendado com doxiciclina (100 mg 2/dia) independentemente da fase da doena, exceto no caso de atingimento neurolgico,
para o qual o antibitico recomendado a ceftriaxona por via endovenosa.
A durao do tratamento varia de 14-21 dias (eritema crnico) a 60 dias
(infeo osteoarticular). No caso de crianas e grvidas a doxiciclina deve ser
substituda por amoxicilina.

Prognstico
Alguns doentes evidenciam persistncia das queixas aps teraputica
adequada, apesar de resultados serolgicos negativos, sendo devidos sndrome de fadiga crnica, comum como sequela ps-infeciosa.

Preveno
A preveno da borreliose de Lyme consiste na adoo de medidas que
diminuam o contacto com ixoddeos, nomeadamente a evico de locais de
482

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

muita vegetao, o uso de roupas protetoras, o uso de repelentes e a vigilncia e a remoo de carraas quer no ser humano, quer nos animais domsticos. Nos EUA, est comercializada uma vacina contra a borreliose de
Lyme, indicada para os contactos profissionais ou de lazer frequentes com o
habitat natural dos ixoddeos. Contudo, como resultado da variabilidade
geogrfica das espcies, esta vacina no utilizvel na Europa.

7. Leptospirose
A leptospirose uma zoonose provocada por bactrias (espiroquetas) do
gnero Leptospira. Existem duas espcies dentro deste gnero, Leptospira
interrogans, patognica para os seres humanos e animais, e Leptospira biflexa, saprfita, no patognica. A espcie Leptospira interrogans divide-se
em mais de 200 serovares, agrupados em cerca de 20 serogrupos (por
exemplo, icterohaemorrhagiae, hebdomadis, canicola e pomona). A virulncia no se correlaciona com os serovares, tendo estes apenas importncia epidemiolgica (associao entre os serovares e os animais reservatrios
e reas geogrficas). Recentemente, com a aplicao de tcnicas de biologia molecular foi possvel determinar uma taxonomia diferente no gnero
Leptospira, no entanto, em termos prticos, mantm-se a classificao por
serovares e serogrupos (por exemplo, Leptospira interrogans serovar icterohaemorrhagiae).

Epidemiologia
A leptospirose apresenta distribuio mundial, sendo a infeo humana
endmica em reas tropicais, particularmente, aps perodos de elevada
precipitao. Em Portugal uma zoonose relativamente frequente, com
cerca de 60 casos notificados anualmente, sendo mais prevalente nos Aores5.
A infeo humana acidental, no sendo necessria para a sobrevivncia da
bactria na natureza. A transmisso interhumana limita-se aos rarssimos
casos de transmisso maternofetal. Os principais reservatrios de leptospiras
so os roedores (sobretudo ratos) e, acessoriamente, alguns animais domsticos, como bovinos, sunos, equinos e candeos. As bactrias sobrevivem
durante meses nos rins dos animais infetados, sendo continuamente excretadas pela urina. No meio ambiente podem sobreviver durante semanas,
particularmente quando as condies externas so favorveis (temperatura
entre 28-32 oC, e pH neutro ou ligeiramente alcalino). A transmisso ao homem ocorre atravs do contacto cutaneomucoso com o animal infetado ou
com as suas excrees (urina). Em termos de histria epidemiolgica pode
haver referncia a mordedura de rato, no entanto mais frequente ter
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P. Pacheco

ocorrido apenas um contacto indireto com solo ou gua contaminados com


a urina destes animais. Assim, comum, nos antecedentes recentes, uma
histria de limpeza de esgotos/fossas spticas e armazns, ou atividades recreativas como natao ou canoagem em gua doce. As bactrias atravessam
a barreira cutnea, quando existem solues de continuidade da pele ou,
diretamente, pelas mucosas ntegras.

Fisiopatologia
Aps penetrar a barreira cutaneomucosa, as bactrias atingem a circulao sangunea e disseminam-se em todo o organismo (cerca de 48 horas aps
a infeo possvel o isolamento de Leptospira spp em, quase, todos os
rgos, incluindo no lquor). As espiroquetas aderem s clulas endoteliais
dos pequenos vasos, desencadeando um processo de vasculite sistmica. Os
rgos mais afetados so o rim, o fgado, os pulmes e os msculos. A produo de anticorpos especficos permite a opsonizao e fagocitose, com
remoo das espiroquetas da circulao.

Quadro clnico
A gravidade da leptospirose varivel, desde formas subclnicas, apenas
detetadas por testes serolgicos a duas formas clinicamente reconhecveis
em 90% dos casos a leptospirose anictrica, autolimitada, e nos restantes
10% a leptospirose ictrica, que uma doena potencialmente fatal.
A leptospirose apresenta, em regra, um curso clnico bifsico. Aps um
perodo de incubao varivel (em mdia, 10 dias) surge um quadro febril
agudo associado a cefaleias e mialgias intensas (sobretudo na regio lombar
e nos membros inferiores). Esta primeira fase chamada fase leptospirmica
ou septicmica e tem a durao de quatro a sete dias. O nico sinal evocador
do diagnstico a sufuso conjuntival, sendo o restante quadro clnico indiferencivel da sndrome gripal. Esta fase regride com o desaparecimento
das bactrias da circulao. Aps um curto perodo assintomtico (um a trs
dias), ocorre a fase imune ou fase leptospirrica, caracterizada pela presena de anticorpos IgM especficos e pela possibilidade de isolamento de leptospiras, unicamente na urina. Nesta fase, as manifestaes clnicas so de
base imunitria, podendo ocorrer febre, mialgias e cefaleias. Em alguns casos
podem, tambm, ocorrer manifestaes neurolgicas (meningite assptica
com pleocitose linfoctica e hiperproteinorraquia), cutneas (exantema morbiliforme) ou oculares (uvete). O tempo de durao da fase imunitria varia
de quatro a 30 dias. O quadro clnico, previamente descrito, o mais frequente e ocorre na leptospirose anictrica. Existe uma forma mais grave,
484

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

denominada doena de Weil ou leptospirose ictrica, na qual, aps o quadro


febril inicial, ocorre ictercia, insuficincia renal aguda e ditese hemorrgica. No so conhecidos, de forma precisa, os mecanismos que determinam
esta evoluo mais grave, pensando-se que contribuem ambos os fatores
fisiopatolgicos (toxicidade direta das bactrias e reao imunitria do hospedeiro). A ictercia resulta da hiperbilirrubinemia conjugada (decorrente de
hemlise e do bloqueio intracelular na excreo de bilirrubina pelos hepatcitos, por leso vascular heptica) e tem como caracterstica o tom aafroado.
A insuficincia renal aguda, provocada pela nefrite intersticial, manifesta-se
por oligria e hiperazotemia. A hipovolemia, decorrente de desidratao e
do colapso vascular, agrava, com frequncia, a insuficincia renal, desencadeando uma necrose tubular aguda. Em alguns casos, a doena de Weil
evolui para um quadro de choque com falncia multiorgnica.

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Em comum, existe elevao dos parmetros inflamatrios. Nas formas


anictricas existe, como dado mais relevante, um marcado aumento da creatinofosfoquinase. As alteraes das provas de funo heptica so ligeiras,
podendo existir leucocitose com neutrofilia. A urina II apresenta hematria
e cilindrria. Na doena de Weil, as alteraes renais com aumento da ureia
e da creatinina, bem como a hiperbilirrubinemia, do tipo conjugado, dominam o quadro laboratorial. Podem existir alteraes da coagulao, com
trombocitopenia e prolongamento do tempo de protrombina.

Cultura

e isolamento do agente

As leptospiras no so detetveis nas hemoculturas habituais, requerendo


o uso de meios especficos (por exemplo, meio de Fletcher). As bactrias
sobrevivem no sangue anticoagulado com EDTA, durante alguns dias, o que
permite o seu envio para um laboratrio de referncia, de forma a permitir
o isolamento e identificao do agente. O exame direto de produtos biolgicos (sangue, lquor e urina), ao microscpio de fundo escuro, pouco
sensvel e pouco especfico.

Mtodos

serolgicos

O diagnstico serolgico da leptospirose deve ser realizado pela tcnica


de imunofluorescncia indireta, permitindo a deteo de anticorpos da classe IgG e IgM, contra os diferentes serogrupos da espcie. A confirmao
serolgica assenta na seroconverso ou na subida do ttulo inicial na amostra
de sangue colhida com trs semanas de intevalo. A serologia constitui o
mtodo mais utilizado para a confirmao do diagnstico de leptospirose.
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P. Pacheco

Tratamento
O tratamento antibitico efetuado com penicilina (6-8 milhes UI/dia,
durante cinco a sete dias) ou, em alternativa, com doxiciclina (100 mg 2/
dia), mas s tem interesse a sua administrao nos primeiros dias de doena,
uma vez que a restante evoluo da doena dependente de fenmenos
imunolgicos17. O tratamento mdico de suporte fundamental, com controlo da anemia, da coagulao intravascular disseminada e da insuficincia
renal aguda, havendo, com frequncia, necessidade de se recorrer a dilise.

Prognstico
A evoluo depende da forma de apresentao clnica da doena, sendo
que a forma anictrica no se acompanha de morbilidade/mortalidade significativas, mas a forma ictrica apresenta elevada taxa de mortalidade,
sobretudo nas pessoas com mais de 50 anos. Relativamente morbilidade,
habitualmente h recuperao total, sendo rara a insuficincia renal sequelar. A leptospirose confere imunidade duradoura, especfica de serogrupo.

Preveno
A preveno individual da leptospirose consiste no uso de luvas e material
de proteo em atividades em que seja provvel o contacto com material
contaminado com urina de ratos. Em termos de controlo sanitrio global, as
campanhas de desratizao assumem papel importante. A vacinao dos
animais domsticos , apenas, protetora da doena no impedindo a eliminao das bactrias na urina.

8. Leishmaniose visceral
A leishmaniose uma zoonose provocada por protozorios do gnero
Leishmania, sendo reconhecidas trs formas clnicas a leishmaniose visceral
ou Kala-azar, a leishmaniose cutnea americana (Novo Mundo) e a leishmaniose cutnea do Velho Mundo. Todas as formas de leishmaniose so transmitidas atravs da picada de insetos hematfagos. Ao alimentar-se de sangue,
o inseto inocula as formas promastigotas (flageladas) de Leishmania spp, as
quais so fagocitadas pelos macrfagos, onde se transformam em amastigotas (sem flagelo livre). Os amastigotas replicam-se intracelularmente, acabando por ocorrer lise celular, com subsequente libertao de amastigotas, os
quais so fagocitados por novos macrfagos. O ciclo completa-se, quando o
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Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

inseto vetor se alimenta de sangue, ingerindo macrfagos com amastigotas.


A clula digerida e os amastigotas so libertados, transformando-se em
promastigotas no intestino do inseto.

Epidemiologia
Em Portugal e nos pases mediterrnicos, a espcie mais vezes implicada
na leishmaniose visceral Leishmania donovani infantum (na ndia e em
frica a espcie mais frequente Leishmania donovani donovani). O principal reservatrio animal desta zoonose o co e outros candeos selvagens,
e os vetores so diversos insetos do gnero Phlebotomus. A doena transmitida ao homem, fundamentalmente, atravs da picada do inseto vetor. No
entanto, o contgio interhumano possvel, atravs do sangue (partilha de
seringas entre toxicmanos, transfuses sanguneas e transmisso maternofetal). A infeo humana acidental, representando um impasse na cadeia
epidemiolgica, visto que as leishmanias s aparecem, ocasionalmente, no
sangue perifrico, pelo que o flebtomo no pode ser infetado facilmente,
quando faz a sua refeio sangunea no homem. Em Portugal, a doena
prevalente na regio norte do pas, atingindo mais as crianas. Nas dcadas
de 1980 e 1990, devido ao crescimento da infeo VIH/sida e antes da generalizao da teraputica antirretrovrica, esta zoonose aumentou de frequncia em todos os pases mediterrnicos, constituindo uma importante patologia oportunista.

Fisiopatologia
Aps a picada do inseto, os protozorios so introduzidos na corrente
sangunea e captados pelos macrfagos circulantes, que os transportam at
ao sistema reticuloendotelial (fgado, bao, medula ssea e gnglios linfticos). Aqui multiplicam-se intracelularmente, invadindo continuamente novos macrfagos. A infeo intracelular , por vezes, limitada pelos mecanismos de resposta imunitria do hospedeiro, particularmente, pela imunidade
do tipo celular, motivo pelo qual a infeo pode permanecer quiescente,
assintomtica, at ocorrer depresso imunitria.

Quadro clnico
O perodo de incubao da leishmaniose varivel, mas tende a ser prolongado (trs a seis meses). A leishmaniose visceral tem curso insidioso, apresentando, em regra, quadros clnicos de evoluo prolongada, com astenia e
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P. Pacheco

febre ondulante, associadas a perda ponderal progressiva. No exame objetivo,


encontra-se, com frequncia, hepatomegalia moderada e esplenomegalia
volumosa, a qual pode, em fases avanadas da doena, atingir a fossa ilaca
direita. O bao tem, em regra, consistncia mole e indolor palpao.

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Elevao moderada dos parmetros inflamatrios. Pancitopenia (nas formas detetadas mais precocemente pode existir, apenas, trombocitopenia).
Eletroforese de protenas com um pico caracterstico, traduzindo acentuada
hipergamaglobulinemia. Elevao ligeira das provas de funo heptica.

Mtodos

microbiolgicos

O exame direto de sangue medular (mielograma) o mtodo de diagnstico mais frequente, permitindo visualizar macrfagos parasitados com
amastigotas de Leishmania spp. O exame anatomopatolgico de produtos
de biopsia (por exemplo de fgado ou bao), tambm, pode comprovar o
diagnstico. O isolamento de Leishmania spp, com subsequente identificao
de espcie, consegue-se atravs de culturas de sangue perifrico ou medular,
num meio de crescimento especfico meio de NNN (Neal, Novy, Nicolle).

Mtodos

serolgicos

O diagnstico serolgico da leishmaniose fundamenta-se na tcnica de


imunofluorescncia indireta, permitindo a deteo de anticorpos totais. A
confirmao serolgica do diagnstico assenta na seroconverso ou na subida do ttulo, numa amostra de sangue colhida com trs semanas de intervalo.
No caso dos doentes imunocomprometidos, as serologias podem ser falsamente negativas, atendendo incapacidade do hospedeiro montar uma
resposta imunolgica adequada.

Tratamento
O tratamento efetuado com antimoniais pentavalentes (20 mg/kg/dia,
no excedendo os 850 mg de antimnio dirio, durante quatro semanas).
Em Portugal, o frmaco disponvel o antimoniato da meglumina Glucantime o qual contm 85 mg de antimnio base. O composto pode ser injetado por via endovenosa ou intramuscular, sendo a primeira a via mais
utilizada. As alteraes do ritmo cardaco (prolongamento do intervalo Q-T
e arritmias) so o principal efeito secundrio desta teraputica, pelo que se
devem realizar eletrocardiogramas seriados, durante o curso teraputico.
488

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

A anfotericina B lipossmica constitui alternativa eficaz para o tratamento


da leishmaniose visceral, quer no imunocompetente, quer no imunodeprimido18,19, sendo a sua utilizao limitada, apenas, pelo elevado custo econmico. Como teraputica acessria esto, por vezes, indicados suplementos
vitamnicos e fatores de crescimento celulares.

Prognstico
A resposta teraputica condicionada pela situao imunitria subjacente. Assim, na populao em geral boa, mas nos imunocomprometidos
tendem a ocorrer recidivas. No caso particular do doente com infeo VIH/
sida essencial, para o controlo definitivo da infeo, a introduo de teraputica antirretrovrica.

Preveno
No existe preveno disponvel para a leishmaniose, para alm das medidas bsicas de no partilhar objetos suscetveis de estarem contaminados
com sangue. Os ces devem estar sob controlo veterinrio regular.

9. Equinococose (quisto hidtico)


A equinococose uma zoonose provocada por parasitas cstodos, do
gnero Echinococcus, sendo trs as doenas relacionadas com este helminta,
correspondentes a infees por espcies diferentes, isto , o quisto hidtico
(Echinococcus granulosus), a doena hidtica alveolar (Echinococcus multilocularis) e a doena hidtica poliqustica (Echinococcus vogeli). Em Portugal,
o quisto hidtico a nica equinococose existente, pelo que o texto seguinte se ir restringir a esta patologia.

Epidemiologia
A espcie Echinococcus granulosus apresenta distribuio mundial sendo,
atualmente pouco frequente em Portugal, encontrando-se em particular na
regio do Alentejo (verificou-se um decrscimo de cerca de 40 casos notificados anualmente em 1999 para quatro casos notificados em 2008)5. O hospedeiro definitivo deste parasita o co, constituindo o gado bovino, caprino, suno e equino o hospedeiro intermedirio natural. O co parasitado
alberga no seu intestino o parasita adulto, libertando atravs das fezes os
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P. Pacheco

seus ovos. O hospedeiro intermedirio deglute os ovos, depositados nas


pastagens. Uma vez no tubo digestivo destes animais, os ovos transformam-se em oncosferas e atravessam a parede, entrando na circulao portal,
atingindo, posteriormente, diversos rgos, onde se formam estruturas qusticas. O ciclo completa-se quando o co ingere rgos parasitados destes
animais, tornando possvel o crescimento do parasita no seu intestino. O
homem um hospedeiro intermedirio acidental, constituindo um impasse
no ciclo de vida do parasita. A infeo humana ocorre aps a ingesto de
material contaminado com fezes do co.

Fisiopatologia
De forma idntica ao que ocorre no hospedeiro natural, as oncosferas
penetram no sistema porta e no fgado, podendo ultrapassar esta barreira,
com atingimento dos pulmes. Uma vez ultrapassado o sistema pulmonar,
os embries podem atingir qualquer rgo, nomeadamente, o osso, o crebro, o rim, entre outros. Nos rgos alvo, o embrio pode ser destrudo ou
evoluir para fase larvar vesicular, chamada hidtide, que ir dar origem ao
quisto. O quisto hidtico constitudo por uma camada germinativa interna,
uma camada laminar e uma camada fibrosa, decorrente da reao imunolgica do hospedeiro. O quisto vai sendo preenchido por lquido, distendendo-se progressivamente (aproximadamente, 1 cm/ano).

Quadro clnico
Os quistos permanecem assintomticos at atingirem um volume importante, manifestando-se, ento, pelo efeito de massa no rgo envolvido ou
pela sua rotura espontnea ou traumtica. Quando so detetados (muitas
vezes em exames de rotina), estas estruturas qusticas apresentam de cinco a
20 cm de dimetro. A sintomatologia depende do rgo em causa, sendo mais
frequente o compromisso do fgado e do pulmo. O quisto hidtico heptico,
no complicado, pode manifestar-se por dor abdominal, estado nauseoso e
hepatomegalia. No caso de rotura, pode ocorrer um quadro urticariforme e/
ou de choque anafiltico, uma colecistite/colangite (por rotura para a rvore
biliar) ou um derrame pleural/peritoneal (por rotura para o espao pleural ou
peritoneal). A localizao preferencial dos quistos hidticos pulmonares so o
hemitrax direito e as bases. Quando sintomticos, podem manifestar-se por
toracalgia, hemoptises ou vmica (decorrente da rotura do quisto para a
rvore brnquica), que o doente costuma descrever como com o aspeto de
pele de uva. A rotura de quistos em qualquer rgo conduz disseminao de novos elementos, com capacidade para formar quistos noutros locais.
490

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Quando ocorre rotura do quisto, esta pode acompanhar-se de eosinofilia e elevao das IgE. Nos restantes casos, o quadro laboratorial
incaracterstico. A avaliao imagiolgica pode permitir equacionar o
diagnstico. Assim, na radiografia simples do trax podem visualizar-se
opacidades homogneas e na ecografia heptica distinguem-se imagens
qusticas.

Mtodos

microbiolgicos

A identificao do agente raramente efetuada, uma vez que as tcnicas


de puno aspirativa dos quistos esto contraindicadas, atendendo ao risco
de reao anafiltica e disseminao. Ocasionalmente, detetam-se esclex
pela observao ao microscpio (exame direto) de expetorao, de urina ou
de fezes.

Mtodos

serolgicos

Na prtica clnica, o diagnstico de quisto hidtico confirmado serologicamente, no contexto epidemiolgico, clnico e imagiolgico adequado.
Existem diversos mtodos aplicveis, como a hemaglutinao, a reao de
ELISA e a imunofluorescncia indireta. A serologia importa no s para o
diagnstico como, tambm, para a monitorizao dos doentes, como forma
de detetar recorrncias ou doena residual

Tratamento
O tratamento do quisto hidtico implica, habitualmente, uma opo medicocirrgica. A cirurgia o tratamento de eleio, consistindo, quer na remoo completa do quisto, quer na sua drenagem percutnea, com posterior
aplicao de etanol, de modo a proceder esterilizao dos esclex. Concomitantemente, deve ser realizada quimioterapia (albendazol ou mebendazol) antes e depois da cirurgia, de forma a diminuir a possibilidade de recadas. No caso de quistos hidticos pequenos e mltiplos, a opo deve ser
conservadora, preferindo-se utilizar um antiparasitrio e proceder a vigilncia regular por serologia e por imagiologia.

Prognstico
O prognstico , usualmente, bom.
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P. Pacheco

Preveno
A preveno implica o controlo desta parasitose no co, pelo que estes
no devem ser alimentados com vsceras cruas e devem ser submetidos a
tratamentos peridicos com antiparasitrios (niclosamida ou praziquantel).

10. Malria
A malria ou paludismo provocada por um protozorio intracelular
obrigatrio do gnero Plasmodium, do qual se conhecem vrias espcies,
sendo cinco patognicas para o ser humano (Plasmodium falciparum, ovale,
malariae, vivax e knowlesi). Este parasita tem um ciclo de vida dependente
do homem e do mosquito, onde se processa a reproduo assexuada e sexuada, respetivamente.

Epidemiologia
A malria uma doena infeciosa devastadora, com mais de 100 milhes
de novas infees por ano, estimando-se que ocorram um a dois milhes de
mortes, anualmente. As reas endmicas para a malria encontram-se nos
continentes africano, sulamericano e asitico. Em Portugal no existe malria
autctone desde a dcada de 1960, no entanto, uma das patologias infeciosas de importao mais diagnosticadas, resultante da extensa imigrao
proveniente de pases africanos e da maior frequncia de viagens intercontinentais.
O protozorio do gnero Plasmodium transmitido ao homem pela picada de um mosquito fmea do gnero Anopheles, o qual funciona, simultaneamente, como vetor e reservatrio da doena. Embora seja muito raro,
podem existir outros mecanismos de contgio, como sejam, as transfuses
sanguneas, a partilha de seringas contaminadas e a transmisso maternofetal. Epidemiologicamente, necessrio averiguar sobre a permanncia em
reas endmicas quer em tempo recente quer h longa data, pois algumas
espcies de Plasmodium podem permanecer latentes durante muito tempo,
sendo responsveis por recadas, vrios anos aps a retirada de uma rea de
risco. A gravidade da malria tende a ser maior quando no existiram contactos prvios com este agente (hospedeiros no imunes), pensando-se que
exista uma imunidade parcial nas populaes locais, a qual se perde aps
meses de permanncia fora das reas endmicas.
Em termos mundiais, a maioria dos casos de malria so causados por
Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum, sendo esta ltima espcie a
responsvel pelas formas mais graves e com maior mortalidade.
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Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

Fisiopatologia
Aps a picada do mosquito, os protozorios entram na circulao sangunea na forma de esporozotos, os quais se vo localizar nos hepatcitos,
dando origem ao ciclo esquizognico exoeritrocitrio dentro das clulas
hepticas, os esporozotos multiplicam-se, formando esquizontes, os quais
acabam por romper a clula, permitindo a libertao de milhares de merozotos na circulao. Este processo ocorre durante seis a 12 dias aps a transmisso da infeo, dependendo da espcie em causa. Em algumas espcies
de Plasmodium (vivax e ovale) existe, em paralelo, um ciclo heptico que
leva formao de hipnozotos, formas que ficam latentes durante meses
ou anos, levando a recadas muito tempo aps a infeo.
Os merozotos libertados invadem os eritrcitos, dando origem ao ciclo
esquizognico eritrocitrio os merozotos desenvolvem-se em trofozotos
e, aps um perodo de crescimento, cada trofozoto divide-se em oito a
24 merozotos, que vo ser libertados para a corrente sangunea, aps a lise
do eritrcito, dando origem a uma nova gerao de parasitas em condies
de parasitar novos glbulos vermelhos. O tempo de desenvolvimento de cada
ciclo eritrocitrio varia consoante a espcie, sendo, em regra, de 48 h no caso
de Plasmodium vivax, Plasmodium ovale e Plasmodium falciparum, e de 72 h,
na infeo por Plasmodium malariae. Os paroxismos febris resultam da libertao de merozotos na circulao aps cada ciclo eritocitrio. Aps algum
tempo, alguns merozotos diferenciam-se dentro dos eritrcitos em formas
sexuadas (micro e macrogametcitos), as quais podem ser ingeridas pelos
mosquitos, quando de uma nova refeio sangunea. Nos mosquitos, estas
formas vo amadurecer e sofrer um processo de reproduo sexuada, com
formao de novos esporozotos, que ficam alojados nas suas glndulas
salivares.
Algumas caractersticas eritrocitrias influenciam a expresso clnica e a
gravidade da doena, como o caso da presena de variantes da hemoglobina, nomeadamente de hemoglobina S, a qual determina resistncia inata
infeo por Plasmodium falciparum. A idade dos glbulos vermelhos
outro fator importante. Uma das causas da maior gravidade da malria por
Plasmodium falciparum reside no facto desta espcie parasitar todas as formas de eritrcitos, enquanto outras espcies apenas parasitam eritrcitos
jovens (Plasmodium vivax e Plasmodium ovale) ou maduros (Plasmodium
malariae). No caso da infeo por Plasmodium falciparum, os eritrcitos
parasitados podem ficar sequestrados na microcirculao (aderem s clulas
do endotlio dos capilares e das vnulas e a outros eritrcitos, resultando
em fenmenos trombticos). Em termos fisiopatolgicos o quadro clnico da
malria resulta, fundamentalmente, da febre (como consequncia da libertao de merozotos aps cada ciclo eritrocitrio), da anemia (resultante da
hemlise dos eritrcitos e do sequestro esplnico de glbulos vermelhos
493

P. Pacheco

parasitados), da hipoxia tecidular (resultante da anemia e de alteraes na


microcirculao) e da resposta imunitria do hospedeiro.

Quadro clnico
O perodo de incubao da malria varivel, sendo mais curto no caso
do Plasmodium falciparum (oito a 15 dias) e mais prolongado na infeo por
Plasmodium malariae (28-37 dias). O quadro clnico caracterizado por febre,
calafrios, mialgias, cefaleias e prostrao. A febre , classicamente, descrita
como ter e quart, ocorrendo os paroxismos febris a cada trs (Plasmodium
vivax, Plasmodium ovale e Plasmodium falciparum) ou quatro dias (Plasmodium malariae). No caso de infees por Plasmodium falciparum, os paroxismos febris descritos nem sempre so verificveis, referindo os doentes, mais
vezes, acessos febris dirios. Os quadros mais graves podem evoluir para
malria cerebral e/ou falncia multiorgnica (com choque, anemia hemoltica, insuficincia renal aguda, sndrome de dificuldade respiratria, coagulao intravascular disseminada, hipoglicemia e acidemia metablica). O exame
objetivo pode ser normal ou existir hepatomegalia, esplenomegalia e, eventualmente, ictercia ligeira.
A malria durante a gravidez pode evoluir para formas mais graves da
infeo e est associada a abortamentos, prematuridade e baixo peso do
recm-nascido.
De um modo sistematizado, costuma-se dividir o quadro clnico da
malria em malria no complicada, traduzindo uma infeo sintomtica com parasitmia, sem sinais clnicos de gravidade e/ou sem evidncia de
disfuno de rgos vitais, e malria grave, para a malria com parasitemia
por Plasmodium falciparum com sinais de gravidade e/ou disfuno multiorgnica.

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

Elevao dos parmetros inflamatrios, anemia e trombocitopenia de


grau varivel, frmula leucocitria normal ou leucopenia ligeira. Elevao da
desidrogenase lctica e hiperbilirrubinemia ligeira. Podem existir alteraes
discretas das provas de funo heptica.

Identificao

do agente

O diagnstico de malria implica a demonstrao de glbulos vermelhos parasitados com formas de Plasmodium (trofozotos) no exame direto
de lminas coradas do sangue perifrico ao microscpio tico, devendo
494

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

ser utilizadas, sequencialmente, as tcnicas de gota espessa (permite detetar


a presena de Plasmodium) e do esfregao de sangue (que permite determinar a espcie em causa, de acordo com as caractersticas morfolgicas
do parasita e do eritrcito parasitado). Aps a identificao do agente,
deve ser efetuada a quantificao da parasitemia, a qual importante,
quer como fator prognstico (parasitemias superiores a 2%/100.000/l so
indicadores de mau prognstico), quer para avaliao da resposta teraputica.

Outros

mtodos

As serologias no se utilizam na prtica clnica, estando limitadas a estudos epidemiolgicos ou rastreio de dadores de sangue. Apesar de no estarem disponveis nos laboratrios hospitalares, existem, atualmente, outras
possibilidades de diagnstico para alm da microscopia tica tradicional,
como sejam, a microscopia de fluorescncia, as tcnicas de deteo de antignios de Plasmodium falciparum e as tcnicas de biologia molecular20. Os
testes rpidos de diagnstico, que pesquisam antignios especficos ou enzimas parasitrias, so, atualmente, mtodos alternativos no diagnstico de
malria, particularmente em reas endmicas com limitaes de recursos
tcnicos e de profissionais de sade treinados na microscopia.

Tratamento
O tratamento para a malria modificou-se muito nos ltimos anos, fruto
do desenvolvimento generalizado de resistncias. As novas recomendaes
da OMS para o tratamento da malria foram publicadas em 2006 e atualizadas em 201021, constituindo o documento de referncia nesta temtica,
abrangendo quer o tratamento em reas endmicas, quer nas reas no-endmicas, no viajante que regressa com malria. Esta distino importante, na medida em que nas reas endmicas o tratamento cumpre duas
funes eficaz na cura do doente e eficaz na minimizao da transmisso
e na emergncia de resistncias.
No tratamento deve ter-se em linha de conta a gravidade da situao
clnica (malria no complicada e malria grave), a espcie de Plasmodium
e a possibilidade de resistncias aos frmacos antimalricos. A espcie Plasmodium falciparum a que apresenta resistncias mais vezes a vrios
antimalricos, com distribuio geogrfica varivel. A espcie Plasmodium
vivax pode apresentar resistncia cloroquina sobretudo na Indonsia, Papua Nova Guin, Timor Leste e partes da Ocenia. Para combater a resistncia de Plasmodium falciparum a monoterapias e melhorar a eficcia do
tratamento, a OMS recomenda a utilizao sistemtica de teraputica de
combinao, sobretudo em reas endmicas. A teraputica de combinao
495

P. Pacheco

antimalrica consiste na utilizao de dois ou mais frmacos esquizontocidas,


com modos de atuao diferentes. O racional para esta associao , por um
lado, a combinao ser mais eficaz e por outro, na possibilidade rara de um
parasita mutante resistente a um dos frmacos surgir de novo durante o
tratamento, sendo eliminado pelo outro frmaco. Esta proteo mtua poder prevenir ou diminuir a emergncia de resistncias. Para conseguir as
duas vantagens, ambos os frmacos na combinao devem ser, s por si,
eficazes no tratamento. Na teraputica de combinao, um dos componentes
deve ser sempre a artemisina ou um dos seus derivados (artesunato, artemeter e diidro-artemisina). As artemisinas provocam uma rpida diminuio da
parasitemia e rpida resoluo de sintomas, com eliminao de 90% da
parasitemia aps trs dias de tratamento. Uma vez que a artemisina e os
seus derivados so eliminados rapidamente devem ser associados a frmacos
com eliminao mais lenta, que mantenham eficcia e persistam mais tempo
em concentraes sricas parasiticidas.
O tratamento da malria no complicada por Plasmodium falciparum, em
reas endmicas, deve ter a durao de trs dias, com uma das seguintes
combinaes:
Artemeter + lumefantrina.
Artesunato + amodiaquina.
Artesunato + mefloquina.
Artesunato + sulfadoxina-pirimetamina.
Diidroartemisina + piperaquina.
No caso de insucesso ao tratamento inicial, por recrudescncia ou reinfeo, o doente deve ser tratado durante sete dias com um dos seguintes regimes alternativos:
Artesunato + tetraciclina ou doxiciclina ou clindamicina.
Quinino + tetraciclina ou doxiciclina ou clindamicina.
No caso de grvidas, durante o primeiro trimestre a opo recomendada
o quinino com clindamicina, sendo que no 2.o e 3.o trimestres a evidncia
atual sugere que os benefcios do tratamento com artemisina ultrapassam
os riscos e, por isso, a OMS recomenda a associao de artesunato e clindamicina durante sete dias.
Em reas no endmicas, no tratamento dos viajantes que regressam com
malria no complicada, importante saber se este fez quimioprofilaxia,
pois no deve ser administrado o mesmo frmaco no tratamento. Por outro
lado, como a preveno da emergncia de resistncia irrelevante, poder
ser utilizada a monoterapia desde que eficaz. Como linhas gerais, a OMS
preconiza as seguintes opes:
Atovaquona + proguanil.
Artemeter + lumefantrina.
Diidro-artemisina + piperaquina.
Quinino + doxiciclina ou clindamicina (sete dias).
496

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

O tratamento da malria grave idntico nas reas endmicas e no endmicas e deve ser administrado por via endovenosa, estando disponveis duas
alternativas derivados da chinchona (quinino e quinidina) e derivados da artemisina (artesunato, artemeter e artemotil). At recentemente a teraputica
de eleio era o quinino endovenoso, que tem incio de ao rpida e ativo
contra todas as espcies. Todavia, diversos ensaios clnicos comparativos entre
quinino e artesunato demonstraram evidncia clara do benefcio deste ltimo,
com diminuio da mortalidade, no grupo de doentes tratados com este frmaco, pelo que as recomendaes da OMS sugerem a sua utilizao preferencial.
Aps o tratamento parentrico inicial, e assim que o doente possa tolerar teraputica oral, o curso teraputico deve ser completado com uma combinao oral.
Apesar da recomendao da OMS, o artesunato endovenoso no est licenciado
na Europa, pelo que o quinino se mantm como 1.a linha em Portugal.
No caso da espcie no ser Plasmodium falciparum, a cloroquina o frmaco de primeira escolha, uma vez que no existem resistncias documentadas significativas (exceto baixo grau de resistncia de Plasmodium vivax na
Papua, Nova Guin e Ilhas Salomo). No caso de malria por Plasmodium
vivax e Plasmodium ovale, dado existir uma fase de latncia heptica responsvel por recadas, deve ser administrada teraputica de consolidao com
primaquina, aps o tratamento do acesso agudo. A primaquina pode precipitar crises hemolticas, nos doentes com dfice de glicose-6-fosfatodesidrogenase, pelo que conveniente avaliar esta deficincia enzimtica antes de
se iniciar o tratamento com este antimalrico.
A resposta ao tratamento deve ser monitorizada sob o ponto de vista
clnico e laboratorial (a ausncia de reduo de parasitemia, aps 24-48 h de
teraputica, e a presena de parasitas no sangue, quatro a cinco dias aps
o curso teraputico, so indicadores de falncia teraputica). Um outro caso
de resistncia, que pode no ser detetado inicialmente, ocorre quando o
nmero de parasitas resistentes aos antimalricos baixo, tornando a sua
identificao difcil, logo aps o tratamento. Porm, passados alguns dias,
estes protozorios resistentes vo multiplicar-se, determinando um novo
acesso paldico. Este fenmeno, que no deve ser confundido com reinfeo
ou recada, denomina-se recrudescncia.
Os gametcitos podem persistir no sangue durante semanas aps um
tratamento eficaz. Estas formas no causam doena e, na ausncia de formas
assexuadas, no deve ser realizado novo ciclo teraputico.

Prognstico
O prognstico da malria grave mau, com morbilidade e mortalidade
acentuadas. As restantes formas, desde que o tratamento seja iniciado de
forma atempada, tm bom prognstico.
497

P. Pacheco

Preveno
A preveno da malria assenta em medidas individuais de proteo
contra as picadas de insetos nas reas endmicas (usar repelentes, roupas
que cubram o corpo, mosquiteiros nas camas e janelas e evitar o ar livre no
perodo entre o anoitecer e o amanhecer correspondente ao perodo de
maior atividade do mosquito) e quimioprofilaxia com antimalrico. Ainda
no existe vacinao disponvel contra a malria.

11. Dengue
O dengue causado por um vrus ARN de cadeia nica pertencente ao
gnero Flavivirus, famlia Flaviviridae. O vrus do dengue tem quatro serotipos descritos, denominados DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Embora se considere que o reservatrio primrio da infeo sejam os primatas, na maioria
das reas endmicas, o ciclo de transmisso e manuteno dos vrus do
dengue implica apenas o homem e o mosquito22.

Epidemiologia
As reas de endemicidade do dengue abrangem o sudoeste asitico, os
continentes africano e sulamericano e as Carabas. Em Portugal, no existe
dengue autctone, no entanto, so diagnosticados alguns casos espordicos,
provenientes de reas endmicas, como o Brasil ou Timor Leste. O vrus
transmitido pela picada do mosquito vetor da famlia Aedes, fundamentalmente, a espcie Aedes aegypti (responsvel, tambm, pela transmisso da
febre amarela). Este vetor antropoflico, encontrando-se bem adaptado
ao ambiente urbano. Os mosquitos alimentam-se de sangue humano (picando, preferencialmente, no interior das habitaes) e colocam os seus ovos
dentro e perto das casas, em recipientes contendo gua (por exemplo, vasos
e jarros de flores). Os insetos vetores adquirem o vrus durante a refeio
sangunea num ser humano infetado. O vrus do dengue replica-se no mosquito, ficando alojado nas suas glndulas salivares durante toda a vida,
permitindo a transmisso da infeo ao homem a cada nova refeio sangunea.

Fisiopatologia
Aps a picada do mosquito, o vrus do dengue entra na circulao
sangunea, ligando-se a recetores celulares da linha monocitomacrfago.
498

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

A replicao vrica inicial processa-se a nvel ganglionar, correspondendo


ao perodo de incubao (de dois a 14 dias). A partir dos gnglios, os
vrus so libertados na corrente sangunea, correspondendo esta viremia e a
subsequente resposta imunitria (com produo de interfero pelos macrfagos infetados) fase aguda da doena. Habitualmente, a infeo controlada neste ponto, no entanto, em formas mais graves, os vrus vo localizar-se e multiplicar-se, secundariamente, em vrios rgos, como o fgado,
o bao e os rins. Nos primeiros dias de doena ocorre a produo de anticorpos especficos que bloqueiam a disseminao do vrus, evitando a
infeo de outros rgos. Aps a infeo pelo vrus do dengue, a imunidade desenvolvida duradoura, persistindo toda a vida. No entanto, esta
imunidade especfica para o serotipo em causa, existindo, apenas, imunidade parcial para os outros serotipos. Pensa-se que esta imunidade
parcial pode condicionar uma maior gravidade do dengue, com evoluo
para formas hemorrgicas, quando o indivduo se infeta com um serotipo
diferente21.

Quadro clnico
O dengue apresenta um quadro clnico varivel, desde formas subclnicas,
passando por formas benignas, autolimitadas a formas graves, potencialmente fatais. Os fatores que influenciam uma ou outra evoluo, englobam o
serotipo vrico, a idade, o sexo, o estado nutricional, a imunidade prvia e
a existncia de comorbilidades. Sob o ponto de vista clnico habitual dividir-se o dengue em duas sndromes dengue clssico e hemorrgico (associado
ou no a choque sptico). O dengue clssico constitui a forma mais comum
de apresentao, manifestando-se pelo incio sbito de febre elevada, mialgias intensas e cefaleias frontais e retro-oculares. Cerca do terceiro dia de
doena surge um exantema maculopapular evanescente no trax, face e
superfcies flexoras dos joelhos que dura dois a trs dias. A sintomatologia
tem a durao de cinco a sete dias, seguindo-se um perodo de defervescncia, o qual pode acompanhar-se por sensao de ardor e descamao
palmoplantar. Nesta fase podem surgir manifestaes hemorrgicas, sobretudo petquias, prpura, gengivorragias e epistaxes, seguindo-se o estado
de convalescena, que pode durar algumas semanas, e que caracterizado
por marcada astenia.
No caso do dengue hemorrgico, a evoluo do quadro aps a defervescncia mais grave, comportando-se como uma spsis grave, com coagulao
intravascular disseminada e aumento da permeabilidade vascular, manifestado por hemorragias e poliserosite (derrame pleural, ascite e derrame pericrdico). Esta forma pode evoluir para um quadro de choque sptico, o
qual apresenta mortalidade significativa.
499

P. Pacheco

Exames complementares de diagnstico


Avaliao

analtica geral

No dengue clssico, frequente detetar-se linfocitose, trombocitopenia


ligeira e elevaes discretas das provas de funo heptica. No caso de
dengue hemorrgico as alteraes analticas preponderantes so as observadas na coagulao intravascular disseminada com trombocitopenia acentuada (< 10.000 plaquetas), prolongamento do tempo de coagulao, hipofibrinogenemia e aumento dos produtos de degradao da fibrina.

Cultura

e isolamento do vrus

Apenas laboratrios de referncia esto apetrechados para a cultura e


isolamento do vrus.

Mtodos

serolgicos

Permitem a deteo de anticorpos IgM, os quais surgem, em regra, nos


primeiros 10 dias da doena e persistem durante, aproximadamente, dois
meses. A confirmao da infeo no caso da determinao de anticorpos IgG
necessita da comparao entre o soro da fase aguda e o da fase de convalescena, com subida do ttulo entre ambos. Existem diversos testes comercializados, sendo o mais utilizado o MAC-ELISA.

Tratamento
O tratamento sintomtico com repouso e paracetamol. No devem ser
usados anti-inflamatrios no-esterides, uma vez que esto associados a
maior risco de evoluo para formas graves. Os doentes com dengue hemorrgico devem ser hospitalizados, pela necessidade de teraputica mdica de
suporte de rgo. No existe tratamento antivrico disponvel.

Prognstico
O prognstico do dengue varivel, nas formas clssicas bom, as nas
formas hemorrgicas a mortalidade pode ser acentuada. No caso de sobrevivncia, a recuperao faz-se sem sequelas.

Preveno
Assenta em medidas individuais de proteo contra as picadas de mosquitos.
500

Zoonoses e infees transmitidas por artrpodes

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501

Seco 22

Doenas por pries


Ana Horta

1. Introduo
Hoje geralmente aceite que o prio existe, e que o causador das encefalopatias espongiformes transmissveis (EETs) do homem e dos animais,
mas muitas questes e grande controvrsia persistem, quanto sua natureza
e forma de transmisso.
Face transmissibilidade do agente, reteno da infetividade aps filtrao e o longo perodo de incubao at ao aparecimento dos sintomas,
pensou-se tratar de um vrus lento ou um viride mas, aparentemente, este
novo agente infecioso no contm qualquer cido nucleico, sendo constitudo por uma protena que resulta de uma alterao conformacional de
uma protena orgnica normal. Aparece, contudo em alguns livros de microbiologia, designado como um vrus lento no-convencional.

2. Histria
O kuru foi a primeira EET a ser descoberta no homem. Foi Zigas, um mdico australiano que, em 1955, descobriu numa tribo da Nova-Guin esta doena crnica, do sistema nervoso central (SNC)1. Teria aparecido 40 anos antes e
atingia 2% de uma populao, que praticava o canibalismo ritual dos mortos
em que os crebros eram ingeridos como forma de os honrar. A abolio do
canibalismo, em 1958, conduziu a uma queda marcada na incidncia desta
doena, apontando para a sua transmissibilidade atravs daquela prtica.
Em 1959, notada a semelhana entre a epidemiologia, a clnica e as
leses neuropatolgicas do kuru com outras duas doenas, tais como o scrapie, doena da ovelha e da cabra, descrita desde o sculo XVIII em Inglaterra, j anteriormente demonstrada como sendo transmissvel, e a doena de
Creutzfeldt-Jakob (DCJ) descrita, pela primeira vez, em 1920 por Creutzfeldt
numa doente e em 1921, por Jakob, em quatro doentes, e, posteriormente,
em inmeros casos2,3.
A transmissibilidade deste tipo de doenas foi, definitivamente, demonstrada na dcada de 1960 com a transmisso experimental do kuru e da DCJ
ao chimpanz.
Alguns anos antes tinha sido, tambm, includa neste tipo de demncias
transmissveis uma afeo familiar, j descrita em 1936, por Gerstmann-Straussler
503

A. Horta

e Scheincker (GSS) e, em 1985, uma outra afeo familiar designada como


insnia familiar fatal (IFF) tambm abrangida por aquela designao.
A epidemia da encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE), conhecida como a doena das vacas loucas, iniciou-se em 1986, no Reino Unido,
estimando-se ter afetado, naquele pas, mais de dois milhes de cabeas
de gado4. Na origem desta epidemia teria estado o scrapie, uma vez que as
carcaas das ovelhas doentes eram utilizadas no fabrico de suplementos
proteicos de raes para o gado bovino.
A implementao imediata no Reino Unido de diversas medidas rigorosas,
permitiu o controlo da epidemia, verificando-se, a partir de 1992, uma diminuio marcada da sua incidncia. Em outros pases,como resultado da
importao de animais vivos ou de suplementos proteicos destinados
alimentao dos animais, tambm ocorreram alguns casos. Em Portugal, por
exemplo, desde 1990, altura em que foi detetado o primeiro caso at agosto de 2004, estavam notificados 909 casos de BSE5.
Em 1995, surge no homem o primeiro caso de um surto de DCJ relacionado, muito provavelmente, com a BSE6. Estes casos, diferenciando-se quer da
forma espordica, quer das variantes da DCJ, na epidemiologia, clnica e alteraes anatomopatolgicas, foram denominados como pertencentes a uma
nova variante da DCJ (vDCJ). A possvel associao entre a BSE e a vDCJ veio
redobrar o interesse pblico e poltico por este tipo de doenas. At 1 de
novembro de 2004, foram diagnosticados 151 casos no Reino Unido7 e alguns
casos raros dispersos por outros pases trs casos (um em cada pas Canad, Irlanda, e EUA) entre pessoas com possvel exposio BSE no Reino
Unido, oito casos em Frana, e um em Itlia. Em Portugal, foram tambm
descritos dois casos da vDCJ8.
Apesar da baixa incidncia desta doena (10-15 novos casos por ano),
grandes preocupaes existem no que concerne sua futura magnitude e
distribuio geogrfica. Um grande nmero de pessoas, aparentemente saudveis, poder incubar este agente e, dado tratar-se de um agente infecioso
que resiste s tcnicas correntes de esterilizao, poder ser possvel a transmisso iatrognica atravs de instrumentao (em cirurgias e em mtodos
invasivos de diagnstico), de transplante de rgos e mesmo de transfuso
sangunea, como alis j foi demonstrada9.

3. O prio
O termo prio foi proposto por Prusiner, em 1982, para definir pequeno agente infecioso contendo protena, resistente aos procedimentos que
modificam ou hidrolisam cidos nucleicos10. Este agente infecioso no parece, de facto, conter cido nucleico. A sensibilidade desta partcula aos
agentes que digerem, desnaturam ou modificam quimicamente as protenas,
504

Doenas por pries

refora a ideia de uma protena constituir o componente principal, seno


exclusivo dos pries. Esta protena parece resultar de uma alterao na conformao de uma protena celular normal, designada como protena do prio
(PrPC). A sua funo na clula cerebral normal permanece por esclarecer,
embora a localizao, quase exclusiva superfcie destas clulas, sugira poder
tratar-se de um recetor, de um fator de reconhecimento, de adeso, de estabilizao da membrana celular ou possuir atividade antioxidante e protetora. Apresenta uma semivida de seis horas, sendo degradada e eliminada aps endocitose. A PrPSc patolgica (Sc deriva de scrapie) resulta da
transformao da PrPC e no difere dela, relativamente ao peso molecular
(33.000-35.000 daltons) ou sequncia de aminocidos. A principal diferena entre as duas isoformas conformacional. A clula que alberga a
PrPSc no a consegue degradar, apresentando esta, uma semivida superior
a 24 horas. Para alm disso, em contacto com a PrPSc, a PrPC sofre uma
modificao ps-translacional, convertendo-se, tambm, na sua isoforma
patolgica. Esta protena acumula-se, ento, progressivamente, como se uma
clara replicao ocorresse.
A PrPC , completamente, hidrolisada pela protease K, mas a PrPSc convertida numa protena de peso molecular inferior (27.000-30.000 daltons,
PrP27-30), estreitamente ligada ao poder infecioso deste agente11. Esta protena PrP27-30 agrega-se, espontaneamente e progressivamente, produzindo partculas fibrilares ou em forma de basto, designadas como fibrilas associadas
ao scrapie (SAF), que se acumulam, lembrando a substncia amiloide.
A disponibilidade de anticorpos mono ou policlonais contra a PrP27-30,
permite a sua deteo, por anlise imuno-histoqumica em fraes purificadas de tecido cerebral de doentes com EET, constituindo, assim, um passo
importante no diagnstico daquelas patologias. Este tipo de testes veio
substituir a transmissibilidade ao animal, como prova irrefutvel do diagnstico das EETs12,13.
Existe a hiptese de que um fator do hospedeiro, ainda no identificado,
mas designado como fator X, possa, ligando-se PrPC, facilitar a sua transformao em PrPSc.
As tcnicas de hibridao molecular permitiram identificar um gene celular que codifica para a protena do prio, PrPC, designado como PRNP e
localizado no homem, no brao curto do cromossoma 20. Dois outros genes,
muito prximos deste (Prn-i, Sinc), parecem controlar a durao do perodo
de incubao deste tipo de doenas. Alteraes no PRNP esto na base de
algumas das EETs.
Em resumo, a origem da PrP Sc pode ser externa, provir de um defeito
gentico ou, eventualmente, surgir por alterao da PrP C, na presena
do enigmtico fator X ou de um conjunto de fatores ambientais (exposio a organofosforados, altas concentraes de magnsio, deficincia em
cobre)14,15.
505

A. Horta

4. Encefalopatias espongiformes transmissveis


Esta designao abrange um grupo de doenas neurodegenerativas transmissveis cujo agente causal o prio, que se caracterizam clinicamente por
longos perodos de incubao e demncia progressiva e fatal e anatomopatologicamente (alteraes confinadas, quase sempre exclusivamente, ao SNC)
pela perda neuronal ou atrofia, vacuolizao a coalescncia dos vacolos
constitui a degenerescncia espongiforme caracterstica deste tipo de doenas astrogliosereativa, com mnima resposta inflamatria e vrios graus de
deposio amiloide.
Estas doenas constituem-se numa nica categoria, que podem ser na sua
origem hereditrias, infeciosas ou espordicas. A estirpe do agente, a via de
infeo e o gentipo do hospedeiro parecem condicionar o fentipo clinicopatolgico da doena.
Em humanos, incluem o kuru, a DCJ, a vDCJ, a IFF e a GSS. Nos animais
incluem o scrapie, a BSE, a encefalopatia transmissvel da marta, a encefalopatia espongiforme dos felinos e a doena crnica debilitante do alce e do
veado16,17. O aumento progressivo desta ltima doena nos Estados Unidos
e Canad, e a conhecida transmisso da BSE aos humanos, tem levantado
algumas preocupaes quanto possibilidade de que o mesmo possa ocorrer
com esta doena. E, de facto, alguns casos de CJD, com possvel transmisso
a partir dessa doena do veado tm sido descritos18-20.

Kuru
Foi a primeira doena por pries a ser estudada em detalhe, conhecida
apenas nas ilhas orientais de Papua Nova Guin e, aparentemente, transmitida aps a ingesto de crebros contaminados. Foram descritos 2.600 casos
desde 1957, mas nenhum indivduo nascido aps 1958, altura em que foi
abolido o canibalismo, apresentou a doena.
Com um perodo de incubao que pode variar entre quatro e 30 anos,
esta doena manifesta-se em todas as idades, por ataxia cerebelosa grave
com movimentos involuntrios associados (coreoatetose, mioclonia e tremor)
e incapacidade motora progressiva. A demncia aparece mais tardiamente e
a morte, inevitvel, ocorre nos trs meses a dois anos aps o incio dos sintomas.
Histologicamente, o crebro destes doentes revela as alteraes comuns
s EETs, mas a presena de placas PrPSc reativas, localizadas, essencialmente, na camada granular do cerebelo caracterstica nesta patologia. At
data, anlises moleculares no mostraram mutaes no gene PRNP nestes
doentes, embora uma homozigotia no seu codo 129 tenha sido identificada
com maior frequncia do que o esperado.
506

Doenas por pries

Doena de Creutzfeldt-Jakob
Doena rara, com prevalncia e incidncia de, aproximadamente, um caso
por milho de habitantes e por ano, embora sendo no homem, a doena por
pries mais comum, podendo aparecer de forma espordica, iatrognica ou
familiar.
A forma espordica ou clssica a mais frequente, explicando 85 a 95%
dos casos e surge, em mdia, aos 65 anos (16-82 anos), sem predileo por
sexo e apresenta-se, tipicamente, como uma demncia rapidamente progressiva, com mioclonia proeminente e, facilmente, desencadeada por estmulos.
Manifesta-se, inicialmente, por sinais precoces de deteriorao mental (pensamento lentificado, dificuldade na concentrao e perda de memria).
Durante o curso da doena, alm das mioclonias (presentes em mais de 90%
dos casos), os doentes desenvolvem, com frequncia, distrbios motores piramidais e extrapiramidais, disfuno do trato cortico-espinal, alteraes do
humor e labilidade emocional, para alm das alteraes visuais. A morte
ocorre, em regra, trs a nove meses aps o incio dos sintomas. A grande
variabilidade existente na apresentao clnica da DCJ, deve-se forma como
determinadas regies cerebrais so, desproporcionalmente, afetadas, estando descritas vrias variantes da doena.
A forma iatrognica foi identificada em cerca de 80 casos, aps transplantes
de crnea, fgado ou enxertos de dura-mter, aps tratamentos de distrbios
endcrinos com hormonas de crescimento, extradas de cadveres humanos,
aps tratamentos de infertilidade com gonadotrofinas pituitrias, tambm, de
origem humana, ou aps o uso de instrumentos neurocirrgicos ou eltrodos
intracerebrais estereotxicos profundos e inadequadamente descontaminados21.
A forma familiar, responsvel por uma minoria dos casos (5-15%), foi identificada em cerca de 100 famlias espalhadas pelo mundo, mas mais na Lbia,
no norte de frica e na Checoslovquia22. transmissvel de forma autossmica dominante e surge por mutao no PRNP (E200K e outras).
Apesar de nunca terem sido encontradas mutaes deste gene na forma
espordica da DCJ, polimorfismos no seu codo 129 podem condicionar a expresso clnica, no s da forma espordica e da forma iatrognica, como da
vDCJ. Apesar de 51% das pessoas saudveis exibirem heterozigotia neste codo
(Met/Val) e 49% homozigotia (37%-Met/Met, 12%-Val/Val), 95% dos doentes
com DCJ espordica e 100% dos doentes com a vDCJ exibiam a homozigotia.
Para o diagnstico definitivo da DCJ, necessrio o exame anatomopatolgico de material cerebral, no entanto, o laboratrio, a imagiologia e o
EEG, em conjunto com a clnica, so teis no diagnstico de suspeio e na
excluso de outras patologias.
Peptdeos derivados da protena cerebral 14-3-3 (p130 e p131) e outro tipo
de protenas foram encontrados no LCR de doentes com DCJ, revelando alta
sensibilidade e especificidade no seu diagnstico23,24.
507

A. Horta

Tanto a tomografia axial computorizada (TAC), como a ressonncia magntica (RMN) cerebrais so relativamente insensveis. Outras tcnicas imagiolgicas mais avanadas, tais como a tomografia por emisso de positres
(PET) ou tomografia computorizada por emisso simples de protes (SPECT),
mostraram algumas alteraes.
O EEG pode ser bastante til para o diagnstico desta patologia, revelando um padro tpico uma atividade de base lenta generalizada, interrompida por complexos de ondas agudas sncronas bilateralmente, que ocorrem
a intervalos de 0,5 a 2,5 s e cuja durao de 200-600 ms (PSWCs)25. Na
suspeita clnica, estas alteraes tornam provvel o diagnstico desta patologia, do mesmo modo que a sua ausncia num indivduo com sintomas e/ou
sinais sugestivos por um perodo superior a quatro meses, deveria pr esse
diagnstico em causa. Estas alteraes esto, geralmente, ausentes na DCJ
familiar, na vDCJ, na GSS, na IFF e no kuru.
As alteraes tpicas das EETs aparecem no exame anatomopatolgico de
material cerebral. A deposio amilide aparece em forma de placas em
apenas 10% dos casos de DCJ espordica. A anlise imunohistoqumica de
material cerebral, devidamente preparado para o efeito, tornando as SAF
visveis por microscopia eletrnica, constitui um mtodo rpido para a confirmao do diagnstico.
As tcnicas genticas, demonstrando as mutaes no gene PRNP, permitem o diagnstico das formas familiares da DCJ, da GSS e da IFF.

Nova variante da DCJ


Esta nova doena causada, segundo compilao de evidncias, pela
exposio dos humanos ao agente que causa a BSE. A anlise molecular do
PrP da vDCJ revelou um marcador molecular que a distingue das outras variantes da DCJ e que semelhante ao encontrado na BSE26.
Este agente poderia ter infetado o homem atravs da utilizao de produtos de origem bovina (suturas cirrgicas ou preparados injetveis), pela
inoculao atravs das conjuntivas ou atravs da via digestiva, pela ingesto
de produtos contaminados.
A via digestiva parece ter sido a mais provvel. Alguns factos contrariam
esta afirmao, tais como a transmisso do agente pela via digestiva muito ineficaz, os tecidos de origem bovina, normalmente ingeridos pelo homem, contm baixo nvel de PrPSc da BSE e existe barreira de espcie e,
ainda, aparente ineficincia da converso da PrPC humana na PrPSc da BSE.
No entanto, outros fatores podero corrobor-la, tais como a existncia
de grande nmero de pessoas expostas, a possibilidade de alimentos inofensivos poderem estar contaminados com tecidos do SNC e o fato dos
pries serem agentes resistentes (s temperaturas utilizadas na confeo
508

Doenas por pries

dos alimentos, aos mecanismos qumicos de defesa gstrica e, parcialmente,


s proteinases) o que poderia permitir-lhes alcanarem as placas de Peyer, o
sistema retculo-endotelial e, atravs de fibras nervosas autonmicas, o SNC.
A presena de outros fatores, que influenciassem a permeabilidade do epitlio intestinal (lcool, AINE ou inflamao local) ou o enfraquecimento dos
mecanismos locais de defesa, por outra afeo, poderiam, eventualmente,
facilitar, tambm, essa transmisso27.
O maior risco de infeo ter ocorrido at 1989, altura em que foram banidos da alimentao humana alguns alimentos de origem bovina, aparentemente ricos neste tipo de agente, como, por exemplo, crebro, medula espinal,
amgdalas, timo, bao e intestino e em que se deixaram de utilizar homogeneizados de crebros de bovinos, na preparao de hambrgueres e salsichas.
A vDCJ afasta-se do padro espordico da DCJ, na epidemiologia, na
clnica e na histologia. Pela anlise dos primeiros 100 casos ocorridos no
Reino Unido28, pode constatar-se que surge, comparativamente DCJ, numa
idade mais jovem, em mdia aos 26 anos (podendo, no entanto, a idade de
incio dos sintomas variar entre os 12 e os 74 anos). Os primeiros sintomas
foram psiquitricos, na maioria dos doentes (euforia, ausncias, ansiedade e
irritabilidade, insnia e desinteresse), levando, com frequncia, ao diagnstico de depresso. No entanto, alguns doentes apresentaram sintomas neurolgicos desde o incio (sensoriais nos membros inferiores, tronco e face, perda
de memria, distrbios da marcha e disartria) e quando ausentes no incio,
estes surgiram, em cerca de metade dos doentes, nos dois a quatro meses a
seguir ao primeiro sintoma. Estes sintomas neurolgicos podem ocorrer em
patologias psiquitricas ou como efeitos colaterais de teraputicas psicotrpicas, mas a persistncia de tais sintomas e a evoluo para adicionais sintomas neurolgicos deve indicar como potencial diagnstico a vDCJ.
A morte surge, em mdia, 13 meses (variando entre seis e 39 meses), aps
o incio dos sintomas (mais tarde do que na DCJ clssica).
Os exames imagiolgicos no so esclarecedores, embora possam aparecer reas bilaterais de hipersinal no tlamo tico em T2 na RMN (sinal pulvinar) e reas anormais de perfuso cerebral na SPECT. O EEG, embora
possa revelar algumas alteraes, infelizmente no apresenta as caractersticas PSWCs da DCJ espordica. No LCR, o doseamento de peptdeos da
protena 14-3-3 pode ser positivo.
Apesar de no terem sido encontradas mutaes no gene PRNP, a homozigotia do codo 129, para metionina, parece ser uma constante nesta doena. A nica exceo foi encontrada no caso que resultou da transmisso
atravs de transfuso sangunea em que se verificou uma heterozigotia
metionina e valina9.
As alteraes neuropatolgicas, aqui encontradas, so diferentes das encontradas na DCJ espordica, aparecendo proeminentes placas amilides, PrPSc-reativas (designadas como florid). Estas placas distribuem-se, extensamente,
509

A. Horta

por todo o crebro e, tambm, no cerebelo. A eletroforese e o padro de


glicosilao da PrPSc, aqui encontradas, so semelhantes s da BSE e diferentes das encontradas na DCJ, GSS ou na IFF. O diagnstico definitivo da vDCJ
advm da anlise anatomopatolgica de material cerebral obtido por necropsia ou por biopsia cerebral.
A PrP, em causa, pode ser encontrada fora do SNC no tecido linfo-reticular e estudos iniciais mostraram ser possvel, atravs da biopsia das amgdalas, do bao ou do gnglio linftico, identific-la nestes doentes. A biopsia
destes locais poderia constituir, assim, um mtodo de diagnstico bastante
menos invasivo e mais precoce desta patologia29.

Insnia familiar fatal


Esto descritas, atualmente, nove famlias dispersas pelo Mundo com esta
doena, que surge por uma mutao no PRNP (D178N) e que se transmite
descendncia de forma autossmica dominante. O polimorfismo no codo
129 determina a expresso fenotpica. Os sintomas mais frequentes, que
surgem entre os 35 e os 61 anos, so as alteraes do sono com perturbao
do ritmo circadiano e insnia intratvel. Hiperatividade simptica e outras
alteraes do sistema nervoso autnomo, perturbaes endcrinas, disartria
e alteraes motoras aparecem posteriormente. A demncia no proeminente, mas so comuns alguns dfices de memria e da ateno. A morte
ocorre, sensivelmente, um ano (de sete a 25 meses) aps o incio da doena.
A nvel histolgico, as alteraes so encontradas, predominantemente,
a nvel do tlamo e consistem em perda neuronal e gliose, tendo sido encontradas alteraes espongiformes em apenas um doente. A anlise imuno-histoqumica para PrPSc foi positiva, embora a concentrao dessa protena
seja a mais baixa encontrada nas doenas por pries nos humanos30.

Doena de Gerstmann-Strassler-Scheinker
Doena, tambm, familiar, que surge por mutao no gene PRNP e que
se transmite de forma autossmica dominante. Esto identificadas cerca de
cinquenta famlias com esta patologia, que surge por volta dos 45 anos
(24-66 anos). Os sintomas so os de degenerao espinocerebelar progressiva, com instabilidade, incoordenao motora e dificuldade progressiva da
marcha. A demncia e a mioclonia esto ausentes ou existem de forma ligeira e numa fase tardia da doena. A morte ocorre, sensivelmente, cinco
anos (dois a seis) aps o seu incio.
Os achados neuropatolgicos so essenciais para o diagnstico definitivo
e so semelhantes aos encontrados nas outras EETs, mas so comuns as placas
510

Doenas por pries

amilides, idnticas s encontradas no kuru e na vDCJ, dispersas pelo crebro


e mais concentradas a nvel do cerebelo.

5. Tratamento
No conhecido qualquer tratamento eficaz para este tipo de doenas,
que revelam um curso invarivel para a morte. Apenas um nico caso de DCJ
ter recuperado. A teraputica ser apenas sintomtica com o objetivo de
atenuar dores, mioclonias, agressividade, etc.
Todas as tentativas realizadas com interfero, aciclovir e anfotericina B
resultaram goradas. Alguns resultados conseguidos com amantadina, vidarabina e metisoprinol, no foram depois confirmados.
Os animais ou as culturas de clulas (neuroblastoma) permanentemente
infetados por pries podero constituir bons modelos para o ensaio de novos
frmacos.
Mais recentemente, a quinacrina e a cloropromazina, agentes antigos e
com conhecida penetrao atravs da barreira hemato-enceflica, mostraram
estabilizar a doena em cultura de clulas infetadas por pries, tornando-se
bons candidatos para o tratamento das EET. Outro medicamento analgsico,
o flupirtino, mostrou atrasar a progresso da demncia em doentes com DCJ.

6. Desinfeo do material
Os tecidos/rgos considerados como de alta infetividade foram o crebro, a medula espinal, a glndula pituitria e a dura-mter. O LCR, rgos
linfo-reticulares, o olho e a placenta foram considerados de mdia infetividade. O pulmo, o fgado, o timo, o pncreas, a medula ssea e o nervo
perifrico, de baixa infetividade. Nunca foi detetado este tipo de agente na
urina, fezes, leite, smen, secrees vaginais, saliva, expetorao, osso, rim
ou msculo. O sangue e os seus derivados podero, eventualmente, ser infetantes.
As medidas universais de proteo devem ser cumpridas em qualquer ato
mdico ou de enfermagem. A zona da pele onde caia qualquer produto ou
lquido corporal dever ser de imediato limpa e dever ser aplicado, durante 10 minutos a soluo de 1 N NaOH.
Para desinfeo do material, sero eficazes o autoclave a 132 oC, a imerso em cido frmico a 95% ou em 1 N NaOH (todos estes procedimentos
devero ter a durao de uma hora) e a incinerao. Nos laboratrios, onde
o risco ser maior como os de anatomia patolgica, dever-se- incinerar os
depsitos e as superfcies devero ser limpas, durante 10 a 60 min, com hipoclorito de sdio ou com 1 N NaOH.
511

A. Horta

Muitas questes epidemiolgicas e incmodas acerca das EETs vo continuar sem resposta, at que mais seja revelado sobre os agentes que as provocam. realmente necessrio conhecer a patognese das EETs para que
estas doenas possam ser convenientemente prevenidas, diagnosticadas e
tratadas.

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512

Seco 23

INFECO HOSPITALAR
Joana Quaresma

1. Definio e evoluo do conceito


Designa-se por infeco hospitalar (IH) a que adquirida nos hospitais
(em sentido mais lato, em qualquer tipo de instituio de sade), pelo facto
de neles, quer seja ou no em regime de internamento, se receberem, ou
prestarem, cuidados de sade.
Nesta definio esto includas as infeces dos profissionais adquiridas
no desempenho das suas funes de prestao de cuidados de sade, sejam
directos ou indirectos (como o caso, por exemplo, dos tcnicos de laboratrio).
Obviamente, exclui-se deste conceito qualquer infeco que, podendo
embora eclodir aps o internamento ou o incio da actividade hospitalar, j
estivesse a evoluir ou no perodo de incubao.
O problema da IH mundial, no estando confinado a um determinado
pas ou a uma instituio. A taxa de incidncia e de prevalncia influenciada por factores comuns a todos, sendo directamente proporcional ao nmero de camas de que o hospital dispe, ao tempo de internamento do doente
e precariedade inicial da situao clnica deste. Outro tipo de factores,
porm, introduz variveis que, no sendo uniformes, influenciam aqueles
nmeros (globais e por tipo de infeco) de forma diversa, como, por exemplo o tipo de valncias e de tecnologias de que cada hospital dispe, nomeadamente unidades de cuidados intensivos ou de transplante, cirurgias de
maior risco; existncia e competncia de um laboratrio de microbiologia;
sensibilizao para o problema por parte das administraes e dos profissionais de sade, traduzida na eficincia das comisses para o controlo das
infeces e no uso racional de antibiticos...
Nos mais antigos textos conhecidos, onde so referidas estruturas que seriam as equivalentes aos hospitais actuais, j existe, tambm, a referncia a
situaes equivalentes a infeces hospitalares, tal como as concebemos hoje.
Desde as febres contagiosas, relatadas por Hipcrates, o conceito tomou novos contornos, de forma progressiva, desde os sculos XVI e, sobretudo, XVII e XVIII, medida que foram sendo criadas, em vrios pontos da
Europa, instituies deliberadamente concebidas para fins hospitalares.
No havia, na altura, qualquer noo de higiene ou de doenas transmissveis e, mesmo nos hospitais de maiores dimenses, deitavam-se dois ou,
Redigido segundo o acordo ortogrfico antigo

513

J. Quaresma

mesmo, trs doentes em cada cama. E passou a ser notrio que, pelo simples
facto de terem sido internados para tratamento de uma qualquer afeco, muitos
doentes adquiriam outra, de curso febril, da qual muitas vezes morriam. Mas,
na transio dos sculos XVIII e XIX, estava-se ainda na era dos miasmas...
Desde o princpio do sec. XIX, e muito antes da era do conhecimento
bacteriolgico, a amplitude e a gravidade dos factos suscitaram a ateno e
o empenhamento de algumas mentes dedicadas. Aps um correcto e exaustivo processo de anlise, por vrias formas foi apontada a responsabilidade
de algumas circunstncias e procedimentos. As medidas que foram tomadas,
tendentes a corrigi-los (espao, arejamento, alimentao, higiene geral, lavagem das mos...) levaram sua reduo. Simpson, Holmes, Semmelweis,
Farr, Florence Nightingale e, j no incio de uma outra perspectiva, Pasteur
e Lister so nomes desse sculo que a Histria conservar como marcos, pioneiros na compreenso das causas e na preveno da IH. A era da cincia e
da tecnologia no fez mais que confirm-las.
Uma nova fase, a da moderna IH, teve incio a partir dos anos 60 do sec.
XX, pela introduo das novas tecnologias, de diagnstico e de teraputica,
que vieram influenciar a sua quantidade e a sua qualidade.
Em relao quantidade, a reduo progressiva das infeces que se tinha vindo a verificar, graas aplicao generalizada das normas sobre higiene e assepsia (desinfeco e esterilizao), estacionou, primeiro, voltando
depois a aumentar, pelo maior volume de actividades hospitalares e, nomeadamente, pelo recurso a mtodos mais agressivos e invasivos, quer para
diagnstico (endoscopias, cateterismos...), quer para a sustentao da vida
(teraputicas citostticas e imunodepressoras, incremento das unidades de
cuidados intensivos...).
Em relao qualidade, ou seja, etiologia das infeces, o panorama
foi alterado pela utilizao dos antibiticos, introduzidos na prtica clnica,
de forma j generalizada, desde a dcada anterior. Os primeiros antibiticos
tinham aco, fundamentalmente, sobre bactrias Gram-positivo. medida
que iam sendo tratadas e contidas estas infeces que, inicialmente, predominavam nos hospitais (estreptoccicas e estafiloccicas), passou a ser preocupante a alterao verificada na etiologia das infeces, nomeadamente as
causadas por bactrias Gram-negativo. A indstria farmacutica passou, ento, a empenhar-se na obteno de novos antibiticos, com espectro de
aco que respondesse a estas necessidades. Mas as necessidades no pararam, uma vez que passou a ser evidente a facilidade e rapidez com que as
novas bactrias-alvo se tornavam resistentes aos antibiticos a que, inicialmente, eram sensveis. E novos antibiticos foram introduzidos. E novas resistncias surgiram...
A corrida para ultrapassar as resistncias bacterianas, por parte dos novos
antibiticos, manteve-se, a alta velocidade, durante mais de 20 anos, tendo
abrandada na ltima dcada.
514

Infeco hospitalar

A insegurana causada por esta sensibilidade errtica das bactrias Gram-negativo permitiu que os clnicos fossem levados a pecar por excesso nas
prescries empricas. Esta atitude no s contribuu para a manuteno da
escalada das resistncias bacterianas, como para a seleco ou incremento
de outro tipo de agentes como etiologia das infeces hospitalares (como
o caso de fungos, principalmente Candida spp, e do enterococo).
Enquanto estvamos todos entretidos com esta guerra das resistncias
dos Gram-negativo, abriu-se outra frente de batalha com os Gram-positivo.
Com efeito, os estafilococos no s retomaram importncia quantitativa na
etiologia da IH, como muitos deles e em nmero preocupante tornaram-se
qualitativamente diferentes, sendo resistentes meticilina (antibitico de
referncia, significando resistncia a todas as betalactaminas). Tambm os
enterococos, tradicionalmente considerados de patogenicidade duvidosa,
emergiram como agentes etiolgicos da IH e, tambm, alguns, com resistncias preocupantes em relao sua sensibilidade habitual.
Em meados dos anos 80 do sec. XX, e aps dcadas de utilizao dos
antibiticos progressivamente disponveis, de expectativas criadas (e, a prazo, goradas) em cada novo antibitico, tornou-se claro que o optimismo
gerado pelo surgimento dos antibiticos, no pressuposto de que, com estes,
as infeces acabariam, terminara. A guerra, s com esta frente, no s
no acabaria nunca, como no seria vencida! Na microecologia, tal como na
macroecologia, a arrogante interveno humana corre o risco, em alguns
casos, de ser considerada como acto de aprendiz de feiticeiro...
Entretanto, e pala de que os antibiticos resolveriam as infeces, tinham sido desvalorizados muitos dos procedimentos clssicos para a preveno das mesmas, e muitos, entre as novas geraes de profissionais no mbito da sade, tinham deles a vaga ideia que se tem de uma histria muito
antiga e ultrapassada.
A gravidade do problema da IH, numa altura em que j se dispunha de
alta tecnologia, em todos os aspectos, obrigou a repensar a estratgia. No
culminar dessa reflexo, foram implementadas comisses de controlo da
infeco hospitalar (CCIH) visando, atravs de vigilncia epidemiolgica,
aces de formao, aconselhamento ou deciso, minimizar o impacto dos
riscos conhecidos e previamente analisados. A necessidade destas comisses era de tal modo evidente que a sua existncia passou a figurar em legislaes orgnicas, nacionais e/ou institucionais, consoante os pases. Tiveram incio em hospitais dos pases de maior tradio organizativa e este
exemplo foi progressivamente seguido por vrios outros, entre os quais o nosso1.
A sua composio, quer no nmero de elementos, quer nas suas valncias,
pode ser variada, consoante o tipo de instituio. , no entanto, requisito
mnimo, que desses elementos faam parte um microbiologista, um clnico
(infecciologista, sempre que possvel), um enfermeiro e um administrador
hospitalar, todos eles com adequada formao, experincia e motivao.
515

J. Quaresma

2. Factores intervenientes
Em geral e, portanto, tambm na IH, para a ocorrncia de uma infeco
so necessrios trs factores o hospedeiro, o agente infeccioso e a transmisso. Assim, os princpios do raciocnio clnico para o diagnstico so os
mesmos, quer no ambulatrio, quer em meio hospitalar condies do
hospedeiro, probabilidade da presena do agente e circunstncias que permitam ou facilitem a transmisso. Do vector resultante da interaco destas trs
foras resultar o tipo de infeco e a correspondente repercusso clnica.
Devemos ter presentes os mecanismos gerais de defesa do organismo
humano e, em particular, os de resposta agresso por agentes infecciosos2,3.
Por outro lado, a capacidade patognica dos microrganismos tambm
muito diferente, pelo que o risco de infeco directamente proporcional
ao estado das condies fsicas de cada um destes intervenientes, no momento do confronto. Circunstncias ligadas transmisso podem vir a alterar
aquela correlao de foras, o que acontece, sobretudo, em meio hospitalar,
de forma geral em desfavor do hospedeiro (e muitas vezes, infelizmente, por
forma evitvel).

Sobre o hospedeiro
O simples facto de ter que recorrer ao hospital para consultas ou, sobretudo, para internamento pode condicionar um estado de depresso e/ou
ansiedade. Por si s, isto um factor de vulnerabilidade, muitas vezes o
primeiro. A personalidade do doente, bem como o seu enquadramento familiar e social, , pois, um factor de grande importncia na evoluo dos
acontecimentos.
Para alm das condies de base do doente e, obviamente, da causa que
motivou o recurso ao hospital, o risco de IH correlacionar com o tempo de
permanncia na instituio e os procedimentos que nesta ocorrerem.
Em relao s condies fsicas, propriamente ditas, so mltiplos os
factores condicionantes, j presentes ou potenciais, que podem favorecer a ocorrncia de IH. Muitas vezes coexistem, agravando-se mutuamente, numa espiral viciosa de decrscimo progressivo das capacidades de resistncia.
De forma simplificada e resumida, relembram-se, isoladamente, alguns
dos mais bem conhecidos factores intrnsecos, ou primordiais, de risco de IH:
a) Idade as idades extremas da vida so mais vulnerveis, por razes semelhantes e causas diferentes (nos recm-nascidos por imaturidade das barreiras mecnicas, fisiolgicas e imunitrias e, no idoso, pelo seu desgaste e
usura, bem como pela maior probabilidade de patologia prvia ou associada); b) estado de nutrio (geral e/ou proteica); c) estado de equilbrio
516

Infeco hospitalar

da flora microbiana residente (saprfita); d) diabetes; e) obesidade; f)


alcoolismo; g) disfuno ou ausncia esplnica; h) insuficincia renal crnica;
i) alteraes do estado de conscincia; j) outras patologias que impliquem
deficincias das barreiras mecnicas cutnea ou mucosa, fisiolgicas (disfuno ou bloqueio da secreo ou excreo de fluidos, endcrinos ou excrinos)
e imunitrias (inespecfica e especfica).
Ainda sobre o mesmo hospedeiro, e interagindo com os seus factores
intrnsecos, h depois que ter em conta os factores extrnsecos, ou seja, os
procedimentos julgados necessrios para o diagnstico da sua situao ou
para a sua teraputica (mdica ou cirrgica).
Neste sector, os riscos envolvidos derivam, de igual modo, do compromisso ou da rotura de um ou vrios dos mecanismos de defesa de que o hospedeiro dispe, muitos j previamente debilitados; so assumidos, de forma
deliberada, como riscos iatrognicos.
Inmeros actos tcnicos podem lesar as barreiras mecnicas alguns, s
a pele; outros, as mucosas; outros, ainda, ambas.
No que diz respeito s causas iatrognicas de solues de continuidade
da pele, os exemplos so de todos os dias. Uns so gerais e outros dependentes das valncias existentes em cada hospital. Eis alguns: a) Venopuno simples para colheita de sangue para anlises; b) venopuno deixando
no local um corpo estranho (agulha ou minicateter) ligado a um sistema de
perfuso; c) puno arterial para gasometria; d) cateterismos de vasos profundos, venosos e arteriais, para explorao de diagnstico, monitorizao
ou para administrao alimentar ou teraputica; e) punes e biopsias; f)
actos cirrgicos, desde a pequena grande cirurgia, utilizando, de forma
variada, corpos estranhos (suturas, drenos, prteses...).
Quando s mucosas, as agresses causadas pela introduo de um corpo estranho atravs de um orifcio, para diagnstico ou para suporte funcional, so tambm inmeras: a) Algaliao; b) entubao nasogstrica; c)
entubao traqueal oro, naso ou por traqueotomia, na maior parte das
vezes com permanncia da prtese ventilatria e conexo a ventilador; d)
endoscopias todas as especialidades que se iniciam em orifcios humanos
dispem, actualmente, de tcnicas endoscpicas (otorrinolaringologia, pneumologia, gastrenterologia, ginecologia, urologia...).
Muitas tcnicas atingem, simultaneamente, a pele e as mucosas ou as
serosas grande parte das cirurgias clssicas ou por via endoscpica, puno
vesical suprapbica, toracocentese, paracentese, artrocentese...
Para alm dos riscos iatrognicos atrs referidos, envolvendo as barreiras
mecnicas, existem outros, medicamentosos, pelos quais so diminudas ou,
mesmo, abolidas as capacidades de defesa e de resposta infeco (afectando,
portanto, a imunidade inespecfica e a especfica). No topo da lista dos frmacos mais directamente implicados esto os citostticos, os corticides, os
antibiticos e os anti-inflamatrios.
517

J. Quaresma

Sobre o agente infeccioso


De entre o leque de possibilidades (bactrias, vrus, fungos e parasitas)
so, sem dvida, as bactrias que tm o papel dominante. Os vrus ocupam, seguidamente, um lugar muito importante. Embora no de forma
exclusiva, so particularmente considerados os transmitidos parentericamente, a partir de sangue e fluidos orgnicos; tm maior relevo os da hepatite B (VHB), da hepatite C (VHC) e os da imunodeficincia humana (VIH)4.
Os fungos so, tambm, causa de um lote considervel de IH e a sua frequncia tem vindo a aumentar nos ltimos anos, devido a situaes, progressivamente, mais extremas de imunodepresso e de vulnerabilidade.
Os agentes etiolgicos de IH podem ser endgenos (pertencentes prpria flora do hospedeiro) ou exgenos (transmitidos a partir de uma fonte
externa).
Na maioria dos casos, a responsabilidade da flora endgena, merc dos
riscos intrnsecos e dos procedimentos atrs exemplificados. Esta flora residente pode, no entanto, encontrar-se j desequilibrada por alterao (quantitativa e qualitativa) dos respectivos nichos ecolgicos a prpria doena
ou aces medicamentosas podem modificar o pH do meio e a presena de
nutrientes bacterianos ou, principalmente, pela presso selectora de antibiticos. As infeces causadas por bactrias endgenas tm, portanto, um
carcter endmico.
As infeces por bactrias exgenas ocorrem de forma espordica e com
frequncia varivel, consoante os factores intervenientes. Podem manifestar-se como surtos epidmicos quando, num determinado perodo de tempo,
vrios doentes so infectados a partir da mesma origem exterior, que pode
no ser imediatamente perceptvel. Quando assim , deve proceder-se a um
inqurito epidemiolgico at sua determinao. Esta uma das competncias das CCIH, em colaborao com os sectores intervenientes no processo.
Na generalidade das IH, de origem endgena, os agentes etiolgicos so
os que existem no local da porta de entrada ou na sua proximidade. Partindo deste princpio, continua a ser verdadeira a regra quanto mais, mais
quanto maior for a frequncia de procedimentos invasivos, maior o risco
de infeco; quanto maior for a quantidade relativa de microrganismos presentes no local, e quanto maior a sua capacidade patognica, mais provvel
a sua responsabilidade na respectiva etiologia.
Tendo em conta as oportunidades de conjuno dos trs factores acima
referidos, no de estranhar que os agentes mais frequentes de IH sejam
Escherichia coli e Staphylococcus aureus. No cmputo geral Escherichia coli
que ocupa o primeiro lugar devido, no s sua larga predominncia na
infeco urinria (que , por seu turno, a mais frequente IH), como ao lugar
que ocupa em todas as outras, nomeadamente como causa de bacteriemia
e spsis.
518

Infeco hospitalar

Consoante o tipo de IH, outros agentes podem estar nos primeiros lugares de suspeio, como o caso de Pseudomonas aeruginosa nas pneumonias
em doentes ventilados, conhecida que a sua fcil colonizao no meio
hmido dos tubos conectores.
Outros agentes, tambm com capacidade patognica reconhecida (Klebsiella spp, Proteus spp, Serratia spp, Enterobacter spp...), so, de igual modo,
tradicionais responsveis por IH, com peso relativo consoante o tipo e as
condies da infeco.
Os exemplos atrs referidos, na correlao infeco-agente, no so nicos e o princpio desta correlao continua a ser o principal pilar de referncia para a determinao emprica da maior probabilidade etiolgica (e que
o diagnstico bacteriolgico confirma). No entanto, e nunca esquecendo o
mais provvel e frequente, no podemos, e no devemos, ficar instalados
numa sensao de confiana (ateno, a atitude oposta igualmente perigosa...). Com efeito, as variveis, sempre existentes na ecloso de qualquer
doena infecciosa, podem tomar, na dinmica da IH, aspectos muito mais
diversificados e, mesmo, desproporcionados.
Assim, tal como foi referido anteriormente, temos assistido, ao longo das
duas ltimas dcadas, emergncia de factos preocupantes: a) Aumento
da frequncia, como etiologia de IH, de agentes antes tidos como de patogenicidade nula, fraca ou duvidosa, e que s esporadicamente eram
considerados Enterococcus spp, Staphylococcus coagulase negativo, Acinetobacter spp, Candida spp...; b) recrudescimento da tuberculose, em
termos globais, tendo a actual trilogia toxicodependncia-sida-tuberculose, com internamentos frequentes e prolongados, transformado Mycobacterium tuberculosis num importante agente de IH, tambm com grande
risco para os prestadores de cuidados de sade; este problema ainda
acrescido pela possibilidade de resistncia, por vezes multirresistncia,
aos antibacilares de primeira linha; c) aumento e variao das resistncias aos antimicrobianos, no s nos agentes habituais, como nos emergentes; no s em relao aos antibiticos de referncia, como aos de segunda e terceira linha. So principais exemplos Staphylococcus aureus e,
acrescidamente, os estafilococos coagulase negativo resistentes meticilina;
Enterococcus spp resistentes ampicilina e, mesmo, nomeadamente Enterococcus faecium, vancomicina; Klebsiella spp produtoras de betalactamases
de espectro alargado. A multirresistncia pode mesmo implicar todos os
antibiticos disponveis, como se verificou recentemente entre ns, em estirpes de Acinetobacter baumanii5.
Perante este panorama, nunca demais lembrar a importncia do laboratrio para a confirmao etiolgica e determinao do padro de sensibilidade. A interpretao do significado do isolamento de um agente nem
sempre linear e, quando assim acontece, pode ser muito til o dilogo
entre o clnico e o microbiologista.
519

J. Quaresma

quele propsito, bom dizer que nem todos os agentes isolados so


responsveis por infeces (h mais isolamentos do que infeces e h mais
infeces do que doenas infecciosas...). Quando o laboratrio identifica um
agente , seguramente, por que ele se encontrava no produto que foi analisado. Mas pode estar l por diversas razes. Lembremos algumas noes,
cujo desconhecimento, ou esquecimento, pode levar a diagnsticos incorrectos e a prescries de antibiticos inadequadas ou desnecessrias:
Inquinao o agente no se encontrava no produto biolgico, tendo
para l entrado no acto da colheita; pertence, em regra, flora local ou da
vizinhana e o seu isolamento traduz erro tcnico no procedimento, nomeadamente no que diz respeito assepsia.
Contaminao o agente no se encontrava no produto biolgico, tendo
a sido introduzido aps a colheita; traduz problema no transporte, conservao, manipulao...
Colonizao o agente encontrava-se no produto, em condies para
multiplicao, mas sem que esta provoque reaco por parte do hospedeiro; os exemplos mais representativos de colonizaes provveis encontram-se nas secrees brnquicas de doentes entubados e ventilados, na
urina de doentes algaliados (bacteriria sem piria) e, de uma maneira geral,
sempre que a colheita feita por zaragatoa (exsudados de feridas cirrgicas,
de orifcios de drenos, de escaras...).
Infeco O agente encontrava-se no produto, em condies de multiplicao e com resposta do hospedeiro, local, sistmica ou imunolgica,
podendo esta ser ou no traduzida por doena clinicamente evidente.

Sobre a transmisso
As bactrias no tm asas uma frase dita e repetida por quem as
conhece bem. bem verdade, e t-la sempre presente, quando lidamos com
problemas de controlo de IH, ajuda racionalidade e impede perdas desnecessrias de tempo, de ateno e de recursos econmicos.
Para que a transmisso acontea, so necessrios trs elementos uma
fonte, ou reservatrio, de microrganismos potencialmente infectantes, um
hospedeiro susceptvel e um meio, ou processo, atravs do qual o agente
passe de um para o outro.
As fontes podem ser humanas doentes, pessoal de sade e, mesmo, visitas, com infeces agudas ou em incubao, colonizados ou portadores
crnicos do agente infectante; a prpria flora endgena do doente (ou autgena, se j estiver colonizado por agentes que no pertenciam sua flora
residente inicial) pode ser a fonte de infeco, por transmisso dos agentes de
um para outro compartimento do corpo (da flora fecal para orifcio de cateter, por exemplo). Outras fontes podem encontrar-se no ambiente inanimado,
520

Infeco hospitalar

contaminado, que vai interagir com o doente: qualquer tipo de equipamento,


medicao, alimentao, ar...
Quanto ao hospedeiro receptor, muito j foi dito sobre as suas susceptibilidade e vulnerabilidade. O resultado da interaco com o microrganismo
recm-chegado varivel. Alguns resistem colonizao. Outros no tm
condies para isso e ficam colonizados (factor importante no risco de infeco subsequente) ou desenvolvem, de imediato, infeco.
Os meios de transmisso podem ser vrios, comuns a vrios agentes e o
mesmo agente pode ser transmitido por mais do que um. Podem agrupar-se
em quatro tipos:
Transmisso por contacto , sem dvida, o meio mais importante e o
modo mais frequente de transmisso de IH. O contacto pode ser directo,
entre a rea corporal infectada ou colonizada da pessoa que transmite e a
rea corporal do hospedeiro receptor; pode ser indirecto, o mais frequente,
por meio de elementos intermedirios contaminados (qualquer meio de
instrumentao, agulhas, pensos e, sobretudo, as mos, com ou sem luvas);
pode, ainda, ocorrer por intermdio de gotculas, geradas pelo acto de espirrar, tossir ou falar, depositadas no hospedeiro se o transmissor do agente
infectante se encontrar a curta distncia.
Transmisso area ao contrrio do que acontece com as gotculas, que
no permanecem em suspenso no ar, o mesmo no acontece com os pequenos resduos das mesmas, onde os microrganismos podem permanecer, permitindo a sua inalao por um hospedeiro que se encontre a maior distncia (no mesmo quarto ou sala, por exemplo). , de igual modo, um
importante meio de transmisso, nomeadamente no caso da tuberculose.
Transmisso veiculada por meio de elementos contaminados, normalmente de utilizao comum a vrios doentes (gua, soros, alimentos e, tambm, dispositivos e equipamentos diversos). Sem ter a relevncia dos dois
anteriores, pode, no entanto, dar lugar a surtos epidmicos de repercusso
varivel.
Transmisso por vector embora a IH por esta via possa ocorrer em instituies de pases em vias de desenvolvimento, no normalmente considerada, fora desse contexto.

3. Preveno
No h compartimentos estanques na preveno da IH, como no os h
em nenhum dos intervenientes do processo. Por questes didcticas, os meios
de preveno costumam ser tratados sectorialmente. Em contrapartida, esta
metodologia pode levar perda da noo de conjunto, com risco de fazer
passar para planos secundrios, ou no considerados, os outros factores que,
em cada momento, intervm e influenciam o desenrolar dos acontecimentos.
521

J. Quaresma

Muitas das medidas sofisticadas, complicadas e dispendiosas, por vezes


preconizadas e adoptadas para preveno de uma determinada IH, no seriam consideradas necessrias se fossem cumpridas todas as normas gerais
de preveno, meramente baseadas no bom conhecimento das situaes
e no bom senso (higiene, alimentao e hidratao adequadas, ventilao e
utilizao racional dos espaos disponveis, boa experincia e boa tcnica
de execuo na realizao dos procedimentos necessrios...).
Em qualquer dos elementos intervenientes na IH h factos que, por inerncia, no podemos mudar. Mas, se no podemos alterar os factos, h
muitos factores onde podemos, e devemos, actuar para impedir que lhes
acrescentem peso, no risco de IH.
Em relao ao hospedeiro se no se poder alterar o diagnstico, nem
a necessidade de procedimentos correlacionados, pode-se influir no modo
como a situao vivida, tendo sempre como objectivo o aumento das resistncias infeco e a reduo dos seus riscos: a) Corrigir atempadamente
a desnutrio (geral e proteica) e os desvios metablicos e hidro-electrolticos; b) prestar os cuidados de enfermagem adequados s necessidades do
doente, sobretudo se acamado e dependente; c) evitar a precipitao no
recurso a meios invasivos e ponderar a sua oportunidade; d) programar correctamente os tempos e actos para investigao e tratamento, reduzindo ao
mnimo o tempo de internamento; e) ponderar a prescrio de frmacos,
tantas vezes no essenciais, que possam ter aces acessrias conducentes
diminuio da resistncia s infeces (granulocitopenias, reduo da acidez
gstrica, secura da pele e mucosas...); f) evitar a precipitao no uso de anti-inflamatrios, por esquecimento de que a inflamao aguda local, como
resposta imediata entrada de qualquer agente estranho, um excelente
mecanismo de defesa e, ressalvando algumas excepes (risco de compresso
por ocupao de espao em determinados compartimentos), no deve ser
perturbada; g) evitar a precipitao no uso de antibiticos muitos tm
aces acessrias que agravam a vulnerabilidade do doente e, mesmo que
correctamente indicados (o que nem sempre acontece) inevitvel a sua
aco perturbadora na flora bacteriana residente (outro excelente mecanismo de defesa) pois, para alm da bactria alvo que se quer combater, sero
abatidas todas as outras que lhe so sensveis, pagando o justo pelo pecador. Tambm aqui funciona a regra do quanto mais, mais quanto mais
amplo o espectro de aco e quanto maior a durao da aco no tempo,
maior ser o estrago.
Em relao ao agente a preveno do seu volume, para reduzir a fora do inculo, depende da que observada em relao ao hospedeiro
e transmisso. Quanto sua qualidade (agentes menos frequentes ou
menos plausveis e/ou resistentes, ou multirresistentes, aos antimicrobianos),
a preveno prende-se, claramente, com o modo como os antibiticos so
utilizados.
522

Infeco hospitalar

Com efeito, como j foi dito, por inerncia da sua aco, os antibiticos
provocam aquelas duas vertentes de variao ao destrurem a parte sensvel do campo microbiano, a parte sobrevivente fica seleccionada e com o
desenvolvimento facilitado por falta de concorrncia; outro tipo de seleco
se passa, ainda, mesmo no interior das populaes bacterianas sensveis, ao
permitir que os seus mutantes, com caractersticas de resistncia, possam,
tambm eles, sobreviver e passar a dominantes, o que no aconteceria sem
aquela aco selectora. Outros mecanismos de resistncia podem ser induzidos ou espoletado pela presena e pela aco dos antibiticos, nomeadamente na flora entrica, onde co-habita, em meio propcio, uma multiplicidade enorme de agentes microbianos6.
A relao entre a aco dos antibiticos e a variao etiolgica da IH
tornou-se clara pouco aps a generalizao do seu uso e cedo foi denunciada7.
Da mesma forma, e inequivocamente, tem sido, repetidamente, denunciada
e demonstrada a sua relao com a emergncia e alastramento das resistncias bacterianas8-10.
Apesar da evidncia dos factos e dos alertas suscitados por estudos incontestados do impacto da IH na sade e na economia, esta vertente da sua
preveno, de exclusiva responsabilidade mdica, tem sido mal acautelada11,12.
Os antibiticos so ainda, vezes demais, utilizados de forma desnecessria
(ausncia de infeco ou de critrio para profilaxia) ou incorrecta (m opo
na escolha, por ineficcia ou por privilegiar caractersticas acessrias em detrimento das essenciais). Por outro lado, e paradoxalmente, a preocupao com
as resistncias bacterianas tem levado a uma conduta de prescrio emprica
em fuga para a frente, preferindo apostar numa aleatria probabilidade
a jusante em vez de, por forma segura, tentar travar o problema a montante. De facto, as bactrias resistentes e, sobretudo, as multirresistentes, apesar
de preocupantes, so ainda minoritrias e, em cada situao, devemos apreciar a sua probabilidade; por outro lado, por enquanto e salvo rara excepes, a multirresistncia correlaciona com menor agressividade e virulncia
(a grande maioria destes isolamentos so de colonizaes e no de infeces). No faz sentido, portanto, a frequncia com que se prescreve o mais
recente, o de maior espectro, o mais... s por que pode ser..., em
detrimento de uma maior eficcia para o agente mais provvel e de maior
capacidade patognica, com risco de atraso no controlo da real infeco presente, de aumentar a vulnerabilidade do doente e de contribuir para a escalada de resistncias. Parafraseando Eickhoff, os mdicos mantm-se relutantes em reconhecer que a deciso de utilizar um determinado antibitico,
num determinado doente, tem implicaes ecolgicas que ultrapassam esse
doente13.
O atrs exposto justifica a defesa da existncia nos hospitais de uma
comisso de antibiticos (CA), cuja composio estrutural deve incluir
um clnico, sempre que possvel infecciologista (de adultos e peditrico), um
523

J. Quaresma

microbiologista e um farmacutico hospitalar. A CA deve integrar a CCIH ou,


no mnimo, trabalhar intimamente e em consonncia com ela.
Em relao transmisso tem incidido, nos ltimos anos, o maior esforo de preveno da IH (com algum risco de fazer passar para segundo
plano o esforo em relao s duas outras vertentes do problema), com
publicaes sucessivas de manuais e normas, cursos e aces de sensibilizao
e de formao para os vrios profissionais de sade e, como j foi dito, a
implementao progressiva das CCIH. Verificou-se tambm a introduo no
mercado, para consumo hospitalar, de variadssimos dispositivos e equipamento, destinados preveno da transmisso da IH. Tem havido um pouco
de tudo, desde os teis e bem concebidos at s invencionices mais bizarras, com risco de pior a emenda que o soneto e de fazer perder a concentrao em relao ao essencial.
Para a eficcia preventiva de uma determinada IH, h que conhecer a fonte dos microrganismos e o modo como se podem transmitir, por forma a poder
activar a/s barreira/s adequada/s para impedir essa transmisso. Por outras
palavras, os agentes potencialmente transmissveis devem ficar isolados, confinados ao local onde esto a causar infeco ou colonizao, sem possibilidade de passarem para outrem ou para outro local do mesmo doente.
Apenas algumas situaes requerem o isolamento efectivo do doente num
espao confinado.
Em portugus, o termo isolamento tem, assim, um significado dbio
podendo, neste contexto, ser considerado como absoluto ou como relativo,
em funo da situao e das barreiras de transmisso que preciso activar.
O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) tem, desde h cerca
de trs dcadas, tomado a iniciativa de emitir e divulgar normas de preveno da IH, destinadas a ser aplicadas em todo o tipo de hospitais americanos,
que tm sido copiadas ou adaptadas em hospitais de todo o mundo.
As da dcada de 70 preconizaram as normas de isolamento por categoria de via de transmisso (absoluta, contacto, purulncia aberta, entrica,
respiratria, sangue). Pressupem o reconhecimento da situao de risco e
podem ser imediatamente activadas. Podem ainda ser implementadas por
doena, o que implica j um diagnstico e maior diferenciao tcnica de
quem decide, e tambm por doente, consoante a personalidade e comportamento deste.
Na dcada de 80 tomou maior impacte a infeco a partir de fonte desconhecida, no imediatamente reconhecvel, como o caso da transmisso
por sangue e fluidos corporais, com risco tambm substancial para os profissionais de sade. Neste perodo surgiram vrios conjuntos de normas, com
realce para as precaues universais, a serem aplicadas em todas as circunstncias, independentemente do conhecimento ou presuno de infeco transmissvel14,15. Para compensar a desproporo de normas privilegiando aquela via de transmisso, em detrimento das outras, muitos hospitais
524

Infeco hospitalar

adoptaram aditamentos e variaes (apesar da publicao e divulgao do


isolamento de substncias orgnicas que, entretanto, ocorrera), entrando-se numa fase algo confusa16.
No incio da dcada de 90, ainda no tinha terminado aquela confuso
(demasiada rigidez das normas e no uniformidade na sua aplicao, indefinio do risco em relao a alguns fluidos), outras situaes emergentes e
re-emergentes se impuseram, no mbito da IH, como foi o caso da tuberculose em todo o mundo e de novas resistncias e multirresistncias, colocando
problemas at a no previstos17. nesta sequncia que surgem, em 1996,
as precaues padronizadas actualmente em vigor18. Este conjunto de
normas, numa sntese das anteriores, aplica-se ao sangue, a todos os fluidos
corporais (segregados ou excretados), com excepo do suor, quer tenham
ou no sangue visvel, pele no intacta e a membranas mucosas. So, assim,
harmonizadas as regras das precaues universais com as normas de utilizao adequada dos dispositivos disponveis (luvas, bata, avental, mscara,
culos, barrete e botas) por categoria de risco de transmisso.
As precaues padronizadas encontram-se largamente difundidas nos
hospitais, pelas CCIH, e tm sido publicadas em revistas de sade, de mbito
geral ou de especialidade19.
No cmputo geral, as mos continuam a ser o factor independente com
maior peso na responsabilidade na transmisso da IH e, por isso, todas as
normas, para todos os procedimentos, incluem (e comeam por) a correcta
lavagem das mos e o uso adequado das luvas. A implementao das normas
de preveno tende a levar, infelizmente, a um desvio no propsito da utilizao das luvas, na medida em que, cada vez mais, assistimos ao seu uso
como proteco pessoal, passando para segundo plano a sua finalidade de
barreira nos dois sentidos. Nunca demais lembrar que as luvas no protegem das picadas com agulhas e objectos cortantes (at podem aumentar o
risco, por retirar sensibilidade) e, se no forem colocadas estritamente quando indicado e s para os cuidados de um determinado doente, podem ser
(e so muitas vezes) o factor de transmisso da IH20.
As infeces hospitalares em desenvolvimento personalizado, esto fora
do alcance deste texto, de espao limitado e de mbito geral. Cada uma das
clssicas mais justifica, por si s, um texto prprio.
A infeco urinria , sem dvida, a mais frequente. Na esmagadora
maioria das vezes est relacionada com algaliao (de carcter endmico e
por agentes endgenos), podendo, ainda, resultar de instrumentao urolgica, por agentes endgenos ou exgenos (neste caso com possibilidade
de surtos epidmicos). Para alm de correlacionar com a assepsia e a tcnica de execuo, tem uma correlao determinante com o tempo de permanncia da alglia. Quase inevitavelmente, aps 48 a 72 h, a ponta da alglia
est colonizada, primeiro passo para poder ocorrer infeco. muito importante distinguir uma situao da outra para evitar o uso desnecessrio de
525

J. Quaresma

antibiticos (como no caso de bacteriria sem piria). Mesmo no caso de


infeco evidente, sempre problemtico o tratamento uma vez que, se o
doente se mantiver algaliado, na permanncia de risco de infeco (tal
como em muitas outras situaes), o antibitico vai seleccionar o/s agente/s
de infeces subsequentes. Pela mesma razo, e at ao limite do possvel, se
deve evitar o uso de antimicrobianos a aco sistmica no tratamento de
uma infeco urinria simples.
A infeco urinria ainda responsvel, como ponto de partida, por uma
parte muito significativa de bacteriemia e spsis, contribuindo, largamente,
para o total destas IH causadas por bactrias Gram-negativo.
A pneumonia hospitalar no sendo maioritria, detm a maior taxa de
mortalidade. Pode ocorrer aps vrios tempos de internamento e em vrias
circunstncias, desde a reteno de secrees, por imobilidade, na confinidade ao leito, ou por macro-aspirao (de vmito ou contedo bucal) ou
micro-aspirao. Todas estas possibilidades esto concentradas nos doentes
entubados e ventilados, dependentes de cuidados intensivos. tambm
nestes doentes que o diagnstico mais difcil de concretizar e que a mortalidade mais elevada. O prognstico, no entanto, correlaciona com muitos
factores, que se encontram associados nos casos de maior gravidade, de onde
sobressai, obviamente, a patologia subjacente e o seu prprio prognstico.
As expectativas etiolgicas so diferentes, conforme as vrias situaes,
prevendo-se agentes endgenos, relacionados com o local, no caso das precoces,
por reteno de secrees ou macro-aspirao, ou exgenos, nomeadamente nas situaes de cuidados intensivos, sob ventilao prolongada, em que
so frequentes as colonizaes por Pseudomonas aeruginosa, Serratia spp,
Enterobacter spp ou Acinetobacter spp.
As infeces relacionadas com dispositivos intravasculares (focais, bacteriemias e septicemias) representam um outro mais no respeitante a IH.
Pela sua frequncia, dominam as causadas por cateteres venosos centrais. Os
principais agentes etiolgicos so, como era de esperar, Staphylococcus aureus
e Staphylococcus epidermidis que, em nmero muito preocupante, so resistentes meticilina. Esta taxa de resistncia varivel, de hospital para hospital, atingindo, nalguns dos nossos, cerca de 50%5. Cabe aqui chamar a
ateno para o risco, normalmente pouco considerado, de flebites relacionadas com a colocao de minicateteres em veias perifricas, to generalizada actualmente. So muito frequentes, por vezes graves, com envolvimento da bainha da veia. Quando assim acontece e a situao no resolve
com o tratamento habitual, pode o agente ser Candida albicans, como
pessoalmente j confirmei nalguns casos (um deles, mesmo sem reconhecidos
riscos, para alm de necessitar de drenagem cirrgica, evoluiu para septicemia com endoftalmite). A canalizao de veias perifricas com estes materiais
tem muito mais risco de inflamao/infeco do que era ocasionado com as
agulhas metlicas.
526

Infeco hospitalar

A infeco cirrgica outra grande referncia na IH. O risco depende,


como conhecido, de mltiplos factores (inerentes s condies fsicas do
doente e sua patologia, tempo de internamento, tempo entre o diagnstico e a interveno, durao do acto operatrio, capacidade tcnica
do executante, condies de assistncia no ps-operatrio e, obviamente, o
tipo de cirurgia). H que distinguir entre o risco de infeco decorrente do
acto operatrio, em si, e o que pode ocorrer no ps-operatrio (ferida cirrgica, alglia, cateter, drenos...). Apenas no primeiro caso, em alguns tipos de
cirurgia (contaminada, limpa/contaminada e, mesmo na limpa, se se tratar
de cirurgia cardaca ou de colocao de prteses, vasculares ou ortopdicas)
h vantagem em utilizar, como acrscimo s medidas gerais, um antibitico como profilaxia. Com efeito, a infeco relacionada com o acto cirrgico
decau bastante, nomeadamente na cirurgia clica, desde a introduo dos
antibiticos neste campo. A rentabilidade desta metodologia decorre do conhecimento do momento do risco e do local a intervencionar, com a sua flora
endgena e a sua previsvel sensibilidade aos antibiticos. Actualmente,
esto bem definidas as regras para optimizao da profilaxia antibitica,
nomeadamente a sua curta durao (j deve haver boa e recente concentrao plasmtica no momento da inciso, que se deve manter at seis horas
aps o encerramento da ferida operatria).
Muitas outras infeces hospitalares devem merecer ateno, umas confinadas a grupos de risco especficos (queimados, transplantados, recm-nascidos...), outras mais espordicas e menos lembradas (como o caso da
sinusite, por bloqueio de drenagem ocasionado pela presso do tubo nasotraqueal...), sem esquecer o emergente problema da tuberculose.
Se a doena que motivou o internamento implicar estadia prolongada,
aps uma primeira infeco h grande probabilidade de outras lhe sucederem, com complexidade cada vez maior. Essa probabilidade correlaciona-se,
mais uma vez, com a gravidade da situao de base e com a continuao das
agresses necessrias investigao ou teraputica. agravada pela
progressiva e inevitvel degradao geral do doente e pela seleco microbiana causada pelas intervenes antibiticas.
Assim, o diagnstico correcto e atempado e o tratamento eficaz de um
episdio de infeco hospitalar, a comear pelo primeiro, so, simultaneamente, um importante factor de preveno de infeces futuras.

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528

Seco 24

Bioterrorismo
Henrique Lecour

Embora o emprego de agentes animados e das suas toxinas, como armas


biolgicas, comeasse a ser encarado com o desenvolvimento da Microbiologia verificado a partir de finais do sculo XIX, so vrios os registos histricos, que desde a Antiguidade relatam situaes suscetveis de serem consideradas como precursoras dessa utilizao1.
O exemplo maior do uso de armas biolgicas, em larga escala, so certamente os ataques da aviao nipnica, ocorridos em 1937, no decurso da guerra sino-japonesa, em que foram bombardeadas mais de uma dezena de cidades
chinesas com bombas contendo bacilos da peste, do carbnculo, da clera e de
outras doenas entricas, que provocaram a ecloso de surtos epidmicos
nas reas atingidas1. Refira-se que o Japo tinha desenvolvido, desde 1932,
um ambicioso programa de pesquisa e produo de armas biolgicas, no
mbito do qual foram realizadas experincias em seres humanos, que causaram a morte de alguns milhares de prisioneiros de guerra1.
Aps o final da II Guerra Mundial, e a despeito de vrios esforos no
sentido de proibir o uso e a produo de armas biolgicas sem grande resultado, a situao de guerra fria entre os pases ocidentais e os do bloco
sovitico, levou a que muitos desses pases procurassem desenvolver programas nessa rea. Onde essa investigao assumiu um maior desenvolvimento foi
na Unio Sovitica, estimando-se que ocupava cerca de 50.000 investigadores e
tcnicos em vrios centros, cuja pesquisa e produo abrangiam agentes de
grande patogenicidade, como os vrus causadores de febres hemorrgicas e da
varola, e o uso de processos de biotecnologia, com o intuito da criao de estirpes com elevados padres de resistncia antibitica ou com maior gravidade2.
A ocorrncia em abril de 1979 de uma fuga acidental para atmosfera de
esporos de Bacillus anthracis, consequncia de uma avaria transitria num
dos filtros de uma fbrica de produo de armas biolgicas, situada na Sibria, na cidade na poca chamada Sverdlovsk, contaminou uma rea num raio
de cerca de 50 km, sendo responsvel por cerca de 250 casos humanos e pela
morte de pelo menos 100 pessoas, alm de uma epizootia local3,4. Ocultado durante muitos anos, este acidente, que se supe ter resultado da libertao
para a atmosfera de apenas 1 mg de p contendo cerca de um bilio de
esporos, bem revelador do poder das armas biolgicas5.
Em consequncia da situao que se registou aps a desagregao da
Unio Sovitica, verificou-se uma preocupante diminuio das medidas de
segurana que rodeavam as instalaes onde se produziam e armazenavam
529

H. Lecour

esses arsenais, dando azo a que a certos pases ou grupos extremistas pudessem ter acesso facilitado a esses locais. Tambm, a emigrao de muitos
desses tcnicos qualificados deu aos pases que os acolheram capacidade de
poderem produzir armas biolgicas. Recorde-se que os inspetores da ONU comprovaram que o arsenal de armas biolgicas do Iraque, na altura da 1.a Guerra
do Golfo, em 1991, abarcava cerca de 20.000 litros de toxina botulinica e de 8.000
litros de esporos de Bacillus anthracis, entre outros agentes e toxinas, estando
municiadas com essas armas centenas de bombas areas e msseis balsticos6.
O facto das armas biolgicas serem de um modo geral fceis de produzir
e terem um baixo custo, muito inferior aos de outros tipos de armas quer
convencionais, quer nucleares ou qumicas, faz com que grupos ou seitas
terroristas as considerem um recurso para atingirem os seus objetivos, sejam
de natureza poltica, religiosa, econmica, ecolgica ou outra, por isso mesmo se dizendo que as armas biolgicas so a bomba atmica dos pases
pobres. Interessa, ainda, sublinhar que os efeitos das armas biolgicas, contrariamente aos das outras armas, so de incio insidioso e no destroem as
estruturas fsicas das reas atingidas, que de uma maneira geral podem de
imediato ser utilizadas pelo agressor, conquanto em certas situaes possa
haver repercusso ambiental, como no caso da contaminao de edifcios ou
do prprio solo por esporos de carbnculo, o que implica uma descontaminao morosa e difcil, e pode mesmo impedir a sua utilizao por largo
perodo, dependendo essa durao da natureza do terreno7.
A acrescer ao potencial risco da ecloso de surtos epidmicos, com efeitos
devastadores e elevada mortalidade, a utilizao das armas biolgicas assume, ainda, particular gravidade pelo temor que desencadeia, podendo levar
paralisao de toda a comunidade, tanto mais que no possvel conhecer,
com elevado grau de probabilidade, onde, como e quando vai suceder o
ataque, desse modo constituindo uma ameaa segurana de um pas ou
de uma comunidade.
A situao de terror coletivo vivida nos Estados Unidos, no outono de
2001, logo aps os ataques do 11 de setembro, com o envio de cartas e
encomendas postais, contendo esporos de Bacillus anthracis, exemplo evidente deste no menos preocupante aspeto do bioterrorismo, causado neste caso por um microbiologista que se suicidou quando descoberto8. Refira-se, a ttulo de curiosidade, que Portugal foi ento o segundo pas da Unio
Europeia, logo a seguir ao Luxemburgo, em que foi registado maior nmero de denncias infundadas de p branco contaminado, em nenhuma das
situaes sido comprovada9.
Os objetivos do bioterrorismo no se limitam ao atingimento humano
direto, mas abarcam, tambm, a contaminao animal e vegetal, e a inquinao da gua de consumo. Deste modo, o atingimento humano pode ser
agravado pela contaminao da cadeia alimentar e do abastecimento de
gua, como, ainda, pelo contacto com animais doentes, que podem constituir
530

Bioterrorismo

verdadeiros reservatrios, estendendo e perpetuando a infeo10. Saliente-se


que entre os agentes considerados como possveis de utilizao se encontram
os da brucelose, do mormo e da tularemia, capazes de provocarem verdadeiras epizootias. Este atingimento, bem como a destruio intencional das
colheitas por certos agentes, como aflotoxinas, pode acarretar, tambm, grave repercusso econmica e carncia de alimentos nessas reas, constituindo
ento o que se denomina de agroterrorismo.
A mostrar a extenso que a contaminao da gua de consumo ou de
alimentos pode alcanar, citam-se dois exemplos registados nos Estados Unidos, ambos de causa acidental. Assim, uma contaminao da gua de abastecimento domstico ocorrida no estado americano de Wisconsin em 1993,
causou mais de 400.000 casos de criptosporidiose, na sua grande maioria
assintomticos ou de evoluo benigna11; tambm, a inquinao de uma
marca de gelados, no outono do ano seguinte, originou nesse pas um surto
nacional de salmonelose, que afetou cerca de 250 mil indivduos12. Se os
exemplos citados demonstram essa potencialidade, interessa referir, ainda,
um episdio de bioterrorismo domstico, porque perpetrado por nacionais
do pas, que ocorreu em 1984, numa pequena cidade do estado americano
de Oregon, quando membros de uma seita religiosa, com o intuito de prejudicar uma eleio local, contaminaram com Salmonella tiphymurium um
dos dois depsitos da gua, bem como as saladas de uma dezena de restaurantes locais, provocando, desse modo, um surto de gastrenterite que afetou
751 dos habitantes da cidade13.
A seita japonesa Aum Shinrikio, responsvel pelo ataque com gs sarin, ocorrido em duas estaes do metropolitano de Tquio, em maro de 1995, tinha
anos antes dispersado nas ruas da capital, sob a forma de aerossol, toxina botulnica e esporos de carbnculo, sem contudo ter sucesso14. Tambm, o envio
ao Zaire de uma equipa de mdicos e enfermeiros membros da seita, aquando de um surto de doena de bola, em 1993, tinha como finalidade prioritria conseguir obter estirpes do vrus para os seus desgnios criminosos14.
Embora seja grande o nmero de agentes que podem ser utilizados como
armas biolgicas, um manual da NATO, sobre este tema, considera de interesse, apenas, cerca de trs dezenas de agentes passveis de serem usados,
repartidos em trs categorias15. Na categoria A so includos os agentes
causadores de doenas com maior gravidade e contagiosidade, a saber varola, carbnculo, peste, botulismo, febres hemorrgicas vricas e tularemia; certas caractersticas e propriedades biolgicas fazem com que o carbnculo e a
varola sejam, entre estas, as de mais provvel utilizao. O conhecimento de
que 1 g de toxina botulnica suficiente para matar mais de um milho de
pessoas, pois a toxina 100 mil vezes mais mortal do que o gs sarin, bem
comprovativo do seu poder letal16. Embora o botulismo no seja contagioso,
o seu emprego como arma biolgica pode ocorrer por contaminao de alimentos ou da gua de abastecimento ou, com maior probabilidade de xito,
531

H. Lecour

pela disperso da toxina sob a forma de aerossol, j que a via inalatria a


mais adequada a esse objetivo, por a toxina ser incolor e inodora, passando,
por isso, despercebida a sua libertao na atmosfera. Na categoria B consideram-se doenas com moderada morbilidade e baixa mortalidade, mas que
podem ter certa repercusso, como a brucelose, o mormo, a febre Q e as
infees entricas de transmisso hdrica, entre outras. Na categoria C incluem-se doenas emergentes, mas com potencial de serem usadas, como as
doenas por Hantavrus, a encefalite transmitida pela carraa, a tuberculose
multirresistente, entre outras patologias.
Alguns desses agentes revestem-se de maior interesse em detrimento de
outros. Assim, a facilidade de produo, a sua estabilidade nas diversas fases
de elaborao, bem como nos alimentos e na gua, a possibilidade de ser
disperso sob a forma de aerossol, associadas capacidade de poder causar
doena grave, com curta incubao, alta contagiosidade, identificao difcil
e morosa, e com teraputica pouco ou nada eficaz e sem imunizao disponvel, por isso se acompanhando de elevada mortalidade, constituem, no seu
todo, um conjunto de especificidades que d particular relevncia aos agentes que as possuem.
Na maioria das situaes em que podem ser usadas armas biolgicas, a
contaminao ocorre por via inalatria, embora possa tambm dar-se por
via digestiva e assumir at grandes propores, como atrs se referiu. Deve
sublinhar-se o interesse dos agentes biolgicos poderem ser dispersos sob a
forma de aerossol, conquanto isso possa implicar o recurso a tecnologias
delicadas de produo de partculas, com dimenso capaz de poderem penetrar nas vias respiratrias. A disperso do aerossol pode ser feita com recurso a dispositivos de fcil aquisio e baixo custo, como um mero atomizador,
o que naturalmente favorece esse emprego, propiciado, ainda, pela circunstncia da maioria dos agentes biolgicos e suas toxinas, quando dispersos
sob a forma de aerossol, serem inodoros e incolores. Interessa, ainda, mencionar que muita da informao tecnolgica com interesse para a produo
destes agentes pode ser obtida atravs da internet.
A disperso de um aerossol sobre grandes reas, quer atravs de msseis
ou de bombas areas, quer atravs de um avio dispondo de um ou mais
pulverizadores, est, contudo, dependente das condies meteorolgicas locais, particularmente da orientao e velocidade do vento, e da presena de
chuva, condicionantes que podem favorecer ou obstar disperso do agente.
O acidente verificado em Sverdlovsk um bom exemplo da importncia das
condies meteorolgicas neste tipo de ataque, j que a sua disperso assumiu uma determinada direo de acordo com a orientao do vento3,4.
Na fase inicial de um ataque bioterrorista difcil a sua presuno, a no
ser que haja prvia informao dessa eventualidade. Certas caractersticas de
um surto podem, contudo, levantar a suspeio, em particular se elas se apresentam conjuntamente. O facto do surto ser causado por um agente raro ou
532

Bioterrorismo

ser observado numa rea em que a doena no endmica ou fora do seu


predomnio sazonal, um dado epidemiolgico de valia, bem como o registo
de elevado nmero de casos geograficamente dispersos e a observao de um
quadro clnico de natureza infeciosa pouco usual, particularmente do foro
respiratrio ou digestivo, ou acompanhado de manifestaes hemorrgicas17.
Com o desenvolvimento da moderna biotecnologia, possvel a criao
de agentes geneticamente modificados, com maior patogenicidade ou com
padres de resistncia antibitica diferentes dos habituais, o que tambm justifica que, em certas circunstncias, a ocorrncia de um surto causado por um
novo ou por um raro agente, ou ainda, apresentando elevada resistncia aos
antibiticos, obrigue a encarar a possibilidade de uma origem criminosa2.
O prvio ou o simultneo aparecimento de uma zoonose rara, com elevada mortalidade animal, constitui tambm, um dado de particular interesse. O
surto de Febre do Nilo Ocidental que assolou Nova Iorque, no vero de 1999,
exemplo a citar, j que a hiptese de bioterrorismo foi, de incio, tambm,
encarada, pois a doena foi precedido de uma epizootia, que afetou pssaros e gado equino, s tendo sido possvel a identificao do agente, aps ter
sido estabelecida uma ligao causal entre as informaes dos servios veterinrios e as dos servios de sade da cidade, tanto mais que a doena nunca
at ento tinha sido referida no continente americano18.
Entre as doenas que tm probabilidade de ser usadas como arma biolgica, conta-se a varola. Com a erradicao da doena em 1980, trs anos
aps o registo do ltimo caso na Somlia, a Medicina conseguiu o seu primeiro xito na extino de uma afeo que durante sculos assolou a Humanidade. O ltimo caso de varola registado em Portugal ocorreu em 1954
e o ltimo surto epidmico verificado na Europa foi observado na antiga
Jugoslvia, em 1972, causado por um doente vindo do Mdio Oriente, embora em 1978 tivesse sido ainda, observado um caso fatal na Inglaterra,
consequncia de um acidente registado num laboratrio de investigao
mdica19.
Os acontecimentos do 11 de setembro e o receio de que alguns pases ou
grupos terroristas pudessem dispor de reservas do vrus, levaram a que a
doena assumisse renovada importncia.
Provocada por um vrus ADN, pertencente famlia de Poxviridae e do
gnero Orthopoxvrus, que abrange, entre outros vrus morfologicamente
idnticos, o vrus da vaccinia, usado na vacinao antivarilica tradicional, e
o da varola do macaco (monkeypox), prevalente na frica Ocidental e Central, e responsvel por surtos com atingimento humano limitado.
Com um perodo de incubao entre sete a 17 dias mdia de 10 a 12 dias
a varola transmite-se, essencialmente, por via area, ocorrendo a maior
contagiosidade nos primeiros 10 a 12 dias de doena; embora com pouco
relevo, o contacto com roupas ou objetos contendo as crostas das leses, na
fase final da doena, pode ser tambm causa de contgio.
533

H. Lecour

Figura 1. Varola em fase pustulosa (casustica pessoal, Moambique, 1968).

A despeito da contagiosidade da varola ser, fundamentalmente, direta e


por via inalatria, ela inferior de outras doenas com idntico tipo de
transmisso, como o sarampo, a varicela ou a gripe20. Naturalmente, que a
propagao da doena depende de vrios fatores, em particular do nvel
socioeconmico e dos recursos sanitrios da regio onde ocorre, e da assuno precoce de medidas de conteno capazes de travar o surto21. Um interessante trabalho publicado em 1999, foca o cenrio de um ataque terrorista com disperso de virus da varola, num auditrio de uma universidade
americana, descrevendo, sucessivamente, os vrios acontecimentos, desde o
aparecimento dos primeiros casos at propagao da epidemia para alm
do local do atentado, a despeito das medidas, virtualmente, tomadas22.
Febre elevada, arrepios, cefaleias, prostrao intensa, mal-estar, vmitos
e raquialgias constituem as primeiras manifestaes da doena; dois a trs
dias aps, a par de uma aparente melhoria, surge enantema da orofaringe,
seguido um dia mais tarde de um exantema maculopapular, com incio na
face e extremidades, mas que, rapidamente, se generaliza. Um a dois dias
aps, as leses tornam-se vesiculosas. A evoluo para a fase de pstula, que
ocorre alguns dias depois, acompanha-se de agravamento do estado geral e
da febre (Fig. 1). As pstulas permanecem por cinco a sete dias, aps o que
tomam um aspeto umbilicado e evoluem para crostas, que acabam por descamar cerca de uma semana mais tarde. Na maioria dos doentes, as cicatrizes
534

Bioterrorismo

das leses permanecem indelveis. De salientar, como caractersticas clnicas,


a circunstncia das leses se apresentarem sempre no mesmo estdio de
desenvolvimento, evoluindo por fases, e a sua distribuio ser predominantemente centrfuga.
A confirmao do diagnstico, que naturalmente urge, pode ser feita por
observao do contedo das leses cutneas por ultramicroscopia e por tcnicas de biologia molecular, que permitem, ainda, a discriminao do vrus.
Apesar de disponvel, o diagnstico serolgico , naturalmente, tardio.
No havendo teraputica eficaz, o tratamento da varola restringe-se s
medidas de suporte, devendo os doentes serem isolados em quartos com
presso negativa. Embora sem experincia em humanos, ensaios em animais
sugerem que o cidofovir, indicado no tratamento da infeo citomeglica,
possa ser tambm utilizado na teraputica da varola; um seu derivado, o
HDP-cidofovir, teria a vantagem de poder ser administrado por via oral23.
A mortalidade da varola ronda os 30%, sendo, contudo, mais elevada nas
idades extremas; a forma hemorrgica e a forma maligna da doena assumem, no entanto, elevada letalidade. Pelo contrrio, a varola minor ou alastrim, forma atenuada da doena, causada por uma estirpe menos virulenta,
tem uma mortalidade reduzida, ao redor de 1%; a mortalidade , tambm,
baixa quando a varola ocorre num indivduo com imunidade residual.
A eficcia da vacina antivarilica foi bem demonstrada, j que foi com
ela que se conseguiu a erradicao da doena. No entanto, a existncia de
eventuais reaes adversas, por vezes mesmo fatais ou deixando graves sequelas, pe alguns entraves sua utilizao universal.
Usando como antignio o vus da vaccinia, a vacinao feita por escarificao cutnea. A resposta imunitria diferente se se trata de uma primovacinao ou de uma revacinao. No primeiro caso, trs dias aps a
vacinao, surge vermelhido local, que evolui para um aspeto vesiculoso e,
posteriormente, pustuloso, fase que se acompanha de febre moderada e de
linfadenite regional; pela segunda ou terceira semana, a leso evolui para
crosta, que acaba por cair, deixando uma marca indelvel. No caso de revacinao, a resposta pode ser acelerada, quando o indivduo est parcialmente imune, evoluindo, ento, a leso vacinal em pouco mais de uma semana,
sem formao de pstula e com uma pequena cicatriz, que desaparece um
a dois anos depois. Se o indivduo est imune, a resposta imediata e limitada formao de uma ppula pelo terceiro dia. A ausncia de qualquer
resposta local no indica imunidade, mas sim tcnica de vacinao incorreta
ou perda de eficcia do lote vacinal.
A primovacinao confere proteo por cinco a 10 anos, enquanto a revacinao d imunidade por 10 ou mais anos24.
As reaes adversas compreendem a infeo bacteriana secundria, o
eczema vacinal, que surge em doentes com eczema prvio e pode assumir
feio grave, a vaccinia generalizada, cuja evoluo geralmente benigna,
535

H. Lecour

a vaccinia progressiva ou gangrenosa, que pode surgir em doentes imunodeprimidos e se reveste de elevada mortalidade, e a encefalite ps-vacinal,
cuja gravidade justificada no apenas pela sua taxa de mortalidade, como
ainda pela elevada incidncia de sequelas psicomotoras. As reaes adversas so mais comuns com a primovacinao do que com as revacinaes e
sucedem, particularmente, em crianas de baixa idade. Um registo sobre
reaes adversas da vacina, observadas nos Estados Unidos em 1968, mostra
que por milho de primovacinaes se podem verificar 12 casos de encefalite e 242 de vaccinia generalizada, contrastando com o que se observa aps
a revacinao, em que essas complicaes so respetivamente, reduzidas para
dois e nove casos24.
Em face do risco de reaes adversas, consideram-se contra-indicaes
absolutas da vacinao, a existncia de eczema e de dfices imunitrios,
incluindo, obviamente doentes, com infeo por VIH, bem como gravidez e
doena cardaca.
A circunstncia da imunizao antivarilica ter sido, progressivamente,
interrompida no Mundo, a partir da segunda metade da dcada de 1970, e
a doena ter sido erradicada em 1980, faz com que grande parte da populao mundial seja hoje suscetvel doena. Este aspeto, bem como os riscos
e inconvenientes das vacina e seus custos, tm que ser, devidamente, ponderados na elaborao de uma estratgia de imunizao, que poder ser
restrita aos grupos com risco de exposio profissional, alargada aos contactantes de um eventual caso (estratgia em anel) ou populao dessa rea,
tanto mais que a administrao da vacina, at quatro dias aps o contacto
com um doente, pode, ainda, evitar a doena ou atenu-la, ou se pelo contrrio, se estabelece uma poltica de vacinao universal, posio que no
perfilhamos. Com o intuito de reduzir os riscos da vacinao tradicional e de
se conseguir maior produo da vacina, de molde a poder constituir reservas
suficientes, para obstar a uma eventual ameaa, os Servios de Sade norte-americanos dispem de uma vacina de 2.a gerao, obtida a partir da cultura celular do vrus vacinal, com menores efeitos secundrios4.
Neste tema deve refletir-se que, para alm das reservas de vrus da varola, ainda existentes no Mundo, unicamente nos Estados Unidos e na Rssia,
e cuja destruio tem sido progressivamente protelada, se pode admitir que
outros pases ou grupos terroristas possam ter o vrus em seu poder, desse
modo constituindo uma eventual ameaa.
Tambm, a possibilidade de manipulao gentica de outros poxvrus,
tornando-os adaptados ao Homem, deve ser considerada. Recorde-se a ocorrncia, em 2003, nos Estados Unidos, de um surto de varola do macaco,
doena que, como se referiu, , igualmente, provocada por um poxvrus25.
Esse surto, responsvel por 83 casos humanos, merecedor de uma chamada
de ateno, referindo-se, a propsito, o programa de investigao em armas
biolgicas da ex-Unio Sovitica, que inclua a manipulao gentica do
536

Bioterrorismo

vrus da varola, com o objetivo de conseguir uma estirpe causadora de


doena com menor perodo de incubao, tornando, assim, ineficaz a profilaxia aps contgio16.
As estruturas da sade devem ser preparadas para enfrentar uma verdadeira situao de alarme de sade pblica, cuja extenso e gravidade podem
ser inesperadas. A formao dos profissionais de sade, neste mbito,
essencial, pois, ao contrrio do que sucede aquando de uma exploso,
seja de natureza qumica ou nuclear, num ataque biolgico so os profissionais de sade os primeiros a darem conta do acontecimento. Por isso, a
criao de uma rede de vigilncia sanitria, capaz de detetar, precocemente,
a ocorrncia de uma situao de terrorismo biolgico, bem como a preparao
de equipas especializadas pessoal dos servios de emergncia hospitalar,
epidemiologistas, microbiologistas, bombeiros, socorristas e polcia so
medidas de grande relevncia26,27.
A definio do quadro clnico, a sua imediata notificao s autoridades sanitrias, o estudo epidemiolgico do surto e a sua evoluo, com
rpido incremento do nmero de casos, seguido do seu declnio, a curto
prazo, so indicadores a atender. A logstica necessria, para enfrentar
um ataque de bioterrorismo, complexa e acarreta elevados custos econmicos, j que implica o estabelecimento de reservas de medicamentos,
de vacinas, de soros especficos e de descontaminantes, bem como de equipamentos de suporte de vida e a preparao de instalaes que permitam o
isolamento estrito de doentes com patologias de alto risco de contgio.
Naturalmente que deve ser, tambm, prevista a necessidade de reservas alimentares. A pesquisa de novos antibiticos, de novos antdotos e vacinas, e
de mtodos de diagnstico rpidos e fiveis, s possvel nos pases em que
o investimento na investigao elevado, pode contribuir em muito para o
xito desta luta17.
Outro aspeto, que no deve ser descurado, o da correta informao
comunidade, com o apoio dos meios de comunicao, procurando evitar que
se instale um clima de pnico, com a consequente paralisia das atividades
quotidianas, j que esse tambm um dos objetivos do bioterrorismo.
A criao, pela Comisso Europeia, do Centro Europeu de Preveno e
Controlo das Doenas Infeciosas (ECDC), em funes desde maio de 2005
e sediado em Estocolmo, foi uma medida que merece ser sublinhada pelo
seu interesse e importncia. A sua misso contribuir para a defesa da
Europa contra as doenas infeciosas, sem, no entanto, substituir as instituies nacionais. O ECDC possibilita, ainda, a investigao e a formao de
pessoal, bem como a centralizao dos dados sanitrios e a imediata resposta a qualquer emergncia de sade pblica, seja a ecloso de surtos epidmicos, seja o aparecimento de novas doenas, sabido que a patologia infeciosa no respeita fronteiras e que o fenmeno da globalizao propicia essa
eventualidade28,29.
537

H. Lecour

O facto do bioterrorismo constituir uma ameaa segurana nacional faz


com que a luta contra esta ameaa implique no s a participao das instituies da rea da sade, mas, tambm, dos servios de segurana e de
informao do Estado, numa verdadeira conjugao de esforos. A nvel
nacional e internacional devem ser, tambm, institudas medidas legais, que
reprimam, devidamente, o uso de armas biolgicas e o bioterrorismo, que
devem ser considerados crimes punidos pela legislao internacional, como
sucede j com o genocdio e com a tortura, bem como conseguida a ratificao
da Conveno de Armas Biolgicas e Txicas, que se tornou efetiva em 1975,
na qual so interditos o uso e a produo dessas armas, conquanto no seja
prevista a fiscalizao do seu cumprimento nem a atribuio de sanes, lacunas que urge colmatar.

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538

Seco 25

Preveno das doenas


transmissveis em viajantes
Saraiva da Cunha

1. Introduo
Os viajantes no adoecem, apenas, com patologias de natureza infeciosa,
nem estas so a principal causa de morte nesta populao, lugar ocupado pelos
acidentes e pelas doenas cardiovasculares. No entanto, as infees so causa
frequente de morbilidade e resultam, muitas vezes, na suspenso temporria
(ou mesmo definitiva) das atividades que motivaram a realizao da viagem.
As doenas infeciosas adquiridas pelos viajantes, durante a sua permanncia em pases tropicais, so, por regra, as seguintes, hierarquizadas por
ordem decrescente de probabilidade de ocorrncia e por cada ms de permanncia1:
Diarreia do viajante 20-40%.
Malria (sem quimioprofilaxia) em frica 1,5%.
Influenza A ou B 1%.
Dengue 1%.
Mordedura de animal com risco de raiva 0,5%.
Hepatite A 0,05%.
Hepatite B 0,005%.
Febre tifide 0,003%.
Infeo por VIH 0,002%.
Clera 0,0003%.
Legionelose (Mediterrneo) 0,0002%.
Poliomielite 0,00003%.
Quando analisadas sob o ponto de vista preventivo, algumas so evitveis
por vacinao, enquanto para outras, ainda as mais frequentes, no se dispe, por enquanto, de vacinas eficazes.

2. Doenas evitveis pela vacinao


Todos os viajantes devem ter o seu calendrio vacinal atualizado, o que
significa, nos adultos, administrar a vacina dupla (Td, ttano-difteria) cada
10 anos. Outras vacinas podem ser necessrias aos viajantes, mas, apenas
duas possuem carter obrigatrio.
539

S. da Cunha

Figura 1. Mapa de distribuio da febre amarela em frica, segundo a OMS2.

Vacinas obrigatrias
Vacina

contra a febre amarela

A vacina contra a febre amarela exigida, por muitos pases, aos viajantes
que provenham de zonas onde a doena est presente (no o caso de Portugal, como se pode comprovar pelos mapas apresentados nas figuras 1 e 2).
Por outro lado, recomenda-se, vivamente, esta vacina aos viajantes que se
desloquem para reas de risco (coincidindo com a zona dos mapas marcada a
vermelho). So poucos os pases que exigem esta vacina a todos os viajantes.
A vacina no recomendada para as crianas com menos de seis meses, mas
muitos optam por estabelecer como idade mnima de vacinao os nove meses.
Outras vacinas vivas (febre tifide oral, BCG, vacina contra o sarampo-papeira-rubola) podem ser administradas no mesmo dia ou, em alternativa,
deve intervalar-se esta administrao de trs a quatro semanas3.
Na sequncia da vacinao emitido o respetivo certificado internacional,
que possui validade a partir do 10.o dia aps a administrao e durante 10 anos.
Alguns efeitos secundrios ligeiros esto associados vacinao, como
o caso da dor no local da injeo, febre, dores de cabea e dores musculares,
que podem continuar durante mais dois a trs dias.
A vacina est contra-indicada em viajantes alrgicos s protenas do ovo
e nos imunodeprimidos. Os infetados por VIH podem ser vacinados desde
que apresentem mais de 200 linfcitos TCD4+/mm3 e no estejam medicados
com inibidores do correcetor CCR52,4.
540

Preveno das doenas transmissveis em viajantes

Figura 2. Mapa de distribuio da febre amarela na Amrica do Sul, segundo a OMS2.

Vacina

contra a infeo meningoccica

O nico pas que exige esta vacina a Arbia Saudita, a todos os muulmanos que ali se deslocam na sua peregrinao anual a Meca2.
As autoridades de sade da Arbia Saudita consideram o certificado de
vacinao vlido no perodo compreendido entre o 10.o dia e at trs anos
aps a administrao da vacina. Os adultos e crianas com mais de dois
anos devem receber uma dose da vacina qudrupla A/C/Y/W1355.
Para alm desta exigncia, muito especfica, aconselha-se a vacinao
meningoccica em situaes consideradas de maior risco6
Permanncia prolongada (superior a trs meses) nas zonas endmicas
de frica.
Viajantes com esplenectomia (anatmica ou funcional) ou deficincias
do complemento.
Convvio estreito com populaes locais.
541

S. da Cunha

Pernoita em dormitrios ou sob condies primitivas, com acesso difcil


a cuidados de sade.
Quando se viaja em regies onde decorra um surto epidmico.
A nica verdadeira contra-indicao ao uso desta vacina uma reao
alrgica experimentada em vacinao anterior.
O Programa Nacional de Vacinao (PNV) j contempla desde o ano de
2006 uma vacina meningoccica conjugada para uso generalizado, mas que
tem o inconveniente de apenas proteger contra o serogrupo C, enquanto
nos pases africanos, por exemplo, predominam os serogrupos A ou W135.
As crianas ou jovens, j imunizados com esta vacina conjugada, podem ser
vacinadas com a vacina qudrupla, desde que tenham mais de dois anos de
idade e que seja decorrido mais de duas semanas desde a primeira vacinao.
As vacinas meningoccicas qudruplas esto, consequentemente, mais
ajustadas vacinao dos viajantes. No nosso pas est comercializada uma
vacina conjugada,em que o polissacrido do meningococo se liga protena
CRM197 de Corynebacterium diphteriae (Menveo) que, por enquanto, s tem
aprovao na Europa para administrao em crianas com mais de 11 anos
(nos Estados Unidos esta vacina j est aprovada para idade superior a dois
anos). A vacina meningoccica qudrupla polissacardica (no conjugada),
apenas acessvel por importao, permite imunizar as crianas com idade
compreendida entre os dois e os 11 anos.

Vacinas opcionais
Para alm das vacinas exigidas, muitas outras podem ser aconselhadas aos
viajantes, sempre de forma individualizada e consoante os pases de destino 7.
As vacinas contra a gripe e contra a doena pneumoccica tm indicaes
prprias, que devem ser, tambm, seguidas pelos viajantes.

Vacina

contra a clera

A OMS no considera esta vacina necessria para se entrar em qualquer pas2.


No entanto, despropositadamente, alguns pases continuam a exigir esta
vacina para a emisso de vistos de entrada.
A vacina tradicional (via parenteral) contra a clera foi retirada dos centros de vacinao em Portugal, em consequncia da fraca eficcia demonstrada. Em sua substituio surgiram vacinas orais, inativadas, que
demonstraram melhor atividade, estando disponvel em Portugal a vacina
Dukoral. Infelizmente, ineficaz nas crianas com menos de dois anos de
idade e no protege contra a infeo por Vibrio cholerae serogrupo O1398.

Vacina

contra a encefalite japonesa

Esta vacina tem indicaes restritas em viajantes para pases asiticos,


onde a doena endmica (desde a ndia a Timor). Permanncia prolongada
542

Preveno das doenas transmissveis em viajantes

(superior a quatro semanas) em zonas de risco (reas rurais ou perto de arrozais ou de pocilgas), constitui o principal motivo para vacinar. Os militares,
missionrios ou cooperantes de organizaes humanitrias devem, tambm,
ser imunizados. A vacina atualmente em uso nos pases ocidentais (Ixiaro)
inativada e tem revelado boa eficcia e tolerabilidade em indivduos com mais
de 18 anos, quando administrada em duas doses com intervalo de 28 dias9.
Esto em curso ensaios clnicos em crianas, para as quais, no existe, presentemente, qualquer vacina disponvel.

Vacina

contra a encefalite transmitida por carraas

Esta doena est limitada aos pases do centro e leste europeu, onde
predomina nas reas florestadas. Todos aqueles que por motivos profissionais
ou de lazer tenham contacto prolongado com este habitat devem ser vacinados. A vacina disponvel em Portugal denomina-se FSME-IMMUN, sendo
necessrio administrar trs doses para completar a imunizao.

Vacina

contra a febre tifide

Esta vacina est indicada nos viajantes que se desloquem para zonas de
endemia, que se estendem por, praticamente, todos os pases tropicais dos
continentes africano, centro-sul americano e asitico. As deslocaes prolongadas (superiores a trs meses) ou, mais curtas, mas com condies precrias
de alojamento e de alimentao so razes fortes para vacinar. Esto disponveis duas vacinas, uma viva atenuada por via oral (estirpe Ty21a) e outra
parenteral inativada (polissacrido Vi de Salmonella typhi)10, nenhuma delas
comercializada em Portugal.

Vacina

contra a hepatite

A hepatite A uma das doenas evitveis por vacinao mais comum em


viajantes. No admira, por isso, que seja das vacinas hoje mais prescritas nas
consultas de medicina do viajante. A prevalncia da doena na populao
portuguesa tem sofrido grandes modificaes, nos ltimos anos, sendo cada
vez mais frequente encontrar adultos no imunes, principalmente entre os
estratos sociais mais elevados.
A vacina comercializada em Portugal (Havrix, dosagem peditrica com 720 U
e, para adultos com mais de 18 anos, com 1440 U) inativada e administra-se em
duas doses com intervalo de seis a 12 meses. No entanto, caso o viajante se esquea da segunda administrao, esta pode ser feita em qualquer oportunidade,
sem perca da eficcia vacinal. No se recomenda qualquer reforo da vacina11.
O consenso obtido numa reunio de peritos portugueses em medicina do
viajante12 preconizava, em 2002, a vacinao universal de todos os viajantes
ainda no imunizados com idade compreendida entre os 12 meses e os 30 anos
(hoje o limiar superior dever situar-se entre 35-40 anos). A partir desta
idade, a vacina apenas deve ser administrada aps comprovao laboratorial
543

S. da Cunha

da ausncia de imunidade prvia. Nas crianas com menos de 12 meses no


existe, por enquanto, comprovao inequvoca da eficcia e segurana da
vacina, nem esto definidos os melhores protocolos de vacinao.
Noutros pases europeus est disponvel uma vacina combinada contra a
hepatite A e a febre tifide, de grande utilidade para os viajantes em que
se justifique esta dupla imunizao13.

Vacina

contra a hepatite b

Com a vulgarizao da vacinao contra a hepatite B, entre as crianas e


jovens portugueses, na sequncia da sua introduo no programa nacional
de vacinao, sero, no futuro, cada vez menos os adultos que necessitaro
desta vacina. Contudo, presentemente, muitos viajantes no possuem imunidade para esta doena, justificando-se a sua vacinao desde que presente qualquer um dos seguintes condicionalismos:
Viagens com durao superior a trs meses.
Comportamento sexual promscuo.
Provvel contacto com sangue ou com os seus derivados.
Com exceo dos grupos de risco, no se justifica a realizao de marcadores da infeo por vrus da hepatite B, previamente vacinao. O controlo ps-vacinal da eficcia da vacina s se justifica, tambm, perante situaes de risco acrescido ou quando no se espera uma resposta adequada
vacina, como acontece nos imunodeprimidos. Nestes casos, perante ttulos
de anti-HBs inferiores a 10 UI preconiza-se a revacinao14.
O calendrio vacinal habitual (zero, um, seis meses) da vacina contra a
hepatite B no compatvel, muitas vezes, com a urgncia em vacinar os
viajantes, que tardiamente surgem nas consultas de aconselhamento. Para
responder a esta necessidade, foram estudados esquemas acelerados de
vacinao, que compreendem a administrao em perodos curtos, do nmero mnimo de doses consideradas necessrias, para uma resposta imune
adequada15. Consoante o tempo disponvel, dois calendrios so possveis:
Zero, sete, 21 dias, com reforo aos seis a 12 meses (o nico j aprovado oficialmente).
Zero, sete dias, trs-seis meses, com reforo aos 12 meses.
A existncia de uma vacina conjunta contra as hepatites A e B (Twinrix)
facilita a imunizao dos viajantes, que necessitem de proteo contra estas
duas doenas16. Tambm ela pode ser administrada em esquemas acelerados, sem compromisso da sua eficcia.

Vacina

contra a poliomielite

Embora cada vez mais rara, a doena persiste em pases de frica e do


subcontinente indiano. A poliomielite foi declarada erradicada nas Amricas,
na Ocenia e na regio europeia da OMS. Apesar de erradicada, foram descritos surtos de poliomielite, causados por estirpes vacinais que recuperaram
544

Preveno das doenas transmissveis em viajantes

a virulncia, em pases como a Repblica Dominicana, Haiti, Madagscar e


Nigria. Assim, aconselhado verificar o estado vacinal dos viajantes e aqueles que no tenham completado o calendrio vacinal devem ser vacinados.
Os adultos que nunca tenham sido vacinados s devem ser imunizados
com a vacina parenteral (inativada).
Diferentes procedimentos persistem, ainda, nos adultos com mais de 18 anos
e que completaram o calendrio vacinal. Perante dvidas, quanto durao
da imunidade induzida pela vacina, preconiza-se a administrao de uma
dose de reforo, na idade adulta, a todos os viajantes que se desloquem para
pases de risco17.

Vacina

contra a raiva

O risco de contactar algum animal suscetvel de transmitir esta doena


varia consoante o pas visitado, os objetivos da deslocao e as condies de
permanncia. As novas vacinas produzidas em linhas celulares ou em ovos
embrionados so, regra geral, bem toleradas18. Para prevenir a doena, a
vacina pode ser administrada nas modalidades de pr ou ps-exposio,
salientando-se que uma vacinao correta no substitui a profilaxia aps
exposio, sempre que ocorra um acidente suspeito.
As indicaes para vacinar os viajantes so muito restritas:
Mdicos veterinrios, zologos, tcnicos de laboratrio, que podem vir
a manusear material infetado com o vrus da raiva.
Pessoal de sade que possa vir a ter contacto ntimo com doentes sofrendo de raiva.
Viajantes que permaneam durante tempo prolongado em zonas endmicas, onde no se espera encontrar quer a vacina contra a raiva, quer a
imunoglobulina ou em que o centro de vacinao mais perto no possa ser
alcanado dentro de um ou dois dias.
Crianas que vo residir durante muito tempo numa zona endmica de
raiva, dado que podem ter contacto com animais infetados, sem os pais
darem por isso.
A imunizao antes da exposio consiste na administrao da vacina em
trs doses (zero, sete e 28 dias). A profilaxia aps a exposio (aps o acidente) ser efetuada de modo diferenciado consoante o viajante tenha, ou
no, efetuado, previamente, a vacina cinco doses (associadas imunoglobulina especfica) para os no vacinados ou duas doses para os previamente
imunizados h menos de dois anos.

3. Doenas no evitveis pela vacinao


No conjunto das doenas transmissveis no evitveis pela vacinao, incluem-se as transmitidas pela gua e alimentos (como a diarreia do viajante)
e as transmitidas por vetores (como a malria e o dengue).
545

S. da Cunha

Diarreia do viajante
Adoecer com diarreia durante uma viagem uma fatalidade que muitos j
experimentaram, tal a frequncia com que surge esta patologia. Felizmente,
na maioria dos casos, uma doena benigna e autolimitada. A generalidade
dos episdios so provocados por agentes infeciosos, com particular relevncia para as enterobactrias e, muito em especial, para a Escherichia coli19.
A preveno assenta no cumprimento estrito de medidas de higiene pessoal e alimentar de que destacamos:
Cuidados especiais com a gua para beber e com os cubos de gelo.
Preferncia, sempre, para alimentos devidamente cozinhados e consumidos imediatamente aps a sua confeo.
Recusa a alimentos crus ou que tenham sido confecionados h algum
tempo.
Recusa a produtos lcteos no pasteurizados.
Proscrever a aquisio de alimentos aos vendedores de rua.
Regra geral, no se recomenda o uso regular de medicamentos profilticos para preveno da diarreia do viajante. Contudo, em situaes restritas,
pode justificar-se esta medida20:
Viagens de curta durao (inferior a trs semanas), em indivduos com
doenas crnicas do foro gastrintestinal, hematolgico, endocrinolgico e
imunolgico (incluindo a infeo por VIH).
Polticos, atletas, homens de negcios ou outros viajantes que durante
uma breve deslocao sejam confrontados com o cumprimento de tarefas
relevantes e inadiveis.
Os frmacos que mostraram melhor eficcia preventiva foram os antibiticos, com particular destaque para as quinolonas fluoradas e a rifaximina.
Os medicamentos probiticos suscitam um interesse crescente, mas so, ainda, motivo de grande controvrsia21.

Malria
Anualmente cerca de 10.000-30.000 casos de malria ocorrem em viajantes dos pases industrializados que viajam para zonas de risco. Sendo, inequivocamente, uma doena presente em destinos cada vez mais procurados
pelos viajantes, a sua preveno adquire extrema importncia nas consultas
de medicina do viajante.

Preveno

com medicamentos

A escolha do melhor medicamento depende do estado de sade do viajante, do local de destino (ver mapa da figura 3) e do risco inerente deslocao, podendo recair em qualquer um dos seguintes22:
546

Preveno das doenas transmissveis em viajantes

Figura 3. Mapa de distribuio da malria, segundo a OMS2.

Cloroquina sempre que no esteja documentada resistncia local a


este frmaco.
Mefloquina a melhor opo em deslocaes prolongadas para as zonas
de resistncia cloroquina.
Doxiciclina 100 mg medicamento de escolha para as zonas de resistncia mefloquina do sudeste asitico ou em alternativa mefloquina, nas
reas de elevada resistncia cloroquina.
Primaquina opo interessante, mas no consensual o seu uso, no
estando este medicamento aprovado para esta indicao (ateno deficincia de G6FD).
Atovaquona + proguanilo o medicamento mais recente, que se perfila como melhor opo nas deslocaes de curta durao, ou como alternativa mefloquina nas reas do sudeste asitico onde se encontram estirpes
de plasmdio multirresistentes. Infelizmente, em Portugal no foi ainda
comercializada a formulao peditrica.
Qualquer um destes medicamentos tem contraindicao (especificidade das
crianas e das grvidas) e efeitos secundrios, que devero ser corretamente
valorizados. A mefloquina , tradicionalmente, conotada com o maior nmero de efeitos secundrios, enquanto o proguanilo tido como o melhor tolerado. Esta noo nunca foi suportada pelos estudos de tolerabilidade dos diferentes esquemas de quimioprofilaxia da malria. A mais recente reviso
547

S. da Cunha

sistemtica sobre este tema refere a melhor tolerabilidade da atovaquona +


proguanilo e da doxiciclina, enquanto a associao cloroquina + proguanilo
foi a pior tolerada23.

Preveno

das picadas de insetos

Os mosquitos transmissores de malria tm hbitos de alimentao noturnos, justificando-se as seguintes medidas preventivas:
Permanncia, sempre que possvel, no interior das habitaes.
Uso de redes mosquiteiras (pode ser melhorada a sua eficcia, quando
impregnadas com inseticidas).
Uso de inseticidas para erradicar os mosquitos da habitao.
Na rua, uso de vesturio que cubra o mximo possvel de pele.
Perfumes e roupas muito coloridas devem ser evitadas, dando preferncia s cores claras.
Na pele descoberta aplicar, uniformemente, repelentes de insetos que
contenham DEET na concentrao de 20-35% (o produto qumico de que
existem mais provas cientficas de boa eficcia)24.

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548

Seco 26

IMUNIZAO
Paula Valente

1. Introduo
A imunizao o processo pelo qual se consegue induzir, artificialmente,
proteo (imunidade) contra uma determinada doena. Esta proteo pode
ser passiva, quando se transfundem anticorpos pr-formados, de origem
humana ou animal, que vo conferir imunidade temporria. Por outro lado,
pode estimular-se o organismo a produzir a sua prpria resposta imune,
atravs da administrao de vacinas, num processo de imunizao ativa, o
qual muito mais duradouro, eventualmente at, permanente.

2. Imunizao passiva
A imunizao passiva o processo de induzir proteo atravs da administrao de imunoglobulinas, geralmente da classe G, obtidas a partir do
sangue de vrios dadores. As imunoglobulinas podem ser no especficas,
tambm chamadas normalizadas (standard), caso em que na sua composio no predominam anticorpos para uma determinada doena, sendo
a sua composio o reflexo dos esquemas vacinais e da incidncia das
vrias doenas na comunidade. Outras imunoglobulinas especficas so
obtidas de sangue de dadores com taxas elevadas de anticorpos para certas doenas quer produzidos pela doena natural, quer em resposta a vacinao prvia.
As imunoglobulinas (ou g-globulinas) normalizadas so utilizadas, principalmente, como profilaxia substitutiva em doentes com hipo ou agamaglobulinemia, no tratamento de algumas doenas sistmicas, como certas septicemias (sobretudo no recm-nascido) e sndrome de choque txica e, ainda,
na preveno de algumas doenas, aps exposio, como a hepatite A e o
sarampo, quando no for possvel a vacinao.
Noutro contexto so usadas, tambm, como moduladoras da resposta imune,
em doenas como prpura trombocitopnica imune, doena de Kawasaki,
lpus eritematoso sistmico, doenas autoimunes e outras. Em Portugal, s
existem g-globulinas normalizada para uso endovenoso.
As imunoglobulinas especficas ou hiperimunes so utilizadas na profilaxia e, em alguns casos, como adjuvantes da teraputica de doenas infeciosas.
As principais imunoglobulinas especficas disponveis so:
549

P. Valente

Imunoglobulina antivrus da hepatite B deve ser usada o mais cedo possvel, aps exposio, simultaneamente com a primeira dose da vacina da
hepatite B. Nos recm-nascidos, filhos de mes portadoras de hepatite B,
deve ser administrada nas primeiras horas de vida, conjuntamente com a
primeira dose de vacina.
Imunoglobulina antivrus da varicela zster profilaxia aps exposio
em imunodeprimidos, sem histria anterior de varicela; grvidas suscetveis;
recm-nascidos cuja me contraiu varicela entre cinco dias antes e 48 h aps
o parto; prematuros hospitalizados, com mais de 28 semanas de gestao,
cuja me no tenha histria prvia de varicela; prematuros hospitalizados, com
menos de 28 semanas de gestao, independentemente da histria anterior
da me. A administrao deve ser feita o mais precocemente possvel, at
96 h aps exposio.
Imunoglobulina antitetnica profilaxia aps feridas potencialmente
tetanognicas (extensas, perfurantes, com esmagamento de tecidos e conspurcadas), em indivduo com estado vacinal desconhecido ou que tenha
menos de trs doses de vacina antitetnica. Deve ser administrada precocemente, parte injetada nos tecidos volta da ferida e o restante por via
intramuscular. Simultaneamente, deve ser prescrita uma dose de vacina. O
restante esquema vacinal deve ser completado segundo o calendrio recomendado.
Para alm destas, esto, tambm disponveis imunoglobulinas antivrus
citomeglico, antivrus da raiva e anticorpo monoclonal antivrus respiratrio
sincicial.

3. Imunizao ativa
A imunizao ativa, cuja pr-histria remonta, pelo menos, ao sculo VII,
quando budistas indianos bebiam veneno de serpente para se tornarem
imunes aos seus efeitos, passa por relatos, no documentados, de variolao
(inoculao com material derivado das crostas de varola) na China no sculo X, at atingir o registo escrito de variolao na China e na ndia no
sculo XVI. No entanto, oficialmente, a sua histria comea em 1798, com
a publicao do trabalho de Edward Jenner, Variolae vaccinae, descrevendo a preveno da varola atravs da inoculao do vrus de uma doena
eruptiva das vacas. Ao material utilizado designou de vaccina, do nome
latino do animal, vacca, e ao processo de inoculao vacinao3,4. Assim,
nasceu a primeira vacina!
Nestes 200 anos que se lhe seguiram, o progresso neste campo foi imenso, sobretudo na segunda metade do sculo XX, no s na investigao
cientfica, como em sade pblica, com vacinaes em massa e estabelecimento de planos de vacinao universais e gratuitos em muitos pases. Este
550

Imunizao

esforo culminou, em 1980, com a declarao da erradicao mundial da


varola, a maior vitria, at hoje, da histria da Medicina5. Atualmente, a
poliomielite j foi declarada oficialmente eliminada do continente americano6,
da zona do Pacfico oriental e, em junho de 2002, do continente europeu,
havendo esperana de que possa vir, tambm, a ser declarada erradicada,
em todo o Mundo. Graas vacinao, em grande parte dos pases, doenas
como difteria, ttano, tosse convulsa, sarampo, parotidite epidmica, rubola,
doena invasiva por Haemophilus influenzae do tipo b, febre amarela, esto
sob controlo ou praticamente desaparecidas.
Nenhuma outra descoberta da Medicina, nem sequer os antibiticos,
teve ou tem maior impacte na sade das populaes. No entanto, no se
pode esquecer que as viagens, cada vez mais frequentes, de lazer ou em
trabalho, bem como as imigraes e xodos das populaes criaram uma
espcie de globalizao da infeo, permitindo que doenas endmicas,
num determinado pas, possam ser transportadas, em menos de 24 horas,
para outro pas, a muitos milhares de quilmetros de distncia. Por esta
razo, fundamental manter taxas altas de vacinao, mesmo que uma
determinada doena j no exista no pas, a fim de evitar que o seu agente,
trazido por um eventual portador, venha encontrar uma percentagem elevada de indivduos no protegidos, dando origem a um surto epidmico.
Qualquer reduo significativa das taxas de vacinao, como aconteceu nos
ltimos anos em alguns pases, por motivos polticos, religiosos ou at em
funo de notcias sensacionalistas apoiadas em grupos de presso antivacinas ou, mesmo, na ignorncia de alguns profissionais de sade, teve como
consequncia a ocorrncia de surtos epidmicos, com elevada morbilidade e
mortalidade.

4. Composio das vacinas


Quanto ao seu componente biolgico, as vacinas podem classificar-se em:
Vacinas vivas constitudas por bactrias ou por vrus vivos, mas atenuados, de modo a perderem a capacidade de produzir doena, mas capazes
de induzir resposta imune complexa, que simula a da infeo natural. No
entanto, a intensidade da resposta, sobretudo da humoral, , geralmente,
menor do que na infeo natural, podendo haver diminuio da taxa de
anticorpos ao longo do tempo, com necessidade de reforo vacinal.
Vacinas inativadas constitudas pelo microrganismo morto ou por
fraes ou componentes do microrganismo, que mantenham a capacidade
de induzir boa resposta antignica. Geralmente, so necessrias vrias doses
para produzir nveis suficientes de anticorpos e doses de reforo, a intervalos
regulares, para garantir a manuteno da proteo. O seu poder antignico
pode ser ampliado com o uso de adjuvantes. Dentro das vacinas inativadas
551

P. Valente

incluem-se as vacinas recombinantes, de tecnologia mais recente, em que se


utiliza um fragmento de ADN do microrganismo, que codifica uma protena
com poder antignico. Esta frao de ADN inserida em bactrias, vrus,
leveduras ou linhas celulares para produo da respetiva protena, que ,
posteriormente, purificada, resultando numa vacina mais segura e com maior
poder antignico (por exemplo, a vacina contra a hepatite B). Os antignios
proteicos ou glicoproteicos desencadeiam resposta imunitria atravs da
estimulao dos linfcitos T-auxiliadores, que vo induzir a produo de
anticorpos pelos linfcitos B e assegurar a memria imunitria, que se vai
manifestar por resposta de tipo anamnstico, quando o indivduo vacinado entrar, de novo, em contacto com aquele antignio. Os antignios
polissacridos so muito pouco imunognicos nas crianas, com menos de
dois anos de idade e, por outro lado, induzem anticorpos humorais sem
estimulao dos linfcitos T, sem memria imunitria. Para obviar a este
inconveniente, criaram-se as vacinas conjugadas, em que o polissacrido
conjugado com uma protena de transporte, que reconhecida pelos linfcitos T e pelos macrfagos, indo transformar a resposta imunitria, de T-independente para T-dependente, o que no s permite a sua utilizao em
crianas a partir dos dois meses de vida, como proporciona memria imunitria duradoura (por exemplo, vacina conjugada contra Haemophilus influenzae tipo b).
Toxides toxinas bacterianas modificadas por ao de agentes fsicos
ou qumicos, de modo a perder a toxicidade, mantendo a imunogenicidade.
Necessitam, de igual modo, de doses mltiplas na primovacinao e de reforos regulares, ao longo dos anos.
A composio das vacinas, para alm do seu componente biolgico, pode
incluir adjuvantes, antibiticos, preservantes e estabilizadores.
As vacinas podem ser administradas isoladamente ou podem ser associadas no mesmo veculo, para administrao oral ou injetvel, desde que se
tenha demonstrado que no h incompatibilidades entre as diferentes vacinas associadas e que cada uma mantm o seu poder antignico. Estas
associaes so designadas por vacinas combinadas e so conhecidas de
longa data as vacinas combinadas para difteria, ttano e tosse convulsa, por
exemplo. Atualmente, existem vacinas combinadas que incluem antignios
para proteo contra at seis doenas diferentes. A sua vantagem , obviamente, a comodidade de posologia, evitando as mltiplas injees, sobretudo em crianas muito pequenas7. Naturalmente que as vacinas licenciadas
para administrao isolada no podero nunca ser misturadas na mesma
seringa.
De um modo geral, as vacinas so dirigidas contra agentes sem grande
variao antignica, permitindo a sua produo em massa, sem necessidade de aferimento constante da sua eficcia. A exceo a vacina contra a
gripe que, como bem conhecido, tem variabilidade antignica, que obriga
552

Imunizao

produo de uma nova vacina todos os anos, adaptada s estirpes prevalentes em circulao7-9.

5. Administrao das vacinas


A administrao das vacinas deve ser feita respeitando o intervalo mnimo
entre as doses, j que intervalos demasiado curtos podem diminuir a resposta imunitria. De um modo geral, o intervalo mnimo absoluto entre as
doses de um ms, exceto no caso da vacina contra a hepatite B, em que o
intervalo entre a segunda e a terceira doses no deve ser inferior a dois
meses, com a particularidade de ser necessrio que decorra um perodo mnimo de quatro meses, entre a primeira e a terceira doses, a qual no deve
nunca ser administrada antes dos seis meses de idade. As vacinas inativadas
no interferem com a resposta imunitria a outras vacinas, podendo ser
administradas no mesmo dia ou com qualquer intervalo, com outras vacinas
vivas ou inativadas. A resposta imunitria vacina viva pode ser comprometida se for administrada com um intervalo inferior a quatro semanas, em
relao a outra vacina viva. Assim, se se quiser administrar duas ou mais
vacinas vivas, estas devem ser aplicadas no mesmo dia ou, ento, com um
intervalo de, pelo menos, quatro semanas. No caso de haver vacinas em
atraso, deve retomar-se o esquema de vacinao, no ponto onde foi interrompido, no havendo necessidade de repetir todo o esquema9-11.

6. Contraindicaes das vacinas


As contraindicaes das vacinas so raras e devem ser muito bem ponderadas, tendo em ateno a responsabilidade e o risco da no vacinao.
Algumas contraindicaes so temporrias, como o caso da doena aguda,
com febre alta ou com repercusses sistmicas importantes, ou a da vacinao oral contra a poliomielite, em caso de vmitos ou de diarreia. Infeo
ligeira das vias areas superiores, febre com temperatura inferior a 38,5 oC,
teraputica antibitica concomitante, convalescena de doena ou exposio
recente a doena infeciosa no so contraindicaes para vacinao.
As reaes anafilticas graves a uma dose anterior ou aos componentes
de uma vacina contra-indicam o seu uso posterior. No entanto, no caso de
grande risco de contrair a doena, poder ser ponderada a dessensibilizao
aos referidos antignios, seguida da vacinao; tudo isto, evidentemente, em
meio hospitalar. As vacinas vivas no devem ser administradas a grvidas
nem a indivduos imunocomprometidos. A este propsito, ressalvam-se as
situaes em que o risco da doena muito superior ao hipottico risco
da vacinao, como o caso da vacina da febre amarela em grvidas, que
553

P. Valente

tm de viajar para zonas endmicas, ou da vacina do sarampo em crianas com


VIH, mas que no estejam, ainda, em imunossupresso grave. A vacinao dos
recipientes de transplantes deve ser feita de acordo com o protocolo dos respetivos centros10,11.

7. Vacinao em Portugal
Em finais do sculo XVIII, aps algumas experincias de variolao, fez-se
a primeira vacinao contra a varola em meio hospitalar, sendo a vacina
gratuita desde 1812. Em 1894 foi criada a regulamentao da vacinao
contra a varola. A partir de meados do sculo XX, foram sendo introduzidas
vacinas, algumas teoricamente obrigatrias, embora sem haver regulamentao ou fiscalizao capazes, excetuando-se a vacina da varola, ativamente
administrada e vigiada, de que resultou que o ltimo caso conhecido de
varola indgena em Portugal remonte ao ano de 1952. Em 1965, foi criado
o primeiro Plano Nacional de Vacinao (PNV), universal e gratuito, subsidiado, em parte, pela Fundao Calouste Gulbenkian e que se iniciou ao mesmo
tempo que a campanha nacional de vacinao contra a poliomielite que deu
resultados espetaculares, reduzindo a incidncia da doena praticamente a
zero, no espao de um ano, contribuindo, em muito, para a aceitao que
os programas de vacinao tm tido no pas. Desde essa altura tm sido
feitas algumas alteraes ao PNV, de acordo com as alteraes epidemiolgicas e o aparecimento de novas vacinas. A ltima atualizao do PNV entrou
em vigor em janeiro de 201211.

8. Vacinas includas no Plano Nacional


de Vacinao (PNV) (Quadro 1)
Vacina contra a tuberculose (BCG)
Vacina viva, atenuada, preparada a partir do bacilo de Calmette-Gurin,
uma estirpe de Mycobacterium bovis. Os dados sobre a sua eficcia so muito variveis e controversos e considera-se, hoje em dia, que no constitui
arma importante na preveno da disseminao da infeo tuberculosa (o
procedimento mais eficaz est associado ao diagnstico precoce, ao tratamento adequado e ao rastreio dos contactos). No entanto, consensual que
a vacina BCG tem efeito protetor contra as formas mais graves de tuberculose, nomeadamente meningite tuberculosa e granlia, sobretudo em crianas. A vacina BCG induz, em geral, positividade da reao tuberculina,
embora alguns indivduos possam nunca ter reao positiva, apesar de vacinados, no havendo correlao entre a positividade da reao tuberculina
554

Imunizao

Quadro 1. Plano Nacional de Vacinao (PNV)


Idade
Vacina

0
meses

BCG

BCG

VHB

VHB

DTPa

2
meses

4
meses

VHB II

6
meses

12
meses

18
meses

5
anos

DTPa V

DTPa II

DTPa III

DTPa IV

Hib

Hib I

Hib II

Hib III

Hib IV

VIP

VIP I

VIP II

VIP III

VASPR

VPH
DT

10/10
anos

VHB III

DTPa I

MenC

10-13
anos

VIP IV
VASPR I

VASPR II

MenC
VPH*
DT

DT

BCG bacilo Calmette-Gurin; VHB vrus de hepatite B; DTPa difteria, ttano, tosse convulsa; Hib Haemophilus
influenzae tipo b; VIP vacina inactivada contra a poliomielite; VASPR vacina contra a parotidite e rubola;
MenC Mengitite C; VPH vrus do papiloma humano; DT Vacina contra a difteria e ttano.
*Atualmente recomendada aos 13 anos.

e a proteo conferida pela vacina. A vacina BCG administra-se uma nica


vez, j que no se demonstrou qualquer benefcio na sua repetio. Entre
ns, deve ser administrada nos primeiros dois meses de vida, de preferncia,
ainda, na maternidade. Aps os dois meses de vida, dever ser administrada
o mais cedo possvel, mas s aps reao negativa tuberculina. A vacina
administrada por via intradrmica, na regio deltide do brao esquerdo.
Geralmente, cerca de duas semanas aps a vacinao, surge no local uma
ppula que depois evolui para lcera e que cicatriza, ao fim de algumas
semanas ou meses, deixando uma pequena depresso arredondada, a cicatriz
vacinal. Um indivduo considera-se vacinado quando tem um registo de administrao da vacina, mesmo sem cicatriz vacinal ou quando apresenta cicatriz vacinal, mesmo sem registo de vacinao BCG. A principal complicao
da vacina, alis pouco frequente, a adenite ps-vacinal, localizada, em
regra, na regio axilar esquerda e que no requer tratamento, a menos que
evolua para abcesso. Como todas as vacinas vivas, a vacina do BCG no deve
ser administrada a indivduos com imunodeficincia congnita ou adquirida
ou, ainda, em imunossupresso. No deve ser aplicada a doentes sob teraputica com isoniazida, rifampicina ou estreptomicina, que inativam a vacina. Nas crianas, filhas de mes com infeo por VIH, a vacina deve ser
adiada at se comprovar que a criana no est infetada, o que, atualmente, se consegue at aos seis meses de vida11,12.
555

P. Valente

Vacina contra a difteria


Esta vacina constituda pelo toxide diftrico, obtido pela inativao da
toxina diftrica pela formalina, sendo muito eficaz na preveno da doena, mas no impedem a colonizao da orofaringe, nem a transmisso de
indivduo a indivduo. No entanto, ao prevenir as formas graves da doena,
que so, de igual modo, as mais contagiosas, vai contribuir para evitar a sua
disseminao. Este facto explica que sejam necessrias taxas altas de cobertura vacinal, para impedir a doena. Nas crianas mais velhas e nos adultos
utiliza-se uma dose menor do toxide (chamada toxide diftrico de tipo
adulto) para evitar reaes locais e sistmicas, mais frequentes nestas idades.
Em geral, utiliza-se em vacina combinada com a do ttano e da tosse convulsa (DTPa), com as anteriores e a vacina anti-Haemophilus influenzae tipo
b (DTPa-Hib), apenas com a vacina do ttano (DT) ou, igualmente, com a
vacina do ttano, mas usando a dose de toxide tipo adulto (Td). Em qualquer dos casos, a preparao absorvida por um adjuvante contendo alumnio. A primovacinao engloba duas doses, por via intramuscular, com o
intervalo mnimo de um ms entre elas, necessitando de doses de reforo a
intervalos regulares. Atualmente, em Portugal, recomenda-se a vacinao
aos dois, quatro e seis meses, com a quarta dose aos 18 meses, reforo aos
cinco e 10 anos e depois de 10 em 10 anos, em associao com a vacina do
ttano (Td). A vacina no confere proteo aps exposio, caso em que est
recomendada a profilaxia antibitica, aproveitando-se, no entanto, a ocasio
para iniciar ou completar a vacinao7,9,11.

Vacina contra o ttano


Constituda pelo toxide tetnico, obtido pela inativao da toxina tetnica pela formalina. A sua proteo individual, pelo que necessria taxa
de cobertura vacinal de 100%, para que no haja nenhum caso de doena.
O toxide tetnico absorvido com composto de alumnio, sendo administrado, em geral, em associao com a vacina antidiftrica, com ou sem a
vacina da tosse convulsa e a vacina anti-Hib, embora possa ser utilizado
isoladamente. Para a primovacinao so necessrias duas doses, com um
intervalo mnimo de um ms, seguidas de uma terceira dose, seis a 12 meses
aps a segunda. Posteriormente, so necessrios reforos, pelo menos de
10 em 10 anos. A vacina est associada a reaes locais e sistmicas, geralmente moderadas, mas que podem ser mais intensas no caso de repetio
da vacina a intervalos demasiado curtos. A vacina pode prevenir o ttano,
mesmo aps exposio, se for administrada o mais precocemente possvel.
No caso de um indivduo sofrer ferida potencialmente tetanognica, as recomendaes so as seguintes:
556

Imunizao

Feridas pequenas e limpas administrar uma dose de vacina, se o estado vacinal for desconhecido, se tem menos de trs doses da vacina ou, ainda,
se a ltima dose foi feita h mais de 10 anos.
Todas as outras feridas administrar uma dose de vacina, se a ltima foi
feita h mais de cinco anos. Se o estado vacinal for desconhecido ou se tiver
menos de trs doses, dever fazer, para alm da vacina, uma dose de imunoglobulina humana antitetnica. Evidentemente que, em qualquer dos
casos, o esquema vacinal deve ser completado posteriormente. Para preveno do ttano neonatal desejvel que a mulher receba, pelo menos,
cinco doses de vacina at engravidar, devendo um dos reforos ser aplicado no incio da idade frtil o que acontece se a mulher tiver cumprido o
PNV. A vacina pode ser administrada durante a gravidez, de acordo com as
seguintes recomendaes:
Estado vacinal desconhecido ou menos de trs doses de vacina duas
doses de vacina devem ser administradas com intervalo de, pelo menos,
quatro semanas, sendo conveniente que a segunda dose seja aplicada at
duas semanas antes do parto.
Trs doses prvias de vacina uma dose de vacina deve ser recomendada.
Quatro ou mais doses prvias de vacina s necessita da administrao
de uma dose de vacina, se a ltima dose foi administrada h mais de 10 anos.
Nos casos em que o esquema vacinal estava incompleto, deve ser mais
tarde completado, de acordo com o calendrio habitual. O estado vacinal
da mulher deve ser verificado, no s nas consultas durante a gravidez,
mas tambm na consulta de reviso do puerprio, de modo a no perder
nenhuma oportunidade de atualizar o calendrio vacinal, quando necessrio 7,9,11,13.

Vacina contra a tosse convulsa (pertussis)


A vacina anti-pertussis utilizada em Portugal uma vacina inativada,
conhecida como vacina anti-pertussis acelular (Pa), utilizando componentes
da bactria purificados (hemaglutinina filamentosa e pertactina) e um toxide obtido pela inativao da toxina pertussis, sendo administrada sob a
forma de vacina combinada, com os toxides diftrico e tetnico (DTPa),
associados (ou no) vacina anti-Hib, aos dois, quatro e seis meses, com a
quarta dose aos 18 meses e um reforo aos cinco anos de idade. As vacinas
acelulares so muito menos reatogneas que a anterior vacina (whole-cell),
sobretudo no que respeita a reaes adversas ligeiras ou moderadas, embora paream reduzir, tambm, as reaes graves. As recomendaes actuais
sobre reaes adversas a esta vacina dependem do tipo de reao. Assim,
nos casos de temperatura superior a 40,5 oC, no explicvel por outra causa,
nas 48 horas aps a vacinao, convulses, com ou sem febre, nas 72 horas
557

P. Valente

aps a vacinao, choro persistente e/ou grito agudo, por um perodo igual
ou superior a trs horas, nas 48 horas aps a vacinao e, ainda, prostrao
intensa ou colapso (episdio hipotnico-hiporreactivo), nas 48 horas a seguir
vacinao, o mdico assistente decidir qual a opo para continuar o
esquema vacinal, isto , prosseguir com a DTPa ou optar por no continuar
com a vacinao anti-pertussis, passando a usar a DT. A deciso de interromper a vacinao contra a tosse convulsa deve ser muito bem ponderada, dada
a gravidade da doena, sobretudo nos lactentes. No caso de a reao ser
encefalopatia, que surja nos sete dias a seguir vacinao, definida como
alterao grave do sistema nervoso central (SNC), sem outra causa conhecida,
manifestando-se por perturbaes graves da conscincia ou de convulses
generalizadas ou focais persistentes, no recuperando dentro das primeiras
24 horas, est contraindicada mais qualquer dose de vacina anti-pertussis,
mesmo a acelular, devendo o esquema vacinal ser continuado com DT. Esta
reao pouco frequente e, praticamente, nunca deixa sequelas neurolgicas permanentes, sendo conveniente notar que a idade em que a vacina
administrada, entre os dois e os seis meses, , tambm, aquela em que se
manifestam pela primeira vez algumas encefalopatias, outras doenas neurolgicas como as hipsarritmias, pelo que, muitas das alegadas reaes adversas da vacina tm outras causas. Nas crianas com doena neurolgica
evolutiva (epilepsia descompensada, espasmos infantis, encefalopatias evolutivas e outras), a deciso de opo pela vacina acelular ou por vacinar
apenas com DT dever ser discutida com o mdico assistente. A vacina no
recomendada aps os sete anos de idade, dada a sua reatogeneicidade.
No entanto, a imunidade induzida pela vacina no permanente, diminuindo, francamente, ao fim de 12 a 15 anos aps a vacinao, o que explica a
atual epidemiologia da doena. A tosse convulsa contrada pelos adultos
jovens, com cerca de 20 anos, que j perderam a imunidade e que tm manifestaes clnicas atpicas, sem o quadro clnico caracterstico, pelo que a
doena no diagnosticada. Estes jovens adultos vo contagiar os lactentes
jovens, ainda no vacinados. Para interromper este ciclo, semelhana do
que j se faz em alguns pases, est em estudo a utilizao de uma vacina
acelular modificada, em adolescentes e adultos, dada a sua menor reatogeneicidade. A vacina anti-pertussis no confere imunidade aps exposio
doena, caso em que se preconiza a profilaxia antibitica7,9,11,14.

Vacina conjugada contra Haemophilus influenzae


tipo b (Hib)
Vacina inativada, obtida pela conjugao do polissacrido capsular do
microrganismo, o poliribosilribitol fosfato (PRP), com uma protena de transporte, de modo a transformar a resposta imune em T-dependente, dando-lhe
558

Imunizao

maior imunogenicidade nas crianas mais pequenas e conferindo-lhe memria imunitria. Esta vacina, por outro lado, nas crianas com menos de dois
anos, mais imunognica do que a doena natural. Por esse motivo, as crianas com menos de dois anos que tiverem doena invasiva por Haemophilus
influenzae tipo b devem, na mesma, ser vacinadas, seguindo o esquema
vacinal do PNV. Na vacina disponvel em Portugal, de nome comercial Hibtiter, a protena de transporte uma variante no txica da toxina diftrica, denominada CRM197. A vacina utilizada isolada ou na forma combinada com a DTPa e administrada aos dois, quatro e seis meses, com a
quarta dose aos 18 meses. A vacina no dever ser utilizada para proteo
aps exposio. Nesse caso, se houver indicao, dever ser prescrita profilaxia antibitica, devendo aproveitar-se a oportunidade para iniciar ou
completar o esquema vacinal, nas crianas abaixo dos cinco anos de idade.
Esta vacina extremamente eficaz e segura, tendo-se verificado o quase desaparecimento da doena invasiva por Haemophilus influenzae tipo b em
todos os pases em que foi introduzida no plano de vacinao7,9,11.

Vacina contra a poliomielite


Actualmente em Portugal utiliza-se apenas a vacina inativada contra a
poliomielite (VIP) vacina trivalente, inativada pela formalina, sendo utilizada, atualmente, a formulao de alta potncia, derivada da vacina original
de Salk, mas usando, em geral, linhas celulares diplides humanas e sistemas de
concentrao dos vrus, que vo aumentar a sua imunogenicidade. A vacina
segura, no tendo reaes adversas importantes, sendo administrada por
via intramuscular, aos dois, quatro, seis e 15 a 18 meses de idade, com reforo aos cinco anos16. A vacina pode tambm ser administrada nas Consultas
do Viajante, para quem se desloque a zonas endmicas e no esteja corretamente vacinado11.

Vacina contra o sarampo


A vacina contra o sarampo viva e atenuada. Quase todas as vacinas
disponveis so derivadas da estirpe Edmonston B, por sucessivas passagens
em ovo embrionado de galinha. As estirpes mais utilizadas, hoje em dia, so
a Moraten e a Schwarz, que tm a vantagem de serem muito menos reatognicas do que a Edmonston B. A vacina administrada em combinao com
as vacinas contra a parotidite epidmica e contra a rubola (VASPR). Recomenda-se a sua administrao aos 12 meses de idade, com uma segunda
dose aos cinco anos. A segunda dose no um reforo da vacina, mas sim
uma segunda oportunidade de ficar imunizado, caso a primeira dose no
559

P. Valente

tenha sido eficaz. At aos 18 anos, recomenda-se que quem tenha apenas
uma dose da vacina, independentemente da idade em que foi administrada,
faa uma segunda dose, devendo ser respeitado um intervalo de dois meses
entre as duas doses. Os viajantes para zonas endmicas devem fazer as duas
doses, independentemente da idade. Em situaes de epidemia, pode ser
recomendada a sua administrao a partir dos seis meses de idade. Neste
caso, se for administrada antes do ano de idade, dever ser aplicada uma
nova dose aos 12 meses e outra aos cinco anos. Se a primeira dose for
administrada aos 12 meses, bastar proceder ao reforo aos cinco anos.
Apesar de ser uma vacina viva, pode ser administrada a crianas com infeo
por VIH, desde que no estejam em imunossupresso grave, j que o risco,
se contrarem a doena, muito mais grave do que o risco hipottico relacionado com a vacina. Nestas crianas prefervel aplicar a primeira dose aos
12 meses e a segunda dose com um intervalo mnimo de quatro semanas,
de modo a aproveitar a idade em que o sistema imunitrio no est, ainda,
totalmente deteriorado, podendo dar alguma resposta. Se o risco de exposio ao sarampo for muito elevado, a vacinao poder ser efetuada mais cedo,
entre os seis e os nove meses, caso em que se far nova dose aos 12 meses e
outra quatro semanas depois. A vacina confere proteo aps exposio
doena, caso seja administrada at 72 h aps o contacto. Para alm desse
tempo, poder-se- recorrer imunoglobulina normalizada, nos indivduos
com risco acrescido de complicaes graves com o sarampo7,9,11,17.

Vacina contra a parotidite epidmica


Vacina viva, atenuada por passagens sucessivas em ovo embrionado
de galinha, havendo trs estirpes principais, de que derivam as estirpes
vacinais a Urabe, muito imunognica mas, tambm, reactognica e com
um certo neurotropismo, a Rubini, pouco reatognea, mas, tambm,
pouco imunognica e a Jeryl Lynn, ou suas derivadas, atualmente em uso
em Portugal, e que aliam boa imunogenicidade a boa tolerncia, com
raras reaes adversas. A vacina administrada em combinao com as
vacinas do sarampo e da rubola (VASPR), aos 12 meses e com reforo aos
cinco anos7,9,11.

Vacina contra a rubola


Vacina viva e atenuada, tendo sido as primeiras estirpes a ser usadas a
VPH-77 (cultivada em embrio de pato ou em rim de co) e a Cendehill,
cultivada em rim de coelho. Devido sua reatogenicidade, foram substitudas
pela estirpe RA 27/3, cultivada em culturas de fibroblastos diplides humanos.
560

Imunizao

Esta estirpe tem boa imunogenicidade e poucas reaes adversas. Ao contrrio das outras vacinas, a vacina da rubola no foi criada para evitar que
as crianas tivessem rubola, j que a doena , extremamente, benigna, mas
para evitar o aparecimento de casos de rubola congnita que, como sabido, tem elevada morbilidade e mortalidade. Por esta razo, durante algum tempo, certos pases adotaram a estratgia de vacinar, apenas, as raparigas na pr-adolescncia, j que se pretendia, apenas, proteger as futuras
crianas. Mais tarde veio a verificar-se que esta estratgia vacinal, no interrompendo a cadeia de transmisso na comunidade, no impedia, tambm, o
aparecimento de vrios casos de rubola congnita, tendo-se, ento, optado
pela vacinao universal de todas as crianas, quer fossem rapazes ou raparigas.
A vacina administrada sob a forma combinada, com a vacina do sarampo e
a da parotidite epidmica, aos 12 meses de idade, com reforo aos cinco anos.
As mulheres em idade frtil, que no estejam vacinadas, devem faz-lo, mas
devero assegurar-se de que no esto grvidas e adotar contraceo eficaz,
durante um perodo de trs meses. As consultas de puerprio so excelente
ocasio para verificar o estado vacinal da mulher e, ento, vacin-la, se necessrio. As principais reaes adversas vacina so as artrites e artralgias
que, tal como na doena natural, so mais frequentes nos adultos7,9,11,18.

Vacina contra a hepatite B


Vacina inativada, recombinante ADN, altamente purificada, produzida
pela insero de um plasmdeo, contendo o gene do antignio de superfcie
(AgHBs), na levedura Sacharomyces cerevisiae, o vulgar fermento de padeiro.
A vacina administrada por via intramuscular, nascena, aos dois e aos seis
meses de idade. Nos filhos de me AgHBs positiva ou desconhecida, a vacina
deve ser administrada nas primeiras horas de vida, juntamente com a imunoglobulina hiperimune antihepatite B. A segunda dose dever ser administrada com um ms de idade e a terceira aos seis meses. Os indivduos que
faam parte dos chamados grupos de risco, isto , coabitantes com portador
de hepatite B, doentes em dilise ou com necessidade frequente de transfuses, toxicodependentes, prostitutas, homossexuais ou, ainda, crianas com
vacinas em atraso (atribuveis a negligncia e meio social desfavorecido),
podem receber a vacina nos Centros de Sade, mediante requisio do mdico assistente, indicando que pertencem a grupos de risco. A vacina pode
ser administrada em qualquer idade, sendo o esquema habitual, aps a
primeira dose da vacina, a segunda dose ser administrada um ms depois e
a terceira dose, seis meses depois da primeira (zero-um-seis meses).
A vacina deve ser administrada, sempre, por via intramuscular profunda,
de preferncia no brao, sobretudo em pessoas obesas, j que a injeo no
tecido adiposo reduz, substancialmente, a resposta vacina. A dose da
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P. Valente

vacina na criana e no adolescente metade da dose do adulto, recomendando-se a leitura das instrues do produtor, j que as doses preconizadas
variam de marca registada para marca registada. Nos doentes em dilise e
nos imunodeficientes, a dose o dobro da do adulto. Atualmente, no se
recomenda proceder a doses de reforo, uma vez que se demonstrou proteo e resposta anamnstica em vacinados, mesmo sem anticorpos detetveis.
Tambm, no se recomenda a determinao de marcadores da hepatite B,
antes ou aps a vacina. Naturalmente, excetuam-se os indivduos em situao
de alto risco, que podero ter indicao para ser administrada a quarta dose,
se os seus nveis de anticorpos forem inferiores a 10 UI/l. A vacina , altamente, eficaz e, nos casos raros de falncia vacinal, ps-se a hiptese de se
tratar de mutaes no genoma viral (mutantes de escape). Uma vacina inativada, derivada do plasma, est a ser utilizada, quase em exclusivo, em
pases asiticos, sendo, tambm, bastante eficaz7,9,11,19.

Vacina contra o meningococo grupo C


Vacinas inativadas, conjugadas, contra o meningococo serogrupo C, contendo o oligossacrido ou o polissacrido capsular C, conjugado ou com a
CRM197 (variante no txica da toxina diftrica), caso das vacinas Meningitec,
Menjugate, ou com protena toxide tetnica (NeisVac-C). Tal como as
outras vacinas conjugadas, so seguras, altamente imunognicas, sendo mais
imunognicas que a doena natural nas crianas com menos de dois anos,
pelo que, semelhana do que acontece com as infeces por Haemophilus
influenzae tipo b, as crianas que contraem a doena nesse grupo etrio
devem igualmente ser vacinadas. A vacina produz imunidade de grupo e a
sua introduo em 2006 permitiu j uma alterao na sua epidemiologia,
com uma reduo substancial do nmero de casos, no havendo atualmente
registo de casos no 1.o ano de vida. Este facto permitiu um reajustamento
do calendrio vacinal, passando a ser administrada uma nica dose aos 12
meses. A eventual necessidade de uma dose de reforo na adolescncia,
dentro de alguns anos, depender dos dados obtidos por uma rigorosa vigilncia epidemiolgica, j implementada.

Vacina contra o vrus do papiloma humano


Vacinas inativadas, constitudas por partculas semelhantes aos vrus [virus-like particles (VLP)], no infeciosas, obtidas por tecnologia ADN-recombinante, altamente imunognicas. So as primeiras vacinas produzidas
para proteger de um cancro o cancro do colo do tero, diretamente
relacionado com a infeo persistente por determinados gentipos de vrus
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Imunizao

do papiloma humano (VPH), e que em Portugal tem uma incidncia de cerca de 19/100.000, e uma mortalidade elevada (morre uma mulher por dia
por cancro do colo do tero no nosso pas!).
Duas vacinas esto disponveis a bivalente, contra a infeo por VPH
16 e 18, responsveis por cerca de 75% de todos os casos de cancro do colo
do tero, e a tetravalente que, para alm do 16 e 18, cobre, tambm, a infeo pelos gentipos 6 e 11, responsveis por mais de 90% dos condilomas
genitais e pela papilomatose respiratria recorrente, situaes no oncolgicas mas de elevada morbilidade. Ambas as vacinas so seguras, muito
imunognicas e altamente eficazes.
Em 2008, a vacina foi introduzida no Plano Nacional de Vacinao (PNV),
administrada aos 13 anos de idade e com uma campanha de repescagem at
aos 17 anos, que terminou em 2011. A vacina utilizada no PNV a tetravalente, por injeo intramuscular, aos 0-2-6 meses. A vacina bivalente administrada, tambm, por via intramuscular, aos 0-1-6 meses.
Os estudos mais recentes vieram a demonstrar a responsabilidade da infeo por estes gentipos de VPH na gnese de outros cancros, no s da
regio anogenital (vulva, vagina, pnis e nus), mas tambm da cabea e
pescoo. Estes factos levaram ao estudo da eficcia da vacina nos rapazes,
tendo os EUA, a Austrlia e o Canad includo recentemente a vacina contra
VPH nos rapazes no seu PNV.

9. Outras vacinas disponveis em Portugal


Vacina contra a hepatite A
Vacina de vrus cultivados em fibroblastos humanos, inativados pela
formalina e tendo, como adjuvante, o hidrxido de alumnio. S recomendada a partir do ano de idade, j que pode haver interferncia dos
anticorpos maternos. A dose da criana e adolescente metade da dose
do adulto, devendo ser administrada por via intramuscular, em duas doses
separadas de seis a 12 meses. As vacinas existentes em Portugal tm os
nomes comerciais de Havrix e Epaxal, havendo, tambm, uma vacina
combinada para a hepatite A e hepatite B, denominada de Twinrix. Nesta
vacina, que, tambm, s deve ser usada aps o ano de idade, a dose da
vacina da hepatite A est subdividida, de modo a que o esquema vacinal
seja o mesmo do da hepatite B, ou seja, trs doses com um intervalo de
um ms entre a primeira e a segunda dose e a terceira administrada seis
meses aps a primeira. No existem em Portugal estudos epidemiolgicos
que recomendem a vacinao universal contra a hepatite A, sendo aconselhvel em indivduos institucionalizados e nos viajantes para zonas endmicas.
Os doentes hepticos tm indicao formal para serem vacinados, j que, no
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P. Valente

seu caso, a doena pode assumir formas de extrema gravidade7,9. A vacina


tem sido utilizada, tambm, em Portugal na conteno de surtos, com
elevada eficcia.

Vacinas antipneumoccicas
Em Portugal, existem dois tipos de vacinas antipneumoccicas, as polissacridas livres e as conjugadas.
A vacina antipneumoccica polissacrida 23-valente (Pneumo 23 e Pnu-imune) contm 23 serotipos diferentes de polissacridos capsulares, correspondendo a cerca de 90% dos serotipos responsveis por doena invasiva
pneumoccica na maioria dos pases. S pode ser utilizada acima dos dois
anos de idade. A sua principal recomendao para os indivduos com mais
de 65 anos e, tambm, para os com mais de dois anos e que tenham maior
risco de doena invasiva pneumoccica grave, como os doentes com drepanocitose, com asplenia anatmica ou funcional, com fstulas de lquor, com
doenas pulmonares crnicas, com cardiopatias descompensadas, com sndrome nefrtica, com diabetes mellitus, com imunossupresso congnita, adquirida ou iatrognica ou, ainda, em doentes internados em hospcios e em lares.
Se o doente tiver menos de 10 anos, quando da vacinao, h indicao para
a administrao de segunda dose, trs anos depois. Se a primeira dose da
vacina for administrada depois dos 10 anos, dever proceder-se a segunda
dose, cinco anos depois. Se a vacina for administrada s depois dos 65 anos,
num indivduo sem outros fatores de risco, no ser necessrio revacinar.
A vacina antipneumoccica conjugada 13-valente (Prevenar 13) contm
13 serotipos diferentes de polissacridos capsulares (2,2 g dos serotipos 1,
3, 4, 5, 6A 7F, 9V, 14, 18C, 19A, 19F, 23F e 4,4 g do serotipo 6B), cada um
deles conjugado por ligao covalente a uma protena de transporte (CRM197,
variante no txica da toxina diftrica). Estes serotipos representam cerca de
90% dos serotipos implicados na doena invasiva pneumoccica, em crianas
abaixo dos cinco anos, 70% das estirpes de sensibilidade intermdia penicilina e 100% das estirpes de resistncia alta penicilina. A vacina segura
e altamente imunognica, interferindo, tambm, com a imunidade das mucosas, reduzindo o nmero de portadores e conferindo imunidade de grupo.
A vacina est licenciada em Portugal, para uso em crianas com menos de
cinco anos de idade, devendo ser administrada aos dois-quatro-seis e 15 meses
de idade. Em alternativa, pode usar-se o esquema de dois-quatro e 12 meses de
idade. Se a vacina for iniciada entre os sete e os 11 meses, devero ser administradas duas doses, com intervalo de dois meses, e uma dose de reforo,
no segundo ano de vida. Se se iniciar a vacina depois dos 12 meses, basta
efectuar duas doses, com intervalo de dois meses. A vacina tem particular
interesse para as crianas que frequentam infantrios, pois tm risco acrescido
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Imunizao

de infeco pneumoccica. As crianas com mais de cinco anos, que tenham


alguma das situaes de risco para doena invasiva pneumoccica, referidas
acima, sem vacinao prvia, devero efectuar duas doses de vacina conjugada 13-valente, separadas de dois meses e, ainda, uma dose de vacina polissacrida 23-valente, cerca de dois meses aps a ltima dose da 13-valente. A
vacina 23-valente ser repetida trs a cinco anos depois7,9,20,21.
Existe ainda uma vacina 10-valente (Synflorix) que inclui os serotipos 1,
4, 5, 6B, 7F, 9V, 14, 18C, 19F, 23F.

Vacinas antimeningoccicas tetravalentes


Em Portugal, as vacinas antimeningoccicas tetravalentes polissacrida e
conjugada, incluindo os serogrupos A, C, Y e W135, esto disponveis nas
Consultas do Viajante para uso dos que se destinem ao Mdio Oriente, nomeadamente peregrinos para Meca, ou ao chamado cinturo da meningite
na frica subsariana7,9,22.

Vacina contra a varicela


Vacinas vivas atenuadas, derivadas da estirpe OKA, disponveis em Portugal com os nomes comerciais de Varilrix (via subcutnea) e Varivax (via
subcutnea ou intramuscular), para utilizao acima do ano de idade, em
duas doses separadas de seis a 10 semanas. Nos pases em que a vacina no
est includa no PNV, como o caso de Portugal, a vacina s deve ser administrada em casos bem definidos, para evitar que uma cobertura vacinal de
mdia magnitude v alterar a epidemiologia da doena, deslocando-a para
idades mais avanadas, com o consequente risco de maiores complicaes.
Assim, recomenda-se a vacinao para os adolescentes e adultos sem histria
anterior de varicela, para os contactos com doentes de alto risco com contraindicao para fazerem vacinas vivas, para os doentes com dermatoses
extensas, indicao para fazerem, com frequncia, teraputica com corticides ou salicilatos e ainda nos pr-transplantes de rgo sem histria anterior
de varicela. A vacina eficaz na ps-exposio, desde que administrada nos
primeiros trs a cinco dias aps o contacto.

Vacinas contra o rotavrus


Vacinas vivas, atenuadas, para utilizao por via oral. Esto disponveis
em Portugal duas vacinas, ambas produzidas em clulas vero Rotarix,
monovalente, contendo a estirpe humana atenuada G1[P8], administrada em
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P. Valente

duas doses com o intervalo mnimo de quatro semanas, e Rotateq, pentavalente, bovina/humana geneticamente rearranjada, contendo os serotipos
G1,G2, G3, G4 e P[8], dada em trs doses com intervalo de quatro semanas.
A 1.a dose de qualquer das vacinas deve ser administrada entre as seis e as
12 semanas, e a ltima dose no deve ser dada depois das 26 semanas. So
ambas eficazes na preveno das formas graves de diarreia por rotavrus.

Vacina contra a gripe


Vacina inativada, contendo antignios de influenza A e B, cuja composio antignica reformulada todos os anos, de acordo com as estirpes prevalentes nesse ano. Actualmente, em Portugal esto comercializadas as vacinas contra a gripe Istivac, Influvac e Fluarix, e ainda a vacina Fluad
(recomendada para doentes com mais de 65 anos), devendo ser administradas no ms de outubro ou no princpio de novembro, a menos que se preveja que a gripe v aparecer muito cedo. A imunidade vai diminuindo com o
passar do tempo, sobretudo nos idosos, em que, ao fim de quatro meses, j
quase no h imunidade, pelo que a administrao demasiado cedo poderia
fazer com que j no estivessem protegidos, na altura do surto gripal. A vacina da gripe est indicada nas seguintes situaes indivduos com mais de
65 anos, portadores de doenas crnicas, nomeadamente pulmonares, cardacas ou renais, diabticos, asmticos, doentes com imunodeficincia, congnita,
adquirida ou iatrognica e, ainda, doentes em teraputica prolongada com
salicilatos, para alm dos conviventes de todos estes grupos. Em situao de
risco de pandemia, seria de considerar, naturalmente, a vacinao dos grupos
profissionais indispensveis atividade normal da sociedade e ao tratamento dos
doentes, nomeadamente polcias, bombeiros, mdicos e enfermeiros. A vacina
administrada numa nica dose, exceto nas crianas com menos de nove anos,
vacinadas pela primeira vez, que devem fazer duas doses, com um ms de intervalo. A vacina no est recomendada abaixo dos seis meses de idade7,9.

Outras vacinas
Esto, tambm, disponveis as vacinas contra a febre amarela, febre tifide e encefalite japonesa, nas Consultas do Viajante, a vacina contra a encefalite da carraa e a vacina contra a raiva.

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