A Hegemonia Mundial Da Europa

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A Hegemonia Mundial da Europa

No limiar do sculo XX, os Europeus e os povos de ascendncia europeia dominavam a Terra. A


maior parte do mundo respondia s iniciativas da Europa e acertar o passo pelos Europeus era
uma necessidade cada vez mais notria. Era a primeira vez que uma civilizao conseguia
estender a sua hegemonia ao mundo inteiro. importante que no se pense apenas em
termos de governo directo e formal da maior parte da superfcie da Terra por parte dos pases
Europeus. Mais importante a distino que tem de se fazer entre as foras europeias,
agressivas, criadoras e manipuladoras, e as culturas e as populaes ndigenas que foram
objecto da aco dessas foras, e que raramente se lhes conseguiam resistir com xito. Os no
europeus tiveram quase sempre tendncia para serem as vitimas e foram eles que tiveram de
se adaptar maneira de viver europeia. Por vezes fizeram-no por vontade prpria, por se
deixarem vencer pela fora de atraco dos ideias progressistas da Europa ou, da forma mais
subtil de todas, por novas expectativas criadas pelo exemplo e pelo ensino dos Europeus.
Uma forma de analisar o mundo europeu de 1900 v-lo como uma sucesso de crculos
concntricos. O centro a prpria Europa, que tinha atrs de si trs sculos de crescimento
em riqueza e populao graas ao domnio crescente sobre os seus recursos e sobre os
recursos mundiais. Os Europeus distinguiam-se cada vez dos outros seres humanos por
consumirem uma parcela crescente dos bens produzidos em todo o mundo, e pela imaginao
e capacidade que mostravam na manipulao do seu meio ambiente. A sua civilizao j era
rica no sculo XIX e estava a ficar cada vez mais rica. A industrializao confirmara a sua
capacidade de auto-suficincia para procurar e criar novos meios de fortuna. Alm disso, o
poder gerado pela nova afluncia tornou possvel a apropriao da riqueza de outras regies
do mundo.
Esta riqueza era partilhada pelo segundo crculo da hegemonia europeia, pelas culturas
europeias transplantadas para terras ultramarinas. Os Estados Unidos so o exemplo mais
notvel de uma lista que inclui o Canad, a Austrlia, a Nova Zelndia, a frica do Sul e alguns
pases da Amrica do Sul. Nem todos tinham o mesmo estatuto em relao ao Velho Mundo
mas, em conjunto com a prpria Europa, eram por vezes chamados o Mundo Ocidental,
expresso pouco feliz porque estes povos estavam espalhados volta do globo, mas que
procurava expressar o facto importante da similitude de ideias e instituies que lhes tinham
dado origem.
Nos incios do sculo XX, este mundo era por vezes chamado o Mundo Civilizado. E
chamavam-lhe assim pelo simples facto de se tratar de um mundo de padres comuns, e a
pessoa confiante que usava a frase no podia aperceber-se facilmente de que havia muitas

outras coisas no mundo que mereciam o nome de civilizao. Quando as procuravam tinham
tendncia para ver apenas indivduos pagos, atrasados, brbaros, e alguns que lutavam para
se juntar aos civilizados. Esta atitude foi parte importante da histria dos Europeus. Aquilo que
era considerado como demonstrativo da superioridade inerente s ideias e valores europeus
fortalecia os homens para novas investidas por esse mundo fora e inspirava novas
incompreenses deste mesmo mundo. Os valores progressistas do sculo XVIII
proporcionaram novos argumentos que reforaram os originados na crena religiosa. Cerca de
1800, os Europeus tinham perdido todo o antigo respeito pelas outras civilizaes. A sua
prtica social parecia obviamente superior s barbaridades ininteligveis que encontravam por
toda a parte. A defesa dos direitos individuais, da liberdade de imprensa, do sufrgio universal,
a proteco das mulheres e das crianas, e at dos animais, contra a explorao, tm sido, at
aos nosso dias, ideias permanentemente defendidos em outras partes do mundo por Europeus
e Americanos, por vezes totalmente inconscientes de que eles podem no ser os mais
apropriados. Filantropos e progressistas continuaram durante muito tempo convencidos de
que a civilizao europeia devia ser universalizada, como aconteceu com a medicina e o
saneamento. Tambm a cincia pareceu por vezes apontar na mesma direo, na destruio
das supersties e na procura da explorao racional dos recursos, na prescrio do ensino
formal e na supresso de normas sociais atrasadas. Havia quase a certeza de que os valores da
civilizao europeia eram superiores aos das culturas indgenas e, como tambm bvio, havia
um esquecimento quase total acerca dos efeitos perniciosos que eles pudessem vir a causar.
Por volta de 1900, pensava-se que os povos de muitas das terras mergulhadas na escurido
das trevas se deveriam sentir felizes por estarem a ser governados directamente pelos
Europeus ou por descendentes destes. Os povos submetidos formavam o terceiro circulo
concntrico da civilizao europeia. Em muitas colnias, administradores esclarecidos
labutavam para levar as bnos dos caminhos-de-ferro, do ensino ocidental, dos hospitais, da
lei e da ordem a pessoas cujas instituies prprias tinham claramente fracassado. E aprova da
sua imperfeio estava na incapacidade de enfrentarem os desafios da concorrncia com uma
civilizao superior. Mesmo nos casos em que as instituies nativas foram protegidas e
preservadas, a deciso partiu sempre de algum que assumia a superioridade da cultura da
potncia colonizadora.
Esta conscincia de superioridade j no suscita admirao, nem admitida. Todavia, num
aspecto conseguiu um objectivo que at os mais acerbos crticos do colonialismo continuam a
considerar justo, mesmo quando suspeitam dos motivos. Tratou-se da abolio da
escravatura no mundo de influncia europeia e do uso da fora e da diplomacia para a
combater, mesmo em territrios que no eram administrados por pases europeus. Os

passos decisivos foram dados em 1807 e 1834, quando o parlamento britnico aboliu,
primeiro o trfico de escravos, e depois a prpria escravatura em todo o Imprio Britnico.
Este acto, vindo da maior potncia naval, colonial e comercial, foi decisivo. A emancipao
dos escravos do Brasil (1888) deve der considerada o final do processo. Neste grande
empreendimento estiveram envolvidas muitas foras, intelectuais, religiosas, econmicas e
polticas. Ser talvez a altura de dizer que, embora a abolio da escravatura s tenha
acontecido no final de trezentos anos do mais intenso trfico de escravos, a civilizao da
Europa foi a nica que alguma vez erradicou a escravatura por deciso prpria.
Para l do ltimo circulo dos territrios governados directamente , ficava o resto do mundo.
Mas os seus povos tambm foram influenciados pela Europa. Muitas vezes os seus valores e
instituies corromperam-se no contacto com ela, alguns foram estimulados pelo contacto e
exploraram-no. O que era praticamente impossvel era no ser influenciado pela Europa.
Um dos mais importantes agentes de difuso da civilizao europeia foi sempre o Cristianismo,
devido ao seu interesse quase ilimitado por todos os aspectos do comportamento humano. A
confiana ideolgica dos Europeus, tanto dos missionrios como dos no missionrios, podia,
em ltima anlise, apoiar-se na certeza de que no poderiam ser mantidos de fora mesmo dos
pases no colonizados. Parecia no haver lugar na Terra onde os Europeus no pudessem, se
assim o desejassem, impor-se pela fora das armas. Havia uma outra forma, mais benevolente
e menos desagradvel, de a civilizao europeia se apoiar na fora. Resultava na Pax Britanica
que, durante todo o sculo XIX, foi um dos obstculos para todas as naes europeias que
combatiam pelo domnio do mundo no europeu. Durante o sculo XIX no houve segundas
representaes das guerras coloniais dos sculos XVII e XVIII, embora se tratasse do perodo
em que se assistiu ao maior aumento da dominao colonial dos tempos modernos. Os
mercadores de todas as naes podiam navegar pelos mares sem obstculos nem
impedimentos. A supremacia naval dos Britnicos foi a condio necessria para a difuso
informacional da civilizao europeia.
Acima de tudo, garantia o enquadramento internacional do comrcio, em cujo centro, no
incio de 1900, estava a Europa. As velhas trocas marginais, feitas por uns quantos mercadores
e capites de espirito aventureiro tinham, desde o incio do sculo XVIII, sido gradualmente
substitudas por relaes integradas de interdependncia, baseadas na distino ntida entre o
papel dos pases industrializados e o que era deixado para os no industrializados, em que os
segundos tendiam a ser produtores primrios que satisfaziam as necessidades crescentes das
populaes urbanizadas dos primeiros. Em 1914 existia um ncleo de pases avanados, com
estruturas socias e econmicas muito diferentes daquelas que continuavam a manter-se nas

sociedades tradicionais, e que eles constituam o ncleo duro de um grupo atlntico de


naes, que era cada vez mais o maior produtor e o maior consumidor do mundo.
Os Britnicos detinham a maior marinha mercante do mundo e dominavam os transportes de
mercadorias. Eram os maiores importadores e os maiores exportadores, e os nicos que
vendiam mais mercadorias a pases fora da Europa do que a pases do continente. A GrBretanha era ainda o maior exportador de capitais e recebia lucros enormes dos investimentos
no ultramar, especialmente dos capitais colocados nos Estados Unidos e na Amrica do Sul. A
sua funo especial impusera um sistema practicamente triangular no comrcio internacional.
Os Britnicos compravam mercadorias, manufacturadas ou no, na Europa e pagavam-nas
com os produtos que fabricavam, com dinheiro ou com produtos do ultramar. Para o resto do
mundo exportavam produtos manufacturados, capitais e servios, recebendo em troca
gneros alimentares, matrias-primas e dinheiro. Este sistema complexo ilustra que as
relaes comerciais da Europa com o resto do mundo no eram simples trocas de produtos
manufacturados por matrias-primas.
Em 1914, a maioria dos economistas britnicos acreditava que a prosperidade de que o
sistema gozava e a crescente abastana que o tornava possvel mostravam a justia das
doutrinas do Comrcio Livre. A prosperidade do seu pas aumentara mais rapidamente
durante o perodo de apogeu dessas ideias. Adam Smith previra que a prosperidade
continuaria se o sistema imperial fechado, que reservava o comrcio para a me-ptria, fosse
abandonado, o que, no caso da Amrica, logo se provou ser verdadeiro pois houve uma grande
expanso do comrcio anglo-americano poucos anos depois da paz de 1873.
Ao mudarem-se para outros continentes, os Europeus conseguiram uma transferncia fsica da
cultura. Fora dos Estados Unidos, as mais numerosas comunidades europeias do ultramar
eram as da Amrica do Sul e das antigas colnias britnicas de povoamento branco, as quais,
embora formalmente sujeitas administrao directa de Londres durante a maior parte do
sculo XIX, eram de h muito estranhamente hbridas, no eram naes suficientemente
independentes, mas tambm no eram colnias. Tal como os Estados Unidos, estes pases
foram alimentados durante o sculo XIX pela dispora europeia, cujos nmeros justificavam
um nome que foi dado a esta poca da demografia europeia: a Grande Colonizao. Antes de
1800, havia muito pouca emigrao, excepto nas Ilhas Britnicas. Depois desta data, saram da
Europa cerca de 60 000 000 de pessoas e esta corrente tornou-se impetuosa apartir de 1830.
As explicaes para esta espantosa evoluo demogrfica no so difceis de encontrar. Por
vezes, a poltica contribuiu, como aconteceu depois de 1848. Os crescimentos populacionais
da Europa sempre se chocaram com as possibilidades econmicas, como nos mostra a
descoberta do fenmeno do desemprego. Nas ltimas dcadas do sculo XIX, enquanto a

emigrao crescia rapidamente, tambm os agricultores europeus se viam pressionados pela


concorrncia ultramarina. Acima de tudo, o que importava era que, pela primeira vez na
Histria, havia oportunidades em outras paragens, no momento em que os meios para as
atingir se tornavam mais fceis e mais baratos.

Os imprios coloniais Europeus

Que os Europeus dominavam o mundo provava-se, da forma mais concludente, pelo facto de
governarem os povos mais diversos e de administrarem vastos territrios ultramarinos. A
despeito das grandes discusses sobre o que foi, e , o colonialismo talvez seja pertinente
dizer que nos seculos XIX e XX, a palavra acabou por ser particularmente associada expanso
europeia e ao domnio directo dos Europeus sobre o resto do Mundo, ento mais evidente do
que nunca.
Em 1914, excluindo a Antrtida e o rtico, mais de quatro quintos da superfcie terrestre
viviam sob uma bandeira europeia ou eram governados por um pas de povoamento europeu,
e da pequena parte restante, s o Japo, a Etipia e o Sio gozavam de verdadeira autonomia.
A hegemonia europeia tornara-se cada vez mais irresistvel medida que aumentava a sua
fora. A teoria e a ideologia do imperialismo estavam a ponto de se tornar simples
racionalizaes do enorme poder quer o mundo europeu descobriu subitamente que possua.
Em termos prticos, desde que a medicina comeara a dominar as doenas tropicais e o barco
a vapor a proporcionar transportes rpidos, tornou-se fcil estabelecer bases na frica e
penetrar no seu interior. O Continente Negro vinha desde havia muito tempo a despertar
interesses, mas a sua explorao s se tornou possvel na dcada de 1870. Os progressos
tcnicos tornaram possvel, e atrativo, estender o domnio europeu, de forma a promover e
proteger o comrcio e os investimentos. As esperanas que estas possibilidades fizeram nascer
no tinham muitas vezes fundamento e conduziram quase sempre a desiluses. Qualquer que
fosse a atraco pelos pases subdesenvolvidos, como um estadista britnico gostava de
lhes chamar, ou pelo supostamente vasto mercado constitudo por milhes de chineses
miserveis, os pases industrializados continuaram a verificar que os outros pases
industrializados eram os seus melhores clientes e parceiros comerciais, e que antigas colnias,
mais do que as novas, atraam a maioria dos investimentos de capital.
Por outro lado, as expectativas de riqueza excitaram muitos indivduos. Graas a eles, a
expanso imperialista teve sempre um factor de acaso que torna difcil enquadr-la em
generalizaes. Foram os exploradores, comerciantes e aventureiros que em muitas ocasies
tomaram decises que obrigaram os governos, com vontade ou sem ela, a ocupar novos

territrios. Tratava-se, muitas vezes, de heris populares, porque a fase mais activa do
imperialismo europeu coincidiu com um grande crescimento da participao popular nos
negcios pblicos. Comprando jornais, votando ou manifestando-se na rua, as massas estavam
cada vez mais envolvidas na politica, o que, entre outras coisas, estimulava a concorrncia
colonial como forma de rivalidade. A dramatizao da explorao e das guerras coloniais eram
assuntos frequentes na nova imprensa de custo reduzido. Alguns pensaram tambm que a
insatisfao social podia ser atenuada pela contemplao de novos territrios conquistados
para a bandeira nacional. Mas o cinismo, tal como a motivao do lucro, no resolve todas as
dvidas. O idealismo que inspirou alguns colonialistas aliviou certamente a conscincia de
muitos mais. Homens que acreditavam estar na posse de uma verdadeira civilizao sentiamse obrigados a governar os outros, para o prprio bem destes ltimos. O famoso poema de
Kipling no incita os Americanos a apropriar-se do Esplio do Homem Branco mas sim do seu
Fardo.
A partir de 1870, todos estes elementos se entrelaam cada vez mais. Todos eles encontraram
o seu lugar num contexto de relaes internacionais que impunham a sua prpria lgica nos
assuntos coloniais. A histria no precisa de ser contada ao pormenor, mas h dois temas
sempre presentes. Um que, sendo a Gr-Bretanha a nica verdadeira potncia colonial de
nvel mundial, as suas disputas com os outros Estados foram mais frequentes. A Gr-Bretanha
possua territrios em todas as partes do mundo.
A rivalidade colonial tinha motivao prpria. Quando uma potncia obtinha uma nova
concesso ou colnia, provocava quase sempre um movimento de outra para fazer ainda
melhor. At certo ponto, a vaga imperialista alimentava-se a si prpria. Em 1914, os resultados
mais impressionantes podiam observar-se em frica. As actividade de exploradores e
missionrios, e das campanhas anti-esclavagistas do sec. XIX, tinham criado a ideia de que a
extenso do domnio europeu no Continente Negro era uma forma de disseminar o
iluminismo e o humanitarismo, era uma forma de civilizar, de facto. O comrcio centenrio nas
costas de frica tinha demonstrado que havia produtos desejveis no seu interior. O efeito
contagioso da cultura europeia deu origem ao que se chamou a Corrida a frica. A colossal
extenso do poderio europeu, na maior parte dos casos conseguidos depois de 1881,
transformou a Histria da frica. Ao cabo e ao resto, foram os arranjos dos negociadores
europeus, os acidentes da descoberta e as convenincias das administraes coloniais que
acabaram por determinar a forma como a modernizao chegou a frica. A supresso das
lutas intertribais e a introduo de servios mdicos, mesmo que elementares, levaram ao
aumento da populao em certas zonas. No entanto, os diversos regimes coloniais tiveram
resultados culturais e econmicos diferentes. Muito depois da partida dos colonialistas,

poderiam ainda ser observadas grandes diferenas entre os pases, que, por exemplo,
estiveram sujeitos administrao francesa ou ao sistema judicial britnico. Por todo o
continente os Africanos viram-se sujeitos a novos padres de emprego, aprenderam alguma
coisa sobre os mtodos europeus atravs da escola ou da integrao nos regimentos coloniais,
viram coisas de admirar ou odiar nos homens brancos que agora vinham regular as suas vidas.
Mesmo quando, como acontecia em muitos territrios britnicos, se dava grande importncia
s instituies nativas tradicionais, elas no deixavam de ter de trabalhar num novo contexto.
Lnguas, monogamia crist, atitudes empresariais, novos conhecimentos, tudo concorreu
finalmente para moldar a conscincia individual e um maior individualismo. Sem o
imperialismo, no que ele teve de bom e de mau, estas influncias nunca poderiam ter-se
tornado efectivas em to pouco tempo.
certo que a histria do imperialismo do sculo XIX no se faz s com a frica. A partilha do
Pacfico foi menos dramtica mas, no final, nenhuma unidade politica independente
sobreviveu nas ilhas deste oceano.

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