(Filosofia) O Segredo Do Bonzo - Texto

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O SEGREDO DO BONZO

Captulo Indito De Ferno Mendes Pinto


Machado de Assis
Atrs deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchu, capital do reino de Bungo, co o Padre!
estre Francisco, e de coo el!"ei se hou#e co o Fucarandono e outros $on%os, que ti#era por acertado
disputar ao padre as pria%ias da nossa santa religio& Agora direi de ua doutrina no enos curiosa que
saud#el ao esprito, e digna de ser di#ulgada a todas as rep'$licas da cristandade&
( dia, andando a passeio co Diogo Meireles, nesta esa cidade Fuchu, naquele ano de )**+,
sucedeu deparar!se!nos u a,untaento de po#o, - esquina de ua rua, e torno a u hoe da terra, que
discorria co grande a$und.ncia de gestos e #o%es& / po#o, segundo o eso ais $aixo, seria passante de ce
pessoas, #ar0es soente, e todos e$as$acados& Diogo Meireles, que elhor conhecia a lngua da terra, pois ali
esti#era uitos eses, quando andou co $andeira de #eniaga 1agora ocupa#a!se no exerccio da edicina, que
estudara con#enienteente, e e que era exio2 ia!e repetindo pelo nosso idioa o que ou#ia ao orador, e
que e resuo, era o seguinte3 ! 4ue ele no queria outra cousa ais do que a5irar a orige dos grilos, os
quais procedia do ar e das 5olhas de coqueiro, na con,un6o da lua no#a7 que este desco$riento, iposs#el a
que no 5osse, coo ele, atetico, 5sico e 5il8so5o, era 5ruto de dilatados anos de aplica6o, experi9ncia e
estudo, tra$alhos e at perigos de #ida7 as en5i, esta#a 5eito, e todo redunda#a e gl8ria do reino de Bungo,
e especialente da cidade Fuchu, cu,o 5ilho era7 e, se por ter a#entado to su$lie #erdade, 5osse necessrio
aceitar a orte, ele a aceitaria ali eso, to certo era que a ci9ncia #alia ais do que a #ida e seus deleites&
A ultido, tanto que ele aca$ou, le#antou u tuulto de aclaa60es, que este#e a ponto de
ensurdecer!nos, e al6ou nos $ra6os o hoe $radando3 Patiau, Patiau, #i#a Patiau, que desco$riu a orige
dos grilos& : todos se 5ora co ele ao alpendre de u ercador, onde lhe dera re5rescos e lhe 5i%era
uitas sauda60es e re#er9ncias, - aneira deste gentio, que e extreo o$sequioso e corteso&
Desandando o cainho, #nhaos n8s, Diogo Meireles e eu, 5alando do singular achado da orige dos
grilos, quando, a pouco dist.ncia daquele alpendre, o$ra de seis credos, no ais, achaos outra ultido de
gente, e outra esquina, escutando a outro hoe& Ficaos espantados co a seelhan6a do caso, e Diogo
Meireles, #isto que ta$ este 5ala#a apressado, repetiu!e da esa aneira o teor da ora6o& : di%ia este
outro, co grande adira6o e aplauso da gente que o cerca#a, que en5i desco$rira o princpio da #ida 5utura,
quando a terra hou#esse de ser inteiraente destruda, e era nada, enos que ua certa gota de sangue de #aca7
da pro#inha a excel9ncia da #aca para ha$ita6o das alas huanas, e o ardor co que esse distinto anial era
procurado por uitos hoens - hora de orrer7 desco$riento que ele podia a5irar co 5 e #erdade, por ser
o$ra de experi9ncias repetidas e pro5unda cogita6o, no dese,ando ne pedindo outro galardo ais que dar
gl8ria ao reino de Bungo e rece$er dele a estia6o que os $ons 5ilhos erece& / po#o, que escutara esta 5ala
co uita #enera6o, 5e% o eso alarido e le#ou o hoe ao dito alpendre, co a di5eren6a que o trepou a
ua charola7 ali chegando, 5oi regalado co o$squios iguais aos que 5a%ia a Patiau& ;o ha#endo nenhua
distin6o entre eles, ne outra copet9ncia nos $anqueteadores, que no 5osse a de dar gra6as a a$os os
$anqueteados&
Ficaos se sa$er nada daquilo, porque ne nos parecia casual seelhan6a exata dos dois encontros,
ne racional ou cr#el a orige dos grilos, dada por Patiau, ou o princpio da #ida 5utura, desco$erto por
<anguru, que assi se chaa#a o outro& =ucedeu, por, costearos a casa de u certo >itan, alparqueiro, o
qual correu a 5alar a Diogo Meireles, de que era aigo& :, 5eitos os cuprientos, e que o alparqueiro
chaou as ais galantes cousas a Diogo Meireles, tais coo ! ouro da #erdade e sol do pensaento, ! contou!
lhe este o que #raos e ou#raos pouco antes& A/ que >itan acudiu co grande al#oro6o3 ! Pode ser que
eles ande cuprindo ua no#a doutrina, di%e que in#entada por u $on%o de uito sa$er, orador e
uas casas pegadas ao onte Coral& : porque 5icsseos co$i6osos de ter algua notcia da doutrina,
consentiu >itan e ir conosco no dia seguinte -s casas do $on%o, e acrescentou3 ! Di%e que ele no a con5ia a
nenhua pessoa, se no -s que de cora6o se quisere 5iliar a ela7 e, sendo assi, podeos siular que o
quereos unicaente co o 5i de a ou#ir7 e se 5or $oa, chegareos a pratic!la - nossa #ontade&
;o dia seguinte, ao odo concertado, 5oos -s casas do dito $on%o, por noe Poada, u ancio de
cento e oito anos, uito lido e sa$ido nas letras di#inas e huanas, e grandeente aceito a toda aquela
gentilidade, e por isso eso al #isto de outros $on%os, que se 5ina#a de puro ci'e& : tendo ou#ido o dito
$on%o a >itan que raos e o que queraos, iniciou!nos prieiro co #rias ceri?nias e $ugiarias
necessrias - recep6o da doutrina, e s8 depois dela que al6ou a #o% para con5i!la e explic!la&
! @a#eis de entender, coe6ou ele, que a #irtude e o sa$er t9 duas exist9ncias paralelas, ua no
su,eito que as possui, outra no esprito dos que o ou#e ou contepla& =e puserdes as ais su$lies #irtudes
e os ais pro5undos conhecientos e u su,eito solitrio, reoto de todo contato co outros hoens, coo
se eles no existisse& /s 5rutos de ua laran,eira, se ningu os gostar, #ale tanto coo as ur%es e plantas
$ra#ias, e, se ningu os #ir, no #ale nada, ou, por outras pala#ras ais enrgicas, no h espetculo se
espectador& ( dia, estando a cuidar nestas cousas, considerei que, para o 5i de aluiar u pouco o
entendiento, tinha consuido os eus longos anos, e, alis, nada chegaria a #aler se a exist9ncia de outros
hoens que e #isse e honrasse7 ento cogitei se no ha#eria u odo de o$ter o eso e5eito, poupando
tais tra$alhos, e esse dia posso agora di%er que 5oi o da regenera6o dos hoens, pois e deu a doutrina
sal#adora&
;este ponto, a5iaos os ou#idos e 5icaos pendurados da $oca do $on%o, o qual, coo lhe dissesse
Diogo Meireles que a lngua da terra e no era 5ailiar, ia 5alando co grande pausa, por que o que e deu
idia da no#a doutrina7 5oi nada enos que a pedra da lua, essa insigne pedra to luinosa que, posta no ca$e6o
de ua ontanha ou no pncaro de ua torre, d claridade a ua capina inteira, ainda a ais dilatada& (a
tal pedra, co tais quilates de lu%, no existiu nunca, e ningu ,aais a #iu7 as uita gente cr9 que existe e
ais de u dir que a #iu co os seus pr8prios olhos& Considerei o caso, e entendi que, se ua cousa pode
existir na opinio, se existir na realidade, e existir na realidade, se existir na opinio, a concluso que das
duas exist9ncias paralelas a 'nica necessria a da opinio, no a da realidade, que apenas con#eniente& >o
depressa 5i% este achado especulati#o, coo dei gra6as a Deus do 5a#or especial, e deterinei!e a #eri5ic!lo
por experi9ncias7 o que alcancei, e ais de u caso, que no relato, por #os no toar o tepo& Para
copreender a e5iccia do eu sistea $asta ad#ertir que os grilos no pode nascer do ar e das 5olhas de
coqueiro, na con,un6o da lua no#a, e por outro lado, o princpio da #ida 5utura no est e ua certa gota de
sangue de #aca7 as Patiau e <anguru, #ar0es astutos, co tal arte sou$era eter estas duas idias no .nio
da ultido, que ho,e des5ruta a noeada de grandes 5sicos e aiores 5il8so5os, e t9 consigo pessoas
capa%es de dar a #ida por eles&
;o sa$aos e que aneira dsseos ao $on%o as ostras do nosso #i#o contentaento e
adira6o& :le interrogou!nos ainda algu tepo, copridaente, acerca da doutrina e dos 5undaentos dela,
e depois de reconhecer que a entendaos, incitou!nos a pratic!la, a di#ulg!la cautelosaente, no porque
hou#esse nada contrrio -s leis di#inas ou huanas, as porque a copreenso dela podia dan!la e perd9!
la e seus prieiros passos7 en5i, despediu!se de n8s co a certe%a 1so pala#ras suas2 de que a$al#aos
dali co a #erdadeira ala de poadistas, denoina6o esta que, por se deri#ar do noe dele, lhe era e
extreo agrad#el&
Co e5eito, antes de cair a tarde, tnhaos os tr9s co$inado e p?r por o$ra ua ideia to ,udiciosa
quo lucrati#a, pois no s8 lucro o que se pode ha#er e oeda, seno ta$ o que tra% considera6o e
lou#or, que outra e elhor espcie de oeda, conquanto no d9 para coprar daascos ou chaparias de ouro&
Co$inaos, pois, - guisa de experi9ncia, eter cada u de n8s, no .nio da cidade Fuchu, ua certa
con#ic6o, ediante a qual hou#sseos os esos $ene5cios que des5ruta#a Patiau e <anguru7 as, to
certo que o hoe no ol#ida o seu interesse, entendeu >itan que lhe cupria lucrar de duas aneiras,
co$rando da experi9ncia a$as as oedas, isto , #endendo ta$ as suas alparcas, ao que nos no opuseos,
por nos parecer que nada tinha isso co o essencial da doutrina&
Consistiu a experi9ncia de >itan e ua cousa que no sei coo diga para que a entenda& (sa
neste reino de Bungo, e e outros destas reotas partes, u papel 5eito de casca de canela oda e goa, o$ra
ui pria, que eles talha depois e peda6os de dois palos de copriento, e eio de largura, nos quais
desenha co #i#as e #ariadas cores, e pela lngua do pas, as notcias da seana, polticas, religiosas,
ercantis e outras, as no#as leis do reino, os noes das 5ustas, lancharas, $al0es e toda a casta de $arcos que
na#ega estes ars, ou e guerra, que a h 5reqAente, ou de #eniaga& : digo as notcias da seana, porque as
ditas 5olhas so 5eitas de oito e oito dias, e grande c8pia, e distri$udas ao gentio para ter as notcias prieiro
que os deais oradores& /ra, o nosso >itan no quis elhor esquina que este papel, chaado pela nossa
lngua Vida e claridade das cousas mundanas e celestes, ttulo expressi#o, ainda que u tanto derraado& :,
pois, 5e% inserir no dito papel que aca$a#a de chegar notcias 5rescas de toda a costa de Mala$ar e, da China,
con5ore as quais no ha#ia outro cuidado que no 5osse as 5aosas alparcas dele >itan7 que estas alparcas
era chaadas as prieiras do undo, por sere ui s8lidas e graciosas7 que nada enos de #inte e dois
andarins ia requerer ao iperador para que, e #ista do esplendor das 5aosas alparcas de >itan, as
prieiras do uni#erso, 5osse criado o ttulo honor5ico de Balparca do :stadoB, para recopensa dos que se
distinguisse e qualquer disciplina do entendiento, que era grossssias as encoendas 5eitas de todas -s
partes, -s quais ele >itan ia acudir, enos por aor ao lucro do que pela gl8ria que dali pro#inha - na6o, no
recuando, toda#ia, do prop8sito e que esta#a e 5ica#a de dar de gra6a aos po$res do reino uas cinqAenta
cor,as das ditas alparcas, apesar da pria%ia no 5a$rico das alparcas assi reconhecida e toda a terra, ele sa$ia
os de#eres da odera6o, e nunca se ,ulgaria ais do que u o$reiro diligente e aigo da gl8ria do reino de
Bungo&
A leitura desta notcia coo#eu naturalente a toda a cidade Fuchu, no se 5alando e outra cousa
durante toda aquela seana& As alparcas de >itan, apenas estiadas, coe6ara de ser $uscadas co uita
curiosidade e ardor, e ainda ais nas seanas seguintes, pois no deixou ele de entreter a cidade, durante algu
tepo, co uitas e extraordinrias anedotas acerca de sua ercadoria& : di%ia!nos co uita gra6a3 ! Cede
que o$ede6o ao principal da nossa doutrina, pois no estou persuadido da superioridade das tais alparcas, antes
as tenho por o$ra #ulgar, as 5i!lo crer ao po#o, que as #e coprar agora, pelo pre6o que lhes taxo& ! ;o e
parece, atalhei, que tenhais cuprido a doutrina e seu rigor e su$st.ncia, pois no nos ca$e inculcar aos outros
ua opinio que no teos, e si a opinio de ua qualidade que no possuos7 este , ao certo, o essencial
dela&
Dito isto, assentara os dois que era a inha #e% de tentar a experi9ncia, o que iediataente 5i%7 as
deixo de a relatar e todas as suas partes, por no deorar a narra6o da experi9ncia de Diogo Meireles, que 5oi
a ais decisi#a das tr9s, e a elhor pro#a desta deliciosa in#en6o do $on%o& Direi soente que, por alguas
lu%es que tinha de 'sica e charaela, e que alis era ediano, le$rou!e congregar os principais de
Fuchu para que e ou#isse tanger o instruento7 os quais #iera, escutara e 5ora!se repetindo que nunca
antes tinha ou#ido cousa to extraordinria& : con5esso que alcancei u tal resultado co o s8 recurso dos
adeanes, da gra6a e arquear os $ra6os para toar a charaela, que e 5oi tra%ida e ua $ande,a de prata,
da rigide% do $usto, da un6o co que alcei os olhos ao ar, e do desd e u5ania co que os $aixei - esa
asse$lia, a qual neste ponto ropeu e u tal concerto de #o%es e exclaa60es de entusiaso, que quase e
persuadiu do eu ereciento&
Mas, coo digo, a ais engenhosa de todas as nossas experi9ncias, 5oi a de Diogo Meireles& <a#ra#a
ento na cidade ua singular doen6a, que consistia e 5a%er inchar os nari%es, tanto e tanto, que toa#a
etade e ais da cara ao paciente, e no s8 a punha horrenda, seno que era olesto carregar taanho peso&
Conquanto os 5sicos da terra propusesse extrair os nari%es inchados, para al#io e elhoria dos en5eros,
nenhu destes consentia e prestar!se ao curati#o, pre5erindo o excesso - lacuna, e tento por ais a$orrec#el
que nenhua outra cousa a aus9ncia daquele 8rgo& ;este apertado lance ais de u recorria - orte
#oluntria, coo u redio, e a triste%a era uita e toda a cidade Fuchu& Diogo Meireles, que desde algu
tepo pratica#a a edicina, segundo 5icou dito atrs, estudou a olstia e reconheceu que no ha#ia perigo e
desnarigar os doentes, antes era #anta,oso por lhes le#ar o al, se tra%er 5ealdade, pois tanto #alia u nari%
dis5ore e pesado coo nenhu7 no alcan6ou, toda#ia, persuadir os in5eli%es ao sacri5cio& :nto ocorreu!lhe
ua graciosa in#en6o& Assi 5oi que, reunindo uito 5sicos, 5il8so5os, $on%os, autoridades e po#o,
counicou!lhes que tinha u segredo para eliinar o 8rgo7 e esse segredo era nada enos que su$stituir o
nari% achacado por u nari% so, as de pura nature%a eta5sica, isto , inacess#el aos sentidos huanos, e
contudo to #erdadeiro ou ainda ais do que o cortado3 cura esta praticada por ele e #rias partes, e uito
aceita aos 5sicos de Mala$ar& / asso$ro da asse$lia 5oi ienso, e no enor a incredulidade de alguns, no
digo de todos, sendo que a aioria no sa$ia que acreditasse, pois se lhe repugna#a a eta5sica do nari% cedia
entretanto - energia das pala#ras de Diogo Meireles, ao to alto e con#encido co que ele exp?s e de5iniu o seu
redio& Foi ento que alguns 5il8so5os, ali presentes, u tanto en#ergonhados do sa$er de Diogo Meireles, no
quisera 5icar!lhe atrs, e declarara que ha#ia $ons 5undaentos para ua tal in#en6o, #isto no ser o
hoe todo outra cousa ais do que u produto da idealidade transcendental, donde resulta#a que podia
tra%er, co toda a #erossiilhan6a, u nari% eta5sico, e ,ura#a ao po#o que o e5eito era o eso&
A asse$lia aclaou a Diogo Meireles7 e os doentes coe6ara de $usc!lo, e tanta c8pia, que ele
no tinha os a edir& Diogo Meireles desnariga#a!os co uitssia arte7 depois estendia delicadaente os
dedos a ua caixa, onde 5ingia ter os nari%es su$stitutos, colhia u e aplica#a!o ao lugar #aio& /s en5eros,
assi curados e supridos, olha#a uns para os outros, e no #ia nada no lugar do 8rgo cortado, as, certos e
certssios de que ali esta#a 8rgo su$stituto, e que este era inacess#el aos sentidos huanos, no se da#a
por de5raudados, e torna#a aos seus o5cios& ;enhua outra pro#a quero da e5iccia da doutrina e do 5ruto
dessa experi9ncia, seno o 5ato de que todos os desnarigados de Diogo Meireles continuara a pro#er!se dos
esos len6os de assoar& / que tudo deixo relatado para gl8ria do $on%o e $ene5cio do undo&
transcri6o de Marco Antonio Frangiotti
1in A==I=, Machado& Obra Completa& Petr8polis3 Aguilar, )DED, pg& F+F!F+G2&

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