Soroban 2
Soroban 2
Soroban 2
(ÁBACO JAPONÊS)
Este trabalho propõe mostrar os aspectos históricos e práticos de um instrumento de cálculo denominado
Soroban ou Sorobã (ábaco japonês), apresentando-o como um instrumento eficaz no desenvolvimento de
operações matemáticas, embora dê enfoque as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão de
números Naturais. Realiza uma reflexão sobre a inclusão de educandos com deficiência visual nas escolas
regulares por meio do Soroban. Discute os pressupostos sobre a natureza dos métodos pedagógicos no ensino da
Matemática, da melhoria e do desenvolvimento da concentração e atenção, coordenação motora e destreza, e da
agilidade de cálculos mentais e desenvolvimento do raciocínio lógico por parte dos educandos.
1. INTRODUÇÃO
Durante o ano de 2001, quando ainda lecionava como professor técnico em magistério,
deparei-me com a necessidade de aprender novos métodos para ensinar Matemática, pois
percebia um grande e contagiante desinteresse e muita falta de atenção nos olhos e nas
atitudes dos meus alunos em uma escola pública do estado de Goiás. E isso se agravou com a
chegada de dois estudantes com deficiência visual.
Motivado pelo meu despreparo e de meus colegas professores, fiz muitas pesquisas e gastei
muito tempo em busca de respostas que pareciam não existir. Foi quando um dos dois
deficientes chegou à sala de aula com o Soroban, que lhe havia sido doado pelo Ministério da
Educação. Fiquei muito entusiasmado, mesmo sem ao menos saber representar os números
naquele instrumento que me causava curiosidade e intriga, pois aquilo parecia ser, e foi, a
resposta que tanto buscava.
O Soroban foi regulamentado pelo Ministério da Educação por meio da portaria nº. 657, de 07
de março de 2002, como instrumento facilitador no processo de inclusão de alunos portadores
de deficiência visual nas escolas regulares, bem como instrumento de desenvolvimento sócio-
educativo de pessoas portadoras de deficiência visual. 2
De um modo generalizado, os livros didáticos trazem uma abordagem que foge à realidade da
aplicação prática das operações matemáticas, dificultando a compreensão dos educandos,
trazendo como conseqüência bloqueios na aprendizagem matemática.
1
Trabalho orientado pelo professor MSc. Sinval Braga de Freitas.
2
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO - Nº46 - 08/03/2002 SEÇÃO 1 - PÁG. 26
Com o advento da Inclusão de alunos PNE´s, implementada pelo Ministério da Educação, que
institui que escolas de ensino regular se adaptem para receber tais alunos, seria de grande
proveito os programas de licenciatura incluírem o estudo do Soroban como instrumento
pedagógico, tendo em vista a melhor capacitação do educador.
2. ASPECTOS HISTÓRICOS
A partir do momento que o homem pré-histórico deixou seus hábitos nômades e passou a
viver em aldeias e tribos fixas, desenvolvendo a lavoura e a pecuária, tornou-se necessária a
criação de um método para a contagem do tempo, delimitando as épocas de plantio e colheita,
bem como para o controle de seus rebanhos. Tabuletas de argila foram desenterradas por
arqueólogos no Oriente Médio, próximo à Babilônia, contendo tabuadas de multiplicação e
recíprocos. Acredita-se que tenham sido escritas por volta de 1700 a.C. e usavam o sistema
sexagesimal (base 60), dando origem às nossas atuais unidades de tempo.
Ao longo dos séculos, em busca por processos e instrumentos que permitissem registrar e
simplificar contagens e cálculos, o homem foi inventando técnicas e máquinas que
propiciaram a redução do tempo e da energia gastos em operações trabalhosas.
Entre os instrumentos que criou para auxiliá-lo nas contas, o Ábaco pode ser considerado o
mais notável para o processo evolutivo desses trabalhos. E segundo alguns historiadores, teria
sido introduzido na Grécia por Pitágoras, filósofo que supostamente viveu no século VI antes
de Cristo e que acreditava que Deus criou o mundo a partir das leis matemáticas: “tudo é
número” (BOYER,1994, p.34). A forma mais primitiva de ábaco pode ter sido uma bandeja
de areia marcada, de onde vem o nome genérico (do grego abax, para “bandeja de areia”).
Formas de ábaco eram usadas pelos antigos egípcios, gregos, romanos, hindus e pessoas de
quase todo o oriente. Uma forma mais sofisticada de ábaco era uma tábua com pedrinhas
(calculi) deslizando em entalhe; outro era uma estrutura de madeira com contas que deslizam
em arames ou barras finas de bambu; alguns eram entalhados em metais e pedras preciosas
tais como: ouro, prata, rubis, esmeraldas, dentre outros. Das formas modernas mais
conhecidas de ábacos podemos citar: abax grego e o abacus romano (Figura 1); o modelo
russo (Figura 2); o suan pan chinês (Figura 3); o nepohualtzitzin azteca (Figura 4) e o
Soroban japonês (Figura 5) – que é o objeto fundamental deste trabalho.
Figura. 5 - Ábaco japonês denominado Soroban. Observe que o número de contas na parte inferior é
quatro e na parte superior é cinco. Possui 21 eixos horizontais.
Fonte: Sorocalc1.5
Uma contribuição importante do Ábaco para evolução tecnológica foi que baseado em estudos
a respeito dos ábacos, o nobre escocês de Edinburgo, o matemático John Napier (1550-1617),
inventor dos logaritmos, criou os Bastões de Napier que foram criados como auxílio à
multiplicação. Dispositivos semelhantes já vinham sendo usados desde o século XVI, mas
somente em 1614 foram documentados. Os bastões de Napier um conjunto de 9 bastões, que
continham uma série de quadrados com números . Ao ajustar alguns quadrados junto a outros,
podia-se multiplicar e dividir os números (ver Figura 6). Em 1633, um sacerdote inglês
chamado William Oughtred, teve a idéia de representar esses logaritmos de Napier em escalas
de madeira, marfim ou outro material, chamando-o de CÍRCULOS DE PROPORÇÃO. Este
dispositivo originou a conhecida RÉGUA DE CÁLCULOS, que é considerado como o
primeiro computador analógico da história.
Kambei Moori teve vários discípulos, entre eles Takahara Yoshitane que, por sua vez, ensinou
o Seki Takakazu, considerado o primeiro professor de matemática do Japão. Ele escreveu
inúmeros livros sobre os fundamentos básicos da matemática onde trata dos assuntos das
operações fundamentais, de raiz quadrada, cúbica, potenciação, juros, porcentagem,
geometria, álgebra, entre outros. Então o Soroban tornou-se um meio indispensável de cálculo
para os comerciantes, sendo adotado pelas escolas, empresas e lares em geral. O sistema
educacional japonês pregava que a pessoa tinha que saber “ler, escrever e contar”, daí a
necessidade de usar o Soroban.
O Soroban chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes japoneses, em 1908, para uso
próprio. O modelo de então era o de cinco contas, que seria substituído pelo de quatro contas
a partir de 1953, com os primeiros imigrantes da era pós-guerra (Segunda Guerra Mundial). O
primeiro divulgador de shuzan, a arte de calcular com o Soroban, foi o professor Fukutaro
Kato, que em 1958 publicou o primeiro livro do gênero no Brasil: “O Soroban pelo Método
Moderno”. Professor Kato também fundou a Associação Cultural de Shuzan do Brasil
(ACSB), que organiza campeonatos anuais. Muitos desses campeonatos são elaborados em
ambiente virtual, com a utilização de softwares que reproduzem o Soroban e suas funções, e
um bom exemplo é o software Sorocalc1.5 uma versão gratuita que foi utilizado para
confecção de algumas figuras desse artigo (LUÍS, 2002).
Por volta de 1959, Joaquim Lima de Moraes, com o apoio da colônia japonesa no Brasil,
conseguiu introduzir o Soroban adaptado na educação do deficiente visual. Esta adaptação foi
feita simplesmente com a colocação de um tecido emborrachado sob as contas para que estas
não se movimentem com rapidez e pontos em relevo na régua intermediária, separando as
classes numéricas.
Cada vez mais escolas brasileiras têm buscado profissionais que pratiquem o Soroban para
trabalharem com deficientes visuais, principalmente após a sua instituição pelo Ministério da
Educação como instrumento de inclusão e melhoria do aprendizado da Matemática.
3. O SOROBAN
O primeiro movimento que se aprende no Soroban é o usado para zerar, ou prepará-lo para a
realização de contas. Para zerar o Soroban, primeiro tem-se que o inclinar em direção do
usuário o bastante para que todas as contas deslizem para baixo, tanto as da parte superior do
instrumento (parte que contém uma conta), quanto as da parte superior (parte que contem
quatro contas), retornando-o então ao plano horizontal. Com todas as contas inferiores
afastadas da barra central (teiiten), tem-se agora de afastar as superiores e colocá-las mais
próximas da moldura (waku). Para isto basta que se coloque o dedo indicador direito sob cada
conta superior, erguendo-as. Em seguida, corre-se o dedo por toda a extensão do Soroban,
erguendo as demais contas, pois é fundamental para o processo de aquisição de agilidade no
manuseio do instrumento e desenvolva coordenação motora. Pronto, o soroban está zerado.
Para manusear o Soroban, usam-se apenas dois dedos, o indicador e o polegar da mão direita
(mesmo para canhotos). A mão esquerda deve segurar o Soroban, para que não deslize. O
polegar é utilizado apenas para levantar as contas inferiores, como quando se empurra 1, 2, 3
ou 4 contas inferiores. Todos os demais movimentos (retirada de contas inferiores, colocação
de contas superiores e sua retirada) são feitos com o indicador. O registro de algarismos que
utilizem contas inferiores e superiores (6, 7, 8 e 9) é feita ao mesmo tempo, com polegar e
indicador; sua retirada é feita com o indicador apenas, primeiro com as contas inferiores e
depois com as superiores. Por mais que sejam movimentos simples, é imprescindível que
sejam executados corretamente desde o começo, pois a correta execução de todas as regras de
adição e subtração (essenciais ao manuseio do Soroban) depende do emprego correto do
movimento dos dedos.
As contas inferiores (ichidama) têm valor “um” cada; as superiores (godama) têm valor
“cinco”. Se não houver contas encostadas na barra central (hari), que separa as duas porções,
diz-se que o soroban está zerado. A coluna das unidades, independente da classe (unidade,
milhar, milhão etc), será sempre uma das colunas com um ponto de referência sobre a barra
central (por exemplo, primeira coluna à esquerda). A escolha do ponto de referência a ser
usado é livre, mas dependendo às vezes de quantas casas decimais ocupará a resposta. O
número '1', por exemplo, é registrado movendo-se uma conta inferior para junto da barra
central, logo abaixo do ponto; o número '2', duas contas; o '3', três contas; o '4', quatro contas.
O número '5' é registrado movendo-se apenas a conta superior para junto da barra central. Os
números de '6' a '9' são compostos pelas contas inferiores e superiores, ou seja, movem-se a
conta superior e seu complemento em contas inferiores (Figura 7).
As demais ordens (dezena, centena, unidade de milhar etc.) são registradas à esquerda, como
na escrita indo-arábico. Além disto, o registro de valores é feito a partir da maior ordem,
como na escrita. Fazê-lo de outra forma tornaria impossível acompanhar um ditado, por
exemplo, (Figura 8). Todavia, a flexibilidade do Soroban permite registrar e/ou operar nos
dois sentidos.
Antes de fazer uso desse instrumento para operações matemáticas, é imprescindível que se
domine as formas de representação e de leitura dos números; siga corretamente as instruções
quanto à utilização dos dedos para colocação e retirada das contas, pois tais procedimentos
são suporte para o desenvolvimento da coordenação-motora do usuário de Soroban (o
sorobanista).
O estudo do Soroban divide-se em 15 graus iniciais (kyu), em ordem decrescente, e 10 graus
de nível avançado (dan), em ordem decrescente. A cada grau corresponde um aumento de
dificuldade dos exercícios, aperfeiçoamento das técnicas aprendidas e, eventualmente,
aprendizado de novas técnicas. Basicamente, do 15.o ao 11.o aprendem-se as técnicas de
adição e subtração, imprescindíveis ao manuseio do Soroban, sendo o 10.o grau um resumo
dos 5 anteriores. Normalmente, adolescentes e adultos iniciam seus estudos pelo 10.o grau. No
9.o grau começa-se a estudar multiplicação; no 8.o, divisão e multiplicação por dois dígitos. A
divisão por dois dígitos começa no 7.o grau. Enquanto no 6º e 5º graus são aperfeiçoadas as
técnicas de multiplicação e divisão por meio do aumento do número de dígitos nos números a
serem multiplicados ou utilizados como divisores. No 4.o grau, o praticante inicia trabalho
com valores decimais. Os números negativos passam a ser estudados no 3.o grau. A partir do
1.o dan começamos a estudar operações com raiz quadrada e raiz cúbica e as operações mais
complexas.
Com o Soroban é possível realizar diversos tipos de operações matemáticas desde as mais
simples como adição e subtração; multiplicação e divisão de números Naturais, até extrações
de raízes quadradas ou raiz n-ézima de números Naturais; resoluções de cálculos com
números decimais; potenciação; cálculos de MDC e MMC; Números primos (SHOKRANIAN,
1999); Divisibilidade (SHOKRANIAN, 1999); Relações de Equivalência (SHOKRANIAN,
1999); Equações modulares (SHOKRANIAN, 1999); Geometria; Análise combinatória,
Triângulo de Pascal, Logaritmos entre outras. Neste trabalho daremos ênfase as operações de
adição, subtração, multiplicação e divisão de números Naturais.
Para adição com transporte se faz necessária plena compreensão do sistema de numeração que
se está utilizando. No caso da base dez, compreende-se dizer que a cada 9 quantidades a
ordem se torna saturada, fazendo-se necessário o transporte do excedente para a ordem
imediatamente à esquerda (“vai um”), ou seja, a cada 10 unidades tem-se uma dezena; a cada
10 dezenas uma centena, e assim por diante. Vale ressaltar que com o Soroban opera-se com
quantidades e não com símbolos como se faz de costume com algoritmos escritos.
Para efetuar a divisão, o dividendo e o divisor devem ser registrados, respeitando a unidade de
referência e separados por hastes, sempre à esquerda do Soroban. O quociente será registrado
do lado direito e o resto ficará no lugar do dividendo. A divisão no Soroban é feita como no
algoritmo tradicional. O mais importante é que não se faça os cálculos mecanicamente, mas
que se compreendam os mecanismos embutidos nas operações intermediárias do algoritmo
tradicional. Por exemplo, façamos a divisão de 173 por 5 (ver Figura 14): a) sabendo-se que
173 = 100 + 70 + 3, divide-se primeiro 1 centena, depois 7 dezenas e, por fim, as unidades;
b) como uma centena dividida por 5 unidades resulta em 0 centenas, deve-se trocar 1 centena
por 10 dezenas e juntar com as 7 dezenas da ordem imediatamente inferior, totalizando 17
dezenas; c) dividir 17 dezenas por 5 que é igual a 3. Como 3 × 5 = 15, para achar o resto,
basta subtrair 15 de 17, obtendo-se 2 de resto, ou seja 17 = 3 × 5 + 2 (algoritmo da divisão de
Euclides); d) continuar a divisão “descendo” o 3, ou seja, juntando-se as duas dezenas de resto
com as 3 unidades da ordem imediatamente inferior, obtendo-se 23 unidades, que serão
divididas por 5; e) dividir 23 unidades por 5 é igual a 4. Como 4 × 5 = 20, para achar o resto,
basta subtrair 20 de 23, obtendo 3 de resto, ou seja, 23 = 4 × 5 + 3; f) assim, o quociente da
divisão de 173 por 5 é 34 e o resto é 3, e é o mesmo que dizer que 173 = 34 × 5 + 3,
conforme mostrado na Figura 15.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do avanço tecnológico com o uso dos computadores e de calculadoras modernas que
facilitam os cálculos no cotidiano, o Soroban não pode ser ignorado, principalmente porque
ele auxilia na compreensão de alguns procedimentos utilizados nos algoritmos das operações
dos sistemas de numeração. Desenvolve agilidade de cálculos mentais, melhorando a
coordenação motora e a concentração, estimula o raciocínio lógico dos educandos quando
utilizado como meio de contextualização no ensino da Matemática. É eficaz para processo de
inclusão de educandos portadores de deficiência visual e foi instituído pelo Ministério da
Educação como agente facilitador desse processo.
É uma ferramenta para compreensão das quatro operações básicas dos números naturais, uma
vez que faz a transposição do contexto concreto para a representação com símbolos escritos,
deixando clara a estrutura posicional do sistema de numeração decimal (pode também ser
utilizado para outras bases), e não apenas por meio de técnicas operatórias decoradas, pois,
segundo (IMENES,1999), “entre as quatro operações básicas de números naturais, o
algoritmo da divisão é, sem dúvida, o mais complexo, frustrando, muitas vezes, professores e
educandos”. A divisão no Soroban é feita como no algoritmo tradicional, mas é possível
compreendê-las seguindo um plano de atividades e situações problemas que reproduzam os
mesmos procedimentos do algoritmo.
O Soroban vem trazer mais uma alternativa para auxiliar educadores e educandos no processo
de ensino e aprendizagem, pois a Matemática é uma das mais importantes ferramentas para o
desenvolvimento da sociedade moderna e precisa ser trabalhada com o objetivo de formar
cidadãos críticos e que sejam capazes de compreender o que usam, e não apenas de formar
calculistas.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS