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ASTRONOMIA E COSMOLOGIA: FATOS, CONJECTURAS E REFUTAÇÕES

Book · June 2020

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1 author:

Marcos Cesar Danhoni Neves


Universidade Estadual de Maringá
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ISBN: 978-85-7628-331-7
ASTRONOMIA E
COSMOLOGIA: FATOS,
CONJECTURAS E
REFUTAÇÕES

1
MARCOS CESAR
DANHONI NEVES
(Org.)

2
INTRODUÇÃO
A ideia desta obra é a de apresentar textos rápidos e que independam entre si
sobre astronomia e cosmologia, desde uma perspectiva não-usual. Fatos, conjecturas e
refutações se irmanam numa história não-linear, cheia de percalços e que construiu
uma visão de mundo que perdura desde a revolução copernicana de 1543.
O livro reúne trabalhos que foram apresentados em inúmeros eventos
nacionais e internacionais e/ou publicados em revistas científicas e derivados sempre
de atividades que envolviam práticas observacionais e reconstrução de instrumentos
de medida históricos. Há também artigos de epistemologia que envolvem a natureza
da ciência (os três últimos especialmente; incluindo um necessário trabalho sobre a
monumental síntese aristotélica), que foram apresentados em eventos na Itália
(Nápoles e Roma) e que recuperam o subtítulo ‘Conjecturas e refutações’, palavras-
chave para a compreensão da natureza e do progresso da ciência.
Quero agradecer aos coautores de muitos dos capítulos reproduzidos aqui.
Agradeço especialmente ao Warburg Institute da University of London, pelo acesso à
sua fantástica biblioteca; ao Observatório Capodimonte (Nápoles, Itália), por ter
publicado um dos capítulos durante um de seus eventos anuais; à Minnesota
University, pela cessão do trabalho sobre o ‘método da reprodução dos triângulos na
elipse’, apresentado por um dos autores durante o International Congress on History
and Teaching of Science; ao Dipartimento di Fisica da Università La Sapienza di
Roma; ao Istituto e Museo di Storia della Scienza, de Florença (Itália) e à
Pedagogical University of St. Petersburg (Russia) pelos vários textos editados.
Agradeço especialmente aos editores e revisores das revistas Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, Revista Brasileira de Ensino de Física, Revista
Latino-Americana de Ensino de Astronomia, Revista Electrónica de Enseñanza de las
Ciencias, Apeiron Journal, Rivista Italiana di Didattica delle Scienze, Revista
Unifamma, Cadernos da Apadec, por terem publicado os trabalhos aqui reunidos.

3
Agradeço também aos editores: Roy Keys, do Canadá; Marco Mamone
Capria, da Itália e Cibelle Nascimento, do Brasil, por terem publicado três dos
capítulos aqui reunidos como trabalhos em anais de eventos internacionais.
Agradecimentos também devem necessariamente ser feitos às seguintes casas
editoriais por publicarem trabalhos anteriores que serviram de base para a presente
obra: Mercado-de-Letras, Editus, Papirus, Eduem e Livraria da Física.
Agradeço, enfim, aos amigos e familiares por terem compreendido tantas
horas preciosas ausentes e tantos poucos momentos profundamente compartilhados.

4
ASTRONOMIA DO FAZER: ALGUNS INSTRUMENTOS
ÚTEIS PARA A COMPREENSÃO DOS FENÔMENOS DO
CÉU E DA HISTÓRIA DA ASTRONOMIA
Marcos Cesar Danhoni Neves

INTRODUÇÃO

Na História da Astronomia, a observação dos movimentos celestes e a


utilização dos dados obtidos como marcadores de tempo foi sempre uma questão
lapidar. Dos relógios solares, variando dos gnomons (varas espetadas no chão),
relógios equatoriais, horizontais e verticais, aos modelos de relógios estelares ou
noturnos, o homem da mais remota Antiguidade observava o céu com um sentido
prático.
Obviamente, esse sentido se perdeu na modernidade, e a educação científica não
foi capaz de resgatá-lo. O currículo do Estado do Paraná resolveu introduzir no
Ensino Fundamental, como um dos eixos do ensino de Ciências, a Astronomia. No
entanto, como sempre acontece em mudanças e/ou reformas escolares, a ‘boa
intenção’ colapsou na falta de planejamento para recapacitar docentes e integrar a
mudança com melhorias no ensino de graduação de diferentes cursos, especialmente
Biologia, Geografia, Física, Matemática e Licenciatura em Ciências. A esmagadora
maioria desses cursos não conhecem, em seus currículos, a ciência da Astronomia.
Quando isso acontece, o tratamento é, invariavelmente, ligeiro, pseudo-informativo,
memorístico, desonesto, posto que realizado sempre desde um referencial pós-
heliocêntrico, a-priorístico (negligenciando a História da Ciência) e, portanto,
dogmático.

5
Toda ciência é compreendida e construída pelo aluno quando ela encerra dentro
de si um caráter prático. Mesmo os mais áridos campos do saber nasceram graças a
um caráter prático motivador. Não existe ciência fora de contexto ou ‘ciência etérea’.
Sendo, assim, este não é, ou não deveria ser, o caso da Astronomia, mas é exatamente
assim que ela é apresentada e ‘ensinada’ nas escolas (o verbo ‘ensinar’ encontra-se
aqui entre aspas porque ele, no atual contexto pedagógico, não indexa possibilidades
de compreensão, alijando o sujeito conhecedor de sua potencialidade em construir a
ciência).
Trataremos aqui de alguns aspectos da fenomenologia cotidiana do movimento
de certos astros, especialmente o Sol, a Lua e as estrelas. Discorreremos sobre a
regularidade de seus movimentos e de como essa regularidade pode nos conduzir à
elaboração e confecção de instrumentos de marcação de tempo (relógios
astronômicos). Para tanto, o trabalho discorrerá sobre a construção de relógios (ou
marcadores) solar, lunar e estelar, fornecendo, assim, instrumental para ser utilizado
tanto de dia quanto de noite, e de potencial pedagógico poderoso na Escola. Este
último comentário [a de que os marcadores poderão ser utilizados tanto de dia quanto
de noite] se dá porque, no senso comum, parece haver consenso de que o único astro
que pode nos indicar as horas é o Sol. Nada mais equivocado! Mas sobre isso,
veremos a seguir.

CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS

O RELÓGIO SOLAR

Para se construir um marcador de horas pelo Sol, ou melhor dizendo, pela


sombra projetada de uma haste sobre um marcador dividido nas horas do dia,
devemos trabalhar com diversos conceitos e sentidos de orientação espacial, sem os

6
quais são impossíveis não somente a construção do dito instrumento como também
sua utilização prática.
O Sol nasce e se põe em diferentes posições do horizonte, nascente e poente,
respectivamente, ao longo do ano, caracterizando aquilo que definimos como estações
do ano: outono, inverno, primavera e verão.
As estações, hoje sabemos, devem-se à inclinação do eixo terrestre com respeito
ao seu plano orbital (ao redor do Sol). Isso pode ser facilmente demonstrado,
tomando-se uma bola de isopor (ou qualquer material) e fazendo-a girar ao redor de
uma lâmpada acesa. Perfurando a bola com um palito (atravessando-a), vemos que se
aquela não estiver inclinada, a incidência da luz será igual e uniforme ao longo de
todo o ano (giro - translação). No entanto, quando inclinamos ligeiramente (ou cerca
de 23°) a bola, vemos que a situação muda drasticamente, com diferentes incidências
de luz ao longo do giro. Podemos notar, inclusive, que, em certa posição, um ou outro
polo da bola não recebe nenhuma incidência de luz, configurando nos invernos
polares, como conhecemos por relatos.
Porém, a discussão acima se trata de uma abstração, pois não temos acesso a
uma observação que se realize acima do plano do sistema solar para se divisar essa
situação dinâmica. O que temos a fazer, pois, é descrever a fenomenologia do
‘movimento’ anual do Sol, especialmente sua posição nos horizontes leste e oeste (ao
falar em ‘horizontes leste e oeste’ não estamos querendo dizer ‘pontos cardeais leste e
oeste’ - é importante citar este fato, pois um dos erros frequentes no ensino de
Astronomia é a afirmação de que ‘o Sol nasce sempre a leste e se põe sempre a
oeste’). A figura 1 mostra como um observador veria as diferentes trajetórias do Sol
ao redor da Terra (adotando-se um referencial geocêntrico - Terra fixa no espaço) nas
diferentes estações do ano. Essas trajetórias são aquelas para um observador
localizado próximo ao Trópico de Capricórnio (para situações ‘extremas’, observador
ou no equador – figura 2 - ou nos polos – figura 3 -, a situação seria completamente
diferente).

7
Assim, vê-se que no inverno (início ≈ 21/06), com uma trajetória bastante
inclinada, a duração do dia claro (ver o arco da trajetória do Sol acima do horizonte) é
inferior àquela da noite (arco noturno - abaixo do horizonte). Nos dias de outono e
primavera (respectivamente, 21/03 e 23/09), os arcos diurnos e noturnos são idênticos
(nos dias de início dessas duas estações) e, portanto, dia e noite são iguais, ou seja, o
Sol passa 12 h acima do horizonte e 12 h abaixo dele. No verão (≈ 21/12), temos uma
situação oposta àquela do inverno, com o arco diurno maior que o noturno, ou, o que
é a mesma coisa, com o dia claro maior que a noite.
Pela Figura 1, percebe-se que, quando o Sol se desloca do outono para o
inverno, há, após o início do inverno, uma ‘retomada’ do movimento para leste.
Assim, o Sol, que vinha se distanciando do ponto cardeal leste (no início do outono),

8
pareceu, num dia (21/06), ‘estacionar’ e inverter sua posição novamente. Esse
‘estacionar’ remete à palavra latina sol statio, que originará a palavra ‘solstício’.
Portanto, as datas de início de inverno e de seu oposto, o verão, são denominadas de
datas de ‘solstício de inverno e solstício de verão’, respectivamente. As datas de
início de outono e primavera são conhecidas como datas de ‘equinócios’, pois dia e
noite têm duração idêntica e o Sol, nesses dias, percorre o equador celeste, que divide
a abóbada celeste em dois Hemisférios, Sul e Norte.
Um marcador solar pode se constituir numa simples vareta fincada no chão,
como já faziam os índios de Bornéu (ver figura 4). Esse marcador, conhecido pelo
estranho nome de gnomon (palavra que se origina da matemática e que tem a ver com
o cateto de um triângulo) não diz nada a respeito das horas do dia, mas é um
‘instrumento’ valioso para se determinar, com precisão, as coordenadas geográficas
locais. A Figura 5 mostra os padrões de sombras (uma vez que façamos unir todos as
pontas de sombra de um obelisco, por exemplo) para as quatro estações. Vê-se, pela
figura citada, que a linha das sombras nos equinócios (G-H, pela Figura 5) é uma
linha reta, enquanto as linhas de solstícios (E-F – solstício de inverno - e C-D –
solstício de verão) se dispõem simetricamente ao redor daquela última, formando
duas linhas hiperbólicas. Assim, temos um marcador sazonal (de estações) válido para
qualquer época do ano. Se tomássemos medidas dos comprimentos das sombras ao
longo do dia em intervalos pré-estabelecidos, de, por exemplo, meia em meia hora,
poderíamos encontrar a diferença que existe entre o meio-dia local (quando o Sol
cruza o meridiano central, ou, o que é o mesmo, a parte onde a abóbada celeste acima
de nós se divide em duas – nesse momento, a sombra do obelisco apresenta seu
tamanho mais curto) e o meio-dia do relógio (que estamos utilizando para registrar as
medidas do tamanho, ou, melhor dizendo, da ponta das sombras).

9
10
Em uma cidade do sul do país, a diferença entre o meio dia solar (local) e
aquele do relógio (hora oficial do país) é da ordem de 28 min ou, o que é o mesmo, 7º
(já que 24 h correspondem a 360º - assim, 1 h ou 60 min equivale a 15o). Como
sabemos que a hora oficial (de Brasília) começa na longitude 45º (ver Figura 6 –
mapa-mundi com os diversos fusos horários), então, este valor, somado àqueles 7º,
fornecerão como longitude local (da cidade em questão), 52º.
Além de funcionar como ‘relógio’ sazonal e marcador da longitude local, o
gnomon pode fornecer ainda a ‘declinação magnética local’. Quando lemos a direção
Norte-Sul de uma bússola, devemos estar atentos ao fato de que esta direção não
coincide com as do Norte-Sul geográficos. Existe um pequeno ângulo entre as
direções Norte-Sul magnética e Norte-Sul geográfica. Esse ângulo é aquilo que se
convencionou chamar de declinação magnética local. Esse é um assunto complicado
no sentido de que a declinação sofre uma variação temporal e ninguém ainda sabe ao
certo o porquê desse fenômeno (ver linhas magnéticas na figura 7). Os polos Norte ou
Sul geográficos distam daquele magnético em cerca de 1.900 quilômetros (RONAN,
1982).

11
Conhecendo agora os conceitos de hora local, hora oficial, longitude, estações
do ano, movimento anual do Sol, falta-nos aquele da ‘latitude’. Esta é a mais simples
das definições: trata-se do ângulo com que um observador na Terra vê o centro de
rotação das ‘estrelas fixas’. Hoje sabemos que nem as estrelas são fixas e nem estas
giram ao redor da Terra. No entanto, devemos lembrar que estamos adotando o
referencial geocêntrico: Terra imóvel no centro do Universo, com todos os demais
corpos girando ao redor dela.
Para nós, habitantes do Hemisfério Sul, esse é um procedimento bastante
simples, pois o centro de rotação (ou polo elevado Sul) está próximo a uma
constelação bastante conhecida: a do Cruzeiro do Sul. Para encontrarmos o polo
elevado, basta que projetemos quatro vezes e meia o ‘braço maior’ ou ‘poste’ da Cruz
(Figura 8). A projeção terminará num ponto onde se localiza o eixo imaginário que
corta a Terra de um polo a outro (ver Figura 9). Para encontrarmos, pois, o ângulo da
latitude local, basta tomarmos um transferidor e adicionar a ele um fio de prumo (ou
um pedra amarrada a um barbante – Figura 10). Ao inclinar o transferidor para
encontrar o polo elevado Sul, teremos o ângulo da latitude local. Para Maringá e
região, este ângulo é de cerca de 23,5º Sul.

12
Estes são os ‘ingredientes’ para a construção de qualquer marcador de tempo
baseado seja no movimento do Sol, da Lua ou das estrelas. Para a construção de um
relógio de Sol, poderíamos discutir aqui inúmeras formas e escalas para as horas. A
Figura 11(a,b,c,d,e,f) mostra diversos tipos de relógios possíveis e que foram
utilizados durante a longa história da ciência e da técnica: (a) o de anel (com a escala
das horas na parte interna - a hora é marcada pelo raio de Sol que penetra por um
orifício, ao alto, disposto na parte oposta da escala); (b) o horizontal (ou relógio de
praça); (c) o vertical (ou relógio de parede); (d) o inclinante ou equatorial; (e) o
cilíndrico (ou relógio dos pastores); (f) o egípcio (que pertenceu ao faraó Tutmós), em

13
forma de uma espécie de ‘T’; (g) o inclinante esférico auto-orientado (é um relógio
cujo eixo consiste de uma agulha magnetizada que se orienta com o campo magnético
terrestre; a auto-orientação se dá porque a esfera, em cujo interior está a escala das
horas, repousa sobre uma espécie de pote d’água). Os exemplos poderiam continuar
ao ‘infinito’, mas pararemos por aqui, pois o relógio, cujo princípio explicaremos, o
‘equatorial’ ou ‘inclinante’, é o mais simples de se construir, envolvendo, além de
uma geometria bastante simples, grande parte dos conceitos discutidos aqui.

14
O relógio equatorial é um marcador solar que reproduz elementos da esfera
celeste. Ele possui um eixo orientado no sentido Sul-Norte (a parte superior indica o
polo sul elevado), inclinado no ângulo da latitude local (numa determinada cidade da
região Sul, cerca de 23,5oS). Perpendicularmente a esse eixo (que representa o próprio
eixo terrestre) está disposto o marcador com semicírculos desenhados na sua frente e
às suas costas. Esses semicírculos estão divididos de 15 em 15 graus, já que 1 h

15
corresponde a 15o. O mostrador da frente, ou mostrador austral, indicará as horas
(pela sombra do eixo) durante as estações da primavera e do verão (quando o Sol se
encontra posicionado na parte do Hemisfério Sul celeste). O mostrador traseiro, ou
‘mostrador boreal’, será usado para se ler as horas durante as estações de
outono/inverno. O relógio deve ser posicionado exatamente na direção Sul-Norte e
com o ângulo correto de latitude local. A Figura 12 apresenta os mostradores e a
forma de como orientar o relógio.

A Figura 13 mostra um gráfico, conhecido como ‘equação do tempo’. É um


‘corretor’ das horas lidas. Como o relógio é construído baseado num modelo de Sol
que se ‘desloca’ à velocidade constante no céu (sempre pensando no modelo
geocêntrico [...]), o ‘Sol real’ ‘desloca-se’ de forma diferente ao longo do ano graças à
elipticidade (pequena) da órbita do planeta (devido a esse fato, as estações não duram
exatos três meses cada uma!). O gráfico da equação do tempo corrige o valor lido no

16
relógio (pela sombra do eixo no mostrador), adiantando ou atrasando de acordo com
os meses do ano.

Poderíamos perguntar o que aconteceria se não tivéssemos em mãos uma


bússola para conhecer a direção Sul-Norte para orientar o relógio solar. Essa pergunta
poderia ser respondida de duas formas: (a) ou você, na noite anterior, localiza o polo
sul elevado e, portanto, o Sul geográfico; (b) ou você usa seu relógio para encontrar as
coordenadas geográficas locais. Em relação ao item (a) já sabemos como encontrar a
orientação desejada. O item (b) refere-se a uma forma rápida de se encontrar as
coordenadas geográficas em plena luz do dia, sem a dependência de observação
noturna anterior. Para localizarmos a direção Sul-Norte usando o relógio, basta
usarmos um relógio de pulso (destes com ponteiros – relógios digitais não podem ser
usados). O ‘12’ do relógio deve estar voltado para o Sol (ver Figura 14). Quando isso
é feito, mantemos o relógio nessa posição e observamos onde se encontra o ponteiro

17
da hora. Entre o ‘12’ (que indica a posição do Sol) e a hora existirá um ângulo.
Aponte os dois braços para essas duas direções diferentes. O arco metade, ou seja, a
mediatriz desse ângulo, fornecerá o Norte geográfico. Se sabemos onde está o Norte,
sabemos onde estão, por consequência, o Sul, Leste e Oeste. Esse método vale para
qualquer hora do dia e só falha em dia de chuva!

O relógio equatorial, como dissemos, é o mais simples dos relógios solares. A


referência Ronan (1982) mostra como outros relógios (de bolso, vertical, horizontal)
podem ser construídos. No entanto, a função deles é sempre a mesma: a guardiã das
horas do dia. Tentem construir um relógio inclinante em casa, usando como modelos
os mostradores que estão ilustrados na Figura 12. Para tanto, basta fotocopiarem os
mostradores, ampliando-os. Vocês disporão em pouco tempo de um dos mais antigos
marcadores de tempo criado pelo espírito observador do ser humano.

18
O RELÓGIO NOTURNO ou ESTELAR

O relógio noturno é, talvez, o mais simples dos marcadores de tempo que


envolve observações das regularidades dos fenômenos celestes. Baseia-se na
observação da ‘rotação’ das estrelas ao redor de nosso horizonte geocêntrico. É usado
há mais de 500 anos e foi desenvolvido pelos árabes (ver Figura 15).

19
Quando batemos uma fotografia de longa exposição do céu noturno estrelado
(deixando o diafragma da câmara fotográfica aberto por um certo tempo – como as
fotografias de cartões postais noturnos, onde se veem, sobre uma avenida
movimentada, fachos contínuos de luzes vermelhas e amarelas, respectivamente, os
faróis traseiros de dianteiros dos carros que se deslocam em ambos os sentidos da
referida avenida), apontando a câmara fotográfica para a direção do polo sul elevado
(onde se encontra ‘cravado’ o eixo polar de ‘rotação’ do céu), o resultado que
obtemos é aquele mostrado na Figura 16. É como se pintássemos, no interior de um
guarda-chuva (Figura 17), pontinhos brancos, representando estrelas, e fizéssemos
girar o conjunto. O efeito é aquele da rotação no sentido Leste-Oeste das estrelas. Na
fotografia da Figura 16 vemos que há um ponto central, o próprio polo elevado sul,
que, como centro da rotação, permanece fixo. Nesse ponto, no Hemisfério Norte está
posicionada a estrela Polaris, ou Polar. Infelizmente, para nós, do Hemisfério Sul,
não temos uma estrela Polar Sul visível. Assim, para encontrar esse ponto, basta
repetirmos o procedimento já descrito de se prolongar quatro vezes e meia o braço
maior (ou poste) da constelação do Cruzeiro do Sul (ver Figura 8).

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Como as estrelas giram regularmente ao redor de uma Terra aparentemente fixa,
podemos usá-las como referenciais para a construção de um marcador de tempo. Os
egípcios já sabiam, desde a mais remota Antiguidade, que as estrelas giravam de Leste
a Oeste no período de 23h56m (período sideral). Eles marcavam certos eventos
observando o ‘nascer helíaco’ da estrela Sotis (Sírius – a estrela mais brilhante do céu
– aquela em que as ‘Três Marias’ sempre apontam). Esse fenômeno pode ser descrito
da seguinte maneira: sabemos que todo mês se muda a configuração do céu, ou seja,
existem constelações características que marcam os meses do ano (os signos do
Zodíaco se constituem no aspecto mais visível desse ‘fenômeno’). Isso se dá porque o
Sol se ‘desloca’ entre as estrelas, ‘atrasando-se’ em relação a elas cerca de 4 min (ou,
o que é equivalente, cerca de um grau) por dia. Portanto, o nascer helíaco da estrela
Sírius era quando, num amanhecer, segundos antes de o Sol nascer, aquela estrela não
era observada, mas, no dia seguinte sim, pois o Sol (hoje sabemos, pelo movimento
de translação terrestre – cerca de um grau por dia, ou 4 min - associado àquele de
rotação, de 23h56m) atrasara-se, em relação a ela, cerca de 4 min (dia solar de 24 h).
De posse dessas informações, podemos passar então à construção do marcador
de horas a partir do ‘movimento’ das estrelas. A Figura 18 mostra o relógio e a Figura
19 mostra suas partes constituintes. Trata-se de um círculo onde, concentricamente,

21
estão localizados (de fora para dentro) os círculos: das horas do dia (de 1 a 24 h –
dispostos no sentido horário); dos dias dos meses (dispostos em intervalos de sete
dias e no sentido anti-horário); e, finalmente, o dos meses (de janeiro a dezembro,
dispostos também em sentido anti-horário).

O uso deste relógio é muito simples, desde que o orientemos corretamente. A


Figura 18 mostra como ele é utilizado: o observador deve apontar, segurando, com o
braço estendido, o mostrador pela sua haste, apontando o centro do relógio para o
polo elevado sul (em Maringá, fazendo um ângulo de 23,5º). A data (dia e mês) em
que se faz a leitura deve ser localizada sobre a flecha desenhada na haste do
mostrador. O ponteiro (em forma de uma mão com o dedo indicador apontado), deve
ser, então, direcionado para onde está a constelação do Cruzeiro do Sul (mantendo o
relógio sempre fixo, com seu centro apontando para o polo elevado sul). Assim, a
hora é lida na parte superior do ponteiro (braço) do relógio que toca no círculo mais
externo, qual seja, o das horas.

22
Como no relógio de Sol, o mostrador e o ponteiro do relógio estelar podem ser
fotocopiados e ampliados. A montagem pode ser feita sobre uma haste de madeira,
com o conjunto (mostrador circular + ponteiro) fixados por um alfinete de cabeça. Em
determinadas épocas do ano, o Cruzeiro da Sul aparece no céu em tarda madrugada, o
que nos faz perder o referencial de leitura. No entanto, isso pode ser remediado
porque, quase diametralmente oposta à constelação do Cruzeiro, existe uma estrela de
brilho intenso, Achenar, que pode ser utilizada como marcadora (aqui, devemos
lembrar que o ponteiro não deve estar apontado para esta estrela – devemos imaginar
o braço do ponteiro como se projetando, ao longo de seu comprimento, até atingir a
referida estrela). Esse método garante o uso, durante todo o ano, desse útil marcador
das horas noturnas.

‘RELÓGIO’ ou MARCADOR LUNAR

O ‘relógio’ lunar, talvez o mais impreciso dos relógios que descrevemos aqui, é
construído baseado sobre a observação de uma lunação completa, ou seja, de um ciclo
que vai de uma Lua Nova a uma Lua Nova.

23
Sabe-se que a lunação dura 27,33 dias com respeito às estrelas ‘fixas’, porém,
durante aquele tempo, o sistema Terra-Lua moveu-se de 1/12 pelo movimento anual
ao redor do Sol. Portanto, o período total da lunação é de cerca de um mês, ou, mais
precisamente, 29,5 dias (período sinódico – intervalo entre duas conjunções
sucessivas, ou seja, de uma Lua Nova a uma Lua Nova).
A Figura 20 (a,b,c,d) mostra o ciclo completo da lunação. A Figura (a) mostra
as posições do Sol e da Lua na, assim chamada, fase de ‘Lua Nova’. O desenho
menor, no canto superior direito, mostra como a Lua seria observada no céu nas
primeiras horas da manhã, no horizonte leste. Assim, para efeito de construção de um
‘relógio’ baseado no movimento lunar, admitiremos, usando uma aproximação
relativamente grosseira, que, na Lua Nova, Sol e Lua nascem juntos (não com a Lua
diante do Sol; senão, teríamos um eclipse a cada manhã de Lua Nova!) às 06h00m
(esta é uma aproximação, pois sabemos que, nas diferentes estações, o Sol nasce mais
cedo – verão – ou mais tarde – inverno – que o ‘horário cheio’ de 06h00m).

24
Depois de cerca de sete ou oito dias da Lua Nova, Figura (b), temos a
ocorrência da Lua Crescente (ou Quarto Crescente). O Sol está bem alto no céu (não a
‘pino’, pois este fenômeno só ocorre uma vez ao ano para quem se encontra sob os
Trópicos – como Maringá e vizinhanças), às 12h00m. Isso quer dizer que quando é
meio-dia, a Lua Crescente nasce no horizonte leste (e não exatamente no ponto
cardeal leste!), com a forma de um grande ‘C’ (para quem está no Hemisfério Norte, a
Lua Crescente tem a forma de um ‘D’).
Após 15 dias da Lua Nova, temos a ocorrência da ‘Lua Cheia’, quando o Sol se
põe no horizonte oeste, cerca de 18h00m. Nesse momento, a Lua aparece numa
posição diametralmente oposta, no horizonte leste, nascendo com seu disco
completamente iluminado, como mostra a Figura (c).
Passados cerca de 23 dias da Lua Nova, temos sua fase decrescente ou ‘Quarto
Minguante’, quando a Lua nasce no horizonte leste com a forma de um grande ‘D’
(no Hemisfério Norte, com a forma de um grande ‘C’). Nessa fase, a Lua nasce às
24h00m.
Portanto, conhecendo esses dados, em primeira aproximação, dispomos dos
elementos para, nessa regularidade de movimento, construir um marcador de tempo
baseado na rotação da Lua. Vamos chamar os quase 30 dias (e aqui iremos utilizar 30
dias exatos, como valor inteiro aproximado) de lunação, quando a Lua apresenta 30
fases (e não só as quatro mais conhecidas – Nova, Crescente, Cheia e Minguante), de
‘Idades’. Isso quer dizer que atribuiremos à Lua Nova a idade ‘zero’. A primeira Lua
após a ocorrência da Lua Nova terá idade igual a um, e assim por diante. Para as fases
de Crescente, Cheia e Minguante, teremos as idades de oito, 15 e 23, respectivamente.
O mostrador que construímos, baseado nos eventos descritos acima, encontra-se
ilustrado na Figura 21 e sua montagem, na Figura 22. Desenhamos sobre um grande
círculo (Figura 21c), 30 círculos menores, cada um representando as diferentes e
sucessivas fases da Lua. Para critério de divisão e de aproximação ao fenômeno,
desenhamos partes claras (iluminadas) e escuras (não-iluminadas) para distinguir uma

25
fase da outra. Assim, como exemplo, a Lua Nova é um círculo totalmente escuro,
enquanto o seu oposto, o círculo da Lua Cheia, é totalmente claro. Abaixo de cada
Lua, na Figura 21c estão escritos números, cada um correspondendo a uma idade da
Lua, contada sempre a partir da Lua Nova (Idade = 0). Essas Luas estão dispostas em
uma divisão angular de 12o em relação à Lua precedente. Isso porque, se a lunação
dura cerca de 30 dias, então 360o de um círculo completo dividido por 30 fornecem
como resultado o valor de 12o/dia. Esse é um fenômeno bastante interessante de ser
observado: ver o ‘atraso’ de 12o diário da Lua em relação às estrelas. Basta, para
tanto, observarmos a Lua e uma estrela próxima num determinado momento da noite.
Na noite seguinte, basta efetuarmos nova observação para verificarmos que a Lua,
com o auxílio de um transferidor ligado a um fio de prumo, atrasou-se em cerca de
12o, ou, o que é equivalente, em de cerca de 48-50 min.
Na parte externa do círculo que contém as diversas fases da Lua, estão dispostos
outros números, que correspondem às horas do dia (24 h). Esses intervalos estão
separados angularmente de 15o, uma vez que este é o resultado de 360o divididos
pelas 24 h do dia. À Lua Nova é indexada a hora 12, e à sua oposta, a Lua Cheia, a
hora 24.
Depois de construído esse mostrador, podemos recortar um círculo menor
(Figura 21b), para servir de ‘máscara’, ou seja, para mostrar somente uma Lua por
vez. O círculo foi decorado com um dragão de várias cabeças, retirado de um antigo
instrumento astronômico árabe.
Por fim, construímos um novo disco, que aqui batizaremos de ‘disco do
horizonte’ (Figura 21a), o mais externo, e que corresponde ao horizonte como o
vemos. Ele está decorado com um motivo que foi retirado de uma tapeçaria muito
antiga (que descrevia a chegada de um cometa). O horizonte deve ser recortado na
parte tracejada para que possamos ver a Lua que desejamos, localizada pela máscara
do disco intermediário.

26
A montagem do conjunto pode ser vista na Figura 22. Para ser usado, devemos
entrar com certos dados, especialmente a idade da Lua (não o dia do mês, como
muitos confundem!) e sua posição no horizonte. Assim, se entrarmos com uma idade
de, p.ex., 12 (no furo que deve ser recortado na cabeça do dragão do disco
intermediário), posicionando a Lua respectiva no círculo recortado (em tracejado na
Figura 21), leremos, no furo superior do disco mais externo, as horas respectivas que
a Lua estará no céu em diferentes momentos de seu movimento acima do horizonte.
Se posicionarmos a Lua de idade 12 no horizonte leste (notar no círculo mais externo
que, direcionando o centro do mostrador para o Norte geográfico, encontramos à
direita o ponto Leste (L), e, à esquerda, o ponto Oeste (O)), encontraremos como hora
do nascer da Lua o valor compreendido entre 15h30m e 16h00. Se deslocarmos a Lua
em 90o, ou seja, levando a Lua para a parte mais alta do céu (meridiano central),
veremos que isso ocorre por volta das 21h00 e 21h30m. Deslocando mais 90o, ou
seja, levando a Lua para o seu ocaso, leremos no orifício das horas os valores:
03h00m a 03h30m.

27
A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Os instrumentos aqui descritos foram utilizados durante centenas de anos por


anônimos seres humanos em sua busca da localização espaço-temporal. Serviu a
navegantes, nômades, astrônomos e gente comum. Hoje, os relógios eclipsaram
aquele saber legítimo e exilaram os fenômenos do céu da compreensão humana.

28
Currículos idealizados e realidades sombrias povoam o cotidiano escolar. A
Astronomia é tida hoje como uma ciência da contemplação, do devaneio, quase do
descartável. No entanto, a título de exemplo trágico, devemos lembrar que, há cerca
de dez anos, um grave acidente aéreo matou mais de uma dezena de pessoas na selva
amazônica. Se o piloto do avião da VARIG, o Comandante Garcez, que havia
digitado um código errado no computador de bordo (o que acabou orientando o avião
para uma rota distante – em plena selva amazônica – daquela pretendida), soubesse
um mínimo de orientação astronômica (usando o Sol, as estrelas e mesmo os planetas,
como referenciais), a tragédia jamais teria ocorrido.
Falta educação integradora, multidisciplinar nas escolas! Porém, sobram
currículos desconectados da realidade. Nossas Universidades, como já dissemos na
‘Introdução’, que ‘formam’ biólogos, físicos, geógrafos, matemáticos e professores de
ciências, desconhecem a Astronomia em suas grades curriculares. As Secretarias de
Educação e Núcleos Regionais de Educação desconhecem programas de
recapacitação e, todos, professores e alunos, acabam compartilhando da mesma
cegueira coletiva: a do exílio da compreensão. Isso ocorre para a Astronomia, para as
ciências em geral e para o conhecimento como um todo. Falamos tanto em
‘construtivismo’, mas acabamos encarando-o, infelizmente, como mais um
‘modismo’ de época, esquecendo seu real e poderoso valor pedagógico na elaboração
criativa do pensamento científico.
Nas escolas, a Astronomia de posição e sua rica história, portanto, são
irremediavelmente ‘esquecidas’ ou evitadas. Passa-se de uma ilustração pobre do
geocentrismo ptolomaico para uma Astronomia heliocêntrica e física mal ensinada.
Há somente informação – vazia ou repleta de teores paupérrimos.
O que o presente artigo procurou ilustrar foi uma Astronomia instrumental, que
possui sua validade no cotidiano e que urge ser resgatada na Escola Fundamental. A
densidade dos temas aqui tratados poderá, num momento futuro, ser explorada com
temas correlatos. Por ora, para a compreensão efetiva do que aqui foi abordado,

29
devemos observar o céu, reconhecer seus referenciais e, especialmente, suas
regularidades. Assim, estaremos aptos a entrar no reino do espaço e do tempo e da
contemplação-compreensiva dos fenômenos e das maravilhas do céu diurno e
noturno.

REFERÊNCIAS

ALBERTO, E. J. Nuevo manual de la Unesco para la enseñanza de las ciencias.


Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1997.

ARGÜELLO, C. A.; DANHONI NEVES, M. C. Determinação didática da duração


do dia sideral pela observação das estrelas α e β do Centauro. Revista Brasileira de
Ensino de Física,
v. 1, n. 9, p. 3-13, 1987.

BOCKZCO, R. Conceitos de astronomia. São Paulo: Edgard Blucher, 1984.

BRUTON, E. The history of clocks abd watches. New York: Crescent Books, 1989.

CANTÚ, M. C.; BONELLI, M. L. R. Gli strumenti antichi al Museo di Storia della


Scienza di Firenze. Firenze: Arnaud, 1980.

DANHONI NEVES, M. C.; ARGUELLO, C. A. Astronomia de régua e compasso:


de Kepler a Ptolomeu. Campinas: Papirus, 1986.

DANHONI NEVES, M. C.; GALLERANI, L. G. Reflexões sobre o ensino de


ciências: uma experiência no 1o. grau. Campinas: Palavra Muda, 1988.

DANHONI NEVES, M. C.; GARDESANI, L. G. O Mago que veio do Céu.


Maringá: Eduem, 1998.

DANHONI NEVES, M. C. Memórias do invisível: uma reflexão sobre a história


no ensino de física e a ética da ciência. Maringá: LCV, 1999.

MELLA, F. A. La misura del tempo nel tempo. Milano: Ulrico Hoepli, 1990.

30
ROMANO, G. Introduzione all’astronomia. Padova: Franco Muzzio Editore, 1993.
RONAN, C. Los amantes de la astronomia. Barcelona: Blume, 1982.

RONAN, C. História ilustrada da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

SAGAN, C. Cosmos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

31
A LONGITUDE REVISITADA

Marcos Cesar Danhoni Neves

Introdução histórica

No capítulo anterior ‘Astronomia do fazer’, foi discutida a questão do ‘tempo’


a partir do referencial geocêntrico e da construção de instrumentos (relógio solar
equatorial, relógio noturno e mostrador lunar). O conceito básico em todos esses
instrumentos era o de ‘latitude’, definido em geografia como os ‘paralelos’ que
envolvem o globo terrestre como cintos, em anéis concêntricos que vão do Equador
aos polos, variando de 0° a 90° nas direções Sul (Hemisfério Sul) e Norte
(Hemisfério Norte) [ver Figura 1].
Enquanto a ‘latitude’ é uma coordenada relativamente fácil de ser encontrada
(basta um transferidor ligado a um fio de prumo – ver NEVES, 1999b), a coordenada
‘longitude’ (linhas meridianas que vão de polo a polo) foi uma das conquistas mais
árduas da história do conhecimento humano. Sobel afirma:
[...] a verdadeira diferença entre a latitude e a longitude, além da
diferença superficial existente na direção das linhas que qualquer
criança pode ver, [é o de que] o paralelo de zero grau de latitude é
fixado pelas leis da natureza [equador], enquanto o meridiano de
zero grau de longitude se modifica com as areias do tempo. Essa
diferença faz com que achar a latitude seja brinquedo de criança e
torna a determinação da longitude, especialmente no mar, um
dilema de adulto – algo que desafiou as mentes mais brilhantes do
mundo durante uma boa parte da história da humanidade (1997, p.
13).

1
(a) (b)

Figura 1: Elementos geográficos

Para se ter uma ideia do que foi a dificuldade em se estabelecer o meridiano


zero, durante a História, ele ‘passou’ pelas Ilhas Canárias e da Madeira, dos Açores e
do Cabo Verde, por Roma, Copenhagen, Jerusalém, São Petersburgo, Pisa, Paris e
Filadélfia, entre outros centros, até se fixar em Londres (meridiano de Greenwich).
A Terra, em sua rotação de 24 h ao redor do próprio eixo, perfazendo,
1
portanto, 360°, determina que cada hora equivalha a da rotação, ou seja,
24
(360°/24h), o que dá, para cada hora, 15 graus.
Na época das grandes navegações, os feitos de um Vasco da Gama, Balboa,
Fernão de Magalhães, Francis Drake, Cabral, Colombo eram determinados mais pelo
destino e a boa sorte que pela arte de se navegar com precisão. Fragilidade das

2
embarcações, calmarias e, principalmente, tempestades levaram hordas e hordas de
navegadores para o fim trágico no mar imenso.
Para dar um exemplo, Colombo navegou, em sua célebre viagem de 1492,
seguindo uma linha reta ao longo do mesmo paralelo. Não quis se arriscar navegando
por entre os paralelos, pois as distâncias entre os meridianos, ou seja, nos intervalos
em longitude, variam e em muito, indo de aproximadamente 126 Km para cada grau
no equador terrestre e literalmente nada nos polos.
O problema da longitude foi resolvido após longa e árdua jornada científica e
técnica pela invenção de um método ou mecanismo que permitisse ao navegador
reajustar o tempo a bordo ao meio-dia local, consultando-o e comparando-o com o
tempo no porto de partida.
Christiaan Huygens inventou um relógio a pêndulo, bastante preciso, que
poderia ser levado a bordo para a comparação da hora local com a hora do porto de
partida. No entanto, o balanço do mar inviabilizava o isocronismo do pêndulo do
relógio, ‘destruindo-o’ como instrumento de medida.
Galileo Galilei idealizou um método a partir da observação (com o telescópio
que ele havia há pouco aperfeiçoado) dos períodos das órbitas dos quatro maiores
satélites de Júpiter e de seus respectivos eclipses, quando desapareciam atrás da
sombra do gigante do sistema solar.
O método de Galileo baseava-se na tradição de se procurar na precisão dos
movimentos celestes um ‘relógio’ seguro para ‘portar o tempo’. Antes do método do
sábio italiano, outros métodos astronômicos foram idealizados: observações mistas
das posições do Sol e de certas constelações do Hemisfério Norte e a observação do
movimento de nosso satélite natural: a Lua.
No entanto, mesmo que tais métodos funcionassem, seria impossível para um
marinheiro ajustar uma luneta astronômica a partir de uma posição (em geral, o
mastro) localizada sobre uma ‘plataforma’ instável (o próprio navio) e permanecer ali
por vários minutos (ou mesmo horas) para observar, por exemplo, os eclipses das luas

3
de Júpiter. Além do mais, o céu deveria apresentar longos períodos sem nuvens ou
tempestades, o que, no mar, seria obra de um acaso extraordinário.
O problema só foi resolvido quando John Harrison, em 1773, vence o prêmio
estabelecido pelo Parlamento Inglês no famoso Longitude Act (Lei da Longitude –
instituída em 1714!). Ele inventa relógios que podiam registrar, com precisão quase
absoluta, a hora verdadeira desde o porto de partida até qualquer ponto perdido do
planeta.
Os relógios de Harrison (ver Figura 2) eliminaram o problema da fricção, não
requerendo lubrificação e eliminando o problema da corrosão a partir da combinação
de metais (que compunham seus relógios) que se expandiam ou retraíam-se com as
variações de temperatura, mantendo o andamento do relógio sem atrasá-lo ou retardá-
lo.

(b)

(a)

Figura 2: Os relógios de Harrison

4
Harrison, após longa e duríssima batalha contra os astrônomos reais, conseguiu
levar o tão merecido e sonhado prêmio, embolsando uma quantia de vinte mil libras
esterlinas, ou, modernamente, doze milhões de dólares!

Ptolomeo e a tradição cartográfica grega

Anaximandro e Demócrito são tidos como os primeiros criadores de mapas e que


indicavam com certa precisão a localização de lugares, cidades e povoados de interesse do
Mundo Antigo.
Expressaram conceitos em forma gráfica (mapas) e usaram as linhas imaginárias
que representam as coordenadas terrestres, ‘latitude’ e ‘longitude’ [palavras que se
originam do latim latus (largo) e longus (longo), respectivamente].
Porém, no Mundo Antigo grego é Claudius Ptolomeo, no segundo século depois de
Cristo, que emerge como figura de destaque tanto na Astronomia quanto na Geografia. Sua
fama o conduziu à direção da Grande Biblioteca de Alexandria (danificada pelo exército de
Júlio César e completamente destruída, depois de quase mil anos de existência, pelo Califa
Omar de Constantinopla, no sétimo século depois de Cristo).
Ptolomeo ajudou a desenvolver enormemente a arte da Cartografia, eternizando-a
em sua obra geográfica e que foi continuamente copiada na Idade Média e no início do
Renascimento, influenciando o grande navegador, Cristóvão Colombo.
Os oito volumes da Geografia de Ptolomeo (apud RIBEIRO; CARVALHO,1992)
contêm:
Livro I – Introdução, incluindo projeções de mapas e crítica a Marino de Tiro;
Livro II – Irlanda, Inglaterra, Península Ibérica, Gália, Alemanha, províncias acima
do Danúbio, Dalmácia;
Livro III – Itália e ilhas adjacentes, Sarmácia na Europa, províncias abaixo do
Danúbio, Grécia e áreas adjacentes;
Livro IV – Norte da África (oeste-leste), Egito, interior da Líbia, Etiópia;
Livro V – Ásia Menor, Armênia, Chipre, Síria, Palestina, Arábia Pétrea,
Mesopotâmia, Arábia Desértica, Babilônia;
Livro VI – O mais recente império Persa, exceto as áreas já anexadas (oeste-leste);

5
Livro VII – Índia, Sinai, Ceilão e áreas adjacentes. Sumário do mapa do mundo.
Descrição da esfera armilar, incluindo o mapa da Terra habitada. Sumário das divisões
regionais;
Livro VIII – Breve observação dos 26 mapas regionais.

Em seu Livro I, Ptolomeo examina e desenvolve diferentes tipos de projeções para


representar no plano aquilo que era ‘espaço’: a esfera terrestre. Em seu primeiro sistema de
projeção, denominado de ‘primeira projeção’, os meridianos são desenhados como
segmentos de retas equidistantes do equador convergindo para um ponto comum, sendo os
paralelos arcos com o mesmo centro.
O sistema pode ser imaginado, segundo a Figura 3a, em que projetamos uma área da
superfície esférica da Terra sobre um cone tangente a ela. Assim, não haverá deformação
no círculo de contato já que a figura e sua imagem coincidem (Figuras 3b e 3c). Ptolomeo,
seguindo as proporções tradicionais do mundo habitado,
adotou que o reticulado do mapa deveria ter uma forma retangular e que o
centro dos círculos que representavam os paralelos seria externo a essa
estrutura. Internamente, foram desenhados 36 meridianos, espaçados um
terço da hora de longitude (5 graus) uns dos outros a partir do equador e,
convergindo para o pólo Norte [ver Figuras 4, 5a e 5b] (RIBEIRO;
CARVALHO, 1992, p. 63).

A Figura 5b traz o famoso mapa de Ptolomeo. O paralelo que limitava o Sul da


região habitada (oposto ao de Méroe - 15° acima da linha equinocial) equidistava do
equador a mesma distância angular que o paralelo que passava por Méroe.

(a) (b) (c)


Figuras 3

6
Figura 4

Com exceção de três paralelos, todos os outros paralelos ao Norte do equador eram
localizados teoricamente. As três exceções eram:
Méroe – localizava-se a mil milhas abaixo da cidade de Alexandria e a trezentas
milhas da zona tórrida;
Siene (atual cidade de Assuan) – localizava-se sobre a linha do Trópico de Verão
(Trópico de Câncer);
Rhodes – a cidade de uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, o ‘Colosso de
Rhodes’, localizava-se a 36° Norte (ver Figura 5).
No mapa de Ptolomeo, o Oceano Índico é representado como um mar fechado. Esse
fato determinou a profunda hesitação dos marinheiros sobre uma hipotética ideia de
contornar o continente africano. Assim, a rota asiática, a oeste, era uma meta mais factível,
segundo a visão antiga.
A Figura 6 mostra que Ptolomeo, querendo evitar a deformação da projeção planar,
modifica sua projeção inicial e idealiza uma ‘Segunda projeção’, em que os meridianos são
curvos e convergentes. Para Ptolomeo, tal representação conferia aos meridianos a
aparência que tinham sobre a esfera terrestre.

7
Figura 5

Figura 6

Os mapas de Ptolomeo foram os precursores de uma nova Cartografia e de uma


vontade inequívoca de conquistar a leitura da longitude nos céus ou na terra e determinar a
era das grandes navegações e descobrimentos.

Como encontrar a longitude: uma solução didática

A arte da Cartografia e da Astronomia está ligada ao seu lado funcional, ou seja, a


uma ciência que possa valer para o viver cotidiano do ser humano. Assim, nessas áreas, a
representação de um sistema de localização se faz mister. E esse sistema parte ao encontro
de duas variáveis espaciais: latitude e longitude.

8
Para resolver o problema da longitude, basta realizarmos um experimento bastante
simples: o gnômon solar (ver Figura 7) ou a observação da sombra produzida por uma
estaca fincada verticalmente no chão.
O experimento consiste em se marcar a ‘cabeça’ da sombra da estaca a cada
intervalo de tempo constante (p.ex., a cada meia hora), usando a hora legal fornecida pelo
relógio de pulso.

Figura 7

A Figura 8 mostra as sombras produzidas por uma estaca ao longo de uma manhã e
tarde (das 10h00min às 14h00min) de um dia de inverno. Mentalmente, poderíamos traçar
uma linha que passasse por todos os pontos que representam a ‘cabeça’ das sombras: a
figura obtida seria aquela de uma hipérbole.
Se tomássemos um compasso, com uma abertura qualquer, e centrássemos sua
agulha na posição da base da estaca, riscaríamos a curva hiperbólica em dois pontos (A e B
da Figura 9). Reposicionando a agulha do compasso sobre essa duas posições (A e B,
respectivamente), obteríamos a mediatriz dessa curva (ponto C da Figura 9). Unindo o
ponto da base da estaca ao novo ponto encontrado (C), teríamos uma linha reta que corta a
hipérbole. Essa linha é aquela correspondente ao meridiano local, ou seja, à linha Norte-
Sul. Sobre essa linha se encontra a menor sombra do dia, pois é quando o Sol cruza do
meridiano central do lugar.

9
Figura 8 Figura 9

No entanto, o ponto C deveria estar localizado quando o relógio marca o meio-dia


oficial. Mas, numa determinada cidade do Sul do país (latitude 23,5°S), por exemplo, essa
linha está sobre a hora 12h28min. Por quê?
Simplesmente porque a hora que lemos no relógio é aquela ‘oficial’ ou ‘hora legal’,
ajustada com a hora do fuso de Brasília, que começa no meridiano 45°. Como sabemos,
pelos mapas, que essa cidade do Sul está numa longitude além de Brasília (a Oeste),
podemos saber qual a longitude correta da cidade. Subtraindo a hora legal daquela local,
temos:

∆t = 12h28min – 12h00min = 28min

Sabemos que uma hora (=60min) equivale a 15°, como vimos anteriormente.
Assim, através de uma regra de três simples, chegamos à conclusão que a cidade está na
longitude 52°, já que,

15° → 60 min
x → 28min

x = 7°

Longitude da cidade = Longitude da hora legal + x

10
Longitude de cidade = 45° + 7° = 52°

O experimento do gnômon é bastante simples, mas muito rico nas informações que
pode proporcionar (linha Norte-Sul, declinação magnética local, marcador horário sazonal,
longitude local). Além de tudo, esse experimento nos conduz a um debate que hoje está
ausente em salas de aula e em nosso cotidiano: a da obtenção de um sistema de orientação
que determinou a aventura humana rumo ao desconhecido e ao sublime universo das
descobertas geográficas e de suas engenhosas e poderosas representações cartográficas.

Referências

NEVES, M. C. D.; ARGÜELLO, C. A. Astronomia de régua e compasso: de Kepler a


Ptolomeo. Campinas: Papirus, 1986.

______; GARDESANI, L. O mago que veio do céu. Maringá: Eduem, 1998.

______. Memórias do invisível: uma reflexão sobre a história no ensino de física e a


ética da ciência. Maringá: LCV, 1999a.

______. Astronomia do fazer. Arquivos da Apadec, 2, 1999b.

RIBEIRO, J. F. P.; CARVALHO, M. C. C. S. As grandes navegações: uma aventura


Matemática. São Paulo: Universidade São Judas Tadeu, 1992.

RONAN, C. História ilustrada da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. v. 3.

SOBEL, D. Longitude: a verdadeira história de um gênio solitário que resolveu o maior


problema científico do século XVIII. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

11
DETERMINAÇÃO DIDÁTICA DA
DURAÇÃO DO DIA SIDERAL

Carlos Alfredo Arguello e Marcos Cesar Danhoni Neves

Introdução
O objetivo aqui é demonstrar um método didático para a determinação do
dia sideral. Porém, antes de tratar do método propriamente dito, é necessário
termos em mente algumas definições para a clara interpretação dos dados obtidos
pelo conjunto de observações.

Algumas definições

Determinação do polo Sul


Se estivéssemos no hemisfério Norte, a determinação da posição do polo
elevado (Norte) seria extremamente simples, uma vez que a estrela polar marca
quase precisamente este ponto. Se observássemos pacientemente o ‘movimento’
das estrelas, notaríamos que todas elas giram ao redor deste ponto, exceto a polar.
As estrelas que ‘giram’ ao redor do polo sem nunca se esconderem sob o
horizonte são chamadas de estrelas circumpolares.
Como os habitantes do hemisfério Sul não possuem uma estrela polar
visível a olho nu, uma determinação simples do polo elevado Sul consiste no
prolongamento do braço maior (ou poste) da cruz da constelação do Cruzeiro do
Sul (ou Crux) de, aproximadamente, 4,5 vezes seu comprimento (obviamente, na
direção Sul). A Figura 1 corresponde à ‘rotação’ das estrelas ao redor do polo
celeste Sul; as Figuras 2 e 3 ilustram o procedimento para sua determinação.

1
Figura 1: Estrelas girando ao redor do polo elevado Sul

Figura 2: Determinação do polo celeste Sul

2
Figura 3: As setas indicam o sentido de rotação aparente das estrelas ao redor do polo
celeste Sul
Dia solar
Já o dia solar, que é o tempo gasto pelo Sol entre duas passagens
meridianas sucessivas, é um pouco mais longo. Isso é pelo movimento de ‘recuo’
aparente do Sol em relação às estrelas. Porém, o Sol não tem velocidade constante
na eclíptica (inclinada de 23,5o em relação ao equador e que contém a ‘órbita
solar’), fato caracterizado pela desigualdade da duração das estações do ano; se a
velocidade não é constante, o Sol verdadeiro não é, pois, um bom relógio. Para
‘remediar’ esse inconveniente, criou-se, então, um ‘Sol médio’, ou seja, um Sol
imaginário que percorre o equador celeste com movimento uniforme, no sentido
para Leste, com a média da velocidade do Sol verdadeiro na eclíptica. A duração
desse percurso num dia é, por definição, de 24 h. Nossos relógios estão regulados
com este tempo.

Método para a determinação do dia sideral

3
O propósito é determinar, ao longo de observações diárias, o momento
preciso em que as duas estrelas, α1 e β da constelação do Centauro, encontram-se
simultaneamente sobre uma perpendicular ao horizonte local, fazendo uso de
recursos facilmente disponíveis, simplificando ao máximo a tomada de medidas
para as observações sucessivas. Essa simplificação é essencial ao objetivo
inicialmente proposto: tornar o método que desenvolvemos o mais didático
possível.
Essas medidas foram realizadas com o auxílio de um barbante (fio de
prumo) e o horário do acontecimento foi medido mediante um relógio digital de
pulso.
O relógio teve sua hora comparada com a hora oficial, que era aferida
através da estação Rádio Relógio Federal ZYZ 20, ondas curtas (4905 Kc –
retransmissão direta dos sinais do Observatório Nacional do Rio de Janeiro).
Nessa aferição utilizamos um rádio relógio comum (de cabeceira) com faixa de
ondas curtas.
A simplicidade do instrumental confronta-se com a riqueza de resultados
que podemos obter das diversas observações. Porém, antes de passarmos aos
resultados propriamente ditos, devemos discutir um fenômeno que contribui para
melhorar a precisão das medidas. É o problema da ‘sensitividade direcional da
retina ou efeito Stiles-Crawford’.

Sensitividade direcional da retina – Efeito Stiles-Crawford

Quando alinhamos as duas estrelas α e β do Centauro, ocultando-as


simultaneamente atrás do barbante (fio de prumo), de tal forma que elas se
encontrem sobre uma perpendicular ao horizonte, cuidamos para que os raios
emergentes provenientes de ambos os lados do barbante, para cada estrela,
tivessem igual intensidade, conforme ilustra a Figura 4a. Pequenas variações nos

1
A α do Centauro é a estrela mais próxima da Terra depois de nosso Sol. Sua distância é de cerca
de 4,5 anos-luz, ou seja, cerca de 43 trilhões de quilômetros do sistema solar.

4
deslocamentos das observações efetuadas podem causar drásticas mudanças na
configuração dos raios marginais emergentes, como pode ser visualizado pelo
esquema da Figura 4b.

Figura 4: (a) observação correta. (b) observação errada.


Estrela vista sob o barbante

Esses pequenos deslocamentos estrela-barbante-olho mudam o ângulo


interno de recepção visual sobre a retina. A eficiência luminosa varia de forma
muito pronunciada (logarítimica) com o ângulo de recepção visual (ver Figura 5).

5
Figura 5: Eficiência luminosa na retina

Portanto, a sensibilidade da técnica proposta, de obter o alinhamento


preciso pela igual luminosidade dos raios marginais incidindo na retina (figura
4a), é muito alta, faovrecida pelo efeito Stiles-Crawford2.
A sensitividade direcional da retina foi descoberta por Stiles e Crawford
em 1933. Determinou-se, assim, a resposta a um estímulo luminoso incidente nos
detetores da retina (cones e bastonetes) em diferentes ângulos de incidência θ.
Um padrão típico da sensitividade direcional da fóvea (região que
contém exclusivamente cones, onde a visão é muito mais aguda) é mostrado na
Figura 5. A Figura 6 mostra o olho humano e a Figura 7 corresponde à direção do
raio luminoso para o caso apresentado na Figura 4b. A figura menor presente em
(7) corresponde à eficiência luminosa, utilizando-se o gráfico da Figura 5,
mostrando-se a região onde ‘caem’ os raios marginais.

Resultados obtidos

2
A utilização de um barbante com um diâmetro um pouco menor que o diâmetro da pupila durante
a observação noturna é aconselhável a fim de se utilizar prioritariamente os raios marginais.

6
A tabela 1 apresenta o dia e o horário em que as estrelas α e β do
Centauro se encontraram simultaneamente sobre uma perpendicular ao horizonte
local.

Tabela 1: Dias e horários horário em que as estrelas α e β do Centauro


se encontraram simultaneamente sobre uma perpendicular ao horizonte local.

Figura 6: O olho humano

7
Figura 7: Direção dos raios incidentes conforme Figura 4b. No desenho menor, região do
gráfico da Figura 5 para a eficiência luminosa no caso ilustrado acima

Dos valores da tabela, podemos construir o gráfico abaixo:

Gráfico 1: Obtido para o cálculo da diferença entre o dia solar médio e o dia sideral

As medidas do tempo para o alinhamento das duas estrelas com o fio de


prumo foram realizadas, usando-se um relógio digital.
A diferença entre o dia sideral e o dia solar é dada pelo cálculo do
coeficiente angular da reta (tangente ao ângulo de inclinação). Pelo gráfico,
obtemos, para esta diferença, o valor de 3min57seg (237 seg), ou seja, segundo
nossos cálculos, a duração do dia sideral é de 24 h menos esse valor.

8
Uma consulta à bibliografia especializada fornece como correto o valor
de 3min56,55seg (236,55 seg).
Se levarmos em consideração a imprecisão do instrumento de medidas (o
relógio digital) e o efeito Stiles-Crawford, o cálculo do erro indica que a medida
foi afetada em cerca de 0,5%, fornecendo como resultado (237,0 ± 1,0) segundos.
Tal resultado encontra-se dentro de um rigor científico bastante razoável.

Conclusão
Do que foi exposto, podemos perceber que uma experiência desse gênero
possui grande valor didático, haja vista a diversidade de temas ligados a conceitos
astronômicos que podem ser explorados.
A observação do movimento estelar nos leva inevitavelmente ao conceito
de ‘tempo’: ano, dia solar, dia solar médio, dia sideral, etc. Assim, num ‘correr de
olhos’ pela História da Ciência, poderíamos fabricar um instrumento de medida de
tempo baseado no movimento das estrelas. Este instrumento, um relógio noturno,
encontra-se descrito com riquezas de detalhes em Felli (1982). Trata-se da
construção de uma réplica de um relógio de 1568. Porém, ele foi construído para
ser utilizado no hemisfério Norte (tendo como referências a estrela polar e as
estrelas α e β da Ursa Maior). Como mostramos no Capítulo 1 (Astronomia do
fazer), a construção de um relógio desse gênero é muito fácil para o hemisfério
Sul, desde que se usem as estrelas α e β do Centauro.
A importância didática deste capítulo deve-se, também, ao planejamento
de uma experiência quantitativa simples que pode ser desenvolvida no Ensino
Médio (e até no Ensino Fundamental) e que, apesar de sua simplicidade, com a
utilização de equipamentos baratos ou facilmente encontráveis no mercado, não
perde o rigor da precisão científica, como observado na seção anterior.

Referências

DANHONI NEVES, M. C.; ARGUELLO, C. A. Astronomia de régua e


compasso: de Kepler a Ptolomeu. Papirus: Campinas, 1986.

9
ENOCH, J. M. Optical properties of the retinal receptors. Journal of the
Optical Society of America 53, 71, 1963.

KRASAVTSEV, B.; KHLYUSTIN, B. Nautical astronomy. Moscow: Mir


Publishers, 1970.

FELLI, M. L’Orologio notturno. Firenze: Edizioni Arnaud e IMSS, 1982. Formatado: Português (Brasil)

10
1

O RELÓGIO DE SOL E A EQUAÇÃO DO


TEMPO

Carlos Alfredo Arguello

Introdução

A sombra produzida por qualquer objeto fixo no espaço indica a posição do


Sol e o seu movimento.
Dia após dia, essa sombra marca pequenas variações que refletem as
variações no movimento aparente do Sol na abóbada celeste. Somente após um
ano, o Sol e a sombra irão repetir as suas posições.
O estudo da variação dessa sombra, ao longo das horas, dos dias, dos meses
e dos anos, permitirá conhecer de forma didática as horas para qualquer dia do
ano através do uso de um modelo planetário apropriado, que descreva, no mínimo,
o sistema Terra-Sol, mergulhando-nos, de certa forma, na História da Ciência.
O relógio de sol não possui hoje as vantagens que o popularizaram ao longo
da História, por muitos e muitos séculos, e foi substituído pelos modernos relógios
portáteis, de muita precisão e baixo custo. No entanto, os relógios solares
constituem-se ainda num valioso dispositivo didático-científico, que nos permite
entender melhor a história da Astronomia e de seus conceitos básicos, aplicáveis
ainda hoje a um grande número de sistemas planetários, de satélites artificiais, de
balística de foguetes, de navegação marítima, etc.

A Equação do Tempo (ET)


2

A ET é a correção que temos de aplicar a nossos relógios modernos, digitais,


atômicos, mecânicos, para obter o tempo marcado pelo relógio de sol ou vice-
versa.
Acontece que, historicamente, o Sol converteu-se no instrumento mais
importante para a marcação precisa dos intervalos de tempo básicos para a nossa
vida: as horas, as estações, os anos, etc.
Mesmo os relógios mais precisos devem ser conferidos astronomicamente e
nos observatórios mais importantes. Existem ainda, em alguns países,
instrumentos como o círculo meridiano que marca e mede a passagem do ‘Sol
real’, sobre o meridiano do local para a determinação do meio-dia local, todos os
dias do ano.
Mas por que utilizamos a expressão ‘Sol real’ ou ‘Sol verdadeiro’

[simbolizado pelo ícone ]?


Referimo-nos ao Sol que observamos e que produz nossas sombras e,
portanto, rege todos os relógios de sol.
Na descrição geocêntrica1 do sistema planetário, esse Sol se movimenta
sobre uma linha da esfera celeste chamada eclíptica e o faz com velocidade
ligeiramente variável, não constante, uma vez que a órbita terrestre é ligeiramente
elíptica.
As leis do movimento do Sol sobre a eclíptica (adotando-se um referencial
geocêntrico), ou da Terra em sua órbita ao redor do Sol (adotando-se um sistema
heliostático) foram justificadas por Newton fisicamente, mas já tinham sido
descritas geometricamente, de forma exata, por Kepler (1571-1630), mediante o
enunciado de leis, conhecidas como ‘lei das órbitas elípticas’ e ‘lei das áreas’ (1ª e
2ª leis).
Sabe-se que desde Ptolomeu (segundo século depois de Cristo) se
conheciam formas bastante precisas de se descrever o movimento dos planetas e

1
Este sistema ainda é muito utilizado, especialmente em situações práticas de navegação marítima
astronômica, agrimensura, etc., apesar dos modernos, mais rápidos e mais precisos métodos de
orientação, como o GPS.
3

do Sol, utilizando-se descrições geométricas sofisticadas e, invariavelmente, de


grande complexidade.
No caso do Sol, seu movimento é o mais simples de ser descrito, utilizando-
se somente o conceito de circunferência descentrada e punctum aequans (ponto
equante), para se descrever sua órbita aparente em torno da Terra.
No caso do presente trabalho, revisaremos alguns conceitos ptolomaicos
básicos e os aplicaremos ao caso concreto de um relógio de sol. Calcularemos a
‘equação do tempo’ (ET) numa forma simples, puramente geométrica, que
poderia, num exercício de ficção histórica da ciência, ter sido realizada por
Ptolomeu e seus seguidores, se a questão da ‘precisão do tempo’ tivesse sido útil
em seu tempo.
O método que empregaremos aqui tem a finalidade de mostrar que a
descrição geométrica ptolomaica é um monumento ao pensamento humano
profícuo e que nos permite ainda hoje aplicações práticas importantes como, p.ex.,
a navegação terrestre e marítima, astronômica, etc.
Quando utilizamos a expressão ‘Sol verdadeiro’, é porque o contrapomos a
um ‘Sol falso’ ou ‘fictício’. Mas o que vem a ser exatamente o ‘Sol fictício’?
É um Sol imaginário que percorre, com velocidade uniforme, constante, o
‘equador celeste’, no período de um ano. Esse é o Sol que comanda todos os
relógios mecânicos, atômicos, eletrônicos, etc., e poderíamos rebatizá-lo de ‘Sol
médio’ (identificado pelo ícone ⊗.
Assim, conhecendo as leis que ordenam o movimento do Sol verdadeiro e
do Sol fictício em suas respectivas órbitas (eclíptica e equador celeste,
respectivamente) e a relação espacial entre elas, podemos encontrar, utilizando
somente geometria elementar, a diferença temporal entre o andamento dos
relógios solares e os eletrônicos, mecânicos, etc. para qualquer dia ou, melhor,
para qualquer hora.

O Sol verdadeiro e as leis que regem seu movimento aparente


4

Lei das órbitas elípticas. Modelo heliocêntrico. 1ª Lei de Kepler.

A Terra (e os outros planetas) descreve uma órbita elíptica em torno do Sol,


com este ocupando um dos focos da elipse e que permanece fixo no espaço.
Para a órbita terrestre, a excentricidade da elipse tem o valor ε= 0,0167, que
é muito pequeno, indicando que a órbita terrestre é uma circunferência
ligeiramente ‘deformada’. A excentricidade é calculada, dividindo-se a distância
interfocal ‘c’ pelo diâmetro maior da elipse ‘a’ (DANHONI NEVES;
ARGÜELLO, 1986), conforme mostra a Figura 1.

Figura 1: Os elementos da elipse (numa circunferência ⇒ ε = 0)

Mudando-se o centro de referência do movimento e mantendo-se a Terra


fixa no espaço, o Sol percorrerá uma órbita aparente, elíptica, de mesma
excentricidade, que satisfará o modelo geocêntrico e que terá a mesma orientação
no espaço.
5

(a) (b)
Figura 2: (a) modelo elíptico heliostático; (b) modelo elíptico geostático

O diâmetro aparente do Sol muda ao longo do ano, de 31’30” para 31’27” de


arco, e pode ser uma forma de se medir a orientação perihélio-afélio, que são os
pontos afastados pelo diâmetro maior da elipse orbital, como pode ser visto pelas
Figuras 1, 2a e 2b. O afélio, ou seja, o ponto em que a Terra se encontra mais
afastada do Sol, ocorre aproximadamente no dia 04 de julho; enquanto o perihélio,
ou seja, o ponto em que a Terra se encontra mais próxima do Sol, ocorre
aproximadamente no dia 03 de janeiro.
Vemos, então, que o plano da órbita terrestre coincide com o plano do
movimento do Sol ou ‘plano da eclíptica’.
Como nosso posto de observação é a Terra, pareceu durante muito tempo, e
parece até agora (!) [ao menos para os ‘desinformados’], que a Terra encontra-se
fixa no espaço e colocada no centro do Universo.
A distância Terra-Sol comparada com a distância Terra-estrela mais próxima
(α Centauri) é desprezível, portanto, não existe diferença nos ‘movimentos
estelares’ observados desde o Sol ou desde a Terra, mesmo quando admitimos, no
sistema heliostático, que ela orbita o Sol.
Notemos que isso não vale para os planetas, pois suas órbitas aparentes,
observadas desde a Terra, são deveras complicadas. Desde a plataforma Terra, os
6

movimentos de retrogradações dos planetas observados no céu complicam a


engenharia ptolomaica para a explicação dos movimentos destes astros. Porém,
observadas desde o Sol, as órbitas planetárias, as leis de Kepler acabaram
sintetizando e simplificando todos os movimentos dos planetas ao redor do Sol. A
2ª lei estabelece a velocidade dos planetas (e da Terra) em suas órbitas elípticas
em torno ao Sol (DANHONI NEVES; ARGÜELLO, 2001).

A circunferência descentrada. O modelo geostático de Ptolomeu.

Os ptolomaicos descreviam algo muito semelhante às órbitas elípticas,


através de um modelo de circunferência descentrada. Nesse modelo a órbita
aparente do Sol é circular e a Terra, fixa no espaço, ocupa uma posição fora do
centro desta circunferência.
Para conciliar os dois modelos, a Terra deve estar afastada do centro da
circunferência numa distância R . ε, e ε deve ser pequeno (figura 3).

Figura 3: Elementos da circunferência descentrada

A circunferência descentrada é uma boa aproximação para órbitas elípticas e


é tanto melhor quanto menor for o valor da excentricidade ε.
7

Lei das Áreas – Ponto Equante (PEq)

A segunda lei de Kepler (ou ‘Lei das Áreas’) foi prenunciada, por assim
dizer, por Ptolomeo ao estudar o movimento do Sol a partir do ponto equante
(punctum aequans).
O ponto equante é o ponto conjugado ao longo da linha afélio-perihélio
(figura 4), na circunferência descentrada em R . ε, mas do lado oposto ao local
ocupado pela Terra, afastado também da distância R . ε, em torno do qual a
‘velocidade angular do Sol é constante’ e igual a 2π/T, sendo T o período de um
ano orbital terrestre = 365,25 dias ou um ano.

Figura 4: esta descrição geométrica substitui a lei das áreas,


sempre que a excentricidade ε for pequena (o que caracteriza
todas as órbitas planetárias, exceto Plutão)

Por essa descrição temos duas leis aproximadas, muito simples de serem
tratadas geometricamente: a da circunferência descentrada, que descreve a ‘forma’
da órbita aparente do Sol, e a do ponto equante, que descreve a velocidade do Sol
numa órbita. Essas duas ‘leis’ substituem as duas primeiras leis de Kepler.

A equação do tempo (ET)


8

A equação do tempo pode ser descrita como a soma de duas correções: a


primeira, C1, vem do efeito de se considerar a diferença entre o Sol médio na

eclíptica, e o Sol verdadeiro e seus respectivos movimentos na eclíptica.


Denominaremos aqui C1 de ‘redução ao centro’.

A segunda correção é o efeito de considerar o Sol fictício. O Sol médio ,

que viaja no equador celeste, e a projeção do Sol médio sobre a clíptica, ,

deve ser projetado no equador. Simbolizaremos esta projeção por .


Calculamos a diferença temporal entre as suas passagens meridianas para
qualquer dia do ano. Calcularemos a ET, utilizando as aproximações de Ptolomeo
e compararemos os resultados que obteremos com os valores tabelados nos
manuais astronômicos.

Redução ao Centro

Movimento do Sol verdadeiro, utilizando-se a aproximação da circunferência


descentrada – ângulos iguais para tempos iguais, medidos a partir do ponto
equante.
9

Figura 5: Segmentos diferenciados

Pela Figura 5 é possível notar que, próximo ao perihélio, o segmento A é


maior que o segmento correspondente B no afélio, corroborando, pelo menos
qualitativamente, o resultado das leis das áreas, que prevê velocidades maiores no
perihélio, considerando o sistema heliocêntrico.

Figura 6: Segmentos diferenciados


10

Movimento do Sol médio, utilizando-se a aproximação da circunferência


descentrada – ângulos iguais, para tempos iguais, medidos a partir da Terra.

Juntando os movimentos dos dois sóis, no mesmo gráfico, percebemos que a


diferença de posição entre eles é máxima quando ambos se encontram a 90˚, ou
seis meses em tempo, da linha afélio-perihélio, e tem o valor aproximado de 2.ε
de arco (figura 7).

Figura 7: Juntando os diferentes elementos geométricos

O ângulo α, em radianos, vale (2 R ε) / R = 2 . ε = 0,0334 e, em graus,


0,0334 X 57,29° = 1°,9137.

Este é o valor da distância angular máxima entre e ec. Podemos ver


que, ao longo do dia, a distância temporal entre as passagens desses dois sóis é de
7,655 min, calculados das seguinte forma: num dia, ambos sóis percorrem, em 24
h (ou 24 X 60 min), 1.440 min. Portanto,

360° → 1.440 min


1,9137° → 7,655 min,
11

que mede a diferença temporal entre ambos e se configura como a máxima


correção C1. Percebemos que essa correção é nula no momento do afélio ou do
perihélio2.
Percebemos também que metade do ano, o Sol verdadeiro ( ) antecede o

Sol médio ( ec ), e na outra metade do ano o Sol médio antecede o Sol


verdadeiro.
A correção C1 pode ser descrita por uma função periódica com período T
igual a um ano, que varia continuamente, sendo durante meio período, negativa, e
durante o outro meio período, positiva, e com amplitude máxima de
aproximadamente 7,5 min (figura 8).
Assim, podemos propor como primeira aproximação (com T = 365 dias e
ND como o número de dias desde o perihélio da órbita solar aparente):

C1 = 7,65 min X sen [(2 π / T) . ND ]

Figura 8: Amplitudes

2
No caso geocêntrico é mais apropriado se ‘rebatizarem’ estes dois pontos de, respectivamente,
apogeu e perigeu.
12

Redução ao equador (C2)

A correção C2 levará em conta a passagem do Sol médio na eclíptica para a

sua projeção sobre o plano do equador: ec → peq e comparará a sua

posição com a posição do Sol médio, .

Notemos que o Sol médio, (no equador), e o Sol verdadeiro médio,

sobre a eclíptica ec, têm o mesmo período, 365 dias, para realizar uma volta
completa ao redor da Terra. Não levaremos em conta nessa correção as variações
do Sol verdadeiro ao longo de seu percurso sobre a eclíptica, porque já foram
consideradas na correção C1. Consideraremos então o Sol médio na eclíptica,

ec, e que terá o mesmo período que o , mas animado com velocidade
uniforme.

As posições do ec, e do (no equador) deverão coincidir quatro vezes


por ano, nos dois equinócios e nos dois solstícios. A coincidência nos equinócios

é evidente porque o passa então pelos pontos γ e , únicos pontos comuns na


eclíptica e ao equador celeste.
Nos solstícios, a eclíptica é paralela ao equador, e, analisando a figura

abaixo, vemos que o triângulo γ ec e terá dois ângulos iguais, retos.


Portanto, L e L’ serão iguais (figura 9).
13

Figura 9: Elementos da esfera celeste

A ‘forma’ da função C2 será do tipo (figura 10):

Figura 10: Função regular


14

ou seja, do tipo A sem 2 X (2 π L)/T, em que L pode ser escrita em função de


ND, ou seja, uma função harmônica com período correspondendo à metade de um
ano e amplitude máxima quando L = 45°, aproximadamente.
Essa aproximação não é válida para inclinações i grandes, maiores que 25°,
mas é razoavelmente aceitável para i = 23°27’, que é a inclinação da órbita
terrestre em relação ao equador celeste (figura 11).

Figura 11: Elementos da esfera

Como já salientamos, o Sol médio, , e o Sol têm as mesmas

velocidades sobre o equador e a eclíptica, respectivamente, mas a projeção de

sobre o equador eq é feita segundo um meridiano celeste e, portanto, o caminho

percorrido pelo peq difere em geral de . Essa diferença constitui a correção


C2 .
Para calcular corretamente essa diferença e para obter o valor da amplitude
A da fórmula aproximada, utilizamos alguns conceitos elementares de

trigonometria esférica, resolvendo o triângulo γ eq. e calculando a diferença

entre γ - eq eγ - (figura 12).


15

Figura 12: L = longitude eclíptica; α = ascenção reta

Segundo uma das fórmulas de Napier3 ,

tg α ( eq ) = cos i . tg L ( )
I = 23°27’ ; cos i = ,091706

α( eq ) = tg-1 [cos i . tg L ( )]

C2 = α ( eq ) -α( )

L( eq ) = (2 π ND / 365) = K x ND (L em radianos)
ou,

L( eq ) = (360 / 365) . ND (L em graus); ND = número de dias desde γ

ou .
Lembremos que

α( ) = (2 π ND) / 365

Analisando a função
C2 = tg-1 (cos i . tg L) – L (ver figura 12),

3
A trigonometria esférica foi desenvolvida antes da plana.
16

vemos que esta equação é para valores de i < 25°; o que se assemelha muito
com a função harmônica proposta, com amplitude de 9,9 min. Portanto,

C2 = 9,9 . sen 2 L (para i = inclinação da órbita terrestre).

Um programa pode ser feito no computador para a equação acima [ver


APÊNDICE].

Conclusão

A equação do tempo, ET, pode ser então rapidamente calculada, somando-se


as duas correções, C1 e C2,

ET = C1 + C2

a função de ND que transcorre desde algum equinócio, levando-se em conta a


orientação espacial dos afélios e perihélios, através de sua longitude eclíptica.
A correção C2 pode ser aproximada, utilizando-se uma função simples, o
que manterá a predição da ET, dentro do intervalo de um minuto de tempo4.

4
Vemos que C1 é zero – dia 03 de janeiro e C2 é zero no dia 22 de dezembro – solstício de verão –
ambos crescendo positivamente para dias seguintes. Então C1 e C2 deverão ser somados, levando-
se em conta esta defasagem,
C1 ⇒ n – 3 = s , em que n é o número de dias transcorridos,
C2 ⇒ n + 9 = w, desde o começo do ano.
C1 = + 7,7 . sen [(2 π s) / 365]
C2 = + 9,9 sen [(4 π w) / 365]
ou
C2 = tg-1 [cos (π i )/180 . tg L] – L
(i = 23°27’) e L = (n . 360) / 365
17

APÊNDICE

PROGRAMA EM Q BASIC

CLS
Calcula as duas componentes da equação do tempo e a sua soma, ET, com
aproximação menor que 1 min.
INPUT “Entre com o número de dias do mês ”, dm
INPUT “Entre com o número do mês ”, m
F m = 1 THEN D = 0
F m = 2 THEN D = 31
F m = 3 THEN D = 59
F m = 4 THEN D = 90
F m = 5 THEN D = 120
F m = 6 THEN D = 151
F m = 7 THEN D = 181
F m = 8 THEN D = 212
F m = 9 THEN D = 243
F m = 10 THEN D = 273
F m = 11 THEN D = 304
F m = 12 THEN D = 334
Ri = D + dm
Pi = 3.1416
LINE (0, 224)-(640, 224), 15
FOR n = 0 TO 33
LINE (0, n * 14)-(640, n * 14), 3
NEXT
FOR q = 0 TO 33 STEP 5
LINE (0, q * 14 + 14)-(640, q * 14 + 14), 14
NEXT
LOCATE 1
PRINT “+15”
LOCATE 6
PRINT “+10”
LOCATE 10
PRINT “+5”
LOCATE 14
PRINT “0”
LOCATE 19
PRINT “-5”
LOCATE 23
PRINT “-10”
LOCATE 28
PRINT “15”
N=1
18

4
w=n+9
s=n–3
a = -7.7 * 14 * SIN (2 * pi * s / 365 ) + 224
PSET (n * 1.5 + 40, a), 3
b = - 9.9 * 14 * SIN (4 * pi * w / 365) + 224
PSET (n * 1.5 + 40, b), 2
PSET (n * 1.5 + 40, (a + b) - 224), 14
N=n + 1
F n = R THEN GOTO 10

a = - 7.7 * SIN (2 * pi * s / 365)


b = - 9.9 * SIN (4 * pi * w / 365)

GOTO 4
10 PRINT “ dia”; dm; “ mês”; m

END

Cálculo da correção C2 e sua comparação com a fórmula


CLS
Pi = 3.14159
FOR s = 0 TO 90 STEP 5

L = Pi * s / 180
B = ATN (COS (Pi * 23.5 / 180) * TAN (L)) - L

B = B * 57.2 * 4
D = - 9.9 * SIN (2 * L)

PRINT s, B, D, B - D
NEXT
19
20

APÊNDICE MATEMÁTICO

Considere a figura abaixo:

y – y* = y – ky = (1 – k) y

M = tg-1 (k tg L)

M – L = tg-1 (k tg L) - L

M = tg-1 (k tgL)

(y – y*)/ (M – L) = dy/dL
(1 – k)y / (M – L) = dy/dL
(1 – k) = (M – L) dy/dL, para ∆L , M-L é pequeno.

M – L = (1 – k) y / (dy/dL)
21

M = L + [(1 – k) y / (dy/dL)]

Y = tgL , dy/dL = sec2 L = 1/ cos2L

M = L (1 – k) tgL cos2L = L + (1 – k) senL cosL

Se senL cosL = (1/2) sen 2L

Então,

M = L + [(1 – k)/2] sen 2L

M = L + 0,042 sen2L

K = 0,917
1 – k = 0,083
(1 – k)/2 = 0,042

M – L = 0,042 senL cosL


M – L = [(1 – k)/2] sen 2L

( 1 – k ) / 2 = ( 1 – cos i) / 2

(1 – cos i ) / 2 = sen2 (i / 2) 5

da fórmula,

sen2 A = (1/2) (1 – cos2A), temos que:

5
Coleção Schaun– 5.53, em que sen2A = (1/2) (1 – cos2A) ; A = ½ ; sen2 (i/2) = (1/2) (1 – cos i)
22

M – L = sen2 (i/2) . sen 2L

Para I = 23,5

M – L = 0,041469 sen 2 L6

Apresentação da ET

Denomina-se equação do tempo (ET) a correção em minutos que deve ser


aplicada à leitura da hora no relógio solar para se obter a hora média local.
Assim, a ET pode ser considerada uma função matemática cuja variável é o
número de dias transcorridos a partir de certa data, 1o de janeiro, por exemplo, ou
a partir da A.R. (ascenção reta) do Sol, etc.
Portanto,
ET = f ( t )

Esta função pode ser apresentada aos leitores de diferentes formas:

1) como uma função matemática explícita (conforme apresentado


no texto precedente):
ET = C1 + C2

C1 = 7m39s . sen [(2π/365).ND]

C2 ≈ 9m54s sen [(4π/365).ND – s]

ou, de forma mais precisa,


6
0,041469 radianos; transformar radianos em grau; 1 grau = 4 min de arco.
23

C2 = tg-1 [(cos π . 23,50) . tg L] – L, onde L = (ND . 360)/365


[ND corresponde ao número de dias transcorridos desde 01/01]

2) Na forma de um gráfico cartesiano

ou

3) na forma de um gráfico polar


24

ou

4) na forma analemática (ET, δ. AR, ND)


25

4) na forma de tabela de entrada simples

Tempo ET
01/1 + ----
02/1 + ----
03/1 + ----
04/1 + ----

Correção por longitude

Mais uma correção deve ser feita para a obtenção da hora média legal, hora
oficial que corresponde à hora no meridiano central do fuso horário.
Essa correção de ± 4 min de tempo para cada grau de longitude, Oeste ou
Leste de afastamento do local do relógio de sol, com o meridiano central do fuso
horário que determina a hora oficial.
O meridiano central de uma zona é múltiplo de 15° a partir do meridiano de
Greenwich, tomado como origem das longitudes.
26

Exemplo para Campinas (ou Maringá).


Como a informação da ET deverá estar mais próxima do relógio de sol e, de
preferência, fixa neste, cada formato de relógio aceita uma forma mais adequada
para o gráfico da ET, ND.
Por exemplo, num relógio equatorial, o formato polar pode ser o mais
adequado.

Referências

DANHONI NEVES, M. C.; ARGUELLO, C. A. Astronomia de régua e


compasso: de Kepler a Ptolomeu. Campinas: Papirus, 1986.
1

ADAPTANDO UMA CÂMERA FOTOGRÁFICA


MANUAL SIMPLES PARA FOTOGRAFAR O CÉU
Ricardo Francisco Pereira e Marcos Cesar Danhoni Neves

1. Introdução

A Astronomia é provavelmente a mais antiga e a mais bela ciência


desenvolvida pela civilização humana. Segundo Filho e Saraiva (2004, p.21):

O estudo da Astronomia tem fascinado as pessoas desde os tempos


mais remotos. A razão para isso se torna evidente para qualquer um
que contemple o céu em uma noite limpa e escura. Depois que o
Sol – nossa fonte de vida – se põe, as belezas do céu noturno
surgem em todo o seu esplendor.

Além da beleza, outros sentimentos podem surgir quando se estuda Astronomia.


De acordo com Danhoni Neves e Argüello (2001, p.17): “Observar os céus tem
produzido e continua produzindo no homem, sensações de imensidão, solidão, beleza,
mistério e induz profundos sentimentos, religiosos ou românticos”. De maneira
similar, Moreno (2006) escreve:
Certamente, não há aquele que, ante a primeira observação por um
telescópio, mostre-se indiferente. As reações são as mais diversas
possíveis. O entusiasmo dos jovens, a estupefação dos adultos ou o
incredulismo dos mais velhos, não importa, o primeiro contato com
o Cosmos é sempre algo especial e marcante.

A Astronomia, apesar de ser considerada a mais antiga ciência, é a ‘grande


desconhecida’ de nossos alunos nas escolas e da população em geral (LANGHI,
2004; PEDROCHI; DANHONI NEVES, 2005). Falta boa divulgação (e ensino)
dessa ciência tanto nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e nas Universidades
quanto na imprensa de modo geral. A esse respeito, escreve Moreno (2006):
2

O único elo com o conhecimento mencionado será aquele exposto,


brevemente, nas salas de aula ou de forma ainda mais efêmera pela
imprensa. E, o que é ainda pior, não raramente as informações
passadas dessas formas acabam se mostrando confusas, distantes e,
o que é ainda mais lastimável, expostas de forma incorreta.

Menezes, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo


(USP), coordenador dos Parâmetros Curriculares Nacionais, assim aludiu ao
aprendizado da Astronomia:

É interessante olhar para o céu e identificar partícipes do nosso


pequeno condomínio, o Sistema Solar. Ah, aquilo não é uma
estrela, é Vênus, um planeta. Reconhecer a Via Láctea, nossa
metrópole. O barato é dominar isso, não para repetir na prova, mas
para debater e filosofar sobre. Não é verdade que a criança não se
interessa por filosofar. Ela só não quer ser incomodada
(MENEZES, 2003, p.35).

Reeves, astrofísico canadense e autor de livros de divulgação científica,


afirma:

Pode-se desejar reconhecer as estrelas e as constelações. Mas, de


início, podemos perguntar por quê. Por que nos dar a esse trabalho?
Por que investir esforços nesse sentido? Reconhecer as estrelas
talvez seja tão útil (ou inúti [...]) quanto saber dar os nomes das
flores selvagens nos bosques. Hoje, a navegação é feita com
satélites apropriados. Só mesmo quem gosta de velejar é que às
vezes levanta os olhos aos céus para se guiar; e uma ou duas
constelações são suficientes para se encontrar a Estrela Polar [no
Hemisfério Norte]. A verdadeira motivação é outra. Ela diz respeito
ao prazer, ao prazer de transformar um mundo desconhecido e
indiferente em um mundo maravilhoso e familiar. Trata-se de
‘domesticar’ o céu para habitá-lo e, nele, sentir-se em casa
(REEVES apud PELLEQUER, 1991, p.86).

Para expressar a importância da observação do céu e realçar esse entusiasmo,


hoje quase perdido, o presente artigo busca explorar as possibilidades de se fotografar
3

o céu (astrofotografia) de forma simples e que pode servir como suporte razoável para
o ensino de Astronomia no nível Fundamental (5ª a 8ª séries) e no Ensino Médio.
Para tal fim, podemos utilizar uma analogia com um caso conhecido de ensino
de Física. Um professor dessa disciplina, quando pretende ensinar aos seus alunos
sobre lançamento de projéteis, normalmente desenha a trajetória no quadro e se
apropria das imagens do livro didático. O problema é que, nesse caso, os alunos não
têm contato nenhum com a tridimensionalidade da situação. Há praticamente um
‘exílio’ da situação real. Quando um professor realiza, com seus alunos, experiências
práticas com lançamento de projéteis, esses alunos passam a ter contato direto com a
situação, tornando a atividade um fato ‘palpável’, concreto.
Como o ensino de Física envolve muita subjetividade, seu aprendizado, na
escola atual, é sempre realizado de forma teórica, desmotivante. Quando utilizamos
experimentos, simulações, softwares e outros recursos do gênero no ensino de Física,
transformamos essa subjetividade em um tipo de objetividade que pode colaborar, de
forma mais eficaz, na aprendizagem dos alunos. Com a Astronomia não é diferente.
Os astrônomos estudam objetos que estão a milhões ou bilhões de quilômetros de
distância (sistema solar) e objetos que estão a milhares, milhões e bilhões de anos-luz
de distância (galáxia e aglomerados de galáxias). Motivar as pessoas a estudar ou
analisar objetos que estão a distâncias inimagináveis para os padrões humanos é
tarefa muito árdua. Como, então, estudar esses objetos tão distantes sem o uso de
fotografias, que tanto encantam e motivam o interesse pela Astronomia?
Trabalhar com a Astrofotografia pode aproximar o interesse das pessoas num
céu já tão empobrecido pelo sistema de ensino e pelas luzes e poluição das cidades.
Investir, pois, numa astrofotografia simples significa tocar a imaginação das pessoas,
trazendo para um ‘pedaço de papel’ um pedaço do céu como nunca antes observado.
Além disso, a fotografia astronômica pode se constituir num recurso didático
enriquecedor para o aprendizado de conceitos de Astronomia e do aprendizado de
Física, envolvendo especialmente a interdisciplinaridade entre aquela ciência e os
conceitos de ótica.
4

As primeiras fotografias astronômicas foram feitas em 1840, pouco depois da


invenção da placa fotográfica pelo norte-americano John W. Draper. Nessa ocasião
foram registradas imagens da Lua. Em 1842, o físico G. A. Majocchi fotografou o
eclipse de Sol de 8 de julho. A partir daí, a Astronomia evoluiu consideravelmente,
associando observações sistemáticas a registros fotográficos cada vez mais melhores:

O progresso da fotografia no último século foi a arma poderosa


para a humanidade curiosa. Mais do que isso, serviu para
transformar várias ciências e artes. Se os astrônomos continuassem
a depender da visão humana para conhecer o universo, pouco
saberiam, embora as lentes e espelhos telescópicos, complementos
da visão, contribuíssem de maneira espetacular para atingir
distantes galáxias e desvendar a química cósmica. Na verdade, sem
a fotografia, a bela visão pictórica do universo não teria sido
possível (BIBLIOTECA DA NATUREZA LIFE, 1970, p.132).

Fotografar objetos e eventos astronômicos não é apenas trabalho de


astrônomos profissionais que possuem telescópios gigantescos. Muitas das belas
fotografias que encontramos em livros ou em sites de astronomia foram feitas por
astrônomos amadores que usam equipamento apropriado (SKY AND TELESCOPE,
2006), mas modesto (Figura 1). A Astrofotografia é normalmente o passo seguinte de
quem já possui um telescópio e já tem bons conhecimentos sobre o céu, e,
naturalmente, quer registrar e compartilhar o que está observando. No entanto, o fato
de não se possuir um telescópio não impede que se dê o primeiro passo em
Astrofotografia. Mesmo que a técnica de câmera fixa no tripé imponha certas
limitações, é possível produzir fotos surpreendentes. Naturalmente o conhecimento
básico de fotografia e uso de equipamento fotográfico favorecerá essa tarefa.
5

Figura 1: Observação do cometa Hale-Bopp na primavera de 1997


Fonte: Sky and Telescope (2006).

Como afirma Ré (2003, p.65):

Fotografar o céu é uma ambição natural de muitas pessoas, entre as


quais incluem-se os entusiastas da fotografia e da astronomia, os
amantes da natureza e os astrônomos amadores. Por vezes pensa-se
que registrar estas imagens exige equipamentos altamente
sofisticados e amplos conhecimentos, mas algumas fotografias,
estão ao alcance de qualquer pessoa motivada e persistente e nem
por isso deixam de ser belas. O equipamento necessário é por
vezes, muito simples.

Essas são recomendações para aqueles que buscam informações sobre como
se iniciar na Astrofotografia. Hoje, as máquinas fotográficas estão mais sofisticadas e
uma imensidão de câmeras digitais inundam o mercado, com preços cada vez mais
acessíveis. Ainda assim, uma câmera do tipo reflex (Figura 2 - com lentes
intercambiáveis, velocidade B) continua com preço proibitivo quando comparamos
com uma câmera comum, dessas que podem ser facilmente encontradas em qualquer
bazar ou até em lojas de produtos importados com preços acessíveis, comumente
chamadas de ‘1,99’.
6

Figura 2: Câmeras mecânicas do tipo reflex


Fonte: astropix (2006).

Para iniciar-se na Astrofotografia, será necessário o uso de uma câmera reflex


35 mm (SLR) preferencialmente do tipo mecânica (que não necessita de baterias para
operar) e que possua controle de velocidade (‘velocidade B’). Lentes adicionais são
imprescindíveis. Algumas abrangem distâncias focais de 28 mm até 200 mm, um
cabo de disparo com trava e um cronômetro. Os filmes fotográficos podem ser
adquiridos em lojas de materiais fotográficos e existem diferentes tipos de filmes no
que diz respeito à sensibilidade dos mesmos:

A câmara fotográfica deve ser munida de uma objetiva


normal, (50 mm, 1:2.8 ou mais luminosa; evitar o uso de
objetivas com zoom) montada num tripé estável. Devem
utilizar-se, de preferência, câmaras fotográficas que sejam
munidas de obturação mecânica (a maioria das câmaras
existente atualmente no mercado possui obturação eletrônica).
Se utilizar uma câmara com obturação eletrônica, as pilhas se
gastarão rapidamente por terem de efetuar poses
relativamente longas (maiores que 30 segundos) (RÉ, 2003,
p.22).

Pelo trecho acima, poderíamos concluir que a Astrofotografia não é tarefa tão
simples como parece. As máquinas reflex possuem muitas configurações e o
fotógrafo necessita ter bom domínio sobre seus recursos. Por esse motivo,
desenvolver um método de baixo custo para se fotografar o céu pode se constituir
num poderoso agente motivador para o ensino de Astronomia para todos aqueles que
nunca teriam acesso ao equipamento necessário para fotografar o céu.
7

2. O uso do filme fotográfico e da câmera fotográfica

Entender como funciona um filme fotográfico e como se obtém uma


fotografia irá indicar bons modos e dicas para se obter boas fotografias do céu.
Os filmes fotográficos possuem uma característica denominada ISO ou ASA.
Quanto maior o ISO, maior a sensibilidade do filme à luz, mas também há a relação
com a velocidade. Os ISOs são de 100, 200, 400, 800, 1600. Quanto menor o ISO,
menor a velocidade, mas precisa-se de um maior tempo de exposição do filme. Por
exemplo: Cada vez que se duplica a velocidade ISO, necessita-se da metade do tempo
de exposição. Um filme ISO 400 é duas vezes ‘mais rápido’ que um ISO 200 e quatro
vezes ‘mais rápido’ que um filme ISO 100. Um objeto que requer uma exposição de 1
min com um filme ISO 100 necessitará somente de 30 seg com um ISO 200 e uma
velocidade mais curta de só 15 seg com um ISO 400. Quanto mais rápido for o filme,
menor será o tempo de exposição à luz.
Quanto maior o ISO, mais caro é o filme fotográfico. Os mais comuns são os
de ISO 100 e 400. Um filme de ISO 100 de 36 fotos custa em torno de 10 reais,
enquanto um de ISO 400 de 36 fotos custa em torno de 15 reais. Os filmes ISO 800 e
1600 são bem mais caros e normalmente devem ser encomendados nas lojas de
materiais fotográficos.
Na Tabela 1, abaixo, podemos identificar vários filmes, suas marcas, o ISO ou
ASA e as condições de uso.

Tabela 1: Características de alguns filmes fotográficos

ISO
Filme/Marca Poses Condições de Uso
(ASA)
Uso geral externo, grandes ampliações;
Kodak Gold 100 100 12, 24 e 36
Passeios, viagens, retratos, praia, neve.
Fuji Super HG V Uso geral externo, grandes ampliações;
100 12, 24 e 36
100 Passeios, viagens, retratos, praia, neve.
Agfa HDC 100 100 36 Uso geral externo, grandes ampliações;
8

Passeios, viagens, retratos, praia, neve.


Uso geral externo e interno, grandes
ampliações, pessoas. Para casamentos,
Kodak
100 36 batizados, eventos sociais, retratos, com uso
ProImagem 100
de flash profissional. Use-o em lugar do
Kodak Gold (é mais barato [...]).
Uso geral externo, grandes ampliações;
Fuji Superia 100 100 24 e 36 pessoas; passeios, viagens, retratos, praia,
tom de pele ‘aquecido’.
Uso geral externo e interno, câmeras
Kodak Gold 200 200 24 e 36 automáticas com zoom; Passeios, viagens,
natureza, festas, campo, cotidiano.
Uso geral externo e interno, câmeras
Fuji Super HG V
200 36 automáticas com zoom; passeios, viagens,
200
natureza, festas, campo, cotidiano.
Uso geral externo e interno, câmeras
automáticas com zoom; passeios, viagens,
Fuji Superia 200 200 36
natureza, festas, campo, cotidiano, tom de
pele ‘aquecido’.
Uso externo e principalmente para uso
interno com flash, câmeras com lentes zoom
Kodak Gold Ultra
400 12, 24 e 36 e teleobjetivas; festas, aniversários, jogos,
400
viagens e visita a lugares diversos (igrejas,
museus), fogos de artifício.
Uso externo e principalmente para uso
interno com flash, câmeras com lentes zoom
Fuji Super HG V
400 36 e teleobjetivas; festas, aniversários, jogos,
400
viagens e visita a lugares diversos (igrejas,
museus), fogos de artifício.

Uso externo e principalmente para uso


interno com flash, câmeras com lentes zoom
Fuji Superia 400 400 36 e teleobjetivas; festas, aniversários, jogos,
viagens e visita a lugares diversos (igrejas,
museus), fogos de artifício.
Uso externo e principalmente para uso
interno com flash, câmeras com lentes zoom
Agfa HDC 400 400 36 e teleobjetivas; festas, aniversários, jogos,
viagens e visita a lugares diversos (igrejas,
museus), fogos de artifício.
9

Para ambientes de pouca luz sem uso de


Kodak Gold flash, ambientes internos com flash, câmeras
800 24 e 36
Zoom 800 automáticas com zoom e teleobjetivas;
eventos noturnos, festas, jogos, espetáculos.
Fonte: geocities (2006).

Na primeira experiência com astrofotografias, é importante realizar alguns


testes com o tempo de exposição do filme fotográfico. Várias fotografias podem ser
obtidas com tempos de exposições diferentes em relação à mesma região do céu e
também com filmes de ISO diferentes. É muito importante anotar meticulosamente os
dados de cada fotografia tirada, tais como: tipo de filme (ISO), região do céu e tempo
de exposição para comparar as fotografias depois de revelado o filme fotográfico para
que se possa identificar o tempo de exposição ideal para o filme fotográfico adotado
(ISO).
O trabalho que desenvolvemos aqui visa à apresentação de um método de
adaptação de uma máquina fotográfica comum para tirar fotografias do céu. Porém,
para obtermos fotografias em máquinas comuns (não-reflex), é necessário aprender
como é o processo fotográfico. Numa máquina fotográfica, as partes mais
importantes são: a lente, o diafragma, o obturador e o filme.
A lente é a responsável por focalizar a imagem exatamente onde se encontra o
filme. Este tem a finalidade de absorver a luz que passa pela lente formando a
imagem.
O diafragma (Figuras 3 e 4) é o responsável pelo controle da quantidade de
luz por tempo de exposição, que chega ao filme (ver imagens abaixo). Se chegar
pouca luz em um determinado intervalo de tempo, o filme absorverá pouca luz,
formando uma imagem muito escura. Se chegar muita luz nesse mesmo intervalo de
tempo, o filme absorverá muita luz, ficando muito sensibilizado e formará uma
imagem muito clara, podendo ‘queimar’ outras fotografias ou até velar o filme
inteiro.
10

Figura 3: Dispositivo que contém a lente de uma máquina reflex e as ilustrações das diferentes
‘aberturas’ de um diafragma
Fonte: astrosurf (2006).

Figura 4: Fotografia comparativa da diferença entre um diafragma fechado (à esquerda) e um


diafragma aberto (à direita) em uma lente de máquina fotográfica
Fonte: home.planet(2006).
11

O obturador (Figura 5) é um dispositivo que controla o tempo de exposição de


um filme à luz. Nas máquinas reflex mecânicas, o fotógrafo pode controlar esse
tempo de exposição, dependendo da situação em que está fazendo fotos de longa
exposição. Na Astrofotografia, esse tempo de exposição é demasiadamente longo
para os padrões fotográficos normais. Por esse motivo, geralmente os astrofotógrafos
acoplam ao botão do obturador um disparador manual que trava esse botão por
quanto tempo se desejar.

Figura 5: Fotografia indicando o obturador da máquina dentro do retângulo central


Fonte: os autores.

Em uma máquina fotográfica normal (não-reflex), o obturador é aberto e


fechado muito rapidamente no momento em que se ‘dispara’ a máquina e o fotógrafo
não tem o controle desse dispositivo. Não podemos deixá-lo aberto pelo tempo que
precisarmos e o diafragma tem uma abertura fixa que não pode ser mudada.
Resumindo, a diferença entre as máquinas reflex e as máquinas comuns está
no controle da quantidade de luz que entra na máquina por unidade de tempo
(controle do diafragma) e no controle do tempo de exposição do filme fotográfico à
12

luz (controle do obturador) nas máquinas reflex e na impossibilidade de controle


desses dispositivos na câmera comum.
Teoricamente é impossível obter astrofotografias com as máquinas normais
sem nenhum tipo de adaptação. Porém, através de uma simples adaptação,
mostraremos como podemos utilizar máquinas normais manuais para tirar fotografias
do céu. É essa adaptação a principal contribuição do presente artigo.

3. Fotografar o céu com o uso de uma câmera comum (não-reflex)

O primeiro passo é encontrar uma máquina fotográfica comum (35 mm ou 28


mm) e ‘manual’ (Figura 6). É nela (máquina obtida numa loja de comércio popular)
que vamos fazer a adaptação, muito simples do ponto de vista técnico.
A intenção aqui é fazer com que o obturador da máquina fotográfica fique
aberto e não fechado, como ocorre normalmente. Assim, agindo dessa maneira,
podemos simular a velocidade ‘B’ das câmeras reflex. A máquina deve ser aberta no
local onde se coloca o filme fotográfico. É possível observar nessa oportunidade o
funcionamento do obturador, ‘disparando’ a máquina seguidas vezes.
Podemos observar claramente que o obturador abre e fecha muito
rapidamente. É exatamente isso que queremos evitar. Se colocarmos o dedo no
obturador e o deixarmos semiaberto, notamos que a máquina fotográfica continua
disparando normalmente. Então, podemos, com o auxílio de um pouco de cola, selar
o obturador aberto. Para isso vamos precisar de uma cola poderosa e de secagem
rápida, do tipo ‘superbonder’. Coloca-se a cola no obturador e com o auxílio de um
palito de dentes, ou palito de sorvete ou ainda uma caneta, empurra-se o obturador
totalmente para dentro da máquina de forma a não deixá-lo voltar à sua posição de
origem. Após a cola ter secado, deve-se conferir se o obturador ficou bem colado.
Isso se faz, ‘disparando’ a máquina várias vezes. Se o obturador não voltou à posição
de origem (que é obstruir a passagem de luz) é porque ele está bem selado. A
adaptação já está pronta e a máquina pronta para registrar fotografias do céu.
13

Agora que a máquina já está adaptada, falta escolher o filme fotográfico e


saber o modo de como fotografar nessa máquina. Para o primeiro teste, recomenda-se
o filme de ISO 400 que é bem sensível. Apesar de ter sensibilidade relativamente alta,
o filme não é muito caro e é facilmente encontrado nas lojas. A marca do filme não é
relevante; procure escolher uma marca de sua preferência.

Figura 6: Foto tirada da máquina pronta para fotografar o céu. Vemos que abaixo da palavra
lente existe um ponto branco, ali fica a lente da câmera
Fonte: os autores.

Como a máquina não possui o obturador para obstruir a luz que passa pela
lente, deve-se tomar cuidado extra para se colocar o filme. Esse cuidado se deve
porque é preciso disparar a máquina para rodar o filme, mas para realizar essa ação, a
máquina deve estar num local muito escuro ou, simplesmente, colocada contra o
corpo do fotógrafo, com a lente apontada contra o peito. Imediatamente após esse
processo, com a máquina ainda pressionada ao peito, deve-se fechar a parte que
impede a entrada de luz na máquina. Todas as máquinas possuem esse dispositivo.
Com esse dispositivo fechado, a máquina não ‘dispara’, ou seja, é impossível tirar
14

fotografias. Com a máquina pronta para fotografar, é necessário agora um tripé ou um


lugar onde a máquina possa ser apoiada firmemente, deixando-a estável, sem
balançar. Isso evitará que as imagens das estrelas saiam ‘trêmulas’.
Para fotografar o céu noturno é necessário encontrar um local aberto, um
campo ou um pasto, por exemplo, em total escuridão, distante das luzes da cidade ou
de qualquer lugar iluminado. Quanto mais ‘claro’ o céu, piores serão as fotografias.
Além de um bom local, o momento para se obter essas fotografias também é
importante. A Lua reflete a luz do Sol. Dependendo da fase em que se encontre,
maior quantidade de luz é refletida. A luz que a Lua reflete é dispersa pela atmosfera.
Então, da superfície da Terra, vemos a região em volta da Lua quase azulada e as
estrelas parecem ‘brilhar’ menos. Quanto mais próximo da fase da Lua Cheia, maior
será a região ‘azulada’ em torno da Lua, e, consequentemente, pior para se obter boas
fotografias do céu. Na época da Lua Nova, isso não ocorre e o céu fica bem escuro,
com as estrelas brilhando com maior intensidade aparente. Essa é a época mais
apropriada para se fotografar o céu.
Após a escolha de um local adequado para fotografar e do posicionamento
correto da máquina, aponte a mesma para a região do céu que deseja fotografar. Abra
a tampa da lente da máquina, ‘bata a foto’, pressionando o botão disparador da
câmera, soltando-o em seguida. Deixe a máquina nesse estado por alguns minutos,
dependendo do tempo de exposição que deseja dar (baseado, também, na
sensibilidade do filme, ISO 100 ou 400). Transcorrido o tempo de exposição e
procurando não mexer a máquina, cubra a lente objetiva totalmente com um pano
escuro, para evitar que se transmita qualquer réstia de luz para o interior da câmara
escura da máquina. Feche então a tampa da lente e gire o filme.
Para se ter uma ideia do tipo de fotografia que essa máquina fotográfica, agora
adaptada, pode obter, observe as Figuras 7 e 8 abaixo, além da Figura esquemática 9:
15

Figura 7: Fotografia de longa exposição do polo celeste Sul


Fonte: Felipe Braga Ribas – CAPEP (Clube de Astronomia do Colégio Estadual Paraná,
Curitiba, Paraná, Brasil).

Figura 8: Fotografia de longa exposição da Constelação de Órion


Fonte: astrosurf (2006).
16

Figura 9: Representação esquemática da esfera celeste: uma visão


geocêntrica do Universo

Olhando para o céu em uma noite estrelada, parece que estamos no centro de
uma grande esfera oca. As estrelas parecem estar ‘coladas’ nessa esfera. Com o
passar do tempo, as estrelas mudam de posição, porque, para um observador na
superfície da Terra, toda a abóbada celeste parece se mover carregando todas as
estrelas ‘fixas’, os planetas e a Lua (astros ‘móveis’). Se observarmos o céu em dias
seguidos e na mesma hora, perceberemos que as estrelas aparentam voltar sempre ao
mesmo lugar. Porém, se observarmos o céu por períodos longos, meses, por exemplo,
perceberemos que as estrelas, apesar de manterem as mesmas distâncias relativas
entre si, mudam de posição no céu quando vistas sempre à mesma hora.
A Figura 10 ilustra o movimento aparente do Sol em diferentes latitudes.
17

Figura 10: Movimento aparente do Sol no céu em diferentes localidades no globo terrestre

A série de ilustrações na Figura 10 indica que uma pessoa na linha do equador


(latitude = 0º) perceberá o movimento aparente das estrelas na esfera celeste como
arcos perpendiculares ao horizonte. Uma pessoa em qualquer um dos polos terrestres
(latitude = 90º) perceberá o movimento das estrelas como arcos paralelos ao
horizonte, ou seja, os astros sempre estão à vista e nunca se ‘põem’ no horizonte.
Uma pessoa em uma latitude intermediária perceberá o movimento dos astros como
arcos inclinados em relação ao horizonte. Fotografias tiradas nesses diferentes locais
indicarão, pois, diferentes movimentos, facilitando muito o aprendizado de vários
conceitos (latitude, estações do ano, eixo polar, inclinação, etc.) necessários à
compreensão da fenomenologia que envolve o céu e a História da Ciência.
À medida que observamos o céu, familiarizamo-nos com o posicionamento
das estrelas e podemos escolher as melhores épocas para fotografar determinadas
constelações, que
são agrupamentos aparentes de estrelas, os quais os astrônomos da
antiguidade imaginaram formar figuras de pessoas, animais ou
18

objetos. Numa noite escura, pode-se ver entre 1000 e 1500 estrelas,
sendo que cada estrela pertence a alguma constelação (FILHO;
SARAIVA, 2004, p.23).

Para aqueles que estão iniciando em técnicas de fotografia astronômica é


interessante obter várias fotografias de uma mesma região do céu, mas com tempos
de exposições diferentes. O ideal é começar com uma exposição de um minuto,
aumentando sucessivamente (para cada fotografia) por unidades de um minuto até
chegar a 10 min de exposição. Como as estrelas estão ‘se movendo’ no céu e a
câmera está parada, e dependendo do tempo de exposição do filme, as estrelas
certamente sairão como ‘traços’ contra o fundo escuro do céu noturno. Quanto maior
o tempo de exposição do filme, maior será o traço deixado no filme. Assim, uma das
tarefas é trabalhar para se encontrar uma boa relação com o tempo de exposição para
que as estrelas sejam registradas como pontos e não traços.
Ao enviar o filme para revelação é importantíssimo não se esquecer de avisar
aos atendentes para revelarem ‘todas’ as fotografias, pois elas são fotos astronômicas.
Se isso não for feito, aquele que revelar não perceberá os pequenos pontos luminosos
marcados no filme fotográfico e, assim, não revelará as fotografias.
Mesmo a prática de uma atividade não muito complicada como é a
Astrofotografia requer alguns cuidados muito importantes, que podem ser muito bem
compreendidos no que se refere à observação solar (RÉ, 2004, p.25, grifo nosso),: “A
observação e fotografia do Sol revestem-se de numerosos perigos: nunca se deve
observar ou fotografar o Sol sem recorrer ao uso de filtros apropriados”. Outro
fato importante é que não existe um filtro específico para uma câmera fotográfica
normal, e não se deve tentar uma adaptação para se fotografar o Sol ‘em nenhuma
hipótese’. Se isso for feito, que o seja usando a projeção em tela da imagem do Sol
por meio de um telescópio ou binóculo, mesmo de baixa resolução.
19

4. Resultados

Depois de algumas experiências com o filme fotográfico ISO 400, podemos


trabalhar também com um filme ISO 100 - a diferença entre ambos é que o tempo de
exposição deverá ser maior. Abaixo, as Figuras 11 e 12 são exemplos da técnica
empregada que utiliza um filme ISO 400 e uma máquina fotográfica adaptada.

Figura 11: Fotografia de longa exposição da constelação do Cruzeiro do Sul – 3 minutos de


exposição – Filme: ISO 400 - com nomes das principais estrelas
Fonte: os autores (com tratamento de imagem para ter maior contraste. Cortesia: Wilson
Guerra).
20

Figura 12: Fotografia de longa exposição da constelação do Cão maior – 4 min de exposição
– Filme: ISO 400 - com nomes das principais estrelas
Fonte: os autores (com tratamento de imagem para ter maior contraste. Cortesia: Wilson
Guerra).

Com a prática, as fotografias tornam-se cada vez melhores e mais ideias


podem surgir para melhorar o método.

5. Conclusão

A Astrofotografia não é uma ciência nova. É utilizada há mais de um século,


porém, hoje, com novas máquinas fotográficas e novas tecnologias, como as câmeras
CCDs, há uma limitação financeira muito grande, pelo custo do equipamento para a
utilização da Astrofotografia no ensino e na divulgação da Astronomia. O método
que sugerimos aqui para se adaptar uma máquina fotográfica comum para se obter
fotografias do céu é de baixo custo, uma vez que utiliza máquina fotográfica comum
e filmes fotográficos economicamente acessíveis como os de ISO 100 e 400. Um
tripé pode ser adquirido a um custo razoável. Pode até mesmo ser improvisado.
Assim, com a redução drástica de custos, muitos jovens e astrônomos amadores, com
pouco poder aquisitivo, podem estar trabalhando com a Astrofotografia.
21

Muitos conceitos de Astronomia podem ser aprendidos a partir do uso


didático de fotografias do céu noturno. Entre esses conceitos, poderíamos salientar: a
diferença entre as cores das estrelas (temperatura e tipo espectral); o movimento
aparente das estrelas (que afinal é causado pela rotação da Terra em torno do seu
eixo); as diferentes distâncias angulares entre as estrelas; as diferentes constelações
no céu; a diferença entre os brilhos das estrelas (magnitude); as fases da Lua; e
finalmente o estudo sistemático das condições de observação de estrelas e planetas.
É interessante notar que a Astronomia é uma das ciências mais
transdisciplinares (BRETONES, 2005). Ela pode desenvolver várias habilidades, tais
como: melhoria na capacidade de cálculos matemáticos, comparação e classificação
de objetos ou eventos, comunicação, experimentação, exploração, imaginação,
medição, observação, organização, raciocínio lógico, aplicação, avaliação, dedução,
descrição, interpretação, predição, manipulação de instrumentos e reconhecimento de
pré-conceitos ou concepções alternativas. Especificamente, podemos traçar um
paralelo entre o ensino de Astronomia através da Astrofotografia com o ensino de
Óptica, mais precisamente sobre o funcionamento das máquinas fotográficas, que
analogamente é muito semelhante ao do olho humano.
O método de adaptação da máquina fotográfica para usá-la como recurso
didático é promissor em relação à sua utilização no ensino e na divulgação de
Astronomia, porém ainda pode ser melhorado e adaptado também para se fotografar o
céu acoplado com um telescópio, mesmo que de baixa resolução, ou acoplado a uma
plataforma equatorial que acompanha o movimento de rotação da abóbada celeste.

7. Referências

BIBLIOTECA DA NATUREZA LIFE. O Universo. Rio de Janeiro: José Olympio,


1970.

BRETONES, P. Os segredos do Universo. 4. ed. São Paulo: Atual, 2005.


22

DANHONI NEVES, M. C.; ARGÜELO, C. A. Astronomia de régua e compasso: de


Kepler a Ptolomeu. 2. ed. Campinas: Papirus, 2001.

FILHO, K. de S. O.; SARAIVA, M. de F. O. Astronomia e Astrofísica. 2. ed. São


Paulo: Livraria da Física, 2004.

LANGHI, R. Um estudo exploratório para a inserção da Astronomia na formação de


professores dos anos iniciais do ensino fundamental. 2004. 257f. Dissertação
(Mestrado)-UNESP, Bauru, 2004.

MENEZES, L. C. Mais paixão no ensino de Ciências. Revista Nova Escola 159,


2003.

PEDROCHI, F.; DANHONI NEVES, M. C. Concepções astronômicas de estudantes


no ensino superior. Revista Electronica de Enseñanza de las Ciencias. v. 4, n. 2.
(http://www.saum.uvigo.es/reec/Volumenes.htm), 2005.

PELLEQUER, B. Pequeno guia do céu. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

RÉ, P. Revista macroCOSMO, 01, 32 (2003).

______. Revista macroCOSMO, 02, 48 (2004a).

______. Revista macroCOSMO, 03, 33 (2004b).

Sky and Telescope: Disponível


em:<http://www.covingtoninnovations.com/astro/exhibit.html >. Acesso em: 15 set.
2006.

Disponível em: <http://www.geocities.com/alnitack_br/filmes.htm>. Acesso em: 18


jul. 2006.

Disponível em:
<http://gedal.astrodatabase.net/artigos_e_textos_ensinoedivulgacaodaastronomia.htm
l>. Acesso em: 07 jun. 2006.

Disponível em: <http://www.astropix.com/HTML/I_astrop/I03/I03.HTM>. Acesso


em: 15 jun. 2006..

Disponível em: <http://www.astrosurf.com/pedro/tecnica/Camaras,htm>. Acesso em:


10 nov. 2006.
23

Disponível em: <http://astrosurf.com/diniz/trailsorion.html>. Acesso em: 10 nov.


2006.
1

INVESTIGANDO CONCEITOS ASTRONÔMICOS


BÁSICOS
Marcos Cesar Danhoni Neves e Franciana Pedrochi

I. Introdução

Este trabalho pretende realizar algumas averiguações sobre o ensino de


Astronomia em cursos superiores de licenciatura (ou mesmo bacharelado) em Física.
Apesar de a Astronomia despertar tanta curiosidade entre estudantes e professores,
esta ciência encontra-se abandonada nos currículos de Física ou mesmo de ciências
(os cursos de graduação em Biologia, que formam grande número de docentes para o
ensino fundamental na área de ciências, não apresentam, sequer, em seu rol de
disciplinas eletivas, temas relativos ao tema ‘Astronomia’). Quando isso não ocorre, é
frequente encontrar aquela ciência exilada em disciplinas eletivas, sem grande
organicidade no currículo do curso e/ou em seu projeto pedagógico. A Astronomia é,
pois, tratada de forma ilustrativa, ou mesmo decorativa, algo muito semelhante ao
que ocorre (e isto com mais frequência) em diferentes universidades do país, com o
curso de História da Física/Ciência (que também poderia ser usado, de forma
periférica e excepcional, para o ensino de Astronomia).
Apesar de a situação de penúria no ensino de Astronomia ser relativamente
preocupante, a situação parece se inverter quando se trata da pesquisa que envolve
concepções dos estudantes sobre o tema. A partir da segunda metade da década de
1970 (mais especificamente, a partir do ano de 1976), um número bastante elevado de
pesquisas foi realizado em todo o mundo sobre essas concepções, como, por
exemplo, as realizadas por Nussbaum e Novak (1976). Em 1994, Bisard et al. (1994)
realizaram um estudo cujos objetivos eram investigar e avaliar os conceitos
2

científicos prévios levados pelos alunos do Ensino Médio para a Universidade. Mais
tarde, em 1998, Zelik, Schau e Mattern (1998) fizeram uma investigação com o
mesmo público com o intuito de determinar o que é ciência e que é ‘não-ciência’ em
conceitos físicos e astronômicos.
Podemos observar em muitas pesquisas que os conceitos prévios que os
alunos trazem consigo, as chamadas ‘concepções alternativas’, podem ter grande
influência na aprendizagem, podendo provocar algum tipo de resistência à ‘troca’
desses conceitos por aqueles ensinados em sala de aula (DRIVER, 1989). Outro
grande problema que se apresenta é a absorção de conceitos considerados ‘errôneos’
[passaremos a tratar desses conceitos no presente trabalho como conceitos que se
enquadram em esquemas ‘pré-copernicanos’ ou, quando não se enquadram em
nenhum esquema definido, como ‘conceitos ambíguos’], o que pode ser causado pela
má preparação do professor ou pela desatenção ou mesmo distorção (graças a um
sistema educacional deficiente) desses conceitos pelos alunos.

II. Metodologia

O presente trabalho se baseia na avaliação de questionários aplicados a alunos


do último período (ou quarto ano) de graduação em licenciatura/bacharelado em
Física da Universidade Estadual de Maringá, durante a disciplina de ‘Astronomia
Básica’. Este curso não faz parte da grade curricular obrigatória nessa Universidade,
assim como ocorre nas maiores universidades do Brasil. Instituições como UFPe,
UFRJ, UFF, USP, UNICAMP e UFRGS frequentemente não oferecem essa
disciplina nem ao menos no quadro de disciplinas eletivas ou opcionais.
Na UEM a disciplina de Astronomia é oferecida em regime semestral, com
carga horária semanal de 4 h, totalizando um curso de 68 (sessenta e oito) h. Este
curso tem por objetivo abranger os seguintes tópicos em sua ementa:

- conceitos prévios sobre fenômenos do céu;


3

- Astronomia geocêntrica;
- observação noturna à vista desarmada;
- construção de instrumentos de medida (relógios lunares, estelares, solares
e carta do céu);
- sistemas referenciais;
- Astronomia pós-copernicana (heliocêntrica, heliostática);
- princípios gerais de Cosmologia Moderna;
- cosmologias alternativas (não-evolucionistas – sem Big Bang).

No primeiro dia de aula foi feito um questionário aos alunos (21 no total)
envolvendo diversos tipos de questões. Para o estabelecimento de um critério de
avaliação qualitativo e de interesse de pesquisa para as questões, estas foram
classificadas em quatro grupos (seguindo a metodologia encontrada em ALBANESE;
DANHONI NEVES; VICENTINI, 1997):

Grupo 1: Questões de Observação (QO), - se a questão for estritamente


dependente da observação do fato ou evento (por exemplo: ‘o Sol surge sempre no
mesmo ponto durante o inverno?’);
Grupo 2: Questões Descritivas (QD) - se a questão se referir a um fenômeno
de um ponto de vista ou lugar diferente do disponível (como exemplo: ‘imagine
observar a Terra da Lua. Como seria seu movimento aparente?’);
Grupo 3: Questões Preditivas (QP) - se a questão induzir à previsão ou à
construção de um modelo teórico ou de um fenômeno (questões do tipo: ‘O que
aconteceria quando [...]?’);
Grupo 4: Questões Explicativas (QE), se a questão pedir a explicação de um
fenômeno (questões do tipo: ‘Por que...?’ ou ‘O que é [...]?’).

Desse modo, tornou-se mais simples analisarmos as respectivas respostas


dadas pelos alunos.
4

Esse questionário, com um total de dez perguntas, englobou questões que,


basicamente, envolviam os movimentos de rotação e translação e os fenômenos
provocados por eles (estações, coordenadas geográficas, movimento aparente do Sol
ao longo do ano, ‘diversidade mensal’ do céu noturno, etc.). Esse conjunto de
questões teve por objetivo avaliar o conhecimento desses estudantes com relação a
esses tópicos básicos, pois eles dizem respeito aos conteúdos que deveriam estar
presentes durante toda a vida estudantil (desde o ensino fundamental, em ciências, até
o ensino médio na disciplina de Geografia, principalmente). As questões aplicadas
são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1: Questionário I
Questões Classificação
1) O que são: a) solstícios?; b) equinócios? QE
2) Qual o princípio de funcionamento de um relógio de sol? QE ou QO
3) O que é um meridiano? QE
4) O que é a eclíptica? QE
5) Por que existem os fusos horários? QE
6) O que são: a) latitude? ;b) longitude? QE
7) Por que ocorrem as estações do ano? QE ou QO
8) Como encontrar as coordenadas geográficas de um lugar? QD ou QE
9) É possível medir a hora pelo movimento aparente das estrelas? QO
10) Aponte argumentos que ‘provem’ a rotação e a translação da Terra. QE ou QO

No decorrer do curso, uma das atividades pedidas aos alunos foi a observação
do céu noturno durante um mês. Nesses dias eles deveriam acompanhar, a olho nu, o
movimento da Lua (ou a lunação completa) e fazer medições dos ângulos de
inclinação, com relação ao horizonte, às estrelas e aos planetas, além de verificar
quais os principais astros visíveis no céu. Em se tratando do início do ano (2003), os
5

astros mais importantes observados foram, portanto, a Lua, Júpiter, Saturno, Sírius e
as Três Marias. Após o período de observação, os alunos entregaram um trabalho,
relatando o que foi visto e posteriormente responderam a um outro questionário, em
que a única pergunta presente era:

Questionário II
1) Explique o porquê da lunação. QO ou QE

Essa questão pode ser classificada como observativa (QO) ou explicativa


(QE). ‘Observativa’ porque se esperava que todos os alunos tivessem realizado a
tarefa pedida, e ‘explicativa’ quando eles reelaboravam o que observavam, ou
simplesmente inventavam por uma ‘indisciplina de observação’.
Após o período de observação, a ementa foi cumprida plenamente, dando
ênfase à questão da construção do referencial geocêntrico e dos instrumentos de
mensuração de tempo possíveis (construção de relógios de sol, de lua, de estrelas e
carta do céu).

III. Análise dos Questionários

As respostas não podem ser classificadas da mesma maneira que as questões,


uma vez que, normalmente, encontramos respostas que não se encaixam em nenhum
dos quatro grupos que classificam as perguntas. Isso se deve ao fato de podermos
encontrar concepções ‘pré-copernicanas’ e/ou ‘ambíguas’, dentre outras
classificações possíveis. Por essa razão, para melhor realizarmos a análise dos
questionários e dos textos dos estudantes, estabelecemos um novo critério de
classificação, dividindo as respostas também em quatro grupos:
6

Grupo 1: Respostas Observativas (RO) - são aquelas em que o aluno faz menção a
um fenômeno por ele observado, não importando se o argumento apresentado está
correto ou não;
Grupo 2: Respostas Memorizativas (RM) - são aquelas em que o aluno apela para a
memória de fatos que ele não vivenciou;
Grupo 3: Respostas Alternativas (RA) - quando as respostas são sabidamente
errôneas, mas apresentam um modelo subjacente (em geral, do tipo ‘pré-
copernicano’);
Grupo 4: Respostas Ambíguas (RAm) - são respostas que não fornecem elementos
suficientes para uma classificação mais precisa nas categorias acima.

Primeiramente, analisamos as respostas do Questionário I, classificando-as de


acordo com o critério previamente estabelecido. Assim, o resultado obtido (para o
grupo de 21 alunos) foi (ver Tabela 2 e gráfico subjacente):

- 7,3 % de respostas observativas (RO), portanto, pertencentes ao grupo 1;


- 58,0 % das respostas indicaram conteúdos memorizados, sendo, portanto,
classificadas como respostas memorizativas (RM);
- respostas consideradas alternativas (RA) somaram 14,70 %;
- e, finalmente, 20,0 % foram consideradas respostas ambíguas (RAm).
7

Tabela 2 - Percentuais de Respostas

60 RM
50
40
percentuais 30 RA RAm
20 RO Seqüência1
10
0
1 2 3 4
categorias

De acordo com esses dados podemos destacar a grande quantidade de


respostas alternativas (RA) e respostas ambíguas (R.Am), resultando num total de
quase 35% das repostas. Esse número, somado àquele da presença de respostas do
tipo memorizativo (58%), mostra, claramente, a deficiência do aprendizado de
Astronomia tanto no ensino fundamenta, quanto médio e, de forma mais gritante
ainda, no ensino superior, uma vez que se trata de um curso de graduação em Física.
Os textos e o questionário referentes às observações dos estudantes foram
considerados trabalho de conclusão da disciplina. Por meio desses, pode-se observar
a evolução do aluno durante o curso, através de uma comparação com os conceitos
apresentados inicialmente (Questionário I).
Os textos, ou trabalhos, obviamente são classificados como respostas
observativas (RO), uma vez que seu objetivo era nada mais que relatar as observações
feitas. No geral os textos trazem figuras com as fases da Lua, ou lunação, e os dados
observacionais, ou seja, suas medições durante o período em que estiveram
realizando as observações.
8

Para o questionário II, normalmente esperaríamos que as respostas fossem


classificadas como do tipo ‘observacionais’ (RO), mas que poderiam englobar
também alguns conceitos memorizativos, com maior dificuldade de distinção entre
ambas. Porém, o que encontramos difere um pouco dessa expectativa. Com base em
nosso critério de classificação, podemos dizer que cerca de 79,0 % dos alunos
responderam à questão em concordância com o sistema pós-copernicano. Mas dentre
essas respostas cerca de ¼ (um quarto) delas apresenta certa ambiguidade em que
pudemos perceber uma mescla de conceitos observados e conceitos prévios
(concepções derivados, principalmente, da memória). Os demais, 21,0 %,
apresentaram, além de ambiguidade, conceitos alternativos, sendo que em sua
totalidade essas respostas alternativas (RA) confundem as fases da Lua Nova e Lua
Cheia com os fenômenos relativos a eclipses lunares e solares.

IV. Conclusão

De todos os resultados obtidos, a conclusão mais clara é que, ao final de um


curso que envolve conceitos/observações astronômicas, os alunos continuam com
esquemas inalterados de modelos alternativos e/ou ambíguos, que apelam muito para
esquemas memorizados no passado (especialmente durante o longo ‘aprendizado’ no
ensino médio e fundamental).
Os projetos pedagógicos de cursos de licenciatura e bacharelado em Física
privilegiam muito pouco a questão de sistemas de referência (importante para uma
disciplina como ‘Astronomia’), ou, quando o fazem, expõem o tema em uma forma
padrão, pouco convincente e que reforça esquemas de memorização e/ou acaba
validando/reforçando esquemas alternativos.
Apesar do aspecto inovador do curso de Astronomia dado e analisado no
presente trabalho, constatamos que, como salientam Albanese, Danhoni Neves e
Vicentini (1997), a Astronomia é uma ciência que pertence à comunicação social.
Essa comunicação envolve a troca de experiências e observações obtidas em
9

diferentes ‘plataformas’ de observação no planeta Terra. O desenvolvimento da


Astronomia, da cartografia e da cosmologia não teria sido possível, se diferentes
astrônomos e cientistas não tivessem reunido suas diferentes observações, debatido-as
e negociado suas significações e modelos.
No entanto, essa prática está ausente no ensino de Astronomia e,
provavelmente, o mesmo deva se estender aos diversos conteúdos abordados na
Física (TRUMPER, 2000; NARDI E TEODORO, 2001).
Os resultados que obtivemos estão agora sendo usados para que os alunos da
disciplina de ‘Prática de Ensino de Física’ possam reelaborar seus métodos e,
sobretudo, reelaborar as formas possíveis de se apresentar conteúdos, dentro de um
processo ensino/aprendizagem mais rico que leve em consideração as concepções de
cada estudante.
Portanto, à guisa de conclusão, os resultados aqui mostrados apontam para
uma modificação no tratamento de temas abordados em ciência ao longo do ensino
superior (valendo a mesma análise, acreditamos, para o ensino fundamental e médio).
E essa modificação deve privilegiar, sobretudo, aquilo que constitui a crença dos
alunos em diferentes fenômenos e sua possível modificação, graças a uma ciência
permeada pelo diálogo e pela superação mais que pelo confronto e pela memória.

V. Referências

ALBANESE, A.; DANHONI NEVES, M. C.; VICENTINI, M. ‘Models in science in


education: a critical review of research on students’ ideas about the earth and its
place in the universe’. Science & Education, no. 6, p. 573-590, 1997.

BISARD, W. et al. ‘Assessing selected physical science misconceptions of middles


school through university preservice teachers’. Journal of College Science Teacher,
no. 24, p. 38-42, 1994.

DRIVER, R. ‘Student’s conceptions and the learning of science’. International


Journal of Science Education, no. 11, p. 481-490, 1989.
10

NARDI, R.; TEODORO, S. R.: ‘A História da Ciência e as concepções alternativas


de estudantes como subsídios para o planejamento de um curso sobre atração
gravitacional’. Educação para a Ciência, n. 3, p. 57-68, 2001.

NUSSBAUM, J.; NOVAK, J. D. ‘Na assessment of children’s concepts of the


earth utilizing structured interviews’. Science Education, v. 4, no. 60, p. 535-550,
1976.

TRUMPER, R. ‘University students’ conceptions of basic Astronomy


concepts’. Physics Teacher Education Beyond, p. 217-220, 2000.

ZELIK, M.; SCHAU, C.; MATTERN, N. ‘Misconceptions and their change in


university-level astronomy courses’. Phyics Teacher, no. 36, p. 104-107, 1998.
1

COMETOGRAFIA I: OBSERVANDO,
FOTOGRAFANDO E CONSTRUINDO
EFEMÉRIDAS APROXIMADAS DO
COMETA MCNAUGHT
Marcos Cesar Danhoni Neves

Introdução

As aparições de cometas no céu constituíram-se sempre num espetáculo de


contemplação e deslumbramento que perpassa a história humana, com aparições
fulgurantes ou nem tanto e que, invariavelmente, ligam-se a eventos importantes
da construção do conhecimento científico (FARIA, 1985).
Em 1972 a aparição do cometa Kohoutek (Figura 1) em céus austrais
estimulou uma infinidade de pessoas a olhar para o céu e redescobrir o mistério do
céu que nos recobre, fazendo-nos voltar ao já distante século XVIII, nos tempos
de Sir Isaac Newton e Edmond Halley, e questionar sobre a natureza desses
excêntricos astros (não somente pela sua extrema órbita kepleriana) e de sua
periodicidade. A Figura 2(a, b e c) demonstra claramente a decepção que todos
vivemos com o tão esperado retorno do cometa Halley, após sua magnífica e
quase assustadora aparição em 1910, quando sua cauda chegou a envolver a órbita
de nosso planeta. O problema de sua reaparição em 1986 se deveu não tanto pela
sua maior distância com a Terra quando comparada àquela de 1910, mas,
sobretudo, pela sua posição relativa à própria Terra: no perigeu, sua cabeça estava
voltada para nós, o que acabou diminuindo a possibilidade de vislumbrar suas
duas caudas (de poeira e de gás), uma vez que elas próprias estavam eclipsadas
pela coma do cometa.
2

Figura 1: Cometa Kohoutek


Fonte: gsfc.nasa

(a)
3

(b) (c)
Figura 2: Cometa Halley fotografado em 1910 (a) e em 1986 (b, c) [fonte das fotos b e c:
o autor]

O cometa Schoemaker-Levy, que se chocou contra o gigante planeta


Júpiter, apesar de não ter sido observado nos céus terrestres, uma vez que o corpo
constituía-se como um astro ‘doméstico’ do sistema joviano, fez-nos refletir sobre
a possibilidade de a vida se redefinir a partir de uma ‘comunhão’ cósmica
(impactos) (SAGAN, 1980) e sobre eventos importantes para o planeta,
especialmente sobre a possibilidade de extinções massivas (RAUPP; SEPKOSKI,
1986; BERTON, 2003) e sobre o evento Tunguska, em 1908, quando,
provavelmente, o núcleo de um pequeno cometa se desintegrou em altitude sobre
a taiga siberiana, devastando milhares de quilômetros quadrados de floresta. O
evento que se abateu sobre o gigante do sistema solar (Figura 3) pode nos
demonstrar duas verdades que rondam os cometas: i) a vida na Terra depende da
tremenda força gravitacional de grandes astros (especialmente o Sol – Figura 4(a,
b) - e os planetas gigantes gasosos de nosso sistema solar), que acabam atraindo
os restos da maquinaria planetária que deu origem ao nosso sistema e ii) a força
destruidora desses impactos e, portanto, seu provável papel determinante nas
extinções massivas que têm abalado a vida na Terra em intervalos de alguns
milhões de anos (RAUPP; SEPKOSKI, 1986; SEPKOSKI JR., 1989, SEPKOSKI
JR., 1990; SCHOEMAKER; WOLFE; SCHOEMAKER, 1990).
4

Figura 3: Cometa Schoemaker-Levy e as manchas na atmosfera de Júpiter após a série de


impactos
Fonte: Hubble Space Telescope (2007).

(a)

(b)
5

Cometa Momento do impacto contra o Sol

Cometa 1 Cometa 2 [em direção ao Sol]

Figura 4: Filmagem realizada pelo satélite SOHO, mostrando a colisão de três cometas
[em (a) e (b), dois momentos da trajetória de colisão; em (c), dois cometas em rota de
colisão [no disco solar nos dias 22/12/1996 e 01/06/1998]

Como podemos depreender pelas fotografias da Figura 3, o cometa


Schoemaker-Levy desintegrou-se no imenso campo gravitacional de Júpiter e, em
1994, espatifou-se contra a imensa superfície gasosa do planeta. Observatórios do
mundo inteiro registraram a série de impactos. Manchas escuras, de dimensões
semelhantes à imensa mancha vermelha de Júpiter, puderam ser observadas. Esses
eventos, que podem parecer raros, fazem parte do cotidiano do sistema solar.
Podemos embasar essa afirmação ao observarmos o que ocorreu no dia 01 de
junho de 1998 quando a sonda SOHO captou dois cometas chocando-se contra a
superfície do Sol.
6

Figura 5: Fotos do cometa Hale-Bopp em sua passagem pelo hemisfério Sul (latitude
23,5º S) [fonte: o autor]

Após a decepcionante reaparição do Halley e o entusiasmo provocado pelo


choque do Schoemaker-Levy contra Júpiter, pudemos observar a aparição de um
novo cometa: o Hale-Bopp. Esse cometa, novo no sistema solar, teve sua órbita
tão drasticamente alterada, provavelmente pela gravidade de Júpiter (novamente),
que sua periodicidade prevista caiu de milhares de anos. O cometa foi facilmente
observado próximo à constelação de Órion (Figura 5).
Além do Kohoutek, do Halley, do Schoemaker-Levy e do Hale-Bopp,
nenhum outro cometa chamou tanto a atenção quando o cometa C/2006 P1,
descoberto (Figura 6) em 7 de agosto de 2006 com a ajuda do telescópio do
Observatório Siding Spring, Austrália. Foi batizado com o nome de seu
descobridor, Mcnaught.
7

Figura 6: Cometa Mcnaught contra o fundo estrelado do céu entre as constelações


de Ofiúco e do Escorpião
Fonte: mso.anu

A sonda espacial SOHO captou a presença do cometa em suas câmeras.


Podemos vê-lo na série de fotografias da Figura 7(a, b) e na sequência de sua
órbita na sobreposição de outra imagem da SOHO na Figura 8.

(a)
8

(b)
Figura 7. Duas imagens obtidas pelo satélite SOHO nos dias 14 de Janeiro de 2007 e 15
de Janeiro de 2007 (as fotos em (a) estão em cores falsas para realçar certos detalhes). As
fotos do ponto luminoso diante do cometa na foto à esquerda é o planeta Mercúrio. A
linha que perpassa o núcleo do cometa na foto à esquerda é o ‘estouro de luz’ no CCD
pelo grande brilho do objeto
Fonte: [Solar and Heliospheric Observatory (SOHO)]

Figura 8: Posições do cometa McNaught estimadas pela sonda SOHO de 12 de janeiro a


16 de janeiro de 2007
9

Logo se percebeu que a magnitude desse cometa superaria a de todos os


cometas precedentemente discutidos. Usando o programa Comet for Windows
(Figura 9), podemos estimar a magnitude desse corpo celeste. O cometa, segundo
a fotografia da Figura 10, pôde ser visto, inclusive, à luz do dia.

Figura 9: Gráfico Magnitude X Data para o cometa McNaught [período de 26/12/2006 a


04/02/2007]
10

Figura 10: Foto obtida no dia 13 de Janeiro de 2007 no Monte Chaussitre, França,
mostrando que o cometa era visível inclusive de dia.
Fonte: [cometography]

A Figura 11 apresenta as posições relativas do Mcnaught no céu em


relação ao horizonte Oeste, à posição do Sol e ao planeta Vênus. Percebemos as
dramáticas mudanças de posição em relação a dois corpos celestes (Sol e Vênus).
11

Figura 11: Posições relativas do cometa em relação ao sol e Vênus

Utilizando o software livre Stellarium, podemos reproduzir no céu do


hemisfério Sul a passagem do cometa (Figura 12).

Figura 12: Posição do cometa no stellarium


12

Tabela 1: Ascensão reta, declinação, distância – do cometa ao Sol em Unidades


Astronômicas - e magnitude do cometa Mcnaught

Data Ascensão reta declinação r magnitude


10 Jan 2007 21 19h34m49.45s -10 45' 21.7" 0.1965 -1.
11 Jan 2007 21 19h42m54.34s -12 36' 10.1" 0.1799 -1.7
12 Jan 2007 21 19h51m08.57s -15 07' 16.1" 0.1714 -2.0
13 Jan 2007 21 19h59m07.04s -18 15' 16.8" 0.1728 -2.0
14 Jan 2007 21 20h06m26.78s -21 45' 42.1" 0.1837 -1.8
15 Jan 2007 21 20h12m57.48s -25 19' 52.0" 0.2020 -1.4
16 Jan 2007 21 20h18m41.16s -28 43' 33.1" 0.2255 -0.9
17 Jan 2007 21 20h23m45.56s -31 49' 30.3" 0.2520 -0.4
18 Jan 2007 21 20h28m19.09s -34 35' 38.8" 0.2802 0.1
19 Jan 2007 21 20h32m28.84s -37 02' 38.8" 0.3092 0.6
20 Jan 2007 21 20h36m20.27s -39 12' 20.1" 0.3386 1.0
21 Jan 2007 21 20h39m57.44s -41 06' 51.3" 0.3680 1.4
22 Jan 2007 21 20h43m23.38s -42 48' 17.2" 0.3972 1.8
23 Jan 2007 21 20h46m40.32s -44 18' 29.8" 0.4262 2.2
24 Jan 2007 21 20h49m49.94s -45 39' 06.0" 0.4549 2.5
25 Jan 2007 21 20h52m53.54s -46 51' 28.2" 0.4832 2.8
26 Jan 2007 21 20h55m52.09s -47 56' 45.9" 0.5112 3.1
27 Jan 2007 21 20h58m46.39s -48 55' 57.7" 0.5388 3.4
28 Jan 2007 21 21h01m37.03s -49 49' 52.8" 0.5660 3.7
29 Jan 2007 21 21h04m24.51s -50 39' 12.8" 0.5928 3.9
30 Jan 2007 21 21h07m09.24s -51 24' 33.0" 0.6193 4.1
31 Jan 2007 21 21h09m51.54s -52 06' 23.2" 0.6454 4.4
1 Fev 2007 21 21h12m31.70s -52 45' 09.0" 0.6712 4.6
2 Fev 2007 21 21h15m09.94s -53 21' 12.5" 0.6967 4.8
3 Fev 2007 21 21h17m46.47s -53 54' 52.5" 0.7219 5.0
4 Fev 2007 21 21h20m21.45s -54 26' 25.4" 0.7467 5.1
5 Fev 2007 21 21h22m55.02s -54 56' 05.4" 0.7713 5.3
6 Fev 2007 21 21h25m27.33s -55 24' 05.0" 0.7956 5.5
7 Fev 2007 21 21h27m58.48s -55 50' 35.0" 0.8197 5.6
8 Fev 2007 21 21h30m28.56s -56 15' 45.0" 0.8434 5.8
9 Fev 2007 21 21h32m57.68s -56 39' 43.5" 0.8670 5.9
10 Fev 2007 21 21h35m25.91s -57 02' 38.1" 0.8903 6.1
11 Fev 2007 21 21h37m53.32s -57 24' 35.3" 0.9133 6.2
13

12 Fev 2007 21 21h40m19.97s -57 45' 41.3" 0.9362 6.4


13 Fev 2007 21 21h42m45.94s -58 06' 01.2" 0.9588 6.5
14 Fev 2007 21 21h45m11.28s -58 25' 39.9" 0.9812 6.6
15 Fev 2007 21 21h47m36.03s -58 44' 41.8" 1.0034 6.7
16 Fev 2007 21 21h50m00.24s -59 03' 10.7" 1.0255 6.9
17 Fev 2007 21 21h52m23.95s -59 21' 10.2" 1.0473 7.0
18 Fev 2007 21 21h54m47.21s -59 38' 43.4" 1.0690 7.1
19 Fev 2007 21 21h57m10.06s -59 55' 53.3" 1.0904 7.2
20 Fev 2007 21 21h59m32.52s -60 12' 42.6" 1.1118 7.3
21 Fev 2007 21 22h01m54.63s -60 29' 13.5" 1.1329 7.4
22 Fev 2007 21 22h04m16.44s -60 45' 28.4" 1.1539 7.5
23 Fev 2007 21 22h06m37.99s -61 01' 29.1" 1.1747 7.6
24 Fev 2007 21 22h08m59.30s -61 17' 17.4" 1.1954 7.7
25 Fev 2007 21 22h11m20.42s -61 32' 55.2" 1.2159 7.8
26 Fev 2007 21 22h13m41.40s -61 48' 23.8" 1.2363 7.9
27 Fev 2007 21 22h16m02.27s -62 03' 44.7" 1.2565 7.9
28 Fev 2007 21 22h18m23.08s -62 18' 59.2" 1.2766 8.0

Fonte: assa.org

Utilizando as leis de Kepler, especialmente a segunda, que descreve que


planetas e cometas percorrem áreas iguais em tempos iguais, e o método de
reprodução dos ‘triângulos em elipses’ (DANHONI NEVES; ARGUELLO, 1999;
DANHONI NEVES; ARGÜELLO, 2001), conforme as Figuras 13, 14 e 15 e 16,
podemos definir com precisão, num gráfico de ascensão reta X declinação, as
posições relativas do cometa no céu, próximas ou distantes da eclíptica (Figura
17).
14

Figura 13: Técnica geométrica de reprodução de triângulos na elipse

Figura 14: MTE


15

Figura 15: MTE aplicado em sua totalidade

Figura 16: MTE em órbita cometária


16

As Figuras 16 e 17 trazem as posições relativas do cometa em gráficos


ascensão reta X declinação. A Figura 16 mostra a posição calculada e a 17 mostra
aquela dada pelo programa Stellarium.

Figura 17: Gráfico ascensão reta X declinação em região próxima à eclíptica

Figura 18: Céu do Stellarium com trajetória do cometa


17

Figura 19: Cometa Mcnaught fotografado no Chile

Figura 20: Cometa Mcnaught fotogrado numa cidade da região Sul do Brasil (latitude
23,5°S – Maringá - PR)
[Fonte: o autor]
18

É muito interessante usar o método geométrico à la Kepler e comparar a


previsão com as fotografias apresentadas nas Figuras 19 e 20. Nessas fotos existe
outro elemento muito interessante também: o rastro da cauda de cometa. Se
ligarmos em linhas as caudas de cometa da Figura 19, encontraremos sempre, e
com muita precisão, a posição relativa Sol-cometa.
Nessa representação (Figura 21) temos recapitulado a essência da velha
Astronomia: descrever, pela Geometria, a previsibilidade dos astros e de sua
magnitude nos céus da Terra.

Figura 21: Geometrização da cauda do cometa McNaught

Referências

BERTON, M. J. When life nearly died: the greatest mass extinction of all time.
New York: Thames and Hudson, 2003.

DANHONI NEVES, M. C.; ARGÜELLO, C. A. Astronomia de régua e


compasso: de Kepler a Ptolomeu. 2. ed. Campinas: Papirus, 2001.
19

DANHONI NEVES, M. C. D.; ARGÜELLO, C. A. Approximate orbits of


comets. Acta
Scientiarum, Maringá, v. 21, n. 4, p. 809-816, 1999.

FARIA, R. P. Fundamentos de Astronomia. Campinas: Papirus, 1985.

HUBBLE SPACE TELESCOPE. Disponível em: <http://hubblesite.org>. Acesso


em: 21 jun. 2007.

RAUPP, D.; SEPKOSKI JR., J. J. Periodic extinction of families and genera.


Science, v. 231, p. 833-836, 1986.

SAGAN, C. Cosmos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

SEPKOSKI JR., J. J. Periodicity in extinction and the problem of catastrophism in


the history of life. Journal of the Geological Society of London, v. 146, p. 7-19,
1989.

SEPKOSKI JR., J. J. The taxonomic structure of periodic extinction. In:


SHARPTON, L.; WARD, P. D. (Ed.). Global catastrophism in Earth
history. Colorado: Boulder, 1990. (Geological Society of America Special Paper,
247). p. 331-373.

SCHOEMAKER, E. M.; WOLFE, R. F.; SCHOEMAKER, C. S. Asteroid and


comet flux in the neighborhood of Earth. In: SHARPTON, L.; WARD, P. D.
(Ed.). Global catastrophism in Earth history. Colorado: Boulder, 1990.
(Geological Society of America Special Paper, 247). p. 57-78.

(consultados entre março e abril de 2007)


http://www.stellarium.org
http://www.soho.org [Solar and Heliospheric Observatory (SOHO)]
http://cometography.com/lcomets/2006p1_postperihelion.html
http://www.mso.anu.edu.au/~rmn/C2006P1.htm
http://www.assa.org.au/sig/comets/mcnaught.asp
http://nssdcftp.gsfc.nasa.gov/photo_gallery/image/planetary/comet/kohoutek.jpg]

.
1

COMETOGRAFIA 2: RECONSTRUINDO
DIGITALMENTE O COMETA MCNAUGHT
A PARTIR DE UMA CÂMARA
FOTOGRÁFICA DIGITAL DE BAIXO
CUSTO

Marcos Cesar Danhoni Neves e Ricardo Francisco Pereira

Introdução

No dia 23 de janeiro de 2007, após longo período chuvoso, o céu da latitude


23,5º S abriu-se e revelou a presença de um grande cometa no céu. Foi o mais
brilhante cometa observado nos últimos 40 anos. Para quem dispusesse de uma
câmara reflex, digital ou analógica, o cometa poderia ser facilmente fotografado
mesmo com exposições de 20 a 30 seg (ver Figura 1). Embora com a proliferação das
câmaras digitais, muitas ainda muito simples (baixo zoom, zoom digital ineficiente,
sem possibilidades de fotografias de longa exposição), a imagem do cometa ainda
assim poderia ser captada, como pode se observar pela fotografia da Figura 2.
2

Figura 1: Cometa Mcnaught fotografado no Chile em janeiro de 2007

Figura 2: Fotografia do cometa McNaught, utilizando uma câmara digital de baixo custo
(latitude 23,5º S – Maringá-PR). Fotografia obtida no dia 23 de janeiro de 2007 às 20h30m
3

Figura 3: Fotografia do cometa Mcaught (latitude 23,5º S). Exposição de 30 seg em


23/01/2007 às 21h00m. Câmara reflex
Fonte: o autor.
4

Mesmo com essa baixa resolução, ainda assim é possível reconstruir


digitalmente uma imagem. A técnica mais utilizada é aquela da ótica de Fourier,
como podemos ver esquematicamente na Figura 4.

Figura 4: Figura de difração

A Figura 4 trata da figura de difração (ou transformada de Fourier) produzida


por um objeto (uma letra ‘E’ vazada numa cartolina). Se filtrarmos a figura com o
auxílio de uma fenda horizontal, como mostra a Figura 5, veremos que a figura de
difração muda. Se fizermos uma antitransformada, ou seja, fizermos a figura de
difração passar por uma lente, a figura final formada é um ‘E’ sem as barras verticais.
Assim, durante esse processo, fez-se uma seleção ótica da imagem final. A Figura 6
mostra o mesmo processo utilizado para se eliminar as linhas verticais das fotos
compostas (tiras) da imagem da Lua realizada durante uma das missões Apollo.
5

Figura 5: Filtragem espacial


6

Figura 6: Filtragem espacial de uma foto da Lua do projeto Apollo para retirar as linhas
horizontais da montagem inicial da figura (filtro consistiu da pintura das componentes
verticais da figura da difração)

A Figura 7 mostra a difusividade da imagem do cometa na foto, utilizando


uma câmera digital de baixo custo, sem zoom ótico e com 1,3 Mb de resolução. Na
figura, o cometa está individualizado pelo traçado realizado sobre a fotografia. Dentro
desse traçado podemos perceber o quão tênue é o traço deixado pelo cometa graças à
baixa exposição da máquina empregada (não havia o recurso da velocidade ‘B’).

Figura 7: Cometa Macnaught enquadrado


7

Se quiséssemos realçar o cometa na fotografia, poderíamos empregar o


recurso de obter a transformada de Fourier da figura. Podemos fazê-lo através dos
pixels que aparecem na foto ampliada (ver Figura 8).

Figura 8: Pixels e respectiva figura de Fourier

Na Figura 9, ampliamos a área da fotografia que mais representa o


cometa e com um software shareware (PROfft) sobre transformada de Fourier e
filtragem espacial.

Fi
gura 9: Área da foto em que aparece o cometa (à esq.) e a transformada de Fourier da mesma
região do céu
8

Se tomarmos como objeto um fio de cabelo, p.ex., colocado na posição 10h20,


ele aparecerá, ao ser iluminado por um ponteiro-laser básico, e percebemos que a
figura de difração (Figura 10) se forma num anteparo qualquer, só que na posição
13h45.

Figura 10: Figura de difração

Utilizando o programa PROfft, podemos fazer alguns exemplos de filtragem


espacial numérica, como ilustra a Figura 11(a, b, c, d, e, f).
9

(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

Figura 11(a, b, c, d, e, f): Etapas de filtragem numérica de um objeto (relógio) utilizando o


software PROfft
10

Esse processo é largamente utilizado na imprensa moderna e, principalmente,


no tratamento digital de imagens científicas como mostram as figuras de correção do
telescópio espacial Hubble (Figuras 12 e 13).

Figura 12: Imagem da mesma região do espaço obtida pelo telescópio espacial Hubble antes
(esquerda) e depois da correção (direita)
Fonte: www.lbl.gov/LBL-Programs/TEAM/files/how.html

Figura 13: Imagem de galáxia espiral obtida pelo Hubble telescope antes da correção
(esquerda) e depois da correção da imagem (direita)
Fonte: http://www.lightandmatter.com/html_books/5op/ch03/figs/hubble-aberration.jpg
11

Outra possibilidade foi quando foram feitas três imagens da galáxia espiral NGC4319
(de baixo redshift) e do objeto Markarian 205 (de alto redshift) [Figura 14]. A primeira
fotografia, do telescópio Hubble, de pouca exposição, não mostra a então improvável ponte
luminosa que une os dois objetos. As duas fotos sucessivas, empregando técnicas diferentes,
e com exposição longa, feitas pelo eminente astrônomo Halton Arp, demonstram a existência
de uma ligação física entre as duas estruturas, colocando em xeque a interpretação de que
Markarian205 pudesse ser um quasar.

Figura 14: Galáxia NGC 4319 e quasar Markarian 205

A dúvida desaparece quando usamos a filtragem espacial: os vestígios da


ponte de luz continuam lá (Figura 14).

Porém, podemos fazer uma reconstrução digital do cometa, usando as


ferramentas do próprio Word: o programa paint brush. A série de figuras que se
seguem trata de localizar pequenos pixels que formam a imagem diáfana e
potencializar os efeitos de sombra e luz. Ao final, temos efeito semelhante ao de uma
foto de boa definição, empregando técnicas de transformada de Fourier.
12

Figura 15a: Cometa muito difuso em negativo


13

Figura 15b: a difusividade do cometa individualizada nas granulações (pixels)

Figura 16a: A imagem ampliada para melhorar a visualização (nos quadros menores,
diferentes tonalidades – claras e escuras – para melhorar a definição da imagem)
14

Figura 16b: ampliações diversas e tonalidades


15

Figura 16c: Novas definições e tonalidades (veem-se o coma e a cauda do cometa na


difusividade da imagem)
16

Figura 17a: Individualizando, na imagem ampliada, os pixels que compõem a imagem do


cometa

Figura 17b: Escolhendo uma tonalidade mais escura para os pixels que compõem a imagem
do cometa
17

Figura 17c: A imagem do cometa


18
19

Figura 18a: Cometa com ‘cores’ (pixels) mais diferenciadas (melhoria do contraste)

Figuras 18b: melhorando o contraste da imagem do cometa (ainda no padrão ‘negativo’)


20

Figura 18c: Comparando melhorias com a imagem inicial (cores verdadeiras – imagem
ampliada)
21

Figura 19a: Imagens comparativas antes e após o processo de reconstrução digital


22

Figura 19b: Imagens mostrando duas fotografias (com máquina digital de baixa e alta
resolução – duas iniciais) e a reconstrução digital (foto inferior)
23

Figura 19c: O cometa digitalmente reconstruído

Figura 19d: A reconstrução em ‘negativo’


24

Figura 20 Detalhe do cometa (em ‘negativo’) digitalmente reconstruído

CONCLUSÃO

A reconstrução digital é uma tarefa que hoje se insere na cotidianeidade e com


poucos recursos computacionais, como mostramos neste capítulo. O interessante é
demonstrar que, mesmo com poucos recursos fotográficos, fenômenos celestes
podem ser evidenciados com o uso de um programa simples como o PAINTBRUSH
mas valioso para aqueles cuja curiosidade encontra-se em estado permanente de
atenção e contemplação.

REFERÊNCIAS
25

ALBANESE, A.; BERNABÉ, H. S.; NEVES, M. C. D. Uma introdução


à ótica de Fourier. Maringá: Eduem, 1997. (Cadernos apontamentos).

www.lbl.gov/LBL-Programs/TEAM/files/how.html

http://www.lightandmatter.com/html_books/5op/ch03/figs/hubble-aberration.jpg
DO MUNDO FECHADO DA
ASTRONOMIA NA ANTIGUIDADE À
COSMOLOGIA DO UNIVERSO FECHADO
DO BIG BANG: Revisitando velhos e novos
dogmas da ciência astronômica

Marcos Cesar Danhoni Neves


“O ilimitado é eterno”
(Anaximandro)

Pequeno Prólogo

O texto que ora se apresenta buscará reconstruir uma história da Astronomia


desde a Antiguidade até a moderna Cosmologia, resgatando modelos e sistemas de
mundo que permitiram criar a noção da Terra como corpo cósmico até a hipótese
atual de um universo imenso, mas limitado no espaço e no tempo e nascido de um
grande booomm, ou, como é mais conhecido, de um grande bang, o Big Bang [...]
Para isso, o leitor encontrará aqui um texto não-convencional, que busca fugir das
informações apressadas e deturpadas contadas em escolas de todos os níveis
(Fundamental, Médio e Superior) e em seus guias ‘cegos’, os livros-textos.
2

Introdução

A revolução copernicana, impondo uma nova visão de mundo e do papel do


homem em seu habitat natural, a Terra, na imensa vastidão cósmica, foi um duro
golpe na filosofia aristotélica que vigorava há cerca de 1.800 anos, e na Astronomia
‘técnica’ desenvolvida por Ptolomeo, baseada numa Terra estática, centro de todos
os movimentos dos astros celestes e situada numa posição próxima ao centro do
universo.
No entanto, toda mudança de paradigmas1 tende a recontar a História de uma
maneira deturpada, ‘esquecendo fatos’, a partir do referencial dos ‘vencedores’, ou
seja, dos formuladores das novas teorias que dão sustentação aos paradigmas
vigentes.
A escola, meio natural para a propagação dos paradigmas, e terreno estéril,
infelizmente, para a correta interpretação histórica dos fatos da ciência, tende,
também, a deturpar e simplificar os vários modelos que embasaram diferentes etapas
do desenvolvimento do conhecimento científico.
Assim, na história da Astronomia, é muito comum encontrarmos autores que
afirmam que o sistema copernicano era mais simples que o ptolomaico (por uma
suposta simplificação do número de círculos que definiam os movimentos
planetários) e apresentava melhores argumentos físicos que aqueles derivados da
física sublunar de Aristóteles e subjacente à representação geométrica de mundo de
Ptolomeo. Nada mais irreal que isso! O desenvolvimento da noção de Terra como
corpo cósmico, suas dimensões e sua exata posição no universo foi tarefa árdua,
construída por pacientes e quase anônimos observadores dos céus ao longo dos
séculos e que encontraram em alguns poucos nomes os idealizadores de modelos

1
“Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham” (KUHN, 1987, p. 219).
3

geométricos, astronômicos e físicos, necessários para descrever os intrincados


movimentos dos corpos celestes: estrelas, Sol, Lua, cometas e planetas.
O presente texto traça uma história da Astronomia, baseada no tripé: ‘forma’,
‘dimensão’ e ‘posição’, no intuito de mostrar quão árdua foi esta aventura do
conhecimento humano. De nada adianta criticar a falta de uma ‘revolução
copernicana’ em nossos alunos, se não compreendermos, numa perspectiva ao longo
da História, que a ciência astronômica desenvolveu seus modelos, teorias e
hipóteses, a partir da observação (a olho nu, em grande parte da história dessa
ciência) de estudiosos, navegantes, comerciantes e diletantes, os quais acabaram por
contribuir para, em diferentes etapas da construção do conhecimento científico,
estabelecer diferentes paradigmas e, no caso presente, privilegiar distintos
referenciais físicos.
O segundo momento do texto, sem pretender ser o epílogo da história da ciência
astronômica, buscará reconstruir a ideia de um universo dinâmico nascido a partir
dos trabalhos de Edwin Hubble. O caminho terá, pois, de abandonar a geometria dos
céus presentes desde os primeiros modelos na Antiguidade, e se direcionar para as
etapas da construção de uma Cosmologia baseada, sobretudo e infelizmente, na ideia
de um universo ‘criado’, muito próximo a uma concepção mais religiosa que
propriamente racional.

Formas e dimensões da Terra

Poderíamos iniciar nossa exposição pelas ideias dos antigos astrônomos da


Caldeia, Babilônia, China, Índia, etc. Mas isso seria alongar demasiadamente a
história que queremos contar. Portanto, iniciaremos o texto a partir de alguns
expoentes da civilização grega e da herança deixada aos que os sucederam.
4

Iniciemos então por Parmênides de Eléia (530–460 antes de Cristo) porque,


segundo nos conta os relatos, foi justamente o primeiro a afirmar com convicção que
a Terra era esférica (DANHONI NEVES; GALLERANI, 1988). Para ele, a forma
esférica da Terra podia ser deduzida através da narrativa dos viajantes, já que quando
estes viajavam em direção às regiões setentrionais (DREYER, 1970), constatavam
que a estrela Canopus era visível muito próxima ao horizonte de Rodes, mas
invisível na Grécia, ou seja, ele inferiu a esfericidade de nosso planeta pela variação
da posição das constelações circumpolares, pela mudança de latitude (Figuras 1 e 2).
Essa é uma observação importante porque será usada, em sua essência, por exemplo,
por Ptolomeo (DREYER, 1970), Sacrobosco (1992) e Copérnico (1984), citando
apenas alguns nomes mais conhecidos.
5

Figura 1: Elementos da esfera celeste para um observador: equador, polos Norte e Sul,
horizonte, zênite (posição mais elevada do céu = 90º), nadir (oposto do zênite), latitude

Figura 2: Esfera celeste e movimento aparente das estrelas

Pitágoras de Samos (580-500 a.C.), que fundou uma escola baseada na primazia
do número, acreditava que a Terra e o universo fossem esféricos. No que concerne à
Terra, parece que as evidências que embasavam suas afirmações eram sólidas
observações dos fenômenos celestes: um eclipse lunar (a forma arredondada da
sombra terrestre sobre o disco lunar) e o desaparecimento de um navio sobre o
extenso e distante horizonte marítimo: a última coisa a desaparecer do navio era a
ponta de seu mastro, e isso de uma forma lenta e progressiva, o que evidenciava a
esfericidade das águas.
Hiceta de Siracusa (entre o VI e V séc. a.C.), Heráclides do Ponto (388-315 a.C.)
e Ecfanto de Siracusa, o Pitagórico (V séc. a.C.), também imaginavam que a Terra
6

fosse esférica e cujo movimento se dava como aquele de uma roda montada sobre
um eixo, girando de Oeste a Leste ao redor de seu próprio centro.
Platão (428-347 a.C.), por motivos geométricos, de simetria e de harmonia,
acreditava que a Terra só poderia tomar a forma esférica, por ser essa a forma
geométrica mais perfeita.
Para Aristóteles, de Estágira (384-322 a.C.), a Terra era esférica. O famoso
pensador grego invocava argumentos físicos, pois os ‘graves’ (corpos com peso –
terra e água -, em oposição aos corpos ‘leves’, imponderáveis – ar e fogo) sempre
caíam em direção a um centro, formando uma superfície equidistante desse centro.
Inferia, ainda, a esfericidade, invocando dados observacionais: eclipse lunar e o
relato de viajantes acerca de constelações não vistas na Grécia.
Os argumentos de Aristóteles eram tão sólidos, lógicos e previsores que seu
sistema de mundo influenciou, decisivamente, quase cinco séculos depois, o
astrônomo de Alexandria, Ptolomeo (85-165 d.C.), em sua obra máxima, o
Almagesto.
Aristarco de Samos (310-220 a.C.) acreditava também na esfericidade da Terra,
atribuindo a ela um movimento diurno (ao redor do próprio eixo) e um movimento
anual ao redor do Sol.
Posidônio (140?-50? a.C.) de Apamea (Síria) demonstra a falibilidade dos
argumentos sobre a forma da Terra, que não aquela da esfericidade, recordando a
“progressiva variação do céu estrelado visível sobre o horizonte à medida que se
viaja em direção ao norte ou sul” (DREYER, 1970, p. 156). Relata, ainda, que os
persas veem o Sol surgir quatro horas antes dos ‘Ibéricos’. Utiliza também o mesmo
argumento aristotélico, dizendo que a superfície do oceano deve ser equidistante do
centro da Terra.
Enquanto se pensava sobre a forma da Terra, pensava-se também no quão grande
seria sua esfericidade. Para se realizar essa medida, seria necessário, a partir da
observação do céu noturno e/ou diurno, encontrar um método geométrico que
7

fornecesse um valor confiável dentro de um sistema de mundo exclusivamente


geocêntrico.
Aristóteles, no De Caelo, estimou o valor da circunferência terrestre como sendo
de 400.000 estádios2. Considerando a medida estádio [medida que equivalia ao
percurso do famoso estádio da cidade de Olympia] de 0,186 km, esse valor fornecia
um resultado de cerca de 74.400 km, ou seja, quase duas vezes mais que o valor
atual (aprox. de 40.000 km – GRANT, 1971).
Arquimedes (287-212 a.C), talvez seguindo os ensinamentos de Dicearco de
Messina (ap. 285 a.C.), estimou a circunferência da Terra em 300.000 estádios. Essa
estimativa vem da observação de que a cabeça da constelação do Dragão (DREYER,
1970) passa sobre o zênite de Lismachia na Trácia, enquanto em Siena (atual
Assuan), no Alto Egito, passa pelo zênite a constelação de Câncer. A declinação
entre as duas estrelas é de 24° e a distância entre os dois lugares é de 20.000
estádios, o que dá para o diâmetro terrestre 100.000 estádios, enquanto para a
circunferência seriam 300.000 estádios. Vê-se, portanto, que a esfera do céu (ou
esfera das ‘fixas’, na qual se acreditava estar pregadas todas as estrelas do universo)
era somente três vezes maior que aquela da Terra. Imperava ainda a ideia aristotélica
de que, além da esfera das fixas, existisse o ‘Primeiro Motor’ que havia sido
responsável por todos os movimentos dos orbes celestes.

2
Sabemos desse resultado por uma passagem do livro De Caelo (Sobre o Céu), de Aristóteles, o
Estagirita: “298a Eu quero dizer que mudam as estrelas que estão acima da cabeça, e as estrelas
visíveis são diferentes, quando nos movemos para o norte e para o sul. Realmente, há estrelas que são
vistas no Egito e nas proximidades de Cyprus e que não são vistas nas regiões do norte; e estrelas que
no norte são sempre visíveis e que nessas regiões (do sul) aparecem e desaparecem [...]. Portanto, não
se deve estar seguro de ser inacreditável a doutrina naqueles que concebem uma continuidade entre as
regiões além dos pilares de Hércules e as regiões da Índia, e que desta maneira o Oceano seja um só.
Como a evidência adicional a favor disto eles indicam o caso dos elefantes, uma espécie que ocorre
em cada uma dessas regiões extremas, sugerindo que a característica comum desses extremos é
explicada por sua continuidade. Além disso, os matemáticos que tentaram calcular o tamanho da
circunferência da Terra chegaram ao valor de 400.000 estádios” (ARISTÓTELES apud DANHONI
NEVES, 2005, p. 35).
8

Eratóstenes de Alexandria (276-194 a.C.) estimou o comprimento da


circunferência terrestre baseado no fato de que, no dia do solstício de verão, ao
meio-dia local, não havia sombra na região de Siena (Egito), enquanto em
Alexandria, as sombras eram relativamente pronunciadas (fato que, em si, já
comprovava a esfericidade do planeta – Figura 3). Com um método simples, mas
engenhoso, mediu o comprimento da sombra no dia de solstício, em Alexandria, e
verificou que o ângulo entre Siena e Alexandria, passando dois segmentos de reta
pelas cidades e que se encontrassem no centro da Terra, formavam entre si um
ângulo de cerca de 7°, o que corresponde a aproximadamente 1/50 (α ≅ 7° divididos
pelos 360°) de um círculo da circunferência terrestre. Como ele conhecia a distância
entre as duas cidades (≅ 5.000 estádios), estimou a circunferência da Terra como
tendo 250.000 estádios, o que dava para cada grau um comprimento de 700 estádios.
Adotando um estádio como 157,5 metros, vemos que o valor obtido por Eratóstenes
está muito próximo do valor atualmente aceito.

Figura 3: método de Eratóstenes para a determinação da circunferência terrestre (α = 7º)


9

Posidônio (aprox. 135 a.C.) chegou a uma estimativa da circunferência da Terra


bastante próxima àquela de Eratóstenes, mas utilizando outro método: ele observou
que a estrela Canopus culminava exatamente sobre o horizonte de Rodes, enquanto
em Alexandria sua altura meridiana era o equivalente a 7,5°. Como ele conhecia a
distância entre Rodes e Alexandria (= 5.000 estádios), obteve o valor de 240.000
estádios para o comprimento da circunferência terrestre.

A dimensão do planeta: cresce a imensidão do espaço

Muitos séculos depois dos primeiros pensadores gregos e mesmos árabes, Johann
de Sacrobosco (aprox. 1236 d.C.), o Holywood, e Pierre D'Ailly, de Compiègne
(1350-1420 d.C.) estimaram a circunferência terrestre em cerca de 50.000 km
(GRANT, 1971). O método empregado por ambos não era o de Eratóstenes e
baseava-se, provavelmente, no método descrito por Posidônio. Segundo Pierre
D'Ailly, o valor determinado por Alfraganus (XI séc d.C.) e outros árabes para a
circunferência da Terra era de cerca de 33.000 km.
Segundo o egípcio Ibn Yunus (950?-1009 d.C.), o comprimento de um grau foi
medido, por ordem do califa al-Mamun, na planície de Palmira (DREYER, 1970),
por dois observatórios entre Wamia e Tadmor e de outras duas localidades, das quais
não há registro histórico. Uma das medidas forneceu o valor médio de 56,66 milhas
para cada grau, resultando numa circunferência terrestre de 20.400 milhas. Uma
segunda medida deu como resultado 56,25 milhas para cada grau, perfazendo 20.250
milhas para a circunferência terrestre. A milha árabe tinha 2.100 metros, o que dá,
para a medida, o valor de 42.840 km para a circunferência da Terra.
É interessante citar aqui uma passagem de Copérnico (1473-1543 d.C.), em sua
obra máxima, De revolutionibus, na qual fica flagrante como ele estava seguindo
profundamente a tradição de seus antepassados. Diz ele (COPÉRNICO, 1984, p. 49):
10

A Terra também é esférica porque se apóia em todas as direções


no seu próprio centro, embora a totalidade não se veja toda do
mesmo lado, pela considerável altura dos montes e concavidades
dos vales que não fazem, contudo, variar absolutamente nada da
sua total esfericidade. E isto é fato manifesto porque a quem se
dirige de qualquer parte que seja para o Norte levanta-se-lhe, a
pouco e pouco, aquele pólo de rotação diária, enquanto do lado
oposto o outro desce na mesma medida, e se vê que muitas
estrelas à volta do Pólo Norte não tem ocaso e que, no Pólo Sul
algumas nascem. Assim, a Canopo não é visível na Itália, sendo
visível no Egito. Mas a Itália vê a mais afastada estrela do Rio, a
qual a nossa região, numa zona mais frígida, ignora. Pelo
contrário, para aqueles que viajam para o Sul, estes dois astros são
visíveis enquanto que são invisíveis os que nós vemos.
‘Entretanto, também as próprias inclinações dos pólos têm em
toda parte a mesma razão aos espaços da Terra percorridos, e isso
não acontece em nenhuma outra figura como na esfera. Donde se
conclui que também a Terra termina em pólos e por isso é
esférica. Acresce ainda que os eclipses vespertinos do Sol e da
Lua não são visíveis para os habitantes que estão na zona média,
aqueles vêem mais tarde e estes mais cedo. Que também as águas
repousam na mesma forma é o que os navegadores depreendem,
porquanto a Terra que não se avista do navio é geralmente
avistada do topo do mastro.
‘Por outro lado, se fixarmos uma luz no topo do mastro, os que
estão na praia vêem descer lentamente, enquanto o navio se afasta
da Terra, até que finalmente se oculta como se tivesse o seu ocaso
no horizonte. Diz-se até que as águas, fluídas por natureza,
buscam sempre as mesmas partes mais baixas do que a Terra e
não sobem da praia até mais além do que a própria convexidade
permite. Por isso é que a Terra deve ser mais elevada onde quer
que ela surja do Oceano.

Copérnico usou também argumentos ‘físicos’ e filosóficos ao discorrer sobre a


forma do universo, antes de concluir que também a Terra era esférica. Interessante
notar que seus argumentos estão muito próximos de seus antecessores, Platão e
Aristóteles. Diz ele (COPÉRNICO apud LIVI, 1990, p. 8-9):

Inicialmente, asseveramos que o Universo é esférico, porque sua


forma, sendo um todo completo e não necessitando de juntas, é a
mais perfeita de todas; porque ele constitui a forma mais
11

espaçosa, que é a mais apropriada para conter e reter todas as


coisas e também porque todas as partes discretas do mundo, como
o Sol, a Lua e os planetas aparecem como esferas; e porque todas
as coisas tendem a assumir a forma esférica, um fato aparente em
uma gota de água e em outros corpos fluidos, quando sob sua
própria influência eles se limitam. Portanto, ninguém duvidará
que essa forma é natural para os corpos celestes. E continua: Que
a Terra também é esférica está acima de dúvida, pois ela pressiona
de todos os lados para seu centro.

Esse trecho mostra a continuidade do ‘programa’ aristotélico em período tão


tardio (1543 d.C.). Os argumentos não são ‘modernos’ e demonstram, em tudo, que
a evolução do conhecimento não se dá por ‘saltos’ rumo à ‘verdade’ que
compartilhamos hoje, como muitos professores (e cientistas) acreditam.

Geocentrismo e geostatismo: modelos planetários de Anaximandro


a Ptolomeo

Anaximandro acreditava que a Terra estivesse em equilíbrio no centro do mundo


e que fosse circundada por um céu esférico. Imóvel, a Terra seria o centro dos
movimentos dos astros, nascendo a Leste e se pondo a Oeste. Estabeleceu as
importantes datas dos dois solstícios3 e dos dois equinócios.
Anaxágoras de Clazômena (500-428 a.C) foi o primeiro a pensar na sucessão das
distâncias dos astros celestes. Para ele, a ordem seria: a Lua, o Sol e os demais cinco
planetas conhecidos na época (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).

3
A palavra ‘equinócio’ significa ‘noites iguais’, ou seja, o Sol, em seu movimento ao redor da Terra
(numa perspectiva geocêntrica), nos dias 21 de março e 23 de setembro, nasce exatamente a Leste e
se põe exatamente a Oeste, ficando, nesses dias (e somente neles), 12 h acima do horizonte e 12 h
abaixo dele. Já a palavra ‘solstício’ vem da comunhão das palavras (em latim) sol statio, ou seja, ‘sol
parado’. Isso significa que o Sol, após os equinócios, distancia-se ao máximo dos pontos Leste
(nascer) e Oeste (ocaso). O afastamento máximo se dá nos dias 21 de junho e 22 de dezembro,
12

Acreditava que a última esfera, a das estrelas fixas, fosse constituída por partículas
destacadas da Terra, em rápida revolução pelo éter ígneo. Já para Demócrito de
Abdera (460-360? a.C.), a faixa esbranquiçada da Via Láctea nada mais era (hoje,
sabemos, acertadamente) que a cansada luz de uma multidão de estrelas de brilho
muito débil.
Pitágoras de Samos e sua escola conceberam um universo baseado no
geocentrismo. Theon de Smirna (70-135 d.C.) afirma que ele próprio foi o primeiro
a observar que os planetas se movem em órbitas distintas, inclinadas com respeito ao
equador celeste. Aézio (início IV séc.-367 d.C.) (DREYER, 1970), apesar de
Enópide de Chio (V séc a.C.) reivindicar essa descoberta, diz que Pitágoras (571?-
496? a.C.) foi o primeiro a dar-se conta da inclinação do círculo zodiacal com
respeito ao equador (inclinação da eclíptica). No entanto, registros históricos dão
conta de que a eclíptica e sua inclinação já eram conhecidas pelos chineses desde
1.100 a.C.
Filolao de Cróton (aprox. 480 a.C.), um pitagórico, ao final do século V a.C.,
concebia um universo particular. Diógenes Laércio (metade do III séc d.C.) chegou a
dizer que Filolao foi o primeiro a afirmar que a Terra se movia num círculo (apesar
de desconsiderar o movimento de rotação ao redor do próprio eixo). Seu sistema
consistia no seguinte modelo (Figura 4): considerava 10 o número perfeito4. Assim,
ele acreditava que o universo era constituído por nove corpos: a Terra, a Lua, o Sol,
os cinco planetas e a esfera das estrelas fixas. Para completar o décimo corpo,
Filolao criou outro (e invisível) planeta: a Antiterra (Antichton). Este último era
invisível porque se encontrava entre nós e um misterioso fogo central (a Torre de

respectivamente, o solstício de inverno (para o hemisfério Sul) e solstício de verão (para o hemisfério
Sul).
4
“Segundo o pitagorismo, a essência, o princípio essencial de que são compostas todas as coisas, é o
número, ou seja, as relações matemáticas. Os pitagóricos, não distinguindo ainda bem forma, lei e
matéria, substância das coisas, consideraram o número como sendo a união de um e outro elemento.
Da racional concepção de que tudo é regulado segundo relações numéricas, passa-se à visão fantástica
de que o número seja a essência das coisas” (Fonte:mundodosfilosofos).
13

Observação de Zeus - em torno do qual todos os outros corpos se moviam em órbitas


circulares). Movia-se num período de revolução de 24 h e sob o plano do equador.

Figura 4: O sistema de Filolao: A-esfera das estrelas fixas, B-órbitas planetárias, C-núcleo
ígneo, D-Antiterra, E-Terra, F-Lua, G-Sol

Não poderíamos considerar o sistema de Filolao como um sistema heliocêntrico,


pois mesmo o Sol mover-se-ia ao redor do fogo central. O modelo filolaico é, antes
de tudo, um modelo ad-hoc, cunhado para se moldar à exigência da perfeição
pitagórica (no caso, o número 10), do que propriamente um modelo baseado na
observação sistemática do céu.
Hiceta de Siracusa (entre VI e V séc. d.C.) possuía, segundo Teofrasto
(DREYER, 1970), uma interessante visão de referencial. Para ele, céu, Sol, Lua e
estrelas e todas as outras coisas estavam imóveis, com a Terra movendo-se a uma
velocidade extrema, fazendo com que se parecesse que o inverso ocorria, ou seja,
que a Terra estivesse imóvel e que tudo girasse ao seu redor.
Aézio escreve que Heráclides do Ponto e Ecfanto, o Pitagórico, faziam mover a
Terra de Oeste para Leste ao redor de seu próprio centro.
No entanto, Platão retorna à ideia geocêntrica, escrevendo que a esfera celeste
gira ao redor da Terra em 24 h. Para ele, esse sistema era melhor porque necessitava
14

de um só movimento para explicar o movimento diurno. Platão, certamente, não


fazia trabalhos observacionais, pois não se dava conta do movimento de Oeste para
Leste do Sol (cerca de 1°/dia), da Lua (cerca de 12°/dia) e das retrogradações
planetárias.
Eudoxo de Cnido (408-355 a.C.) propôs um intrincado modelo de esferas
homocêntricas (concêntricas) que explicava todo o movimento planetário, do Sol, da
Lua e das esferas das estrelas fixas, utilizando ao todo ‘27 esferas’.
Aristóteles (384-322 a.C.) aperfeiçoou o modelo de Eudoxo, explicando
irregularidades que aquele não previra. Ao final, Aristóteles concebeu os
movimentos dos céus, utilizando ‘55 esferas’ (DREYER, 1970; GRANT, 1971).
Para Aristóteles, a Terra estava no centro do universo. Essa concepção baseava-se
na física do mundo sublunar (em contraposição àquela do mundo supralunar). Os
corpos sempre caem na vertical em ângulos iguais (perpendiculares à linha do
horizonte) em direção ao centro da Terra, e os corpos leves e o fogo sempre se
afastam para os limites do mundo sublunar. Essa explicação baseava-se na distinção
que Aristóteles fazia entre céu (mundo supralunar - acima da esfera da Lua) e Terra
(mundo sublunar - abaixo da esfera da Lua). Esses dois mundos eram divididos pela
perfeição (supralunar) e pela imperfeição (sublunar). No mundo sublunar, composto
pelos elementos terra, água, ar e fogo, reinavam a alteração e a corrupção
(movimentos naturais e violentos - os corpos vão para baixo (água e terra) ou para
cima (ar e fogo) porque eles possuem tendência natural a ocupar seus lugares
próprios; qualquer alteração dessa tendência era entendida como violência e
corrupção da natureza). No mundo supralunar, preenchido pela quintessência, o éter,
reinavam a perfeição e a incorruptibilidade dos céus. Assim eram possíveis somente
os movimentos naturalmente circulares. Não havia corrupção do movimento, pois
um círculo não tem o seu inverso, como é o caso do movimento retilíneo (ou para
cima ou para baixo). Para Aristóteles, o centro geométrico do universo (que
15

coincidia com o centro da Terra) era, pois, o lugar natural de todos os corpos
pesados (GRANT, 1971).
Sobre a presença de cometas nos céus de sua época (que poderiam indicar
corruptibilidade no reino da perfeição), Aristóteles aludiu esses fenômenos a
ocorrências atmosféricas. Essa ideia prevaleceu até o século XVI. Galileo, tido como
um dos mais convictos pensadores antiaristotélicos, apesar de seu tratado sobre o
movimento dos corpos, De Motu, dedicou uma de suas obras, Il Saggiatore, à defesa
da opinião de que os cometas eram fenômenos de nossa atmosfera e não fenômenos
de origem astronômica.
Por Arquimedes (287-212 a.C.), sabemos que um grego, de nome Aristarco de
Samos (que já mencionamos), aluno de Estratão, o Físico, concebia um modelo em
que supunha que a Terra, os planetas e a esfera das estrelas fixas se moviam em
círculos ao redor de um Sol estático. Ele considerava tanto o movimento de rotação
quanto o de translação. O modelo desenvolvido por Aristarco era superior ao de
Eudoxo e Aristóteles porque explicava a variação da luminosidade dos planetas, pela
respectiva variação de suas distâncias relativas com a Terra. As esferas
homocêntricas de Eudoxo (408-355 a.C.) e seu discípulo Callipo, além de
Aristóteles, mantinham sempre as mesmas distâncias com respeito à Terra, ou seja,
não havia variação do brilho.
Apolônio de Pérgamo (262 - 190 a.C.), que foi citado no XII livro do Composito
de Ptolomeo (85-165 d.C.), para dar conta das retrogradações planetárias (Figura 5) e
do movimento de Oeste para Leste do Sol, introduziu, ao redor de uma Terra imóvel,
um círculo, chamado deferente (movimento em longitude) e, sobre este, onde se
encontrava o astro errante (planeta), deslizava um epiciclo (pequeno círculo -
movimento em anomalia) (Figura 6).
16

Figura 5: Retrogradação dos planetas entre as estrelas fixas

Figura 6: Laço retrógrado no sistema ptolomaico

Como esse sistema não dava conta de todas as irregularidades dos planetas,
Apolônio aplicou para os planetas externos (Marte, Júpiter e Saturno) círculos
excêntricos móveis (Figura 7). Nesse modelo, o centro do excêntrico revoluciona
com velocidade igual à velocidade aparente do Sol em sua revolução em torno ao
centro do zodíaco (de Oeste para Leste), ao passo que o astro se move sobre o
excêntrico na direção oposta (DREYER, 1970).
17

Figura 7: O sistema de Apolônio

Hiparco de Nicéia (190-120 a.C.), outro grande nome da astronomia grega,


sucedeu Apolônio. Tinha à sua disposição 150 anos de observações, arquivadas na
grande Biblioteca de Alexandria, além de contar com dados muito antigos coletados
pelos babilônicos. Graças aos seus estudos, foi descoberta a precessão dos
equinócios (o movimento em pião do eixo terrestre, que leva cerca de 25.800 anos
para uma revolução completa). Por esse movimento (Figura 8), o equinócio de
março, que ocorria na constelação de Áries (conhecido como ponto vernal, ou
primeiro ponto de Áries), hoje se localiza na constelação de Peixes, em direção à
constelação de Aquários.
18

Figura 8: A precessão dos equinócios

Hiparco, estudando o movimento do Sol e levando em consideração a diferença


de duração das quatro estações do ano, compôs o movimento solar ao longo de um
epiciclo com a Terra no centro do deferente. No entanto, para dar conta da diferença
observada na duração das estações, considerou uma excentricidade para o Sol, dando
a este uma distância máxima (apogeu) e uma distância mínima (perigeu) em relação
à Terra.
Seu modelo reproduzia o movimento solar com um erro de menos de um minuto
de arco; dado que só iria melhorar com a introdução do sistema copernicano em
1543 (d.C.). Hiparco, no entanto, preferia, para explicar o movimento dos planetas, o
modelo de seu antecessor, Apolônio, ou seja, o dos excêntricos móveis.
A síntese dada por esses modelos levou a um ordenamento dos planetas que
apresentava a seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno,
Esfera das Estrelas Fixas
Claudius Ptolomeo (segundo século d.C.) realizou, numa obra que ficou
conhecida como Almagesto [uma corruptela do árabe Hi Magisti, A Maior (obra)], a
grande síntese do pensamento grego sobre o movimento dos astros.
Com relação a Hiparco, critica seu modelo, pois este não dá conta do movimento
da Lua.
Ptolomeo, para ‘salvar melhor os fenômenos’, concebeu um novo modelo, ainda
baseado em deferentes e epiciclos. No entanto, introduziu, além do ponto excêntrico,
posição ocupada pela Terra (excentricidade), um novo ponto: o punctum aequans
(ponto equante). Em relação a este ponto (Figura 9), o epiciclo de um planeta
possuía velocidade angular constante.
19

Figura 9: O sistema básico ptolomaico

Utilizando esse sistema, desde as observações dos caldeus, e pela posição de dois
eclipses lunares (que ocorrem na proximidade do apogeu do epiciclo), Ptolomeo
calculou o diâmetro da Lua no apogeu: 31’20”' (GRANT, 1971). Seu erro não
excedia a dois minutos de arco! Porém, para os planetas esse erro superava quatro
vezes esse valor!
O modelo desenvolvido por Ptolomeo era o coroamento da Geometria e da
Astronomia (teórica e observacional) grega. No entanto, esse sistema se afastava dos
ideais platônicos e aristotélicos, das esferas cristalinas girando ao redor de uma Terra
posicionada no centro do universo. A posição excêntrica da Terra, desprovida de
movimento circular uniforme ao seu redor (qualidade agora destinada ao ponto
equante), valeu a Ptolomeo severas críticas. Os astrônomos árabes não o perdoaram,
preferindo as esferas cristalinas de Eudoxo, Callipo e Aristóteles. Apesar disso, o
grau de precisão obtido por Ptolomeo salvava os fenômenos observados no céu.
Em sua obra Hipótese dos planetas, Ptolomeo dizia: “não sustento de ser capaz
de explicar todos os movimentos do mesmo modo; mas mostrarei que cada um deles
pode ser explicado recorrendo à sua hipótese particular”, ou seja, o sistema de
epiciclos, deferentes, excêntricos e equantes, desenvolvido por Ptolomeo (com uma
Terra numa posição geostática, não mais ‘geocêntrica’), explicava, com seus ‘13
20

círculos’ (BREHME, 1976, p. 514), aqueles mesmos movimentos que Aristóteles


tentou explicar recorrendo a um modelo de ‘55 esferas’ (GRANT, 1971; DREYER,
1970). Apesar de descentrar a posição da Terra e utilizar menos círculos que
Aristóteles, o modelo ptolomaico estava de acordo com a ‘Física’ de Aristóteles,
pois em seu sistema estava implícito que os corpos graves caíam perpendicularmente
ao horizonte porque a Terra estava imóvel no universo. Assim, os fenômenos
celestes foram ‘salvos’ por cerca de 1.500 anos, mostrando, pois, que o referencial
teórico aristotélico era o suporte necessário para um sistema que funcionou muito
bem no curso dos séculos.

Heliocentrismo e heliostatismo: de Ptolomeo a Kepler

O único modelo realmente heliocêntrico da Antiguidade que temos conhecimento


foi aquele desenvolvido por Aristarco de Samos, como já discutimos na seção
anterior. No entanto, após Ptolomeo, algumas críticas acerca da imobilidade da Terra
foram tecidas por alguns poucos nomes ligados à História da Ciência.
Ali Negm ad-din al-Katibi (em 1277 d.C.), em seu livro Hikmat al-Ain, não faz
coro com aqueles que engendram argumentos contra a imobilidade da Terra. Um
desses argumentos é a de que um pássaro voaria mais rápido no sentido da rotação
terrestre, enquanto aquele que estivesse contra o sentido da rotação, voaria mais
lentamente. Ele refutava esse argumento dizendo que a atmosfera, contígua à Terra,
também participa de seu movimento, assim também como o éter participa do
movimento da esfera celeste. Apesar disso, ele próprio refutava essa contra-
argumentação porque estava preso ao ideário da circularidade dos movimentos
celestes e que, portanto, não poderia pertencer à Terra. Outros argumentos
comumente apresentados contra a mobilidade da Terra eram: i) a existência de
ventos poderosos no sentido Oeste-Leste; ii) os saltos para Leste percorreriam
21

maiores distâncias para Leste que a Oeste (desde que dados com a mesma impulsão);
iii) os tiros ou voos de flechas se desviariam se fossem feitos para Norte ou Sul; etc.
Na Europa Medieval, Nicolau de Cusa (1401-1464 d.C.), em sua obra La Docta
Ignorantia (A Douta Ignorância), publicada em 1440, recorre a intrincadas noções
filosóficas de ‘absoluto e relativo’. Ele dizia que a Terra se movia, mas que não nos
apercebíamos disso, tal qual ocorre quando estamos no interior de um navio e não
nos damos conta de seu movimento. Nicolau de Cusa é um dos expoentes do
pensamento da Idade Média, o que mostra que caracterizar essa época como ‘idade
das trevas’ não corresponde à realidade.
Girolamo Fracastoro (1483-1553), (que provavelmente conheceu Copérnico na
Universidade de Padova), representou os movimentos planetários retornando às
esferas homocêntricas de Eudoxo, aumentando o número de esferas para 79
(DREYER 1970, p. 274)!
Nicolau Copérnico (1473-1543), que é o divisor de águas entre o sistema baseado
numa Terra estática e seu novo sistema (apesar de Aristarco), de Sol estático,
publicou inicialmente, em 1533, um pequeno Comentário, Commentariolus, no qual
criticou os sistemas de Callipo e Eudoxo, porque estes não salvavam os fenômenos
celestes adotando círculos concêntricos.
Em 1543, com sua obra-mor, De Revolutionibus Orbium Coelestium (Das
Revoluções dos Orbes Celestes), Copérnico muda o referencial dos movimentos
planetários para o Sol, deixando a Terra como mais outro planeta a orbitar o ‘astro-
rei’. Seu livro começa demonstrando que o Mundo e a Terra são esféricos. No quarto
capítulo, afirma que os movimentos dos corpos celestes são uniformes e circulares,
ou compostos de movimentos circulares. Para afirmar que a Terra gira ao redor do
Sol e de seu próprio eixo, reinterpreta os argumentos da física aristotélica, invocando
que a tendência de os corpos irem para seus lugares naturais (movendo-se em linha
reta) também se verifica em outros corpos celestes. Além das órbitas, Copérnico faz
assemelhar ainda mais a Terra com outros planetas. O sistema de Copérnico permitiu
22

a ele, através da determinação precisa dos períodos sinódicos dos planetas (duas
sucessivas oposições de um planeta), chegar a um método correto para o cálculo dos
períodos siderais (orbitais) dos planetas ao redor do Sol, como pode ser visto pela
Tabela 1 (DANHONI NEVES; ARGÜELLO, 2001).

Tabela 1: Dados comparativos dos períodos siderais dos planetas


Planeta Período Período Período
sinódico sideral Sideral
(em dias) (por (Atual)
Copérnico)
Mercúrio 115,88 87,97 dias 87,97 dias
Vênus 538,92 224,70 224,70
dias dias
Terra - 365,26 365,26
dias dias
Marte 779,04 1,882 anos 1,881 anos
Júpiter 398,96 11,87 anos 11,862
anos
Saturno 378,09 29,44 anos 29,457
anos

Baseando-se no fato de que os planetas inferiores (Mercúrio e Vênus) estão


sempre dentro de um ângulo máximo que une Terra-Sol, Copérnico estimou as
distâncias relativas que separam os planetas do Sol (em UA – unidades
astronômicas). Os valores que ele obteve podem ser vistos na Tabela 2 (DANHONI
NEVES; ARGÜELLO, 2001).
23

Assim, Copérnico chega ao ordenamento preciso dos planetas, ‘corrigindo’ o


sistema de Heráclides do Ponto (semi-heliocêntrico e semigeocêntrico, que
forneciam distintas posições relativas entre Mercúrio-Terra e Vênus-Terra).
Copérnico estimou ainda as variações da obliquidade da eclíptica num período de
3.434 anos, chegando aos limites de 23°12’ e 23°28’ (DREYER, 1970).

Tabela 2: Comparação entre os valores das distâncias relativas planetas-Sol


Planeta Distância Distância
(por (Atual)
Copérnico)
Mercúrio 0,3763 0,3871
Vênus 0,7193 0,7233
Terra 1,0000 1,0000
Marte 1,5198 1,5237
Júpiter 5,2192 5,2028
Saturno 9,1743 9,5388

Apesar de seu sistema ser considerado ‘superior’5 ao de Ptolomeo (Figura 10),


Copérnico (Figura 11) mantinha-se preso à circularidade uniforme dos movimentos
planetários. Para isso, rejeitou a introdução do ponto equante ptolomaico, mas, para
salvar os fenômenos, precisou adotar os excêntricos móveis, à maneira de
Appolônio, para dar conta dos movimentos observados. Seu sistema utilizava ‘34
círculos’ para explicar todos os movimentos planetários e da esfera celeste. Apesar
disso, considerando o Sol como o centro de todos os movimentos, Copérnico não

5
os que consideram o sistema de Copérnico ‘superior’ ao de Ptolomeo levam somente em conta o
referencial heliocêntrico. Esquecem-se que o sistema copernicano continuava a se utilizar de
inúmeros círculos e epiciclos (em número ainda maior que o do sistema ptolomaico) e que os dados
observacionais de Copérnico foram obtidos ainda do Almagesto.
24

conseguiu sanar os erros que o modelo apresentava para o cálculo da longitude de


Marte.

Figura 10: O sistema geostático ptolomaico


25

Figura 11: O sistema heliostático de Copérnico com seus diferentes círculos

Apesar do prefácio anônimo de Osiander do De Revolutionibus (Das Revoluções


dos Orbes Celestes) [seguramente reprovado por Copérnico], invocando a velha
distinção entre o ‘método do físico e o método do astrônomo’, Copérnico não
pretendia, com seu sistema de mundo, simplesmente ‘salvar os fenômenos’, como na
acepção clássica desse termo; ele realmente acreditava que seu sistema estava de
acordo com as hipóteses por ele aventadas. Grant (1971, p. 87, grifo nosso), a esse
respeito, diz, de forma muito questionável:
Somente se as hipóteses são verdadeiras podem as aparências ser
realmente salvas. O movimento diurno e anual da Terra foi uma
hipótese que Copérnico acreditava ser indubitavelmente
verdadeira. Este duplo movimento produzia uma simetria no
universo que era claramente superior ao velho esquema.
Retrogradações e progressões dos planetas foram tornados
fisicamente inteligíveis. Estas conseqüências do movimento da
Terra parecem ter sido um instrumento em convencer Copérnico
26

de que a Terra realmente se movia e que esta hipótese era uma


reflexão verdadeira da realidade cosmológica.

O sistema de Copérnico ia contra as sagradas escrituras (Josué 10:12-14), que


consideravam a Terra imóvel. Lutero havia criticado severamente a obra de
Copérnico e, cerca de 60 anos após sua publicação, a Igreja Católica colocou o De
Revolutionibus no Index Librorum Proibitorum (Índice dos Livros Proibidos).
Seis anos após a morte de Copérnico, é interessante lembrar aqui o argumento de
Melantone, exposto em seu livro Initia Doctrina Physica (Preâmbulo da Doutrina
da Física) (DREYER, 1970), contra a mobilidade da Terra. Para ele, quando um
círculo roda, seu centro permanece imóvel; mas a Terra está no centro do mundo, e,
portanto, está imóvel.
Outro grande nome da Astronomia e de fundamental importância para o
desenvolvimento do sistema kepleriano de movimentos planetários foi o
dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601). Apesar da adesão ao sistema copernicano de
nomes como William Gilbert (1544-1603) e Thomas Digges (1546-1595), faltava à
obra copernicana um sistema físico que sustentasse seus argumentos geométricos da
mobilidade da Terra. Tycho Brahe invocou argumentos aristotélicos para refutar o
sistema copernicano. Para que a Terra se movesse, seja ao redor de seu próprio eixo,
como ao redor do Sol, era necessário registrar paralaxes6 estelares e desvios na
queda vertical de um corpo grave deixado cair do alto de uma torre. No entanto,
esses fenômenos não se verificavam na física do mundo sublunar. As paralaxes não
se registravam, a menos que a distância entre Saturno e a esfera das estrelas fixas
fosse muito grande (na verdade, ele havia estimado essa distância como 700 vezes
superior à distância entre o Sol e o planeta Saturno).
O modelo planetário de Tycho era, na verdade, o modelo imaginado por
Heráclides do Ponto, ou seja, um misto de geocentrismo (Terra no centro do

6
O termo paralaxe significa o deslocamento angular aparente de um referencial, causado pelo
deslocamento do observador.
27

universo e como centro dos movimentos circulares de todos os astros) e


heliocêntrico (o Sol era circundado pelos planetas Mercúrio e Vênus).
Tycho estimou a distância entre Saturno e a Terra em 12.300 semidiâmetros
terrestres e entre Saturno e a esfera das estrelas fixas em 14.300 semidiâmetros
terrestres. Para a estrela nova (estrela que explode) de 1572 (uma corruptibilidade no
"imutável" céu estrelado), estimou uma distância de 13.000 semidiâmetros terrestres.
A estrela nova e a aparição de um cometa (com uma paralaxe muito pequena - o
que indicava uma distância muito além da Lua) mostraram a Tycho que o céu acima
da Lua era passível de corrupção e alteração, indo contra os ensinamentos da física e
da astronomia aristotélica.
Tycho havia completado um catálogo, determinando a posição de 777 estrelas e
melhorado grandemente as observações das posições planetárias (seus dados tinham
uma precisão de cerca de 2 min de arco7, enquanto antes dele, essa precisão ficava
em torno dos 10 min (OLENICK et al., 1993), especialmente aquelas de Marte, que
conduziria seu sucessor e colaborador (por escassos 18 meses), Johannes Kepler
(1571-1630), a encontrar para os planetas um movimento elíptico.
Johannes Kepler é considerado por muitos como o último dos grandes
astrônomos-astrólogos. Ele foi responsável pela realização de elaborados horóscopos
e almanaques. Concebia um universo eivado pela racionalidade, concebendo o Sol
como centro da vida e representando a sabedoria de Deus no planejamento do
Cosmos.
O universo de Kepler era aquele da perfeição matemática. Mais que um neo-
platônico, Kepler pode ser considerado o último dos pitagóricos (Danhoni Neves
2001). Seu modelo geométrico Mysterium Cosmographicum (Mistério
Cosmográfico) (Figura 12) atesta isso. Nesse modelo, Kepler tentou obter as
distâncias relativas dos planetas ao Sol, encaixando os sólidos pitagóricos em
semiesferas.
28

Figura 12: Mysterium Cosmographicum de Johannes Kepler

Porém, só foi com as medidas excepcionalmente precisas que Kepler pôde chegar
ao que hoje conhecemos em livros didáticos como as ‘três leis do movimento
planetário’.
Kepler, como seu antecessor Copérnico, recusava-se a introduzir o ponto equante
para ‘salvar’ os fenômenos. No entanto, diferentemente do astrônomo polaco, Kepler
não utilizou os epiciclos. Usou, numa descrição geométrica aproximada, círculos
descentrados. Isso parecia recomendar o uso de um ponto equante, já que o planeta
precisaria apresentar velocidade angular constante com respeito ao Sol descentrado.
Esse modelo parecia reproduzir os resultados obtidos por Tycho. Porém, após oito

7
Um grau tem 60 min de arco e um minuto de arco tem 60 seg de arco.
29

anos de estudos sobre os dados tychonianos da órbita de Marte (num arco de 25 anos
de observação!), o erro sistemático encontrado por Kepler era de oito minutos de
arco (DREYER, 1970).
Apesar desse erro, Kepler chega, conforme consta em sua obra Astronomia nova,
à ‘Lei das Áreas’: “O raio-vetor que une sol-planeta varre áreas iguais em tempos
iguais” (DANHONI NEVES, 2001, p. 47).
Nas escolas essa lei é ensinada como sendo a ‘segunda lei de Kepler’, mas ele a
descobriu primeiro! Partindo dessa premissa, Kepler resolveu abandonar a perfeição
da circularidade (mesmo que usando círculos descentrados) para adotar a elipse
como forma mais adequada não mais para ‘salvar fenômenos’ mas para descrever os
movimentos planetários ao redor do Sol. Essa nova descrição fez Kepler enunciar
aquela que é hoje conhecida como “1ª Lei de Kepler: os planetas descrevem órbitas
elípticas com o sol ocupando um dos focos destas” (DANHONI NEVES, 2001, p.
47).

Sua terceira e última lei saiu quase como de seu último refúgio na perfeição e
harmonia do cosmo. Era uma proporcionalidade que lembrava a música das esferas,
inicialmente pensada por Pitágoras e seus discípulos. A terceira lei pode assim ser
enunciada: ‘o quadrado do período de um planeta é diretamente proporcional ao
cubo de seu semi-eixo maior’.
Para finalizar esta seção, lembremos as palavras de Dreyer (1970, p. 361), acerca
da segunda lei de Kepler:
A descoberta da órbita elíptica de Marte era um ponto de partida
absolutamente novo, uma vez que implicava o abandono do
princípio do movimento circular uniforme, um princípio que, de
tempos em tempos, foi considerado evidente e inviolável, apesar
de que Ptolomeo já houvesse, tacitamente, deixado cair,
introduzindo o equante.
30

O ‘casamento’ do céu e da Terra: de Oresme e Buridan a Galileo,


Newton e Foucault
Os tranquilos céus acima da esfera lunar, como acreditava Aristóteles, foram
corrompidos pela observação dos cometas e de estrelas novas, que tumultuavam a
harmonia das esferas. Para dar conta desses estranhos fenômenos, atribuiu-se a eles
uma origem atmosférica.
Plutarco (46-120 d.C.) e Sêneca (55 a.C. - 39 d.C.), assim como Apolônio de
Mindo, a despeito de toda a força do pensamento aristotélico, acreditavam que os
cometas fossem corpos celestes já que não sofriam a ação dos ventos e das
tempestades.
As irregularidades nos céus, aliadas à precisão cada vez maior das medidas,
impondo a criação de novos modelos para que os fenômenos fossem salvos,
impuseram também um alargamento das distâncias entre os astros.
Anaximandro de Mileto (609-610 a.C. – 547 a.C.) acreditava que a distância
Terra-Sol fosse de 27 raios terrestres, enquanto que a distância Terra-Lua fosse de 19
raios terrestres.
Plínio (23-79 d.C.) e Censorino (I séc. d.C.) davam em 126.000 estádios a
distância Terra-Lua (metade do valor calculado por Eratóstenes para a circunferência
terrestre). Plínio afirmava ainda que a distância Terra-Sol era duas vezes menor que
aquele valor, enquanto a distância do Sol às estrelas fixas era três vezes maior.
Martiano Capella (V séc. d.C.) estabeleceu que a distância Terra-Sol era de 12
vezes a distância Terra-Lua, enquanto Terra e Marte distavam duas vezes a distância
Terra-Sol; Terra-Júpiter, doze vezes; e Terra-Sol, 28 vezes.
Varrone (116-27 a.C.) estimava a distância Terra-Lua em cem raios terrestres.
Mas foi Aristarco de Samos (310-230 a.C.) que, adotando um método de cálculo
baseado na observação da Lua, determinou a distância Terra-Sol entre 18 e 20 vezes
a distância Terra-Lua. Apesar desse valor incorreto, o método desenvolvido por
31

Aristarco é essencialmente correto. Estimou ainda a distância entre a Terra e a esfera


das estrelas fixas: aproximadamente 124.000 raios terrestres.
Hiparco de Nicéia (II séc. a.C.) estimou que a distância da Terra à Lua estivesse a
mais de 60 vezes o raio da Terra e a distância Terra-Sol era de aproximadamente
2.100 vezes o raio da Terra. Estimou também que o Sol deveria ser 1.800 vezes
maior que a Terra e que a distância entre nós e a abóbada celeste fosse de 413.000
raios terrestres.
Os valores adotados por Ptolomeo em sua obra máxima são:
- distância média da Lua = 59 raios terrestres;
- distância média do Sol = 1.210 raios terrestres;
- raio da Lua = 1 / 3,4 raios da Terra;
- raio do Sol = 5,5 raios da Terra.
Posidônio estimava que a distância da superfície da Terra até as nuvens fosse de
40 estádios; das nuvens à Lua, de 2.000.000 de estádios, e da Lua ao Sol, de
500.000.000 de estádios.
Macróbio de Saturnia (ente IV e V séc. d.C.), sem demonstração alguma, afirma
que a sombra da Terra chegava exatamente até o fim da órbita solar (a 60 diâmetros
da Terra). Para ele, baseado nessa estimativa, o diâmetro do Sol deveria ser o dobro
daquele da Terra.
O fracasso de Tycho em medir a paralaxe das estrelas, adotando o sistema
copernicano, implicaria aceitar uma distância de pelo menos 1,4 milhões de raios
terrestres. Galileo adotou 13 milhões de raios terrestres, Kepler, 34, e, mais tarde, 60
milhões de raios da Terra (LIVI, 1990).
Thomas Digges e Giordano Bruno defenderam, em suas obras, a infinitização do
espaço e a pluralidade dos mundos.
A essas ideias, que alargavam as dimensões do Mundo, iniciou-se na Idade Média
uma profícua discussão acerca da possibilidade de movimento terrestre. Os
parágrafos precedentes mostram que havia várias estimativas conflitantes acerca da
32

dimensão do espaço supralunar. Portanto, o argumento da ausência de paralaxe não


era definitivo para se assegurar a imobilidade da Terra. Era necessário tocar na física
do mundo sublunar, e assim foi feito por dois grandes nomes da história da ciência e
da filosofia: Jean Buridan (1295-1358 d.C.) e Nicole Oresme (1323-1382 d.C.).
Buridan chega a reconhecer que o problema principal sobre a imobilidade ou não
da Terra era uma questão de relatividade do movimento (GRANT, 1971; DUHEM,
1958). Buridan concordava com um dos princípios básicos de Aristóteles, que era
aquele de atribuir um estado de maior ‘nobreza’ ao repouso que ao movimento. No
entanto, Buridan elabora um raciocínio em que chega a atribuir um movimento de
rotação à Terra, pois esta empregaria uma velocidade de rotação muito menor que
aquela exigida para a rotação da esfera celeste (DUHEM, 1984). O argumento é forte
pelo fato de Buridan já intuir a imensidão do espaço entre a esfera da Terra e a esfera
das estrelas fixas. Apesar deste forte argumento em favor da mobilidade da Terra,
Buridan o descarta porque não é possível explicar o movimento de uma flecha
lançada para cima. Numa Terra em movimento, certamente ela não cairia no mesmo
ponto de onde foi lançada.
Nicole Oresme partiu dos mesmos pressupostos de Buridan, chegando a afirmar
que o movimento da flecha tanto para uma Terra imóvel, quanto para uma Terra em
movimento, seria o mesmo, já que naquela última o ar também participaria do
movimento. Ele constrói seus argumentos usando como analogia o movimento de
um navio e de como um passageiro veria o movimento de um corpo em lançamento
vertical ou deixado cair do alto do mastro principal (Figura 13 – a,b).
33

(a)

(b)
Figura 13: O argumento do navio para uma pedra deixada cair do alto de um mastro. Em (a)
está o argumento aristotélico de que, com o navio em movimento, a pedra cairia na popa.
Em (b), o argumento que leva em conta o sistema inercial; a pedra está animada da mesma
velocidade do navio e, por essa razão, cai ao pé do mastro
34

Vale a pena lembrar aqui um interessante parágrafo de Grant (1971, p. 69), a


respeito desses dois personagens da escola francesa de pensamento:
Embora Buridan e Oresme concluíssem que a Terra não possuía
movimento de rotação, alguns de seus argumentos a favor da
rotação eram próximos àqueles defendidos por Copérnico em seu
sistema heliocêntrico onde a Terra possuía ambos os movimentos:
rotação e movimento anual ao redor do sol. Entre esses
[argumentos] encontramos a relatividade do movimento, como o
ilustrado pelo movimento dos navios; é melhor para a Terra
completar uma rotação diária com uma velocidade muito menor
do que aquela necessária para os vastos céus; que o movimento de
ascenção e queda dos corpos resultam de um movimento
composto de elementos retilíneos e circulares; e, finalmente, que o
estado de repouso é mais nobre que aquele de movimento; ele é
mais apropriado para a ignóbil Terra girar do que os Céus fazê-lo
[...].

Somente com os trabalhos de Galileo (1964; 1990), de Newton (1978) e dos


experimentos decisivos para a comprovação da mobilidade da Terra, como é o caso
da medida da aberração estelar de James Bradley (1693-1762) em 1728 (LIVI,
1990), do desvio para Leste de um corpo em queda livre, como o realizado por
Guglielmini na Torre della Specola di Bologna em 1791 (BRACCESI, 1983) e do
famoso experimento de Leon Foucault no Pantheon de Paris, em 1851
(DELIGEORGES, 1990), é que finalmente a Terra ganhou uma posição dinâmica no
sistema solar, definindo-se decisivamente pelo sistema original de Aristarco de
Samos. Mas só depois da construção de uma física inercial é que os argumentos de
Oresme e Buridan ganharam força para a escolha definitiva do heliostatismo.

Intermezzo: do Mundo fechado à Revolução Copernicana

Para concluir essa longa exposição histórica do difícil caminho percorrido pela
ciência para o estabelecimento da tão proclamada ‘Revolução Copernicana’,
lembramos que o mundo pós-Copérnico só se firmou graças à melhoria da precisão
35

dos instrumentos de medida, aliada a uma física que encontrou, nos trabalhos de
Galileo e Newton, a força definitiva para nos dar uma posição dentro do sistema
solar.
Essa nova posição da Terra e todo o trabalho da ciência ao redor dessa definição
fizeram o historiador e filósofo da ciência Edwin Arthur Burtt (1892-1989) escrever
algures:
A grande autoridade de Newton se fazia sentir plenamente na
visão do cosmo que fazia do homem um espectador insignificante
e irrelevante [...] do vasto sistema matemático, cujos movimentos
regulares, segundo os princípios mecânicos, constituíam o mundo
da natureza. O universo gloriosamente romântico de Dante e
Milton, que não fixava limites à imaginação do homem para
desenrolar-se no espaço e tempo, foi posto de lado. O espaço foi
identificado com a Geometria, o tempo com a continuidade do
número. O mundo em que julgávamos estar vivendo - um mundo
rico de cores e sons, de fragrância, de alegria, amor e beleza que
demonstravam em tudo uma harmonia e ideais criativos
intencionais - passou a ser amontoado em pequenos cantos nos
cérebros dos seres orgânicos dispersos. O mundo realmente
importante lá fora era um mundo duro, frio, sem cor, silencioso e
morto; um mundo de quantidades, um mundo de movimentos
matematicamente computáveis em regularidade mecânica. O
mundo das qualidades, tal como o imediatamente percebido pelo
homem, tornou-se um efeito curioso e insignificante daquela
máquina infinita que jaz mais além (BURTT, 1979, p. 113).

Podemos depreender, pela leitura de todos os passos que culminaram no mundo


mecanicista e cartesiano depois de Newton, expostos acima, que o sistema
educacional e todos que deles participam efetivamente na transmissão e na
construção do conhecimento, sejam professores, cientistas, filósofos ou
pesquisadores em Ensino, muitas vezes esquecem as fontes de onde brotaram todos
os resultados dos paradigmas que hoje abraçamos como supostas verdades dentro da
ciência atual. Para finalizar esta seção quase inicial, citamos aqui T. S. Kuhn (1974),
sobre a questão do sistema ptolomaico e copernicano (e da relatividade dos dois
sistemas (DANHONI NEVES; ARGÜELLO, 2001, p. 128-129):
36

Teriam a Astronomia e a Dinâmica avançado mais depressa se os


cientistas tivessem reconhecido que tanto Ptolomeo como
Copérnico tinham escolhido processos igualmente legítimos para
descrever a posição da Terra? [...] Tal posição foi, de fato,
sugerida durante o século XVII e foi depois confirmada pela
teoria da relatividade. Mas até lá ela foi, juntamente com a
Astronomia de Ptolomeo, vigorosamente rejeitada, vindo ao cimo
de novo só no fim do século XIX, quando, pela primeira vez, se
relacionava concretamente aos processos insolúveis postos pela
prática usual da Física não-relativística.

A resposta à questão kuhniana é, provavelmente, ‘não!’. A Astronomia e a


dinâmica desenvolveram-se a partir de pressupostos básicos inerentes aos
paradigmas a que estavam atrelados. Apesar da assim chamada ‘evolução de
conceitos’, ‘progresso da ciência’, etc., o universo pós-Copernicano, a partir dos
trabalhos de Kepler, Galileo (1564-1642), Descartes (1596-1650), Newton (1643-
1727), Einstein (1879-1955), continuava a ser aquele da concepção de um espaço
imenso, ilimitado, mas finito no espaço-tempo. O universo se ampliava, mas
permanecia ‘fechado’ na órbita de ideias fixas [...]

Em direção a um ‘novo Universo’ fechado: a moderna Cosmologia

De todos os ramos da ciência, a Cosmologia parece ser o ramo que mais


intriga as reflexões humanas. Enquanto os modelos astronômicos, que acabaram por
conduzir ao universo copernicano finito, basearam-se na construção de uma
geometria que pudesse prever a posição futura, no espaço-tempo, de planetas e
estrelas, a busca do ‘o que somos e para onde vamos’ resume a essência da
Cosmologia. Desde Giordano Bruno (1983; DANHONI NEVES, 2004), ou mesmo
antes, as ponderações sobre um Universo finito ou infinito, eterno ou efêmero,
criado ou não criado, dominaram as discussões cientificas. Mas foi somente no
37

século XX que o trabalho de um homem, Edwin Hubble, permitiu que as questões


acerca das distâncias extragaláticas estabelecessem um dos pilares do atual
paradigma da origem do Universo (o Big Bang8): a recessão das galáxias, baseada na
interpretação do deslocamento das raias espectrais para o vermelho (redshift) como
derivado do efeito Doppler9 (Figuras 14a e 14b).

Figura 14a: Efeito Doppler sonoro: fonte se afastando e se aproximando de um observador


(centro da figura)

8
O termo Big Bang foi criado por um dos mais ácidos críticos dessa teoria, o Prof. Fred Hoyle, ao
referir-se jocosamente, durante um programa radiofônico da BBC, à ideia de um universo ‘explosivo’.
9
O fenômeno ou efeito Doppler é um fenômeno físico e, graças a ele, é possível mensurar se uma
fonte sonora ou luminosa se aproxima ou se afasta de um observador. O caso sonoro é bastante
conhecido: quando um carro de bombeiros se aproxima de nós, observadores-ouvintes, com a sirene
ligada, ouvimos um som muito agudo (as frentes de onda se concentram à frente da fonte, diminuindo
o comprimento das ondas e, portanto, aumentando a frequência). No caso oposto, quando o caminhão
se afasta, o som da sirene torna-se mais grave (as ondas sofrem uma espécie de ‘alargamento’- ver
Figuras 14a e 14b – tornando-se maiores, o que, em consequência, diminui a frequência). Para o caso Formatado: Não Realce
luminoso, o efeito é o mesmo: para fontes que se afastam, linhas espectrais tendem a deslocar-se para
a extremidade vermelha do espectro (grande comprimento de onda, baixa frequência) – esse é o que
os astrônomos batizaram de “desvio para o vermelho (redshift); para fontes que se aproximam, as
linhas espectrais tendem a deslocar-se para a extremidade azul do espectro (pequeno comprimento de
onda, alta frequência) – blueshift (deslocamento para o azul).
38

Figura 14b: Efeito Dopper luminoso (notar o deslocamento das raias ou riscas ao longo do
espectro – extremidade esquerda = azul; extremidade direita = vermelho): fonte 1: estrela
próxima; fonte 2: galáxia vizinha; fonte 3: galáxia à grande distância; fonte 4: galáxia muito
distante [os números 400, 500, 600, 700 referem-se ao valor do comprimento de onda, em
Angstroms]

Esta seção procurará dar uma dimensão do trabalho de Hubble e de como ele
serviu para alimentar o paradigma atual de um Universo com criação e possível
extinção; de um Universo efêmero no tempo cosmológico mas eterno na sucessão de
nascimentos e colapsos; de um Universo destinado aos limites da expansão ou de
uma expansão infinita.
Discutiremos, sobretudo, a questão de como o paradigma do Big Bang (Grande
Explosão) se estabeleceu e quais os problemas que ele apresenta para se firmar. Para
tanto, discutiremos, através da história recente da Cosmologia, trabalhos destoantes
da atual teoria, realizados por homens que raramente são citados na bibliografia
científica corrente, nas salas de aula e nos livros-textos, e que foram eclipsados pela
força avassaladora do paradigma atual. Responderemos então, ao final, à seguinte
questão: ‘a que Universo o trabalho de Hubble nos destinou?’.
39

Hubble e além

Edwin Hubble nasceu em 1889, em Marsfield, Missouri (EUA). Estudou na


Universidade de Chicago, onde foi fortemente influenciado pelo astrônomo George
Ellery Hale. Em 1914, Hubble juntou-se à equipe do Observatório Yerkes,
transferindo-se cinco anos depois, já como diretor, para o Observatório de Monte
Wilson, a convite de Hale.
Hubble foi o primeiro a obter a prova de que o Universo visível estava muito
além dos limites da Via Láctea. O Universo era composto por miríades de galáxias
como a nossa própria, contendo estrelas, poeira e gás interestelar.
Em 1923, com a ajuda do potente telescópio de cem polegadas de Monte
Wilson, Hubble descobriu um padrão de medida para as distâncias intergaláticas.
Observando a galáxia de Andrômeda, Hubble conseguiu separar algumas estrelas,
nos ramos em espiral, que apresentavam variações em seus brilhos, semelhantes a
um tipo de variação periódica da luminosidade de estrelas da própria Via Láctea,
conhecidas por Cefeidas.
Nessa época já era conhecida uma relação entre os períodos de variação das
Cefeidas com a respectiva luminosidade absoluta. Estimando a luminosidade
absoluta, a partir dos respectivos períodos, do padrão das Cefeidas na galáxia de
Andrômeda, Hubble concluiu que esta deveria estar a uma distância de 900.000
anos-luz da Terra. O valor atual é de cerca de 2.000.000 de anos-luz. A estimativa de
Hubble estava errada, mas o método era essencialmente correto.
A partir daí, Hubble passou a classificar a enorme diversidade das galáxias em
dois tipos: o tipo I, conhecido por elípticas, consistia de galáxias com formas
elipsoidais; o tipo II consistia de galáxias de braços espiralados.
Baseado na classificação de Hubble sobre as formas das galáxias, James Jeans
(1877-1946) elaborou uma teoria de evolução galáctica, como mostra a Figura 15.
40

Figura 15: Classificação das galáxias

Em 1929, Hubble publica um trabalho intitulado A relation between distance


and radial velocity among extragalactic nebulae (Uma relação entre as distâncias e
as velocidades radiais das nebulosas extragaláticas). Neste trabalho, Hubble mostrou
que o deslocamento das raias do espectro para o vermelho (redshift) crescia
aproximadamente de forma proporcional à distância que nos separa das galáxias
observadas (Figura 16).

Figura 16: A relação velocidade versus distância de Hubble


41

Todas as 18 galáxias observadas e investigadas por Hubble apresentavam


redshifts. A relação entre distâncias e deslocamentos espectrais observados levou
Hubble a concluir que havia uma relação aproximadamente linear entre
‘velocidades’ e as respectivas distâncias das galáxias investigadas (Figura 17).

Figura 17: Deslocamento das raias espectrais (redshifts) de várias galáxias.

Em 1931, Hubble verificou a proporcionalidade entre ‘velocidade’ e distância


para galáxias com ‘velocidades’ até o limite de 20.000 km/s.
Em 1936, Hubble estimou a distância e a ‘velocidade’ do aglomerado de
galáxias da Ursa Maior II: 42.000 km/s!
Interpretando o redshift como um efeito Doppler óptico, Hubble estimou que
as ‘velocidades’ das galáxias aumentavam de 170 km/s para cada milhão de anos-luz
de distância (ver Figuras18 (a,b,c,d) envolvendo quatro galáxias diferentes).
42

Figura 18a: galáxia vizinha e sua posição no gráfico velocidade versus distância de Hubble

Figura 18b: galáxia relativamente próxima e sua posição no gráfico velocidade versus
distância de Hubble

Figura 18c: galáxia distante e sua posição no gráfico velocidade versus distância de Hubble
43

Figura 18d: galáxia muito distante e sua posição no gráfico velocidade versus distância de
Hubble

Se essa estimativa fosse correta, e se realmente o redshift fosse por um efeito


Doppler, então as galáxias deveriam ter estado, num passado muito remoto, a uma
distância muito menor daquela que conhecemos atualmente. O Universo, seguindo
esse raciocínio, deveria ter tido uma origem há aproximadamente dois bilhões de
anos atrás.
Esse valor era excessivamente baixo, pois estudos geológicos mostravam que a
Terra tinha aproximadamente quatro bilhões de anos de formação. O valor
excessivamente baixo ocorreu pela incerteza dos valores obtidos inicialmente para as
distâncias intergaláticas baseadas na luminosidade das Cefeidas10.

10
Estudos da década de 1980 do século passado estimavam que o aumento da velocidade, v, por
unidade de distância, r, era de 15 km/s para cada milhão (106) de anos-luz (A.L. – 1 ano-luz é a
distância percorrida pela luz em um ano, o que dá um valor aproximado de 9,5.1012 km, ou seja,
quase 9,5 trilhões de quilômetros). Esse valor, 15 km.s-1 / 106 A.L., é conhecido como a ‘constante de
Hubble H’. A relação de Hubble pode ser escrita como: v = H . r . Se o raciocínio inicial de Hubble
estivesse correto, as galáxias deveriam, num passado muitíssimo remoto, ter estado muito mais
próximas umas das outras. Se fizermos esse ‘recuo no passado’, veremos que o inverso da constante
de Hubble fornece o ‘tempo da expansão’ (se realmente tivesse havido uma ‘criação’ e uma ‘inflação’
do Universo): t = 1 / H. O resultado seria 6,3.1017 seg, ou, aproximadamente, 20 bilhões de anos.
Como a gravidade ‘freia’ a inflação, pois a primeira é uma força agregadora enquanto a segunda é
uma ‘força dispersora’, o ‘início’ deveria ter ocorrido num tempo inferior a 15 bilhões de anos! Em
estudos de 1994 (Cosmological conflict - O conflito cosmológico), Craig Hogan, Nature, v. 371, p. Formatado: Não Realce
374-375, e An old galaxy in a young universe (Uma galáxia velha num universo jovem), Robert Formatado: Não Realce
Kennicutt Jr., Nature, v. 381, p. 555-556, ao se estudar galáxias na Constelação de Virgo, a constante
de Hubble foi recalibrada e o tempo de expansão caiu para cerca de nove bilhões de anos, ou seja,
uma valor inferior ao da vida das galáxias (cerca de 13 bilhões de anos)!
44

Antes das descobertas empíricas de Hubble, um matemático russo, Alexandre


Friedmann (1888-1925), em 1922, e um padre-astrônomo, Georges Lemaitre (1864-
1966), em 1927, realizaram investigações teóricas acerca de modelos não-estáticos
de Universo. Esses modelos definiam uma época na qual o Universo teria se
formado, expandindo-se desde um raio muito pequeno até os limites atuais do
Universo, com a expansão sendo arrefecida constantemente pela gravitação.
Se o Universo tivesse se originado realmente de uma ‘bola de fogo’ inicial, ele
poderia ser finito e ilimitado (a atual fronteira da expansão), infinito no espaço-
tempo (se a expansão continuar para sempre), finito no espaço (se a gravitação se
sobrepuser à expansão, detendo-a) e infinito no tempo (se o ciclo de expansão-
contração continuar para sempre).
Ralph Alpher (1921 - ) e Robert Hermann (1920 - ), em 1949, assumindo um
modelo dinâmico de universo, estimaram teoricamente a temperatura da radiação
cósmica de fundo (RCF) residual que deveria banhar todo o céu se o Universo
tivesse tido uma origem. Escrevem eles:
(a presente densidade de radiação, ρ ≈ 10−32 g/ cm3 )
corresponde a uma temperatura da ordem de 5 K 11. Isto
significa que a temperatura do Universo pode ser
interpretada como a temperatura de fundo resultante da
expansão universal.

Em 1953, George Gamow (1904-1968) publica um artigo que estima a


temperatura do Universo em 7 K (1972). Em 1961, numa edição revisada de seu
popular livro The creation of the universe (A criação do universo) (1961), Gamow
estima uma temperatura de 50 K!
Em 1964-65, Arno Penzias (1933- ) e Robert Wilson (1936- ), trabalhando
com uma antena de rádio para a Bell Telephone, em Holmdel, New Jersey (EUA),
registraram experimentalmente uma radiação cósmica de fundo na faixa das

11
a unidade Kelvin (K) dá para sua escala mínima, ou seja, o ‘zero absoluto’, o valor de cerca de -
273˚C.
45

microondas (7,35 cm), equivalendo a uma temperatura de radiação próxima dos 3,5
K.
Com a descoberta da RCF (valor atual = 2,7 K), associada aos estudos de
Hubble dos redshifts galáticos, nascia a teoria do Big Bang, com um Universo entre
dez e 20 bilhões de anos de idade.

Problemas do paradigma

Embasado em todas as ‘evidências’ experimentais e nas ‘confirmações


experimentais’ de ‘previsões’ teóricas, o Big Bang elevou-se à condição de
paradigma da Cosmologia Moderna. A noção de paradigma aqui deve ser entendida
na concepção Kuhniana (Thomas Khun, 1922-1996) do termo:
(paradigma) é um resultado científico fundamental que inclui ao
mesmo tempo uma teoria e algumas aplicações aos resultados das
experiências e da observação. Mais importante ainda, é um
resultado cuja conclusão está em aberto e que põe de lado toda
uma espécie de investigação ainda por fazer. E, por fim, é um
resultado aceite no sentido de que é recebido por um grupo cujos
membros deixam de tentar opor-lhe rival ou de criar-lhe
alternativas (KUHN, 1974, p. 59).

Como alternativa e/ou teoria rival ao Big Bang, existem os modelos de estado
estacionário de Universo. A teoria de estado estacionário12 mais famosa foi aquela
formulada por Fred Hoyle (1915-2001), Jayant Narlikar (1938 - ) e Thomaz Gold
(1920-) (BRUSH, 1992). Porém, a descoberta da CBR coloca em xeque essa teoria,
descartando-a.
No entanto, outras teorias de estado estacionário aparecem paralela ou
anteriormente à teoria do Big Bang. Mas, embasando-nos ainda em Kuhn (1974, p.
52), “ao aceitar um paradigma, a comunidade científica adere toda ela,

12
Segundo a teoria do Estado Estacionário, o Universo existiu e existirá para sempre e o movimento
de afastamento, especialmente das galáxias distantes, seria resultado da criação de novos átomos de
hidrogênio, por efeito da gravidade do próprio Universo.
46

conscientemente ou não, à atitude de considerar que todos os problemas resolvidos o


foram de fato, e de uma vez para sempre”. Nessa adesão da comunidade científica,
alternativas outras ao paradigma do Big Bang são esquecidas e desprezadas.
Por exemplo: com relação à previsão da temperatura da RCF, os modelos de
estado estacionário, ou seja, de um Universo sem criação, infinito no espaço e no
tempo, previram valores muito mais próximos daquele descoberto por Penzias, do
que os valores teóricos daqueles que abraçaram a ideia de um Universo
evolucionário.
Charles Edouard Guillaume (1861-1938), em 1896, em seu artigo La
temperature de l’espace (A temperatura do espaço), adotando a ideia de um universo
estático, infinito no espaço-tempo, estima que a temperatura do espaço deva ser da
ordem de 5,6 K.
Arthur Eddington (1882-1944), em seu livro The internal constitution of the
stars (A constituição interna das estrelas - 1988), de 1926, faz uma previsão notável
da temperatura do espaço interestelar. Segundo Eddington, o campo de radiação total
emitida pelas fontes estelares é contrabalançado pela radiação incidente sobre elas e
absorvido por elas. Utilizando a lei de Stephan-Boltzmann, F = σ T 4 (em que F =
fluxo de energia emitida, σ = constante de Stephan-Boltzmann e T = temperatura do
espaço), Eddington obtém um valor de 3,2 K para a temperatura do espaço
interestelar, a partir da ideia de um Universo não-expansivo.
Erich Regener (1881-1955), em 1933, embasado num Universo sem expansão
e analisando a energia dos raios cósmicos que chegam à Terra, concluiu que a
temperatura final do espaço deveria ser de 2,8 K.
Walther Nernst (1864-1941), o pai da terceira lei da Termodinâmica, em artigo
de 1937, e também baseado num Universo estático, escreve: “No importante
trabalho de Regener [...] encontra-se o fato de que um corpo celeste que absorve
radiação cósmica deve esquentar-se até o valor de 2,8 K”.
47

Em 1953, Erwin Finlay-Freundlich (1885-1964) prediz uma temperatura de 2,3


K. Em 1954, em novo artigo, o mesmo Finlay-Freundlich sugere uma hipótese de
perda de energia do fóton, devendo a temperatura do espaço intergalático estar entre
os valores de 1,9 K e 6,0 K.
Max Born (1882-1970), em 1954, analisando o artigo de Finlay-Freundlich,
faz uma previsão correta e profética: “Assim, o redshift está ligado à radio-
astronomia’ (p. 51).
A Tabela 3 lista as previsões da temperatura da CBR de acordo com os valores
estimados pelos diferentes autores citados até aqui.

Tabela 3: Previsões da CBR (radiação cósmica de fundo)


Ano Universo Estacionário Big Bang Temperatura (K)
1896 Guillaume 5,6
1926 Eddington 3,2
1933 Regener 2,8
1937 Nernst 2,8
1949 Alpher & Hermann ≥5
1953 Gamow 7
1953 Finlay-Freundlich 2,3
1953 Finlay-Freundlich 1,9 ≤ T ≤ 6,0
1961 Gamow 50

Se colocássemos em gráficos distintos os valores preditos para a temperatura


da RCF pelos que abraçaram a ideia de um Universo estacionário e pelos que
abraçaram a ideia de um Universo em expansão, por ano de previsão dos respectivos
valores, depreenderíamos que os autores que defendiam a ideia de um Universo
estacionário estavam muito mais próximos do valor obtido experimentalmente por
Penzias e Wilson, do que os que defendiam um Universo em expansão.

Novos problemas para o paradigma


48

Além das predições bastante próximas da temperatura da CBR de 2,7 K, os


defensores de um Universo estacionário explicam o redshift como uma perda de
energia do fóton de luz em sua longa jornada através do espaço. Assim, o redshift,
segundo esses autores, não está associado ao efeito Doppler e, portanto, não
representa recessão universal (ASSIS; DANHONI NEVES, 1993).
Finlay-Freundlich, em 1953, discutiu o redshift das linhas espectrais de
estrelas dos tipos O e B13, pertencentes à nebulosa de Órion. Ele analisou a
influência do potencial gravitacional sobre os resultados dos redshifts observados.
Sumarizou suas conclusões acerca das estrelas do tipo B, estabelecendo: “As estrelas
do tipo B na nebulosa de Órion mostra um redshift sistemático relativo as linhas da
nebulosa da ordem de + 10 km/s. Este valor é, por um fator de ordem 10, maior que
o redshift predito pela teoria da relatividade” (p. 100).
Finlay-Freundlich encontrou para as estrelas do tipo O um redshift de cerca de
+ 18 km/s. Analisando sistemas binários de estrelas, ele encontrou redshifts de dez a
20 vezes o predito pela relatividade geral (redshift gravitacional). Sobre este último
fato, ele escreve:
É bastante improvável que eles [os redshifts] sejam produzidos
por um movimento sistemático das estrelas da Nebulosas de Órion
relativo a ela própria, ou por um movimento sistemático das
estrelas do tipo O relativo as estrelas B no mesmo aglomerado.
Vemos, pois, que os valores elevados de redshifts revelam um
efeito físico que não pode ser interpretado nem como
deslocamento gravitacional nem como um verdadeiro efeito de
recessão (FINLAY-FREUNDLICH, 1954, p. 315).

Tentando explicar a natureza dos redshifts observados, Finlay-Freundlich,


nesse mesmo artigo, sugere a seguinte hipótese:

13
As estrelas são catalogadas em razão de suas temperaturas superficiais: O, B, A, F, G, K e M. As
estrelas do tipo O são azuis, com temperatura superficial superior a 25.000 K, 15 vezes o raio solar e
60 vezes a massa do Sol. As estrelas do tipo B são, também, azuis, mas com temperaturas que variam
de 11.000 a 25.000 K. Têm sete vezes o raio do Sol e cerca de 18 vezes a massa solar.
49

Proponho introduzir como hipótese adicional (o fato de que) a luz,


passando através de profundas capas de campos intensos de
radiação, perde energia - talvez devido a uma interação fóton-
fóton - e que a energia perdida seja proporcional tanto à densidade
do campo de radiação quanto ao comprimento do caminho
atravessado pela luz através do campo de radiação (FINLAY-
FREUNDLICH, 1954, p. 316).

Finlay-Freundlich (1954, p. 319) conclui seu artigo, dizendo:

o redshift não é devido a uma expansão do Universo, mas devido


a uma perda de energia que a luz sofre nas imensas distâncias do
espaço que ela atravessa, vinda dos mais distantes sistemas
estelares ... Assim, a luz deve estar exposta a algum tipo de
interação com a matéria e a radiaçáo no espaço intergalático.

Louis De Broglie (1892-1987), em 1962, concorda com a ideia de um redshift


causado pelo ‘enfraquecimento’ (ou fadiga) da luz e não por um efeito Doppler.
Escreve ele:
Um fóton vindo de uma nebulosa muito distante teria sua onda
enfraquecida através de uma pequena atenuação ou absorção pela
matéria absorvedora extremamente tênue que sabemos existir no
espaço interestelar [...] Isto poderia resultar num gradual
decréscimo do quantum h . ν, e produzir assim um redshift através
de um mecanismo bastante diferente da forte absorção do fóton ou
do efeito Compton. O mecanismo real seria a continuação
absorção ‘fraca’ da onda (p. 443, grifo nosso).

Quatro anos depois, em 1966, De Broglie continua mantendo essa posição:


No entanto, ainda não estou pessoalmente convencido de que a
interpretação dos desvios espectrais observados sejam devidos a
um efeito Doppler ligado com a expansão do Universo. Em minha
opinião, o efeito observado poderia ser devido a um
‘envelhecimento do fóton’, isto é, a uma perda gradual de energia
dos fótons durante sua longa viagem intergalática. Este efeito, no
entanto desconhecido em qualquer teoria da luz, poderia ser
devido a uma contínua perda de energia do fóton no meio
circundante (p. 592, grifo nosso).
50

Além dos trabalhos citados aqui, que são ‘desconhecidos’ dos livros-textos e
da bibliografia em geral de Cosmologia Moderna (mesmo o clássico Os três
primeiros minutos, de S. Weinberg, em seu capítulo 6, Digressão histórica, não faz
menção a nenhum dos autores citados no presente trabalho, que defendem a ideia de
um Universo estacionário), existem inúmeros outros artigos que apresentam
redshifts ‘anômalos’. Reboul (1981) lista 772 dessas medidas de redshifts, que não
são explicadas pelo efeito Doppler, ou seja, não apresentam correlação distância-
velocidade!

Da natureza da ciência

Por que o Big Bang é a teoria paradigmática atual da Cosmologia Moderna?


Segundo Weinberg (1980, p. 5),
Porque [...] ficamos com o ‘modelo padrão’ [Big Bang]? Como
foi que ele suplantou as outras teorias, inclusive a do estado
permanente? É um tributo à objetividade da astrofísica moderna a
afirmação de que o consenso foi atingido pela pressão dos dados
empíricos, e não por variações de preferência filosófica nem pela
influência de mandarins da astrofísica.

É discutível a questão dos ‘dados empíricos’, de que nos fala Weinberg.


Halton Arp, em duas referências (1973; ARP et al., 1989), apresenta dados
empíricos sobre redshifts de quasars14 que colocam em dúvida a questão de suas
distâncias cosmológicas (nos confins do Universo), ou seja, os quasares observados
(de altos redshifts) parecem estar associados fisicamente a galáxias (de baixos
redshifts) - ver Tabela 4. A Figura 19a mostra fotografias da galáxia NGC 431915. A
galáxia tem um baixo redshift, mas o objeto menor (supostamente um quasar) de

14
Quasares é a denominação de quase-stellar radio source (fonte de radio quase estelar). Trata-se de
objetos astronômicos das dimensões aparentes de uma estrela mas com um brilho equivalente a de
toda uma galáxia. Apresentam elevados redshifts. O primeiro quasar foi descoberto em 1950. Em
1960 eles foram catalogados pela primeira vez no Third Cambridge Catalog.
51

forma elíptica brilhante – canto inferior esquerdo da foto – apresenta um redsift


altíssimo. Os defensores do Big Bang afirmaram apressadamente que a foto era uma
coincidência ótica, uma ilusão ótica, causada pela sobreposição na chapa fotográfica
de um objeto próximo – a galáxia – e um quasar, ao fundo, muito mais distante. No
entanto, Halton Arp, trabalhando o processo fotográfico, descobriu que entre os dois
objetos existe uma ponte física (luminous bridge), como mostram as Figuras 19b e
19c. Assim, o quasar jamais poderia estar à distância cosmológica, nos confins do
Universo.
Para Arp, o quasar pode ser a ejeção de matéria de um núcleo galático, o que
explicaria os elevados redshifts de quasares associados a galáxias (de baixos
redshifts).

15
O termo NGC refere-se ao New General Catalog (Novo Catálogo Geral) de galáxias em
substituição ao Catálogo M (Messier).
52

Tabela 4: Galáxias, quasares e respectivos redshifts


Galáxia Redshift Quasar Redshift
NGC 622 0,018 UB1 e BS01 0,91 e 1,46
NGC 470 0,009 68 e 68D 1,88 e 1,53
NGC 1073 0,004 BS01, BS02 e RS0 1,94 , 0,60 e 1,40
NGC 3842 0,020 QS01, QS02 e QS03 0,34 , 0,95 e 2,20

Figura 19a: Fotografia da galáxia NGC 4319

Figura 19b: Galáxia NGC 4319 e o objeto- quasar Markarian 205. Notar que essa é uma
galáxia espiral, mas só apresenta intacto o braço superior. O inferior provavelmente foi
destruído pelo objeto Markarian 205
53

Figura 19c: A ponte luminosa entre NGC 4319 e Markarian 205 – coincidência ótica?!?
Impossível!

A questão que está em jogo é a concepção kuhniana da aceitação da


comunidade científica de um paradigma, ou seja, a de que o esquecimento das fontes
originais do conhecimento acaba por determinar uma escolha, numa atitude que
define os problemas da ciência como resolvidos de fato. Aristóteles e Newton, e os
que os seguiram, são os exemplos mais dramáticos dessas escolhas.
Por exemplo, Albert Einstein (1879-1955), ao tomar conhecimento de trabalho
de Finlay-Freundlich (1954, p. 316, grifo nosso), responde em carta à Max Born:
Finlay-Freundlich [...] não me abala de maneira alguma. Ainda
que a deflexão de luz, o movimento do perihélio ou o desvio
fossem desconhecidos, as equações da gravitação continuariam a
ser convincentes, pois evitariam o sistema inercial [...]. É
realmente estranho que os seres humanos se mostrem geralmente
surdos aos mais fortes argumentos, enquanto se inclinam a
superestimar precisões de medida.

Essa carta de Einstein é flagrante ao mostrar que a ciência é, sobretudo,


‘opção’. Tanto Finlay-Freundlich quanto Einstein poderiam estar surdos um com
relação aos argumentos do outro e vice-versa.
A questão é que o paradigma do Big Bang aí está porque, à medida que se
juntaram os ‘dados empíricos’ posteriormente à teoria, a educação científica tratou
de realizar o trabalho ‘seletivo’, expurgando teorias rivais.
54

Feyerabend (1924-1994) diz:


(essa estagnação [a da Física] liga-se ao fato de que a Física está
se transformando de ciência em negócio e de que os físicos mais
jovens deixaram de usar a História e a Filosofia como
instrumentos de pesquisa) (FEYERABEND, 1985, p. 97).

E continua (p. 456):


A sociedade moderna é 'copernicana', mas não porque a doutrina
de Copérnico haja sido posta em causa, submetida a um debate
democrático e então aprovada por maioria simples; é 'copernicana'
porque os cientistas são copernicanos e porque lhes aceitamos a
cosmologia tão arcaicamente quanto, no passado, se aceitou a
cosmologia de bispos e cardeais.

Kuhn (1987, p. 175), a esse mesmo respeito, escreve:


As coleções de ‘textos originais’ têm um papel limitado na
educação científica. Igualmente, o estudante de ciência não é
encorajado a ler os clássicos de história do seu campo - obras
onde poderia encontrar outras maneiras de olhar as questões
discutidas nos textos, mas onde também poderia encontrar
problemas, conceitos e soluções padronizadas que a sua futura
profissão há muito pôs de lado e substituiu. Whitehead apreendeu
esse aspecto bastante específico das ciências quando escreveu
algures: ‘uma ciência que hesita em esquecer os seus fundadores
está perdida’.

A permanência da teoria do Big Bang demonstra a essência básica da ciência e


de sua propagação pelo ensino: um constante e ‘quase natural’ esquecimento das
fontes originais do conhecimento.

Conclusão: afinal, que universo é esse?

S. Weinberg, em seu Os três primeiros minutos (1980, p. 2), escreve:


No princípio foi uma explosão. Não uma explosão como as que
conhecemos na terra, principiando em um centro determinado e
espalhando-se de forma a engolfar crescentemente as
circunvizinhanças. A explosão primitiva ocorreu simultaneamente
55

em toda parte, enchendo, desde o princípio, todo o espaço, com


todas as partículas de matéria repelindo-se mutuamente. ‘Todo o
espaço’, neste contexto, pode ser a totalidade de um Universo
infinito, ou todo um Universo finito, que é curvo, como a
superfície de uma esfera. Nenhuma das duas possibilidades é fácil
de compreender, mas isto não nos deixará embaraçados; é
inteiramente indiferente, no Universo primitivo, que o espaço seja
finito ou infinito.

Mais adiante, Weinberg (1980, p. 125), escrevendo sobre o ‘primeiro


centésimo de segundo’ da Grande Explosão (a uma temperatura de 1032 K), diz:
“Falando com liberdade [sobre o quão pequeno era o universo no ‘ponto zero’], cada
partícula seria tão grande quanto o Universo observável!”.
A esse respeito, Paul Marmet (1991, p. 48), escreve:
Outra afirmação enganosa é encontrada no mesmo volume
[Misner et al., 1973] , num capítulo entitulado: ‘Cosmologias que
violam a relatividade geral’. Este capítulo procura justificar o
modelo do Big Bang refutando outras cosmologias. No entanto, os
autores não declaram que o modelo do Big Bang viola a
relatividade geral de Einstein. De fato, o modelo do Big Bang leva
a um átomo primordial contendo toda a massa do Universo,
concentrado num volume próximo de zero. Este átomo primordial
representa o exemplo mais extremo de um buraco negro que
podemos imaginar. Uma vez que sabemos que nada pode ser
emitido de buracos negros, como pôde o átomo primordial
expandir-se?

Por esses dois autores, podemos intuir o abismo que separa duas concepções
radicalmente diferentes de Universo. De um lado, um Universo que evolui numa
alucinada expansão cósmica; de outro, um Universo eterno e estacionário, sem
limites no espaço e no tempo. Esse abismo de concepções é encontrado mesmo em
Giordano Bruno (1983, p. 17):
FILOTEO - Afinal, para chegar ao âmago da questão parece-me
ridículo afirmar que além do céu não exista nada, e que o céu
exista por si mesmo, localizado por acidente, e seja lugar por
acidente, isto é, com respeito as suas partes. E qualquer que seja a
interpretação dada a seu ‘por acidente’, não se pode evitar de
fazer de um dois, porque sempre é uma coisa o continente e outra
o contido; e assim é de tal forma que, segundo ele próprio, o
56

continente é incorpóreo e o contido é corpo; o continente é imóvel


e o contido móvel; o continente é matemático e o contido físico.
Então, qualquer que seja aquela superfície, continuarei
perguntando: o que existe além dela? Se responderem que é o
nada, a isto chamarei de vácuo, inane; e um tal vácuo, um tal
inane que não possui forma nem qualquer termo ulterior, limitado,
porém, do lado de cá. E isto é mais difícil imaginar do que pensar
o Universo como um ser infinito e imenso. Porque não podemos
fugir ao vazio se quisermos admitir o Universo como finito.
Vamos ver agora se convém que exista tal espaço no qual não esta
nada. Neste espaço infinito se encontra este Universo (seja por
acaso, ou por necessidade, ou por providência, por enquanto não
me preocupo). O que me pergunto é se este espaço que contém o
mundo seja mais apto a conter um mundo que outro espaço,
existente mais além.

Em carta dirigida ao autor do presente trabalho, Emil Wolf (1993),


colaborador por muitos anos de Max Born, diz que este comentou o artigo de Finlay-
Freundlich (o de 1954), por considerá-lo cientificamente embasado. ‘No entanto’,
diz Wolf, “tanto quanto sei, ele jamais afirmou que não acreditava num Universo em
expansão, apesar dele não se sentir de todo confortável com a teoria do Big Bang”
(p. 1). Com respeito a isso, podemos encontrar, na referência Born (1962, p. 369),
um trecho significativo de Born a respeito da ‘origem’ do Universo:
A ‘origem’ refere-se a nossa capacidade de descrever o estado das
coisas em termos de conceitos habituais. Se existiu uma criação
do nada, isto não é uma questão científica, mas é matéria de
crença e além de qualquer experiência, como já sabiam os velhos
filósofos e teólogos como Tomas de Aquino.

O problema de um Universo em expansão foi sentido pelo próprio Hubble


quando o registro experimental passou a indicar ‘velocidades de recessão’ das
galáxias cada vez maiores. De 6 x 10 −3 vezes a velocidade da luz para 0,95 vezes a
velocidade da luz, como é o caso de alguns objetos quasi-estelares (quasares), é
realmente fantástico como um objeto das dimensões de uma galáxia possa estar
viajando em direção oposta à nossa a uma velocidade quase igual à da luz!
57

Em seu livro The realm of nebulae (O reino das nebulosas), Hubble (1936, p.
122-123) escreve:
Esta interpretação [a de que o redshift representa velocidade de
afastamento] explica os redshifts como efeito Doppler, ou seja,
como velocidades de afastamento, indicando um movimento
autêntico de recessão. Podemos estabelecer com alguma confiança
que os redshifts ou são velocidades de afastamento ou
representam algum princípio até agora desconhecido na física.

Em 1937, Hubble (citado por Reber, 1986) afirma: “A luz pode perder energia
durante sua jornada através do espaço, mas se assim o for, nós ainda desconhecemos
como a perda de energia pode ser explicada”.
Seis anos após a publicação do The realm of the nebulae, Hubble ainda
escreve: “Os redshifts representam ou efeitos Doppler, recessão física da nebulosa,
ou a ação de algum princípio ainda não identificado na natureza”.
Diante do exposto, podemos concluir que Hubble jamais descobriu a expansão
do Universo. Podemos afirmar que ele descobriu o redshift cosmológico, associando
ao desvio das raias espectrais um termo de ‘velocidade aparente’.
Em seu artigo The problem of the expanding universe (O problema do
universo em expansão), Hubble (1942, p. 115) conclui: “Parece estarmos como nos
dias de Copérnico, diante de uma escolha: um Universo pequeno e finito, ou um
Universo indefinidamente grande mais um novo princípio da natureza”.
Hubble representa o homem diante das dúvidas fundamentais: ‘o que é o
espaço e o que é o tempo’. Seu trabalho é reinterpretado à luz de um Universo
inflacionário (com início e fim, ou com uma expansão eterna) ou de um Universo
estacionário (sem criação e infinito no espaço e no tempo).
Como Giordano Bruno (1548-1600 - DANHONI NEVES, 2004), perguntamo-
nos constantemente se este espaço que contém o mundo é mais ‘apto a conter um
mundo que outro espaço, existente mais além’.
58

Em toda a trajetória deste trabalho, buscamos desvelar, através da longa


história do pensamento científico, como as inúmeras construções do conhecimento
da Terra como corpo cósmico, de sua dimensão, da dimensão do Universo (finito-
infinito) e do problema ou não de uma origem, animaram os inúmeros paradigmas
que ajudaram a construir, em diferentes épocas, diferentes imagens científicas de
mundo. Porém, a despeito de toda ciência e da história das cosmologias antigas e
modernas, o céu acima de nós continua alheio aos nossos paradigmas. No frio
Universo que cobre nossas cabeças continuarão a pairar, talvez para sempre, as
dualidades: efêmero-eterno, finito-infinito, ciência e dogma.

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SACROBOSCO, J. Tratado da esfera. São Paulo: Unesp, 1992.

WEINBERG, S. Os três primeiros minutos: uma discussão moderna sobre a origem


do universo. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1980.

WOLF, E. Private communication, Rochester University, 1993.

http://www.mundodosfilosofos.com.br/pitagoras.htm
1

A História da Temperatura de 2,7 Kelvin


antes de Penzias e Wilson
André Koch Torres Assis e Marcos Cesar Danhoni Neves
Introdução

Em 1965 Penzias e Wilson descobriram a radiação cósmica de fundo (RCF),


utilizando uma antena refletora de telecomunicações em forma de corno para
estudos em Radioastronomia (PENZIAS; WILSON, 1965). Eles encontraram uma
temperatura da ordem 3,5 K, observando uma radiação de fundo na faixa de 7,3
cm de comprimento de onda. Isso foi logo interpretado como uma radiação fóssil
de uma ‘grande explosão’ (Big Bang) associada a uma radiação de corpo negro
(Dicke et al., 1965). Essa descoberta foi considerada a prova do modelo
cosmológico padrão do universo baseado numa expansão do universo (Big Bang),
que previa essa temperatura como exposta em trabalhos de Gamow e
colaboradores.
Neste capítulo mostraremos que outros modelos de um universo em
equilíbrio dinâmico sem expansão previtam essa mesma temperatura antes de
Gamow. Além do mais, mostraremos ainda que as próprias previsões de Gamow
eram piores que suas antecessoras (sem expansão).
Antes de começarmos, seria importante listar brevemente algumas
informações históricas que podem nos auxiliar a entender essas descobertas.
Stefan encontrou experimentalmente, em 1879, que o fluxo bolométrico
total da radiação F emitida por um corpo negro à temperatura T é dado pela
fórmula,

F=σ T4,
2

em que σ é chamada hoje de constante de Stefan-Boltzmann’s (5,67 x 10-8


Wm-2K-4).
A derivação teórica dessa expressão foi obtida por Boltzmann em 1884. Em
1924, Hubble estabeleceu que as nebulosas são sistemas estelares fora da Via
Láctea. Em 1929, ele obteve a famosa lei do deslocamento para o vermelho
(redshift), ou a lei da distância (quanto mais distante uma fonte, maior seu
deslocamento para o vermelho).

Guillaume e Eddington

A mais precoce estimativa da temperatura do ‘espaço’ que conseguimos


encontrar foi aquela realizada por Guillaume (1896), antes do nascimento de
Gamow (1904). Citamos abaixo um fragmento de seu texto :

O Captão Abney determinou recentemente a razão entre a luz


emitida pelo céu estrelado com aquela da lua cheia. Ele
encontrou o valor de 1/44, após considerar a obliquidade dos
raios com relação à superfície e à absorção atmosférica.
Dobrando este valor para ambos hemisféros, e adotando
1/600.000 como a razão da intensidade da lua com relação
àquela do sol (uma estimativa média das medidas de Wollaston,
Douguer e Zöllner), encontramos que a radiação solar é 15.200
vezes maior que a energia vibratória de todas as estrelas
combinadas do céu. O acréscimo na temperatura de um corpo
isolado no espaço sujeito somente à ação das estrelas seria
igual ao quociente de acréscimo da temperatura devido ao sol
sobre a Terra dividido pela raiz quarta de 15.200, ou seja,
aproximadamente, 60. Além do mais, este número poderia ser
considerado como um limite inferior, quando consideramos que
as medidas efetuadas pelo Capitão Abney tomadas em South
Kensington poderiam ter sido distorcidas por alguma outra
fonte de luz. Concluímos que a radiação somente das estrelas
poderia manter o teste particular no qual supomos que em
diferentes pontos no céu a temperatura seria de 338/60 = 5,6 K
= -207° .4 C. Concluímos então que a radiação das estrelas fas
com que a temperatura dos corpos celestes elevem-se de 5 ou 6
graus. Se as estrelas em questão têm uma temperatura muito
diferente do zero absoluto, suas perdas de calor são muito
grandes. Podemos encontrar o acréscimo de temperatura devido
3

à radiação das estrelas mediante o cálculo da perda pela lei de


Stefan. Desta forma, encontramos que para a Terra, a
temperatura cresce devido a radiação ser menor que 1/100.000
de um grau. Além do mais, este número poderia ser
considerado como um limite superior sobre um efeito que
devemos avaliar (GUILLAUME, 1896, p. 234).

Como a lei de Stefan já era conhecida desde 1879, a estimativa de


Guillaume de uma temperatura de corpo negro entre 5 e 6 K, deveria ter sido uma
entre outras tantas realizadas ou preditas naquela época. Além do mais, ela estava
restrita às estrelas pertencentes à nossa galáxia.
Citando o livro de Arthur Eddington, The internal constitution of the stars,
‘A constituição interna das estrelas’ (1988), publicado em 1926, encontramos em
seu último capítulo o tema ‘A matéria difusa no espaço’, começando com uma
discussão acerca da ‘temperatura do espaço’:

Capítulo XIII

A MATÉRIA DIFUSA NO ESPAÇO


A temperatura do espaço
[...] O total de luz recebido por nós das estrelas é estimado em
cerca de 1.000 estrelas de primeira magnitude. Com uma
correção média para [...] a magnitude bolométrica de estrelas de
outros tipos diferentes das F e G, o calor recebido das estrelas
pode ser tomado como cerca de 2.000 estrelas de magnitude
bolométrica aparente 1,0. Podemos, então, realizar os primeiros
cálculos da densidade de energia desta radiação.
Uma estrela de magnitude 1,0 irradia cerca de 36,3 vezes a
energia do sol, ou cerca de 1.37 x 1035 ergs/s. Isto dá 1,15 x 10-5
ergs/cm2.s-1 sobre uma esfera de 10 parsecs (3.08 x 1019 cm.) de
raio. A densidade de energia correspondente pela velocidade de
propagação chega a 3,83 x 10-16 ergs/cm3. A uma distância de
10 parsecs a magnitude aparente é igual à magnitude absoluta;
a densidade de energia 3,83 x 10-16 corresponde a uma
magnitude bolométrica aparente de 1,0.
De acordo com a radiação total das estrelas, a densidade de
energia será: 2.000 x 3,83 x 10-16 = 7,67 x 10-13 ergs / cm3.
4

Pela fórmula E= σ T4 , a temperatura efetiva correspondente à


essa densidade é: 3,18 K
Numa região do espaço, e não nas vizinhanças de qualquer
estrela, isto correponde ao campo total de radiação, um corpo
negro, isto é, um termômetro de bulbo escuro. Assim, a
temperatura de 3,18K corresponde que a emissão pode balançar
a radicação incidida sobre ele ou absorvida por ele. Isso é
chamado de ‘temperatura do espaço interestelar’
(EDDINGTON, 1988, p. 371).

Um aspecto importante a ser enfatizado é que a estimativa de Eddington de


uma temperatura de 3,18K não foi a primeira, uma vez que Guillaume havia
obtido valor similar cerca de 30 anos antes. Embora Eddington não cite Guillaume
ou qualquer outro autor, está claro que ele estava percorrendo um caminho já
trilhado. Algumas sentenças evidenciam isso, como, p.ex., “A luz total recebida
por nós das estrelas é estimada [por quem?] em [...]” e “Isto é chamado [por
quem] algumas vezes de ‘temperatura do espaço interestelar’” (EDDINGTON,
1988, p. 371). Essas sentenças mostram que outros também chegaram a esse
resultado. É muito provável que nos mais de cinquenta anos que separam a lei de
Stefan (1879) do livro de Eddington (1926) outros chegaram à mesma conclusão
independente do trabalho de Guillaume (1896). Outra questão que precisa ser
levada em consideração é que Eddington e Guillaume discutiram a temperatura do
espaço interestelar pelas estrelas de nossa própria galáxia, e não do espaço
intergalático. Devemos lembrar que foi Edwin Hubble que estabeleceu a
existência de galáxias externas, somente em 1924.

Regener

Os raios cósmicos foram descobertos em 1912 por V.F. Hess (ROSSI,


1964). Ele construiu um balão e o fez voar, observando que um eletroscópio
carregado descarregava mais rapidamente em grandes altitudes do que ao nível do
mar, contrariamente ao que era esperado. Essa descarga era pela ionização do ar,
que crescia com a altitude. Sabia-se que a radiação emitida pelas substâncias
5

radioativas ionizavam o ar. As medidas de Hess mostraram que a radiação


responsável pela ionização natural do ar vinha de cima e não da superfície de
Terra.
Em 1928a, Milikan e Cameron encontraram que a energia total dos raios
cósmicos no topo da atmosfera era um décimo daquela pela luz das estrelas. Em
1933, Regener concluiu que também os fluxos energéticos apresentavam
essencialmente o mesmo valor. Isso foi muito importante porque tinha uma
consequência cosmológica: indicava que a densidade de energia do brilho das
estrelas pela nossa galáxia estava em equilíbrio térmico com a radiação cósmica,
que era, em grande parte, de origem extragalática. Sempre foi muito difícil saber
exatamente a origem dos raios cósmicos, mas o fato era que a maior parte de seus
componentes originava-se fora de nossa galáxia, como constataram outras
medidas de Milikan e Cameron (1928b). Mostraremos aqui que eles
demonstraram que a intensidade da radiação que chegava do plano da Via Láctea
era a mesma que chegava ao plano normal dela. Essa isotropia indicava
claramente que a radiação era de origem extragalática.

O trabalho de Regener foi descrito brevemente por Rossi (1964) da seguinte


forma:

No final da década de 20 e no início da de 30 a técnica de auto-


registro de eletroscópios carregados por balões nas capas
atmosféricas mais altas e nas maiores profundidades das águas
atingiram níveis de perfeição sem precedentes com o físico
alemão Erich Regener e sua equipe. Estes cientistas
desenvolveram as medidas mais acuradas jamais realizadas
sobre ionização dos raios cósmicos como função da altitude e
das profundezas (p. 35).

Em seu trabalho de 1933, Regener diz o seguinte (trocamos o termo


Ultrastrahlung – ultrarradiação – que Regener e outros utilizavam naquela época
como expressão de ‘radiação cósmica’, como essa radiação é chamada hoje em
dia):
6

No entanto, a densidade de energia produzida pelos raios


cósmicos, que é aproximadamente igual à densidade da luz e do
calor emitido pelas estrelas fixas, é muito interessante do ponto
de vista astrofísico. Um corpo celeste com as dimensões
necessárias para absorver os raios cósmicos – no caso de uma
densidade de 1, um corpo com um diâmetro de vários metros (5
metros de água aborvem 9/10 dos raios cósmicos) – será
aquecido pelos raios raios cósmicos. O aumento na temperatura
será proporcional à energia dos raios cósmicos absorvidos (SU)
e da superfície (O). A temperatura do corpo crescerá até o calor
emitido – no caso da radiação de corpo negro σ . T4 . O –
chegar ao mesmo valor. Obtemos então uma temperatura final
de T = 2,8 K (p. 668).

Assim, de acordo com Regener (1933), essa seria a temperatura


característica do espaço interestelar, uma vez que nessa região a luz e o calor de
qualquer galáxia seriam negligenciáveis.

Nernst

O trabalho de Regener foi discutido pelo famoso físico Walther Nernst


(1864-1941) que recebeu o prêmio Nobel de Química em 1920 pela sua terceira
lei da termodinâmcia (1906). Em 1912 Nernst havia desenvolvido a ideia de um
universo em estado estacionário. Ele expressou essa ideia em termos simples em
1928: “o universo está numa condição estacionária, ou seja, as estrelas atuais
continuarão brilhando enquanto novas outras se formarão” (NERNST, 1928, p.
141). Em 1937 ele desenvolveu esse modelo e propôs uma explicação da ‘fadiga
da luz’ para explicar o redshift cosmológico, principalmente a absorção da
radiação pelo éter luminífero, decrescendo a energia e a frequência da luz galática
(NERNST, 1937). Isso não deveria ocorrer de acordo com o efeito Doppler,
segundo Nernst. Em seu trabalho, Nernst menciona o importante artigo de
Regener mencionado anteriormente.
No ano seguinte (1938), Nernst publicou outro artigo, discutindo a
temperatura de radiação no universo. Ele chegou a uma tempratura do espaço
7

intergalático de cerca de 0,75 K. Novamente ele discutiu o trabalho de Regener e


asseverou que o redshift cosmológico não era pelo efeito Doppler.
Nos trabalhos de Eddington, Regener, Nernst e outros, é importante salientar
a utilização da lei de Stefan-Boltzmann, que é característica para uma radiação de
corpo negro. Outra questão relevante é a de que as densidades de energia dessas
radiações (pela luz estelar e pelos raios cósmicos, por exemplo) foram medidas e
os valores encontrados foram os memos, indicando situação de equilíbrio
dinâmico. Sciama descreve essa situação da seguinte forma (SCIAMA, 1971, p.
185):
O fluxo de raio cósmico é quase certamente originado da Via
Láctea e corresponde a uma densidade de energia no espaço
interestelar de cerca de 1 eVcm-3 (10-12ergcm-3). Isto é
comparável com a energia do brilho das estrelas, com a
turbulenta densidade de energia cinética do gás interestelar e,
como veremos depois, com a densidade de energia do campo
magnético interestelar. Isto é a base de nossa suposição de que
os raios cósmicos são dinamicamente importantes. Eles
constituem um gás relativístico cuja energia e pressão não
podem ser ignorados. A quase igualdade das várias densidades
de energia, provavelmente não é acidental, porém, ainda não
sabemos como compreender tal fato.

E novamente na página 185, após mencionar a descoberta de Penzias e


Wilson de uma radiação de corpo negro de 3K:

Do ponto de vista do laboratório, 3K é uma temperatura muito


baixa. Para medi-la os observadores de microondas tiveram que
usar um terminal de referência imerso em hélio líquido.
Portanto, de um ponto de vista astrofísico, 3 K é uma
temperatura muito alta. Uma radiação universal de corpo negro
nesta temperatura contribuiria com uma densidade de energia
da ordem de 1 eVcm-3. Como vimos no capítulo 2 [p.25] esta é
justamente a densidade de energia de nossa galáxia de vários
modos de excitação interelestelar – brilho das estrelas, raios
cósmicos, campos magnéticos e nuvens turbulentas de gás.
Assim, em nossa galáxia a radiação cósmica de fundo seria,
para muitos propósitos, tão importante quanto os modos de
energia bem conhecidos de origem local (SCIAMA, 1971).
8

Gostaríamos de relembrar duas coisas importantes. A primeira é que a parte


principal da radiação cósmica tem origem extragalática (como já afirmavam
Millikan e Cameron anteriormente), tanto quanto os campos magnéticos que
preenchem todo o espaço. Nesse caso, os três modos de excitação extragalática (o
fluxo de raios cósmicos, os campos magnéticos e a RCF) estariam em equilíbrio
térmico entre si e com os campos de energia gerados dentos de nossa própria
galáxia, tanto como o brilho das estrelas e as nuvens turbulentas de gás. A forma
mais fácil para se compreender esse fato é concluir que o universo com um todo
está num estado de equilíbrio dinâmico.

McKellar and Herzberg

Gostaríamos de mencionar brevemente o trabalho de Herzberg de 1941


(baseado nas observações realizadas por A. McKellar) que discutia as medidas do
cianogênio no espaço interestelar. Herzberg encontrou temperatura de 2,3K
caracterizando o grau de excitação observado nas moléculas de CN se elas
estivessem em equilíbrio num banho de calor (HERZBERG, 1941, p. 58):

A observação de que no espaço interestelar somente os níveis


mais baixos de CH, CH+ e CN são populados é facilmente
explicado pela des-população dos níveis mais altos pela
emissão do espectro de rotação do infravermelho distante (veja
p. 43) e pela lacuna de excitação destes níveis por colisões ou
radiação. A intensidade do espectro de rotação do CN é muito
menor que aquela do CH ou CH+ quando se leva em conta que
menor momento de dipolo é comparável à menor das
freqüências [devido ao fator v4 em (I, 48)]. Isto se deve ao fato
de que o segundo menor nível de energia (K = 1) foi observado
para o CN. Da razão de intensidade das linhas entre K = 0 e K
= 1, é obtida uma temperatura rotacional de 2,3 K, que possui
somente um significado restrito aqui.
Obviamente existe grande significado neste resultado, embora ele não tenha
sido reconhecido pelo seu próprio autor, Herzberg. Esse fato é discutido por
9

Sciama (1971). Devemos lembrar que esse resultado não foi obtido, utilizando-se
a cosmologia do Big Bang.

Finlay-Freundlich and Max Born

Em 1953-1954 Finlay-Freundlich (1953, 1954a, 1954b) propôs um modelo


de luz cansada para explicar o redshift solar e alguns redshifts anômalos de
diversas estrelas e, também, o redshift cosmológico. Ele propôs um redshift
proporcional à quarta potência da temperatura. Seu trabalho foi posteriormente
analisado por Max Born (1953, 1954). A fórmula que utilizou foi:
∆ν = - A T4 l,

em que ∆ν é a mudança na frequência da linha espectral, ν é a frequência


original, A é uma constante, T é a temperatura do campo de radiação e l é o
comprimento atravessado através do campo de radiação. O que interessa para nós
aqui é a discussão de Freundlich (1954b, p. 313) do redshift cosmológico:

§ 6. O Redshift Cosmológico

O caráter fundamental do efeito sob consideração levanta,


necessariamente, a questão de se o redshift cosmológico pode
ser interpretado como um efeito Doppler. Neste caso, a
influência do fator l na fórmula (1) é dado explicitamente pelas
observações. O redshift observado ∆λ/λ cresce para cada
milhão de parsec (= 3 x 1024 cm) de 0,8 x 10-3, que corresponde
a uma velocidade de 500 km/s quando interpretado como um
efeito Doppler. Um aumento de 10 km/s – correspondendo ao
redshift de um estrela B2 com TB = 20.000 K – corresponderia
a um caminho ls = 1.2 x 1023 cm.

Até onde sabemos sobre a temperatura média TS do espaço


intergaláctico aparte do conhecimento que deve estar perto do
zero absoluto, nenhuma informação segura está disponível. Se
pudermos interpretar o redshift cosmológico da mesma maneira
como os redshifts estelares, poderíamos escrever a seguinte
equação:

TS4lS = T4BlB , or TS = TB (lB/lS)1/4 (3)


10

A equação (3) mostra que o valor TS obtido desta forma não


depende fortemente da escolha de lB. Tomando para lB os dois
valores extremos, 107 cm e 109 cm, chegamos aos seguintes
resultados (bastante razoáveis)

TS = 1.9 K and TS = 6.0 K

Num recente artigo de Gamow (1953) [Gamow, G., 1953, Dan.


Acad.-Phys. Section, 27, No. 10] ele encontra um valor para TS
de 7 K a partir de considerações termodinâmicas assumindo
uma densidade média de matéria no espaço de 10-30 g/cm3.
Temos então que os redshifts cosmológicos podem não ter nada
a ver com um universo em expansão, mas pode ter a ver com
uma perda da energia que a luz pode sofrer em seu imenso
percurso no espaço vinda de sistemas estelares distantes.
Aquele espaço intergalático não está completamente vazio
como foi indicado por Stebbins e pela descoberta de Whitford
(1948) [Stebbins, J., e Whitford, A.E., 1948, Ap. J., 108, 413]
de que o redshift cosmológico é acompanhado paralelamente
por um excesso de avermelhamento. Assim, a luz deve estar
exposta a algum tipo de interação coma radiação e matéria no
espaço intergaláctico.

Os principais pontos a serem enfatizados aqui são que Finlay-Freundlich


propôs uma interpretação alternativa à explicação Doppler do redshift
cosmológico e chegou a uma temperatura do espaço intergalático compreendido
entre 1,9 K < T < 6,0 K, o que é um feito excepcional.
É muito importante citar aqui Max Born (1954, p. 194) quando, discutindo a
proposta de Finlay-Freundlich de que este novo efeito poderia ser por uma
interação fóton-fóton, afirma:

Um efeito como este não se encontra no seio de qualquer teoria


corrente. Existe, no entanto, uma conseqüência atraente. Uma
simples aplicação das leis de conservação de energia e
momento mostra que uma colisão deste tipo é somente possível
se um par de partículas com momentos opostos for criado. A
energia de um destes é de hν ’ = - h δν / 2, onde δ ν é dado por
(6) [δν = - Cv / v o]. Se as partículas secundárias são fótons suas
freqüências são da ordem das ondas de radar (para o sol v’~ 2 x
109 sec-1, λ’ ~ 15 cm). Assim, o redshift deve estar ligado à
radioastronomia.
11

Devemos lembrar aqui que o trabalho de Penzias e Wilson, realizado 11


anos depois com uma antena em forma de corno construída para estudar ondas de
rádio, encontrou que a RCF tinha um comprimento de onda característico de 7 cm.
Isso pode ser considerado um sucesso retumbante da previsão realizada por Max
Born!

Gamow e Colaboradores

Como vimos, Finlay-Freundlich (1954b) mencionou que Gamow encontrou


um valor de 7 K para o espaço intergalático em 1953. Antes deste trabalho
podemos encontrar outros dois artigos em que existia uma previsão dessa
temperatura feita por Gamow e seus colaboradores Alpher e Herman (1948,
1949). Num primeiro desses trabalhos ele dizia: “a temperatura do gás na época da
condensação era de 600 K, e a temperatura no universo na época presente era de
cerca de 5 K. Esperamos publicar os detalhes deste cálculo num futuro próximo”
(p. 774).
No segundo desses trabalhos, em que são apresentados os detalhes desses
cálculos, eles dizem o seguinte (p. 1093, grifo nosso):

De acordo com a eq. (4) [ρ r ρ m-4/3 = constante], a especificação


de ρ m’’ , ρ m’, and ρ r’, determina a densidade presente de
radiação, ρ r’’. De fato, encontramos que o valor de ρ r’’
consistente com a eq. (4) é,

ρ r’’ ≈ 10-22 g/cm3, (12d)

Que corresponde a uma temperatura hoje da ordem de 5K. Esta


temperatura média para o universo deve ser interpretada como a
temperatura de fundo que resultaria, somente, de uma expansão
universal. No entanto, a energia térmica resultante da produção
de energia nuclear nas estrelas deveria fazer esse valor subir.

É evidente que as predições que eles haviam feito em 1948 de T ≈ 5 K


haviam passado, um ano depois, para uma temperatura maior que 5 K, embora um
resultado próximo desse número.
12

Outra previsão dessa temperatura por Gamow, conhecida antes da


descoberta de Penzias e Wilson (além daquela de 7 K em 1953), foi publicada por
Gamow (1961) no livro The creation of the universe (A criação do universo). A
primeira edição desse livro é de 1952, e citamos aqui a edição revisada de 1961,
somente três anos antes de Penzias e Wilson. Nesse livro, existe somente um lugar
em que ele discute a temperatura do universo (p. 42, grifo nosso):

A relação previamente estabelecida entre o valor da constante


de Hubble e a densidade média do universo permite-nos
encontrar uma expressão simples que nos dá a temperatura
durante os primeiros estágios da expansão como função do
tempo contado desde o momento de máxima compressão.
Expressando aquele tempo em segundos e a temperatura em
graus (Apendice, pp. 142-143), temos:

Temperatura = ????

Assim, o Universo era 1 milhão de anos-luz mais velho, e sua


temperatura era de 15 bilhões, 3 milhõess e trezendos graus
absoluto, respectivamente. Inserindo a idade presente do
universo (t = 1017 s) naquela fórmula, encontramos:

Tpresente = 50 K

Que está de acordo com a temperatura real do espaço


interestelar. Sim, nosso universo levou algum tempo para
esfriar-se do calor devastador de seus dias iniciais até o frio de
hoje!

Discussão e Conclusão

Em muitos livros-textos atuais encontramos a afirmação de que Gamow e


colaboradores previram a temperatura de 2,7 K antes de Penzias e Wilson,
enquanto a teoria do estado estacionário de Hoyle, Narlikar e Gold não haviam
predito essa temperatura. Sabemos que a correta previsão dessa temperatura de 2,7
K é um dos argumentos mais poderosos em favor da teoria do Big Bang. No
entanto, esses dois modelos têm um aspecto muito importante em comum: ambos
13

aceitam a interpretação de que o redshift é por um efeito Doppler, significando


que ambos os modelos aceitam a expansão do universo.
Mas existe um terceiro modelo de universo que foi desenvolvido no século
XX por muitos cientistas, incluindo Nernst, Finlay-Freundlich, Max Born and
Louis De Broglie (1966). Esse modelo é baseado num universo em equilíbrio
dinâmico sem expansão e com criação contínua de matéria. Esse modelo foi
explorado anteriormente em Assis (1992, 1993). Embora ele não seja considerado
pela quase maioria dos livros-textos de cosmologia hodiernos, este terceiro
modelo mostra superioridade em relação aos demais.
Com o intuito de compreender como os livros-textos negligenciam a
Cosmologia do equilíbrio, vamos relembrar uma carta de Gamow endereçada a
Arno Penzias em 1965, depois da descoberta de Penzias e Wilson (curiosamente a
carta foi datada erroneamente em 1963 [...]). Essa carta foi reproduzida no artigo
de Penzias de 1972, e diz:

Obrigado pelo envio de seu artigo da radiação de 3 K. Está


muito bem escrito, exceto pela ‘história inicial’ não estar ‘tão
completa’. A teoria hoje conhecida como ‘a bola de fogo
primordial, foi desenvolvida primeiramente por mim em 1946
(Phys. Ver. 70, 572, 1946; 74, 505, 1948; Nature 162, 680,
1948). A previsão do valor numérico da temperatura presente
(residual) poderia ser encontrada no artigo de Alpher &
Hermann’s (Phys. Ver. 75, 1093, 1949) que a estimou em 5 K,
e em meu artigo (KongDansk. Ved. Sels 27 no. 10, 1953), onde
estimei 7 K. Mesmo em meu popular livro Creation of the
Universe (‘A criação do Universo’, Viking 1952), onde você
pode encontrar, na página 42, a fórmula T = 1.5 x 1010 / t1/2 K,e
um limite superior de 50 K. Por aí você pode ver que o mundo
não começou com o todo-poderoso Dicke.
Sinceramente,
G. Gamow

Essa carta, como podemos ver, não corresponde aos fatos reais. Gamow,
numa edição ‘revisada’ de seu livro de 1952, publicado em 1961, calculou a
temperatura do universo. Nota-se, claramente, que Gamow não estimou um
‘limite superior de 50 K’. Gamow usou um jogo de palavras para convencer a
14

todos que era ele quem havia previsto a temperatura da radiação cósmica de fundo
antes de qualquer outra pessoa, como podemos ver por um outro artigo de Penzias
(1972, p. 35):

Está além de qualquer escopo apresentar as várias explicações


teóricas da [temperatura] de 3 K. Continua ainda a necessidade
clara de que é necessária uma teoria de um universo quente que
tenha como previsão uma radiação de fundo. No 4° ‘Simpósio
sobre Astrofísica Relativística’, no Texas, George Gamow era o
presidente da sessão de Radiação de Fundo de Microondas. Ele
terminou suas observações com um comentário, que é o melhor
de minhas lembranças, com uma frase: ‘se eu perdi uma moeda,
e se alguém encontrou uma moeda, eu não posso provar que era
a minha moeda. Porém, ainda assim, eu perdi uma moeda
exatamente no mesmo lugar onde eles a encontraram’. Os
aplausos foram longos e efusivos.

Como vimos neste capítulo, Gamow e seus colaboradores obtiveram de T ≈


5 K até T = 50 K numa ordem monotônica (5 K, ≥ 5 K, 7 K and 50 K) [...] são
previsões muito ruins se comparadas com aquelas de Guillaume, Eddington,
Regener and Nernst, McKellar and Herzberg, Finlay-Freundlich and Max Born,
que chegaram, respectivamente a: 5 K < T < 6 K, T = 3,1 K, T = 2.8 K, 1.9 K <
T < 6.0 K! Todos esses autores obtiveram esses valores a partir de medidas e/ou
cálculos teóricos, sem nunca terem utilizado a ideia de um “big bang”. Isso
significa que a descoberta de Penzias e Wilson não pode ser considerada uma
evidência decisiva favorável ao Big Bang. Muito pelo contrário! Os modelos de
um universo em equilíbrio dinâmico previram valores antes de Gamow com muito
mais precisão. E não é somente isso: Max Born previu, além do mais, que o
redshift cosmológico e a radiação cósmica de fundo estavam relacionados à
Radioastronomia 11 anos antes da descoberta da RCF por Penzias e Wilson, que
acabaram utilizando uma antena para estudar radio-emissões!
A conclusão a que chegamos é a de que a descoberta da RCF por Penzias e
Wilson é fator decisivo em favor de um universo em equilíbrio dinâmico,
diferentemente dos modelos de um universo em expansão.
15

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1971.
1

O ANNUS MIRABILIS DA DÚVIDA RELATIVA ou, na verdade, DAS


QUESTÕES EXPERIMENTAIS E OBSERVACIONAIS NÃO
RESPONDIDAS NA FÍSICA E NA COSMOLOGIA.

Marcos Cesar Danhoni Neves, Fabiana Ribeiro de Almeida, Franciana


Pedrochi, Mônica Bordim Sanches, Sabrina Camargo, Silvia Oliveira
Resquetti

Introdução

O presente trabalho consistiu numa série de estudos acerca da cosmologia


do Big Bang e do desenvolvimento da teoria da relatividade (restrita e geral)
realizada durante o curso ‘Tópicos de Física Moderna e Contemporânea’ de um
curso de Mestrado em Educação para a Ciência.
A ideia inicial foi analisar livros-textos e de divulgação em física e
Cosmologia acerca dos dois temas supracitados. Depois foi realizada uma
pesquisa que envolvia a escolha de textos outsiders, ou seja, não publicados em
revistas de divulgação científica ou de revistas das áreas duras em que se inserem
temas relativos à relatividade e Cosmologia. Os textos escolhidos foram os de Arp
(1989), Born (1962), Capria (2001), De Broglie (1962, 1966), Finlay-Freundlich
(1953, 1954).
A ideia foi inserir elementos históricos que foram tornados periféricos na
posterior reconstrução histórica da ciência física e da Cosmologia e que, hoje,
encontram-se cristalizados em textos usados em diferentes níveis de ensino (que
vão da pré-escola à pós-graduação). Os dados emersos dessas análises,
especialmente sobre temas escolhidos (interferometria e éter, deflexão de raio de
luz, o evento de Sobral, redshifts gravitacionais, absorção de gravidade, redshifts
anômalos, quasares, predição da temperatura da radiação cósmica de fundo antes
de Penzias e Wilson, o enigma da velocidade radial dos braços espiralados de
galáxias, matéria escura), evidenciaram a necessidade do ensino de uma história
2

da ciência que reconstruísse a noção da ‘interpretação’, da sociologia da ciência e


da característica intrínseca de sua não-neutralidade (FEYERABEND, 1985).
A questão da educação científica foi amplamente discutida dentro de
parâmetros de análise que iam desde a ausência de temas de física moderna e
contemporânea no Ensino Médio até o ensino dogmático da ciência física e de sua
história em cursos de física e Astronomia.
No presente capítulo enfatizamos, pelas comemorações do centenário do
annus mirabilis de Einstein em 2005, o evento de Sobral (apesar de pertencer aos
estudos de 1915 da Relatividade Geral). Ao final, num overview, recuperamos os
aspectos de modelos, observações e teorias que foram postos às margens dos
paradigmas atuais.

O annus mirabilis e além

O ano de 2005 comemorou os 100 anos dos trabalhos fundamentais de


Einstein: o annus mirabilis do famoso físico alemão. Devido ao centenário
daqueles trabalhos notáveis, o anos de 2005 foi dedicado à Física e suas
implicações na sociedade e foi denominado de ‘Ano Mundial da Física’.
Na esteira de todas as comemorações em todo o mundo, parece que há
esquecimento fundamental em se determinar o que efetivamente foi realizado nos
anos posteriores a 1905 e qual a Física legada à contemporaneidade, e,
especialmente, o que ainda é incerto em teorias que estruturam uma visão
científica de mundo.
O ano de Einstein foi comemorado com pompa e circunstância no Brasil
pelo fato de ter sido aqui um dos lugares (Sobral) onde ‘a teoria de Einstein – a
relatividade geral – foi provada’.
Einstein previa (Figura 1) que, tal qual Newton fizera em seu Opticks, um
raio de luz passando próximo de uma grande massa gravitacional poderia sofrer
deflexão. Porém, diferentemente de Newton, Einstein previra um valor duas vezes
superior.
3

Figura 1: Estudos de Einstein sobre a deflexão da luz

O que a história oficial conta é que as observações, tanto em Sobral quanto


em Príncipe, comprovaram a previsão da relatividade geral (SANTOS;
AURETTA, 1992). Esse fator pode ter sido determinante para Einstein ganhar o
Prêmio Nobel (apesar de tê-lo recebido pelos trabalhos de 1905, especificamente
aquele sobre a explicação do efeito fotoelétrico), pois Eddington, que havia
liderado a expedição a Príncipe, agiu como o maior ‘publicitário’ do físico alemão
(figura 2) e de suas ideias sobre uma nova visão de mundo e de universo.

Figura 2: Einstein e Eddington em Cambridge


4

O trabalho de Eddington e de suas expedições eram, pois, de determinar o


efeito produzido, ou não, pelo campo gravitacional sobre o trajeto de um raio de
luz (estrela). Dizem Dyson, Eddington e Davidson (1920):

i) o trajeto não é afetado pela gravidade;


ii) a energia, ou massa de luz, é sujeita à gravidade, do mesmo modo
que a matéria. Se a lei que rege a gravidade for a newtoniana, haverá
deslocamento aparente de uma estrela próxima da orla solar de 0,87;
iii) o trajeto do raio de luz é determinado de acordo com a teoria da
relatividade generalizada de Einstein: nesse caso, o deslocamento
aparente de uma estrela junto ao bordo solar apresenta valor de 1,75.

Problemas

O grande problema das observações de Sobral (Figuras 3,4,5) e Príncipe


foram as condições nas quais o fenômeno do eclipse solar total (Figura 6) foi
registrado, especialmente as condições climáticas em Príncipe, o transporte de
equipamentos óticos de precisão (especialmente em Príncipe – levados por
carregadores nativos por mais de um quilômetro) e o método empregado para
quantificar as possíveis causas de erros. E a respeito destes últimos, Von Klüber
(1960) e Bertotti, Brill e Krotkov (1962) os enumeram:
1. refração da luz da coroa solar e/ou na atmosfera terrestre;
2. distorções no sistema ótico causadas pelas mudanças de temperatura
durante o eclipse;
3. mudanças de escala entre as chapas fotográficas e as chapas de
comparação;
4. distorções na emulsão fotográfica durante o processo de secagem;
5. erros de medida das imagens nas placas.
5

Figura 3: Sobral e Príncipe: a região da totalidade

A influência da refração atmosférica é um dado muito relevante a ser


considerado numa observação desse gênero. O transporte do material poderia ter
descalibrado os instrumentos, além de, no momento das medidas, o aquecimento
do espelho pelo Sol poder ocasionar distorções graves nos resultados. Em Dyson,
Eddington e Davidson (1920) é relatado esse possível problema em Sobral.
Outro erro apontado (VON KLÜBER, 1960) era a mudança de
comprimento focal, para o telescópio de 343 cm, entre as chapas fotográficas e
aquelas de comparação (feitas meses antes do fenômeno para se determinar a
posição das estrelas. Esse tipo de erro induz a erros de escala que podem ter a
mesma ordem de grandeza do efeito previsto por Einstein.
Antes que Eddington retornasse da expedição a Príncipe, o astrônomo real,
Sir Frank Dyson, já havia comunicado à Royal Astronomical Society, na reunião
de 11 de julho de 1919 (FOWLER, 1919, p. 297), que:
Tenho uma carta do Prof. Eddington de dois dias atrás. Ele está
esperançoso de ter tomado medidas que assegurem o
deslocamento definitivo, mas ele obviamente está muito
desapontado. Ele tirou 16 fotografias, mas somente as últimas
seis tinham céu claro o suficiente para mostrar algumas
estrelas, e ainda assim, ele obteve três, quatro ou cinco
imagens; e, como o céu é geralmente claro em somente uma
parte da chapa, as estrelas estão pessimamente distribuídas nas
chapas. Da melhor chapa, no entanto, ele tem alguma evidência
da deflexão de Einstein, mas os erros das chapas foram
completamente determinados.

Isso é a confissão de que boa parte das chapas obtidas em Príncipe eram
simplesmente ‘imprestáveis’! Mesmo assim, Eddington não se dá por batido e
6

afirma que: “uma chapa tinha boas imagens de cinco estrelas, o que garantia uma
possibilidade de determinação” (EDDINGTON, 1920, p. 115).
Sua descrição dessa chapa diz: “Os resultados desta chapa dão um
deslocamento definido, de bom acordo com a teoria de Einstein e em desacordo
com a previsão newtoniana. Embora o material fosse pobre em relação àquilo que
esperávamos, foi convincente” (EDDINGTON, 1920, p. 116).
Seguindo a descrição daqueles fatos, Eddington continua: “O tempo nublado
acabou com meus planos e eu tentei medir de diferentes maneiras,
consequentemente eu não tive como anunciar preliminarmente o resultado. Mas
uma das chapas que eu medi dava o valor de acordo com Einstein” (DOUGLAS,
1957, p. 42).
O ‘grande achado’ de Eddington se dará sobre a análise das posições
relativas de apenas cinco estrelas em duas chapas do total de 16 tiradas!
Em Sobral, o fator climático não influiu de forma tão negativa: o céu estava
brilhante, sem nuvens que ameaçassem as observações. Apesar disso, as
fotografias (feitas a partir de dois telescópios idênticos aos de Príncipe, além de
um terceiro com distância focal diferente) acabaram decepcionando pela
qualidade das imagens, que revelaram definição ruim. Diz Eddington (1920, p.
117): “[as] medidas apontavam que estavam de acordo com a ‘meia-deflexão’, ou
seja, com o valor newtoniano, metade daquele requerido pela teoria de Einstein”.

O Enigma de Sobral

Aqui reside o que poderíamos batizar de ‘o enigma de Sobral’, através da


seguinte interrogação: Por que, em sua comunicação oficial à Royal Astronomical
Society, Eddington preferiu os resultados de Príncipe e não aqueles de Sobral (que
apresentava muitas chapas ‘prestáveis’)?
7

Figura 4: Uma vista de Sobral Figura 5: O local da observação do eclipse em Sobral

A resposta foi a de que em Sobral não havia ‘chapas de controle’, ou seja,


chapas tiradas meses antes do fenômeno. No entanto, essa não é uma resposta
válida. Em Sobral, sabemos, pelo próprio Eddington (1920), que a expedição
inglesa permaneceria ainda dois meses para fotografar a mesma região do céu, a
fim de obter o controle para as chapas tiradas no dia do eclipse.
A respeito desse comportamento, Campbell (1923, p. 11) escreve:
O prof. Eddington estava inclinado a considerar com peso a
determinação africana, mas, com as poucas imagens de seu
pequeno números de chapas fotográficas, os resultados não
foram bons como aquelas obtidas no Brasil. A lógica dessa
situação não parece estar clara.

Figura 6: Fotografia da totalidade do eclipse em Sobral, 1919. As pequenas linhas brancas


verticais no canto inferior direito mostram a posição deslocada das estrelas

Apesar de todos esses problemas, os dados pró-Einstein acabaram sendo


anunciados durante uma reunião da Royal Astronomical Society em 6 de
novembro de 1919. E os resultados foram anunciados com pompa e circunstância,
como atesta o relato de Whitehead (1926, p. 57):
8

Foi muita sorte estar presente no Encontro da Royal Society em


Londres quando o Astrônomo real da Inglaterra anunciou que
as chapas fotográficas do famoso eclipse, como medidas pelos
seus colegas do Observatório de Greenwich, verificaram a
predição de Einstein de que os raios de luz são encurvados ao
passarem nas vizinhanças do sol. A atmosfera toda era de tenso
interesse, como num drama grego: nós éramos o coro
comentando o desfecho deste supremo incidente. Foi a
qualidade dramática nos primeiros estágios: o cerimonial
tradicional, e a figura de Newton, nos serviu como
generalizações geniais depois das modificações em dois séculos
[de história]. Não era uma busca pessoal: estávamos no limite
de uma grande aventura do pensamento.

Einstein, diria seu biógrafo, Clark (1971, p. 31): “tornara-se, em Berlim, na


manhã de 7 de novembro de 1919, muito famoso”.
Thomson, o ‘Chair daquela reunião’, iniciou a discussão, mas antes
endossou com veemência a confirmação da previsão da teoria de Einstein,
dizendo (Thomson, 1919, p. 389):
É difícil para a audiência avaliar o significado destes números,
mas o astrônomo real e o Prof. Eddington estudaram o material
cuidadosamente, e eles mostram a evidência decisiva em favor
de um valor maior para o deslocamento. Isto é o resultado mais
importante obtido em conexão com a gravitação desde os dias
de Newton e esta Sociedade está tão próximo dele ... Se for
sustentado que Einstein tinha razão – e sobreviver a dois testes
severos em conexão com o perihélio de Mercúrio e o presente
eclipse – então este resultado será uma das maiores
contribuições do pensamento humano.

Hermann Bondi (1960, p. 61), que jamais poderá ser classificado como um
antirrelativista, diz que:
A predição de Einstein pode ser checada somente em raras
ocasiões quando, no momento de um eclipse, estrelas brilhantes
estiverem próximas na direção do sol. O efeito é difícil de ser
estudado mesmo nas circunstâncias mais favoráveis. As
indicações são mais favoráveis à teoria da relatividade, mas
seria prematura dizer que isso é conclusivo.

E Nigel Calder (1979, p. 103) que arremata:

Os resultados do eclipse foram um triunfo. As idéias de Newton


acerca da gravidade foram um desafio intransponível por mais
de dois séculos, mas em quatro anos de desenvolvimento da
teoria Einstein foi confirmado e Newton destronado. A deflexão
9

da luz pela gravidade é o ponto central da teoria da relatividade.


Mas medidas posteriores da deflexão das luzes das estrelas em
outros eclipses deram valores muito espalhados. Foram em
torno de 60% da predição de Einstein. As dificuldades de
observações são muitas, mais que os defeitos da teoria.
Enquanto eles não permitirem qualquer restauração de Newton,
é sempre melhor deixar um espaçozinho para a gravidade.
Assim, sessenta anos depois de seu triunfo inicial, astrônomos e
relativistas estão decididamente céticos sobre esta forma de
checar as idéias de Einstein.

A pergunta que resta, então, continua sendo: ‘no enigma de Sobral, os


resultados de Newton não deveriam ter sido validados ao invés daqueles de
Einstein?’ Se a mensuração da deflexão envolve precisão muito difícil de ser
obtida, como relata Bondi em 1960, como pôde a ‘confirmação’ da relatividade
geral ter-se dado tão precocemente, no distante 1919?

Conclusão

Na história recente da ciência, especialmente da Cosmologia, encontramos,


tal qual, no ‘enigma de Sobral’ muitas ‘anomalias’ que acabaram sendo varridas
para debaixo do tapete.
Finlay-Freundlich (1953, 1954), como já discutimos no capítulo 8, analisou
a influência do potencial gravitacional sobre os resultados dos redshifts
observados, encontrando redshifts de dez a 20 vezes o predito pela relatividade
geral (redshift gravitacional). Sugeria que o fóton perdia energia no denso campo
de radiação solar.
Louis de Broglie, em 1962, concorda com a ideia de um redshift causado
pelo ‘enfraquecimento’ (ou fadiga) da luz, e não por um efeito Doppler.
Halton Arp, em duas referências (1973, 1989) – citadas no capítulo 8-,
apresenta dados empíricos sobre redshifts de quasares que colocam em dúvida a
questão de suas distâncias cosmológicas (nos confins do Universo), ou seja, os
quasares observados (de altos redshifts) parecem estar associados fisicamente a
galáxias (de baixos redshifts). O argumento é muito forte e, assim, o quasar jamais
10

poderia estar a uma distância cosmológica, nos confins do Universo. Para ele, o
quasar poderia ser a ejeção de matéria de um núcleo galático, explicando os
elevados redshifts de quasares associados a galáxias (de baixos redshifts).
O uso da história da ciência, na pesquisa às fontes originais do
conhecimento, na exploração das polêmicas e de suas anomalias, assim como o
uso de mapas conceituais demonstraram para nós que o professor, a partir das
leituras críticas, mesmo que especializadas, dispõe de ferramenta fundamental
para compreender o contexto didático e epistemológico da construção da ciência.
Randall Meyers (2004), que trabalhou na edição do consagrado filme de
Hollywood, The english patient (O paciente inglês), editou um DVD duplo
intitulado Universe: the cosmology quest (ver sinopse original no box) e procurou
ir ao encontro de fonte originais e polêmicas da ciência. O resultado poderia servir
para a educação científica e para mostrar que as divergências de concepções de
mundo fazem parte da própria estrutura da ciência e de seu ensino.

This feature length presentation is a unique mixture of ‘human interest’ and science documentary
film. As the first comprehensive documentary to deal with major new approaches in non-big bang
cosmologies, it reveals several deep-rooted theoretical and observational controversies.
This is a fact, well hidden from university students and the general public, which is told with
clarity and conviction; and potentially leading to the down-fall of the presiding Big Bang theory.

The story is told by 16 world renown astronomers and cosmologists; such as the legendary Sir
Fred Hoyle, controversial cosmologists - Geoffrey Burbidge and Halton Arp, philosopher and
telescope designer John Dobson, and Nobel Laureate Kary Mullis.

Nearly 3. 5 hours of film and extra interviews, illustrated with 3D animations and a lush
11

symphonic soundtrack - a scientific and historical ‘must’ for anyone interested in astronomy and
cosmology today!
Director:
Randall Meyers

Referências

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Publishers, 1973.

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