Nova Era Evangelica

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Nova Era evanglica, Confisso Positiva

e o crescimento dos sem-religio


Alexandre Brasil Fonseca"
Sinopse
Com base em surveY' aplicado entre 935 evanglicos de 24 denominaes da regio metro
politana do Rio de Janeiro constatamos a.preferncia dos fiis por livros identificados como
pertencentes doutrina da Confisso Positiva e pelo programa de televiso De Bem Com a
Vida, apresentado pela episcopisa Snia Hernandes da Igreja Renascer em Cristo. A partir
do contedo destes livros, da observao sistemtica do programa e do acompanhamento
de reunies da Associao Renascer de Empresrios e Profissionais Evanglicos (AREPE)
apontamos a existncia de processo de sincretismo, em que prticas usuais da Nova Era
adquiridas na experincia profissional so introduzidas na prtica religiosa de determina
das igrejas evanglicas. Conclumos, apontando uma possvel relao entre o crescimento
dessas igrejas e o aumento do nmero dos que se declaram sem-religio, segundo levan
tamento do Censo do IBGE nos ltimos 50 anos.
Palavras-chave: Sociologia da relgio; secularizao; nova era; evanglicos; mdia.
Abstract
Based on a survey conducted among a group of 935 evangelicals from 24 denominations in
the metropolitan area of Rio de Janeiro, we could notice a c1ear preference on the part of the
faithful for books identified as belonging to the doctrine of positive confession, as well as for the
1V show De Bem Com a Vida, presented by Bishop Snia Hernandes [Igreja Renascer em
Cristo). On the basis of an analysis of the contents of those books, a systematic observation of
Professor do Departamento de Cincias Sociais da Universidade Estadual de Londrina; douto
rando em sociologia na Universidade de So Paulo-USP; pesquisador bolsista do projeto
Cu"ents in World Christianity da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
Alexandre Brasil Foneca
the above mentioned TV show; and a participation in meetings of the Associao Renascer
de Empresrios e Profissionais Evanglicos (AREPEI, we were able to substantiate the existence
of a process of syncretism in which practices common to the New Age movement, acquired
through professional experience, are introduced in the religious life of certain evangelical
churches. We carne to a conclusion by highlighting a possible relation between the growth
of these churches and the increased numbers of those who declare to be "religionless"
according to statistics taken from the IBGE Census in the last 50 years.
Key Words: Sociology of religion; secularization; New Age; evangelicals; mass media
In the subconscious God presides with His illimtable power. If
you are allowing yourself to be defeated, practice thinkng
confidently and focus your thoughts on God. This inward power,
this power of God withn you, is so tremendous that under stress
and in crises people can perform the most incredible feats.
(Norman Vicem PEALE, autor do livro
O poder do pensamento positivo)
A Nova Era definida como um movimento no organizado,
que acontece mundialmente neste final de sculo, caracterizan
do-se pela adoo de uma srie de sistema de crenas, advindos
de outras religies ou organizaes.
1
Para Heelas "a melhor ma
neira de encarar a Nova Era v-Ia como um conjunto de cami
nhos, que representam variaes (algumas muito diferentes) sobre
o tema da religiosidade do eu,? onde tambm se desenvolve
uma srie de prticas teraputicas. Suas caractersticas se difun
dem por todo o campo religioso, e no dinmico processo de
disputa por fiis a ascendncia da Nova Era acaba influenciando o
campo com semelhanas no seio de outras crenas e religies.
Estariam os evanglicos - principais crticos da Nova Era junta
mente com os carismticos catlicos - criando, adaptando e
recodificando ensinamentos dela em suas prticas cotidianas? Que
efeitos isso traria para o campo religioso brasileiro neste final de
sculo? Nosso objetivo neste artigo discutir as relaes do cresci
mento evanglico com a adoo por parte desse grupo de uma
"religiosidade do eu" e as conseqncias dessa unio com o au
mento em nosso pas dos que se afirmam como "sem religio".
1 Jean HERIOT, EI estudio de la Nueva Era en los Estados Unidos, p. 59. {Para referncias
bibliogrficas completas destes e dos demais ttulos, cf. as Referncias bibliogrficas no
final do artigo].
2 Paul HEELAS, A Nova Era no contexto cultural, p. 18.
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Numen: revista de estudos e pesquisa da relig30, Juiz de fora, v. 3, n 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss.1o Positiva e o crescimento dos
t Uma Nova Era evanglica?
Um primeiro elemento que parece confirmar a adoo por parte
dos e vanglicos de elementos da Nova Era se refere ao hbito
de leitura dos fiis no Rio de Janeiro. Livros relacionados dou
trina da Confisso Positiva ocupam destaque nas preferncias
dos leitores evanglicos. Entre junho e outubro de 1996 entre
vistamos 935 evanglicos de 25 denominaes na Regio Me
tropolitana do Rio de Janeiro para uma pesquisa sobre os usos
e efeitos da mdia no cotidiano dos fiis. Ao todo foram citados
espontaneamente 120 obras por 350 pessoas (37%) que afir
maram terem lido recentemente.
3
Na Tabela 1 reproduzimos os
15 ttulos mais citados.
Tabela 1
Livros mais lidos
Livro, Editora Autor Citaes
Bno e Maldio, Betnia
O Nome de Jesus, Graa Editorial
Neste Mundo tenebroso, Vida
O Perfil da Mulher de Deus, Grfica Universal
A dose mais forte, Grfica Universal
Autoridade Espiritual, Vida
Cama Curta, Vinde
A Cruz e o Punhal, Betnia
Curai enfermos, expulsai demnios, Graa Editorial
Ei, Deus!, Vida
O Fator Orao, Juerp
Nos seus Passos o que faria Jesus, Juerp
Manancias no Deserto, Betnia
Namoro, Noivado e Casamento, Sepal
O Perfil do Homem de Deus, Grfica Universal
Jorge Linhares
Kenneth Hagin
Frank Perreti
Edir Macedo
Renato Maduro
Watchman Nee
Caio Fbio
David Wilkerson
T. L Osborn
Victor Foglio
Fippit
Sheldon
Chapman
Jaime Kemp
Edir Macedo
13
9
5
5
5
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
Fonte: Fonseca, Evanglicos e mfdia no Brasil, 1997.
3 Ao perguntarmos "qual foi o ltimo livro de autor evanglico que leu", 88 pessoas respon
deram a Bblia ou um de seus livros - este, portanto, o livro mais lido. Essa resposta no foi
considerada, j que nossa inteno era aferir o prestgio de autores contemporneos. Nosso
critrio foi o de colocar aqueles livros citados mais de uma vez e que tenham sido citados em
igrejas diferentes, muitos livros em uma mesma comunidade local foram citados duas vezes,
provavelmente um amigo que empresta para outro, a esposa que l antes do marido, o
professor da Escola Bblica Dominical que indica, etc.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religiao, Juiz de Fora, v. 3, n. 2., p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
o livro Bno e Maldio foi o mais citado, "livro de
bolso" que em suas S2 pginas mostra como as pessoas de
vem fazer para no trazer maldies para si e seus familiares a
partir daquilo que falam. Interessante notar que o livro de Hagin,
o segundo mais citado, tambm caminha num sentido seme
lhante ao livro do pastor Jorge Unhares. Hagin desenvolve como
a citao do "nome de Jesus pode fazer maravilhas". Juntamen
te com o livro de Gosset ("H poder em suas palavras"), que
foi citado duas vezes, temos uma trade bastante interessante,
que reflete uma expressiva preferncia de leitura entre os evan
glicos no Grande Rio.
4
Buscamos ento uma classificao para os livros em tipos
distintos. Formulamos 16 grupos entre os quais, na Tabela a
seguir, aparecem nove tipOS.5 Por 'Vida Crist" pensamos em
livros que buscam, a partir de diferentes instrumentais, oferecer
questes prticas para a vida crist. Quase todas as obras de
Caio Fbio e Edir Macedo foram includas nesse grupo. Coloca
mos sob o nome de "Confisso Positiva" aqueles que abordam
como a fala pode ajudar a "abenoar as pessoas". Temos tam
bm livros de testemunhos/biografias; psicolgicos que tratam
de relacionamentos no-sexuais; apologticos (sobre muulma
nos, adeptos de religies medinicas etc.); devocionais, estrutu
rados com leituras dirias para a reflexo pessoal; de Batalha
Espiritual; da Teologia da Prosperidade, e relacionados sexua
lidade. Abaixo, na Tabela 2, apresentamos por denomina0
6
4 Lista publicada pelo jornal Novas, seo Prazer de Ler, de fevereiro de t 997, d o seguinte
ranking para os livros evanglicos a partir das vendas: Bno e Maldio em segundo lugar
[h oito meses na lista) e H Poder em Suas palavras em terceiro lugar. Em uma sondagem
informal na livraria Vinde do Rio de Janeiro o vendedor citou como os mais vendidos: "H
poder em suas palavras e "Bno e Maldio".
5 Os outros grupos incluem: livros de fico, livros de estudo bblico; livros histricos; livros
relacionados a misses; livros teolgicos; livros escatolgicos e livros contrrios a Teologia
da Prosperidade.
6 De posse da distribuio, por denominao e geogrfica, dos evanglicos da Regio Metro
politana do Rio de Janeiro - mapeada pelas pesquisas "Novo Nascimento (cf. ISER, Novo
Nascimento) e Censo Institucional Evanglico (cf. Rubem C. FERNANDES, Governo das
almas) -, escolhemos igrejas que representassem essa distribuio, constituindo nossa amostra
de forma qualificada. Abranger a diversidade evanglica presente nas igrejas chamadas
pentecostais, histricas e renovadas era um desafio. Em nossa pesquisa seguimos a diviso,
em seis grandes grupos, adotada pelo Novo Nascimento: Conveno Geral das Assembli
as de Deus (Assemblia: 3 1%); Conveno Batista Brasileira (Batista: 18%); Igreja Universal
do Reino de Deus (Universal: 15%); Outras Igrejas Histricas (Histricas: 12%); Outras
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Numen: revista de estudos e pesquisa da r e l i g i ~ o , Suiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss:io Positiva e o crescimento dos sem-religi.1o
os tipos de livros mais lidos - as clulas marcadas referem-se
aos que se destacam por denominao. Os livros do tipo 'Vida
Crist" ocuparam em todas o primeiro lugar
Tabela 2
Tipos de livros mais lidos por denominao (%)
Tipos de Livros Assemblia Batista Universal Histrica Pentecostal Renovada
Vida Crist ';30,7 28,7 63.5 27,0 34.4 21,8
Confisso Positiva 8,0 8,2 1,1 7,9 13,8
Psicolgicos 3,0 13,4 5,2 6.4
Sexo 5,0 6,8 4.5 6,4
Batalha Espiritual 3,0 5,4 3,0 3,4 10.6
Testemunhos 6,9 1,5 3,4 6,4
Teol. da Prosperidade 1,\ 5,2 4,3
Devocionais 5,0 1,4 6,0 3,4 4,3
Apologticos 1,0 5,4 3,3 \,5 3,4 6,4
Fonte: Fonseca, Evanglicos e mdia no Brasil. 1997.
Entre os entrevistados 25% leram livros de "vida crist", 7,5%
"livros psicolgicos", 6,7% livros de "Batalha Espiritual" e de
"Confisso Positiva", 4,3% livros sobre sexualidade, 4,2% bio
grafias e testemunhos, e 4% "livros devocionais" e relacionados
"Teologia da Prosperidade". As obras de Macedo, lidas por
63% dos fiis da Igreja Universal, so um problema de classifi
cao parte, j que, alm de prticos para a vida crist, neles
esto embutidos ensinamentos que podem ser classificados de
Confisso Positiva ou da Teologia da Prosperidade, com baixos
percentuais dentro da igreja, fato que, contudo, no indica que
esses ensinamentos no aconteam no interior da denomina
o. No caso temos apenas pouqussimos fiis que adquirem
livros fora do escopo de opes, e mais facilmente classificveis,
da Grfica Editora Universal.
Igrejas Pentecostais (Pentecostais: 15%); e Igrejas Histricas Renovadas (Renovadas: 9%).
Igrejas Histricas referem-se quelas fundadas at final o sculo XIX por intermdio do
trabalho de missionrios estrangeiros; as Igrejas Pentecostais constituem-se daquelas deno
minaes aonde se acredita na contemporaneidade dos dons do Esprito Santo e as Igrejas
Renovadas so resultado de divises - devido aadoode uma liturgia edoutrina pentecostal
- em igrejas histricas. ocorrem a partir de meados do sculo (cf. Alexandre Brasil FONSE
CA, Evanglicos e Mdia no Brasil, p. 19-43). A diviso nesses grupos tem como principal
objetivo viabilizar comparaes.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. 3. n. 2, p. 63-90
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Alexandre Brasil Fonseca
Tambm curiosa a preferncia dos histricos (inclusive
batistas) por livros que tratam de relacionamentos no-sexuais
(livros psicolgicos). Nas igrejas dessas denominaes essa
opo ocupa a segunda colocao. Sua boa colocao tam
bm entre os fiis das igrejas renovadas aponta a existncia de
um processo entre as classes mdias de unir f e psicologia na
busca de encontrar respostas para os problemas do dia a dia.
Chama ateno a preferncia por livros de Confisso Positi
va? entre as denominaes. Sua origem apontada no 'Word of
Faith", movimento liderado por Kenneth Hagin e seu seminrio
Rhema. As origens, contudo, vm de meados do sculo XIX, nos
Estados Unidos. Sua gnese pode ser encontrada na cidade de
Boston, onde Phineas Parkhurst Quimby, um autodidata em tra
tamento de neuroses, realizou "leituras esotricas e longas me
ditaes acerca das inclinaes subjetivas, privadas"8 para tratar
de seus pacientes por meio de cura mental.
O primeiro livro dessa linha foi produo de um ex-paciente
de Quimby: o reverendo Warren Evans publica em 1869 - trs
anos aps a morte de Quimby - The Mental Cure, indicando a
origem desse movimento nas produes que tratam de "Cura
Mental" (Mind cure). Mary Baker Eddy, tambm paciente de
Quimby, desenvolveu seus ensinamentos e fundou uma nova
religio, a Cincia Crist. Vrios outros seguidores continuaram
esse legado, com uma srie de livros publicados nos anos se
guintes. Esses trabalhos do bem a idia da lgica presente:
Power of Will (que em quinze anos vendeu 600.000 exempla
res, lanado em I 906), The Secret ofSuccess, Every Man a King.
Em 1925 Bruce Barton lana o livro The Man Nobody Knows,
no qual Jesus Cristo apontado como o "primeiro grande exe
cutivo", o "primeiro grande anunciante" e o "fundador da forma
moderna de comrcio". Barton v em Jesus o modelo de execu
tivo e tem em seu livro um grande best-seller, alm de ter
7 Don G o s s e ~ no livro H poder em suas palavras, afirma: 'Louvado seja Deus, verdade que,
se voc cr no que est dizendo, voc recebe o que voc diz. Se voc diz: No posso pagar
minhas contas, por exemplo, voc no ser capaz de pagar suas contas ainda que a Palavra
de Deus diga que o meu Deus, segundo a sua riqueza em glria, h de suprir em Cristo Jesus
cada uma de vossas necessidades (Filipenses 4: 19). Mas se voc mudar, sua maneira nega
tiva de falar (ou pensar), com base na promessa de Deus de dar o suprimento, voc recebera
o milagre financeiro de que est precisando'.
a Donald MEYER. The Positive Thinkers, p. 34.
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Nllmen: revista de estudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimenlO dos sem-religi30
lanado sobre a Bblia o livro The Book Nobody Knows. Mas
em t 952 que chega s livrarias o grande inspirador e centro
dessa doutrina, quando o pastor Norman Vicent Peale publica
The Power of Positive Thinking. O livro de Peale vendeu mi
lhes de exemplares por todo o mundo, e permaneceu entre
os mais vendidos, ininterruptamente, por dois anos nos Esta
dos Unidos. O autor de O poder do pensamento positivo
tornou-se figura pblica nesse pas, aparecendo cotidianamen
te em jornais, programas de entrevistas e revistas.
9
Nascido dois anos antes do lanamento do primeiro livro de
Peale (AIt of living, 1937), um fracasso de vendas, Oral Roberts
lO
lanou em 1955, ento com vinte anos, seu primeiro livro com
o sugestivo ttulo God's Formula for Success and Prosperity. A
fama da Confisso Positiva difundiu-se entre os evanglicos
americanos
"
com a divulgao providenciada por Roberts e
Schuller, entre outros lderes da Igreja Eletrnica, alm do tra
balho desenvolvido por Hagin - que apesar de no ser um dos
pregadores eletrnicos tambm foi um grande responsvel pela
disseminao e popularizao dessa doutrina, qual teve aces
so por meio dos livros de Essek William Kenyon, lidos a partir
da dcada de t 970, o qual tambm passou pelas mos de
Quimby.
Hagin j foi acusado de plagiar trechos inteiros de Keny<\>n
em seus livros. Sua argumentao que, por gostar tanto
autor, o costuma "citar Iivremente".'2 No prefcio de seu livro
O nome de Jesus inicia afirmando sua inspirao nos livros QO
Kenyon e sobre o livro The Wonderful Name of Jesus chegai a
sugerir: "Aconselho voc a adquirir um exemplar desse livro.
conhecimento pela revelao. a Palavra de Deus."13 '
Pea-chave nesse processo tambm o reverendo Robert
Schuller. Com muitos livros publicados no Brasil, Schuller pas
tor da Igreja Reformada, a mesma de Peale. Sobre ele Assmann
9 Ibid., p. 264.
10 Roberts gostava de afirmar: "The lord has plenty money. The lord needs people. II I can get
the right people, the lord will supply the money. He knows where it is." (In: MEYER, The
Positive Thinkers, p. 4 I l.
I I MEYER, The Positive Thinkers, p. 26 I, aponta que, com o sucesso, as implicaes religiosas
do discurso de Peale "acabaram evaporando".
12 Kenneth HAGIN, O nome de Jesus, p. 9.
13 Ibid., p. 7.
Numen: revista de eSludos e pesquisa da luiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
6
Alexandre Brasil Fonseca
aponta que "cultivou amizade e sofreu profunda influncia de
Norman Vicent Peale, cujas idias C..) receberam dele novos ador
nos de citaes bblicas C..) editou uma Bblia com os destaques
prprios para o caso: sua famosa Possibility Thinker's Bible".14
No Brasil foram traduzidos alguns de seus ttulos que tratam de
questes relacionadas ao pensamento positivo.
exatamente dentro dessa linha de pensamento que alguns
autores apontam a gnese das colocaes sobre prosperidade
da Nova Era. Heelas mostra que seria "interessante comparar as
doutrinas de prosperidade da Nova Era com os ensinamentos
anlogos na esfera do cristianismo".'5 Ponto inicial da Teologia da
Prosperidade evanglica a crena na Confisso Positiva, inicial
mente mais difundida por Peale e depois assumida por Hagin,
Roberts, Schuller e todos os outros pregadores eletrnicos. Dessa
fonte tambm bebeu o mdico neurolingista lair Ribeiro.
Essa vertente da Nova Era dedica-se pregao e ao incen
tivo da prosperidade financeira. Como aponta a fala de um de
seus tericos citado por Heelas: "Ter uma conscincia de pros
peridade permite que voc atue com facilidade e sem esforo
no mundo material. O mundo material o mundo de Deus, e
voc Deus sendo voc. Se voc est experimentando prazer,
liberdade e abundncia na sua vida, ento voc est exprimindo
sua verdadeira natureza espiritual. Equanto mais espiritual voc
se torna, mas prosperidade voc merece."16
Na escolha dos livros feita pelos fiis podemos perceber em
que nvel se encontra a aceitao dessas teorias entre os evan
glicos cariocas, j que grande parte das obras citadas incenti
vam e ensinam como "declarar coisas boas". Livros como os de
Hagin, Gosset e Unhares obtiveram uma significativa aceitao
nos diferentes grupos eclesisticos, indicando uma preferncia
que merece ser estudada em profundidade. Quais os efeitos
dessa doutrina na comunidade evanglica? O que ela represen
ta atrelada difuso da Teologia da Prosperidade?
A preocupao com sade, prosperidade e a "valorizao do
eu" so elementos que caracterizam a Nova Era e que so per
14 Hugo ASSMANN, A Igreja Eletrnica e seu Impacto na Amrica Latina, p. 54.
15 HEEIAS, A Nova Era_., p. 31.
16 Phil LAUT, apud HEELAS, A Nova Era._, p. 21.
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Numen: revista de estudos e pesquisa da relig.1o, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confisso Positiva e o crescimento dos- sem-religi.3o
ceptveis em vrios espaos religiosos e seculares. possvel
resgatar uma origem crist para a Nova Era a partir dos positive
thinkersp como vimos acima, mas encontramos tambm nos
atuais modelos evanglicos uma srie de similitudes que nos
permitem apontar a existncia de uma "Nova Era evanglica".
Peculiar exemplo dessa Nova Era evanglica seria o progra
ma da episcopisa Snia Hernandes da Igreja Evanglica Renas
cer em Cristo. Na busca de estar de bem com a vida, ela fala
sobre cura, prosperidade e salienta a importncia de se viver
uma religio do eu: "Segredos, segredos espiritttais, de como
estar bem com a famlia, de como ser bem-sucedido nos neg
cios e de como estar equilibrado interiormente. isso que a gente
passa para voc no 'De Bem Com aVida', porque com essa espe
rana que vem de Deus no tem quem segure a gente.
IB
R. R. Soares e Valnice Milhomens possuem uma teologia ex
plicitamente mais prxima de Hagin, contudo no programa
de Snia Hernandes onde h uma disposio e uma linguagem
de classe mdia. Nos gestuais e vesturio h toda uma identifi
cao com o vivenciado por grupos sociais mais bem situados
na sociedade: "O movimento Nova Era, no Brasil e em outros
pases onde se tem desenvolvido, vem atraindo principalmente
pessoas das classes mdias urbanas, que apresentam afinidade
eletiva com o 'expressivismo psicolgico', na sua busca por 'au
tenticidade', 'liberdade' e 'auto-aperfeioamento.
1II19
A identificao de Snia com uma possvel Nova Era evang
lica nos parece mais significativa do que com outros pregadores
da Teologia da Prosperidade. A semelhana de sua linguagem
com manuais de auto-ajuda significativa, como tambm a uti
lizao de termos peculiares Nova Era, como "equilbrio", "positi
vo", "amor", "poder", "sabedoria" e "energia". O pastor pentecostal
Ricardo Gondim publicou um livro no qual aponta o "Evangelho
da Nova Era", questionando duramente os ensinos de Hagin. O
diretor do Instituto Cristo de Pesquisas Paulo Romeiro escre
veu o livro Super Crentes onde ataca pregadores brasileiros, prin
cipalmente Valnice Milhomens, R. R. Soares e Miguel ngelo.
17 MEYER, The Posicive Thinkers, 1988.
18 Programa De bem com a vida, fevereiro de 1997.
19 Lei/a AMARAL. As implicaes ticas dos sentidos Nova Era de comunidade, p. 58.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi3o. Juiz de Fora, v. J, n. 2, p. 6J-90
7
Alexandre Brasil Fonseca
o xito de Snia pode ser entendido como um bem-sucedi
do processo de cristianizao do discurso da Nova Era, que se
consolida no mundo neste final do sculo. Utilizando-se de
termos e palavras peculiares a esse grupo, Snia atinge um perfil
especfico da populao - o qual ainda no possui um variado
nmero de opes no campo religioso que contemplem essas ca
ractersticas - ao apresentar uma variante do discurso da Nova Era,
dando uma roupagem evanglica a elementos desse movimento.
Ao oferecer de forma eficiente uma Nova Era evanglica,
Snia disputa, praticamente sozinha, dentro do campo religioso,
uma significativa, e pouco atendida, parcela de fiis, atingindo
setores, grupos e localidades onde os evanglicos geralmente
no tm amplo acesso. Seu xito tambm deve ser entendido
dentro da ao da Igreja Renascer em Cristo, responsvel pela
difuso de uma "cultura gospef' no Brasil, segundo a qual, por
exemplo, os jovens convertidos no necessitam assumir novos
gestuais e vesturio para serem evanglicos. Antigos modelos
recebem nova conotao, o white meta/ substitui o heavy meta/
mas que visual e auditivamente no possuem diferena. Certamen
te, no podemos esperar que esta identificao seja aceita, j que o
campo religioso eivado de disputas que exigem distino:
No tenho nada a ver com a Nova Era, a gente ama as pessoas
que esto l, mas a teoria completamente maluca, absurda e
improvveL. com certeza no tenho nada a ver, isso lquido e
certo. O que associam ao que eu falo a questo da prosperida
de, que algumas igrejas pregam, que outras igrejas no pregam,
que umas se abrem, outras no se abrem e outras combatem.
Com relao prosperidade, ns vivemos praticamos. bblica,
no s em alguns textos, ela bblica de Gnesis a Apocalipse.
Deus no criou o homem e o colocou numa maloca, ele o colo
cou no paraso, quem fez o paraso virar uma maloca foi o ho
mem... A gente v, do segundo ou terceiro captulo de Gnesis at
o livro de Apocalipse, um esforo de Deus resgatando aquilo que
o homem perdeu. Prosperidade para ns no a riqueza em si,
dinheiro, s isso. Pode ser tambm isso, muito_o A prosperidade
uma condio inteira da pessoa, de ter uma alma prspera, ter
pensamento sadio, uma maneira de pensar, de enxergar as coisas,
prspera. Uma maneira de se sentir prspera, que no se deixa
levar por seu corao enganoso, uma maneira de viver prspera...
Uma pessoa quando est bem ela tem mais viso e no to
roubada, internamente e externamente, ela estar produzindo e
72
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi3o, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss.1o Positiva e o crescimento dos sem-religi.1o
prosperando mais em tudo que estiver fazendo... Realmente, a
nossa nova era comeou dois mil anos atrs quando Jesus nas
ceu, ento essa a nova era que j comeou h muito tempo.lO
Entre seus pares evanglicos, tambm h a percepo desta
relao: "O pessoal da Teologia da Prosperidade, que odeia a
Nova Era, no se deu conta de que eles so a verso da Nova
Era no meio evanglico. No se deram conta ainda porque no
so reflexivos, ento eles repetem frmulas que do certo, sem
pensar no contedo dessas frmulas, ao que esto ligadas e de
onde elas vieram. s vezes eles pensam que vieram da Bblia, mas
foram apenas ajustes bblicos a fenmenos contemporneos."21
Chandler um jornalista evanglico americano, apresenta uma
srie de crticas a semelhantes processos que esto sendo introdu
zidos no seio das igrejas naquele pas: "Tcnicas de auto-aprimora
mento, visualizao e fantasia controlada conseguiram afetar mui
tas denominaes protestantes, alguns crculos catlico-romanos e
no poucas igrejas crists pentecostais e carismticas."22
A partir das descries de Chandler, parece-nos haver signi
ficativas aproximaes com aquilo que presenciamos nas reuni
es da Igreja Renascer em Cristo, assemelhando-se aos ensina
mentos de Louis Tice, consultor da General Electries, da ClA, do
exrcito, da marinha e da fora area americana. Tice do Pacific
Institute e - como tambm Charles Krone (Pacific Bem e Chris
Mayer (Sportmind) - desenvolveu uma srie de tcnicas ligadas
confisso positiva para serem aplicadas entre executivos. So
bre as declaraes, o autor destaca que a prtica de declarar, de
se "ver ocupando a cadeira de seu chefe" pode ser descrita como
o intuito de "manipular a realidade ou evocar a apario ou
ajuda da deidade"P Para o autor isso representaria um proble
ma, j que "se a realidade pudesse mesmo ser criada ou manipu
lada pela visualizao, isso permitiria que qualquer um fizesse o
papel de Deus com o universo".24 Ainda sobre a visualizao, ele
escreve, citando Ron Zemke, editor de uma revista de ginstica:
25
20 Transcrio de entrevista realizada com Snia Hernandes, em So Paulo, em 17/3/97.
21 Transcrio de entrevista realizada com Caio Fbio, em Niteri, em 10/4/97.
22 Russel CHANDLER, Compreendendo a Nova Era, p. 261.
23 Ibid., p. 323.
24 Ibid., p. 325.
25 Essas tcnicas tambm so muito usadas para aumentar o potencial fsico de atletas.
Numen: revista de estudos e pesqusa da religio, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
Ao que tudo indica, as boas novas so que alguns processos de
evoluo .. psicotecnologias, se assim voc preferir .. podem servir
como ferramentas eficazes para estabelecer mudanas fundamentais
nas atitudes e na maneira de pensar das pessoas. As ms novas...
bem, so as mesmas que as boas novas: a meditao e a imaginao
orientada e a "sugestiopedia" e as afirmaes, podem realmente ser
instrumentos eficazes na transformao das pessoas_ Em outras pa
lavras, o problema bem pode ser no que as psicotecnologias da
Nova Era no funcionem, mas que funcionem bem demais.
26
Os crticos evanglicos
27
indicam srios problemas em rela
o tica e s interpretaes bblicas desse grupo, apontando
que s vezes a questo financeira no o principal equvoco,
mas sim as idias antropocntricas que esto por detrs da Te
ologia da Prosperidade e de seu par obrigatrio, a Confisso
Positiva. A pregao da Confisso Positiva uma das fontes
originrias da Nova Era, a qual os evanglicos repudiam, mas
que talvez estejam participando sem saber. Como exemplificam
as palavras do pastor pentecostal Ricardo Gondim:
Sabem o que que vem acontecendo nestes ltimos dias? Uma
acomodao ao esprito da poca. Que ns podemos chamar de
"Lair Ribeirizao" da f. As palavras passaram a ter autonomia de
produzir realidades em si mesmas. A f deixou de ser uma depen
dncia do carter de Deus e passou a ser um poder dirigido a
Deus. As oraes passaram a ser decretaes do que Deus tem
que fazer. A submisso inverteu-se: a de Deus ao que ele j
prometeu e no de mim vontade Dele. O dar deixou de ser um
sinal de despojamento econmico e sim um investimento para se
receber cem vezes mais.
28
O "toma-I-da-c" constante nesse tipo de religiosidade
que almeja para aterra todas as maravilhas que o pentecostalismo
tradicional imaginava para o cu. O importante o hoje, o ago
ra, e esse deve ser o melhor possvel, afinal os evanglicos so
"filhos do rei" e foram criados, como gostam de repetir os
defensores dessa teologia, para serem "cabea e no cauda".
26 CHANDLER, Compreendendo a Nova Era, p. 326.
27 Para uma viso geral sobre as posies evanglicas contrrias, cf. Ricardo MARIANO,
Neopentecostalismo, p. 181-83.
28 Rubem AMORE5E (ed.), A Igreja Evanglica na Virada do Milnio, p. 88.
Numen: revis(a de estudos e pesquisa da teligi30, Juiz de Fora, v, 3. n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimento dos
Esse antropocentrismo salientado pelos crticos evanglicos tem
um espao privilegiado para interpretao dentro da Associa
o Renascer de Empresrios e Profissionais Evanglicos (AREPE)
da Igreja Renascer em Cristo. Com reunies s segundas as
atividades da AREPE tomaram o espao dos "cultos gospef',
grande sensao da denominao que no mesmo dia lotava
seu templo-sede no bairro do Lins (SP). Agora o templo ainda
permanece lotado, mas de empresrios, profissionais liberais e
pessoas que vo atrs das orientaes do apstol0
29
Estevam
Hernandes, marido de Snia Hernandes e lder da igreja, para
um melhor resultado em seus negcios.
2 Profetize sobre sua Vida! A AREPE declara
"Nos dias atuais de globalizao so tantas as novidades dentro
do mercado, e no mercado brasileiro ns temos o Mercosul.
Tantas oportunidades comeam a surgir, e necessrio que ns
entendamos que o mercado se torna cada vez mais competiti
vo... o reverso da globalizao amplo sobre o mercado e, prin
cipalmente, nas empresas do segmento das chamadas pequenas
e mdias empresas. Por qu? Porque a presso de compra, a
presso de especializao muito grande, e com a prpria en
trada das empresas multinacionais os preos vo caindo e o
mercado vai se transformando violentamente. Como ns va
mos enfrentar isso? Precisamos estar atentos porque essas mu
29 No senso comum evanglico, os apstolos representam aqueles que tiveram um encontro
pessoal com Jesus Cristo na terra. Os doze discpulos e Paulo que viu o Cristo por meio de
uma viso. A adoo do nome apstolo uma novidade no seio da comunidade evanglica,
que geralmente causa surpresa pois disseminada a idia de que o apstolo recebe a
revelao de Deus. Foram os apstolos que viram Jesus e escreveram os evangelhos. Dentro
de uma hierarquia religiosa, o ttulo certamente representaria mais status do tambm, utili
zado mais recente pelos pentecostais, bispo. O primeiro a usar o nome no Brasil foi Estevam
Hernandes. Estevam fez um curso de apostolado nos EUA e quando o pro Colin Dye
pregador queniano radicado na Inglaterra (Kensington Temple) que apoia as "cruzadas de
cura' do controvertido Morris Cerullo - esteve no Brasil ungiu Estevam como apstolo, j
que para Dye todo fundador de Igrejas apstolo. Apstolos seriam pessoas vocacionadas
para trazer estrutura e direo s igrejas, alm de efetuar a uno apostlica entre os fiis_o
Dye cita a Bblia (Efsios 4: I 1), apontando que todos os ministrios (inclusive o de
apostolado) so necessrios para "que a edificao das igrejas seja completa'. Dye acrescen
ta "que a presena do apstolo no significa novas revelaes, a Bblia basta' (Colin DYE,
Edificando uma Igreja Contextualizada, p. 45).
Numen: reviSla de estudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Alexandre Blasil Fonseca
danas na economia, essas mudanas no mundo dos negcios
vo trazendo novos desafios, e aqueles que no se preocupam
vo ficar para trs". Assim comeou a mensagem-palestra de
Estevam Hernandes na sede da Renascer no dia 3/3/97, aps
trinta minutos de "boa msica evanglica" e de serem recolhi
das as ofertas. O tema do dia era "A uno da expanso"3o.
As atividades da AREPE so realizadas a partir das 19 horas
das segundas-feiras. Inicialmente so feitas palestras com ttulos
como "Estratgias de Produtos", "Imposto de Renda - pessoa
fsica". Na reunio de 17/3/97 foram abordados aspectos da
legislao sanitria para estabelecimentos ligados alimenta
o. A seus associados aAREPE oferece: uma bolsa de emprego
que possui 1.100 profissionais catalogados (membros da igreja
que oferecem seus servios), espaos de publicidade (pagos) em
publicaes da entidade; a oportunidade de negociarem com
outros empresrios cristos (o que bastante incentivado) que
tambm participam; solicitar explicaes tcnicas para "orienta
o empresarial"; alm de poder pedir "equipe de intercesso
uma visita na sua empresa". A visita serve para que o grupo da
igreja possa ungir (com leo) e orar pelos negcios.
Participar de uma reunio da AREPE uma marcante experi
ncia; acompanhar numa reunio cinco mil pessoas em busca
de "uno para seus negcios" no algo comum. Aproximar
ou associar as prticas de Estevam Hernandes neurolingstica
no difcil: no livro de Lair Ribeiro (Comuncao Global- que
ganhou na segunda edio o subttulo "a neurolingstica apli
cada comunicao") possvel perceber, pelas questes pon
tuadas no seu argumento, uma origem religiosa na Nova Era:
Quando desenvolvemos o hbito de fazer solicitaes ao Universo,
Ele nos atende. o caso no s das oraes religiosas, quanto das
ditas com f (convico) como tambm das solicitaes em geral,
que fazemos a outras pessoas, empresas_ uma declarao (ao de
declarar) bem feita, com congruncia de todo o seu ser, transforma o
paradigma do ver para crer em crerpara ver. Quanto mais autoridade
tiver sua declarao, e quanto mais concreta ela for, maior ser o
seu poder de gerar ao. Quando voc gera ao, o Universo cons
pira a seu favor.
31
30 Nessas reunies Estevam "ministra unes": uno de liderana, uno para alargar tendas, etc
31 Lair RIBEIRO, Comunicao global, p. 31, 51; nfase do autor.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora. v. 3, n. 2, p. 63-90
6
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimento dos sem-religi30
Na reunio de 17/3/97, durante os quase 90 minutos em
que falou, Estevam pediu que a platia repetisse frases do tipo:
"Eu sou lder, eu sou lder em Cristo Jesus". Alm de usar o
termo "declarar", Estevam pediu tambm para as pessoas "profe
tizarem": "Profetize sobre sua vida; diga: 'Eu quero ser um Ii'der,
a minha empresa ser lder, a partir de hoje no aceito nada
novo que no seja liderana.
1I1
Nas adversidades recomendou
que as pessoas declarassem: "Sou cabea e no sou cauda, e
no vou aceitar qualquer processo enganatrio de satans."
Para que as pessoas no gastassem mais energia com dvidas e
problemas nos negcios convidou-as para que repetissem, com
as duas mos para o alto: "Eu fui chamado para a liberdade e
no aceito nenhum jugo de escravido."
Alm dessas repeties e de uma pregao cativante, Estevam
apresenta sugestes prticas para quem vive no mundo dos ne
gcios. Ele transmite conselhos e orientaes queles que que
rem prosperar na vida: "Quem gosta de scio gosta de luta. Se
tiver que ter scio, s se ele for remido e lavado no sangue de
Jesus, mesmo assim no deva nada para ele." Sua experincia na
rea considervel, exerceu funes de marketing na Xerox do
Brasil e na Itautec, realizando cursos no exterior. Hernandes uti
liza seus conhecimentos como expert no assunto ministrando
at mesmo cursos para pastores e lderes sobre marketing religi
OSO.32 Sua igreja administrada por uma fundao que, alm de
trabalhos assistenciais, vende uma srie de produtos e servios
que exploram a marca (patenteada) GospeFJ
32 Para leonildo Silveira CAMPOS, 'Teatro: 'Templo" e "Mercado: p. 193, possvel perceber
"apenas na Igreja Renascer em Cristo a presena de uma estratgia calculista no uso do
marketini! em relao ~ s outras igrejas evanglicas. O autor cita ainda o ttulo de apostila
usado por Estevam em seus cursos: A Igreja usando o marketing como arma espiritual, a
teoria de Philippe Kotler.
33 Cf. MARIANO, Neopentecostalismo, p. 88: "Aproveitando a pujana do movimento gospel,
os pastores Estevam Hernandes e Antnio Carlos Abbud fundaram a gravadora Gospel
Records. Outros pastores e membros da Renascer igualmente so proprietrios de empresas
e negcios que orbitam em torno da igreja e se nutrem da clientela de confisso evanglica.
Entre elas esto: Gospel Wear, Gospel Vestibulares, Brother Smion Confeco". Mariano
indica ainda a existncia de "dois servios telefnicos nas linhas 900 da Telesp, "disque
mensagem" e "disque-orao", que debitam R$1,20 da conta do a ~ s i n a n t e por minuto de
ligao. Possui a produtora RGC, a editora Renascer e cinco livrarias. Em 1994, criou o
Cospel News, jornal mensal da igreja. Com o faro apurado para os negcios envolvendo o
crescente mercado de produtos e de consumidores evanglicos, a Fundao lanou em
agosto de 1994 o Carto Gospel Bradesco Visa, que destinar 30% da anuidade arrecada-
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi3o, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
Entre as orientaes dadas Estevam tambm sugere que os
fiis, todos os dias pela manh, repitam o ritual de declarar: "Eu
sou cabea e no sou cauda. Senhor, estou caminhando para
ser cabea e no cauda." Ao chegar empresa devem repetir:
"Minha empresa ser lder no seu setor." Como reitera, "tem que
querer". Recomenda que as pessoas se comportem como "mu
lher grvida, onde o centro de sua vida seu filho": "Fique grvido
da idia de que voc um lder". Orienta para que tambm seja
escrito em todos os documentos da empresa a "sua liderana".
D como exemplo o dlar com sua frase In God we trust
Aos empregados ele diz: "Profetize todos os dias que voc
ser lder no trabalho". Pergunta a audincia quem possui pa
tro e pede que levantem a mo. Ento fala que todos os dias
essas pessoas devem profetizar que tomaro o lugar de seu su
perior. ObselVando a platia Estevam v um de seus diretores
na Fundao Renascer, da qual presidente, e diz em tom joco
so: "Mano, voc pode ir baixando o brao, porque vai ser ruim
Deus me tirar de l", para depois remendar srio: "Os desgnios
de Deus no nos cabe definir."
A reunio est chegando ao final; falou-se de negcios,
vendas, prosperidade. hora dos obreiros e pastores passarem
leo na testa dos presentes enquanto Estevam invoca o "derra
mamento da uno de liderana". Ele fala em vises e revela
es de Deus enquanto ora. Pede que as pessoas repitam, duas,
trs vezes a frase "Eu sou lder". Com todos de p o momento
de clmax da reunio. Aps essa catarse Estevam convida aque
les que gostariam de "experimentar em suas vidas tudo aquilo
que ele falou que vo frente e aceitem Jesus como Senhor e
Salvador".
A colocao dessa proposta, to cotidiana nas igrejas evan
glicas, ao final daquela reunio se apresentou como uma
readaptao e atualizao da mensagem evanglica ao mundo
contemporneo. Estevam no desconhece - pela forma que en
caminhou seu apelo, enquanto centenas de pessoas se dirigiam
para a frente da igreja - as similaridades de sua pregao com a
da para seus projetos assistenciais. No final de 1996 teve incio o canal de televiso
Gospel, em UHF para So Paulo e distribudo tambm por 1V a Cabo, e em 1998 a Igreja
assumiu duas rdios FM (Manchete Gospel - So Paulo e Rio de Janeiro).
Nl1men: revista de estudos e pesquisa da de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss:lo Posiliva e o crescimenlo dos sem-religic'io
Nova Era e as prticas que orbitam ao seu lado: "A fora est
cheio de livros de auto-ajuda, mas nenhum deles poder fazer
o que Jesus far na sua vida." Esse estilo de reunio encontra
na Teologia da Prosperidade a principal ncora para seus argu
mentos, pregao que estabelece uma religio em que o fiel
desempenha papel de investidor, como escreve Prandi:
A prosperidade est aberta a todos, mas preciso que se d o que
se tem para a igreja, quanto mais melhor, de preferncia tudo.
Quanto mais se d para Deus, mais se recebe, e isso no mera
retrica. So inmeras as estratgias e os iogas operados pelos
pastores nos cultos para a extrao do dinheiro. O ato de dar
dinheiro, com a certeza de que ele vai voltar, acrescido, um gesto
do investidor. Para os crentes de negcio, os pequenos empresri
os, os desejosos de se estabelecerem, a nova religio oferece pos
sibilidades de progresso mais ambiciosas: possvel fazer de Deus
um scio nos negcios e prosperar sem Iimites.
34
Ao apontarmos a pregao da Igreja Renascer como uma
possvel variante de ofertas religiosas geralmente designadas por
Nova Era temos conscincia que isto pode soar pejorativamen
te. Contudo, no podemos desconsiderar que h contaminao
entre os campos culturais.
Longe de entendermos essa opo como negativa (ou positiva),
o que pretendemos indicar aforma como certos elementos cultu
rais especficos da Igreja Renascer se estabeleceram a partir dos
contatos feitos por Estevam no campo profissional quando ocupa
va cargos de gerncia de marketing. Podemos pensar a conforma
o dessa Nova Era evanglica na direo que Sanchis d para o
sincretismo, o qual se caracterizaria por uma "tendncia a utilizar
relaes apreendidas no mundo do outro para ressemantizar o seu
prprio universo". Processo que no " prprio do campo da reli
gio, mas estende-se ao campo genrico, da cultura".35 Elementos
aprendidos na prtica profissional e compartilhados na dinmica
social contriburam na conformao da pregao da Igreja Renas
cer em Cristo. "Processo de sincretismo" que se torna claro, por
exemplo, nas reunies da AREPE.
34 Antnio Flvio PIERUCCI, Reginaldo PRANDI, A realidade social das religies no Brasil, p.
270.
35 Pierre SANCHIS, Pra no dizer que no falei de sincretismo, p. 7.
Numen: reviSla de esludos e pesquisa da religi:lo, Juiz de Fora. v. 3. n. 2. p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
3 Os Evanglicos e o crescimento
dos sem-religio
No maior Pas catlico do mundo presenciamos uma beligeran
te disputa por fiis. A Igreja Catlica "perde" adeptos para os
pentecostais, que por sua vez satanizam os deuses do candom
bl e umbanda. Em meio a tudo isso a Nova Era se torna cada
vez mais evidente. As religies brasileiras se encontram de for
ma acirrada na disputa desse "mercado de bens simblicos".
Ultimamente fala-se muito do crescimento evanglico. Pas
tores e bispos no poupam nas cifras e afirmam serem respon
sveis pelo grupo religioso que mais cresce e que, conseqente
mente merece maior ateno e respeito do poder pblico e dos
meios de comunicao. Uma anlise do resultado dos dados
dos ltimos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta
tstica (IBGE) no confirmam essa postura.
O crescimento dos evanglicos se deve a ao dos pentecostais
que aumentaram 127% na ltima dcada,36 mas mesmo com esse
desempenho bem superior ao crescimento populacional no esse
o grupo religioso que mais cresceu. Curiosamente, em meio a
todo o "reencantamento" experimentado nos ltimos anos, o cen
so indica que o nmero de pessoas que se definem como "sem
religio" cresceu de dois (t 980) para quase sete milhes (1991),
o que significa um aumento de 250% nessa dcada.
37
Isso seria a materializao de uma secularizao brasileira?
Mesmo com toda a significativa presena catlica, com uma
"tradio subterrnea"38 baseada na crena em espritos, o cres
cimento pentecostal, o boom editorial de livros da Nova Era,
alm da consolidao de uma srie de Novos Movimentos Re
ligiosos, o grupo religioso que mais cresce no Brasil o daque
les que se definem "sem religio".
Concordamos com Bruce quando aponta que em situaes
de transio cultural - momento em que a religio assume
36 Os evanglicos tradicionais tiveram um aumento de 17%, o que unido com o crescimento
dos pentecostais representa um crescimento de 67%. O crescimento populacional foi de
24%. Sobre os resultados de do censo de 1991 e para uma delimitao do campo
evanglico, cf. FONSECA, Evanglicos e mdia no Brasil, p. 19-42.
37 Ibid. p. 34.
38 Gilberto VELHO, Unidade e em sociedades complexas.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religiao, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, C o n f i 5 s ~ o Positiva e o crescimento dos sem-religlo
papel que vai alm da intermediao entre o sagrado e o mun
dano - a religio encontra espaos privilegiados para estabele
cer-se. As mudanas experimentadas no Brasil nos ltimos 50
anos so extremamente significativas e a efervescncia religiosa
faz parte desse processo. Contudo, mesmo com esse ambiente
propcio para a prtica religiosa, os dados dos censos do IBGE
apontam um crescimento mdio de 220% de uma dcada para
outra dos "sem religio" entre 1940 e 1991. O Grfico 1 apre
senta o percentual dos "sem religio" a partir de informaes
recolhidas nos censos entre a populao de 1940 at 1991.
39
Grfico 1
A presena dos "Sem Religio"
na Populao Brasileira (1940 - 1991)
Vl
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1940 1950 1960 1970 1980 1990
Fonte: Anurio Estatstico. 1995 (IBGE).
Com maior crescimento relativo, os "sem religio" vo se
tornando cada vez mais numerosos e passam a representar sig
nificativo grupo na composio do campo religioso brasileiro.
Mantido o desempenho dos anos de 1980, no ano 2000 tere
mos um nmero surpreendente: 24 milhes de "sem religio"
ou quase 15% dos brasileiros. Com esse resultado os "sem reli
gio" superariam os evanglicos (que no ano 2000 seriam
cerca de 22 milhes, 13%) e se tornariam o segundo maior
39 o. Cndido Procpio CAMARGO, Catlicos, protestantes. espritas, alm dos dados do
IBGE.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi.1o, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
grupo religioso brasileiro. A observao desses dados em dias
de crescimento pentecostal certamente pode causar estranheza
para muitos, mas as projees assim apontam.
Encontra-se pujante no seio da sociedade brasileira um pro
cesso de secularizao, que tem dois movimentos. O lento e
gradual estabelecimento de uma viso de mundo ausente da
noo religiosa, o que ainda tomar um longo tempo, e a defi
nio dos indivduos em direo a auto-afirmao e compreen
so de que podem viver "sem religio". O que no precisa ser
necessariamente lido como uma negao de Deus, mas que deve
ser interpretado como diminuio da religio-de-Igreja e da in
terferncia da religio no Estado.
40
Qual aorigem dos "sem-religio'?41 Que confisso religio
sa possuam antes de decidirem no mais seguir uma religio?
Adotaremos nesse trabalho a definio de religio utilizada por
Bruce, onde "religion consists of beliefs, actions, and institutions
which assume the existence of supernatural entities with power
of action, or irnpersonal powers ar processes possessed of mo
rai purpose".42 A Tabela 3 nos fornece informaes sobre o
antecedente religioso de pessoas que se consideraram sem reli
gio. Metade oriunda de confisses religiosas e a outra meta
de nunca participou de uma religio.
40 PIERUCCI, Secularizao em Max Weber, p. 49, aponta que a abord<lgem weberiana tese
da secularizao permite pr mostra de modo convincente a interface entre racionaliza
o religiosa e racionalizao legal", a qual implica ou supe (...] a racionalizao
jurdica (_.) a dessacralizao do direito, e pe de p o moderno Estado laico como
domnio da lei: O artigo de Pierucci explicita com detalhes as implicaes e as carac
tersticas que demarcam o processo de secularizao e o desencantamento do mundo,
pontuando tambm as distines inerentes aos dois conceitos.
41 Em relao a origem scio-econmica, temos as seguintes informaes a partir do trabalho
de PIERUCCl, PRANDI, A realidade sociaL., p. 225: "pode-se dizer que so o grupo mais
masculino, que nada menos do que 17,2% tm o mais alto grau de instruo; que 25,6%
so jovens entre 18 e 24 anos; que 50,3% deles so seres metropolitanos; que sua taxa de
ocupao (71,6%) das mais altas do Pas; e, finalmente, que a quantidade de 'sem religio'
com renda familiar mensal acima de vinte salrios mnimos o dobro (I 2, I %) do verificado
para o total de eleitores brasileiros (6,3%).
42 Steve BRUCE, Religion in the Modem World, p. 7.
Numen: revista de estudos e pesquisa da rellgiao, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimento dos sem-religjao
Tabela 3
Religio Anterior dos sem-religio (%)
Religio Anterior Sem Religio Sem Religio
[somente convertidos)
Catlica 21,2 38,1
Evanglica Histrica 6,0 11,9
Evanglica Pentecostal 8,3 16,7
Esprita Kardecista 0,0 0,0
Afro-brasileira 2,4 4,8
Outra 13,1 28,6
Sem religio
Nunca mudou de religio 50,0
Total 100,0 100,0
Fonte: Pierucci, Prandi, 1996, p. 263-4
A participao entre os sem-religio de fiis oriundos das
igrejas evanglicas bastante significativa, considerando o dis
seminado conhecimento da alta participao dos fiis evangli
cos em suas comunidades, como demonstraram as informaes
do ISER (1996) ou mesmo a Pesquisa Nacional de Amostragem
por Domiclios do IBGE de 1988, em que 84% afirmaram fre
qentar a igreja pelo menos uma vez por semana. No conjunto
dos evanglicos teramos somente cerca de 8% de "fiis nomi
nais", que no participam dos cultos ou que "freqentam" anu
almente atividades de sua religio. J entre os catlicos os
"freqentadores anuais" representam 22% dos fiis (39% no par
ticipam), enquanto os que participam semanalmente de uma missa
representam apenas 18% dos catlicos.
Esses nmeros nos remetem discusso acerca dos "catli
cos praticantes", da tenso "Catolicismo x Igreja Catlica"43 ou
da abordagem "Catolicismo Tradicional x Catolicismo
Internalizado" adotada por Pierucci e Prandi a partir de Camargo:
"Dentre os catlicos, a maioria ainda constituda daqueles que
aqui vamos chamar de catlicos tradicionais, reunindo tanto os
que freqentam a igreja esporadicamente como os que tm fre
qncia regular, mas no se envolvem em movimento de reno
vao ou agremiaes (...) de reavivamento da vida catlica (...).
43 Ceclia MARIZ, Religion and Coping with Poverty in Brazil.
Numen: revista de esmdos e pesquisa da religiao. Juiz de Fora. v. 3, n. 2, p. 63-90
Alexandre Brasil Fonseca
Se a maioria catlica formada de catlicos tradicionais, h
por outro lado uma grande fatia de t 3,5% de cidado brasilei
ros que vivem o catolicismo a partir de reorientao pessoal
por uma das diferentes modalidades de internalizao ou enga
jamento religioso".44
Alm da baixa freqncia tambm temos as discordncias no
que se referem as principais doutrinas catlicas, muitos fiis desco
nhecem ou ignoram determinadas confisses da sua f. O que
ocasiona, p. ex., como demonstra levantamento feito por Leandro
Piquet Carneiro e Luiz Eduardo Soares, que quase metade (45,9%)
dos que freqentam regularmente a Igreja Catlica acreditam na
doutrina esprita - negada pelo catolicismo - da reencarnao.
45
Assim, apesar de 38% dos convertidos aos "sem religio"
serem catlicos no nos parece produtivo apontar relaes com
o pertencimento ao catolicismo e o fato das pessoas optarem
por negarem uma filiao religiosa. Parece-nos haver uma ori
gem religiosa (religio-de-Igreja) "no-praticante/tradicional"
desses catlicos. Por outro lado chama ateno os 29% de ex
evanglicos que configuram a "clientela" dos "sem-religio".46
Pesquisa realizada por Gmez trabalhou com o crescimento
e a desero na Igreja Evanglica da Costa Rica.
47
Por meio de
amplos levantamentos nacionais o autor encontrou uma rela
o entre crescimento e desero nas igrejas evanglicas. Pes
quisa realizada pelo Instituto Gallup em 1989 indicou que en
quanto 8,9% da populao Era Evanglica, outros 8, t % j ti
nham sido evanglicos em algum momento de suas vidas, e em
t 99 t os evanglicos chegaram a 10,6% da populao enquan
to os "ex-evanglicos" a 12,1%. Em seu livro Gmez demonstra
que cerca da metade dos egressos de igrejas evanglicas deci
diu-se por no pertencer a nenhuma religio, sendo que em
algumas cidades esse percentual chegou a 86%.
44 A obra de Camargo a de 1973: CAMARGO, Catlicos, protestantes, espritas, cit a partir
de PIERUCCI, PRANDI, A realidade sociaL, p. 21 S.
45 Leandro PIQUET CARNEIRO, Luiz Eduardo SOARES, Religiosidade, estrutura social e com
portamento poltico, p. 40.
46 Outro dado que merece maior investigao a ausncia de ex-espritas entre os sem
religio. O que h entre os fiis do espiritismo que os afasta da negao de pertena
religiosa?
47 Jorge GMEZ, fi Crescimiento y la Desercin en la iglesia evanglica costarricense.
Numen: revista de eS[Ud05 e pesquisa da religi!O, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimento dos sem-religio
A pista que nos parece mais interessante - no por uma pos
svel capacidade racionalizante, mas pelo desenraizamento que
produz - a que relaciona o crescimento evanglico e a conse
qente pluralizao do campo religioso com a intensificao do
processo de secularizao em nosso pas. Como salientou An
tnio Flvio Pierucci, "pluralismo religioso no apenas resulta
do, mas fator de secularizao crescente",48 esse "revivalreligio
so" experimentado no Brasil favorece o desenraizamento dos
indivi'duos da cultura tradicional (no caso catlica) o que acaba
por fortalecer o aumento dos que se definem como sem-reli
gio. As pessoas percebem que possvel a mudana e se abrem
avirtualidade de se quebrar vrios cdigos sociais, de se romper
com a tradio. Dado o primeiro passo, as conseqncias se
apresentam de forma variada, viabilizando potencialmente a
negao de pertena religiosa, pois a mudana religiosa signifi
ca "romper com a prpria biografia".49
O Rio de Janeiro o estado brasileiro mais secularizado. Se o
percentual nacional de pessoas que se declararam "sem reli
gio" no censo de 199 1 de 4,7%, no Rio de Janeiro esse
nmero alcana 13,7% da populao carioca. Na regio da Bai
xada Fluminense (Duque de Caxias, Nilpolis, So Joo de Meriti
e Belford Roxo) grandes cidades dormitrios ganharam notorie
dade por sua violncia, pobreza e mais recentemente pela ativa
ao religiosa efetivada pelos evanglicos - a relao templos/
10.000 habitantes trs vezes maior do que na Zona Sul do
Rio de Janeiro ou o dobro em relao Zona Norte/Subrbi
OS.50 Confirmando essa presena, o censo de 1991 aponta que
16% de seus habitantes se define como evanglico, praticamen
te o dobro dos 8,6% alcanados na mdia nacional.
Porm o dado mais surpreendente para uma regio com alta
presena de fiis e de igrejas evanglicas, alm de uma Igreja
Catlica fundamentada na ativa e participativa experincia das
Comunidades Eclesiais de Base e de uma religiosidade
afrobrasileira estabelecida de forma significativa (no censo 2,1 %
dos moradores da Baixada declararam pertencer a Umbanda ou
ao Candombl, a mdia nacional de 0,4%!) o percentual de
48 PIERUCCI, Reencantamento e dessecularizao, p. I 15.
49 PIERUCCI, PRANDI, A realidade sociaL, p. 18.
50 FERNANDES, Governo das almas, p. I 71.
Numen; revista de estudos e pesquisa da religio, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
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pessoas "sem religio": 19,51 %. Praticamente a cada cinco pes
soas que transitam pelas ruas de Duque de Caxias ou Nilpolis,
p. ex., voc encontrar uma que nega qualquer filiao religiosa
apesar de viver numa sociedade que aparentemente estaria imersa
num sistema cognitivo marcado pelo sagrado.
Como se- d essa evaso religiosa seno por meio das expli
caes que nos oferecem a teoria da secularizao? Os dados
da Tabela 4 caminham nesse sentido, onde os trs primeiros
estados com maior percentual de "sem religio" so tambm os
trs maiores em nmero de evanglicos:
Tabela 4
Estados com maior percentual de Evanglicos
e de "Sem religio" (%)
Estado Evanglicos Sem Religio
Rondnia 20,6 6,92 (2)'
Esprito Santo 17,2 6,03 (3)
Rio de Janeiro 12,1 13,74 (I)
Gois 11,3 5,16 (7)
Rio Grande do Sul 10,8 2,92(17)
Mdia Nacional 8,56 4,73
Fonte: Censo Demogrfico, IBGE (t 991). '0 nmero entre parnteses indica a colocao do
Estado no ranking dos "sem religio".
No Rio Grande do Sul, regio de colonizao alem, ocorre
uma forte presena do luteranismo, desempenhando ele pr
prio - juntamente com o catolicismo - o papel de religio tradi
cional. Esse ainda o nico estado em que os evanglicos
pentecostais no ultrapassaram os histricos em nmero de
membros. Assim, com o desenvolvimento do pentecostalismo
nessa regio e a conseqente ruptura da tradio luterana esta
r formado o quadro que provavelmente permitir um maior
desenvolvimento dos "sem religio".
O "ruim" desempenho do estado no que se refere aos "sem
religio" parece confirmar a relao entre o pluralismo religioso
- que no caso brasileiro alavancado pelo crescimento evang
lico - e o processo de secularizao. Relao central que deve
figurar na reflexo contempornea da sociologia da religio, onde,
como salienta Pierucci, devemos "entender o processo de secu-
Numen: revista de esrudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. J, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Positiva e o crescimento dos sem-religj30
larizao como a passagem de uma situao de monoplio
ou-hegemonia de uma nica religio para um cenrio diversifi
cado de pluralismo religioso plenamente aceito e definitiva
mente instalado",51
Concluso
A situao descrita neste texto aponta a existncia do que de
nominamos como uma Nova Era evanglica, tambm tratamos
da relao entre o crescimento evanglico (pluralismo religioso)
e a intensificao do processo de secularizao no Brasil. Esses
trs elementos se unem ao considerarmos o que denominei - a
partir de Jos Bandeira da Silveira (1996) - em outro trabalho
de uma "religiosidade de uma sociedade de comunicao", que
possui como conseqncias de um pesado investimento na mdia
a transformao dos fiis em "consumidores, que usam da reli
gio enquanto lhes til. No momento em que isto no mais
ocorrer, simplesmente saem busca de novas opes no dispu
tado mercado religioso",52 Religiosidade formada dentro dessa
realidade pluralista em decorrncia do processo de racionaliza
o
53
e que foi apontada por Reginaldo Prandi como "religio
paga", servindo como referncia para a teoria da secularizao:
5 1 PIERUCCI, Reencantamento e dessecularizao, p. I 16. Em seu estudo sobre modernizao
e religio na Amrica Latina Christian Parker caminha nesse sentido: "Em termos tendn
cias podemos dizer que a um maior impacto de um processo de urbanizao perifrico,
desigual e heterogneo, corresponde uma menor presso para manter os laos com a
religio catlica majoritria, um maior pluralismo religioso e ideolgico. Aumentam os
protestantes, outras religies e os no-crentes. Em todo caso, os dados consignados nos
levam a estabelecer, a ttulo de hiptese, que o processo 'secularizado!' provocado pela
urbanizao perifrica envolve uma transformao do campo religioso, quebrando o
monoplio do catolicismo e introduzindo novas opes religiosas" (Cf. Christian PARKER.
Religio popular e modernizao capitalista, p.92.)
52 FONSECA, Evanglicos e Mdia no Brasil, p. 213. Poderamos pensar, mutatis mutandis,
com Luiz Incio GAIGER. Entre as razes de crer eacrena na razo, p. 123 ss, quando trata
do processo de secularizao entre militantes catlicos do Movimento dos Sem-Terra (MST).
Gaiger aponta uma relao "puramente intrumental" com a religio, utilizada enquanto uma
"religio de circunstncia" que serviu como "elemento de impulso" nas prticas do MST.
Essa capacidade mobilizadora do religioso tambm foi encontrada por Regina NOVAES, Os
Escolhidos de Deus, ao estudar o pentecostalismo. nessa relao "puramente instrumen
ta'" com a religio que Gaiger identifica o espao para o avano da secularizao. No
exatamente essa a relao que o neopentecostalismo e sua "teologia da prosperidade"
estabelece com seus fiis? (Cf. FONSECA, Evanglicos e Mdia no Brasil, p. 143.)
53 Peter BERGER. O Dossel Sagrado, p. 149 ss.
Numen: revista de estudos e pesquisa da reiigi30, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
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Se enganam os que imaginam que vivemos um momento de grande
reflorescimento religioso, que nega a secularizao e leva a socieda
de, de novo, a entregar os pontos para o sagrado. A velha religio
como fonte de transcendncia para a sociedade como um todo foi
estilhaada, perdeu toda a utilidade. A religio que tomou o seu
lugar uma religio para causas localizadas, reparos especficos.
54
A religio passa a ser motivo de "escolha", "preferncia", marca
de uma sociedade moderna, que fragmentada e pluralizada abre
espao para a dvida e para a concorrncia. Se dentro de uma
sociedade s h um sistema de crenas, ele se torna um fato,
"realidade". No momento que so introduzidas opes, onde a
pluralizao permite opinies divergentes e complementares, a
religiosidade tradicional deixa de ser um fato e se torna mais
uma crena, entre as vrias disponveis, podendo mais cedo ou
mais tarde ser questionada.
55
Identificamos como esse o mo
mento da sociedade brasileira. At recentemente o catolicismo
era a nica forma religiosa realmente acessvel a todo o conjun
to da populao, o que com a intensificao de nossa socieda
de complexa foi se modificando no decorrer desse sculo. Pas
samos a experimentar uma efetiva diversidade religiosa que abre
espaos para dvidas e trnsitos. Inclusive permitindo que pes
soas se percebam como passveis de "no terem religio".
Algumas igrejas (de um amplo espectro de denominaes)
passaram a adotar um modelo religioso baseado em trocas e
fundamentado em marcos de uma Nova Era Evanglica: a Teolo
gia da Prosperidade e a Confisso Positiva. Igrejas que se tornaram
meios, instrumentos, para que desejos sejam alcanados. Da mes
ma forma que tomamos aspirina para uma dor de cabea pode
se ir a igreja para resolver problemas variados. O que muitos
parecem no perceber que com o tempo o "remdio" pode
perder o efeito e a pessoa sai em busca de outras opes. Enquan
to "d certo", funciona, participa-se. No momento em que no h
mais resultados muda-se de igreja local, denominao, religio ou
decide-se no mais ter religio. Se fato que esse modelo til
para atrair pessoas, tambm que ele invivel para mant-Ias.
Estariam, portanto, os evanglicos experimentando um cres
cimento que seria ele prprio, paradoxalmente, responsvel pela
54 PIERUCCI, PRANDI, A realidade social.., p. 273.
55 BRUCE, Religion in the Modem World, p. 45.
Numen: revista de estudos e pesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 63-90
Nova Era evanglica, Confiss30 Posiliva e o crescimento dos sem-religi:io
diminuio a mdio e longo prazo do religioso em nossa soci
edade? Parece-nos que sim, de um lado pelos motivos que nos
apontam os estudos que relacionam o processo de seculariza
o com o pluralismo religioso e, por outro lado, pela adoo
pelos evanglicos de uma religio que se configura a partir de
valores mais ligados magia do que a um comportamento ti
co. Uma religiosidade consonante com um mundo des-divinizado,
que prescinde at mesmo do uso da prpria palavra religio e que
tem na Nova Era e na sua centralidade do eu sua principal marca.
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