Apostila TF

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MINISTRIO DA EDUCAO UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN Curso de Qumica

Material bsico de apoio e estudo da disciplina:

TECNOLOGIA DAS FERMENTAES

Prof. Dr. Mrio A. A. da Cunha Pato Branco 2010

ndice
1. 1.1 1.3 1.4 1.5 1.6 2 2.1 2.2 2.3 2.4 3 3.1 4 4.1 5 6 7 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 8 8.1 8.2 8.3 8.4 INTRODUO........................................................................................................................................ Introduo a Tecnologia das Fermentaes............................................................................................... 1.1.1 Histrico das Fermentaes............................................................................................................. Importncia dos Processos Fermentativos................................................................................................. 1.3.1 Campos de Aplicao da Fermentao Industrial........................................................................... Biotecnologia............................................................................................................................................. Processo Fermentativo Genrico............................................................................................................... Microrganismos de Interesse Industrial..................................................................................................... METABOLISMO MICROBIANO........................................................................................................... Metabolismo Anaerbico.......................................................................................................................... 2.1.1 Gliclise (Via Embden-Meyerhof-Parnas)....................................................................................... Fermentao............................................................................................................................................... 2.2.1 Fermentao de Carboidratos......................................................................................................... Vias Alternativas de Utilizao da Glicose............................................................................................... Metabolismo Aerbico (Respirao Celular) ........................................................................................... 2.4.1 Ciclo de Krebs.................................................................................................................................. 2.4.2 Cadeia de Transporte de Eltrons e Fosforilao Oxidativa........................................................... NUTRIO MICROBIANA.................................................................................................................... Matrias-primas para Composio de Meios Fermentativos Industriais................................................... CULTIVO MICROBIANO....................................................................................................................... Meios Sintticos e Meios Complexos....................................................................................................... ISOLAMENTO DE MICRORGANISMOS EM CULTURAS PURAS.................................................. TCNICAS DE CONSERVAO DE MICRORGANISMOS VIVEIS EM LABORATRIO......... MTODOS PARA A QUANTIFICAO DO CRESCIMENTO MICROBIANO................................ Determinao do Peso (massa) Seco......................................................................................................... Turbidimetria............................................................................................................................................. Determinao Qumica de Componentes Celulares.................................................................................. Contagem do Nmero Total de Indivduos............................................................................................... Contagem de Microrganismos Viveis...................................................................................................... PROCESSOS FERMENTATIVOS.......................................................................................................... Fatores que Influem na Velocidade de Crescimento................................................................................. Estudo Cintico dos Processos Fermentativos.......................................................................................... Parmetros de Transformao................................................................................................................... 8.3.1 Fatores de Converso....................................................................................................................... Tipos de Fermentao................................................................................................................................ 8.4.1 Tipo 1 Associada........................................................................................................................... 8.4.2 tipo 2 Semi-Associada................................................................................................................... 8.4.3 Tipo 3 No Associada.................................................................................................................... FORMAS DE CONDUO DOS PROCESSOS FERMENTATIVOS.................................................. Fermentaes Descontnuas...................................................................................................................... 9.1.1 Fermentao Descontnua Alimentada............................................................................................ Fermentao Semicontnua........................................................................................................................ Fermentao Contnua............................................................................................................................... PRINCIPAIS PROCESSOS FERMENTATIVOS.................................................................................... Fermentao Alcolica.............................................................................................................................. 10.1.1 Histrico da Fermentao Alcolica............................................................................................. 10.1.2 Generalidades................................................................................................................................. 10.1.3 Matrias-primas para Produo de Etanol por Fermentao....................................................... 10.1.4 Processo Industrial de Produo de Etanol por Fermentao...................................................... Fermentao Ltica.................................................................................................................................... 10.2.1 Produo de cido Ltico por Fermentao................................................................................. 10.2.2 Fermentao Ltica de Vegetais.................................................................................................... Fermentao Actica................................................................................................................................. 10.3.1 Vinagre........................................................................................................................................... 10.3.2 Microbiologia da Fermentao...................................................................................................... 10.3.3 Processo de Fabricao (Acetificao)......................................................................................... 3 3 3 8 8 9 10 12 24 27 27 30 31 33 33 33 35 36 38 40 42 46 52 53 53 53 54 54 56 57 61 66 68 68 69 69 70 70 71 72 75 77 78 83 83 83 84 85 86 91 92 96 99 99 102 102

9 9.1 9.2 9.3 10 10.1

10.2 10.3

1. INTRODUO 1.1 Introduo a Tecnologia das Fermentaes 1.1.1 Histrico das Fermentaes A fermentao foi um dos fenmenos que mais intrigou os pesquisadores de todas as pocas, ao longo da histria da humanidade. Na tentativa de melhor compreender esse processo fascinante, conseguiu-se obter importantes avanos, que ajudaram a humanidade a conhecer melhor sua natureza e a utilizar seus maravilhosos efeitos em seu benefcio, de forma mais racional. Na infncia do mundo, o ser humano descobriu que podia aproveitar reaes que ocorriam espontaneamente na natureza para tornar sua vida melhor e mais agradvel. E cedo, muito cedo, passou a utilizar, em seu benefcio, os efeitos surpreendentes e, durante muito tempo, utilizou os processos fermentativos para conservar alimentos e preparar bebidas. Assim, com os animais da floresta, bebedores da seiva doce que exsudava do tronco de algumas rvores na primavera, os habitantes das cavernas aprenderam a consumir aquele lquido vegetal fresco, doce e nutritivo, que podia sofrer transformaes. Desde a era pr-histrica, sabia-se, tambm, que a carne dos animais deveria ser consumida dias depois do abate, porque essa prtica melhorava seu paladar. O mesmo deve ter acontecido com alguns cereais que cresciam naturalmente nos campos e com certos frutos. Aos poucos, os povos primitivos verificaram que, quando estavam muito maduros, os acares neles contidos se alteravam, e seu suco ganhava efeitos inebriantes, que os ajudavam no s a mitigar a sede, como a suportar temperaturas mais baixas do inverno. Ao abandonar a vida nmade para iniciar as atividades agrcolas e a criao de animais, h cerca de 10 000 anos, a necessidade de guardar alimentos se tornou fundamental para os humanos. Dessa forma, os mtodos de conservao evoluram, por meio de incessantes observaes e experincias. Diversas frutas e vegetais passaram a ser parcialmente desidratados. Outras sofriam salga, e eram deixados para fermentar, dando origem a um produto cido, agradvel ao paladar. O leite ordenhado era guardado em vasilhames, onde sofria transformaes que

permitiam seu armazenamento por mais tempo, possibilitando o desenvolvimento de variadas tcnicas de preparo de queijos e coalhadas. Sabe-se que os povos que viviam no passado, em terras australianas, cultivavam uma espcie de inhame, obtendo grandes colheitas. Para guard-las por longos perodos, a fim de que durassem, pelo menos, at os frios meses do inverno, costumavam coloc-las sob montculos de terra, relva e pedra vulcnica. Permanecendo, assim, por algum tempo, o gosto e a textura desse alimento se modificavam, e podia at adquirir maior valor nutritivo, sem apresentar sinais de decomposio. Mesmo sem entender muito bem o que se passava, esses povos estavam usando a fermentao. As mudanas que ocorriam naturalmente no trigo levaram fabricao do po. A moagem primitiva do trigo e de outros gros resultava em uma espcie de mingau grosso. Acidentalmente, descobriu-se que, da combinao daquela massa com certos resduos orgnicos, depositados nas pedras quentes, onde ela era assada, surgia um produto mais consistente, volumoso e saboroso. A fabricao do po uma tradio milenar dominada pelos povos orientais, muito antes de chegarem ao Ocidente. Sabe-se que os povos da Mesopotmia e, depois, do Egito conheciam, h pelo menos 6 000 anos, a tcnica do preparo desse produto. Eles utilizavam a espuma formada nos barris destinados fabricao de cerveja para fazer o po crescer. Cenas de panificao tambm foram encontradas em murais, nas runas de Menfis, h 3000 anos a.C. Grandes consumidores de vinho, os romanos antigos conheceram vrias tcnicas para obter o fermento de panificao. Eles usaram o levedo selvagem, que flutuava no ar, ou aquele que aparecia naturalmente nas cascas das uvas. Mas no se conseguia, ainda, entender o que estava acontecendo de fato, porque os minsculos seres responsveis pela maravilha eram invisveis a olho nu. Os romanos sabiam, ao certo, que o fenmeno era um mistrio extraordinrio, um processo notvel, e as palavras usadas para design-lo comprovam esse fato. O verbo fermentar derivado da palavra latina fervere. A palavra latina fervere significa etimologicamente o estado de ebulio, relativo condio de borbulhamento gasoso (aparecimento de bolhas devido produo de dixido de carbono pela ao das leveduras sobre sucos, caldos de frutas ou de cereais). No sentido tecnolgico, significa todo processo em que atuam microrganismos, controlados pelo homem, sobre substratos orgnicos atravs de suas enzimas, produzindo determinadas substncias de utilidade para o homem. Essas substncias ou produtos de 4

fermentao vo desde alimentos modificados e bebidas alcolicas, a outros produtos industriais, como solventes, cidos orgnicos, steres, aminocidos, polissacardeos, enzimas, vitaminas, antibiticos e hormnios. Do ponto de vista bioqumico, uma manifestao fisiolgica da clula viva. Corresponde gerao de energia pelo catabolismo de compostos orgnicos, sem a participao de oxignio como aceptor final de eltrons. um termo que denota a degradao anaerbica da glicose ou de outros nutrientes orgnicos em vrios produtos (caractersticos para os diferentes organismos) para obter energia na forma de ATP. Os microrganismos realizam a fermentao com o objetivo de produzir energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP) para as necessidades de crescimento celular e manuteno celular. O uso de professos fermentativos pelo homem bastante remoto e transcende, em muito, o incio da era crist. Na antiguidade o homem, mesmo que inconscientemente, j fazia uso de microrganismos. Documentos da histria antiga revelam que o homem j conhecia a arte de fabricar po, cerveja, vinho e iogurte: Produo de vinho: 10.000 a.C., provavelmente o vinagre tenha sido descoberto na mesma poca; Cerveja: 5.000 6.000 a.C, os Egpcios deixavam a cevada germinar em potes de barro, amassavam os gros e deixavam fermentar para a obteno da bebida. Mais tarde por volta de 2.000 a.c, passaram a utilizar ainda as leveduras produzidas no processo de obteno da cerveja para o crescimento do po. Os chineses h mais de 3000 anos utilizavam coalhada mofada de feijo-soja para curar infeces da pele; Os habitantes primitivos da Amrica Central empregavam fungos para o tratamento de feridas infeccionadas; Entretanto, nos primrdios dos tempos no eram conhecidos os agentes causadores das fermentaes. Somente no sculo dezessete, o pesquisador Antonie Van Leeuwenhock (um dos precursores no uso do microscpio) atravs da visualizao em microscpio de gotas de cerveja fermentada (1680), descreveu a existncia de seres to minsculos que eram invisveis a olho nu. Somente 200 anos mais tarde, em 1857 Louis Pasteur, aps investigaes detalhadas sobre as leveduras da cerveja e do vinho, concluiu que a causa das fermentaes era a ao desses seres minsculos, os microrganismos, caindo por

terra a teoria, at ento vigente, que a fermentao era um processo puramente qumico. Pasteur concluiu que as leveduras vivas fermentavam o acar, transformando-o em etanol e CO2 quando em anaerobiose. Os estudos realizados por Pasteur permitiram verificar que a fermentao alcolica estava sempre associada ao crescimento de leveduras, mas que se estas fossem expostas a maiores quantidades de oxignio produziam (em vez de lcool e dixido de carbono) gua e dixido de carbono. Destas observaes, Pasteur concluiu que a fermentao o mecanismo utilizado pelos seres vivos para produzir energia na ausncia de oxignio. Obs.: A sugesto de que a fermentao alcolica era causada por levedura, isto , por seres vivos, j havia sido feita por outros pesquisadores, como Thenard, Charles De La Tour, Schwan e Ktzing, os quais sofreram forte oposio por parte de qumicos influentes da poca, como Liebig, Berzelius e Whhler que admitiam ser aquele processo estritamente qumico. Em 1881, Robert Kock (maior bacteriologista de todos os tempos) estudou e desenvolveu tcnicas de cultivo puro assim como outros mtodos bacteriolgicos clssicos utilizados at hoje. O desenvolvimento da metodologia de cultivos puros por kock proporcionou o surgimento de tcnicas que permitiram estudar as aplicaes industriais de espcies microbianas individuais, iniciando-se o emprego de cultivos puros, meios esterilizados e condies asspticas nas fermentaes industriais. Foi ainda Pasteur que provou que cada tipo de fermentao era realizado por um microrganismo especfico e que estes podiam viver e se reproduzir na ausncia de ar. Em 1901 Rudolf Emmerich e Oscar Low, isolaram a Piocianase, o primeiro antibitico do mundo (produzido por Pseudomonas aerugionosa). Diversos pacientes foram tratados com xito por este antibitico, porm, a ausncia de controle de qualidade conduzia desuniformidade dos lotes. No existiam tcnicas para garantir que cada lote produzido da substncia pudesse ser igualmente efetivo causando insucesso em alguns casos, o que acarretou seu abandono; Em 1923, Pfizer inaugurou a primeira fbrica para a produo de cido ctrico por via fermentativa. O processo envolvia uma fermentao utilizando fungo Aspergillus niger, pelo qual acar era transformado em cido ctrico.

Em 1928, a descoberta acidental de Alexander Fleming deu origem a Penicilina, o primeiro antibitico realmente efetivo. A produo de antibiticos foi o grande marco de referncia na fermentao industrial. As primeiras plantas industriais a utilizarem tecnologia de fermentao foram as fbricas de cerveja. No entanto, foi s no final do sculo XIX e incio do sculo XX que essa tecnologia passou a ser gradativamente utilizada, tanto na indstria de bebidas e alimentos, como na indstria qumica. Paradoxalmente, foram as grandes guerras mundiais que motivaram a produo em escala industrial de produtos advindos de processos fermentativos. A indstria qumica, no incio do sculo XX, iniciou a produo de solventes orgnicos. S no incio do primeiro grande conflito mundial as necessidades de acetona na produo de explosivos estimularam substancialmente a pesquisa no potencial da tecnologia de fermentao. A carncia de munies sentida pelo exrcito britnico fez com que Chaim Weizmann utilizasse milho maltado para produzir acetona por fermentao, a qual essencial na fabricao do explosivo cordite. Essa fermentao contribuiu para o desenvolvimento dos fermentadores industriais e tcnicas de controle de infeces. A partir da primeira guerra, a Alemanha, que necessitava de grandes quantidades de glicerol para a fabricao de explosivos, desenvolveu atravs de Neuberg, um processo microbiolgico de obteno desse alcool, tendo chegado a produzir 1.000 toneladas do produto por ms. Dois elementos vitais deram incio a era da Tecnologia de Fermentaes Industriais: o emprego de fungos filamentosos e leveduras na modificao de alimentos e bebidas e os estudos microbiolgicos pioneiros de louis Pasteur e Robert kock. O desenvolvimento de fermentaes em superfcie ou semi-slidas surgiu com o desenvolvimento de alimentos orientais e durante as grandes navegaes. O cultivo de algas e leveduras deu incio ao processo industrial de obteno de protenas alimentcias microbianas (protenas de organismos unicelulares). A produo de vinagre e os estudos de Pasteur sobre a produo de cidos abriram caminho para o desenvolvimento de fermentaes que produzem cidos orgnicos.

1.3 Importncia dos Processos Fermentativos Atualmente as fermentaes no esto restritas apenas obteno de alimentos e bebidas fermentadas como, por exemplo, picles, chucrute, coalhadas, queijos, molhos, temperos, etc. Mas tambm a produo de produtos qumicos, atravs da biossntese, em contrapartida quimiossntese. A indstria farmacutica produz hoje, em escala crescente, antibiticos, vitaminas, aminocidos, substncias carotenides (provitaminas), esterides modificados (hormnios), entre outros. Outro campo de emprego dos bioprocessos inclui o biotratamento de resduos agroindustriais, efluentes industriais e domsticos. Solos contaminados por componentes qumicos txicos podem ser submetidos a processos biolgicos de remediao, os quais podem permitir eficiente detoxificao do ambiente. 1.3.1 Campos de Aplicao da Fermentao Industrial Alimentos e Bebidas PRODUTO Queijos Iogurtes e Leites Fermentados Manteigas Bebidas alcolicas (cervejas, aguardentes, vinhos, espumantes, sidra) Produtos de Panificao (fermento e enzimas) Vegetais fermentados (picles, azeitonas, chucrute) Carnes fermentadas (salames, lingias) Vinagre Cacau Ch Soja fermentada Protena microbiana Desenvolvimento de sabores e aromas Enzimas (proteases, amilases, glicose oxidase) MICRORGANISMOS Fungos e bactrias Bactrias lticas Bactrias lticas Leveduras alcolicas Levedura alcolica e bolores Bactrias lticas Bactrias lticas Bactrias acticas Leveduras e bactrias Enzimas oxidades (polifenoloxidase) Bolores, leveduras e bactrias Bolores, leveduras e bactrias Bolores Bactrias e fungos

Nas Indstrias Qumica e Farmacutica PRODUTO Solventes cidos orgnicos Aminocidos Enzimas Vitaminas Antibiticos Polissacardeos / Gomas Poliesteres Bioinseticidas (controle biolgico de pragas) EXEMPLOS Etanol (carburante), acetona, butanol, isopropanol cidos ctrico, ltico, actico, glucnico Glutmico, lisina, triptofano Amilases, proteases, lpases, pectinases, lactase, celulase, etc. C cido ascrbico, vitamina B-2 riboflavina, B12 cianocobalamina, -caroteno Penicilinas, estreptomicina, tetraciclinas Goma xantana, gelana PHAs, PHB Bacillus

Os avanos cientficos conquistados pelo homem proporcionaram grande evoluo dos processos fermentativos, os quais fazem parte hoje de um campo mais amplo que a Biotecnologia. 1.4 Biotecnologia A Biotecnologia uma rea de conhecimento tecnolgico de carter multidisciplinar, que abrange diferentes campos do conhecimento: qumica, fsica, biologia, microbiologia e engenharia. Embora a palavra biotecnologia tenha sido usada pela primeira vez em 1919 por um engenheiro agrcola da Hungria (Karl Ereky), o crescimento dessa rea somente ocorreu a partir da dcada de 70 com o desenvolvimento da tecnologia do cido desoxirribonuclico (DNA) recombinante. Na literatura podem ser observadas diferentes formas para definir o termo biotecnologia. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), em seu Programa Nacional de Biotecnologia, definiu biotecnologia da seguinte forma: A utilizao de sistemas celulares para obteno de produtos ou desenvolvimento de processos industriais. Podemos definir biotecnologia, sob o aspecto tecnolgico, como a aplicao controlada de agentes biolgicos em operaes tcnicas para produo de bens e servios. A integrao de tcnicas e tratamento multidisciplinar, que buscam solues para viabilizar a produo de bioprodutos em escala comercial, vem sendo denominada de Biotecnologia Industrial. Podemos dizer que a biotecnologia consiste na aplicao em

grande escala dos avanos cientficos e tecnolgicos, a partir de organismos vivos (clulas e/ou molculas) para produo racionalizada de substncias, que resultam em produtos comercializveis. A biotecnologia encontra muitas aplicaes importantes em diferentes reas de atividades: agricultura, pecuria, sade, preservao do meio ambiente e indstria. Suas aplicaes na indstria constituem o objetivo primordial da Biotecnologia Industrial. A figura abaixo uma representao grfica da localizao da Biotecnologia Industrial e de sua interao com outros ramos do conhecimento.

Figura 1. Representao grfica da localizao da Biotecnologia Industrial e de sua interao com outros ramos do conhecimento (Fonte: Coleo Biotecnologia Industrial. 1. Edio, 2001)

1.5 Processo Fermentativo Genrico

Figura 2. Esquema de um processo fermentativo genrico

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O crescente interesse pelos processos biotecnolgicos de produo , em parte, justificado pela possibilidade de produo de compostos de interesse atravs de uma tecnologia considerada limpa, uma vez que os resduos gerados por estes processos comumente so resduos de baixa toxicidade e de tratamento relativamente fcil. Outros pontos positivos so a possibilidade de menor gasto energtico no processo, visto que no so empregadas condies de elevadas temperaturas e presses. Alm da possibilidade de uso de resduos ou subprodutos agrcolas ou agroindustriais como matrias-primas, fato que em pases com uma elevada atividade agrcola e agroindustrial, como o Brasil, bastante relevante. O sucesso de determinado processo fermentativo est diretamente associado a quatro fatores bsicos: o microrganismo empregado no processo, a composio do meio de cultivo, a forma de conduo do processo e as etapas de recuperao do produto (downstream).

A. Microrganismo: O microrganismo desempenha papel fundamental em um processo fermentativo industrial, uma vez que o agente transformador do sistema, responsvel pela converso de determinado substrato em produto de interesse. importante que o microrganismo empregado no processo apresente algumas caractersticas como: Ser eficiente na converso do substrato em produto; Tolerar altas concentraes do produto no caldo fermentado; No produzir substncias incompatveis com produto da bioconverso; Comportamento fisiolgico estvel (constante); No ser patognico; No exigir condies de processo muito complexas; No exigir meios de cultura caros;

B. Composio do Meio de Cultivo A composio do meio de cultivo est diretamente correlacionada com o microrganismo envolvido no processo. O sucesso de uma fermentao depende tanto das caractersticas do microrganismo como da composio do meio, uma vez que o meio deve

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fornecer ao microrganismo os elementos necessrios ao seu bom desenvolvimento e desempenho na bioconverso. Algumas caractersticas necessrias do meio de cultivo incluem: Apresentar baixo custo; Atender as necessidades nutricionais do microrganismo; Auxiliar no controle do processo; No contribuir para problemas de recuperao do produto; No sofrer degradao durante esterilizao; No causar dificuldades no tratamento final do efluente.

C. Forma de Conduo do Processo A forma de conduo do processo tambm tem grande influncia no sucesso da converso. Os diferentes sistemas fermentativos (descontnuo, descontnuo alimentado, semicontnuo, contnuo) e configuraes de biorreatores (STR, coluna de bollhas, air-lift, plug-flow, leito fixo, leito fluidizado, reatores de membrana, hollow-fiber, reatores de bandejas, tambor rotativo) existentes contribuem para o desempenho global dos processos fermentativos.

D. Etapas de recuperao do produto (downstream) As operaes de recuperao do produto (operaes de downstream) so, na maioria das vezes, responsveis por grande parte dos custos do processo. Para a produo de produtos de elevado valor agregado como antibiticos, enzimas, insulina, hormnios de crescimento, vitaminas as operaes de downstream podem corresponder a 50 ou 70 % do custo do produto final.

1.6 Microrganismos de Interesse Industrial Os produtos de relevncia comercial oriundos das fermentaes industriais podem ser agrupados em 4 categorias: clulas microbianas, molculas grandes como enzimas e polissacardeos, produtos bsicos e metablitos secundrios os quais so importantes para o crescimento celular. A indstria dos bioprocessos emprega principalmente espcies de

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bactrias, algas, fungos filamentosos e leveduras, ainda que os avanos recentes no desenvolvimento de tcnicas de cultivos tenham permitido a utilizao de clulas mais complexas nos processos de fermentao. Na natureza existem duas classes principais de clulas, ambas utilizadas nos processos de fermentao industrial. So elas as clulas procariontes (clulas bacterianas) e clulas eucariontes (leveduras, fungos filamentosos, clulas animais e vegetais). As clulas eucariticas (clulas com ncleo com membrana): Apresentam ncleo delimitado por uma membrana (envoltrio nuclear) e uma organizao celular mais complexa que as procariticas, apresentando estruturas organizadas (organelas: mitocndrias ou cloroplastos, retculo endoplasmtico, complexo de golgi e lisossomo) (Figura 3A). As clulas procariticas (clulas sem ncleo com membrana): So geralmente menores que as clulas eucariticas, com dimenses entre 0,25 x 1,2 m a 1,5 x 4 m. No apresentam compartimentos membranares no seu interior. O material gentico est disperso no citoplasma. Possui uma organizao mais simples que as eucariticas, no apresentando organelas (mitocndrias, retculo endoplasmtico, complexo de golgi e lisossomo) que so compartimentos internos envoltos por membranas, e que caracterizam a clula procaritica (Figura 3B).

Figura 3. Estruturas celulares: Eucaritica (A) e procaritica (B)

Os microrganismos tambm se diferenciam em funo de suas exigncias de oxignio, podendo desenvolver-se na presena ou na ausncia de oxignio. Com relao a sua exigncia em relao oxigenao dividem-se em estritamente aerbios, como a Pseudomonas aeruginosa e a maioria dos fungos filamentosos, que podem desenvolver-se unicamente em presena de O2. Os estritamente anaerbios como o Clostrdium tetani, que

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unicamente podem crescer na ausncia de O2, os microrganismos facultativos (anaerbios facultativos), entre eles as leveduras industriais, que podem crescer em situao de aerobiose e anaerobiose. H ainda, os microaerfilos, que crescem somente em condies de baixa disponibilidade de oxignio e os aerotolerantes (anaerbios aerotolerantes) que suportam a presena de O2, embora no o utilizem como aceptor final de eltrons. Cerca de 90 % do oxignio consumido pelos microrganismos aerbios so utilizados como aceptor final da cadeia de transporte de eltrons, resultando na formao de H2O; os 10 % restantes tomam parte em reaes catalisadas por enzimas do tipo oxidases ou oxigenases, que usam O2 como substrato. O metabolismo oxidativo gera continuamente espcies de oxignio apenas parcialmente reduzidos, extremamente reativas, capazes de atacar qualquer composto orgnico e, portanto, extremamente txicas. As espcies ativas de oxignio formadas pela reduo parcial de O2. A reduo completa, com a transferncia de quatro eltrons, leva a formao de gua. O2 + 1 eO2 + 2 e O2 + 3 e
-

O2

(radical superxido) (radical hidroxila)

H2O2 (perxido de hidrognio)


OH

O2 + 4 e -

H2O gua

Nos organismos aerbios esto presentes vrias enzimas incumbidas do processo de eliminao destas espcies ativas de oxignio. O radical superxido pode ser eliminado pela ao seqencial de duas enzimas, a superxido dismutase e a catalase, que catalisam as seguintes reaes:
O2 -

+ O2- + 2 H+ H2O2 + O2 (catalisada pela superxido dismutase) 2 H2O2 + O2 (catalisada pela catalase)

2 H2O2

As superxido dismutases so encontradas em todos os organismos aerbios, mas esto ausentes nos anaerbios obrigatrios. Ainda mais, mutantes de bactrias aerbias facultativas, ao tornarem-se capazes de sintetizar superxido dismutase, convertem-se em anaerbios estritos. Em algumas espcies microbianas altas tenses de oxignio podem inibir a superdixo dismutase. Este provavelmente o motivo pelo qual bactrias microaerfilas s se desenvolvem em ambientes com baixas concentraes de oxignio. Os microrganismos podem ser encontrados no solo, no ar, oceanos, pele, trato digestivo dos animais, na superfcie das folhas, nas frutas, etc. estimado que a massa 14

microbiana total seja 25 vezes superior massa total da vida animal. Os animais transportam enormes populaes microbianas, por exemplo, o corpo humano tem cerca de 10 bilhes de clulas e cerca de 100 bilhes de microrganismos. Embora os microrganismos sejam, muitas vezes, lembrados como inimigos (patognicos), apenas uma pequena parcela est relacionada a doenas no homem. A maioria so benficos e muitos so utilizados em processos industriais. As bactrias utilizadas nos processos fermentativos so principalmente

quimiorganotrficas, isto , podem obter sua energia e seu carbono por oxidao de compostos orgnicos. So microrganismos unicelulares, procariticos e, portanto, carecendo de membrana nuclear e outras estruturas observadas em eucariticos. So divididas em dois grupos as Eubactrias e as Arqueobactrias. As arqueobactrias se assemelham s eubactrias, quando observadas por meio de um microscpio. Entretanto, existem diferenas importantes com relao a sua composio qumica, atividade e ao ambiente em que se desenvolvem. Muitas arqueobactrias so encontradas em abientes inspitos, como em guas com elevado teor salino (ex. mar vermelho), em locais de elevada temperatura (fontes termais, bases de vulces) e em meios com elevada acidez. As arqueobactrias dividem-se em trs grupos principais: metanognicos (eliminam metano a causa da sua respirao), haloflicos extremos (vivem em ambientes muito salinos -Great salt lake, Utah; Mar morto), termoflicos extremos (habitam guas quentes e sulfurosas como fontes termais). As clulas bacterianas variam em tamanho dependendo da espcie, mas a maioria tem aproximadamente de 0,5 a 1 m em dimetro. A relao da rea de superfcie de uma bactria e seu volume extremamente alta. Isto significa que existe uma grande superfcie atravs da qual os nutrientes podem entrar em relao a um pequeno volume de substncia celular a ser alimentada. Isto explica, em parte, a alta taxa de metabolismo e crescimento. Quanto forma, a maioria das bactrias podem ser classificadas em trs grupos bsicos: Cocos, Bacilos e espirilos. Podem agrupar-se em pares, grupos ou cadeias e reproduzem por fisso binrias (em sua maioria). Nutrio auttrofa, hetertrofa ou por fotossntese (cianobactrias) e podem apresentar apndices mveis chamados flagelos.

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Figura 4. Morfologia das bactrias

As bactrias esto aptas a viver em ambientes com concentrao de solutos muito menores que as do seu citoplasma graas presena de um envoltrio rgido, a parede celular. Esta estrutura vital capaz de suportar presses da ordem de 5, Kg.cm-2, podendo estar em contato direto com o meio ambiente. A parede celular bacteriana uma estrutura rgida que recobre a membrana citoplasmtica e confere forma s bactrias. Ela constituda por cido diaminopimrico (DPA), cido murmico e teicoico alm de aminocidos e lipdeos. Todos esses compostos esto reunidos para formar substncias polimricas complexas que por sua vez estruturam a parede celular. Uma macromolcula complexa denominada peptdeoglicana (tambm chamada de mucopeptdeo ou murena) forma a estrutura rgida da parede. Alm disso, a parede celular protege a clula, mantendo a presso osmtica intrabacteriana. As bactrias so agrupadas em dois grupos de acordo com a sua resposta a colorao de Gram (gram-positivas e gram-negativas). A resposta colorao de Gram est ligada a diferenas na composio e estrutura da parede celular. Gram-positivas: possuem uma quantidade maior de peptdeoglicano em sua parede celular, o que torna a parede dessas bactrias mais espessas e rgida do que a das Gramnegativas. Composta de protenas, lipdeos, peptdeoglicano e cidos teicicos (cadeia de polifosfato com resduos de ribitol e glicerol). Essas bactrias so sensveis a lizosima e sua parede constitui o local de ao de alguns antibiticos.

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Gram-negativas: a parede celular dessas bactrias menos espessa e ela sos mais complexas do que as gram-positivas por apresentarem uma membrana externa cobrindo a fina camada de peptdeoglicano. A membrana externa o que distingue as bactrias gramnegativas, servindo como uma barreira seletiva para a entrada e sada de algumas substncias da clula e podendo ainda causar efeitos txicos srios em animais infectados. A estrutura da membrana externa composta por fosfolipdeos, lipoprotenas e lipopolissacardeos (LPSs). Os lipopolissacardeos esto exclusivamente na camada externa da membrana, enquanto que os fosfolipdeos esto presentes quase completamente na camada interna. A poro lipdica do LPS tambm conhecida como endotoxina e pode atuar como veneno, causando febre, diarria, destruio das clulas do sangue e um choque potencialmente fatal.

Figura 5. Envelope gram-negativo e gram-positivo

Diversos grupos bacterianos tm importncia e so usualmente utilizados na indstria de fermentao:

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Grupo Bacteriano Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus casei, Bifidobacterium sp., Streptococus salivarius subsp thermophilus Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus Lactococcus, Leuconostoc, Lactobacillus, Streptococcus salivarius subsp. thermophilus,Propionibacteria, Brevibactria Streptococcus lactis, S. cremonis, S. paracitrovorus, S. diacetilacts Acetobacter aceti, A. pasteurianus, schtzenbachii e Gluconobacter oxydans A. xylinum, A.

Produto Biosintetizado Leite fermentado, acidfilo Iogurtes Queijos Manteigas, fragrncia de manteiga (S. cremonis) Vinagre, cido actico Hortalias e azeitonas fermentadas coalhadas, leite

Leuconostoc mesenteroides subsp. mesenbteroides, Lactobacillus plantarum, L. brevis, Pediococus acidilactici, Lactobacillus casei subsp.casei, Lactobacillus delbruekii subsp. lactis. Arthrobacter, Acinetobacter Bactrias cido-lticas Neisseria meningitides, Clostridium tetani, Mycobacterium tuberculosis Bacillus popilliae, B. moritae, B. thuringensis Rizhobium Propionibacterium Corynebacterium glutami Escherichia coli e Bacillus megaterium Streptomyces, Bacillus Xanthomonas campestris Agrobacterium radiobacter Leuconostoc mesenteride Clostridium Torolopsis mannitofaciens; Candida diddensis Blakeslae trispora Pseudomonas spp.; Sporobolomyces odorus; Kluyveromyces lactis; Trichoderma viride

Lipdeos, steres Conservao de forragens (silagem) Produo de vacinas (meningite, ttano, tuberculose) Controle biolgico de pragas (inseticida biolgico) Fixao de nitrognio no solo Cianocobalamina (vitamina B12) Glutamato monossdico, lisina Penicilina G Acilase Antibiticos Goma Xantana Polissacardeos termoestveis Dextrano Butanol, cido butrico, acetona Manitol, D-arabitol beta-caroteno (pigmento) steres de cido graxo (fragrncia de frutas); declactona (pssego), genariol (rosas); 6-pentil-2-pirona (coco)

Os fungos so seres eucariticos, heterotrficos, que no sintetizam clorofila, portanto no fazem fotossntese ou qualquer outro metabolismo auttrofo. No armazenam amido como material de reserva e sim glicognio e no tem celulose na parede celular, com exceo de alguns fungos aquticos. Podem ser encontrados no ar, solo, gua, vegetais e animais.

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Morfologicamente so divididos em bolores e leveduras, embora essa distino no tenha valor taxonmico. Pois ambas as formas podem ser encontradas num mesmo grupo de fungos. Alguns fungos filamentosos podem ser macroscpicos como o caso dos cogumelos comestveis, compreendidos no grupo dos basidiomicetos. Reproduzem-se sexuadamente ou assexuadamente. Neste ltimo caso, a reproduo pode ocorrer por fragmentao da hifa, ou por germinao de esporos. Em condues favorveis, o esporo absorve gua, aumenta de tamanho e germina emitindo um tudo germinal. Tais tubos se alongam por crescimento da extremidade distal e se tornam filamentos longos que se ramificam (cada filamento chamado hifa). Os bolores so constitudos por clulas multinucleadas que formam tubos chamados hifas; ao conjunto de hifas d-se o nome de miclio. As hifas podem ser contnuas ou septadas. Nas hifas no septadas o protoplasma corre livremente atravs dos filamentos e neste caso so chamadas de cenocticas. Quando crescidos em meio de cultura slido, produzem hifas vegetativas, ou nutritivas, que crescem para o interior do meio de cultura. Podem tambm produzir hifas areas ou de reproduo, e, neste caso, seu crescimento perpendicular ao meio. Estas hifas areas podem sustentar estruturas que contm esporos de reproduo, dentre eles os conidiforos, que contm externamente, em cadeia, esporos chamados conidisporos, ou os esporngiforos, que contm internamente os esporos chamados esporangiosporos. Outros tipos de esporos fngicos conhecidos so os artosporos, decorrentes da fragemntao de uma hifa, os blastosporos, formados a partir de um brotamento de uma clula de levedura, os clamidsporos, que possuem parede celular bem mais espessa que a das clulas vegetativas, os zigosporos, caractersticos de zigomicetos, e os ascsporos, caractersticos de ascomicetos. Miclio Vegetativo: parte que penetra no substrato, digerindo-o e absorvendo-o; Miclio Reprodutivo: responsvel pela produo de esporos; O miclio reprodutivo e seus esporos variam grandemente nas diferentes espcies de fungos e servem para classifica-los e identific-los. Os esporos fngicos tm uma importncia toda especial, pois alm de serem as formas mais freqentes de reproduo, so os principais veculos de disseminao. A

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maneira pela qual se formam e se dispem, constitui elemento importante na identificao, particular dos bolores.

Figura 6. Bolor em limo galego (A), po (B), hifas de fungo filamentoso em po (C) aparato de reproduo assexuada do Aspergillus Nger (D, E) com condiforo, filides e condeos

Figura 7. Penicillium notatum em placas com BDA

B A

Figura 8. Cogumelos comestveis (fungos pluricelulares): Letinula edode - Shitake (A), Agaricus blazei Cogumelo do Sol (B), Agaricus bisporus Champignon (C), Pleurotus ostreatus Shimeji (D)

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As leveduras so fungos geralmente unicelulares, de forma esfrica, elptica ou filamentosa e se reproduzem de forma assexuada (por gemulao ou diviso binria) ou sexuada. O tamanho varia de 1 a 5 m de dimetro a 5-30 m de comprimento. A levedura mais utilizada nos processos fermentativos industriais a Sacharomyces cerevisae, principalmente para produo de lcool e nas panificaes.

Figura 9. Leveduras isoladas em placa com BDA (A), clulas de levedura em gemulao (B), precipitado formado com clulas de levedura

Diversos fungos filamentosos e unicelulares (leveduras) tm importncia e so usualmente utilizados na indstria de fermentao:

Fungo Penicillium chrysogenum Aspergillus niger Saccharomyces cerevisae

Produto Penicilina G cido ctrico Bebidas alcolicas, etanol, produtos de panificao Invertase Queijos 6-pentil-2-pirona (coco) Amilase

Indstria Farmacutica Alimentos, Qumica Alimentos, Bebidas e Usinas de lcool Alimentos Laticneos Alimentos Qumica Panificao e

Aplicao medicamentos Acidulante, conservante Fermentao alcolica e preparao de panificados Mel artificial Saborizante, hidroltica Aromatizante ao

Saccharomyces cerevisae Pencillium roqueforti, P. camemberti Trichoderma viride Aspergillus Nger, A. oryzae, Mucor rouxi Aspergillus Nger, Mucor spp., Penicillium Aspergillus Nger, Rhizophus spp., Penicillium Aspergillus oryzae

Lipase Pectinase Protease

Laticneos, Qumica Alimentos Cerveja, Alimentos

Suplemento de farinha, preparao de massas, alimentos pr-cozidos, elaborao de xaropes Sabor ao queijo, produdos de limpesa Clarifcao de vinhos e sucos de frutas Impede que a cerveja fique turva ao esfriar, abranda as carnes

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Os vrus no tm estrutura celular alguma, possui o material gentico (DNA ou RNA) contido por uma camada de protena. No possuem atividade metablica e, portanto, no sintetizam protoplasma, nem crescem. Em conseqncia disto sua multiplicao no pode ser feita por um processo de diviso, como nos microrganismos celulares. Novos vrus so produzidos pelas clulas nas quais penetram, de acordo com as informaes contidas no seu cido nuclico. So agentes submicroscpicos que infectam as plantas, animais e vegetais. Os vrus bacterianos (bacterifagos) infectam os processos de fermentao de cepas microbianas e causam srios problemas, particularmente nos cultivos starter utilizados no processamento de alimentos.

Figura 10. Vrus: utilizam a maquinaria celular do hospedeiro para se auto-replicar

Clulas animais e clulas tambm podem ser utilizadas nos processos fermentativos industriais, principalmente para a produo de antibiticos e hormnios vegetais. Necessitam de um meio nutritivo e so sensveis a flutuaes de fatores externos como temperatura, pH, O2 e CO2 dissolvidos. Os microrganismos tm sido utilizados pelo homem em diferentes processos e de diferentes maneiras. Muitas substncias de considervel valor econmico so produtos do metabolismo microbiano. So empregados desde a produo industrial de materiais importantes incluindo, qumicos finos (farmacuticos) e aqueles produzidos em grandes quantidades que sero utilizados como matria-prima. Microrganismos que possam ter interesse industrial, podem ser obtidos basicamente das seguintes formas: 1. Isolado a partir de recursos naturais: microrganismos potencialmente produtores de compostos de interesse podem ser obtidos a partir de recursos naturais, como solo, gua, plantas, etc. A obteno de novas linhagens de interesse industrial a partir do

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meio ambiente, sempre foi uma atividade de grande relevncia que pode levar a descoberta de microrganismos produtores de novas substncias. um tipo de atividade que envolve grande trabalho experimental e custos relativamente elevados. 2. Aquisio a partir de colees de cultura: atualmente existem diversas colees de cultura espalhadas pelo mundo de onde podem ser adquiridas diferentes espcies de microrganismos. No entanto, de esperar que o microrganismo utilizado para a produo de uma dado antibitico (elevado valor econmico) no estar disponvel em colees de cultura. 3. Obteno de mutantes naturais: durante a etapa de proliferao das clulas de determinado microrganismo, h sempre uma pequena possibilidade de surgimento de mutantes naturais, os quais podem ser isolados e ensaiados objetivando a verificao de sua potencialidade de produo. 4. Obteno de mutantes induzidos: o surgimento de mutantes naturais de interesse prtico, poder significar o dispndio de muito tempo, razo pela qual prefere-se, h vrias, dcadas, lanar mo de mtodos que forcem o aparecimento de clulas mutadas, como o caso de submeter suspenses de clulas ou esporos a radiaes ultravioleta ou a substncias qumicas mutagnicas, como a nitrosoguanidina. Ao se permitir essa exposio ou contato, ocorre uma drstica destruio da maioria das clulas, recuperando-se, a seguir, aquelas que sobreviveram, verificando-se se mutaram na direo desejada. Essa uma tcnica aleatria, tratando-se de recuperar as clulas sobreviventes em meios ou condies especficas, de forma a dirigir este isolamento para as clulas que se pretende. 5. Obteno de microrganismos recombinantes por tcnicas de engenharia gentica: nas ltimas dcadas, as tcnicas de engenharia gentica, tambm designadas por tcnicas ou tecnologia de DNA recombinante, trouxeram um imenso avano nas possibilidades de se obter clulas mais produtivas, ou clulas produtora de substncias que normalmente no produzem. A introduo de fragmentos de DNA de certas clulas em outras, via vetores como os plasmdeos, permite a obteno de clulas alteradas geneticamente, porm de forma muito mais dirigida do que as metodologias acima mencionadas. Tais modificaes podem ser executadas no apenas com microrganismos, mas tambm com clulas animais e vegetais.

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2. METABOLISMO MICROBIANO Os organismos vivos realizam inmeras reaes qumicas utilizando-se de compostos orgnicos e inorgnicos oriundos da natureza com a finalidade primordial de produo de energia para realizar trabalho. Desta forma, pode-se definir metabolismo como o somatrio de todas essas reaes qumicas celulares, sendo o metabolismo como fonte de obteno de energia a chave para a manuteno da vida. O metabolismo a soma dos processos anablicos (anabolismo), tambm conhecidos como processos sintticos (sntese de substncias e material celular), e os processos catablicos (catabolismo), estes os grandes responsveis pela gerao de energia obtida atravs da quebra de molculas doadoras de energia, como por exemplo, a metabolizao de carboidratos (monossacardeos, dissacardeos ou polissacardeos). Os microrganismos podem ser classificados de acordo com a forma como obtm energia. Podem ser classificados como Quimiotrficos (aqueles que obtm sua energia a partir de um combustvel qumico, ou seja, a partir de uma molcula orgnica ou de uma molcula inorgnica) ou como Fotolitotrficos (aqueles que usam a luz solar como sua principal fonte de energia). Certos organismos podem sintetizar algumas ou todas as suas subunidades monomricas, os intermedirios metablicos, e macromolculas a partir de materiais iniciais muito simples, tais como o CO2 e NH3; estes so os Autotrficos. Outros devem adquirir alguns dos seus nutrientes pr-formados do seu ambiente (por organismos autotrficos, por exemplo); estes so os Heterotrficos.

Figura 11. Principais tipos de metabolismos capazes de fornecer e captar energia

Os microrganismos podem obter energia a partir dos aucares (principalmente a glicose) atravs do metabolismo anaerbico (gliclise e fermentao) e/ou do metabolismo 24

aerbico (respirao), no qual teremos a oxidao completa do acar atravs do Ciclo de Krebs (Ciclo do cido tricarboxlico), envolvendo ainda o transporte de eltrons e fosforilao oxidativa.

Figura 12. Os trs destinos catablicos possveis do piruvato formado na fase de pagamento da gliclise.

Adenosina tri-fosfato, ou simplesmente ATP, um instrumento bioqumico responsvel pelo armazenamento de energia em suas ligaes qumicas e encontrado universalmente nos sistemas vivos. Molculas nutrientes, como todas as molculas contm energia associada com os eltrons que formam as ligaes entre seus tomos. Quando esta energia esta distribuda por toda molcula, difcil para a clula utiliz-la. Varias reaes de vias catablicas, contudo concentram a energia dentro das ligaes do ATP, que serve como um conveniente transportador de energia. ATP normalmente referido como tendo ligaes de alta energia. Atualmente um melhor termo seja provavelmente ligaes instveis. Embora a quantidade de energia nessas ligaes no seja excepcionalmente grande, ela pode ser liberada rpida e facilmente. constituda por adenosina, uma base nitrogenada, associada a trs radicais fosfato conectados em cadeia. Sua funo essencial armazenar energia nas ligaes entre os fosfatos. O ATP armazena energia proveniente da respirao celular e da fotossntese (no caso das plantas), para consumo posterior.

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A molcula atua como uma moeda celular, ou seja, uma forma conveniente de transportar e armazenar energia. Esta energia pode ser utilizada em diversos processos biolgicos, tais como o transporte ativo de molculas, sntese e secreo de substncias, locomoo e diviso celular, entre outros. Para estocagem a longo prazo, a energia pode ser transferida para carboidratos e lipdios. As principais formas de produo do ATP so a fosforilao oxidativa (respirao) e a fotofosforilao (plantas). Um radical fosfato inorgnico (Pi) adicionado a uma molcula de ADP, utilizando energia proveniente da decomposio da glicose (na fosforilao oxidativa) ou da luz (na fotofosforilao). Existem enzimas especializadas no rompimento desta mesma ligao, liberando fosfato e conseqentemente energia, usada nos processos celulares, gerando novamente molculas de ADP. Em certas ocasies, o ATP degradado at sua forma mais simples, o AMP (adenosina mono-fosfato), liberando dois fosfatos e uma quantidade maior de energia. A reao que transforma o ATP em energia pode ser resumida da seguinte forma: Quimicamente, o ATP um nucleotdeo de adenina cercado por trs fosfatos; H muita energia armazenada na ligao entre o segundo e o terceiro grupo de fosfato que pode ser usada para alimentar as reaes qumicas; Quando uma clula precisa de energia, ela quebra essa ligao para produzir difosfato de adenosina (ADP) e uma molcula livre de fosfato; Em alguns casos, o segundo grupo de fosfato tambm pode ser quebrado para produzir monofosfato de adenosina (AMP); Quando uma clula tem excesso de energia, ela armazena esta energia produzindo ATP a partir de ADP e fosfato.

Figura 13. Molcula de ATP

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2.1 Metabolismo Anaerbico 2.1.1 Gliclise (Via de Embden-Meyerhof-Parnas) A gliclise um dos processos mais antigos, na escala evolutiva. a via catablica de maior utilizao pela maioria dos organismos capazes de gerar o seu prprio alimento, como os que utilizam fontes externas prontas visando obteno de energia sob a forma de ATP, a gliclise. Esta via de extrema importncia, pois realizada tanto por microrganismos aerbicos como por anaerbios em virtude de no requerer a presena do oxignio, e, por isso, ser conhecida como a fase anaerbica da via glicoltica. A via completa de utilizao da glicose composta de 10 reaes catalisadas por enzimas e fornece um saldo positivo de duas molculas de ATP e duas molculas de NADH para cada molcula de glicose oxidada. Apesar de a glicose ser a principal fonte de energia de alguns microrganismos, outros acares como lactose, galactose etc., tambm podem ser utilizados devido presena de enzimas especficas capazes de transformar estes acares em um intermedirio da via glicoltica. Desta forma, o acar tambm metabolizado at cido pirvico e, consequentemente, metabolizado aerobicamente ou fermentado. A glicose tem seis tomos de carbono (hexose) e sua diviso em duas molculas de piruvato, cada uma com trs tomos de carbonos (triose), ocorre em uma seqncia de 10 passos e os cinco primeiros deles constituem a fase preparatria. A glicose inicialmente fosforilada no grupo hidroxila do C-6 (passo 1) custa de ATP. Esta reao uma forma de aprisionamento intracelular do acar nas clulas, cujas membranas so impermeveis hexose fosforilada.

(passo 1) A D-glicose-6-fosfato formada convertida a D-frutose-6-fosfato (passo 2), a qual novamente fosforilada, desta vez no carbono 1, para liberar D-frutose-1,6-bifosfato (passo 3). O ATP o doador de fosfato nas duas fosforilaes.

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(passo 2)

(passo 3) A seguir a frutose-1-6-bifosfato quebrada para liberar duas molculas com trs carbonos, a diidroxicetona fosfato e o gliceraldedo 3-fosfato (passo 4). A diidroxicetona fosfato isomerizada em uma segunda molcula de gliceraldedo-3-fosfato (passo 5) e com isso termina a primeira parte da gliclise.

(passo 4 e 5) Duas molculas de ATP precisam ser investidas para ativar, ou iniciar, a molcula de glicose para a sua quebra em duas partes com trs carbonos; haver depois um retorno positivo para este investimento. Resumindo: na fase preparatria da gliclise a energia do ATP investida, aumentando o contedo de energia livre dos intermedirios, e as cadeias carbnicas de todas as hexoses metabolizadas so convertidas em um produto comum, o gliceraldedo-3-fosfato.

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O ganho energtico provm da fase de pagamento da gliclise. Cada molcula de gliceraldedo-3-fosfato oxidada (por transferncia de eltrons ao NAD+) e fosforilada por fosfato inorgnico (no pelo ATP) para formar 1,3-bifosfoglicerato (passo 6).

(passo 6) A liberao de energia ocorre quando as duas molculas de 1,3-bifosfoglicerato so convertidas em duas molculas de piruvato (passos 7 a 10). A maior parte dessa energia conservada pela fosforilao acoplada de quatro molculas de ADP pata ATP. O produto lquido so duas molculas de ATP por molcula de glicose empregada, uma que duas molculas de ATP so investidas na fase preparatria da gliclise. A energia tambm conservada na fase de pagamento na formao de duas molculas de NADH por molcula de glicose.

(passo 7)

(passos 8,9 e 10) Nas reaes seqenciais da gliclise trs tipos de transformaes qumicas so particularmente notveis: 1. degradao do esqueleto carbnico da glicose para produzir piruvato; 2. fosforilao de ADP a ATP pelos compostos de fosfato de alta energia formados durante a gliclise e 3. a transfrncia de tomos de hidrognio ou eltrons para o NAD+, formando NADH. O destino do produto, o piruvato, dependo do tipo de clula e das circunst6ancias metablicas. Destinos do piruvato o piruvato formado pela gliclise pode tomar trs rotas catablicas alternativas. Nos organismos aerbicos, a gliclise constitui apenas o primeiro

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estgio da degradao completa da glicose. O piruvato oxidado, com perda do seu grupo carboxila como CO2, para liberar o grupo acetila da acetil-coenzima A, a qual ento totalmente oxidada a CO2 pelo ciclo do cido ctrico. Os eltrons originados dessas oxidaes so passados para o O2 atravs de uma cadeia de transportadores na mitocndria (cadeia de transporte de eltrons), formando H2O. A energia liberada nas reaes de transferncia de eltrons permite a sntese de ATP nas mitocndrias. A segunda rota para o metabolismo do piruvato a sua reduo a lactato atravs da chamada via da fermentao do cido ltico. Quando um tecido precisa funcionar anaerobicamente, como o tecido muscular esqueltico em contrao vigorosa, o piruvato no pode ser oxidado por falta de oxignio. Nestas condies o piruvato reduzido a lactato. O lactato (a forma dissociada do cido lctico) tambm formado sob condies anaerbicas nos microrganismos que realizam a fermentao lctica (figura 3). A terceira rota para o metabolismo do piruvato leva ao etanol. Em alguns microrganismos como a leveduras cervejeiras (alcolicas), o piruvato convertido anaerobicamente em etanol e CO2, um processo chamado de fermentao alcolica (figura 3). importante salientar que o piruvato pode ter outros destinos, embora anablicos. Ele pode, por exemplo, fornecer o esqueleto carbnico para a sntese do aminocido alanina. 2.2 Fermentao Aps a glicose ter sido quebrada a cido pirvico, este pode ser completamente degradada na respirao, ou pode ser convertido a um produto orgnico na fermentao. Os microrganismos capazes de se desenvolver em ausncia de oxignio e de qualquer outro aceptor final de eltrons exgeno conseguem oxidar substratos atravs de um processo denominado fermentao. Neste processo, a oxidao do substrato acompanhada da reduo de coenzimas, como na oxidao aerbica. A falta de aceptor final de eltrons impede, entretanto, que a reoxidao destas coenzimas possa ser feita pela cadeia de transporte de eltrons. Esta oxidao , ento, obtida pela transferncia dos eltrons das coenzimas reduzidas diretamente para um composto orgnico, originado pela prpria via de oxidao do substrato. O composto reduzido resultante geralmente eliminado para o meio externo. Este processo de reoxidao de coenzimas acarreta conseqncias importantes no processo de obteno de energia: 30

a) a oxidao do substrato inicial incompleta e os produtos finais da fermentao, excretados no meio, so molculas orgnicas apenas parcialmente oxidadas. Podem, portanto, ser utilizadas como substrato oxidvel por outros organismos; b) no havendo cadeia de transporte de eltrons, no h fosforilao oxidativa e a produo de ATP fica restrita s reaes de fosforilaco a nvel de substrato. O rendimento energtico da fermentao , portanto, muito menor do que o da oxidao aerbica. O baixo rendimento energtico da fermentao revelado pela baixa velocidade de crescimento apresentada pelos microrganismos fermentativos que, via de regra, desenvolvem-se muito mais lentamente do que bactrias crescendo em aerobiose. Resumindo a fermentao: 1. Libera energia de acares ou molculas orgnicas, tais como aminocidos, cidos orgnicos, purina e pirimidina. 2. No requer oxignio (mas algumas vezes pode ocorre na presena deste) 3. No requer o uso do ciclo de Krebs ou uma cadeia transportadora de eltrons. 4. Utiliza uma molcula orgnica como aceptor final de eltrons. 5. Produz somente pequenas quantidades de ATP (somente uma ou duas molcula de ATP para cada molcula de material inicial) 6. Devido ao fato de grandes quantidades de energia original da glicose permanecer nas ligaes qumicas dos produtos finais (Etanol ou c. ltico). 2.2.1 Fermentao de Carboidratos Embora outros compostos possam ser utilizados para as fermentaes, os acares so, de longe, os substratos mais freqentes deste processo. Na fermentao de acares, a degradao do substrato normalmente realizada pela via glicoltica, com a produo de piruvato. Esta seqncia de reaes inclui uma reao de oxidoreduo, a converso de gliceraldedo 3-fosfato a 1,3 bifosfoglicerato, com a produo de NADH. Na converso de uma molcula de glicose a duas de piruvato so, portanto produzidas duas molculas de NADH. Estas coenzimas reduzidas so oxidadas por transferncia de seus eltrons para o piruvato, ou para compostos dele derivados. Os compostos resultantes (lactato, etanol, formiato, etc.) caracterizam cada tipo de fermentao e podem ser usados para a identificao de microrganismos. 31

Existem vrios tipos de fermentao, e estas diferenas so conhecidas pelo nome do produto final da via, a saber: 1. Fementao ltica: o cido pirvico convertido exclusivamente em cido ltico, utilizando-se dos eltrons fornecidos pela molcula de NADH. A oxidao do NADH obtida por transferncia de seus eltrons diretamente para o piruvato, com produo de lactato. Existem dois tipos de fermentao ltica. Na primeira, ocorre a formao apenas de lactato como produto final e designada como homoltica. Na segunda, alm do lactato produzido etanol e CO2. 2. Fermentao alcolica: o cido pirvico convertido em gs carbnico e acetaldedo, sendo este ltimo reduzido a lcool etlico, tambm usando a molcula de NADH. O NADH oxidado pela reduo do acetaldedo, formado pela descarboxilao do piruvato.

Figura 13. Fermentao de alguns dissacardeos

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2.3 Vias Alternativas de Utilizao da Glicose Alm do processo da gliclise, podemos encontrar em muitos microrganismos outros tipos de raes oxidativas para a utilizao da glicose. A via alternativa mais comum via das pentoses, que pode funcionar concomitantemente com a via glicoltica. Esta via importante, pois proporciona a quebra no somente de aucares de seis carbonos (hexoses como a glicose), mas tambm de cinco carbonos (pentoses por isso denominada via das pentoses), e tambm por gerar a produo de pentoses importantes que podero ser utilizadas posteriormente na sntese de cidos nuclicos. Outra via tambm conhecida a via Etner-Doudoroff. Os microrganismos que possuem o aparato enzimtico para realizao desta via tambm so capazes de metabolizar a glicose at a formao de duas molculas de NADPH e uma molcula de ATP sem, entretanto, passar por todas as etapas da via glicoltica.

2.4 Metabolismo Aerbico (Respirao Celular) A grande maioria dos microrganismos ditos aerbicos capaz de obter energia pela fase anaerbica da gliclise, entretanto muitos deles utilizam esta via como um mecanismo preparatrio para um outro processo que, no final, ser mais produtivo e rentvel quando relacionamos a quantidade de molculas de ATP geradas e, consequentemente, um aproveitamento maior da molcula doadora de energia como a glicose, por exemplo. Este processo chamado de respirao aerbica ou respirao celular devido presena e participao da molcula de oxignio molecular (O2). A respirao celular ocorre com a utilizao do composto intermedirio gerado na etapa anaerbica da metabolizao da glicose (piruvato) por meio de dois processos metablicos adicionais: o ciclo de Krebs e Cadeia de transporte de eltrons fosforilao oxidativa. 2.4.1 Ciclo de Krebs O ciclo de Krebs (denominao que homenageia seu descobridor, o bioqumico alemo Hans Krebs), ou ciclo dos cidos tricarboxlicos, formado por uma srie de reaes que se iniciam com a entrada de acetil-CoA no ciclo. Esta acetil-CoA originada

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da descarboxilao do cido pirvico, formando acetil, que reage ento com a coenzima A (CoA), formando o intermedirio que ser utilizado no ciclo de Krebs. Nas clulas procariticas, essas reaes acontecem no citosol, enquanto nas clulas eucariticas as mesmas reaes acontecem no interior da mitocndria, mais especificamente na matriz mitocondrial. A molcula de acetil-CoA entra no ciclo de Krebs reagindo com o oxalacetato, formado citrato. A partir de ento, uma srie de reaes ocorre, envolvendo descarboxilaes e reaes de oxidoreduo, at que, finalmente, uma nova molcula de oxalacetato formada reiniciando o ciclo. A grande contribuio deste ciclo para o processo de respirao que cada volta completa do ciclo teremos a formao de grande potencial energtico atravs da gerao de molculas de NADH, FADH2 e GTP. O ciclo de Krebs uma via que promove a oxidao completa dos tomos de carbono presentes na acetil-CoA. Neste ciclo, portanto, processa-se a oxidao final dos tomos de carbono originalmente presentes na glicose a CO2. A oxidao de um mol de acetil-CoA est associada produo de trs moles de NADH e de um mol de FADH2. Tambm estas coenzimas sero oxidadas pela cadeia de transporte de eltrons; desta oxidao deriva a formao de quantidades apreciveis de ATP. A molcula de GTP pode facilmente trasferir seu grupo fosfato terminal para o ADP, resultando, portanto na formao de ATP. A reduo de coenzimas, com posterior produo de ATP, no a nica funo do ciclo de Krebs; vrios compostos intermedirios do ciclo podem ser utilizados como precursores em vias biossintticas.

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Figura 14. Reaes do ciclo de Krebs (ciclo dos cidos tricarboxlicos)

2.4.2 Cadeia de Transporte de Eltrons e Fosforilao Oxidativa Em sentido figurado, poderamos comparar a cadeia de transporte de eltrons e fosforilao oxidativa a pequenas quedas-d`gua colocadas em srie, em que a gua, caindo de um ponto mais alto at chegar ao seu ponto mais baixo, perderia fora, a qual, sob a forma de energia liberada, poderia gerar trabalho como, por exemplo a rotao de uma moinho. Na verdade. exatamente isso que acontece nesses processos, ou seja, a cadeia transportadora (tambm conhecida como cadeia respiratria) composta por uma srie de enzimas-protenas (molculas transportadoras) que so capazes de realizar reaes de oxirreduo. Existem trs classes de molculas capazes de realizar transporte as quais esto presentes na cadeia transportadora de eltrons: flavonides (como a riboflavina ou vitamina B2), citocromos e ubiquinonas ou coenzima Q. Os eltrons carregados pelas coenzimas NADH e FADH2 (provenientes da via glicoltica e do ciclo de Krebs), ao entrarem na cadeia transportadora, vo gradativamente liberando energia ao passarem de um nvel de maior energia para um de menor energia.

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Esta energia liberada ento utilizada para a sntese de ATP a partir da juno de ADP + Pi (fosforilao oxidativa) pela enzima ATP-sintase. Como aceptor de eltrons temos o oxignio molecular, que se torna reduzido formando gua; portanto, todo o processo dito aerbico. A respirao aerbica, em clulas eucariticas, um processo altamente rentvel, pois a metabolizao completa de uma molcula de glicose seria capaz de gerar um ganho final de 38 molculas de ATP, enquanto no processo fermentativo, teramos a produo de apenas 2 molculas de ATP, j que grande parte de energia original da molcula de acar permanece nas ligaes qumicas dos produtos orgnicos finais como o cido ltico ou o etanol.

Figura 15. Esquematizao do transporte de eltrons na cadeia respiratria e gerao da molcula de ATP. Na membrana mitocondrial interna, aps a passagem dos eltrons pelos complexos da cadeia respiratria, os prtons so bombardeados para fora da matriz mitocondrial e retornam a ela, atravs de canais nas ATPsintases (F1F0), gerando energia para que ocorra a fosforilao do ADP, produzindo ATP (teoria quimiosmtica)

3. NUTRIO MICROBIANA Os microrganismos como todos os seres vivos necessitam de nutrientes para a sua sobrevivncia e desenvolvimento. Entretanto so bastante versteis e diversificados, enquanto alguns necessitam de compostos orgnicos complexos, minerais e vitaminas, outros podem crescer em condies nutricionalmente pobres. Os microrganismos necessitam de fontes de energia, material plstico e gua. 36

Fonte de Energia: Os fungos e a grande maioria das bactrias so quimiotrficos, obtendo energia as custas de reaes qumicas, a partir da oxidao de compostos orgnicos (organotrficos) ou compostos inorgnicos (litotrficos). No grupo dos microrganismos litotrficos encontramos somente bactrias. Um exemplo bastante relevante so as bactrias do gnero Thiobacillus que so capazes de oxidar enxofre produzindo cido sulfrico. No grupo dos microrganismos organotrficos encontramos os fungos, alm de um grande nmero de bactrias. Fonte de Material Plstico: Alguns elementos como o carbono, o hidrognio, o oxignio, o nitrognio, o enxofre e o fsforo so de grande importncia para a renovao e multiplicao das clulas. Fonte de Carbono: O carbono um dos elementos qumicos mais importantes e necessrio para o crescimento microbiano. Ele constitui o esqueleto das trs classes de nutrientes orgnicos: carboidratos, lipdeos e protenas. De maneira geral os microrganismos apresentam em torno de 50 % de carbono em sua massa celular. Organismos auttrofos: CO2 (nica fonte de carbono) ou o on bicarbonato, a partir dos quais conseguem sintetizar todos os compostos orgnicos que precisam. Organismos hetertrofos: Exigem fontes orgnicas de energia. Fonte de Nitrognio: O nitrognio um elemento essencial na constituio dos aminocidos (protenas). Obs. As bactrias so particularmente versteis com relao utilizao de nitrognio. Grande parte dos microrganismos (bactrias, fungos, algas) utilizam compostos inorgnicos de nitrognio (sais inorgnicos, nitratos, nitritos). Ex.: bactrias dos gneros Azobacter, Rhizobium (simbiose com plantas leguminosas); Bactrias fixadoras de nitrognio utilizam o N2 atmosfrico e os converte em nitrognio orgnico (aminocidos e protenas);

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Alguns fungos e bactrias exigem fontes orgnicas de nitrognio (n variado de aminocidos); Fontes de Minerais: Os microrganismos exigem uma srie de outros elementos seja em quantidades apreciveis (macronutrientes) ou em quantidades traos (micronutrientes). P: Fsforo na forma de fosfato (Metabolismo energtico e na sntese de cidos nuclicos); S: Importante por fazer parte da molcula de alguns aminocidos (cistina e cistena) e para a sntese de vitaminas (biotina e tiamina); K: ativador de enzimas e regulador da presso osmtica; Mg: ativador de enzimas; Ferro: Fe++ requerido por enzimas catalases, succnil desidrogenase; Micronutrientes: Cu, Co, Zn, Mn, Na, etc. Fatores de Crescimento: Para diversos microrganismos necessrio incorporar determinados micronutrientes e fatores de crescimento, como aminocidos e vitaminas, que no podem ser sintetizados pelos microrganismos e so indispensveis uma vez que so constituintes ou precursores de enzimas. Ex. Vitaminas (especialmente do complexo B), aminocidos, ac.graxos e nucleotdeos. H20: Indispensvel para o crescimento dos microrganismos. Tem papel importante na dissoluo dos nutrientes que passaro atravs da membrana citoplasmtica. Regulao da presso osmtica; Regulao trmica;

3.1 Matrias-primas para Composio de Meios Fermentativos Industriais Praticamente quaisquer produtos naturais de natureza orgnica, basicamente produtos ou subprodutos da agricultura e do processamento de vegetais, podem constituir a base ou substrato para processos fermentativos. Por isso, as indstrias de fermentao muitas vezes so citadas como exemplos de quimurgia, ou seja, a aplicao da qumica no uso mais eficiente dos recursos biolgicos e sua conseqente recompensa econmica.

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A escolha de determinada matria-prima depende, entre outros fatores, da natureza do microrganismo e portanto do seu metabolismo. Dada importncia dos carboidratos no metabolismo de qualquer clula viva, comum eles constiturem as principais matrias-primas de fermentaes. Entretanto preciso estar presentes compostos nitrogenados, sob a forma de protenas, aminocidos, sais amoniacais, fatores de crescimento como vitaminas e coenzimas, elementos traos. Geralmente so os acares que determinam o maior ou menor rendimento da matria-prima, uma vez que na maioria das fermentaes, industriais ou no, so eles que se transformam nos diferentes produtos almejados; e mesmo porque as vias metablicas bsicas dos microrganismos utilizados so as vias glicoltica e das pentoses. As matrias-primas para os processos fermentativos podem ser agrupadas de acordo com a facilidade com que as clulas dos agentes fermentativos tm acesso aos carboidratos. Em outras palavras, se estes so prontamente fermentveis, como os carboidratos energticos, ou se necessitam primeiramente ser liberados os cindidos, hidrolisados, como os carboidratos de reserva (amido) ou de estrutura (celulose, hemicelulose). Assim a seguinte classificao possvel: Matrias-primas ricas em hexoses simples e dissacardeos: as primeiras so prontamente fermentveis por bactrias e fungos; as segundas, se o agente fermentativo possuir a enzima respectiva. So caldos e sucos de frutas e os gros de cereais, desde que maltados, contendo glicose, frutose, manose, galactose e maltose, conforme a composio do carboidrato do produto natural. Matria-primas sacardicas: como os caldos resultantes da extrao da cana-deacar, da beterraba aucareira e do sorgo sacarnico, todas ricas em sacarose, prontamente fermentvel por microrganismos, desde que possuam a enzima sacarase ou invertase, como o caso das leveduras. Matria-prima sacardica sumamente importante o melao, subproduto da indstria aucareira, onde tambm conhecido como mel final. o resduo da cristalizao do acar. Matrias-primas amilceas: O amido , depois da celulose, o carboidrato mais encontrado na natureza. Os cereais como milho, arroz, cevada e outros, os farelos, bem como os tubrculos (batata, mandioca, batata doce) so as principais fontes de amido. 39

A maioria dos microrganismos no possui o sistema enzimtico que cinde o amido, condio necessria para seu aproveitamento biolgico, dada a sua constituio macromolecular. Entretanto aqueles que elaboram amilases, podem crescer em meio amilceo, j que as enzimas hidrolisam o amido a dextrinas, maltose e glicose, conforme o caso. Isso se d com muitas espcies de fungos dos gneros Aspergillus, Rhizopus e Mucor e com as bactrias Bacillus subtilis. A hidrlise tambm denominada sacarificao no sentido de adoamento. No caso da hidrlise do amido tem-se maltose e glicose formadas, de sabor doce, ausente no amido original. A hidrlise de amilceos pode ser obtida por via enzimtica, ou por via qumica, pela ao de cidos. Subprodutos e resduos: d1) Leitelho: soro resultante da fabricao de manteiga e queijos em usinas de leite. Apresentam razovel teor de lactose (2,5%). d2) Materiais celulsicos e hemicelulsicos: resduos agrcolas e da

industrializao de vegetais so constitudos fundamentalmente por material celulsico, biologicamente sempre associado a hemicelulose. Entre estes resduos encontram-se, as cascas, fibras, palhas (arroz, mulho, sorgo, etc.) , caroos, sabugos, resduos de madeira. d3) Lixvias sulfitadas (liquor sulfitado): efluentes das fbricas de papel que empregam o processo sulfito contendo propores variadas de hexoses e pentoses. Os acares encontrados nas lixvias so a xilose, arabinose, manose, frutose, glicose, galactose. Os acares constituem cerca de 20 % do teor de soldos totais nas lixvias. d4) Melao: subproduto da fabricao do acar

4. CULTIVO MICROBIANO Nos ambientes naturais os microrganismos se encontram, quase sempre, sob forma de populaes mistas. Portanto, para que seja possvel estudar as caractersticas das espcies que compem estas misturas, necessrio fazer seu isolamento em cultura pura. Para isso, necessrio um meio de cultura e de condies de incubao que facilitem o crescimento do microrganismo desejado.

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Todos os microrganismos necessitam de uma fonte de energia para seu crescimento, que pode ser qumica (seres quimiotrficos) ou luminosa (seres fototrficos). Alm disso, os fatores necessrios para o crescimento microbiano podem ser divididos em duas categorias principais: os fatores fsicos: temperatura, pH, presso osmtica, e os fatores qumicos: gua e as diferentes fontes de carbono (C), de nitrognio (N), de fsforo (P), de enxofre (S) e de sais minerais, alm de fatores de crescimento para os microrganismos mais exigentes. Em laboratrio o crescimento de microrganismos conseguido pela semeadura dos mesmos em meios de cultura, cuja composio deve atender as necessidades e exigncias do microrganismo. O meio de cultura consiste em um material nutritivo, preparado em laboratrio, que se destina ao cultivo artificial dos microrganismos, devendo, portanto, fornecer os nutrientes indispensveis ao seu crescimento. O meio de cultivo pode ser lquido, slido ou semi-slido. Os meios lquidos consistem de misturas de ingredientes em gua purificada (destilada, deionizada) e podem ser acondicionados em tubos de vidro, em Erlenmeyers ou em bales. Geralmente os microrganismos tem grande facilidade de desenvolvimento em meio lquido, entretanto quando h mais de um tipo de microrganismo no material semeado, se ter um crescimento misto de clulas, no sendo possvel o adequado aproveitamento de sua atividade ou reconhecimento de suas caractersticas. Para que suas caractersticas sejam reconhecidas ou para que a sua atividade possa ser aproveitada, ele deve se encontrar em cultura pura. Para separ-los de um material ou cultura lquida, h necessidade de seme-los na superfcie de um meio slido. Os microrganismos devem ser corretamente diludos e espalhados na superfcie do meio de modo a formar colnias de organismos iguais, separadas umas das outras. Estas colnias isoladas so facilmente transferidas para um novo meio, onde crescero em cultura pura. Os meios slidos so acrescidos de um agente solidificante, o gar, normalmente na concentrao de 1-2 %. Este consiste em um polmero, o cido poligalacturnico, extrados de algas marinhas; capaz de fundir a cerca de 100 C e solidifica-se em torno de 40 C. Comumente acondicionado em tudo de vidro na forma de gar inclinado, ou em placas de Petri. J os meios semi-slidos contm gar em concentraes menores, em torno de 0,30,5 %, e normalmente so distribudos em tubos de vidro na posio vertical. Em funo da grande variedade de microrganismos e, portanto de tipos nutritivos, no existe um meio de cultura universal. 41

Algumas vezes o que exigido para um determinado microrganismo pode desfavorecer o crescimento de outro, ou at mesmo inibir completamente seu desenvolvimento. Portanto para a formulao de um meio de cultivo importante conhecer a fisiologia do microrganismo. 4.1 Meios Sintticos e Meios Complexos Para se determinar as necessidades nutricionais de um microrganismo so utilizados meios quimicamente definidos (sintticos), ou seja, se conhece a composio exata de tais meios. Meios de cultura mnimos ou basais so meios onde somente so fornecidos elementos qumicos necessrios ao microrganismo, na forma de molculas ou formas inicas simples. Nesses meios so encontrados uma nica fonte de carbono (geralmente glicose), de nitrognio (sas de amnio ou nitratos), de fsforo, etc. e no so detectados fatores de crescimento, aminiocidos ou cidos nuclicos. Existem basicamente dois grandes grupos de meios de cultura: os meios sintticos e os meios complexos. Meio Sinttico: Dependendo do tipo de microrganismos que ser cultivado, o meio de cultura poder ser sinttico, tambm chamado de quimicamente definido. A sua composio qumica conhecida qualitativamente e quantitativamente Ex.: meio Caldo de Glicose-Sais Minerais, que um meio que contm o mnimo de ingredientes necessrios ao desenvolvimento de microrganismo. Meio sinttico simples (quimicamente definido), de caldo de glicose-sais minerais, para crescimento de bactrias quimioeterotrficas.
Ingredientes Glicose NaNO3 K2HPO4 MgSO4.7H20 NaCl gua, q.s.p Quantidade 5,0 g 1,0 g 2,0 g 1,0 g 0,5 g 1.000 mL

Meio Complexo: Sua composio qumica no perfeitamente conhecida. Pode conter ingredientes, complexos como extrato de carne, rico em vitaminas e outros fatores de crescimento orgnicos, e cuja composio qumica exata no conhecida. Alm do extrato de carne, que compreende um p, obtido da digesto de carne bovina, vrios outros 42

extratos tambm so utilizados nos meios de cultura complexos (extrato de levedura, extrato de malte, peptona). Em geral os meios complexos so adequados ao crescimento de microrganismos heterotrficos auxotrficos, como, por exemplo, algumas bactrias patognicas. A grande vantagem dos meios complexos que a adio de um nico ingrediente j garante a presena de uma ampla variedade de substncias necessrias ao crescimento do microrganismo. Meio complexo de caldo nutriente, para o cultivo de bactrias heterotrficas.
Ingredientes Peptona Extrato de carne NaCl gua, q.s.p Quantidade 5,0 g 3,0 g 8,0 g 1.000 mL

Meio complexo Glicose, extrato de levedura e sais minerais.


Ingredientes Glicose K2HPO4 MgSO4.7H20 CaCl2 Extrato de levedura* gua, q.s.p Quantidade 2,0 g 0,5 g 0,5 g 0,01 g 0,2 g 1.000 mL

No caso de microrganismos mais exigentes, pode ser acrescido no meio substncias nutricionalmente ricas como, por exemplo, extrato de levedura que fornece uma grande variedade de aminocidos e vitaminas. OBS: na prtica, a maioria dos meios utilizados do tipo complexo, podendo ser utilizadas as mais diversas substncias como peptonas, extrato de carne, extratos de animais (ex: BHI e extrato de sangue). Existem meios de cultura que so usados para o isolamento ou diferenciao dos microrganismos, ou seja, meios com finalidades especiais: Meios Seletivos: So utilizados para o isolamento de um grupo particular de microrganismos. Permitem o crescimento de determinados microrganismos e impedem o crescimento de outros que tambm esto na amostra. Nestes meios so adicionados substncias qumicas que iro propiciar o desenvolvimento dos microrganismos de interesse e vo inibir o desenvolvimento dos microrganismos acompanhantes (microbiota de acompanhamento). Esta inibio pode ser feita com diferentes substncias, tais como 43

antibiticos, os corantes, a bile ou os sais biliares. Um meio adicionado do antibacteriano estreptomicina possibilitar o isolamento de fungos, da mesma forma que a adio do antifngico cicloheximida ao meio permitir o isolamento de bactrias. Alm do uso de antibacterianos ou antifngicos, outros mecanismos podem ser usados, como por exemplo, o uso celulose ou amido como nica fonte de carbono, de modo a isolar somente os microrganismos celulolticos ou amilolticos, respectivamente. Outro exemplo simples o uso de meios constitudos apenas de sais inorgnicos e gua, os quais permitem apenas o desenvolvimento de organismo fotolitotrfico e no de heterotrficos.

Figura 16. Teste do amido N placa contendo um meio enriquecido em amido e que, aps o crescimento, sofreu a adio de uma soluo de iodo em sua superfcie, a presena de uma zona clara ao redor do crescimento indica a utilizao do amido.

Meios Diferenciais: Meios que conferem caractersticas especiais a colnia que em condies normais, seriam idnticas. Esses meios, via de regra, permitem a obteno de colnias com caractersticas fenotpicas diferenciadas (morfologia, colorao, etc), de acordo com o processamento de agentes cromognicos ou acares e indicadores incorporados ao meio. Alguns meios podem ter um objetivo combinado, ou seja, ser seletivo-diferenciais. Um exemplo o gar MacConkey, um meio bastante utilizado para o isolamento de enterobactrias e outros bastonetes Gram-negativos. Este meio contm como agentes seletivos sais biliares e cristal violeta, com o objetivo de inibir o crescimento das bactrias Gram-positivas e algumas Gram-negativas fastidiosas, e lactose e vermelho neutro, com o objetivo de diferenciar colnias de bactrias que utilizam este carboidrato. Quando as bactrias chamadas de lactose-positivas utilizam a lactose, suas colnias apresentam tons variados de vermelho em funo da mudana de cor do indicador de pH. J as bactrias

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lactose-negativas formam colnias incolores ou transparentes. Um outro meio interessante, para a mesma finalidade, o meio CLED (cistena, lactato, eletrlito deficiente), que contm o indicador azul de bromo timol. Neste caso, as bactrias lactose-positivas conseguem virar o indicador, originalmente verde em pH neutro, para amarelo em decorrncia da produo de cidos.

Figura 17. Meio seletivo-diferencial de MacConkey

Meios de Enriquecimento: So meios preparados para favorecer a multiplicao dos microrganismos de interesse, quando estes esto presentes em pequeno nmero em relao microbiota de acompanhamento que se encontra em maior nmero. Alguns destes meios so chamados de meios de enriquecimento seletivo (variaes dos meios seletivos), pois, alm de propiciarem o desenvolvimento do microrganismo de interesse, eles inibem total ou parcialmente a microbiota de acompanhamento. Estes meios so bastante usados em microbiologia mdica e de alimentos. O caldo tetrationato possui bile, que estimula o crescimento das salmonelas, e vrios agentes seletivos com diferentes funes, como o verde-brilhante, que inibe as bactrias Gram-positivas e o tetrationato, que inibe os coliformes e outras bactrias entricas. Na rea de microbiologia do solo tambm comum o uso dos meios de enriquecimento. Um exemplo bastante simples o isolamento do solo de microrganismos capazes de degradar a celulose. Pode-se utilizar um meio de cultura contendo apenas sais minerais e uma tira de papel de filtro de celulose como nica fonte de carbono. Os tubos que contm o meio so inoculados com amostra de solo e incubados a uma temperatura adequada. Aps certo perodo de tempo, o papel de filtro colonizado por microrganismos celulolticos.

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Figura 19. Meio de Agar-sangue, com colnias de Streptococcus grupo G apresentando halo de hematcitos ao seu redor (Foto: Ivi Cristina M de Oliveira)

Meios para Anaerbios: so meios pr-reduzidos empregados na coleta e manuteno de bactrias anaerbias, onde so adicionadas substncias redutoras (cido ascrbico 0,1%, cistena 0,1%, tiogliconato de sdio 0,1%) que se combinam com o oxignio e indicadores de oxi-reduo (azul de metileno, resazurina). Meios para o Cultivo de Bactrias: so meios que simulam o habitat natural das bactrias. Pode ser adicionado sangue, soro animal, glicose, etc. Ex.: Brain heart Infusion Agar BHI Agar. Meios para Cultivo de Fungos: os fungos podem crescer em uma mistura simples contendo glicose, uma fonte de nitrognio inorgnico ou orgnico e alguns minerais. Em geral esses meios tm uma conmcentrao maior de acar (4-5%) e um pH mais baixo (3,8 a 5,6) que o meio para cultivo bacteriano (pH 6,5 a 7,5). Ex.: Agar Sabouraud. 5. ISOLAMENTO DE MICRORGANISMOS EM CULTURA PURAS Na natureza encontramos vrias espcies de microrganismos (bactrias, fungos algas e protozorios) convivendo no mesmo ambiente. Para estudar as propriedades de um determinado microrganismo em particular, deve-se primeiramente isol-lo em cultura pura, ou seja, uma cultura isenta de todos os demais tipos de organismos, onde todas as clulas na populao sejam idnticas (originrias de uma mesma clula parental). Os ingredientes necessrios para o crescimento de microrganismos podem ser supridos por um sistema vivo, como um hospedeiro animal ou vegetal, uma cultura de clulas, ou por uma mistura de todos os nutrientes requeridos juntos em um sistema artificial, denominado meio de cultura.

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Os meios de cultura contm os materiais nutrientes para o cultivo dos diferentes microrganismos. Estes meios podem ser preparados no prprio laboratrio com ps desidratados, ou adquiridos prontos no comrcio em placas de Petri ou tubos de ensaio. Os meios lquidos so teis para a obteno de relativa grande biomassa de microrganismos e revelao de provas bioqumicas, mas no permitem a separao de dois ou mais microrganismos de espcies diferentes em uma populao mista, no possibilitando a observao de algumas caractersticas especficas dos microrganismos, como a morfologia de suas colnias. Os fatores que influenciam a escolha do meio so: a origem do material a ser estudado a espcie que se imagina estar presente na amostra as necessidades nutricionais dos microrganismos As tcnicas mais utilizadas para o isolamento de microrganismos em cultura pura, so a tcnica de esgotamento e a tcnica das diluies em placas. Essas tcnicas baseiam-se no princpio de uma clula microbiana isolada, quando depositada em um meio de cultura slido apropriado, dar origem a um agrupamento macroscopicamente visvel chamado colnia. Colnia: um conjunto de clulas idnticas que tem como origem uma nica clula ou esporo. No caso de bactrias que formam agrupamentos (estafilococos e estreptococos) a colnia pode ser proveniente de um destes agrupamentos de clulas semelhantes. No caso de fungos filamentosos a colnia tambm poder ser proveniente de um fragmento de hifa. Inoculao: Quando o inculo (material colocado no meio de cultura), obtido de uma suspenso original da amostra, colocado dentro ou sobre um meio geleificante (gar), as clulas so imobilizadas e cada uma ir se multiplicar produzindo uma colnia isolada. Cada colnia nada mais do que clulas individuais agrupadas, com ancestral nico, visvel a olho nu. Tcnica do Esgotamento por Estrias: A tcnica de esgotamento consiste em semear, com auxlio de uma ala de inoculao, uma poro de microrganismos, fazendo na superfcie do meio uma seqncia de estrias no sobrepostas, que vo das bordas para o centro da placa, em trs setores distintos conforme figura abaixo. medida que a ala vai deslizando sobre o meio slido o material contido na ala vai sendo inoculado e sendo progressivamente menor. Ao final do procedimento, as clulas contidas na ala iro se

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depositar no meio separadamente umas das outras. Aps incubao em temperatura e tempos adequados, cada clula isolada dar origem a uma colnia isolada. Cada colnia isolada obtida poder ser ento passada para um meio de cultura novo, de modo a ser obtida uma cultura pura, contendo clulas idnticas.

Figura 18. Tcnica de esgotamento do inculo

Figura 19. Procedimento para obteno de cultura pura

Para o sucesso da operao alguns aspectos devem ser considerados: 1. Realizar o maior nmero de estrias possveis. 2. No perfurar ou rasgar o meio de gar. 3. No voltar com a ala sobre as estrias, sobrepondo-as.

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4. Iniciar a semeadura com uma pequena quantidade de material na ala de inoculao. Diluies em Placas: A tcnica das diluies em placas tem uma dupla aplicao, podendo ser utilizada tanto para o isolamento como para a contagem de microrganismos. Esta tcnica tambm conhecida como mtodo das diluies seriadas. Pode-se partir de uma determinada amostra, que pode ser solo, alimento, ou outro material qualquer. Inicialmente, no caso de amostras slidas, em p, ou muito viscosas, feita uma homogeneizao inicial e a partir desta so preparadas diluies sucessivas em tubos. Estas diluies so feitas geralmente em soluo salina, ou solues tamponadas, e so diluies seqenciais, na razo de 1 para 10, obtendo-se diluies 1/10 ou 10-1, 1/100 ou 10-2, 1/1.000 ou 10-3, ou superiores. Aps as diluies procedido ao plaqueamento, ou seja, distribuio homognea de uma alquota da referida diluio em meio slido adequado (com auxlio de uma ala de Drigaski), de modo que aps incubao em temperatura e tempo adequados, as clulas ou pequenos agrupamentos de clulas idnticas espalhadas cresam isoladamente dando origem a colnias que sero contadas na diluio apropriada e, portanto, chamadas de unidades formadoras de colnias (UFC). Nos tubos muito diludos poder no haver clulas suficientes, ao passo que nos tubos muito concentrados teremos excesso de clulas, no sendo possvel fazer a contagem adequada nas respectivas placas. A contagem das colnias dever ser feita considerando-se que o nmero estatisticamente vlido de 30 a 300 para uma placa de 9 cm de dimetro, e devero ser preparadas pelos menos 3 placasrplicas. Aps os clculos adequados, levando-se em conta os volumes utilizados, e as diluies empregadas, determina-se o nmero de microrganismos presentes em um determinado peso ou volume do material inicial.

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Figura 20. Mtodo das diluies em placas

O mtodo das diluies em placas permite duas variantes: inoculao em superfcie (descrita acima) e a inoculao em profundidade (pour-plate). Mtodo Pour-plate: No mtodo do espalhamento em profundidade (pour plate) o inculo adicionado ao fundo da placa estril, vazia, e o meio de cultura contendo gar, ainda lquido, mantido a 40-45 C, vertido sobre ele. A homogeneizao feita atravs de movimentos rotacionais suaves. As clulas crescero no somente na superfcie, como tambm no interior do meio de cultura. As clulas crescidas no meio slido usando-se as tcnicas de esgotamento ou diluies em placas podem ser isoladas para meios de cultura apropriados como cultura pura.

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Figura 20. Tcnicas de inoculaes de suspenses microbianas para contagem e isolamento de microrganismos: mtodo de espalhamento em superfcie (a), e em profundidade (pour plate), apropriadas para a contagem de microrganismos viveis em placas

Quando se deseja identificar a maior parte das espcies presentes em uma amostra de uma populao mista de microrganismos deve ser realizada a semeadura em tantos meios e condies de inoculao diferentes quantos sejam necessrios para se obter o crescimento da maioria das espcies presentes na amostra. Para isolamento de um tipo particular de microrganismo presente em uma populao mista, alguns podem ser empregados de acordo com as caractersticas do microrganismo desejado, tais como meios diferenciais, meios seletivos enriquecidos, o aquecimento do material, ao de lcalis ou cidos. Isolamento de Aerbios: Estes microrganismos requerem oxignio para sua sobrevivncia. Aps a semeadura em placas ou tubos com meio de cultura, estes so mantidos em estufa a 37C em presena de oxignio do ar atmosfrico. Existem grupos de microrganismos que necessitam nveis elevados de dixido de carbono (CO2), neste caso pode ser utilizado o mtodo da jarra microaerfila. Aps semeados, os meios so colocados dentro da jarra juntamente com uma vela acesa que ento fechada hermeticamente. Aps a vela se apagar ser obtida uma quantidade reduzida de oxig~enio livre e um teor de dixido de carbono de aproximadamente 10 %. Isolamento de Anerbios: Durante a preparao dos meios, estes so fervidos para que a maior parte do oxignio dissolvido seja retirada. O gs nitrognio livre de oxignio colocado nos tubos contendo o meio, e ento um agente redutor deve ser adicionado

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(normalmente cistena), o qual remove os ltimos traos de oxignio. Os meios so esterilizados em autoclave na completa ausncia de oxignio. Cmara de anaerobiose: a manipulao dos microrganismos realizada dentro da cmara que contm luvas especiais acopladas parede da cmara. A atmosfera dentro da cmara uma mistura de hidrognio, dixido de carbono e nitrognio. O material introduzido ou removido da cmara por meio de um sistema fechado para o ar. Qualquer resduo de oxignio na cmara removido pela reao com o hidrognio, na presena do catalisador paldio. Jarras de anaerobiose: os meios inoculados so colocados em uma jarra juntamente com um envelope que contm substncias qumicas que geram hidrognio e dixido de carbono. Este sistema inadequado para o cultivo de anaerbios estritos. Mtodo de Veillon: o microrganismo inoculado em meio slido em coluna alta, crescendo no fundo do tubo de ensaio. 6. TCNICAS DE CONSERVAO DE MICRORGANISMOS VIVEIS EM LABORATRIO Aps o isolamento de microrganismos de interesse, de grande importncia a sua adequada manuteno para futura identificao taxonmica e/ou explorao tecnolgica. Vrias tcnicas permitem a manuteno de culturas viveis no laboratrio durante perodos de tempo mais ou menos longos: 1. Manuteno em tubos com meio inclinado: Semeadura em tubos em meio slido e transferncias peridicas para meio novo, mantendo-se os tubos a 4C para reduzir o metabolismo microbiano. Obs. Estes procedimentos so trabalhosos, principalmente quando o nmero de microrganismos da coleo grande. 2. Recobrimento do meio com leo mineral estril e manuteno em temperaturas de 4C: Esta tcnica baseia-se na reduo do suprimento de oxignio e conseqentemente o metabolismo. 3. Congelamento: So preparadas suspenses de uma cultura pura do microrganismo, em meio estril contendo glicerol, e armazenadas em ultrafreezer (que permitem uma temperatura igual ou inferior a 70C) ou em nitrognio lquido (-196C).

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Muitos microrganismos podem ser mantidos viveis durante anos, se congelados temperatura de 70C ou a temperaturas inferiores. 4. Liofolizao: o microorganismo suspenso em meio adequado (leite, albumina) colocado em uma ampola e rapidamente congelado (-30C) e seco por sublimao. Aps, as ampolas so hermeticamente fechadas. Obs: o material pode ser guardado temperatura ambiente ou em nitrognio lquido.

7. MTODOS PARA A QUANTIFICAO DO CRESCIMENTO MICROBIANO O crescimento dos microrganismos em meio lquido pode ser mensurado por diferentes tcnicas:

7.1 Determinao do peso (massa) seco A determinao do peso seco, sendo corretamente executada, constitui o processo bsico de medida de massa. Este tipo de procedimento realizado quando no necessrio determinar o nmero preciso de microrganismos presentes. Uma amostra da suspenso microbiana centrifugada, o sobrenadante desprezado e o sedimento celular lavado 2 ou 3 vezes com gua destilada ou soluo salina e colocado em um vidro de relgio previamente tarado e, em seguida, secado em estufa at peso constante. uma tcnica bastante simples, entretanto h algumas limitaes. So necessrias amostras relativamente grandes, no sendo portanto possvel acompanhar o crescimento microbiano desde o incio do cultivo. necessrio que a biomassa celular atinja determinados nveis para que possa ser quantificada por peso seco. Outros inconvenientes incluem o fato do procedimento de lavagem da biomassa poder levar a perdas de clulas e esta tcnica no pode ser empregada quando o meio de cultura possui partculas slidas em suspenso. A determinao do peso seco bastante empregada na quantificao de biomassa fngica, onde o miclio retirado da cultura, lavado e transferido para um frasco ou placa e submetido secagem at peso constante. 7.2 Turbidimetria

53

Consiste na medida da turvao de uma suspenso microbiana. Pode ser medida a absorbncia em um espectrofotmetro ou a capacidade de disperso da luz em um nefelmetro. Tal metodologia requer a construo de curvas de calibrao, com base em determinaes de peso seco. A anlise turbidimtrica bastante rpida e de fcil execuo, entretanto no permite a determinao de clulas viveis.

Fonte de luz

Filtro

Amostra contendo clulas microbianas

Detector sensvel luz

Leitura dos resultados em absorbncia ou transmitncia no espectrofotmetro

Figura 21. Curva padro para o clculo de crescimento microbiano por turbidimetrria

7.3 Determinao Qumica de Componentes Celulares Atravs da dosagem de certos componentes celulares, como protenas e cidos nuclicos, possvel calcular a massa microbiana. Mtodo bastante sensvel, podendo ser aplicado a amostras pequenas. O inconveniente do mtodo reside no fato da composio qumica das clulas microbianas, principalmente de bactrias, variar com as condies de crescimento: composio do meio de cultura, idade da cultura e velocidade de crescimento.

7.4 Contagem do Nmero Total de Indivduos (contagem direta ao microscpio)

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Tcnica que consiste na contagem direta do nmero de clulas em um microscpio, seja de amostras coradas ou analisadas a fresco. O procedimento mais comum consiste em colocar diluies conhecidas da suspenso em cmaras de contagem (ex.: Cmara de Neubauer) e sob o microscpio contar diretamente o nmero de partculas presentes num determinado volume. A contagem direta uma tcnica rpida, mas tem como principais limitaes a impossibilidade de distino entre clulas vivas e mortas (o que pode ser contornado pelo uso de corantes vitais) e contagens errneas, devido s pequenas dimenses das clulas, ou a formao de agregados celulares. Obs. Existem aparelhos eletrnicos que contam automaticamente o nmero de partculas de uma suspenso (aparelhos tipo Coulter).

Cmara de Neubauer
Figura 22. Esquema de uma cmara de contagem de clulas

A Figura 23. Visualizao das clulas ao microscpio. Aumento de 100 X (A) e Aumento de 400 X (B)

55

Figura 24. Colorao com azul de metileno para evidenciar clulas viveis de leveduras clulas azuis esto mortas; clulas sem colorao so clulas vivas

A Cmara de Neubauer possui 25 campos de contagem, sendo cada um dividido em 16 partes. A rea total da cmara de Neubauer, ocupada por 25 campos de contagem, corresponde a uma rea total de 1 mm2 (1 mm de cada lado). Sabendo-se que a lamnula fica a 0,1 mm acima da cmara, esta rea comporta o volume de 0,1 mm3 (1mm x 1mm x 0,1 mm). No entanto, como as contagens so anotadas em cm3, o volume ser de 0,0001cm3 (1/10000 cm3). Portanto: n de clulas/ml= n de clulas (contadas em um campo contendo 16 divises) x 25 (total de campos de contagem) / 0,0001 cm3 (ml). 7.5 Contagem de Microrganismos Viveis o mtodo mais utilizado para contagem de bactrias e leveduras, e nesse caso so feitas diluies adequadas da suspenso de bactrias e leveduras. As diluies so semeadas na superfcie de meios slidos e aps um perodo de incubao, conta-se s colnias que cresceram. Se o espalhamento foi bem feito e homogneo, cada colnia corresponde a uma bactria. Levando-se em conta a diluio feita, calcula-se o nmero de bactrias e leveduras vivas presentes na suspenso original. Esta tcnica deve ser realizada empregando-se vrias diluies (100 a 104) das amostras.A contagem de viveis pode ser feita tanto pela semeadura em superfcie como em profundidade (pour plate). Geralmente o volume a ser inoculado no deve ultrapassar 0,1 mL, para evitar a confluncia das colnias. Esta tcnica precisa quando o nmero de colnias contadas situa-se entre 30 e 56

300 e quando condies culturais e ambientais esto adequadas para os microrganismos analisados.

Figura 25. Diluies seriadas e contagem em placas

8. PROCESSOS FERMENTATIVOS

Crescimento celular (considerando uma cultura bacteriana - diviso binria)

Partindo-se de uma nica clula tem-se: 1 2 4 8 16 32 ... Isto pode ser expresso como uma progresso geomtrica 1 21 22 23 24 25 ... 2n n = Nmero de geraes 2n = Expresso algbrica para o nmero mximo de clulas produzidas.

Tempo de Gerao (g): Intervalo de tempo necessrio para que cada microrganismo se divida (ou para que a populao de uma cultura duplique). O tempo de gerao varia de uma espcie para outra, varia com as condies nutricionais e condies fsicas de incubao. 57

Ex.: E. coli (12,5 min., em meio lquido) Mycobacterium tuberculosis (13 15 h)

Clculo do tempo de gerao: N = 1 x 2n N = populao total final partindo de uma clula. Como o nmero de bactrias inoculadas no tempo zero (N0) no exatamente 1 tem-se. N = N0 x 2n

Passado para a expresso log10 tem-se: log N = log N0 + n.log 2 Rearranjando a equao acima:
n= log N log N 0 log 2

n=

log N log N 0 0,301

Por esta expresso pode-se calcular o nmero de geraes que ocorrem em uma cultura, se o nmero da populao inicial e final forem conhecidas.
g= t n

onde t = tempo de crescimento A recproca do tempo de gerao (durante fase exponencial) a taxa de crescimento (R).
R= n t

58

Tais equaes, entretanto, somente se aplicam a microrganismos que se dividem binariamente e em condies de 100 % de viabilidade. Desta forma mais conveniente aplicar uma equao onde considerada a variao da massa X em funo do tempo.
dx = . X dt Segundo esta equao a velocidade de crescimento proporcional concentrao de microrganismos num dado instante. A frao pela qual a populao cresce na unidade de tempo dada por , que representa a velocidade especfica de crescimento.

=
Integrando a equao acima se tem: ln

1 dX . X dt

X = .t ou ln X = ln X 0 + .t X0

Transformando para logaritmos decimais tem-se: log X = log X 0 +

2,3

Quando um microrganismo inoculado em um meio de volume e composio conhecidos, o cultivo passa por uma srie de fases, conforme figura 1.

Log N

3 4 2 1
Tempo 1. 2. 3. 4. Lag Log Estacion ria Decl nio

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Figura 26. Crescimento de um microrganismo em um cultivo descontnuo (sistema fechado)

Obs. Esta curva pode ser traada se inocularmos um meio com um nmero conhecido de clulas, determinarmos a populao microbiana em intervalos de tempo e ento estabelecermos os valores logartmicos de um nmero de clulas viveis versus tempo. Em um sistema descontnuo (fechado), onde nenhum novo nutriente adicionado e nenhum produto do metabolismo microbiano removido, medida que o tempo passa a quantidade de nutrientes diminui e produtos do metabolismo so acumulados no meio. Essas modificaes tm uma considervel influncia sobre o crescimento dos microrganismos em cultura descontnua em meio lquido. No incio do processo h uma fase de latncia, em que o microrganismo se adapta as condies do meio. Nesta fase no h aumento no nmero de clulas, entretanto determinaes de massa geralmente acusam aumento, reflexo de um aumento no tamanho dos indivduos, pois as clulas esto sintetizando novo protoplasma. Esta fase ocorre quando o inculo provm de uma cultura velha (no mais em crescimento exponencial). Culturas velhas j perderam certos sistemas enzimticos. Inculo na fase exponencial semeado em meio idntico no apresentar fase lag e isso importante em um sistema fermentativo em grande escala. Aps certo perodo de tempo a velocidade de crescimento das clulas aumenta (fase de crescimento celular) at atingirem uma velocidade constante mxima (fase de crescimento exponencial ou logartmica). No final da fase.

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Na fase exponencial as clulas esto plenamente adaptadas, absorvendo os nutrientes, sintetizando seus constituintes e se multiplicando regularmente. medida que o crescimento continua, os nutrientes vo se esgotando e os produtos vo sendo excretados pelo organismo, a velocidade de crescimento diminui (fase estacionria). Nesta fase o nmero de indivduos novos igual ao nmero de indivduos que morrem, h esgotamento de um nutriente /ou acmulo de algum produto txico. Finalmente h a fase de declnio ou morte, onde a maioria das clulas est em processo de morte, o nmero de organismos que morrem torna-se progressivamente superior aos que surgem. Em alguns casos h lise das clulas.

8.1 Fatores que Influem na Velocidade de Crescimento


O crescimento de um microrganismo varia em funo de diversos fatores: Tipo de clula; Condies fsico-qumicas do meio ambiente; Temperatura; pH; A velocidade de crescimento varia com o tipo de clula microbiana e tambm em funo das condies fsico-qumicas do meio ambiente. Em geral, o tempo para que se duplique a biomassa aumenta com a complexidade do microrganismo, de forma que os tempos de duplicao mdios para as clulas animais e vegetais so substancialmente maiores que os mofos e leveduras, que por sua vez so maiores que das bactrias. O crescimento celular varia com a temperatura, uma vez que todos os processos de crescimento so dependentes de reaes qumicas, as quais so afetadas pela temperatura. A maioria dos microrganismos cresce entre 25 C e 35 C. Dentro desta faixa de temperatura o crescimento aumenta com o aumento da temperatura at um valor mximo, acima do qual a velocidade cai rapidamente devido ao incremento da taxa de morte microbiana. O pH influi no crescimento da mesma forma que na atividade enzimtica. A maioria dos microrganismos cresce em uma faixa de pH variando de 3 a 8. O pH timo normalmente bem definido para cada espcie. Encontra-se no valor mediano de variao de pH sobre o qual o crescimento acontece, diferentemente da temperatura tima. Para o melhor crescimento do microrganismo num meio cido ou bsico, ele deve ser capaz de

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manter o seu pH intracelular em torno de 7.5, no importando qual o valor do pH externo. A maneira de obter o pH da clula viva nessa faixa, expulsando ou absorvendo ons hidrognio (at um certo limite). As variaes de pH podem ser mortal ao cultivo de microrganismo, isto pode ser prevenido pela adio de um tampo ao meio. A velocidade de crescimento da clula microbiana depende da atividade de gua (AW) e da umidade relativa. As bactrias necessitam uma AW de 0,95 enquanto os mofos podem crescer em valores de atividade de gua menores, de at 0,7. Como em qualquer reao qumica, a velocidade de crescimento funo da concentrao do substrato ou de um nutriente essencial para o crescimento. Esta relao, taxa de crescimento e concentrao do substrato limitante, pode ser descrita pela equao de Monod.

X = max
onde:
X= velocidade especfica de crescimento;

S KS + S

max = mxima velocidade especfica de crescimento;

KS = constante de saturao, e equivale concentrao do substrato (S) quando X igual metade de max .

Taxa de absoro de nutriente

(h-1)

max
2

S (g/L) nutriente

Figura 27. Representao grfica da equao de Monod

62

O crescimento microbiano depende da capacidade da clula para utilizar os nutrientes do meio e sintetizar os compostos macromoleculares das estruturas celulares e tambm os compostos de baixo peso molecular, necessrios para a atividade celular. O metabolismo intermedirio inclui as reaes que transformam os compostos de carbono e nitrognio que entram na clula em novo material celular ou em produtos que so excretados. A sntese desses compostos necessita energia e a maioria das clulas utilizada nas fermentaes, so heterotrficas e obtm sua energia a partir da quebra de compostos orgnicos. Nos processos respiratrios ou aerbios, os microrganismos so capazes de oxidar completamente alguns dos substratos a CO2 e gua, obtendo o mximo de energia para a converso dos substratos remanescentes em nova massa celular. No metabolismo fermentativo ou anaerbio, as clulas so menos eficazes para converter os substratos orgnicos em material celular e usualmente excretam intermedirios degradados parcialmente. O crescimento de uma cultura microbiana pode ser dividido em fases ou estgios. Aps a inoculao de uma cultura em um meio nutriente existe um perodo durante o qual o crescimento parece no ocorrer; este perodo refere-se a fase Lag e pode ser considerada uma fase de adaptao. Seguindo um perodo durante o qual a taxa de crescimento das clulas aumenta gradualmente, as clulas crescem a uma taxa constante, este perodo conhecido como fase exponencial. Quando o crescimento diminui ou cessa as clulas entram na fase estacionria. Aps um longo perodo de tempo o nmero de clulas viveis decresce e a cultura entra na fase de morte ou declnio. A fase Lag pode virtualmente ser eliminada aumentando o tamanho do inculo e otimizando as condies fsicas dentro do fermentador. Em um processo industrial a durao da fermentao contribui para o custo do produto, logo uma fase Lag mnima aconselhvel. Quando um microrganismo cresce em um ambiente no qual todos os seus nutrientes essenciais esto em excesso, esse nutrientes se transformam em produtos finais do metabolismo energtico, em calor, ou em compostos requeridos para a reproduo de novas clulas. Durante a fase exponencial de crescimento a diviso celular ou velocidade de aumento da biomassa chega a ser mxima e os produtos gerados so essencialmente para o crescimento das clulas e incluem: aminocidos, nucleotdeos, protenas, cidos

63

nucleicos, lipdios, carboidratos, etc. Estes produtos so conhecidos como os primeiros produtos do metabolismo ou Metablitos Primrios e a fase a qual eles so produzidos (fase log ou exponencial) como trofofase. Tambm se inclui nesta categoria a biomassa celular que pode ser considerada como o metablito mais primrio. Os metablitos primrios se caracterizam por uma funo metablica direta, e so compostos intermedirios essenciais nas vias catablicas e anablicas.

Tabela 1. Produtos do metabolismo primrio e sua significncia comercial Metabolismo Primrio Etanol
cido ctrico cido glutmico Lisina Nucleotdeos Fenilalanina Polissacardeos Vitaminas

Uso comercial Ingrediente ativo em bebidas alcolicas, usado como combustvel. Acidulante na indstria de alimentos Realador de sabor Suplemento alimentar Intensificador de flavor Precursor do aspartame Espessante, estabilizante na indstria de alimentos Suplemento alimentar

Durante a desacelerao e na fase estacionria, algumas culturas microbianas sintetizam compostos os quais no so produzidos durante a trofofase e os quais parecem no ter nenhuma funo bvia no metabolismo celular. A estes compostos nos referimos como Metablitos Secundrios e a fase na qual eles so produzidos (equivalente fase estacionria) como idiofase. Os metablitos secundrios so compostos que no so necessrios para a biossntese celular, no tendo um papel direto no metabolismo energtico. A biossntese destes compostos est intimamente ligada com o metabolismo primrio das clulas que os produzem, j que normalmente seus precursores so metablitos primrios ou modificados, como cidos orgnicos, aminocidos, derivados de acares e bases nitrogenadas. Os metablitos secundrios mais importantes do ponto de vista comercial so os antibiticos, entre eles a Penicilina, cuja produo anual chega a 10.000 ton/ano. As toxinas e os alcalides representam o resto dos metablitos secundrios de importncia industrial.

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Quando se observa que determinado microrganismo cresce a taxas relativamente baixas de crescimento no seu meio ambiente natural, isto sugere indcios de que a
idiofase que prevalece sobre a trofofase, a qual pode ser mais uma das propriedades das

culturas de microrganismos.
Nutriente limitante do crescimento: Se o nutriente est presente em concentraes

que limitam o crescimento das clulas, denomina-se nutriente limitante do crescimento.


Substrato Limitante: a substncia cuja mudana de sua concentrao promove

mudanas nas velocidades de crescimento do microrganismo, de consumo do substrato e de formao do produto. Quando o nutriente limitante a principal fonte de carbono e de energia, denomina-se substrato limitante do crescimento.

Existindo vrios substratos limitantes, a equao de Monod pode ser estendida para:

X = max

K S K 1 S1 K S + 2 2 + ... + n n K 11 + S1 K 2 + S 2 K n + Sn

Se existir um excesso de todos os substratos, ento X = max e a cultura est na fase log, na sua velocidade mxima de crescimento. Se o primeiro substrato for exaurido e outro substrato estiver presente, tem-se uma segunda fase lag e log com outro tempo de gerao que caracteriza a metabolizao deste segundo substrato. Este fenmeno denominado de DIAUXIA. Isto ocorre porque um dos substratos, geralmente a glicose, catabolizada preferencialmente e inibe a quebra de outros substratos. As enzimas que catabolizam os outros substratos so indutivas (durante a segunda fase lag) aps a metabolizao completa do primeiro substrato.

Log No. clulas

glicose

maltose

maltotriose

12

18

24
Tempo

30 (horas)

Figura 28. Crescimento triuxico de Fusarium graminearum

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8.2 Estudo Cintico dos Processos Fermentativos


O estudo cintico de um processo fermentativo consiste basicamente no acompanhamento das variaes das concentraes de um ou mais componentes do sistema (microrganismo, metablitos, nutrientes ou substratos) em funo do tempo de fermentao. Os valores das concentraes de biomassa (X), produto (P) e substrato (S) quando representados graficamente em funo do tempo, nos permite traar as curvas de ajuste.

Figura 29. Curvas de ajuste de uma fermentao. X, P e S so as concentraes do microrganismo, do produto e do substrato residual no meio, respectivamente.

importante ressaltar que muitas vezes apenas dois valores dos parmetros X, S e P (valores finais e iniciais) so observados. Neste caso no se pode afirmar que um estudo cintico do processo tenha sido realizado, pois necessrio o conhecimento dos valores intermedirios. Estes valores permitem definir os perfis das curvas ou a forma matemtica destas, para uma anlise adequada do fenmeno sob o ponto de vista cintico. O entendimento do comportamento de cada parmetro de fermentao (X, P, S) em funo do tempo essencial para a transposio de um experimento de laboratrio para a escala industrial, bem como para o dimensionamento de uma instalao produtiva. O estudo cintico tambm permite a comparao quantitativa entre diferentes condies de cultivo (pH, temperatura, etc.) atravs de variveis como: as velocidades de transformao e os fatores de converses, obtidos a partir das curvas de ajuste.

Dispondo de um conjunto de dados experimentais de X, S e P em funo do tempo tm-se:

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X =

dX dS dP , S = , P = dt dt dt

Crescimento, Consumo, Formao

No so os melhores parmetros para se avaliar o estado em que se encontra o sistema.


Velocidades especficas:

Crescimento:

1 dX X dt

Consumo de substrato:

S = P =

1 dS X dt

Formao de produto

1 dP X dt

Distribuindo-se os dados da fase exponencial em coordenadas semilogartmicas, temse:


d ln( X ) 1 dX = . = (equao que expressa velocidade especfica de crescimento) dt X dt

Como essa fase tem a distribuio de uma reta velocidade especfica constante e mxima. log X = log X 0 + max(t ti ) Onde X0 = Concentrao celular no instante de incio da fase exponencial

Rearranjando a equao anterior:

X = X 0 e max(t ti )
Ou, re-escrevendo de outra forma, tem-se:

ln

X = .t ou ln X = ln X 0 + max .t X0

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Assim, pode-se obter o tempo de duplicao da biomassa, onde X 2 X0:


Tdup =

ln 2 max

8.3 Parmetros de Transformao


8.3.1 Fatores de Converso

Considerando-se determinado tempo (t) de fermentao, os correspondentes valores de X (biomassa microbiana), S (substrato) e P (produto) podem ser relacionados entre si, atravs dos fatores de converses definidos por:

A. Fator de converso de Substrato em Biomassa (YX/S: g/g)

YX / S =
Onde:

X X X 0 = S S0 S

X0 = Concentrao celular inicial X = Concentrao celular no instante t S0 = Concentrao inicial de substrato S = Concentrao residual do substrato no instante t. O fator de converso de substrato em biomassa pode ser obtido tambm atravs de:
YX / S =

Coeficiente de manuteno

S = mS +

Y 'X / S

(velocidade especfica de consumo de substrato para manuteno da viabilidade celular)

B. Fator de Converso de Substrato em Produto (YP/S: g/g)

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YP / S =

P P P0 = S S 0 S

C. Produto Formado por Unidade de Clulas (YP/X: g/g)

YP / X =

P P0 P = X X X 0

D. Produtividade volumtrica em produto (QP: g/L.h)

QP =

P P P0 = t tf

E. Produtividade volumtrica em biomassa (QX: g/L.h)

QX =

X X X 0 = t tf

F. Taxa global de consumo do substrato (QS: g/L.h)

QS =

S S S 0 = t tf

8.4 Tipos de Fermentao


As fermentaes so agrupadas em trs tipos distintos de processo:

8.4.1 Tipo 1 Associada (Fermentaes com Formao de Produto com Crescimento


Associado) Neste tipo de fermentao, a formao do produto ocorre em paralelo, ou quase, com o crescimento do agente e com o consumo do substrato. Produto e substrato se relacionam praticamente por estequiometria. No processo associado o produto derivado diretamente do metabolismo primrio, usado para a produo de energia. O crescimento, o catabolismo de carboidratos e a formao do produto ocorrem ao mesmo tempo. A TRODOFASE (fase de crescimento) e a IDIOFASE (fase de formao do produto) no so separadas. Exemplos: fermentao alcolica (etanol), a produo aerbica de leveduras, a fermentao ltica por Lactobacillus homofermentativos.

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8.4.2 Tipo 2 Semi-Associada (Fermentaes com formao de Produto com Crescimento


Misto) Neste caso, o crescimento do microrganismo parcialmente separado da formao do produto. H duas fases: na primeira, a velocidade especfica de formao do produto inversamente relacionada com o crescimento do agente e com a utilizao do substrato; na segunda, a velocidade especfica de formao do produto est em boa correlao com as velocidades especficas de consumo de substrato (S) e crescimento (X). O produto derivado de um substrato usado no metabolismo primrio, mas segue uma rota colateral. A trofofase e a idiofase so separadas. Em fermentao em batelada este tipo de cintica possui dois pontos importantes: a) crescimento celular acompanhado de alto consumo de substrato e pouca ou nenhuma formao de produto b) o crescimento diminui e a formao do produto comea acompanhada de um alto consumo de substrato. Exemplos: produo de cido ctrico e a fermentao glucnica.
A B D C E Metabolismo Primrio Produto

8.4.3 Tipo 3 No Associada (Fermentaes com Formao de Produto com Crescimento


no Associado) Aqui, a formao do produto retardada, somente se iniciando, quando a reproduo celular do agente cessa ou est em franco declnio e o substrato foi quase ou totalmente consumido. O metabolismo primrio e a formao do produto ocorrem em tempos separados. O produto no derivado do catabolismo, mas de rotas anfiblicas. Neste tipo de fermentao, o metabolismo primrio ocorre acompanhado do consumo de substrato, aps isto o produto formado por reaes do metabolismo intermedirio. Neste tipo de processo freqentemente as condies timas para o crescimento celular no so as mesmas para a formao do produto e a fermentao pode ser dividida em duas etapas, onde na primeira se d condies para as clulas crescerem e aps alterase a temperatura, pH, quantidade de oxignio ou concentrao de nutrientes para favorecer a formao do produto. Exemplos: fermemntao penicilnica, outros processos de produo de antibiticos e tambm vitaminas.

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A classificao dos processos depende da produo do metablito, da composio do meio de cultura e da regulao da cepa utilizada. Podem ocorrer formas intermedirias: produo de cido ltico (tipo 1 e 2), produo de antibiticos aminoglicosdicos (tipo 2 e 3). Um processo pode se comportar de duas formas distintas, conforme os parmetros de fermentao. Por exemplo, a produo de etanol um processo associado, mas pela modificao das condies de fermentao, pode ser forado a se comportar como noassociado.

Figura 30. Cintica das fermentaes alcolica, ctrica e peniclica, em graficao normal, convertidas em velocidades e convertidas em velocidades especficas, segundo Gaden.

9. FORMAS DE CONDUO DOS PROCESSOS FERMENTATIVOS


O termo fermentao no sentido mais amplo possvel pode ser definido como todo o processo no qual o microrganismo catalisa a converso de uma dada substncia num determinado produto. O processo de converso pode requerer ou no oxignio, e os prprios microrganismos podem estar includos entre os produtos formados. As fermentaes industriais podem ser classificadas de acordo com os tipos de alimentao das dornas (maneira atravs da qual o substrato adicionado) e como o produto retirado, em processos contnuos e descontnuos (batelada). Assim sendo, numa

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fermentao descontnua, o substrato inicialmente carregado num recipiente e, ao trmino do processo, o produto retirado do mesmo. Em uma operao contnua a matriaprima adicionada com uma vazo constante e o meio fermentado retirado com a mesma vazo de alimentao. H ainda os processos semicontnuos, nos quais a adio do meio e a retirada do produto so efetuadas intermitentemente. Tais processos podem ser considerados como intermedirios entre os descontnuos e os contnuos.

9.1 Fermentaes Descontnuas


Uma fermentao descontnua ou em batelada , na verdade um processo de formao de produto a partir da ao metablica de um microrganismo, agindo sobre o meio nutritivo ou mosto, em um sistema fechado (o fermentador).

A fermentao descontnua (batelada simples) considerada um sistema fechado exceto pela adio de oxignio, um agente antiespumante e um cido ou base para controlar o pH. Contm uma quantidade limitada de meio, em que o inculo passa por um nmero de fases (curva de crescimento). Em cada batelada utilizado inculo novo e terminada a fermentao o produto retirado e o resto descartado. Tem elevado custo.

Caractersticas do sistema descontnuo (batelada simples):


O fermentador contm um volume fixo de mosto, com uma quantidade limitada de nutrientes. O meio no renovado (durante fermentao). No instante inicial a soluo nutriente esterilizada no fermentador inoculada com microrganismos e incubada, de modo a permitir que a fermentao ocorra sob condies timas. No decorrer do processo fermentativo nada adicionado, exceto O2 (Ar - no caso de processos aerbios), antiespumante, cido ou lcali para

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controle de pH. Terminada a fermentao, descarrega-se a dorna, e o meio fermentado segue as etapas de recuperao do produto (downstream). O volume do reator no decorrer do processo descontnuo permanece constante (no havendo adio de solues para controle do processo, nem perda de lquido por evaporao). A fermentao descontnua pode levar a baixos rendimentos ou produtividades quando o substrato, adicionado de uma s vez no incio da fermentao, exerce efeitos de inibio, represso, ou desvia o metabolismo celular a produtos que no interessam. Apresenta tempos mortos (lavagem, esterilizao, carga/descarga). Apresenta menores riscos de contaminao comparado ao processo contnuo. o sistema de fermentao mais utilizado na indstria de alimentos (iogurtes, vinho, cerveja); Grande flexibilidade de operao.

Figura 31. Exemplo de cintica de cultivo descontnuo (batelada simples)

Inculo: Chama-se inculo, p-de-cuba ou p de fermentao um volume de


suspenso de microrganismo de concentrao adequada capaz de garantir, em condies econmicas, a fermentao de um dado volume de mosto. O volume de inoculo introduzido no fermentador varia de 0,5 % a 50 % v/v do mosto, sendo comumente ao redor de 10 % v/v. A tcnica de preparo do inoculo compreende duas fases: uma de laboratrio e a outra industrial. A partir de uma cultura estoque, propaga-se o microrganismo por meio de metodologia adequada. Normalmente na fase inicial passa-se do meio slido, em condies asspticas, para um tubo de ensaio contendo meio lquido esterilizado, adequado para o desenvolvimento microbiano. Aps incubao por um determinado perodo transfere-se o

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contedo desse tubo para frascos apropriados para agitadores rotativos (Shakers) contendo meio esterilizado. Aps incubao, transfere-se a suspenso microbiana para frascos maiores contendo meio nutriente esterilizado. O nmero de transferncias vai depender do volume til do germinador (pr-fermentador). Dependendo do volume do fermentador, poder se necessrio mais de um germinador. A cada passo, os organismos devem crescer rapidamente, sendo as transferncias feitas na fase logartmica de crescimento. Apenas na fase que corresponde ao inoculo (que ser adicionada ao fermentador), pode-se deixar que a cultura atinja a fase de declnio de velocidade de crescimento, caso seja interessante iniciar a fase de produo com clulas de um estgio mais avanado de curva de crescimento microbiano.

Mosto: Mosto o termo industrial usado para designar o meio de cultivo


empregado no processo. O mosto deve possuir os nutrientes necessrios para o crescimento celular, alm de favorecer a produo do produto desejado. A formulao de um meio de cultivo (mosto) deve levar em conta a composio celular, o requerimento energtico e a necessidade de substncias especficas.

Classificao dos processos fermentativos descontnuos:


Os processos descontnuos podem ser classificados em trs grandes grupos: Fermentaes em que cada dorna recebe um inculo: Consiste na inoculao de uma dorna com um microrganismo que foi propagado a partir de uma cultura pura. Oferece poucos riscos de contaminao se a propagao do inculo foi feita em boas condies de assepsia. Nas fermentaes em que o meio rico e o microrganismo altamente suscetvel a contaminao, a utilizao deste processo indicada. Este sistema o que oferece as melhores condies para uma boa fermentao, uma vez que cada fermentador recebe uma suspenso de microrganismos de elevada atividade e, praticamente, isenta de clulas contaminantes. Fermentaes com recirculao do microrganismo: aproveitado como inculo o microrganismo da batelada anterior. Para tanto, se espera que o microrganismo sedimente no fermentador (como o caso das cervejarias), ou se centrifuga o meio fermentado, separando-se as clulas e reutilizando-as. Esse procedimento comum em destilarias de lcool. Fermentao por meio de cortes: Inicia-se o trabalho inoculando-se uma dorna (Dorna A) com p-de-cuba, quando a fermentao atinge um estgio apropriado, 74

passa-se parte do contedo do fermentador A para um fermentador vazio (Dorna B) e, em seguida, enchem-se as duas dornas com meio a fermentar. Essa operao recebe o nome de corte. Esses cortes podem ser feitos na fase de crescimento mais intenso quando se deseja propagar o inculo, ou aps o trmino do processo fermentativo. A sucesso dos cortes pode levar a srias quedas no rendimento, principalmente quando se trabalha com meio no esterilizado. O nmero mximo de cortes sucessivos no pode ser previsto. Em cada caso somente o controle do rendimento poder dizer em que momento conveniente suspender-se o trabalho por meio de cortes e iniciar-se nova fermentao com inculo novo. As vezes o processo de cortes utilizado na fase industrial do preparo do prprio inculo, podendo-se operar do seguinte modo: em um dos tanques de crescimento do microrganismo uma vez alcanado o momento da transferncia para o tanque subseqente apenas uma frao da suspenso microbiana transferida, completando-se o tanque com mosto novo. Consegue-se, dessa maneira, em alguns casos evitar diversas das etapas iniciais do processo de preparo do inculo. Na prtica industrial h a possibilidade de serem utilizados processos mistos (batelada + cortes) o que acontece, por exemplo, em algumas fbricas de aguardente de cana que durante a semana trabalham pelo processo de corte e no fim da semana submetem o contedo de alguns fermentadores a uma centrifugao, utilizando a suspenso microbiana obtida como inculo de fermentadores para a semana subseqente. A principal desvantagem das fermentaes descontnuas quando se utiliza para produo de produtos associados ao crescimento, que a formao eficiente de produto tem lugar unicamente durante uma frao do ciclo de fermentao.

9.1.1 Fermentao Descontnua Alimentada (Batelada Alimentada)


Pode ser definida como sendo o processo no qual um ou mais nutrientes so supridos ao meio (adicionados no fermentador) durante cultivo e, no qual os produtos permanecem no reator at o final do cultivo.

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Caractersticas do sistema descontnuo alimentado (batelada alimentada):


Neste sistema possvel o controle das concentraes dos nutrientes (substratos) no fermentador atravs do controle da vazo de alimentao, o que propicia a manuteno de uma concentrao de substrato favorvel ao processo. Alternativa cada vez mais empregada nos processos biotecnolgicos. Apresenta algumas vantagens como: possibilidade de nveis baixos de determinados substratos inibidores como metanol, etanol, cido actico entre outros. Nveis baixos de glicose, permitindo assim, reduzir o efeito da represso catablica na sntese de vrias enzimas indutivas. Possibilidade de controle dos nveis de substratos indutores. Possibilidade de obteno de elevadas produtividades tanto em clulas quanto em produtos metablicos. Reposio de gua perdida por evaporao durante o processo Obs.: processos industriais de longa durao (2 semanas) operados a 1 vvm podem chegar perdas de 25 %.

Figura 32. Exemplo de cintica de cultivo descontnuo alimentado (batelada alimentada)

Classificao do processo descontnuo alimentado conforme modo de alimentao

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O sistema descontnuo alimentado (batelada alimentada) pode ser classificado segundo o modo de alimentao em: sistema em malha aberta e sistema em malha fechada. 1. Sistema em Malha Aberta: A vazo pr-estabelecida ou pr-calculada com base no conhecimento adquirido, podendo ser intermitente ou contnua. 2. Sistema em Malha Fechada: Utiliza o monitoramento de uma ou mais varivel do processo para alterar a vazo (feedback control). O sistema em malha fechada tem como vantagens: Permite ajuste do fornecimento de [S] em relao demanda do processo e melhor controle do processo. A. Controle de realimentao direta ex.: monitoramento da concentrao do nutriente alimentado. B. Controle de realimentao indireta ex.: monitoramento de outros parmetros (pH, O2, etc).

9.2 Fermentao Semicontnua


Pode ser definida como sendo o processo no qual aps o reator ser carregado com o meio de fermentao e o inculo so realizados as seguintes operaes: Operao 1 fermentao propriamente dita. Operao 2 parte do caldo fermentado retirado (o restante mantido no reator). Operao 3 adio de um volume de meio novo igual ao retirado. O meio fermentado (parte) que fica dentro do reator (operao 2) serve como inculo ao meio de fermentao adicionado e nova fermentao reiniciada. A seqncia das operaes 1, 2 e 3 so repetidas enquanto no houver queda da produtividade do processo. O processo chamado semicontnuo porque tanto o fluxo de entrada de meio no reator quanto o de sada do caldo fermentado so intermitentes. um processo no muito usado, entretanto pode apresentar algumas vantagens tais como: Possibilidade de operao do fermentador por longos perodos (at meses) sem a necessidade de preparao de inoculo.

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Possibilidade de obteno de produtividades maiores que as observadas em sistema descontnuo, quando conhecidas as melhores condies de operao.

Figura 32. Exemplo de cintica de cultivo semicontnuo

9.3 Fermentao Contnua

O processo de fermentao contnua caracteriza-se por possuir uma alimentao contnua do meio de cultura a uma determinada vazo constante, sendo o volume de reao mantido constante atravs da retirada contnua de caldo fermentado.

A fermentao contnua ocorre quando h formao do produto a partir do cultivo de microrganismo em um sistema aberto, no qual se pode manter o cultivo microbiano permanentemente em crescimento, por contnua adio de meio nutritivo, de modo a no alterar o ambiente celular, constante. A manuteno de volume constante de meio no reator essencial para que o sistema atinja a condio de estado estacionrio ou regime permanente, condio na qual as variveis de estado ([X], [S limitante] e [P]) permanecem constantes ao longo do tempo de operao do sistema. O estado estacionrio , portanto, alcanado quando no h alterao no contedo do fermentador ou reator: a massa celular, a concentrao do substrato e a do produto permanecem constantes, bem como o estado metablico do agente. 78

A manuteno de volume constante dentro do reator pode ser conseguida com o uso de sistemas de retirada de lquido por transbordamento (ladro) ou com bombas de alta vazo. Um sistema contnuo, contrariamente a um descontnuo, onde o meio ambiente, muda constantemente, fornece timas condies para estudar e avaliar a resposta dos microrganismos ao seu meio. O sistema contnuo em quimiostato especialmente til para avaliar o desempenho e a influncia de um nutriente ou fator essencial ao crescimento celular, possibilitando aplicar a equao de Monod. Apesar do grande esforo desprendido por vrios pesquisadores, as fermentaes contnuas ainda constituem um enorme campo a ser explorado, principalmente no que se refere a sua aplicao em processo de interesse econmico. Na prtica, h um nmero relativamente pequeno de instalaes industriais que utilizam os processos contnuos de fermentao. Pode-se dizer que, os processos contnuos constituem uma das tecnologias mais promissoras no campo da biotecnologia, pois, apesar da escassez das instalaes industriais existentes e da pouca diversidade dos produtos fabricados, muitos pesquisadores tm mostrado em escala piloto ou semiindustrial, a possibilidade de fabricao de diversos produtos atravs de cultivo contnuo. Como exemplo tem-se a produo de cido glicnico, cido ltico, cloranfenicol, penicilina, vitamina B12. Entre os microrganismos produzidos, pode ser citado os gneros Aerobacter, Azobacter, Bacillus, Clostridium, Penicillium, Sacharoromyces, Torula, etc. Os primeiros sistemas contnuos de fermentao foram os de dornas ligadas em srie, com quantidade e tamanhos variados, em cascata, em que as primeiras dornas continham cerca de 70% do volume total em fermentao. Com a evoluo dos processos da fermentao, ocorreu uma otimizao dos mesmos com reduo dos volumes e do tempo de fermentao com aumentos na produo. O processo ainda em cascata, com melhoramento nos sistemas de agitao e com diferenciado traado geomtrico das dornas. O sistema de fermentao contnua tem economia de matrias, menor espao de instalao e menos equipamentos requeridos, menor necessidade de mo de obra (se for automatizada). Alm disso, aludido sistema tem operacionalidade e manutenibilidade inferior ao por batelada (em caso de um acidente em uma das dornas, no se pode isol-la do sistema e prosseguir com o processo, sem grandes perdas). Ou seja, mais suscetveis infeco.

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Vantagens em relao ao Processo Descontnuo


Aumento da produtividade do processo, em virtude de uma reduo dos tempos mortos; Menor volume de equipamentos em geral; Obteno de caldo fermentado uniforme; Manuteno das clulas em um mesmo estado fisiolgico, o que interessante para estudos de mecanismos de regulao metablica e otimizao de composio de meio de cultura; Menor necessidade de mo de obra; Maior possibilidade de automao (amplas possibilidades de automao e uso da informtica);

Desvantagens em relao ao Processo Descontnuo


Investimentos iniciais na planta superiores ao descontnuo; Possibilidade de ocorrncia de mutaes gnicas espontneas; Maior possibilidade de ocorrncia de contaminao do processo; Dificuldade de manuteno de homogeneidade no reator quando em condies de baixas vazes; Formao de espuma, crescimento do microrganismo nas paredes do reator ou nos sistemas de entrada e sada, fatores estes que dificultam a operao em estado estacionrio.

Formas de Operao do Sistema Contnuo


1. Contnuo em um estgio Sem reciclo de clulas Com reciclo de clulas Com uma nica alimentao Com mltiplas alimentaes

2. Contnuo em mltiplos estgios (n reatores em srie)

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Sistema Contnuo em um nico estgio, sem reciclo de clulas

Sistema Contnuo em um nico estgio, com reciclo interno de clulas

Sistema Contnuo em um nico estgio, sem reciclo externo de clulas

Sistema Contnuo em mltiplos estgios, com uma nica alimentao e com reciclo

Sistema Contnuo em mltiplos estgios, com mltiplas alimentaes e com reciclo

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Equacionamento para um fermentador contnuo ideal sem reciclo de clulas:


Variao da massa de clulas no reator Massa de clulas que entra Massa de clulas que sai Massa de clulas que aparece devido ao crescimento

Como o volume de trabalho constante:

dX dX = F X0 F X +V Equao 1 dT dt Crescimento

A velocidade global instantnea de crescimento, por sua vez, pode ser expressa como:

dX = X Equao 2 dt Crescimento
Define-se a vazo especfica de alimentao (D) (diluition rate), como sendo a relao entre a vazo volumtrica de alimentao e o volume de meio no reator. Assim, tem-se que: D= Sendo que, F 1 h Equao 3 V

( )

1 = Tempo de residncia hidrulico no reator D

Substituindo-se as equaes 2 e 3 na equao 1, tem-se que: dX = D (X 0 X ) + X dt Como freqentemente X0 = 0, tem-se que:


dX = X DX dt

Considerando um estgio estacionrio no fermentador tem-se [X] constante (situao de estado estacionrio), logo constante), portanto: dX = 0 (a concentrao celular permanece dt

X = DX
Ou, ainda:

=D
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Na condio de Regime Permanente a Concentrao celular [X] constante graas ao equilbrio entre (velocidade de crescimento celular) e a velocidade de retirada das clulas. Velocidade especfica de crescimento () = Vazo especfica de alimentao (D). Atravs do uso de uma determinada vazo de alimentao ao reator, possvel controlar a velocidade especfica de crescimento (), significando que possvel fixar o estado fisiolgico das clulas. Washout = lavagem (arraste de clulas) do reator em funo de desequilbrios entre a vazo de alimentao e a velocidade de cre4scimento das clulas.

10. PRINCIPAIS PROCESSOS FERMENTATIVOS 10.1 Fermentao Alcolica


A fermentao alcolica pode ser considerada como a oxidao anaerbica, parcial, da glicose, por ao de leveduras, com a produo final de lcool etlico e gs carbnico, alm de outros produtos secundrios. um bioprocesso de grande importncia, atravs do qual obtido todo o lcool industrial e todas as bebidas alcolicas, e tendo como produto secundrio o gs carbnico.

10.1.1 Histrico da Fermentao Alcolica


BECHNER: Sculo XVII somente os lquidos aucarados so capazes de entrar em fermentao alcolica. O lcool era formado durante o processo de fermentao, mas de forma errnea acreditava na necessidade de ar para que ocorresse a fermentao, a qual dizia ser semelhante a combusto. BLACK: Sculo XVIII postulou que lcool etlico e o gs carbnico (C02) eram os nicos produtos formados a partir do acar durante a fermentao alcolica. LAVOSIER 1789 foi o primeiro a efetuar um estudo qualitativo da fermentao alcolica, identificando alm do lcool etlico e do CO2 outro composto, o cido actico. *lcool etlico + C02 + c. Actico

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GAY LUSSAC: seguiu os estudos de Lavosier, formulou a equao que julgava representar o fenmeno da fermentao alcolica: C6H12O6 2C2H5OH + 2CO2 PASTEUR: 1857 Explicou a natureza da fermentao alcolica, atribuindo-a a atuao de seres vivos invisveis a olho nu, as leveduras. EMBDEN, MAYERHOFF, ROBISON, NEUBERG, PARNAS E WARBUG: Sculo XX foram os arquitetos pioneiros da identificao das rotas bioqumicas que hoje representam a fermentao alcolica em todas as suas etapas.

10.1.2 Generalidades:
No Brasil, as indstrias de acar e de lcool estiveram sempre intimamente ligadas, desde o tempo do descobrimento. Deduz-se que a produo de lcool iniciou na Capitania de So Vicente, porque nela foi montado o primeiro engenho de acar do pas aps a vinda das primeiras mudas de cana-de-acar vindas da Ilha da Madeira em 1532. Certamente, transformava-se o melao residual da fabricao do acar em cachaa e, diretamente da garapa fermentada produzia-se aguardente. Por sculos as bebidas alcolicas foram o nico lcool produzido. A indstria de lcool industrial desenvolveu-se na Europa, nos meados do sculo 19; no ltimo quarto desse sculo iniciou-se a produo de etanol no Brasil, com as sobras de melao da indstria de acar, que ampliava sua capacidade produtiva. A Alemanha e, principalmente a Frana, deram grande contribuio ao desenvolvimento das tcnicas de fermentao alcolica, de destilao e de construo de aparelhos de destilao. Utilizava-se o etanol para fins farmacuticos, para bebidas e como fonte de energia trmica, por combusto, em algumas atividades. A I grande guerra (1914/1918) contribuiu para o desenvolvimento da produo em grande escala. Naquele perodo usou-se o lcool como combustvel lquido de motores de exploso. Em 1929 a grande crise internacional colocou em xeque as economias de todos os pases e, no Brasil, a indstria aucareira no ficou a salvo. Sobrava acar e cana e faltavam recursos para a aquisio de combustvel lquido. A primeira destilaria de lcool anidro foi instalada e o Governo Federal, em 1931, estabeleceu a obrigatoriedade da

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mistura de 5 % de etanol gasolina (Decreto 19.717), como medida de economia na importao de combustvel para amparar a lavoura canavieira. A crise internacional do petrleo em 1974, fez com que se iniciasse no Brasil, uma nova fase na produo de etanol. Na busca de alternativas para combustvel lquido, o lcool adquiriu uma importncia sem paralelo. Com a utilizao desse combustvel alternativo, ampliaram-se os canaviais, fez-se a modernizao das destilarias anexas, a instalao de unidades autnomas. O plano de desenvolvimento da produo de lcool no Brasil, denominado de Prolcool, contribuiu para que o pais passasse a produzir lcool em grande quantidade e a desenvolver tecnologias nacionais para melhorar a produo industrial. No entanto, nos finas dos anos 1980 e incio dos anos 1990 a produo nacional de lcool combustvel entra em decadncia, em funo de uma srie de fatos entre eles o abaixamento do preo internacional do petrleo. Com o crescente interesse nos combustveis oriundos de fontes renovveis, com menor potencial poluidor e com as atuais altas nos combustveis derivados do petrleo atualmente o lcool voltou na ser um produto de grande importncia comercial.

10.1.3 Matrias-primas para Produo de Etanol por Fermentao


Qualquer produto que contenha acar ou outro carboidrato, constitui-se em matria-prima para obteno de etanol. Entretanto, para que seja vivel economicamente, preciso considerar seu volume de produo, o rendimento industrial e o custo de fabricao. Trs tipos de substratos podem ser utilizados na obteno de etanol por fermentao. a. razes que contenham amido, tubrculos ou gros b. melaos ou suco de cana-de-acar ou de beterraba aucareira c. lignocelulsicos, madeira ou resduos do processamento de madeiras

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10.1.4 Processo Industrial de Produo de Etanol por Fermentao

O etanol (lcool etlico) foi uma das primeiras substncias orgnicas obtidas pelo homem a partir de processos fermentativos. Seu ponto de fuso -115 C e ponto de ebulio 78,5C. A temperatura ambiente este lcool lquido. O etanol tambm conhecido por lcool etlico ou lcool de cereais, e obtido pela fermentao de polissacardeos (amido, celulose) ou dissacardeos (sacarose, maltose). As fontes naturais mais importantes so: cana-de-acar(Brasil), beterraba, batata, cevada e arroz. No Brasil e em outras regies tropicais do planeta o acar e o lcool so produzidos a partir da cana-de-acar, enquanto na Europa o acar extrado da beterraba. No Brasil, basicamente o lcool obtido da cana de acar. A mandioca tambm tem certo potencial, mas em pequena escala. Um hectare de plantao de cana pode produzir 3350L de lcool, a mesma rea de plantao de mandioca, produz 2550L. Nos canaviais, a cana-de-acar passa pelas fases de crescimento na poca quente e de chuvas e maturao na poca fria e seca. Nesta fase a quantidade de sacarose aumenta muito. Chega ento o momento do corte, que deve ser feito na poca certa, seno a prpria planta comea a consumir o acar que produziu, diminuindo a quantidade de

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lcool a ser obtida. As usinas so responsveis pela transformao da cana em ACAR e LCOOL. Esta produo envolve reas agrcolas e industriais. A cana composta em mdia, de 65% a 75% de gua, mas seu principal componente a sacarose, correspondendo de 70 a 91% de seus slidos solveis. A planta tambm contm glicose (de 2% a 4%), frutose (de 2% a 4%), sais (de 3% a 5|%), protenas (de 0,5% a 0,6%), amido (0,001% a 0,05%), ceras e graxas (0,05% a 0,15%) e corantes (3% a 5%). Aps o corte, a cana transportada para as usinas, onde lavada desprendendo a sujeira mais grossa, picada e moda.

Moagem
A cana que chega unidade industrial processada o mais rpido possvel. Este sincronismo entre o corte, transporte e moagem muito importante, pois a cana uma matria prima sujeita a contaminaes e conseqentemente de fcil deteriorao. Antes da moagem, a cana lavada nas mesas alimentadoras para retirar a terra proveniente da lavoura. Aps a lavagem, a cana passa por picadores que trituram os colmos, preparando-a para a moagem. Aps o preparo, a cana desfibrada enviada moenda para ser moda e extrair o caldo. Na moenda, a cana desfibrada exposta entre rolos submetidos a uma presso de aproximadamente 250 kg/cm, expulsando o caldo do interior das clulas. Este processo repetido por seis vezes continuamente. Adiciona-se gua numa proporo de 30%. A isto se chama embebio composta, cuja funo embeber o interior das clulas da cana diluindo o acar ali existente e com isso aumentando a eficincia da extrao, conseguindo-se assim extrair cerca de 96% do acar contido na cana. O caldo extrado vai para o processo de tratamento do caldo e o bagao para as caldeiras. Apesar do tratamento preliminar citado, o caldo de cana contm, ainda , impurezas menores, que podem ser solveis, coloidais ou insolveis. Assim, ele passa por um tratamento qumico que visa principalmente coagulao, floculao, e precipitao destas impurezas, que so eliminadas por sedimentao. necessrio ainda fazer a correo do pH para evitar inverso e decomposio da sacarose. Obs. O caldo tratado pode ser enviado fabricao de acar ou de lcool, e o bagao utilizado como combustvel na gerao de vapor. O bagao que sai da moenda com muito pouco acar e com umidade de 50%, transportado para as caldeiras, onde queimado para gerar vapor, que se destina a todas as 87

necessidades que envolvem o acionamento das mquinas pesadas, gerao de energia eltrica e o processo de fabricao de acar e lcool. A sobra de bagao vendida para outras indstrias. O bagao muito importante na unidade industrial, porque o combustvel para todo o processo produtivo. Um bom sistema trmico fundamental. Parte do vapor gerado enviado aos turbogeradores, que produziro energia eltrica suficiente para movimentar todos os acionamentos eltricos e a iluminao.

Tratamento Qumico do Caldo


Inicialmente adiciona-se anidrido sulfuroso (SO2) ao caldo, que o absorve, baixando o seu pH original a aproximadamente 4,0. Este processo tem como objetivos principais inibir reaes que causam a formao de cor; a coagulao de colides solveis e conseqentemente auxiliar na sedimentao das partculas de impureza; a formao do precipitado CaSO3 (sulfito de clcio); e diminuir a viscosidade do caldo e; conseqentemente do xarope, massas cozidas e mis, facilitando as operaes de evaporao e cozimento (no caso da produo de acar). O SO2 gasoso produzido na usina atravs da queima do S (enxofre) na presena de ar, em fornos especiais. Posteriormente, adiciona-se ao caldo uma soluo de hidrxido de clcio (Ca(OH)2). Este processo tem por objetivo a eliminao de corantes do caldo, a neutralizao de cidos orgnicos e a formao de sulfito e fosfato de clcio, produtos estes que, ao sedimentar, arrastam consigo impurezas presentes no lquido e elevam o pH do caldo para valores da ordem de 6,8 a 7,2. A soluo de hidrxido de clcio tambm produzida na prpria usina segundo a equao: CaO + H2O Ca(OH)2 + calor Parte do caldo tratado quimicamente desviada para tratamento especfico para fabricao lcool. Este tratamento consiste em aquecer o caldo a aproximadamente 105C sem adio de produtos qumicos, e aps isto, decant-lo. Aps decantao, o caldo clarificado ir para a pr-evaporao e o lodo para novo tratamento, semelhante feito ao lodo do acar. Na pr-evaporao o caldo aquecido a aproximadamente 115C, evapora gua e concentrado a 20Brix. Este aquecimento favorece a fermentao por fazer uma "esterilizao" das bactrias e leveduras que concorreriam com a levedura do processo de fermentao. Livre de impurezas e devidamente esterelizado, o caldo est pronto para ser enviado a fermentao. Prepara-se o mosto, cuja concentrao de acar foi ajustada de forma a facilitar sua fermentao) e com a adio de levedura (fermentos biolgicos) , consegue-se a 88

transformao da sacarose em etanol em duas etapas, devido s enzimas produzidas pelas leveduras, tais como Saccharomyces Cerivisae. No preparo do mosto define-se as condies gerais de trabalho para a conduo da fermentao como, regulagem da vazo, teor de acares e temperatura. Densmetros, medidores de vazo e controlador de Brix automtico monitoram este processo. Inicialmente, a sacarose, que um dissacardeo, se hidrolisa na presena da enzima invertase, produzindo glicose e frutose, ambas monossacardeos (C6H12O6). Glicose e frutose so substncias isomricas, ou seja, apresentam a mesma frmula molecular, mas possuem arranjos geomtricos diferentes.

C12H22O11
sacarose

H20
invertase

C6H12O6
glicose

C6H12O6
frutose

Na seqncia, sob ao da enzima zimase, os monossacardeos so fermentados produzindo etanol e gs carbnico.


C6H12O6
Glicose ou frutose zimase

2 C2H5OH
etanol

2 CO2
gs carbnico

Durante a reao, ocorre intensa liberao de gs carbnico, a soluo aquece-se e ocorre a formao de produtos secundrios como lcoois superiores, glicerol, aldedos, etc. A liberao de gs carbnico facilmente observada pela formao de bolhas, o que causa a impresso de que est em ebulio, o que no verdade. Esse fenmeno conhecido como fervura fria. O tempo de fermentao varia de 4 a 12 horas. Ao final deste perodo, praticamente todo o acar j foi consumido, com a conseqente reduo da liberao de gases. Ao terminar a fermentao, o teor mdio de lcool nestas dornas de 7% a 10%, e a mistura recebe o nome de vinho fermentado. Devido grande quantidade de calor liberado durante o processo e necessidade da temperatura ser mantida baixa (34C), preciso realizar o resfriamento do vinho, circulando gua em serpentinas internas s dornas, ou em trocadores de calor, por onde o vinho bombeado continuamente com gua contracorente. Aps a fermentao o vinho enviado para as centrfugas, para que a levedura usada no processo seja recuperada.

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A levedura aps passar pelo processo de fermentao se "desgasta", por ficar exposta a teores alcolicos elevados. Aps a separao do fermento do vinho, o fermento a 60% diludo a 25% com adio de gua. Regula-se o pH em torno de 2,8 a 3,0 adicionando-se cido sulfrico que tambm tem efeito desfloculante e bacteriosttico. O tratamento contnuo e tem um tempo de reteno de aproximadamente uma hora. O fermento tratado volta ao primeiro estgio para comear um novo ciclo fermentativo; eventualmente usado bactericida para controle da populao contaminante. O vinho delevedurado ir para os aparelhos de destilao onde o lcool separado, concentrado e purificado.

Destilao e Desidratao
O vinho que vem da fermentao possui em sua composio, 7 a 10 % de etanol, alm de outros componentes de natureza lquida, slida e gasosa. Dentre os lquidos, encontram-se gua (89 a 93%), glicerina, aldedo actico, etc. J os slidos so representados por bagacilhos, leveduras e bactrias, sais minerais, etc, e os gasosos, principalmente CO2 e SO2. O etanol presente neste vinho recuperado pela destilao, processo que se utiliza dos diferentes pontos de ebulio das diversas substncias volteis presentes, separando-as. A operao realizada com auxlio de colunas de destilao. A destilao processada em colunas superpostas, nas quais, o lcool separado do vinho e sai com a flegma (vapores com 40 a 50GL). A destilao elimina ainda impurezas (estres e aldedos). Esta etapa tem por finalidade esgotar a maior quantidade possvel de lcool do seu produto de fundo, que denominado vinhaa. A vinhaa, rica em gua, matria orgnica, nitrognio, potssio e fsforo, utilizada na lavoura para irrigao da cana, na chamada fertirrigao. O lcool hidratado, produto final do processo de destilao e retificao, uma mistura binria lcool e gua que atinge um teor da ordem de 96GL. Isto ocorre devido a formao de uma mistura azeotrpica, fenmeno fsico no qual os componentes no so separados pelo processo de destilao. Este lcool hidratado pode ser comercializado desta forma ou passar pelo seguinte tratamento: Em uma coluna de desidratao, o ciclohexano (pode tambm utilizar benzeno) adicionado esta mistura, pois tem a capacidade de formar uma mistura azeotrpica

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ternria, ciclohexano-gua-lcool, com ponto de ebulio inferior ao do lcool anidro, portanto o lcool retirado do fundo da coluna com aproximadamente 99, 7GL. A desnaturao do lcool uma prtica oriunda da regulamentao, pela autoridade responsvel pelo controle de bebidas alcolicas, que visa marcar, com a finalidade de poder identifica-lo facilmente, quando necessrio, o etano, industrial. O etanol industrial marcado com uma ou mais substncias que devem: a) ser dificilmente eliminveis por meios fsicos ou qumicos; b) no ser custica ou corrosivas. As seguintes substncias so usadas para este fim, ss ou combinadas: metanol, cnfora, benzeno, corantes de anilina, beses pirimdicas, entre outras.

10.2 Fermentao Ltica


A fermentao ltica est entre as mais importantes fermentaes industriais, estando os detalhes metablicos da rota fermentativa bem definidos e estudados. Na fermentao lctica, a glicose sofre gliclise exatamente como na fermentao alcolica. Porm enquanto na fermentao alcolica o aceptor de hidrognios o prprio aldedo actico, na fermentao lctica o aceptor de hidrognios o prprio cido pirvico, que se converte em cido lctico. Portanto no havendo descarboxilao do cido pruvico, no ocorre formao de CO2. Equao simplificada da fermentao lctica (homoltica): C6H12O6 2C3H6O3 + 2ATP A fermentao ltica realizada por microorganismos (certas bactrias, fungos e protozorios) e por certos animais. O cido ltico tambm produzido nos msculos a partir do cido pirvico, durante exerccios vigorosos, produzindo dores musculares ou cibras. A respirao intensificada durante um exerccio muscular, porque consome-se mais oxignio. Nossos msculos, porm, so dotados de um mecanismo que garante a continuao do esforo, mesmo na ausncia do oxignio: a respirao anaerbia, onde a glicose se decompe na ausncia do gs oxignio, reproduzindo cido ltico. Quanto maior a atividade muscular, mais cido ltico se acumula no msculo, tornando-o fatigado e incapaz de contrair-se, produzindo cansao e at cibras. A acumulao de cido lctico no corpo designada por acidose lctica. As bactrias do gnero Lactobacillus so muito empregadas na fabricao de coalhadas, iogurtes e queijos. Elas promovem o desdobramento do acar do leite (lactose)

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em cido ltico. O acmulo de cido ltico no leite torna-o "azedo", indicando uma reduo do pH. Esse fato provoca a precipitao das protenas do leite, formado o coalho. A partir da fermentao ltica pode ser obtido o cido ltico, o qual encontra inmeras aplicaes na indstria. A fermentao ltica tambm largamente utilizada na preservao dos alimentos. Importantes produtos de origem vegetal como picles, chucrute e azeitonas e de origem animal como queijos e embutidos fermentados (salames.piperoni) so elaborados por meio da fermentao ltica. Outros produtos como iogurtes, leite acidfilo, bebidas como Quefir, coalhadas, polvilho azedo e manteigas tambm incluem a fermentao ltica no processo de produo. Tambm empregada para a conservao de forrageiras (silagem), onde contribui para o aumenta da digestibilidade da forrageira, melhora o sabor e contribui para o enriquecimento protico. Na fermentao de produtos pouco cidos como leite e carnes, a fermentao ltica realizada com objetivo de aumentar a concentrao de microorganismos fermentadores. Para reduzir o tempo de fermentao e inibir o crescimento de germes patognicos e deterioradores, adiciona-se uma determinada quantidade de microorganismos selecionados, com o objetivo de iniciar a fermentao; essa cultura de microorganismos conhecida como "cultura starter".

10.2.1 Produo de cido Ltico por Fermentao

cido 2-hidroxipropanico

O cido ltico, cido 2-hidroxipropanico foi isolado por em 1880 por um qumico Sueco (Carl Wilhelm Scheele) a partir de leite azedo. Tornou-se comercialmente importante desde 1881 tendo aplicao nas indstrias alimentcia, farmacutica, cosmtica, txtil, de couro e qumica. Na indstria qumica empregado como matria-prima para produo de plsticos biodegradveis. No entanto, a maior aplicao do cido ltico e seus derivados efetuada na indstriade alimentos, onde utilizado com as funes de diminuio de pH; como

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agente

antimicrobiano; adjuvante

de

sabor;

solvente;

estabilizador;

umectante;

emulsificador; plasticizante, alm de ser reconhecido como seguro pela Food and Drug Administration (FDA). O cido ltico pode ser obtido tanto pela ao fermentativa de bactrias, fungos e leveduras quanto por sntese qumica. Porm, os processos fermentativos podem ser mais vantajosos do ponto de vista econmico. A produo de cido ltico em escala comercial ainda feita, em sua maioria, pela fermentao descontnua. As bactrias lticas so bastante exigentes quanto s condies de crescimento. O acares representam as melhores fontes de carbono para estas bactrias, havendo tambm necessidade de fonte de nitrognio, vitaminas e sais minerais para o bom desempenho da fermentao ltica. Devido sua estrutura qumica, o cido ltico ocorre em duas formas isomricas: cido L (+) ltico e cido D (-) ltico. Ambas as formas isomricas podem ser utilizadas para a sntese de polmeros com diferentes propriedades. Por outro lado, sob o ponto de vista nutricional, o uso ou a formao (por fermentao) de cido D (-) ltico em alimentos e bebidas indesejvel uma vez que esta forma isomrica no facilmente metabolizada por mamferos, incluindo humanos. Alm disso, o consumo excessivo de cido D (-) ltico pode levar a distrbios mdicos e no recomendado na alimentao de bebs e crianas. At pouco tempo atrs (incio da dcada de 90), a produo de cido ltico em escala comercial era considerada uma tecnologia madura, com uma produo global mdia em torno de 40 mil toneladas por ano. At ento, tanto a fermentao quanto a sntese qumica eram igualmente utilizadas em escala industrial. O cido L (+) ltico obtido por fermentao era destinado principalmente para o uso como acidulante em alimentos processados. Por outro lado, o cido ltico obtido por sntese qumica era utilizado principalmente para a produo de derivados devido maior pureza qumica, apesar de sua natureza racmica. O emprego de sntese qumica para a produo de cido ltico em escala industrial foi largamente substitudo pelo processo fermentativo, baseado no cultivo anaerbio de Lactobacillus. Cerca de 90% da produo mundial obtida por fermentao, enquanto o restante obtido sinteticamente atravs da hidrlise de lactonitrila. Rendimentos, concentraes e produtividades da ordem de 95%, 100g/l e 2g/lh, respectivamente, so obtidos em escala industrial. A produo global nos dias atuais estimada como sendo em torno de 100 mil toneladas por ano, com um valor de mercado da ordem de 150 milhes de dlares. 93

As bactrias lticas so os catalisadores preferidos para a produo de cido ltico. Atualmente, estas bactrias so compostas pelos seguintes gneros de bactrias grampositivas: Carnobacterium, Enterococcus, Lactobacillus, Lactococcus, Leuconostoc, Oenococcus, Pediococcus, Streptococcus, Aerococcus, Tetragenococcus, Vagococcus e Weissela. Em geral, as bactrias lticas so anaerbias facultativas. Devido tolerncia ao oxignio, a excluso completa deste elemento durante as fermentaes no um requisito absoluto. A temperatura tima de crescimento varia entre 20 e 45C, dependendo do microrganismo considerado. Estas bactrias exibem baixa atividade proteoltica e lipoltica, e apresentam capacidade limitada de biosntese, requerendo a adio de aminocidos e vitaminas do complexo B ao meio de cultivo para crescimento. Incapazes de sintetizar ATP por meio de respirao, as bactrias lticas obtm energia atravs de fosforilao ao nvel de substrato. Dependendo das vias metablicas utilizadas durante o metabolismo de acares, a fermentao pode ser homoltica (cido ltico obtido como nico produto do metabolismo), heteroltica (CO2, etanol e/ou acetato obtidos como subprodutos do metabolismo, ao lado de cido ltico). Alm disso, dependendo das condies prevalecentes durante o cultivo, o metabolismo de acares pelas bactrias lticas pode ser alterado, resultando em subprodutos adicionais. Em teoria, bactrias homofermentativas como Pediococcus, Streptococcus, Lactococcus e alguns Lactobacillus produzem 2 moles de lactato e 2 moles de ATP por mol de glicose consumida. A proporo entre os ismeros, L (+) e D (-), obtidos durante a fermentao varia com o gnero e, dentro de um mesmo gnero, com a espcie do microorganismo. cido L (+) ltico produzido por Aerococcus, Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Tetragenococcus, Streptococcus, e Vagococcus. cido D (-) ltico produzido por Leuconostoc e Oenococcus. Microorganismos dos gneros Lactobacillus, Pediococcus e Weissella produzem ambas as formas isomricas, isolada ou conjuntamente, dependendo da espcie considerada e das condies de cultivo.

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Processo fermentativo de Produo do cido Ltico

Fluxograma esquemtico do processo fermentativo de produo de cido ltico Matria-prima: amido hidrolisado, xarope de dextrose, outros aucares, subprodutos( soro de queijo, melao, gua de macerao de milho); usado suplementos como vegetais crus (fontes de vitaminas do complexo B) e Carbonato de Clcio (2 moles por mol de hexose); 1. Usados comercialmente Lactobacilos homofermentativos; 2. 12-13 % de substrato para evitar a cristalizao do lactato; 3. Processo sem aerao (os lactobacilos so estritamente fermentativos aerotolorantes ou anaerbios); 4. Agitao lenta para manter o CaCO3 suspenso; 5. Controle de p 6,3-6,5 (72 h de cultivo); 6. O substrato acar deve ser todo consumido pois interfere na recuperao do cido (YC: 99,9%); 7. Rendimento do processo: 93 % - 95 %; 8. Dowstrem: As clulas so separadas do caldo fermentado por filtrao, o filtrado tratado com cido sulfrico para a precipitao do clcio (CaSO4.2H20). A suspenso filtrada e o clcio precipitado lavado. A gua de lavagem do sulfato de clcio misturada ao filtrado e o cido recuperado por evaporao. Para uso alimentcio (soluo 50 %) antes do processo de recuperao a soluo submetida a processo de descolorao com carvo ativado;

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Obs.: Vantagens da Rota Fermetativa sobre a Qumica Algumas cepas podem produzir a forma D ou L pura, enquanto a rota qumica produz sempre uma mistura racmica; Possibilidade de uso de substrato de fontes renovveis (j existe cepas recombinantes capazes de fermentar xilose e, portanto a possibilidade de uso de material lignocelulsico).

10.2.2 Fermentao Ltica de Vegetais Processo Fermentativo de produo do Chucrute


Segundo as Normas Tcnicas Especiais Relativas a Alimentos e Bebidas, chucrute o produto obtido pela fermentao ltica de repolho (Brassica oleraceae), principalmente da variedade branca, lisa, e apresentando-se sob a forma de tiras finas, midas de cor amarelo-esverdeada e de gosto cido caracterstico.

Fluxograma esquemtico do processamento do chucrute

Processamento: Recepo: Deve-se fazer uma seleo, usando apenas cabeas firmes, de alta densidade e
sadias. Normalmente so deixadas em locais sombreados e bem aerados para murchar um pouco e evitar quebras no corte. 96

Preparo: Remoo das folhas externas manualmente e retirada do caule por meio de facas
cnicas rotativas ou manualmente. A seguir o repolho cortado em tiras finas.

Adio de Sal: Comumente so utilizadas quantidades entre 2 % e 3 % (2,5 %). O sal deve
ser bem misturado com o repolho picado. O repolho picado e salgado levado aos tanques ou tonis de fermentao, onde deve ser bem compactado para criar um ambiente anaerbio. O sal mais a compactao extraem o suco do repolho e, aps cheio, o tanque ou tonel cobre toda a massa compactada. colocada uma falsa tampa no tanque ou tonel e sobre esta tampa pesos para manter a compactao e evitar a flotao pois, no incio da fermentao, quantidades considerveis de gs so produzidas. A flora natural do repolho variada e suficiente para produzir uma boa fermentao, mas tambm h a flora deteriorante que, em princpio inibida pelo sal, mas s vezes deteriora o produto ou provoca reaes paralelas, permitindo uma variabilidade no produto final, principalmente em sabor e aroma, pela produo de compostos orgnicos variados. Por isso, pode ser usado culturas puras, que so inoculadas no repolho picado. A temperatura ideal para a fermentao de 18C. Deve-se remover a pelcola formada na superfcie para evitar a degradao do cido ltico ou ento cobrir o selo lquido com leo mineral. O chucrute, aps fermentao, tem em mdia 1,8 % de cido ltico, mas pode passar de 2 % em alguns casos (mximo de 3 %).

Enlatamento: A estabilizao trmica do chucrute feita geralmente por enchimento a


quente (acima de 85C), ma vez que a penetrao de calor no chucrute em latas bastante difcil. O chucrute colocado em tacho encamisado e aquecido sob agitao at prximo temperatura de fervura. A seguir ele enlatado prensado e coberto com o prprio caldo quente de fermetao. Em seguida as latas so fechadas, de preferncia sob fluxo de vapor, dando-se aps um rpido tratamento em banho-maria para esterilizar o recipiente e a tampa. Ou ento, desde que a temperatura de enchimenrto esteja acima de 90C, faz-se a inverso do recipiente durante 5 minutos para esterilizao da tampa. Aps o enlatamento, pasteurizao o produto segue para as etapas de resfriamento, estocagem, rotulagem e encaixotamento.

Processamento de Azeitonas
Para esse tipo de produto, utilizam-se apenas azeitonas de cor verde ou ligeiramente amareladas. As verdes, bastante amargas, so colocadas em tanques de madeira ou de 97

cimento, a fim de passar por tratamento com soda. Essa operao tem por finalidade remover parcialmente o amargor resultante do glicosdeo oleuropena. Os frutos so tratados com uma soluo de soda (NaOH), cuja concentrao varia de 1,25% a 2 %. As solues mais fortes devem ser usadas com cuidado a fim de se evitar a queima ou amolecimento dos frutos. Os lotes das variedades de frutos grandes devem ser tratados com mais cuidado. A soluo fica em contato com os frutos at que penetre cerca de dois teros (2/3) da espessura da polpa. A penetrao da soluo de soda pode ser controlada com o auxlio de soluo alcolica de fenolftalena a 1 %. O tempo para a penetrao da soda varia de 4 a 12 h, ou mais, dependendo da concentrao de soda, variedade, tamanho dos frutos, temperatura da soluo, grau de maturao, etc. Uma pequena da polpa, junto ao caroo, no deve ser tratada, porque um ligeiro amargor essencial para dar ao fruto fermentado o sabor e aroma caracterstico. Uma vez terminado o tratamento com soda, afim de se remover o seu excesso, procede-se lavagem dos frutos. Fazem-se trocas de gua frequentemente, sendo que, de modo geral, feita de 4 em 4 horas durante o dia e intervalos de 10 horas durante a noite. Os frutos so lavados at que cerca de 75%-80% deles no apresentem mais reao com a fenolftalena. As azeitonas devem ficar completamente abrigadas de contato com o ar, o que se verifica apenas durante a troca de gua e deve ser feita o mais rapidamente possvel, para evitar o seu escurecimento. Aps a lavagem, so colocadas em barris com salmoura. Geralmente, empregam-se barris com capacidade para 545 litros (170 gales). Em cada um deles so colocados aproximadamente 125 quilos de frutos, que devem ficar completamente cobertos por 76 litros de salmoura. Os barris fechados com batoques, preferivelmente, de carvalho usados so colocados nos terreiros, em cima de suportes de madeira e conservados deitados, a fim de sofrerem a fermentao ltica. Antes de ser utilizados devem ser lavados, inteiramente, com uma soluo aquecida de carbonato de sdio, com gua quente e tratados com vapor. Devem passar por um tratamento enrgico, de modo a se eliminar, completamente, todo o aroma e o sabor estranhos. A salmoura utilizada apresenta uma concentrao que varia de 6 % a 8 %, dependendo da variedade que est sendo processada. Para algumas delas necessrio iniciar a fermentao com uma salmoura de concentrao mais baixa e elev-la gradativamente, a fim de se evitar o enrugamento dos frutos. As azeitonas em contato com a salmoura vo absorvendo certa quantidade de sal e a concentrao, na salmoura, pode baixar para 2,5 %. Mais sal adicionado, gradativamente, para elevar a concentrao de salmoura at 6-8%. Durante esse perodo, processa-se a fermentao ltica, que dura de 6 a 10 semanas ou mais. A flora microbiana presente vai depender da concentrao da 98

salmoura. No caso da fermentao de azeitonas da variedade Manzanillo, a concentrao de salmoura varia de 7-8% e encontrado quase que exclusivamente espcies homofermentativas de Lactobacillus plantarum. Quando se utilizam concentraes de salmoura ao redor de 5 %, encontram-se espcies homofermentativas e heterofermentativas de Lactobacillus. Durante a fermentao pode ocorrer a formao de gs, que provocar a perda de certa poro da salmoura. A fim de se evitar a exposio dos frutos ao ar, o nvel da salmoura, nos barris, deve ser ajustado diariamente, se exigido. Para que ocorra a fermentao ltica, necessrio que os frutos apresentem certa quantidade de acares fermentescveis. Os frutos frescos de azeitona geralmente contm glicose, frutose, sacarose e manitol. Entretanto, durante o tratamento com a soluo de soda, cerca de 5 % dos acares podem ser destrudos, o que acarretar retardamento na fermentao ltica. Nesse caso, conveniente juntar certa quantidade de acar aos barris com a finalidade de acelerar a fermentao. Empregam-se, geralmente, cerca de 450-900 gramas por barril. O comumente utilizado o de milho (glicose). Durante a fermentao, cuja temperatura no deve ser inferior a 24C, o pH vai decrescendo, terminando o processo fermentativo quando baixar para 3,8. Muitas vezes, para evitar o aparecimento de fermentaes indesejveis, junta-se salmoura certa quantidade de cido ltico. O produto final ter uma acidez de 0,8 a 1,25 %, calculada em cido ltico presente na salmoura. A cor verde inicial dos frutos adquire, no produto final, tom verde-amarelado. As azeitonas so colocadas em vidros cheios com salmoura a 7-7,5% e lavadas vrias vezes para eliminar os sedimentos. Algumas vezes esta acidificada com cido ltico na base de 0,25-0,50 gramas/cm3, antes de ser adicionada aos vidros.

10.3 Fermentao Actica 10.3.1 Vinagre


O vinagre, assim como o vinho, a cerveja, o po, o Kefir e o iogurte, um alimento fermentado conhecido h milhares de anos. Seu nome provm do francs vinaigre ou vinho azedo, estendendo-se a quase todas as lnguas ocidentais (excesso o italiano aceto e o alemo essig). As primeiras referncias do vinagre datam de 8000 anos a.C. Na poca, tratava-se de um condimento muito aproveitado devido s propriedades benficas ao organismo humano e sua importncia na alimentao. Foi muito utilizado como bebida refrescante, 99

diludo na gua e tambm como medicamento. Foi recomendado, tambm, para tratar de disfunes respiratrias, feridas e lceras, devido s suas propriedades desinfetantes e antiinflamatrias. Na cozinha, o emprego do vinagre era generalizado e constante. Nas guerras, o vinagre era recomendado aos soldados, principalmente quando atuavam em ambientes midos, fazendo parte da rao diria, para prevenir possveis contaminaes microbiolgicas, para desinfetar e temperar os alimentos. Nas epidemias de clera que ocorreram no passado, o vinagre foi utilizado para desinfeco, para isso recomendavam lavar as mos antes e depois de visitar um doente e lavar as frutas e verduras antes do consumo. Estudos posteriores mostraram que um vinagre com 5% de cido actico letal para os vibries da clera, quando em contato por cinco minutos. O vinagre o produto da transformao do lcool em cido actico por bactrias acticas, estando sua histria estreitamente ligada com a do vinho. Lavoisier (1743-1794), em 1790, comprovou cientificamente a responsabilidade do oxignio na formao do vinagre e, Pasteur (1822-1895), 74 anos mais tarde, comprovou a necessidade de um fermento vivo para transformao do etanol em cido actico. A primeira equao qumica representando a formao do cido actico a partir do etanol foi descrita por Dobereiner em 1822. O vinagre considerado um condimento, pois a sua principal finalidade atribuir gosto e aroma aos alimentos. Os condimentos, de modo geral, quando ingeridos em quantidades moderadas, estimulam a digesto. O vinagre apresenta propriedades estimulantes, pois favorece a secreo do suco gstrico aumentando a ao dissolvente. Em quantidade moderada, a ao do vinagre somente local, excitando as glndulas secretoras; a sua pequena adstringncia e ao moderadora sobre os capilares das mucosas fazem dele um moderador da sede. Quando ingerido em excesso, a ao digestiva prejudicada at o momento que se torna corrosivo para a mucosa gastrointestinal. Nesse sentido, no adequado para pessoas nervosas e com os rgos respiratrios irritveis. A ao do vinagre sobre os alimentos d-se no sentido de torn-los mais digestivos, especialmente os fibrosos que so amaciados e transferidos em melhores condies para serem tratados pelo suco digestivo. Para o organismo humano, a reao cida no s aumenta a atividade dos fermentos gstricos, mas promove ao mesmo tempo um efeito excitante da glndula pancretica. O homem, em geral, sente uma sensao agradvel quando degusta produtos com acidez compreendida entre 0,3% e 0,8%. O cido actico do 100

vinagre , entre os cidos orgnicos, o mais dissocivel, de onde resulta sua ao favorvel digesto. Devido ao baixo peso molecular do cido actico, o vinagre considerado um produto superior em relao aos outros alimentos cidos cuja molcula apresenta maior complexidade estrutural e, assim sendo, de mais difcil solubilidade e absoro. O vinagre tambm utilizado para conservar vegetais e outras substncias, atribuindo-lhes gosto agradvel. Alm disso, empregado como purificador de ar. Nesse sentido, foi utilizado no passado como desinfetante. Nas epidemias de clera, que arrasaram a Europa, a recomendao era lavar com vinagre todas as frutas e hortalias antes do consumo. O vinagre no apresenta ao antissptica somente contra a clera, mas tambm em relao Salmonella spp. e outros patgenos do intestino que causam infeces e epidemias. O vinagre assegura um ambiente cido do suco gstrico que representa uma defesa contra as intoxicaes microbianas que podem ocorrer. O vinagre foi utilizado, no passado, tambm como medicamento, na cura de feridas e lceras, devido a sua propriedade desinfetante e antiinflamatria. O vinho e o vinagre foram os dois primeiros produtos de fermentao espontnea utilizados pelo homem na alimentao. Embora o termo vinagre, isoladamente, corresponda ao produto obtido da acetificao do vinho, a matria-prima utilizada para sua elaborao varivel em funo da disponibilidade de cada pas. Assim, na Itlia, Espanha, Frana e Grcia, pases de grande tradio vitcola, o vinagre feito sobretudo de vinho. Na China e no Japo, feito a partir do arroz, enquanto que nos Estados Unidos e na Inglaterra, a partir da sidra e do malte. Na Alemanha, mais utilizado o vinagre de lcool. No Brasil, os vinagres so elaborados principalmente a partir do lcool de cana-deacar e do vinho. E, assim como em outros pases com culturas semelhantes, a maior parte da populao no d a devida importncia qualidade dos vinagres, considerando-o apenas como um condimento azedo, menosprezando-se, assim, suas propriedades nutritivas, sensoriais, sanitizantes e at medicinais. Esse comportamento induz produo a partir de matrias-primas cada vez mais baratas e por processos cada vez mais produtivos, obtendo-se, por conseguinte, vinagres que se apresentam realmente apenas como uma soluo cida, em detrimento da obteno de vinagres finos originados de vinhos de frutos, mel, cereais, etc., to apreciados em pases com elevado grau de desenvolvimento, cujo preo de uma nica garrafa pode atingir dezenas de dlares, sendo comum a realizao de testes sensoriais por degustadores experientes, similarmente ao que ocorre com vinhos, cervejas e usques. 101

10.3.2 Microbiologia da Fermentao Actica


A fermentao actica corresponde transformao do lcool em cido actico por determinadas bactrias, conferindo o gosto caracterstico de vinagre. As bactrias acticas constituem um dos grupos de microrganismos de maior interesse econmico, de um lado pela sua funo na produo do vinagre e, de outro, pelas alteraes que provocam nos alimentos e bebidas. Inicialmente, as bactrias acticas foram designadas por Micoderma vini. Depois, em relao ao aspecto morfolgico, foram classificadas em trs espcies: Bacterium aceti, Bacterium pasteurianum e Bacterium kurtzingianus. Somente em 1898 foram classificadas como sendo do gnero Acetobacter. Pela classificao atual, as bactrias acticas pertencem famlia Pseudomonodaceae; aos gneros Acetobacter e Gluconobacter. As principais espcies de bactrias acticas so: Acetobacter aceti, Acetobacter pasteurianus, Acetobacter xylinum, Acetobacter schtzenbachii e Gluconobacter oxydans. As bactrias acticas so particularmente instveis, mostrando acentuado polimorfismo e variao da propriedade bioqumica. Em alguns casos, podem perder at mesmo a capacidade fundamental de oxidar o etanol a cido actico. As principais espcies de Acetobacter, utilizadas na produo de vinagre, apresentam-se nas formas de bastonetes e cocos, formando correntes e filamentos. Em relao temperatura, o melhor rendimento obtido entre 25C e 30C, embora suportem temperatura mnima de 4C a 5C e mxima de 43C. No entanto temperaturas inferiores a 15C e superiores a 35C tornam a fermentao actica muito lenta, pois reduzem a atividade bacteriana. Quanto ao lcool, a maior parte das espcies suportam at 11,0% v/v. Em relao ao cido actico, as bactrias acticas geralmente suportam at 10,0%. A bactria actica ideal aquela que resiste elevada concentrao de lcool e de cido actico, com pouca exigncia nutritiva, elevada velocidade de transformao do lcool em cido actico, bom rendimento de transformao, sem hiperoxidar o cido actico formado, alm de conferir boas caractersticas gustativas ao vinagre. Essas bactrias acticas necessitam do oxignio do ar para realizarem a acetificao. Por isso multiplicam-se mais na parte superior do vinho que est sendo transformado em vinagre, formando um vu conhecido como "me do vinagre". Esse vu pode ser mais ou menos espesso de acordo com o tipo de bactria.

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Segundo a equao da reao oxidativa, o rendimento da transformao do lcool em cido actico o seguinte: CH3 - CH2OH + O2 ---> CH3 - COOH + H2O 46g de lcool ---> 60g de cido actico 1g de lcool ---> 1,304 g de cido actico Na prtica, para se determinar a quantidade de cido actico de um vinagre a partir do vinho que lhe deu origem, estima-se que, para cada 1% v/v de lcool do vinho, forma-se 1% de cido actico no vinagre. Por exemplo, um vinho de 10% de lcool originar um vinagre de 10% de cido actico, no entanto esse rendimento baixo para os acetificadores industriais. Outra maneira de calcular o rendimento em cido actico multiplicar o grau alcolico do vinho por 1,043. Nesse caso, o vinho com 10% v/v de lcool daria origem a um vinagre de 10,43% de cido actico. As principais perdas de cido actico, no processo de acetificao, so devidas ao consumo elevado de lcool pelas bactrias, evaporao natural dos constituintes volteis (lcool, cido actico) e a problemas industriais. Em alguns casos, as perdas de cido actico podem ser mais elevadas devido transformao do cido actico em gua e dixido de carbono, pela presena predominante de bactrias Acetobacter xylinum.

Padronizao e legislao
Pode-se definir vinagre com um alimento do grupo dos condimentos, obtido por fermentao actica de solues alcolicas diludas, sendo estas resultantes de fermentaes alcolicas de mostos aucarados ou amilceos. brasileira vigente os vinagres devero apresentar: De acordo com a legislao

COMPONENTES Vinagre de vinho Acidez voltil em cido actico (g/100 mL) Etanol em volume a 20 C (G/L) Cinzas Extrato seco reduzido, tinto e rose (g/L) Extrato seco reduzido, branco (g/L) Sulfato de potssio (g/L) Vinagre de lcool Acidez voltil em cido actico (g/100 mL) Etanol em volume a 20 C (G/L) Extrato seco reduzido (g/L) Resduo mineral fixo (g/L)
Fonte: Aquarone, E., et al. (2001)

mximo
1,0

mnimo
4,0 1,0 7,0 6,0

1,0 4,0 1,0 0,2 0,02

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proibida a elaborao de vinagres por diluies de cido actico de origem no fermentativa. Para os vinagres concentrados, vigoraro as mesmas caractersticas, respeitadas as propores de concentrao. O vinagre ser classificado em vinagre de vinho tinto ou de vinho branco, de acordo com a matria-prima que lhe deu origem. O produto resultante da fermentao actica de outros lquidos alcolicos ser denominado fermentado actico, podendo ser usada a palavra vinagre no rtulo, desde que seja acrescida do nome da matria-prima de sua origem. Exemplos: vinagre de lcool, vinagre de maa, vinagre de malte, etc. Os vinhos destinados fabricao de vinagre (vinho-base) devero ser acetificados na origem, pela adio de vinagre duplo, de modo que apresentem uma acidez actica mnima de 0,6g/100 mL. Essa acetificao visa descaracterizar o vinho utilizado como matria-prima para acetificao como vinho de mesa. A conservao deve ser feita atravs de pasteurizao ou adio de dixido de enxofre, no limite mximo de 200 ppm. proibido o uso de corantes, melao ou outro tipo de aditivo, salvo prvia autorizao do rgo competente. O vinagre poder ser submetido colagem, clarificao, aerao e envelhecimento.

Terminologia da indstria do vinagre


Vinagraria: estabelecimento destinado elaborao de vinagres. Vinho-base: matria-prima destinada elaborao de vinagres. Vinagre forte no-pasteurizado: vinagre em estgio final de fermentao, usado como inculo para outra fermentao. Vinagre duplo ou triplo: vinagre com acidez igual ou superior a 8 % e 12 %, respectivamente, que dever ser diludo para obteno de vinagre comercial. Fermentado actico de frutas ou vinagre de frutas: denominao utilizada para distinguir estes vinagres em relao aos de vinho tinto ou branco. Acetificao: processo de transformao do etanol do vinho-base em cido actico. Acetificador: fermentador especfico para realizar a acetificao Me do vinagre ou zooglia: material gelatinoso (polissacardeo, alfa-celulose) produzido por bactrias acticas, que ocupam a superfcie do meio em fermentao pelo processo lento. Sulfitagem: adio do dixido de enxofre como conservante. 104

E.T.A: porcentagem de aumento de cido actico numa fermentao em 24 horas. Ex.: E.T.A.2 significa que a cada 24 h se formam 2,0 g de cido por 100 mL. G.K. (concentrao total); soma da concentrao de etanol e de cido actico num meio, em percentagem mssica. Ex.: % etanol = 4g/100 mL e porcentagem de cido actico = 6 g/ 1oo mL. G.K. = 4 + 6 = 10. Calda ou mistura: meio lquido contendo todos os nutrientes (incluindo lcool e cido actico) para que ocorra a fermentao actica. Equivale ao mosto de outras fermentaes. Obs.: em tecnologia vinagreira, os termos mosto e vinho podem causar confuso, pois o vinagre, produto da fermentao actica, poderia ser classificado genericamente como vinho em tecnologia das fermentaes. Por isso, prefervel a utilizao dos termos vinho-base, calda ou mistura para o mosto a ser acetificado e vinagre forte ou duplo / triplo para o produto da acetificao.

Matrias-primas
Como o vinagre provm, em geral, de duas fermentaes sucessivas, a alcolica e a actica, toda matria-prima usada para a produo fermentativa de lcool serve, em princpio, tambm como matria-prima do vinagre. Em funo da matria-prima da qual se parte, pode-se fazer a seguinte classificao genrica de vinagres: Vinagres de sucos de frutas: uva, uva-passa, ma, abacaxi, laranja, pra. Morango, framboesa, ameixa, figo, pssego, jabuticaba, caqui, etc. Vinagres de tubrculos amilceos: batata, batata-doce, mandioca, etc. Vinagres de cereais: cevada, centeio, trigo, arroz, milho, etc. Vinagres de matrias-primas aucaradas: xarope de acar, mel melao, soro de leite, etc. Vinagres de lcool propriamente dito diludo, aguardentes, outros destilados. As matrias-primas amilceas necessitam hidrlise prvia e esta preferencialmente deve ser enzimtica, pois as cidas introduzem no meio, substncias no indicadas para fins alimentcios. As matrias-primas de origem vegetal (frutos, cereais, mel) j contm nutrientes suficientes para as bactrias acticas. A fermentao alcolica prvia tambm contribui para o enriquecimento do meio. Por outro lado, para a fabricao de vinagre de destilados, a adio de nutrientes indispensvel.

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O emprego de vinhos de qualidade inferior ou com algum defeito de fabricao fato comum, entretanto algumas subst6ancias indesejveis podem passar para o vinagre, depreciando sua qualidade. Bebidas alcolicas contendo conservantes ou mesmo antisspticos naturais como o lpulo da cerveja, podem afetar o andamento da acetificao. A gua utilizada para o preparo de mostos, cujas matrias-primas no possuam fase lquida suficiente, deve ser potvel, de baixa dureza, livre de sedimentos ou partculas em suspenso e isenta de cloro.

10.3.3 Processos de Fabricao (Acetificao) Processo lento


Antigamente, o vinagre era produzido lentamente atravs do contato de um substrato alcolico com o ar, como por exemplo o vinho, a cerveja, o hidromel, o lcool de batata e o lcool de cana-de-acar. Havia interveno humana apenas para acrescentar um pouco de vinagre no pasteurizado ou uma poro de uma massa gelatinosa (me do vinagre) onde estavam presentes as bactrias acticas. Renovando o substrato e extraindo o vinagre, conseguia-se continuar a acetificao, obtendo-se vinagres com 4% a 5% de cido actico e uma certa quantidade de lcool sem acetificar. O processo lento de acetificao e a presena de lcool residual favorecem a formao de steres e outros compostos volteis que conferem aroma e sabor peculiar aos vinagres assim elaborados. Em Orlans, na Frana, o mtodo de acetificao foi aperfeioado e designado com o nome da cidade. O processo Orlans o mais antigo e tradicional mtodo de elaborao do vinagre. Ele consiste em favorecer o contato do ar com uma fina camada gelatinosa, que se mantm na superfcie do vinho (me do vinagre). O vinho colocado para acetificar em barris de madeira adaptados e designados de acetificadores (Figura 31). Para iniciar o processo de elaborao do vinagre, recomenda-se adicionar cerca de 10% do volume til do acetificador de um vinagre no pasteurizado, isto , com as bactrias ativas, que funcionam como p-de-cuba. No necessrio adicionar substncias nutritivas para o desenvolvimento das bactrias acticas, visto que elas esto presentes naturalmente no vinho. Depois de 15 dias, pode-se retirar, aproximadamente, 10% do volume do vinagre que deve ser substitudo pelo mesmo volume de vinho para acetificar. A seguir, a operao de retirada de vinagre e colocao de vinho pode ser realizada semanalmente, tornando-se 106

o processo contnuo. Sempre que se retirar o vinagre, importante efetuar uma anlise, para verificar a sua qualidade. A retirada do vinagre e a adio do vinho no acetificador deve ser feita com cuidado para evitar o rompimento do vu e a conseqente precipitao das bactrias no fundo do recipiente.

Figura 31 - Recipiente utilizado para elaborao de vinagre pelo processo Orleans. Fonte: Aquarone et al. (1983)

As dimenses dos barris so estabelecidas em funo da quantidade de vinagre a elaborar. As aberturas para passagem do ar devero ser protegidas por uma tela fina para evitar a entrada da mosquinha-do-vinagre. Os barris so colocados em locais onde a temperatura permanece elevada no inverno, para que a acetificao ocorra de forma mais rpida. Os rendimentos da transformao do lcool em cido actico so baixos. Entre os principais aspectos negativos do processo, destaca-se a possibilidade de proliferao de bactrias produtoras de celulose e consumidoras de cido actico alm do aparecimento de anguilulas. Deve-se sempre evitar o contato do vinho e do vinagre com materiais ou equipamentos que contenham ferro, cobre, alumnio ou outros metais que causam problemas de turvao e de toxicidade.

Processo rpido(alemo)
Os processos rpidos de elaborao de vinagre foram desenvolvidos a partir do incio do sculo XVII, com a utilizao de diferentes materiais porosos como sabugo de milho, engao da uva e, especialmente, maravalha de madeira, para aumentar a superfcie de contato das bactrias acticas com o vinho. Inicialmente, utiliza-se maravalha de

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madeira para enchimento de um recipiente tronco-cnico, provido de orifcios para ventilao nas paredes laterais (Figura 32).

Figura 32 - Corte transversal de um acetificador com suporte poroso; A) grade; B) maravalha de madeira; C) bomba para movimentao do vinho em processo de acetificao; D)dispersor do vinho; E) refrigerante de gua; F) dispositivo de condensao de vapores. Fonte: Aquarone et al. (1983)

Um falso fundo permite recolher o vinho em processo de acetificao, que passa pela camada porosa formada pela maravalha e recolocado na parte superior tantas vezes quantas necessrias, para alcanar o grau actico desejado. Como no caso anterior, o incio do processo feito a partir de um vinho adicionado de aproximadamente 10% de vinagre no pasteurizado como p-de-cuba. A mistura de vinho e vinagre, na passagem atravs da maravalha, recebe o ar que se movimentava de baixo para cima devido ao aquecimento provocado pelo calor liberado no processo de acetificao. Esse processo mais rpido que o mtodo Orleans. Quando a concentrao de lcool do vinho utilizado para acetificao alcanar prximo a 0,3% v/v, retira-se aproximadamente 4/5 do volume de vinagre, que substitudo por um mesmo volume de vinho reiniciando-se o processo. A retirada de vinagre feita, em mdia, a cada 10 dias. Esse sistema de acetificao representa o primeiro passo para a industrializao do processo de elaborao do vinagre. No entanto, mesmo tendo representado um notvel avano tecnolgico, o processo apresenta alguns problemas, tais como:

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perda de substncias volteis por evaporao de aproximadamente 10%, portanto, muito elevada; material utilizado como suporte, geralmente maravalha de madeira, se contamina facilmente, exigindo uma limpeza peridica, o que ocasiona sua substituio praticamente todos os anos; novo material necessita de um minucioso acondicionamento at a sua impregnao de vinagre.

Processo submerso
Atualmente, a rapidez na produo industrial do vinagre determina a preferncia pelo sistema que utiliza a fermentao actica submersa. Nesse caso, tambm o processo inicia com um vinho previamente acetificado com, aproximadamente, 10% de vinagre no pasteurizado que funciona como p-de-cuba. O mtodo baseia-se na presena da bactria actica submersa no vinho para acetificar, saturado constantemente por finas partculas de ar. Diferentemente dos processos anteriores, as bactrias acticas se encontram imersas no vinho, sem nenhum suporte de material poroso, mas em ntimo contato com o oxignio do ar proveniente de intenso arejamento. O equipamento utilizado formado por um recipiente de grande capacidade, geralmente feito de ao inoxidvel, com uma turbina de ar no fundo e tubos por onde circula a gua para refrigerao que funciona automaticamente (Fig. 33 e 34). Ao entrar no fermentador actico, o ar dispersado de forma homognea em todo o vinho e na forma de borbulhas de tamanho menor possvel. Quando o vinho do fermentador alcanar aproximadamente 0,2% v/v de lcool, o que acontece em intervalos de 30 a 40 horas, retiram-se aproximadamente de 40% a 45% do volume de vinagre que substitudo pelo mesmo volume de vinho a acetificar. O controle da temperatura nesse processo feito mediante um sistema interno de refrigerao, que funciona automaticamente.

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Figura 33. Vista geral de um acetificador em ao inoxidvel. Fonte: Mecca et al. (1979)

Figura 34 - Corte transversal de um acetificador para elaborao de vinagre pelo mtodo com fermentao actica submersa; a- turbina de ar; b- compensador de ar; c- dispositivo para coletar lquido de condensao; d-e- dispositivo para controlar a formao de espuma; f- dispositivo para medir o lcool; g- serpentina para refrigerao; h- dispositivo para refrigerao; i- termmetro; j- bomba para entrada do vinho; k- bomba para retirada do vinagre. Fonte: Mecca et al. (1979).

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Atravs desse processo de acetificao, possvel reduzir as perdas por evaporao para 3% a 5%, no havendo necessidade de material de suporte e, conseqentemente, os problemas advindos da sua manuteno. possvel incorporar sistemas automticos para carga e descarga do fermentador e controle de temperatura. O vinagre produzido por esse processo apresenta-se turvo, com qualidade inferior quele obtido pelo mtodo lento, devido ao revolvimento acentuado e persistente provocado pela quantidade de ar introduzido sob presso na acetificao.

Vinagre balsmico
O vinagre balsmico um produto distinto devido ao processo de elaborao e s caractersticas aromticas que adquire. O mais conhecido o "Vinagre Balsmico Tradicional de Modena" que protegido por uma "Denominao de Origem" desde 1983. A histria do vinagre balsmico inicia-se na regio de Modena, pois as condies de clima da regio proporcionavam apenas produo de vinhos com baixa graduao alcolica, portanto no recomendados para exportao, mas apropriados para a produo do vinagre. O vinagre balsmico o produto obtido da fermentao alcolica e actica do mosto de uva Trebbiano, cozido, o qual obtido a partir da uva esmagada e separado no incio da fermentao alcolica. Ocozimento feito em fogo direto at o teor de acar alcanar valor compreendido entre 28 e 33 Babo, o que corresponde a uma reduo de 20% a 30% do volume inicial do mosto. Um mosto mais cozido dar origem a um vinagre balsmico mais doce. Os vinagres feitos de mostos menos cozidos so os preferidos e necessitam de mais tempo para serem feitos. O mosto, assim concentrado, colocado em recipientes de madeira, at tornar-se vinagre balsmico, o que acontece com o tempo, com o tipo de recipiente e da madeira. Uma bateria adequada para a elaborao de vinagre balsmico constituda de uma barrica de madeira de amoreira de 60 L, uma de castanheira de 50 L, uma de cerejeira de 40 L, uma de fresno de 30 L e uma de carvalho de 20L. Uma vinagreira em condies deve ter as barricas perfeitamente limpas e esterilizadas. Os recipientes utilizados para elaborar o vinagre balsmico so colocados em locais quentes e bem arejados, para favorecer a atividade das bactrias acticas. Geralmente, no inverno, quando a atividade microbiana reduzida devido ao frio, o momento recomendvel para efetuar trasfegas e adio de mosto cozido. Nos demais perodos do ano, o vinagre necessita de repouso e de um discreto acompanhamento. O tempo 111

necessrio para a elaborao do vinagre balsmico de, no mnimo, 20 anos e comum encontrarem-se vinagres com at 50 anos. No incio do processo de elaborao do vinagre balsmico, recomendvel deixar a abertura superior da barrica coberta apenas com um pano, para proteger da entrada de poeira e insetos e favorecer a aerao. Somente mais tarde recomendvel utilizar um batoque de madeira para fechar a abertura da barrica. Visto que o vinagre balsmico considerado um produto tradicional na Itlia, muito difcil definir um processo de produo em escala industrial. O aspecto microbiolgico da formao de vinagre balsmico importante, pois as fermentaes alcolica e actica ocorrem simultaneamente no mosto. A fermentao alcolica acontece, geralmente, com a participao de leveduras osmoflicas do gnero Zygosaccharomyces, que se caracterizam pela baixa capacidade fermentativa, pois fermentam lentamente e produzem apenas de 5% a 6% de lcool, alm de quantidades elevadas de acidez voltil. Essa fermentao ocorre no primeiro recipiente e, normalmente, no adquire aspecto tumultuoso. Por isso, muitas vezes, no percebida e at mesmo questionada na produo de vinagre balsmico. A fermentao actica tambm acontece no primeiro recipiente e conta com a participao de bactrias acticas do gnero Acetobacter que formam pelcula na superfcie, constituindo a "me do vinagre". Assim, no primeiro recipiente se concentra a atividade microbiolgica; nos demais, as transformaes so de ordem fsico-qumicas (oxidao, combinaes qumicas, evaporao). O vinagre balsmico, quando pronto, adquire aspecto denso, xaroposo e escuro, com perfume e sabor doce/cido inconfundvel, resultado de todas as operaes efetuadas durante o longo perodo de elaborao e estocagem/envelhecimento nos diferentes tipos de madeira. O vinagre balsmico considerado um dos mais refinados condimentos. recomendvel utiliz-lo em saladas e frituras, alm de combinar perfeitamente e exaltar o gosto e o aroma quando utilizado em pratos com carnes. utilizado tambm em gargarejos para proteger a garganta de determinadas infeces, alm de ser considerado um timo antioxidante.

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Fatores que afetam a qualidade do vinagre


A qualidade de um vinagre est relacionada a sabor e aroma, maciez, limpidez e composio dentro dos padres definidos pela legislao especfica. Ao contrrio do que ocorre com os vinhos, o aparecimento no vinagre de sabor e aroma caractersticos da matria-prima que o originou (uva de mesa, banana, ma, etc) no deprecia sua qualidade e, por vezes, at melhora. Os principais fatores que podem afetar a qualidade dos vinagres so: Natureza, conservao, estado de maturidade e teor dos componentes da matriaprima; Tipo e controle do processo fermentativo utilizado; Presena de contaminantes ou infestantes nas fases de produo, acabamento e armazenamento; Tempo de fermentao inadequado; Excesso ou carncia de nutrientes; Utilizao de aditivos imprprios; Processo de clarificao ou tempo de envelhecimento inadequado; e Embalagens imprprias Dentre estes fatores, os que mais depreciam a qualidade dos vinagres nacionais so a excessiva utilizao de lcool como matria-prima e a insuficincia no tempo de envelhecimento.

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