Ciclos de Formacao Edesenvolvimento

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Ciclos de formao e desenvolvimento humano: quais so os elementos da prtica educativa de boa qualidade?

Souza, Cleyde Nunes Leite88

Resumo: Este texto apresenta alguns fundamentos que sustentam a proposta de ensino fundamental organizada em Ciclos de Formao e Desenvolvimento Humano; discute algumas crticas feitas proposta no que se refere (no) alfabetizao; e elenca alguns elementos de salas de aula de ciclo I que demonstram uma prtica educativa de boa qualidade. Este relato faz referncia s primeiras impresses observadas na pesquisa Perspectivas da escolaridade em ciclos: possibilidades e desafios, desenvolvida no Programa de Mestrado em Educao na Universidade Catlica de Gois. Palavras-chave: ciclos, alfabetizao e boa qualidade.

Introduo
Ciclos de formao e desenvolvimento humano, o que so?
uma procura, nada fcil, de organizar o trabalho, os tempos e espao, os saberes, as experincias de socializao da maneira mais respeitosa para com as temporalidades do desenvolvimento humano. Miguel Arroyo

Segundo Arroyo, na organizao da escola em Ciclos todo o trabalho educacional norteado pelas idades da vida e da formao humana, desde o planejamento, a organizao das atividades, os conhecimentos at a interveno do educador no processo de ensino aprendizagem. Arroyo (1999) ressalta que a questo fundamental no , em primeiro plano, o fluxo escolar, a reprovao ou o sistema seriado, mas que o essencial repensar a concepo e a prtica de educao bsica que esto presentes em nossa tradio e na estrutura seriada que as materializa (Arroyo, 1999, p.11). Dessa forma, os ciclos so estruturados nas temporalidades do desenvolvimento humano, entendendo a concepo de educao bsica como direito ao desenvolvimento humano, realizao humana. (Arroyo, 1999, p11). Como uma forma diferente de pensar a escola, os Ciclos incitam a questes relacionadas no apenas sua estruturao no seriada, mas principalmente constituio das prticas pedaggicas do educador, do educando e de sua formao. Aqui, proposta a discusso de uma destas questes: quais so os elementos das prticas pedaggicas que contribuem para o desenvolvimento e a formao humana de boa qualidade dos educandos de Ciclo I? Os Ciclos so caminhos alternativos caracterizados pela possibilidade de subverter a ordem do que se encontra estruturado nas instituies escolares. Trabalhar em um determinado tempo-ciclo da formao humana passa a ser eixo identitrio dos profissionais da educao bsica e de seu trabalho coletivo e individual (Arroyo,1999, p.11). Da, ento, a preocupao em observar o fazer pedaggico dos docentes de uma escola ciclada, para uma anlise da qualidade do ensino desenvolvido sob esta proposta. necessrio qualificar a qua-

88 Aluna do Mestrado em Educao da UCG, Especialista em Educao Infantil pela UFG, Graduada em Pedagogia UCG, graduada em Letras pela UEG, professora efetiva da Rede Municipal de goinia e da Rede Estadual de gois. E.mail: [email protected]

lidade, refletir sobre a significao que a reveste no interior da prtica educativa. Ou seja, a palavra qualidade requer uma adjetivao: boa ou m. Um ensino de boa qualidade aqui entendido dentro de uma perspectiva social e histrica, porque emerge de um contexto da realidade e, por isso, requer reflexo crtica da atividade docente que articula a dimenso tcnica com as dimenses poltica e tica. Assim, no se trata de um ensino-aprendizagem baseado apenas na socializao, mas na formao e no desenvolvimento humano. Nesse sentido, o objetivo compreender a didtica do professor que consegue desenvolver um ensinoaprendizagem de boa qualidade, relacionando sua prtica proposta da escola em ciclo e identificando as aprendizagens que os mesmos promovem em uma sala de alfabetizao. Para tanto, so abordados alguns aspectos da proposta em ciclos de uma rede municipal e apontados alguns elementos ou supostos da prtica pedaggica do professor, que contribuem para uma boa qualidade do ensino-aprendizagem.

Proposta Poltico- Pedaggica da escolarizao em ciclos: alguns aspectos


Contrapondo-se escola seriada, que tem os contedos como determinantes das aes dos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem, como ponto central da ao pedaggica, na organizao em ciclos de formao e desenvolvimento da escola, considera-se que o sujeito seja o centro de toda ao pedaggica; no so desconsiderados os conhecimentos sistematizados historicamente e o papel da formao, mas prope-se que o currculo tenha como cerne os valores que perpassam a lgica da ao humana e que constituem toda a prtica cultural e educativa (Goinia, 2006, p.51). Ao repensar a organizao escolar e possibilitar a construo de uma nova representao de escola, a escola organizada em ciclos de formao e desenvolvimento humano prope rupturas em relao ao modelo tradicional de se conceber a escola, a formao e a prtica pedaggica (Proposta Poltico Pedaggica, 2005, p.29) De acordo com essa proposta, educar exige dos educadores novos compromissos com a ao pedaggica pautados em uma perspectiva de totalidade e de organizao integrada entre o Projeto Poltico Pedaggico da escola, suas concepes terica, seus procedimentos e vivncias. Juntos, estes elementos devem possibilitar a formao social e crtica dos educandos. Barreto & Mitulis (2001) consideram que os ciclos se ancoram em projetos polticos que se vinculam autonomia das unidades escolares, a um currculo concebido de forma mais dinmica e articulado s prticas sociais e ao mundo do trabalho, formao continuada de professores, a um tempo regulamentar de trabalho coletivo na escola e flexibilizao das rotinas escolares. Para as mesmas autoras os ciclos compreendem perodos de escolarizao que ultrapassam as sries anuais, so organizados em blocos cuja durao varia, podendo atingir at a totalidade de anos prevista para um determinado nvel de ensino. Eles representam uma tentativa de superar a excessiva fragmentao do currculo que decorre do regime seriado durante o processo de escolarizao. A ordenao do tempo escolar se faz em torno de unidades maiores e mais flexveis, de forma a favorecer o trabalho com sujeitos de diferentes procedncias e estilos de aprendizagem, procurando assegurar que o professor e a escola no percam de vista as exigncias de educao postas para o perodo (Barreto & Mitrulis, 2000). Segundo Freitas (2004), os ciclos propem alterar os tempos e os espaos da escola. Na proposta da Escola Plural, est claro que o tempo contnuo e se identifica com o tempo de autor, a experincia de Belm (Par) revela uma proposta que procura ter uma dimenso das finalidades educacionais relacionados com a concepo de homem enquanto sujeito-histrico. Ao refletir sobre a escola em ciclos, diz que enquanto a seriao tende a favorecer uma concepo lgico-enciclopedista, a progresso continuada fica prxima a uma concepo prtica ou instrumental e os ciclos aproximam-se mais de uma concepo cultural. (Freitas, 2004, p.15).

A proposta de ciclos de formao est ligada concepo de aprendizagem e desenvolvimento elaborada pela teoria histrico-cultural do desenvolvimento humano, segundo a qual o ato de conhecer envolve vrias funes psicolgicas. De acordo com Vygotsky, estas funes, chamadas por ele de funes psicolgicas superiores, so a memria, a ateno volitiva, a percepo, a imaginao e o pensamento. Lima (2002, p.18), fundamentada na obra de Vygotsky, afirma que o papel da escola, como instituio social, viabilizar a socializao de informaes e de instrumentos culturais levando em conta as peculiaridades do desenvolvimento biolgico e cultural dos indivduos em suas diversas fases do desenvolvimento humano. Segundo a proposta da Secretaria Municipal de Goinia, a organizao do ensino em ciclos de formao e desenvolvimento humano tem por essncia o compromisso com a formao e o desenvolvimento dos estudantes que, para alm de aquisio de conhecimentos sistematizados, inclui as dimenses polticas, ticas, e scio-culturais:
Um dos objetivos dos ciclos garantir o direito do educando sua formao integral, direito que se traduz na possibilidade de percorrer seu processo educativo escolar, de adquirir e construir conhecimentos e de desenvolver potencialidades para interpretar a complexa realidade em que vive, ao assumir a condio de sujeito ativo e reflexivo. A concretizao desse direito exige uma outra compreenso do que seja o processo de ensino-aprendizagem e de como ele se articula com a totalidade da formao humana. (Goinia, 2006, P. 39).

Para Arroyo (1999), se o que se pretende uma nova forma de organizao escolar, deve-se inovar primeiramente em relao forma de conceber a escola: no como algo que deva preparar o sujeito para pensar e agir, preparar o professor para o seu fazer pedaggico, para o ensino, para transmisso de informaes, desqualificando a escola, pois, de sua funo primordial, que o trabalho pedaggico transformador da prpria prtica, que coloca o sujeito na aprendizagem de forma crtica e consciente. Assim, a articulao entre as dimenses; instrutiva (saber sistematizado) e formativa (scio-cultural-tica-poltca-cidad) fundamental nesta perspectiva de currculo, pois uma e outra no se dissociam (Goinia, SME, 2004, p.52). Dessa forma, uma questo pode ser colocada: que tipo de processo de ensino-aprendizagem este currculo prope? Segundo a proposta Poltico-Pedaggica da RME, nos Ciclos, o processo de ensino-aprendizagem est pautado na relevncia dos conhecimentos sistematizados que sero trabalhados e/ou por educadores e educandos, ou seja, d lugar e sentido quilo que se aprende nas instituies educacionais. (Goinia, SME, 2004, p.53). Portanto, a proposta Poltico-Pedaggica no se desfaz dos conhecimentos sistematizados. Trata-se mais de um redimensionamento do que uma excluso destes conhecimentos:
Mas com quais conhecimentos sistematizados os Ciclos de Formao e Desenvolvimento Humano devem trabalhar? Com aqueles conhecimentos organizados, selecionados e construdos pelo coletivo de profissionais que compem os ciclos. No se trata mais de um pensar individual. Trata-se, agora, de compreender quem so os educandos, que tipo de trabalho atende suas necessidades e que tipo de sujeito se quer formar. Isso implica a necessidade de selecionar os conhecimentos sistematizados, tendo como princpio aquilo que fundamental e necessrio que se aprenda de acordo com cada fase do desenvolvimento humano e contextualiz-los historicamente. (Proposta Poltico-Pedaggica, 2004, p.53).

No que se refere organizao por Ciclos de Formao Humana, pelo que se pode perceber, uma forma de pensar e agir diferente de outras que no consideram o dilogo entre o educando, a vida e mundo. Todo trabalho pedaggico parte do educando, o ncleo orientador de todo o processo educacional. Todavia, Lima (2002, p.23) nos alerta para alguns equvocos:

Hoje est muito em voga o currculo a partir das realidades regionais, a partir do conhecimento do aluno, ou com base no assim chamado conhecimento do cotidiano. importante alertar, aqui, para a diferena entre um currculo que parte do cotidiano e se esgota a e a opo de fazer um currculo que engloba em si mesmo no apenas a aplicabilidade do conhecimento realidade cotidiana vivida por cada grupo social, mas que considera com igual nfase as formas culturais na ao do indivduo. Assim, se o coletivo no se atentar para esta questo, o risco de um trabalho fadado ao fracasso ser enorme, uma vez que no se alcanar o almejado por essa concepo de ensino-aprendizagem. O trabalho pedaggico insere-se numa prtica voltada para a formao integral do educando. Para tanto, a proposta da RME, enquanto escola organizada em ciclos e no em etapas fragmentadas do conhecimento, busca inovar percorrendo outros caminhos. No esforo de construo de novos caminhos que se tem estimulado a busca de prazerosas experincias dos educandos com o saber elaborado socialmente e sistematizado... (Proposta Poltico Pedaggica, 2004, p.55). por essa organizao e concepo de formao humana que a rede em ciclos opta por adotar Projetos de Trabalho como formas de organizar e trabalhar os conhecimentos, provocando uma redefinio dos tempos, dos espaos e dos processos educativos. (Proposta Poltico Pedaggica, 2004, p.55). No final dos anos 80, a idia de trabalhar com projetos, na Escola, passa a existir a partir da tematizao. Segundo Hernandez (2004) o ensino atravs de projetos de trabalho enfatiza o aspecto globalizador com ateno resoluo de problemas significativos. Situaes problematizadoras so levantadas pelo educador, introduzindo novas orientaes e propiciando descobertas de novos caminhos, norteando os alunos na compreenso dos significados, onde so possibilitados a fazer anlise global da realidade, com isso os educandos constituem os seus prprios procedimentos. Os alunos aprendem o conceito de projeto para dar vida s suas idias. A Pedagogia de Projetos visa re-significao desse espao escolar, transformando-o em um espao vivo de interaes, aberto ao real e s suas mltiplas dimenses. O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva de se entender o processo ensino-aprendizagem. Aprender deixa de ser um simples ato de memorizao e ensinar no significa mais repassar contedos prontos. A organizao de projetos se constitui como a construo de uma prtica pedaggica centrada na formao global dos alunos. O projeto uma atitude intencional, um plano de trabalho, um conjunto de tarefas que tendem a um progressivo envolvimento individual e social do aluno nas atividades empreendidas voluntariamente, por ele e pelo grupo, sob a coordenao de um professor. Portanto, um projeto situa-se como uma proposta de interveno pedaggica que d atividade de aprender um sentido novo, no qual as necessidades de aprendizagem afloram na tentativa de se resolver situaes problemticas. Um projeto gera situaes de aprendizagem, ao mesmo tempo reais e diversificadas. Favorece assim a construo da autonomia e da autodisciplina por meio de situaes criadas em sala de aula para a reflexo, discusso, tomada de deciso, observncia de combinados e crticas em torno do trabalho em andamento, proporcionado ao aluno, ainda, a implementao do seu compromisso com o social, tornando-o sujeito do seu prprio conhecimento. Acredita-se que a proposta de trabalhar com projetos contempla os objetivos almejados dos ciclos, possibilitando a participao dos envolvidos de forma que a construo do conhecimento no evidencia o sucesso ou fracasso do aluno, mas v a possibilidade do sucesso de todos no processo. (Proposta Poltico Pedaggica, 2004, p.56). Entretanto, necessrio que a pedagogia dos projetos esteja vinculada a esta viso ampla de construo do conhecimento, com objetivos bem definidos, projetos planejados, discutidos e refletidos por todo coletivo durante o processo, para que seja alcanado o que se pretende. As duas grandes dificuldades reveladas pelos professores que trabalham nesse contexto so o trabalho coletivo e o vnculo do projeto, ou seja, a relao do conhecimento sistematizado, as diferentes disciplinas curriculares e as atividades prticas.

Segundo Vasconcellos (2002), a transformao radical que as escolas em ciclos propem substancialmente a forma de avaliar: A rigor, a concepo de avaliao formativa (diagnstica, emancipatria, dialtica, libertadora, dialgica) permanece, o ciclo radicaliza e coroa esta concepo (na medida em que a livra da necessidade de ter de classificar e reprovar). Tambm Hoffmann (2004), nas reflexes sobre os princpios bsicos da avaliao, sugere uma outra orientao e uma re-educao do olhar, ressaltando:
Os estudos em avaliao deixam para trs o caminho das verdades absolutas, dos critrios objetivos, das medidas padronizadas e das estatsticas para alertar o sentido essencial dos atos avaliativos de interpretao de valor sobre o objeto da avaliao, de um agir consciente e reflexivo frente s situaes avaliativas e de exerccio do dilogo entre os envolvidos. (HOFFMANN, Jussara, 2004, p.16.)

Ou seja, mudam a funo e as formas de avaliar, que passam a ser consideradas instrumentos utilizados no apenas como fim, mas como meio de buscar solues de possveis problemas apresentados no ensino aprendizagem. Estabelecendo princpios sobre uma avaliao a servio da ao, Hoffmann (2004) diz que esta seria a primeira contraposio entre uma concepo classificatria de avaliao, de julgamento de resultados, e a concepo de avaliao mediadora, de ao pedaggica reflexiva. E ainda ressalta:
Esse princpio o mais importante de todos para se compreender as novas tendncias, porque altera, radicalmente, a finalidade da avaliao em relao s prticas classificatrias, seja da aprendizagem do aluno, seja de um currculo ou programa. fundamental frisar esse ponto: mudanas essenciais em avaliao dizem respeito finalidade dos procedimentos avaliativos e no, em primeiro plano, mudana de tais procedimentos. (HOFFMANN, Jussara, 2004, p.17.)

Tambm para a autora, O ciclo de formao e outras formas de regime no-seriados surgem, na contemporaneidade, como alternativa para a problemtica decorrente do regime seriado, um grande nmero de estudantes evadidos e /ou repetentes. (HOFFMANN, Jussara, 2004, p. 22.). E enfatiza que a maioria desses estudantes est nas escolas pblicas. Igualmente, outros autores como Ludke e Mediano (1992) questionam a avaliao com uma funo primordial de controle e poder:
Diante desse fato, surge uma questo: faz sentido um sistema seriado numa escola bsica, em que se pretende que o aluno v num processo crescente de construo de um conhecimento bsico que lhe permitir viver na sociedade como um cidado participante? Ou ser mais adequado eliminar as sries e no bloquear esse processo de construo do conhecimento? (Ludke e Mediano, 1992, p44.)

De fato, h uma proposta Poltico-Pedaggica que se vincula no apenas s questes sociais dos educandos, mas tambm s questes do desenvolvimento humano e do ensino-aprendizagem. Porm, a literatura sobre os ciclos tem direcionado suas crticas s suas prticas por interpret-las como as que contemplam apenas o social. E, a partir desse contexto, questionamos quais so as prticas pedaggicas que contribuem para um processo de ensino-aprendizagem de boa qualidade nos ciclos.

Alguns elementos de prticas educativas de boa qualidade


O tema proposto nesta investigao sobre os Ciclos de Formao e desenvolvimento Humano tem suas origens na observao do cotidiano e na reflexo sobre a prtica educativa. Ao longo dos anos trabalhados no

ensino fundamental, alguns fenmenos contriburam para apontamentos de questes tais como: o papel do professor na educao escolar, as prticas educativas que contribuem para um ensino aprendizagem de qualidade, a operacionalizao do currculo, entre outras questes que se relacionam ou interferem no processo ensino-aprendizagem. No entanto, um fenmeno especfico foi observado ao longo da prtica educativa e fez emergir a seguinte questo: por que os mesmos alunos apresentam uma qualidade de aprendizagem boa em um determinado ano letivo enquanto que em um outro ano acontece o oposto? E em alguns anos foi percebido que essas alternncias correspondem a uma certa qualidade de ensino, ou seja, participao dos alunos em atividades educativas que colaboraram para o ensino-aprendizagem de qualidade. No entanto, resta a questo sobre quais prticas educativas esto relacionadas com essa qualidade. necessrio um olhar mais profundo sobre as prticas educativas, partindo de observaes sobre fenmenos aparentemente normais, sobre coisas que acontecem todos os dias, meses, anos e at dcadas. Muitas vezes, aquilo que to bvio passa despercebido porque no se ajusta o olhar a esses tipos de fenmenos, mesmo quando esto a todo o momento incomodando rotinas, perturbando prticas e impedindo avanos. Dessa forma, o projeto Perspectivas da escolaridade em ciclos: possibilidades e desafios tem como objeto de anlise as prticas educativas de boa qualidade de um professor que proporciona ao educando o ensino que promove o desenvolvimento cultural e cognitivo. E, supostamente, trs caractersticas so fundamentais nesta prtica: a flexibilizao, a interao e o contedo. Atualmente, vivemos um momento histrico (internacional) na educao, que proclama os direitos humanos, reclama a escola para todos e busca meios para que essa escola se efetive na sociedade. Nessa perspectiva de escola, nasce a defesa dos grupos historicamente excludos dos sistemas educacionais. No panorama da educao brasileira, a incorporao das diretrizes internacionais para a educao para todos, na prtica, tem transformado radicalmente o sistema educacional. Essa mudana foi representada, de forma geral, pelo aumento significativo do nmero de matrculas na escola. Dessa forma, professores (as) passaram a lidar com contingentes maiores de alunos de diversificados grupos sociais. A prtica educativa, nesse aspecto, deve ser to ampla quanto a diversidade na sala de aula, em outras palavras, as prticas educativas devem incluir essa diversidade. Se no h essa considerao, o professor corre o risco de atender pequenos grupos com sua prtica, transformando-a em um forte instrumento de excluso dentro da sala de aula e, consequentemente, contribuindo para o fracasso escolar. No mbito das atividades de sala de aula, o professor deve flexibilizar suas prticas educativas, ou seja, propiciar que o educando tenha acesso ao currculo. Isso quer dizer que o professor deve conhecer estratgias de ensino que possibilitem a participao e a construo do conhecimento coletivo. Interagir quer dizer agir reciprocamente, ou seja, agir com o outro. Nos primeiros anos escolares alguns elementos contribuem para essa reciprocidade entre professor e estudante como, por exemplo, a relao afetiva ou de sentimento. No entanto, o sentimento contribui, mas no o suficiente no sistema escolar. Na educao em uma instituio escolar, necessrio que essa interao esteja respaldada em outros aspectos, tais como: conhecer como o ser humano aprende e como cada sujeito aprende. Em estudo realizado com crianas cursando o primeiro ano letivo do ensino fundamental sobre as suas expectativas em relao escola, a maioria respondeu que freqentava a escola para aprender a ler e a escrever. A partir desse estudo, possvel enfatizar que quando a criana freqenta a escola (e por mais que possa atribuir seus sentimentos ao professor e professora que muitas vezes se fazem mais presentes em sua vida do que os prprios pais), no espera ser vista apenas como carente, mas quer ser includa em um grupo social que contribua para o seu desenvolvimento mental, para sua participao na sociedade em p de igualdade com os outros sujeitos. A criana tem a sua representao de escola definida como lcus de aprendizagem. Essa interao entre o professor e o aluno deve pautar-se em uma postura tica e coerente com as questes escolares. O edu-

cando um ser de direito em sala de aula e o professor deve interagir com ele de forma respeitosa, no negando o que ele tem garantido em lei. Uma das contribuies da abordagem histrico-cultural para o trabalho pedaggico, especificamente para a organizao escolar em ciclos de desenvolvimento e formao humana, refere-se importncia da interao, uma vez que as mais elevadas funes mentais do indivduo emergem de fenmenos sociais. Essas contribuies da abordagem histrico-cultural reiteram o fato de que os Ciclos no so apenas organizados como espaos de convivncia e socializao, mas espaos de ensino-aprendizagem comprometidos com o desenvolvimento humano. Uma das maiores dificuldades, no ensino, est relacionada basicamente com o contedo. Com as mudanas ocorridas no mbito educacional, alguns elementos foram incorporados para superar algumas crticas feitas escola denominada tradicional e conteudista. Na tentativa de superar tal crtica, a escola prope o desenvolvimento de trabalhos de diferentes formas. Assim, tem-se o trabalho pedaggico organizado por projetos, como exemplo. Os projetos pedaggicos so uma forma de resignificar o ensino com seus mtodos e contedos. Dessa forma, o ensino orienta-se para um sentido na realidade. Contudo, percebida a dificuldade desse trabalho com projetos. Muitas vezes, quando no descartados totalmente, os contedos no so contemplados porque o professor no consegue operacionalizar o projeto vinculando-o aos contedos. Isto significa que se anteriormente os contedos no tinham uma condio mnima de sentido na realidade, nesse momento encontram-se quase ausentes das prticas educativas. Por isso, necessrio reafirmar a funo social da escola e o papel do professor na atividade escolar. na escola que h a aprendizagem dos conhecimentos culturalmente acumulados pela humanidade. Nessa perspectiva, na sua prtica educativa, o professor deve desenvolver estratgias de ensino que possam dar condies ao educando de apropriar desses conhecimentos. O professor que consegue desenvolver prticas educativas de qualidade faz com que o estudante aproprie-se do conhecimento e se desenvolva. Portanto, no se trata de voltar ao ensino conteudista, mas de se considerar o contedo relacionado-o a outros aspectos, tais como o cultural e o social, sem exclu-los do plano de ensino.

Concluses
A organizao do ensino em ciclos de formao e desenvolvimento humano tem por essncia o compromisso com a formao e o desenvolvimento dos educandos. Para alm da mera aquisio de conhecimentos sistematizados, os Ciclos incluem as dimenses polticas, ticas e scio-culturais. Nesse processo, so fundamentais tanto as experincias socializadoras que possibilitam a construo e reconstruo de saberes, valores e atitudes, quanto os processos de construo de conhecimentos, desenvolvimento de conceitos e da linguagem e de estruturao do pensamento. Segundo Vygotsky (2002), a construo do pensamento e da subjetividade um processo cultural, e no uma formao natural e universal da espcie humana. Nesse sentido, o processo de hominizao revela que o indivduo no nasce com todas as caractersticas, mas formado na interao de suas caractersticas biolgicas com o meio social. Quando a escola no separa o pensar do agir, o educador planeja e intervm na organizao das idias, na formulao de hipteses e nas concluses que os educandos constroem e reconstroem em suas vivncias escolares. Sendo assim, para que a escola ciclada adote uma proposta pedaggica que privilegie no s as fases do desenvolvimento humano, mas que tambm evidencie a sua formao, necessrio que sejam identificadas e garantidas prticas que contribuam para a boa qualidade da aprendizagem formal destes educandos.

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