Geopolítica, Regionalização e Integração - Unidade III

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Geopoltica, Regionalizao e Integrao

Unidade III
7 A Agenda da Geopoltica Moderna

Introduo A globalizao capitalista causou provavelmente mais riqueza material e progressos sociais do que jamais ocorreu em fases precedentes da economia mundial. Ao mesmo tempo, visualizamos o crescente aumento das diferenas entre naes desenvolvidas e em desenvolvimento. Na era em que so as relaes internacionais com fins econmicos que movimentam a economia mundial, nenhum pas deseja estar limitado a seu territrio. Os interesses nacionais de cada pas esto manifestados por meio de sua poltica externa e refletem seus objetivos no que diz respeito a desenvolvimento econmico, capacitao tecnolgica, maior participao no comrcio global, crescimento de ndices sociais, busca pelo poder, entre outros. Seja qual for o objetivo, em geral as aes do Estado estaro sujeitas eventual influncia de grupos de interesse que apoiam suas decises polticas no mbito interno. Nas questes de meio ambiente, o nmero de acordos ambientais internacionais e os acordos voluntrios cobrem grande parte das regies e das questes globais. Alm disso, os aspectos tericos e histricos da integrao regional tambm estaro contemplados nesta unidade.
7.1 Comrcio internacional e desenvolvimento econmico

Numa perspectiva histrica, a expanso do comrcio internacional foi sustentada pelos contnuos aumentos da produtividade e das produes agrcolas e industriais, pela especializao e diviso de trabalho e pelas vantagens comparativas de troca. O comrcio assume papel fundamental na expanso da economia internacional a partir da revoluo comercial industrial, sendo que sua importncia plenamente admitida nos princpios da teoria clssica do comrcio. Na medida em que os meios de intermediao da riqueza mundial baseada nas normas reguladoras dos padres metlicos tornavamse inadequados, o comrcio internacional se constitua como um eficiente mecanismo de acmulo de reservas internacionais, de meios internacionais de pagamento e de orientao dos fluxos de capitais. A balana comercial ganhou significativa importncia na medida que impactou o equilbrio dos balanos de pagamentos nacionais, equilbrio este dependente do acmulo de recursos financeiros gerado pelas transaes de bens e servios. Conduzidas pelas motivaes do lucro em funo do prprio processo histrico, as crescentes relaes de comrcio entre os pases naturalmente provocaram a ampliao de mercados consumidores. 79

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Juntamente com um maior nmero de fornecedores de insumos e de matriasprimas e com as novas possibilidades de atividades econmicas (novos produtos e servios), essa ampliao estimulou a produo em escala e obteve um consequente aumento da produtividade a partir da especializao, tanto nas atividades agrcolas e extrativas quanto nas industriais e de servios (CASSAR, 2004). As novas tecnologias, as transferncias tecnolgicas, a utilizao de mo de obra local e os diferentes padres de produo criaram novas alternativas de produo ao deslocar atividades para determinados lugares, de modo que o processo completo se constitusse com base no trabalho de diferentes pases (CASSAR, 2004). Da mesma forma, questes relativas ao fluxo monetrio, tais como investimentos diretos e fluxo financeiro internacional (capital especulativo), esto intrinsecamente relacionadas ao comrcio exterior. Juntos, esses elementos so responsveis pelas transaes correntes do pas, o que afeta direta ou indiretamente o crescimento econmico nacional.
As transaes financeiras ampliaram o fluxo monetrio entre pases, gerando crescimento e desenvolvimento recproco. Tal movimento se caracteriza com a troca de mercadorias, com as remessas de capital e de lucros, com os investimentos produtivos internacionais ou mesmo com financiamentos concedidos por fontes internacionais (CASSAR, 2004, p. 69).

Diante dessa percepo e em funo do prprio processo de trocas, envolvese:


[...] toda uma comunidade pluralstica e competitiva de exportadores e importadores; grupos e rgos especializados (tradings, consultorias e associaes de classe); bancos, instituies de crdito e companhias de seguros, redes de transporte e sindicatos [...] (GRIECO, 1994, p. 208).

Os mercados so administrados dentro do marco de regulamentao governamental nos mbitos nacionais e pelo consenso nos foros multilaterais, estabelecidos e internacionalmente aceitos aps a Segunda Guerra Mundial. Aps o protecionismo dos anos 1930, o comrcio internacional cresceu a um ritmo sustentado no psguerra, atuando como indutor de modernizao tecnolgica e de ganhos de competitividade. O advento da globalizao econmica gerou uma produo de bens em maiores quantidades a custos continuamente mais baixos (ALMEIDA, 2002). O fator preponderante da globalizao a internacionalizao da economia, ininterrupta desde a Segunda Guerra Mundial.
7.2 Alguns desafios para a insero positiva dos pases em desenvolvimento nas relaes de comrcio internacional

A globalizao capitalista percebida nas ltimas dcadas do sculo XX trouxe provavelmente mais riqueza material e progressos sociais do que jamais ocorreu em fases precedentes da economia mundial. Ao mesmo tempo, temse o aumento das diferenas entre naes desenvolvidas e pases em 80

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desenvolvimento, assim como das desigualdades no acesso a bens e a distncia acumulada entre os rendimentos dos grupos sociais (ALMEIDA, 2002, p. 57). Diante desse paradoxo, h que se questionar quais so os desafios a serem superados pelos pases em desenvolvimento a fim de que alcancem maiores benefcios nas relaes do comrcio internacional. Dois fatores centrais so percebidos nessa realidade. O primeiro tem a ver com a deficincia de crescimento e na administrao das polticas econmicas nacionais e setoriais (polticas agrcola, industrial, de cincia e tecnologia etc.) (ALMEIDA, 2002, p. 57), que colocou as naes em desenvolvimento na contramo da competitividade do capitalismo global. H argumentos no sentido de que:
[...] a falta de um posicionamento social e poltico majoritariamente alinhado com um modelo definido e conhecido gera problemas importantes para a economia real e para o prprio desenvolvimento do pas, aumentando os riscos e reduzindo a produtividade econmica em geral e dos investimentos em particular (PINHEIRO, 2004, p. 25).

Desse modo, em geral o descompasso com o desenvolvimento em alguns pases tem a ver com:
[...] a estruturao material das sociedades e economias, seu substrato humano (em termos de educao e capacitao profissional), o meio ambiente institucional (estabilidade das regras, respeito aos contratos, segurana dos direitos de propriedade contra prticas abusivas de extrao de renda pelo Estado ou por grupos de interesse) e a intensidade de vnculos com a economia internacional, de onde provm os estmulos competio e os ganhos de produtividade e knowhow, mediante transferncias diretas e indiretas de tecnologia (ALMEIDA, 2002, p. 57).

O segundo fator central est relacionado ao chamado intercmbio desigual, estabelecido por meio das assimetrias das relaes internacionais de comrcio, acentuadas na ltima metade do sculo XX (ALMEIDA, 2002). O perodo de paz observado entre os dois maiores conflitos blicos de escala mundial foi marcado por acirradas guerras comerciais, dados o acentuado protecionismo e a consequente deteriorao das relaes econmicas internacionais entre as naes. Aps a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos emergiram como potncia e tiveram significativa participao na recuperao da economia mundial. No mesmo perodo, o pas aumentou bruscamente suas tarifas aduaneiras e, em 1930, com a aprovao de uma lei tarifria irresponsvel, a SmootHawley Act, houve uma significativa reduo de seu comrcio exterior. Existem fortes argumentos econmicos de que a SmootHawley Act contribuiu para o agravamento da Grande Depresso dos anos 1930. Essa medida teve um efeito domin, pois levou os demais parceiros comerciais dos Estados Unidos a adotar restries ao fluxo de comrcio na mesma ou em maiores propores, a fim de salvaguardar suas 81

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economias. Esses parceiros ainda lanaram mo da desvalorizao cambial para enfrentar o problema do balano de pagamento. Isso tornava mais caro o produto de outros pases, que, para recuperarem a competitividade, tambm desvalorizavam suas moedas. Ao final da Segunda Guerra Mundial, acentuaramse as caractersticas de interdependncia no sistema econmico internacional e, ao mesmo tempo, houve a necessidade de se reduzir o alto nvel de protecionismo ao comrcio internacional. Estava evidenciado, de forma inequvoca, a necessidade de regras e instituies que permitissem aos pases desenhar suas polticas de empregos e investimentos sem desestabilizar a economia mundial (DIAS, 1996, p. 6364). De acordo com o que podemos constatar, a maior preocupao dos pases da ordem capitalista no imediato psguerra residiam na construo simultnea de um ambiente pacfico, favorvel ao crescimento econmico das naes, e de uma nova ordem capitalista capaz de trazer estabilidade poltica e econmica, alm de cercear a expanso do socialismo, que saiu fortalecido no perodo posterior ao conflito (RAMOS, 2004, p. 148). Menos elaborado que a Carta de Havana35, o GATT teoricamente no tinha status de organizao internacional, mas, na prtica e na medida que ia sendo ampliado por meio de sucessivas rodadas de negociao, ele passou a ser o nico frum multilateral de negociaes comerciais, constituindose como base para as negociaes de comrcio internacional por quase 50 anos. Contudo, ao se observar a dinmica das relaes internacionais de comrcio no mbito de negociao do GATT, percebese que, na prtica, as premissas de livre comrcio das teorias de comrcio internacional propaladas at os dias atuais pelas naes desenvolvidas no se estabeleceram no comrcio internacional. Uma ordem econmica liberal nas relaes econmicas internacionais nunca foi implantada nesse perodo. Por outro lado, ao se evocar a viso realista das relaes internacionais, conferimos que os interesses nacionais exacerbados dos pases desenvolvidos ignoraram e ainda ignoram as assimetrias econmicas estruturais, pois exigem, em determinado momento, livre comrcio e igualdade de oportunidade nas negociaes. O GATT criou as bases de um sistema de comrcio internacional que pode ser melhor caracterizado como administrado em vez de liberal. As regras do GATT nunca foram implementadas rigidamente quando os interesses dos pases industriais avanados estavam em risco. O fato que, desde a criao do GATT, os pases em desenvolvimento foram conscientemente discriminados no acesso ao mercado dos pases industriais e assumiram o nus da indiferena dos pases industrializados em promoverem ajustes estruturais s mudanas no padro de vantagens comparativas entre pases (DIAS, 1996, p. 68). O GATT permitia a gesto das polticas nacionais de comrcio com um mnimo de regras. Os dois princpios bsicos do acordo36 apresentavam um grande equvoco ao presumir que os parceiros comerciais estavam em posies similares.
Documento que propunha a criao da Organizao Internacional do Comrcio, no ratificada pelo Congresso Americano. 36 Esse acordo foi uma herana do sistema norte-americano de negociaes tarifrias (clusula da nao mais favorecida NMF ou no discriminao e reciprocidade nas concesses) (PRADO, 1996).
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O agravante desse problema estava nos padres de negociao a serem seguidos: pelas regras de negociao do GATT, as negociaes deveriam iniciarse bilateralmente por requisio, e no por oferta, ao passo que somente o maior importador poderia requisitar redues tarifrias de um pas exportador (PRADO, 1996, p. 57). A clusula da nao mais favorecida se encarregava de que as vantagens auferidas fossem estendidas aos demais membros. Regra fundamental de negociao, o princpio da reciprocidade, por sua vez, penalizava os pases em desenvolvimento ao condicionar uma reduo tarifria a um volume equivalente de importao. Dessa maneira os principais exportadores mundiais determinavam as prioridades e os limites das negociaes (PRADO, 1996, p. 58). Por conseguinte, a troca de concesses no GATT ocorria quase sempre entre economias desenvolvidas. Essas concesses eram praticamente irrelevantes para as economias em desenvolvimento, que no tinham as possibilidades de uma resposta de oferta. No ambiente em que as relaes internacionais se desenvolveram no psguerra, o que chama a ateno o grau de complexidade que envolve os fluxos superpostos de bens, capital, trabalho e informao tecnolgica; o grande nmero de agentes econmicos heterogneos; e, sobretudo, as vultuosas prticas das grandes empresas multinacionais e transnacionais no comrcio internacional, que refletiram diretamente sobre a economia e a poltica interna das naes e tornaram indefinidas as fronteiras de suas polticas interna e externa (RAMOS, 2004). Tal complexidade funcionou como aval das aes de governos em prol de seus interesses nacionais que, como pano de fundo, tinham a consolidao ou a melhora da posio de empresas deste ou daquele pas face a:
[...] um nmero cada vez maior de participantes no comrcio internacional, procurando ascender ao comrcio de bens e servios de maior valor agregado, enquanto outros procuram manter ou expandir sua parte do mercado desses bens e servios (DIAS, 1996, p. 59).

Os interesses nacionais de cada pas, manifestos por meio de sua poltica externa, refletem seus objetivos quanto ao desenvolvimento econmico, capacitao tecnolgica, maior participao no comrcio global, ao crescimento de ndices sociais ideais, busca pelo poder, entre outros. Seja qual for o objetivo, em geral as aes do Estado estaro sujeitas eventual influncia de grupos de interesse que o apoiam em suas decises polticas no mbito interno. A esse respeito, o exemplo americano ilustrativo:
A histria da legislao comercial dos Estados Unidos, a partir da Lei de Expanso do Comrcio de 1962, passando pela Lei de Comrcio de 1974, a Lei de Comercio e Tarifas de 1984 e a Lei Omnibus de Comrcio e Competitividade de 1988, documenta a crescente participao de grupos de interesse na definio da poltica comercial do pas, a criao de instrumentos especficos para responder s prticas desleais de comrcio e a incluso de um conjunto

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indeterminado de regulamentaes domsticas, prticas institucionais ou polticas de governo que poderiam ser consideradas obstculos ao comrcio equitativo (DIAS, 1996, p. 62).

O elevado nvel de tarifas praticado pelos Estados Unidos desde os anos 1930 lhes imputou problemas de conluios polticos (lobbies) quando o pas se viu obrigado a negociar a reduo das tarifas com parceiros comerciais no psguerra. O imbrglio consistia no fato de que:
[...] qualquer reduo de tarifas teria a oposio dos membros do Congresso, cujos distritos continham empresas que produziam bens concorrentes, enquanto os benefcios seriam to difundidos que poucos no Congresso estariam mobilizados do outro lado (KRUGMAN; OBSTFELD, 1999, p. 241).

O comrcio internacional do psguerra seguiu padres que no eram previstos pelas teorias de comrcio internacional. Os fluxos de comrcio no levaram a especializao e a equalizao dos preos dos fatores internacionais. Foi somente na dcada de 1960 que os esforos no sentido de buscar alternativas de negociaes ao GATT resultaram na Conferncia das Naes Unidas sobre o Comrcio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development). Alm disso, esses esforos tambm resultaram no tratamento preferencial das exportaes dos pases em desenvolvimento nos mercados das economias desenvolvidas, isso segundo o Sistema Geral de Preferncias (SGP) ou Generalized System of Preference, estabelecido no incio dos anos 1970 (ABREU, 2001). De certo modo, nesse cenrio conseguiase o reconhecimento da aceitabilidade em determinadas condies das demandas por uma discriminao positiva dos pases em desenvolvimento (PRADO, 1996). Contudo, a avaliao positiva deve ser vista com srias restries. Essa avaliao foi baseada na reduo expressiva das tarifas que se pode fazer no sistema multilateral de comrcio, gerenciado pelo GATT desde 1947 (quando teve sua primeira rodada em Genebra) at meados dos anos 1980, quando acordos das negociaes da Rodada Tquio foram implementados. Como j observado, as regras de negociao baseada na reciprocidade (sem levar em considerao as assimetrias estruturais) faziam com que as trocas de concesses ocorressem quase sempre entre economias desenvolvidas, nas quais os nveis de oferta eram maiores, diferentemente das limitadas ofertas dos pases em desenvolvimento. A liberalizao do comrcio, portanto, se concentrou em indstrias caracterizadas pela especializao internacional intraindustrial, ou seja:
[...] entre indstrias cuja natureza da competio no dependia apenas de preo, mas de caractersticas estranhas teoria pura do comrcio internacional, tais como diferenciao de produtos, tecnologia etc. (PRADO, 1996, p. 59).

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Assim, as concesses tarifrias eram praticamente irrelevantes para economias em desenvolvimento que no tinham a possibilidade de uma resposta de oferta. Dessa forma, temse que:
[...] a partir do quarto final do sculo XX, um tero, seno mais, do comrcio internacional realizado entre as prprias firmas multinacionais, geralmente num sentido nortenorte, j que o comrcio nortesul continua a ser dominado por um padro mais tradicional de trocas, envolvendo matriasprimas e commodities contra manufaturados e outros produtos de maior valor agregado (ALMEIDA, 2002, p. 52).

Mesmo com uma atitude mais ativa dos pases em desenvolvimento a partir dos anos 1960, verificase a partir dos resultados da Rodada Kennedy (19631967) e da Rodada Tquio (19731979) que as negociaes continuaram dominadas pelas principais economias desenvolvidas. Na Rodada Kennedy, a reduo nas tarifas mdias para produtos de interesse dos pases em desenvolvimento foi de 20%, ao passo que, para produtos de interesse das economias desenvolvidas, foi de 35%40% (ABREU, 2001, p. 91). Os resultados das negociaes iniciadas em Tquio no se mostraram diferentes, j que a reduo de tarifas para produtos do interesse de pases desenvolvidos e em desenvolvimento ficaram em 33% e 26%, respectivamente. Os ajustes impostos pelo mercado especializao internacional, segundo a teoria de livre comrcio, deveriam ser assumidos pelos pases para que o livre comrcio se estabelecesse, o que permitiria que consumidores e produtores usufrussem das vantagens absolutas de todos. Em relao aos custos e benefcios, Dias (1996) aponta que eles so percebidos diferentemente: os eventuais benefcios so difusos, genricos e percebidos a longo prazo e os custos so concretos, mensurveis e percebidos rapidamente. Assim, os custos so onerosos a empresas, trabalhadores, regies etc. Portanto, os custos geram maior preocupao dos pases nas relaes internacionais. Com base no raciocnio desenvolvido at aqui, no difcil entender que esses custos foram certamente debitados da conta dos pases em desenvolvimento. Dessa forma, evidente que:
[...] os governos dos pases industrializados procuraram transferir, para fora de suas fronteiras os custos sociais resultantes de ajustes diferenciao funcional ou interindustrial, ou seja, da diferenciao derivada de vantagens comparativas interindustriais, que beneficiariam pases menos industrializados (DIAS, 1996, p. 68).

Assim, verificase que pases industriais como Estados Unidos, Japo e o bloco econmico Unio Europeia (a partir dos anos 1980), alheios s regras multilaterais, implementaram polticas protecionistas pseudolegitimadas no argumento de que as disparidades de custos de trabalho eram destrutivas sua indstria, ignorando que a especializao, devido a custos de fatores inicialmente diferentes, uma das caractersticas de uma ordem econmica liberal (PRADO, 1996, p. 60). Essas economias, portanto, transferiram tais custos sob a forma de imensos prejuzos comerciais aos pases menos desenvolvidos. 85

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Assim, os esforos para a construo de uma ordem econmica liberal, que deveria ser implementada por meio de negociaes multilaterais, foram obstrudos pelos pases desenvolvidos, que se recusavam a aceitar regras liberais nos setores em que no eram competitivos. Quanto a isso, ponderase que o neoprotecionismo dos pases desenvolvidos geralmente aplicado ao setor agrcola ou a algumas indstrias tradicionais no competitivas, como siderrgicas, txteis e de calados subtrai os benefcios que os pases emergentes e em desenvolvimento poderiam retirar do comrcio exterior enquanto fator indutor de crescimento e de transformao estrutural de suas economias (ALMEIDA, 2002). Na dcada de 1950, por exemplo, mesmo ao apresentar uma balana comercial altamente favorvel em produtos agrcolas, o setor agrcola obteve dos Estados Unidos quotas importao de produtos como acar, queijo e carne (PRADO, 1996). A partir do momento que pases em desenvolvimento, como Brasil, China e ndia, passaram a oferecer um nmero cada vez maior de produtos de melhor qualidade nos mercados mundiais, surgiram obstculos de carter no tarifrio, medidas no quantificveis e exigncias negociais. Embora a importncia do desenvolvimento tivesse sido relativamente reconhecida a partir da discriminao positiva em favor dos pases em desenvolvimento nos 1960 e 1970, na dcada de 1980 esses pases foram constantemente taxados como beneficiadores da ordem liberal, sem, no entanto, contribuir com ela no mbito do comrcio e sem fazer concesses no nvel de interesse das grandes naes. Na leitura que as grandes naes fazem da ordem econmica internacional ordem esta que as levaram a introduzir exigncias de maior reciprocidade ou maiores concesses por parte dos pases em desenvolvimento , subentendese dois fatores distintos: primeiro: manifestao de maior poder relativo nas questes comerciais em prol de interesses econmicos particulares e no em prol de um maior nvel de liberalizao comercial equitativa que beneficiasse a todos; segundo: decorrente do primeiro fator, remete ausncia do princpio de que a igualdade de condies opera de forma a aprofundar as desigualdades entre desiguais. Consequentemente, a partir de ento inmeras medidas ilegais luz do GATT foram adotadas como forma de anular ou reverter os prejuzos causados pela ao ou inao de parceiros comerciais. Direitos compensatrios e medidas de antidumping obtidos por meio de lobbies setoriais nos Estados Unidos, a Poltica Agrcola Comum da Unio Europeia (implementada por meio de mecanismos complexos de proteo produo local) e restries quantitativas importao (como cotas e picos tarifrios) so apenas algumas das evidncias de que o acesso a mercados desenvolvidos se manteve e ainda se mantm regulado por mecanismos discriminatrios e pouco transparentes. 86

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Concentradas na exportao de manufaturados intensivos em mo de obra, tais barreiras, conhecidas com barreiras no tarifrias, cresceram ininterruptamente nas dcadas de 1980 e 1990, sendo que, em 1990, 17,5% do comrcio mundial de todas as origens eram cobertos por medidas no tarifrias (PRADO, 1996, p. 51). Nesse caso, o contrassenso do iderio do livre comrcio reforado, mais uma vez, pelas assimetrias de poder na medida em que para os pases em desenvolvimento, essa percentagem era muito maior, representando cerca de 23% do comrcio em 1990 (PRADO, 1996, p. 51). A implicao prtica dessa constatao revela que grandes segmentos do comrcio internacional continuavam excludos da liberalizao alcanada nesse perodo. Ademais, no perodo compreendido entre 1947 e 1994, quando vigorou o GATT, no havia um corpo slido de regras e procedimentos no qual um Estado que julgasse estar sendo prejudicado pelas polticas comerciais adotadas por qualquer outro pudesse se apoiar. As solues de controvrsia no mbito do GATT eram reguladas por um processo de consultas, seguido do estabelecimento de painis de especialistas que elaboravam um relatrio sobre a controvrsia. Entretanto, as decises eram obtidas por meio do consenso positivo (RAMOS, 2004). Bastava parte perdedora no aceitar o relatrio para que todo o processo fosse bloqueado, o que afastava, assim, sua adoo (SILVA, 2002). Essa era a principal fragilidade desse modelo, ao passo que o cumprimento das regras estabelecidas ficaria de fato a cargo exclusivo da vontade das partes, j que o Estado infrator sempre poderia impedir a adoo de qualquer medida em seu prejuzo, mesmo que sua imposio fosse ilegtima. Para se ter uma ideia, nos 48 anos de atuao do GATT, apenas uma medida retaliatria foi autorizada (FINGERS; WINTERS, 2002). Toda essa estrutura desfavorvel e a tentativa de introduo de novos temas37 no frum internacional de comrcio por parte dos pases desenvolvidos levou o Brasil e outros pases em desenvolvimento a rever sua posio defensiva frente ao GATT: eles passaram a defender um sistema multilateral com o predomnio do direito sobre o arbtrio de poder (DIAS, 1996, p. 66). A expectativa era de que um sistema mais abrangente de comrcio, fundamentado no direito internacional, gerasse uma estrutura normativa que trouxesse maior equilbrio s negociaes e maiores restries ao exerccio de poder e s arbitrariedades. Diferente de seu precursor, a Organizao Mundial do Comrcio (OMC) uma organizao permanente, com personalidade jurdica prpria e com o mesmo status do Banco Mundial e do FMI. Os compromissos assumidos no mbito da OMC so absolutos e permanentes. Prevista na Ata Final da Rodada Uruguai (19861994), a substituio do GATT pela OMC em 1995 no significou, entretanto, o fim das mazelas do comrcio internacional discutidas at aqui. Evidentemente, importantes evolues podem ser percebidas, principalmente quanto estrutura normativa e ao sistema de soluo de controvrsia. Em relao estrutura normativa, os acordos negociados so mais precisos e transparentes e apresentam maior rigorosidade, o
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Direito de propriedade intelectual (Trips), medidas de investimento (Trims), meio ambiente, entre outros.

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que permite uma reduo da margem de arbitrariedades antes impostas mais facilmente pelos parceiros comerciais. Por sua vez, o atual rgo de Soluo de Controvrsias (OSC) mais efetivo, menos sujeito a bloqueios, implementado pela Rodada Uruguai e previsto no Anexo II do tratado de Marrakesch38 alterou significativamente o processo de soluo de controvrsias. Esse rgo responsvel pela efetividade que pode ser atribuda organizao, pois ele assegura maior previsibilidade e segurana nas relaes jurdicas entre os Estados partes. Diferentemente de seu antecessor, as decises do rgo de Soluo de Controvrsias no mbito da OMC so tomadas com base no consenso negativo, ou seja, uma vez evidenciada uma infrao das regras estabelecidas pelos acordos da organizao, o membro infrator ficar impune somente se todos os membros votarem contra a deciso do conselho. A maior previsibilidade e o estabelecimento de agendas dentro da OMC induzem formao de coalizes que podem funcionar como facilitadoras da ao poltica de Estados fracos. O exemplo mais notvel dessa mobilidade pode ser constatado nos resultados da V Rodada de Negociaes no mbito da OMC, realizada em setembro de 2003 em Cancn, no Mxico. O impasse das negociaes se concentrou na rejeio, por parte de um grupo de pases em desenvolvimento, da proposta de diminuio dos subsdios agrcolas, proposta esta defendida por EUA, Unio Europeia e Japo. Segundo Ramos (2004):
[...] uma espcie de engenharia poltica, articulada pelo Brasil, China e ndia, reuniu um grupo de 21 pases em desenvolvimento que rene os interesses de mais de 55% da populao mundial, negociou em p de igualdade com as economias desenvolvidas a liberao do comrcio agrcola [...], alterando sobremaneira a correlao de foras em grandes negociaes internacionais como nunca visto antes (RAMOS, 2004, p. 174).

Como observado, embora a nova base institucional das relaes de comrcio tenha melhorado as condies negociais em alguns aspectos, no podemos ignorar as incertezas ainda presentes no sistema internacional. A principal delas se pases desenvolvidos ajustaro adequadamente suas polticas nacionais s normas, regras, princpios e procedimentos acordados multilateralmente. O vis dessa anlise passa pela questo da defesa da soberania estatal, que, nesses pases, evocada na defesa dos interesses nacionais. Durante o perodo do GATT, isso impediu que acordos multilaterais assumidos internacionalmente fossem cabalmente cumpridos. Logo, esses acordos ficaram subordinados legislao nacional, como foi o caso dos Estados Unidos, discutido anteriormente. Assim, o desafio maior da OMC consiste em impedir que pases ou grupos de pases desenvolvidos tentem utilizar o poder de suas economias e de seus mercados de alta renda para o descumprimento de obrigaes multilaterais (DIAS, 1996, p.66).
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Tratado constitutivo da OMC.

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Lembrete O rgo de soluo de controvrsias das OMC considerado hoje um dos principais fruns de soluo internacional de conflitos, sobretudo em funo da quantidade de contenciosos, de Estados e de valores envolvidos. Ele procura destacar o cumprimento dos procedimentos previstos, a originalidade dos mecanismos de estmulo obedincia das decises, o ganho de legitimidade do sistema com o tempo e as principais sugestes de reforma em discusso.

Saiba mais Fique por dentro dos principais casos de contenciosos no mbito do rgo de soluo de controvrsias da OMC: <http://www.wto.org/spanish/tratop_s/ dispu_s/find_dispu_cases_s.htm#results>. Acesso em: 30 jan. 2012.
7.3 O meio ambiente

Mediante a vasta diversidade de temas que compem a agenda das relaes internacionais, a ecopoltica e as questes ambientais ganharam destaque nas ltimas dcadas. O meio ambiente e a poltica de desenvolvimento sustentvel causaram discusses entre os Estados nos organismos internacionais, o que promoveu aes e tentou minimizar os efeitos do aquecimento global. Ainda que os Estados estejam no dilema entre soberania, crescimento econmico, interesses individuais e questo ambiental, notamos que a ONU e as organizaes no governamentais (ONGs) participam ativamente do processo de conscientizao. O marco inicial dessas atuaes data da reunio dos membros das Naes Unidas, realizada em 1972, em Estocolmo. Nela, foi colocada a Declarao sobre o Meio Ambiente Humano, que continha, dentre seus princpios:
Todos os pases, grandes e pequenos, devem ocuparse com esprito e cooperao e em p de igualdade das questes internacionais relativas proteo e melhoramento do meio ambiente. indispensvel cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera possam ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados [...]. Os recursos naturais da Terra, includos o ar, a gua, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem

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ser preservados em benefcio das geraes atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administrao adequados [...]. Os recursos no renovveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o perigo de seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a humanidade participe dos benefcios de tal uso [...]. Os pases devero adotar todas as medidas possveis para impedir a poluio dos mares por substncias que possam pr em perigo a sade do homem, prejudicar os recursos vivos e a vida marinha, causar danos s possibilidades recreativas ou interferir com outros usos legtimos do mar [...]. indispensvel um esforo para a educao em questes ambientais, dirigida tanto s geraes jovens como aos adultos, e que preste a devida ateno ao setor da populao menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinio pblica bem informada, e de uma conduta dos indivduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteo e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimenso humana. igualmente essencial que os meios de comunicao de massa evitem contribuir para a deteriorao do meio ambiente humano e, ao contrrio, difundam informao de carter educativo sobre a necessidade de proteglo e melhorlo, a fim de que o homem possa desenvolverse em todos os aspectos [...]. Sem prejuzo dos critrios de consenso da comunidade internacional e das normas que devero ser definidas a nvel nacional, em todos os casos ser indispensvel considerar os sistemas de valores prevalecentes em cada pas e a aplicabilidade de normas que, embora vlidas para os pases mais avanados, possam ser inadequadas e de alto custo social para pases em desenvolvimento (ONU, 1972).

A partir da dcada de 1970, portanto, houve uma mudana gradual no mundo das relaes internacionais no que tange s questes de meio ambiente. Ela foi expressiva principalmente a partir da publicao de The limits of growth e A blueprint for survival39, que mostram as consequncias do processo de explorao e da industrializao/produo acelerada dos pases e a degradao ambiental resultante do crescimento populacional e da busca incessante por recursos naturais (CAMPOS e CORRA, 1998). A dificuldade de conciliar e obter o consenso em uma poltica de desenvolvimento limpo torna o debate sobre essa problemtica cada vez mais constante. As naes desenvolvidas e as potncias econmicas continuam a emitir quantidades exorbitantes de gases nocivos camada de oznio e, ao mesmo tempo, cobram das naes emergentes que reduzam seus nveis de emisso ainda que em longo prazo, mesmo que essas naes ainda estejam em processo de industrializao e de boom econmico (CAMPOS e CORRA, 1998).
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Obras publicadas em 1972.

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No decorrer da segunda metade do sculo XX e principalmente ao final da Segunda Guerra Mundial, grandes mudanas ocorreram nas interfaces econmicas, polticas e sociais do panorama internacional. Houve um deslocamento dos centros de poderes polticos da Europa para os novos blocos polticoeconmicos das potncias nucleares, respectivamente Estados Unidos e Unio das Repblicas Socialistas Soviticas. A realidade desse perodo psguerra colocou em cheque a economia e a poltica das naes, o que impactou no crescimento econmico, nas questes sociais e nas diferenas regionais e locais entre os Estados. As crises do petrleo e dos pases da Amrica Latina fizeram com que houvesse tanto uma reorganizao do pensamento social como o surgimento do tema ecopoltica, fruto de uma nova percepo do meio e das estruturas de poder presentes. Nos anos 1960, a comunidade internacional gradualmente deu maior relevncia ao meio ambiente e essa problemtica deixou de ser apenas algo local e comeou a ganhar nvel internacional. Contudo, os movimentos ambientalistas das naes desenvolvidas eram amplos e superavam os movimentos civis, visto seu teor crtico em relao industrializao e ao pensamento tecnolgico. Para eles, era necessrio uma mudana no sistema de explorao da natureza e uma reduo dos nveis de consumo nas civilizaes ocidentais. Dessa forma, a forte presena do Estado como ator capaz de promover a regulao e limitar os nveis de explorao se viu engessada por um impasse entre as naes e por uma descentralizao nas opinies. No decorrer das ltimas quatro dcadas, as organizaes sociais e internacionais tentam agir como mediadoras, a fim de abranger nos debates os campos econmico, social e os referentes ao meio ambiente e ao aquecimento global. A ConvenoQuadro das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas, estabelecida em 1992, no Rio de Janeiro, serviu como base para uma gradual evoluo nas negociaes e no consenso internacional sobre a proteo ambiental. At mesmo o maior emissor de poluentes na atmosfera, os Estados Unidos, aderiram ao discurso ambiental, principalmente devido evidncia cientfica do aquecimento global e de suas consequncias para a humanidade. Em 2002, numa notvel mudana de postura pblica, a administrao de George W. Bush admitiu que a mudana climtica global representava uma ameaa real para o meio ambiente e aceitou o fato de que a prpria atividade humana a causava. Ainda assim, no entanto, dentre os representantes do mundo desenvolvido, o presidente descartou qualquer compromisso com as metas juridicamente vinculativas do Protocolo de Quioto para a reduo das emisses de dixido de carbono resultante da queima de combustveis fsseis. Na ocasio, ele afirmou que isso ocasionaria um custo de R$ 400 bilhes para a economia e geraria impacto em 4,9 milhes de empregos. Nesse perodo, a viso antropocntrica de meio ambiente comeou a ser dissuadida pelos pensadores da ecopoltica. Desde a Primeira Revoluo Industrial, com o advento da sociedade moderna, os recursos naturais eram vistos como uma fonte indispensvel para o desenvolvimento econmico e para o conforto dos indivduos, o que desencadeou um pensamento restrito (CAMPOS e CORRA, 1998). 91

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Isso pode ser visto nas consequncias da crise financeira de abril de 2008 e da recesso mundial que dela se seguiu. Houve uma mudana radical nas prioridades dos pases industrializados, que reuniram esforos para criar polticas para o meio ambiente e a favor de um foco renovado sobre o crescimento econmico sustentvel. Antes da crise, as questes ambientais, especialmente o aquecimento global, foram bemestabelecidas nas discusses entre os Estados, ainda que, devido s necessidades do modelo e do mercado capitalista, algumas naes tenham relutado em adotar as medidas restritivas ao desenvolvimento. Entretanto, grande parte das naes desenvolvidas ainda afirma que o desenvolvimento e o crescimento econmico so a chave para o progresso na interface ambiental, pois a nao que pode pagar investimentos em novas tecnologias consegue gerar solues. Todavia, no final de 2007, embora ainda parte de Quioto, os Estados Unidos aceleraram o processo decisrio do Protocolo de Montreal, a favor da eliminao progressiva de hidroclorofluorcarbonos (HCFC), hoje estimados em at 1,7 mil vezes mais nocivos que o prprio dixido de carbono. Assim, notase que a maioria das pautas da comunidade internacional relativas ao ambiente internacional esto centradas sobre a noo e concepo de governana ou governaa global, seja em sua forma neoliberal, institucionalista, tradicional e terica, seja em sua forma transnacional. Governana global um termo genrico que abrange diferentes tipos de regulamentao internacional ou transnacional ou at mesmo tipos referentes institucionalizao. Por exemplo, os regimes e as instituies internacionais, como a Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e as Naes Unidas (ONU), so vistos como uma forma tradicional de governana global. Recentemente, formas transnacionais de governana tambm foram includas nessa definio, como cdigos globais de conduta utilizados por corporaes multinacionais ou o desenvolvimento de normas de uma sociedade civil global. O nmero de instituies de governana global aumentou intensamente nos ltimos 30 anos ou mais e, com o aumento da regulao do comrcio e das finanas, essas reas se abriram e comearam a atuar em uma perspectival global (CAMPOS e CORRA, 1998). No campo ambiental, o nmero de acordos ambientais internacionais e os acordos voluntrios cobrem grande parte das questes globais, que vo desde a ento Conveno de Mudanas Climticas at problemas internos e fronteirios referentes ao desmatamento florestal. Contudo, a partir da perspectiva ecopoltica que se abrange nesta unidade, o ponto em questo no somente a governana ambiental em si, mas a relao entre as interfaces econmicas e as faltas de comprometimento das naes e de poder dicisrio das instituies para regulamentar as aes ambientais. De acordo com Campos e Corra (1998):
No plano externo, os governos passaram a privilegiar o tratamento de problemas ambientais associados produo no mbito de acordos ambientais, buscando assegurar o cumprimento de padres multilateralmente negociados para reduzir e prevenir danos de carter global, recorrendo a restries comerciais, com o duplo objetivo de encorajar uma participao mais ampla nos acordos e penalizar infratores. Engajaramse nos trabalhos preparatrios Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

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e, posteriormente, com nveis bastante diferenciados na implementao dos compromissos nela assumidos [...] (CAMPOS e CORRA, 1998, p. 19).

Na inteno de conseguir manter esse interesse dos Estados nas questes ambientais, o Tratado de Quioto foi celebrado em 1997 e entrou em vigor em 2005. Nesse documento foi estipulada uma reduo mnima de 5,2% das emisses de gases que agravam o efeito estufa em relao aos nveis de 1990. Alm disso, o documento viria a ter uma nova meta aps 2005 (CAMPOS e CORRA, 1998). Mesmo com 175 pases signatrios, a adoo desse protocolo ainda v impasses, que recaem sob a questo dos Estados Unidos e da China, os maiores poluidores globais que querem continuar a superaquecer suas economias. Ainda que os pases emergentes tendam a crescer nos prximos 20 anos e, consequentemente, poluiro mais, eles no chegariam porcentagem de emisso que essas duas potncias representam hoje. Atualmente, temos subcategorias de naes poluidoras que vo do grupo de risco, que teria de adotar medidas severas para a reduo, at o grupo dos pases emergentes com exceo da China, que se encaixa no primeiro grupo e o grupo de pases que ainda esto desenvolvendo sua economia ou passam por uma fase de transio. Com a COP15 (Conferncia de Copenhagen), foi reforada a importncia do desenvolvimento sustentvel e da preservao ambiental e a necessidade de cooperao dos mais diversos organismos e estados. Naes como Brasil, Dinamarca e ndia fizeram propostas e assumiram o compromisso de fazer a diferena na reduo dos ndices de carbono. De certa forma, esses pases conseguiram auxiliar as negociaes com as outras naes, que ainda focavam em suas respectivas economias mesmo sabendo da gravidade do problema. Como as questes ambientais so de natureza internacional e transnacional, elas no podem estar somente interligadas esfera dos Estados nacionais. Portanto, a definio das agendas e dos temas relativos ao meio ambiente e a busca de solues para problemas da atualidade requerem o comprometimento e o envolvimento de outros agentes, que precisam buscar uma alternativa vivel em conjunto com Estados, instituies e com o prprio mercado. Devido a esse contato entre os diferentes atores da geopoltica e da ecopoltica mundial, o cenrio que pode ser percebido ao incio do sculo XX o de uma ausncia de fronteiras claramente definidas e o de uma sociedade e de um mercado em constante mudana.

Figura 13 A capital federal ficou s escuras por uma hora durante a Hora do Planeta. A iniciativa faz parte de uma mobilizao mundial promovida pela organizao no governamental World Wide Fund (WWF), com o objetivo de chamar a ateno da populao para a necessidade de preservao do meio ambiente

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Saiba mais Visite os sites: <http://www.meioambiente.gov.br> e <http://www.wwf. org.br>. Acesso em: 1 fev. 2012.
8 A Regionalizao e a Integrao

No mundo globalizado, participar efetivamente das relaes internacionais significa, essencialmente: manter um bom relacionamento comercial com os demais pases ou blocos de pases; participar efetivamente das negociaes de acordos comerciais dos mais variados moldes; estar sempre atualizado em relao s mudanas de comportamento dos diversos atores. A proliferao de acordos regionais marcou profundamente as relaes internacionais a partir da segunda metade do sculo XX, tanto no campo econmico como no campo poltico, e refletiu tambm no desenvolvimento do prprio Direito Internacional. Os acordos regionais encontram apoio no artigo XXIV do GATT, que dispe sobre a criao e a formao das unies aduaneiras e das zonas de livre comrcio. A justificativa para a formao de blocos era a de propiciar maior liberdade de comrcio, mesmo que discriminatria, com vistas ao aproveitamento das vantagens comparativas recprocas. Acreditavase que a integrao contribuiria para gerar ganhos de comrcio e, consequentemente, aumento do bemestar. Nas negociaes de acordos comerciais, os pases buscam ampliar o acesso aos mercados externos, sobretudo no que diz respeito elevao das margens de preferncia para seus produtos, preferncia esta que se d por meio da reduo das alquotas do imposto de importao.
8.1 Aspectos tericos e histricos de integrao regional

O livre comrcio considerado pelos clssicos como a melhor forma de usar eficientemente todos os recursos disponveis para atingir o mximo de bemestar mundial. Mas s isso no suficiente, pois, como ocorre transferncia de renda entre pessoas e naes, alguns ganham e outros perdem com a liberdade de comrcio. Como na realidade no existem mecanismos capazes de compensar as perdas dos que so prejudicados pelo livre comrcio, os Estados intervm publicamente para neutralizar os prejuzos resultantes das trocas internacionais e alavancar o desenvolvimento econmico. As consequncias das decises de uma nao sobre o comrcio exterior naturalmente extrapolam os limites de seu territrio. No sculo XX, o mundo passou por etapas de acirramento das prticas protecionistas, desastrosas para muitos povos. 94

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O perodo entre as guerras mundiais foi marcado por acentuado protecionismo e por deteriorao das relaes econmicas internacionais. Os Estados Unidos, que aps a Primeira Guerra Mundial emergiram como potncia, aumentaram bruscamente suas tarifas aduaneiras. Esse fato levou seus parceiros comerciais a impor retaliaes e a disseminar guerras comerciais acirradas. Por exemplo, para enfrentar um problema de balano de pagamento, um pas desvalorizava sua moeda. Isso tornava mais caro o produto de outro pas, que, para recuperar a competitividade, tambm desvalorizava sua moeda, como j mencionamos anteriormente. Assim, mesmo durante os conflitos, toda essa problemtica motivou, a partir de Bretton Woods, o surgimento do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio). Com o objetivo de reduzir as barreiras comerciais e aumentar a interdependncia das naes, o princpio bsico do GATT era: nenhum pas tinha obrigao de fazer concesses, mas se ele reduzisse suas barreiras importao de determinado produto, esse benefcio seria automaticamente estendido aos demais membros. Alm disso, esses pases precisariam tambm assumir o compromisso de no aumentar suas tarifas ou fazer outras restries. O GATT mostrou sua maior fraqueza na questo da soluo de controvrsia e desrespeito s regras por parte de seus signatrios. A ideia de que alguma liberdade de comrcio, mesmo que seletiva, seria melhor que nenhuma passou a fazer parte do discurso acerca da formao de blocos regionais, nos quais se esperava maior eficincia na alocao de recursos e aumento de bemestar. A partir da dcada de 1950, surgem as primeiras teorias sobre as unies aduaneiras e as zonas de livre comrcio. Foi nesse perodo que o economista Jacob Viner (1950) publicou seus estudos centrados nas condies sob as quais a alocao dos recursos mundiais melhorada pela criao de acordos regionais. Ele alertou para a possibilidade de se observar o saldo lquido negativo em decorrncia da manuteno do protecionismo em relao aos pases no signatrios do acordo. Segundo Jacob (1950), h criao de comrcio quando a produo domstica, menos eficiente, substituda pela importao, mais barata devido ausncia de barreiras procedentes de um parceiro comercial. H desvio de comrcio quando o produto socialmente mais barato em relao ao resto do mundo preterido em favor daquele produzido pelo passcio. A ocorrncia de criao ou desvio de comrcio depende dos preos dos produtos nos diferentes pases e da dimenso das barreiras alfandegrias. Para que a unio aduaneira possa beneficiar os participantes, a criao de comrcio deve superar o desvio de comrcio, de modo que, no balano, a formao da unio desloque fontes de suprimento para custos mais baixos mais do que para custos mais altos. Um pas eficiente e altamente especializado, porm diversificado em seus padres de consumo, pode sofrer pesadas perdas em desvio de comrcio e ganhar pouco em criao de comrcio, enquanto uma economia multissetorial, comparativamente de alto custo, pode ganhar muito em criao de comrcio e perder pouco em desvio de comrcio. 95

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As vantagens dessa estratgia podem ser sintetizadas nos quatros argumentos a seguir: maior aproveitamento das vantagens comparativas regionais: pode ser obtido pela especializao de cada pas naqueles produtos cuja produo tenha menor custo unitrio, dado que, entre eles, vigore o livre comrcio; pela especializao dentro da regio, que permite a cada membro proteger sua produo industrial com um custo menor do que se o fizesse isoladamente; e pela integrao, que possibilita tambm a complementaridade industrial, com ganhos para o conjunto; criao de economias de escala: sabemos que h tamanhos mnimos de plantas industriais para reduzir eficientemente, ou seja, com custos unitrios menores. A unio aduaneira, em um contexto de complexidade industrial, resulta na formao de um mercado maior, o que pode contribuir para reduzir o custo unitrio de produo; possibilidade de ofertar maior variedade de produtos: se o mercado pequeno e protegido, a oferta de produtos diferenciados e/ou sofisticados revelase invivel porque implica a elevao de custos. Na passagem para a unio aduaneira, possvel explorar a escala proporcionada pelo mercado ampliado, o que resulta em maior variedade, menores preos e aumento do bemestar dos consumidores; maior concorrncia intrarregional: a integrao amplia o mercado e, quanto maior o mercado, maior a concorrncia entre produtores, melhor a alocao de recursos, menor o grau de concentrao industrial (formao de oligoplios e monoplios) e menores os preos para o consumidor final. Assim, nessa conjuntura, algumas naes da Europa ocidental deram os primeiros passos em seu processo de integrao, o que resultaria na atual Unio Europeia. Na Europa, a ideia de uma unidade poltica cresceu aps os danosos efeitos da Segunda Guerra Mundial, que corresponderam destruio do aparato industrial, runa financeira e ao rebaixamento do nvel de vida, que reduziram a regio, economicamente eficiente, a uma regio limite entre duas esferas de influncia: a dos Estados Unidos e a da Unio Sovitica. Com o Tratado de Roma (1957), foi criada a Comunidade Econmica Europeia, que deu incio a um processo de integrao que afetou paulatinamente diversos setores da economia europeia. Alm disso, o surgimento dessa comunidade abriu espao para a criao de instituies supranacionais nas quais os Estados membros cederam parte de sua soberania sobre determinadas competncias. O resultado desse processo foi celebrado no Tratado de Maastricht (1992), que criou a Unio Europeia. O aparente sucesso de integrao europeia no campo econmico motivou a Comisso Econmica para a Amrica Latina (Cepal) a propor uma integrao econmica da Amrica Latina, com o objetivo final de desenvolver a regio, o que seria alcanado em decorrncia da implantao do modelo de substituio de importaes, com estmulo produo local de bens industriais anteriormente importados. 96

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Nessa parte do continente americano, onde muitos pases tinham um regime de poltica comercial restritiva destinada a favorecer a industrializao para substituio de importaes, o tamanho reduzido dos mercados domsticos foi considerado um obstculo ao desenvolvimento da indstria e um fator limitador dos ganhos em eficincia das economias de escala. Diante disso, a alternativa regional era vista sob a perspectiva de um mercado mais amplo, que possibilitaria o aumento da competitividade no mercado mundial.

Figura 14 A Ponte da Amizade liga Foz do Iguau (Brasil) Cidade do Leste (Paraguai)

8.2 Fases da integrao

No passado, a integrao entre povos era realizada por invases e conquistas e os exrcitos eram o principal instrumento de persuaso. Hoje, as naes independentes procuram se integrar por meio de acordos firmados em funo de seus interesses recprocos. H diversos tipos de integrao econmica que podem ser classificados segundo um grau crescente de interdependncia: zonas de preferncia: so acordos estabelecidos por pases geograficamente prximos, com o objetivo de promover desenvolvimento e aumento de suas produes interna e externa mediante mecanismos de incentivo ao comrcio intrarregional. Geralmente, so negociados acordos setoriais e concesses tarifrias ou no tarifrias para todos os participantes, relacionando as mercadorias e as respectivas margens de preferncia; rea de livre comrcio: prevista no artigo XXIV do GATT, ela consiste na eliminao das barreiras alfandegrias e outras restries aos produtos produzidos dentro do grupo de dois ou mais pases, porm, mantmse as polticas comerciais independentes em relao aos demais. Tratase de um estgio de integrao mais avanado do que a zona de preferncia. O Nafta (Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte) um exemplo desse modelo de integrao regional; unio aduaneira: tambm definida no artigo XXIV do GATT, referese substituio de dois ou mais territrios aduaneiros por um s, com consequente eliminao de tarifas aduaneiras e restries ao comrcio internacional dos pases membros. A unio aduaneira consequncia da eliminao de todos os obstculos s trocas internacionais. Os regulamentos aduaneiros dos participantes da unio devem ser semelhantes em relao ao comrcio exterior com pases 97

Unidade III
no participantes da unio. Assim, os produtos adquiridos de pases externos devem ter livre circulao na unio. Portanto, uma unio aduaneira carece necessariamente da adoo de uma tarifa externa comum e de uma poltica comercial em relao a produtos originrios de terceiros pases. Como exemplo desse modelo de integrao regional, podemos citar o Mercosul; mercado comum: consiste numa unio aduaneira na qual os participantes se obrigam a implementar a livre circulao de pessoas, de bens, de mercadorias, de servios, de capitais e de fatores produtivos, eliminada toda e qualquer forma de discriminao. As comunidades europeias j passaram por esse estgio de integrao; unio econmica: nessa fase de integrao, os acordos no se limitam aos movimentos de bens, servios e fatores de produo, mas buscam harmonizar polticas econmicas para que os agentes possam operar sob condies semelhantes nos pases constituintes do bloco econmico. A Unio Europeia encontrase atualmente nesse estgio de integrao; integrao econmica total: esse estgio de integrao implica livre deslocamento de bens, servios e fatores de produo, alm de completa igualdade de condies para os agentes econmicos, o que consiste na unio econmica e poltica e na unificao dos direitos civil, comercial, administrativo, fiscal etc., ambas administradas por autoridades supranacionais.

Saiba mais Alguns filmes podem propiciar uma interrelao com os contedos vistos at aqui: UMA VERDADE inconveniente. Dir. Davis Guggenheim. Estados Unidos. 2006. 100 min. TERRA. Dir. Alastair Fothergill e Mark Linfield. Alemanha/Estados Unidos/ Inglaterra. 2009. 96 min.
8.3 Principais sistemas de integrao regional

8.3.1 Mercosul (Mercado Comum do Sul) As iniciativas de integrao na Amrica Latina devem ser observadas numa viso histrica, uma vez que ela acolheu outras instituies importantes que antecederam todo o processo, como a Associao Latinoamericana de Livre Comrcio (Alalc), criada em 1962; o Pacto Andino, criado em 1969; e a Associao Latinoamericana de Integrao (Aladi), criada em 1980 como sucessora da Alalc. Em 26 de maro de 2011, completaramse 20 anos da assinatura do Tratado de Assuno (1991), acordo criador do Mercosul que, originalmente, foi concebido para servir de instrumento do desenvolvimento 98

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econmico dos Estadosmembros. Esse desenvolvimento se daria inicialmente pelo livrecomrcio e, posteriormente, pela integrao dos mercados. A origem do Mercosul pode ser atribuda ao resultado dos esforos feitos pelas polticas externa de Brasil e Argentina na dcada de 1980, quando ambos os pases assinaram vrios acordos comerciais com o objetivo de integrao. Dentre os acordos assinados, o Tratado de Integrao, Cooperao e Desenvolvimento (1988) pode ser considerado o instrumento que consolidou de fato as iniciativas de integrao regional. Nesse tratado, Brasil e Argentina demonstraram o desejo de constituir um espao econmico comum no prazo mximo de dez anos por meio da liberalizao comercial. Na ocasio, foram assinados 24 protocolos sobre diversos temas, tais como: bens de capital, trigo, produtos alimentcios industrializados, indstria automotriz, cooperao nuclear, transporte martimo, transporte terrestre (BRASIL, s. d.). Sancionado pelo congresso brasileiro e argentino em agosto de 1989, o tratado em questo previa, entre outras medidas, a eliminao de todos os obstculos tarifrios e no tarifrios ao comrcio de bens e servios e tambm a harmonizao de polticas macroeconmicas. No incio dos anos de 1990, em funo das mudanas introduzidas nos programas econmicos dos governos brasileiro e argentino e da adoo de novos critrios de modernizao e de competitividade, os presidentes Collor e Menem firmaram a Ata de Buenos Aires. Nesse mesmo ano, Paraguai e Uruguai juntaramse ao processo em curso, o que resultou justamente na assinatura do Tratado de Assuno para a Constituio do Mercado Comum do Sul (Mercosul). O Tratado de Assuno definiu os mecanismos destinados formao de uma zona de livre comrcio e de uma unio aduaneira e tinha como objetivo criar meios para aumentar as atuais dimenses dos mercados nacionais, condio bsica para ampliar o processo de desenvolvimento econmico com justia social. Como mecanismo de implementao dessa agenda, o Tratado de Assuno estabeleceu, entre outros: um programa de liberalizao comercial: consistia em redues tarifrias progressivas, lineares e automticas, acompanhadas da eliminao de restries no tarifrias (quotas, restries fitossanitrias etc.) ou medidas de efeito equivalente; uma tarifa externa comum: incentivaria a competitividade externa dos Estados e promoveria economias de escalas eficientes; um regime geral de origem: era um sistema de soluo de controvrsias e clusulas de salvaguarda. A partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 17 de dezembro de 1994, o Mercosul passou a ter personalidade jurdica de direito internacional. O protocolo referendou ao bloco competncia para negociar, em nome prprio, acordos com demais pases, grupos de pases e organismos internacionais. 99

Unidade III
No ano de 1995, a zona de livre comrcio entre os pases signatrios converteuse em unio aduaneira. Ocorreu, portanto, a unificao das polticas comerciais por meio da adoo da Tarifa Externa Comum (TEC), na qual os signatrios passaram a praticar as mesmas alquotas de importao com pases no membros. A partir desse ano, cerca de 90% das mercadorias produzidas nos pases signatrios passaram a ser transacionadas com tarifas comerciais zeradas. Com o status de personalidade jurdica ordenado pelo Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul passou a ter uma estrutura institucional bsica, conforme indicada no quadro a seguir. Quadro 1 Estrutura institucional do Mercosul
o rgo superior responsvel pela conduo poltica do processo de integrao e tomada de decises para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos no Tratado de Assuno. Ele constitudo pelos ministros das Relaes Exteriores e pelos ministros da Economia ou seus equivalentes nos Estados partes. A presidncia do Conselho rotativa, em ordem alfabtica, pelo perodo de seis meses. Ele pode se reunir quantas vezes achar oportuno, mas deve fazlo pelo menos uma vez por semestre, com a participao dos presidentes dos Estados partes. o rgo executivo que toma as providncias necessrias ao cumprimento das decises adotadas pelo Conselho e fixa programas de trabalho que assegurem avanos para o estabelecimento do Mercado Comum. Ele integrado por quatro membros, um de cada pas do bloco. Entre esses membros, deve haver obrigatoriamente representantes dos ministrios das Relaes Exteriores, dos ministrios da Economia ou equivalentes e dos bancos centrais. O rgo pode se reunir de forma ordinria ou extraordinria quantas vezes se fizerem necessrias. o rgo encarregado de assistir o GMC, tendo dentre suas competncias a de velar pela aplicao dos instrumentos de poltica comercial comum pelos Estados partes a fim de que a unio aduaneira funcione, bem como de acompanhar e revisar assuntos relacionados com as polticas comerciais comuns e com o comrcio intraMercosul e com terceiros pases. Essa comisso integrada por quatro membros, um de cada pas do bloco, e coordenada pelos ministrios das Relaes Exteriores. Ela deve se reunir pelo menos uma vez por ms ou sempre que solicitado pelo GMC. o rgo representativo dos parlamentos dos Estados partes e procurar acelerar os procedimentos internos nestes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos rgos do Mercosul. Ele tambm poder operar na harmonizao da legislao, tal como requerido no avano do processo de integrao, e encaminhar suas recomendaes por intermdio do GMC e adotar seu regimento interno. o rgo de representao dos setores econmicos e sociais. Tem funo consultiva e manifestarse mediante recomendaes ao GMC. o rgo de apoio operacional responsvel pela prestao de servios aos demais rgos do Mercosul. Sua sede permanente em Montevidu e, recentemente, passou a desempenhar tarefas tcnicas. Fonte: BRASIL, s. d.

Conselho do Mercado Comum (CMC)

Grupo Mercado Comum (GMC)

Comisso de Comrcio do Mercosul (CCM)

Parlamento do Mercosul

Foro Consultivo Econmicosocial (FCES)

Secretaria do Mercosul (SM)

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Aps sua institucionalizao, o Mercosul passou por um processo de fortalecimento internacional e se aproximou da comunidade Andina de Naes, com a assinatura de acordos de livre comrcio. Estes admitiram como Estados associados a Bolvia (1996), o Chile (1996), o Peru (2003), a Colmbia (2004) eo Equador (2004). A condio de Estado associado se estabelece por acordos bilaterais denominados Acordos de Complementao Econmica, firmados entre o Mercosul e cada pas associado. Nesse acordo, definido um cronograma para a implantao de uma zona de livre comrcio com os pases do Mercosul e uma gradual reduo de tarifas entre o bloco e os pases admitidos. Alm disso, os pases associados podem participar das reunies dos organismos do Mercosul como convidados e efetuar convnios sobre matrias comuns. H mais de cinco anos a Venezuela scio pleno em estado de adeso. Sua entrada foi aprovada pelos parlamentos da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Porm, o pedido de ingresso est parado no senado paraguaio h trs anos. Quadro 2 Composio do Mercosul
Venezuela (em processo de adeso) Equador (2004)

Estados partes

Argentina (1991)

Brasil (1991)

Paraguai (1991)

Uruguai (1991)

Estados associados

Bolvia (1996)

Chile (1996)

Peru (2003)

Colmbia (2004)

Fonte: Brasil, s. d.

A agenda de integrao do Mercosul tem sido caracterizada pela centralidade dos temas econmicocomerciais. No entanto, a inteno que a integrao seja projetada para alm da dimenso econmica, tal como disposto no Tratado de Assuno. Os primeiros anos do Mercosul foram marcados pelo aumento expressivo das relaes econmicas intrabloco. O crescimento do comrcio intrabloco foi extremamente elevado, cerca de 400% em sete anos (LAMPREIA, 1999). poca, a Amrica do Sul tornavase, definitivamente, parte prioritria da estratgia econmica internacional do Brasil.

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Quadro 3 Principais indicadores socioeconmicos do Mercosul (19902008)
Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) Principais indicadores socioeconmicos 1990 / 2000 / 2005 - 2008 Indicador Superfcie total (mil km2) Populao (em milhes de habitantes) Densidade demogrfica (hab. por km )
2

1990 11.867 189,6 16,0 663,4 3.499 n.d 191,8 1,01 46.433 29.302 17.131 75.735 14.769 1.320 2.312 992 3.632

2000 11,867 220,2 18,6 955,7 4.340 86,3 383,7 1,74 84.624 86.853 2.229 171.477 17.829 7.740 7.796 56 15.536

2005 11,867 235,4 19,8 1.087,5 4.620 86,2 297,2 1,26 164.004 127.502 36.502 291.506 21.128 11.746 7.054 4.692 18.800

2006 11,867 238,4 20,1 1.314,2 5.513 122,6 294,0 1,23 190.459 166.711 23.748 357.170 25.775 13.986 8.967 5.019 22.953

2007(1) 11,867 241,5 20,4 1.607,4 6.656 233,0 366,2 1,52 223.973 228.917 4.944 452.890 32.844 17.354 11.625 5.729 28.979

2008(1) 11,867 240,1 20,2 1.939,9 8.080 247,2 378,1 1,57 126.505 111.572 14.933 238.077 17.034 21.737 14.934 6.803 36.671

PIB total, a preos correntes (US$ bilhes) PIB, per capita, a preos correntes (US$) Reservas internacionais (US$ bilhes) Dvida externa total (US$ bilhes) Dvida externa por total (US$ mil) Exportaes totais (US$ milhes) Importaes totais (US$ milhes) Balana comercial (US$ milhes) Intercmbio comercial (US$ milhes) Exportaes Intra-Mercosul (US$ milhes) Exportaes do Brasil para o Mercosul (US$ milhes) Importaes brasileiras do Mercosul (US$ milhes) Balana comercial Brasil-Mercosul (US$ milhes) Intercmbio comercial Brasil-Mercosul (US$ milhes)

Elaborado pelo MRE/DPR/DIC Diviso de Informao Comercial, com base em dados das seguintes fontes: Superfcie total: EIU. The Economist Intelligence Unit, Country Profile 2008 (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Populao: Aladi Mercosur: Indicadores Socioeconmicos 1990-2007 (www.aladi.org acesso em 10/2/2009). PIB total: Aladi Mercosur: Indicadores Socioeconmicos 1990-2007 (www.aladi.org acesso em 10/2/2009). Reservas Internacionais : EIU. The Economist Intelligence Unit, Country Report (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) January 2009. Dvida Externa: Aladi Mercosur: Indicadores Socioeconmicos 1990-2007 (www.aladi.org acesso em 10/2/2009) nos anos de 1990/2000/2005/2006. Os dados de 2007 e 2008 foram extrados do EIU. The Economist Intelligence Unit, Country Report (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) January 2009. Exportaes e importaes totais: FMI. Direction of Trade Statistics, CD December 2008. Comrcio com o Brasil: MDIC/SECEX/Aliceweb. (1) Estimativa ou dados preliminares, exceto para superfcie, comrcio exterior e comrcio com o Brasil. (2) Dados extrados do EIU, The Economist Intelligence Unit, Country Profile 2008 (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) ou do Country Report January 2009.
Fonte: Brasil, 2009.

Mesmo com as dificuldades e crises que o Mercosul enfrentou em seu processo de implantao e consolidao, o bloco foi responsvel por resultados econmicos expressivos durante a maior parte da dcada de 1990, dos quais o Brasil foi um dos grandes beneficiados.

102

Quadro 4 Evoluo do comrcio exterior do Mercosul (19982008)


Mercosul: Evoluo do comrcio exterior, por pas 1998-2007 e 2008 (janeiro-junho) (US$ milhes) Brasil(1) Exp 52.994 51.140 48.013 55.119 58.287 60.439 73.203 96.678 118.529 137.807 160.649 173.197 333.846 3.424 5.963 9.387 120.617 258.424 1.906 5.775 7.681 91.351 209.880 1.688 3.577 5.265 3.403 4.291 5.086 73.600 170.278 1.627 2.923 4.550 2.930 62.836 136.039 1.242 2.052 3.294 2.197 2.190 3.119 3.879 6.168 7.409 47.243 107.682 951 1.661 2.612 2.183 2.629 55.602 113.889 990 2.188 3.178 2.058 3.048 55.851 110.970 869 2.255 3.124 2.295 3.466 5.761 5.106 4.812 4.387 6.049 7.282 10.459 12.495 49.302 97.315 1.014 2.887 3.901 2.237 3.579 5.816 57.763 108.903 1.264 4.244 5.508 2.770 3.811 6.581 59.747 112.741 1.400 3.952 5.352 2.730 3.715 6.445 82.496 81.456 74.148 84.624 87.878 89.282 106.208 135.810 164.004 190.459 223.973 126.505 Imp C. Glob Exp Imp C. Glob Exp Imp C. Glob Exp Paraguai Uruguai Mercosul Imp 97.699 97.817 81.286 86.853 81.158 60.523 80.912 102.066 127.502 166.711 228.917 111.572 C. Glob 180.195 179.273 155.434 171.477 169.036 149.805 187.120 237.876 291.506 357.170 452.890 238.077

Anos

Argentina

Exp

Imp

C. Glob

1997

25.372

30.285

55.657

1998

26.282

31.999

58.281

1999

22.884

25.518

48.402

2000

26.341

25.281

51.622

2001

26.543

20.320

46.863

2002

25.709

8.990

34.699

2003

29.566

13.834

43.400

2004

34.575

22.424

56.999

2005

40.384

28.695

69.079

2006

46.455

34.151

80.606

Geopoltica, Regionalizao e Integrao

2007

54.814

42.348

97.162

2008(2) 31.130 24.522 55.652 90.645 79.349 169.994 1.955 3.333 5.288 2.775 4.368 7.143 Elaborado pelo MRE/DPR/DIC Diviso de Informao Comercial, com base em dados do FMI. Direction of Trade Statistics, CD December 2008. Os dados das exportaes esto apresentados na base fob e das importaes, na base cif. (1) Dados extrados do MDI/SECEX/Aliceweb. (2) janeiro-junho.

Fonte: Brasil, 2009.

103

Unidade III
O comrcio intrabloco triplicou no perodo entre 2002 e 2007 e cresceu em valor mais do que o comrcio extrabloco (HOFFMANN et al., 2008). Quadro 5 Direo das exportaes do Mercosul (20022008)
Mercosul: Direo das exportaes (intra e extrazona) 2002-2007 e 2008 (janeiro-junho) Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 (jan-jun) Exportao total 89.282 106.208 135.810 164.004 190.459 223.973 126.505 Exportao intrazonal 10.229 12.731 17.355 21.127 25.775 32.843 17.034 Part. % na exp. total 11,5% 12,0% 12,8% 12,9% 13,5% 14,7% 13,5% Exportao extrazonal 79.053 93.477 118.455 142.877 164.684 191.130 109.471 Part. % na exp. total 88,5% 88,0% 87,2% 87,1% 86,5% 85,3% 86,5%

Elaborado pelo MRE/DPR/DIC - Diviso de Informao Comercial com base em dados do FMI, Direction of Trade Statistics, CD December 2008. Fonte: Brasil, 2009.

Contudo, o crescimento do comrcio no ocorreu sem tropeos: evoluiu muito nos anos 1990, com a abertura dos mercados promovida por seus pases membros; contraiuse no incio do sculo XXI, em razo da desvalorizao do Real em 1999 e da crise argentina em 200102; e recuperou a tendncia de alta quando as naes restabeleceram o ritmo de crescimento econmico com o avanar do sculo XXI. Alm da significativa aplicao nas relaes comerciais j mencionadas no comrcio e em investimentos , outros fatores concorreram para a consolidao do bloco. Fortalecido institucional e politicamente a partir de sua constituio como personalidade jurdica, o Mercosul passou a representar seus membros nas negociaes internacionais. At ento, essas naes tinham de fazlo sozinhas, sem contar com o poder que advm do peso do conjunto (HIRST, 2001). A princpio, a ideia de um Mercosul como um instrumento geopoltico no foi objeto nem motivao dos primeiros acordos entre os Estados membros. Esse carter instrumental do bloco conveio aos interesses da elite poltica brasileira, sempre em busca de meios e recursos que lhe conferissem maior margem de manobra nas negociaes com as potncias do mundo desenvolvido (VIGEVANI et al., 2008). Parte da elite poltica e diplomtica do Brasil, de orientao desenvolvimentista e autonomista, v no Mercosul um instrumento de afirmao do pas como potncia regional. Segundo essa 104

Geopoltica, Regionalizao e Integrao


elite, a ampliao paulatina do bloco viria a trazer os demais pases sulamericanos para a esfera de influncia poltica do Brasil e, alm disso, abriria caminho para a criao de uma grande zona de livrecomrcio, da qual muito se beneficiaria a economia do pas (SARAIVA e BRICEO, 2009). Ao mesmo tempo, um Mercosul forte e coeso funcionaria como articulador de cooperao SulSul entre blocos regionais e outros agrupamentos de pases em desenvolvimento (SARAIVA e BRICEO, 2009). A partir de 2000, quando lanado o projeto de integrao sulamericana com a Casa, futura Unasul, o Mercosul comea a aparecer no discurso diplomtico brasileiro como a plataforma que levar realizao daquele projeto maior (SANTOS, 2005). margem da Reunio Ministerial Grupo do RioUE, em Luxemburgo, em abril de 1991 com os Estados Unidos (assinaturado Rose Garden Agreement ou Acordo 4+1), a primeira Reunio de Chanceleres MercosulUE, em junho de 1991, em Washington, j evidenciava que um dos objetivos do bloco era o de obter reconhecimento de sua prpria existncia. Isso se daria quando o bloco se credenciasse como interlocutor das principais potncias e parceiros econmicocomerciais do mundo. Mercosul: Direo das exportaes 2007
Outros 14,7% Intra-Mercosul 14,7%

frica 4,6%

sia 15,5%

Unio Europeia 22,7%

Aladi (exceto Mercosul e Mxico) 10,4%

Nafta 17,4%

Figura 15 Direo das exportaes do Mercosul por regio

Os relacionamentos extrarregionais do Mercosul surgiram paralelamente sua prpria institucionalizao e se consubstanciavam em torno de um raciocnio de natureza muito mais poltica e estratgica do que propriamente comercial.

105

Unidade III
Mercosul: Origem das exportaes 2007
Intra-Mercosul 15,3% Outros 25,2%

frica 5,3%

Unio Europeia 16,6%

sia 18,6% Aladi (exceto Mercosul e Mxico) 4,1%

Nafta 14,9%

Figura 16 Origem das importaes do Mercosul por regio

Em 1995, o Mercosul e a Unio Europeia assinaram em Madri um acordo visando aprofundar as relaes entre os dois blocos. O principal objetivo desse acordo foi preparar o terreno para as negociaes, com vistas liberalizao do comrcio de bens e servios at alcanar uma rea de livre comrcio em conformidade com as disposies da OMC. Em reunio realizada em Bruxelas em 1999, o Conselho de Cooperao decidiu criar o Comit de Negociaes BiRegionais, cujos principais objetivos no mbito da negociao comercial foram: liberalizao bilateral e recproca do comrcio de bens e servios conforme as regras da OMC; melhora no acesso a compras governamentais nos mercados de produtos e servios; promover uma abertura e um ambiente no discriminatrio aos investimentos; assegurar uma adequada e efetiva poltica de concorrncia e um mecanismo de cooperao; assegurar adequadas e efetivas disciplinas no campo dos instrumentos de defesa comercial e estabelecer um mecanismo efetivo de soluo de controvrsias. Para Cervo (2008):
[...] o espectro de negociaes externas em andamento e os nexos j concretizados fazem do sujeito internacional Mercosul um ente ativo

106

Geopoltica, Regionalizao e Integrao


e expressam dinamismo. Tal dinamismo se deve tributar aos avanos institucionais que consolidam internamente o bloco e o dotam de meios de ao na frente externa (CERVO, 2008, p. 12).

No mbito da integrao econmica e a despeito dos percalos provocados por crises financeiras, significativo que o Mercosul tenha sido desde sua criao um dos principais destinos das exportaes do Brasil e um de seus principais fornecedores. No aspecto geopoltico, o bloco vem articulando a configurao de um espao econmico e poltico sulamericano no interior do qual o Brasil ser a principal potncia.

Figura 17

Observao O smbolo oficial do Mercosul foi adotado pelo Conselho do Mercado Comum no 11 Encontro de Presidentes, em 1996, em Fortaleza. O logo apresenta quatro estrelas formando a constelao do Cruzeiro do Sul acima de uma curva verde representando o horizonte, com o nome Mercosul abaixo. As estrelas representam as quatro bandeiras nacionais dos membros fundadores do Mercado Comum: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Esse logotipo foi criado pelo desenhista grfico argentino Carlos Varau. O trabalho de Varau foi o ganhador entre 1412 trabalhos do concurso patrocinado pelas agncias de comunicao oficial em cada um dos pasesmembros.40

Saiba mais Acesse a biblioteca oficial do Mercosul: <http://www.mercosur.int/pmb/ opac_css/>. Acesso em: 30 jan. 2012.

40

CERVO, A. L. O livro na rua: Mercosul. Braslia: Thesaurus Editora, 2008.

107

Unidade III
8.3.2 Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (Nafta) Com o objetivo de promover a integrao regional dos pases da Amrica do Norte, em 1989 entrou em vigor o Acordo Comercial entre os Estados Unidos e o Canad, com a finalidade de criar uma zona de livre comrcio. Em 1992, com a incluso do Mxico, esse acordo recebeu o nome de Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (Nafta), que entrou oficialmente em vigor a partir de 1994. Um dos principais objetivos do Nafta a eliminao gradual de tarifas e demais restries aduaneiras dentro de um prazo inicial de 15 anos. Essa eliminao abrange algumas excees previstas em clusulas de salvaguarda, que asseguraro aos pases membros que suas indstrias locais no sero prejudicadas pelos produtos importados. O Nafta detm caractersticas absolutamente prprias. A mais notvel delas a integrao de trs pases nos quais h uma profunda assimetria, sobretudo entre dois deles e o terceiro, ou seja, o Mxico, que entra nesse processo de integrao de uma maneira distinta. Basta fazer uma comparao entre os valores do PIB (Produto Interno Bruto) de cada um deles e verificar como so dspares. Outra caracterstica muito importante que no existe a livre circulao de pessoas entre os pases membros do Nafta. O que o Nafta pretende criar em seu quadro to diversificado apenas uma zona de livre comrcio. Alm disso, num prazo de 15 anos, ele gradualmente busca: eliminar as barreiras ao comrcio de bens e servios regionais nos trs pases; remover quaisquer restries ao investimento interregional; definir regras muito claras de propriedade industrial e meio ambiente (essa uma exigncia dos Estados Unidos). Os pases membros do Nafta concedero aos demais o tratamento de nao mais favorecida, com tarifas recprocas aos bens deles originrios. As restries ao livre trnsito de mo de obra, principalmente a oriunda do Mxico, ainda permanecem, o que dificulta a transformao do Nafta em um mercado comum, modelo de integrao regional mais avanado. Desse modo, o Nafta dever permanecer por muito tempo apenas como zona de livre comrcio. 8.3.3 Unio Europeia A Unio Europeia proveniente dos movimentos de integrao regional da dcada de 1950, aps o final da Segunda Guerra Mundial e a partir da necessidade de reconstruo dos pases do continente europeu, devastados pela guerra. O primeiro passo para a liberalizao do comrcio internacional no continente europeu foi a criao em 1948 da Benelux, unio aduaneira entre Blgica, Holanda e Luxemburgo. 108

Geopoltica, Regionalizao e Integrao


Em 1958, os pases membros da Benelux se uniram Frana, Itlia e Alemanha Ocidental e constituram a Comunidade Europeia do Carvo e do Ao, que eliminou restries alfandegrias dos produtos minerais para os pases signatrios e criou uma tarifa comum para os pases externos. O que iniciou a Comunidade Econmica Europeia (CEE) ou Mercado Comum Europeu foi o Tratado de Roma, formalizado em 1957. Ele englobou os seis pases da Comunidade Europeia do Carvo e do Ao e, em 1972, foram nele includos o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca. Em 1981, se deu a incluso da Grcia e, em 1986, a de Portugal e a da Espanha. As finalidades da Comunidade Europeia estabelecidas no Tratado de Roma foram: eliminao das tarifas aduaneiras e de outros tipos de restries sobre importaes e exportaes aos pases signatrios; criao de uma poltica comercial comum para os pases membros; coordenao das polticas econmicas dos pases membros; criao de uma poltica agrcola e de transportes comum aos pases membros; criao de tarifas alfandegrias e de uma poltica comercial comum aos pases no signatrios; criao do Fundo Social Europeu e do Banco Europeu de Investimentos; eliminao de restries de livre circulao de mercadorias, servios, capitais e pessoas; aproximao das respectivas legislaes at o pleno funcionamento do mercado comum; acordos para assegurar a concorrncia leal dentro do mercado aps a abolio das tarifas; associao de certos pases e de territrios ultramar. Em 1992, pases da Comunidade Econmica Europeia firmaram o Tratado de Maastrich, que criou a Comunidade Europeia e, assim, estabeleceu a livre circulao de mercadorias, servios, capitais e pessoas entre os pases membros. Uma das bases institucionais do bloco o Parlamento Europeu, que detm o poder de veto no processo de deciso comunitrio. O parlamento em questo tem sempre que recusar uma proposta de maneira absoluta nas decises adotadas pelo Conselho Europeu, pela Comisso Executiva e pelo prprio parlamento em si. Para complementar essa base institucional, temos o Conselho Europeu, um rgo de administrao da Comunidade Europeia composto pelos dirigentes dos pases membros, que regem as principais funes administrativas. 109

Unidade III
Para o pleno funcionamento das estncias de administrao, a Comunidade Europeia conta ainda com rgos auxiliares: Banco Europeu para Investimentos (BEI); Comit Econmico e Social (CES); Comit das Regies; Banco Central Europeu (BCE); Instituto Monetrio Europeu (IME); Sistema Europeu dos Bancos Centrais (SEBC). Embora ainda em crise, a Unio Europeia uma das maiores potncias comerciais do mundo, representando 41,8% do volume total das importaes e das exportaes mundiais. Quadro 6 Evoluo do Comrcio Exterior da Unio Europeia
Evoluo do comrcio exterior da Unio Europeia 2006 - 2010 (Em US$ bilhes) DISCRIMINAO Exportaes (fob) Variao em relao ao ano anterior (%) Part % nas exportaes mundiais Importaes (cif) Variao em relao ao ano anterior (%) Part % nas importaes mundiais Intercmbio comercial Variao em relao ao ano anterior (%) Part % no total do comrcio exterior mundial Saldo comercial 2006 4.567 12,6% 38,1% 4.682 14,2% 37,9% 9.249 13,4% 38,0% -115 2007 5.352 17,2% 38,5% 5.525 18,0% 38,5% 10.877 17,6% 38,5% -173 2008 5.929 10,8% 37,0% 6.191 12,1% 37,5% 12.120 11,4% 37,2% -262 2009 4.583 0,4% 37,1% 4.634 -1,0% 36,0% 9.217 -0,3% 36,5% -51 2010 5.143 -3,9% 41,5% 5.228 -5,4% 42,2% 10.371 -4,7% 41,8% -85 n.a 12,13% 11,66% 12,61% Var. % 2006-2010

Fonte: Brasil, 2009.

Saiba mais Para saber mais sobre a crise econmica na Europa, acesse: <http://veja. abril.com.br/perguntasrespostas/criseeuropa.shtml>. Acesso em: 30 jan. 2012 110

Geopoltica, Regionalizao e Integrao


Para saber mais sobre os indicadores econmicos da Unio Europeia, acesse: BRASIL. Ministrio das Relaes Exteriores. Departamento de Promoo Comercial (DPR) e Diviso de Informao Comercial (DIC). Comrcio exterior da Unio Europeia. Braslia, jul. 2010. Disponvel em: <http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/IndicadoresEconomicos/ ComExtUniaoEuropeia.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2012. Resumo Atualmente, a economia mundial convive com dois fenmenos aparentemente contraditrios: a globalizao e a regionalizao. Esta unidade apresentou esse cenrio internacional, com economias cada vez mais interdependentes, o que caracteriza a globalizao. A globalizao proporciona um aprofundamento da integrao econmica, social, poltica e cultural. A integrao mundial decorrente da globalizao ocorreu devido aos avanos tecnolgicos e ao aumento do fluxo mercadorias, capitais e informaes que atravessam as fronteiras nacionais. Analisamos ainda o surgimento de blocos econmicos supranacionais, que, pela dinmica de fluxos econmicos ou acordos diplomticos, incentivam a circulao de bens e capitais. Por fim, apresentamos os tipos de integrao econmica segundo o grau crescente de interdependncia: zonas de preferncia, reas de livre comrcio, unio aduaneira, mercado comum, unio econmica e integrao econmica total. Exerccios Questo 1. (ABRIL, 2009) A produo agrcola na China sofre com as variaes climticas e as limitaes de seu territrio. A frase se reporta principalmente: A) Ao fato de boa parte do territrio chins ser coberto por uma camada de gelo em funo de suas altas latitudes. B) Ao fato de a parte ocidental do territrio chins ser dominada por grandes desertos, o que inviabiliza a prtica agrcola e h ainda os excessos de chuvas ocasionais na parte litornea. 111

Unidade III
C) Ao fato de o clima de mones atingir todo o territrio chins e provocar, via de regra, constantes inundaes. D) inexistncia de rios com volume de gua suficiente para a prtica agrcola e a irrigao. E) Ao fato de os rios chineses serem todos temporrios em funo das longas estiagens, o que inviabiliza a prtica agrcola nesses perodos. Resposta correta: alternativa B. Anlise da alternativas: Alternativa A: incorreta. Justificativa: no corresponde situao geogrfica da China. Alternativa B: correta. Justificativa: a parte ocidental, ou leste, do territrio chins formada por desertos e o sudoeste, pela Cordilheira do Himalaia, inviabilizando a prtica agrcola em pelo menos 50% do territrio chins, ao passo que a parte ocidental (litornea), ocasionalmente, sofre com as enchentes e inundaes dos excessos pluviomtricos provocados pelo clima de mones. Portanto a alternativa C no responderia a questo e as demais esto discrepantes com a situao geogrfica da China. Alternativa C: incorreta. Justificativa: as inundaes so ocasionais em algumas partes do territrio chins. Alternativa D: incorreta. Justificativa: no corresponde situao geogrfica da China. Alternativa E: incorreta. Justificativa: no corresponde situao geogrfica da China. Questo 2. (ABRIL, 2009) Os conflitos recentes ocorridos no Ir em relao reeleio de Mahmoud Ahmadinejad, mais uma vez, provocaram profundas inquietaes no mundo ocidental. A principal preocupao que cerca o governo de Ahmadinejad : A) Sua incapacidade de implantar um regime democrtico no Ir conforme compromisso assumido em sua plataforma eleitoral. 112

Geopoltica, Regionalizao e Integrao


B) Pela sua postura de empreender reformas que levem implantao de um governo marxista no pas, o que vital para o abastecimento de petrleo ao Ocidente. C) Pela possibilidade de o pas acabar rompendo com a Opep a partir da reduo de sua produo petrolfera, o que poderia provocar um novo choque do petrleo. D) Pela sua disposio de formalizar um tratado de paz e cooperao com a China em detrimento das potncias ocidentais. E) Pelo projeto de levar adiante o programa nuclear do pas, que fechou acordo com a Rssia para fornecimento de urnio enriquecido, o que pode propiciar, no futuro, o acesso a armas nucleares. Resoluo desta questo na Plataforma.

113

FIGURAS E ILUSTRAES Figura 1 7A17086_150PX.JPG. Disponvel em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/agc/7a17000/7a17000/7a170 86_150px.jpg>. Acesso em: 1 fev. 2012. Figura 2 FILHO STUCKERT, R. Presidenta Dilma Rousseff durante encontro com o secretriogeral das Naes Unidas, Ban KiMoon, na Sede da ONU. Braslia (DF). 2011. 1 fotografia. Disponvel em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist679531/ prev/2STU1256Edit.jpg>. Acesso em: 1 fev. 2012. Figura 3 FIZA, E. O ministro das Relaes Exteriores, Antonio Patriota, e a chanceler da Colmbia, Mara Angela Holgn, assinam nove acordos de ajustes e acordos bilaterais envolvendo tecnologia e inovao na rea de biocombustveis, educao, direitos humanos e combate violncia, durante a 2 Reunio da Comisso Bilateral BrasilColmbia, no Itamaraty. Braslia (DF). 2011. 1 fotografia. Disponvel em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist681938/prev/ AgenciaBrasil26102011EZF_6942.JPG>A>. Acesso em: 1 fev. 2012. Figura 4 BRASILIA_BRASIL3.JPG. Disponvel em: <http://mrg.bz/4WotTI>. Acesso em: 1 fev. 2012. Figura 5 FILHO STUCKERT, R. A presidenta Dilma Rousseff discursa na abertura da 66 Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas (ONU). Nova York. 2011. 1 fotografia. Disponvel em: <http:// agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist679531/ prev/1STU9831.jpg>. Acesso em: 1 fev. 2012 Figura 6 FERNANDES, J. P. T. A geopoltica clssica revisitada. Nao & Defesa, Braslia, Instituto de Defesa Nacional, n. 105, 2003, p. 232. Disponvel em: <http://www.jptfernandes.com/docs/art_acad_ geopolitica_rev.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2012. Figura 7 MACKINDER, H. T. The geographical pivot of history. Geographical Journal, n. 23, 1904, p. 421437. 114

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Figura 15 BRASIL. Ministrio das Relaes Exteriores. Principais indicadores econmicocomerciais do Mercosul. Braslia, fev. 2009. Disponvel em: <http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/ IndicadoresEconomicos/PrincipaisIndEconComMERCOSUL.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2012. Figura 16 BRASIL. Ministrio das Relaes Exteriores. Principais indicadores econmicocomerciais do Mercosul. Braslia, fev. 2009. Disponvel em: <http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/ IndicadoresEconomicos/PrincipaisIndEconComMERCOSUL.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2012. Figura 17 MERCOSULBANDEIRA2.GIF. Disponvel em: <http://www.classificadosmercosul.com.br/mercosul_ atual/MercosulBandeira2.gif>. Acesso em: 2 fev. 2012. REFERNCIAS Audiovisuais A REVOLUO no ser televisionada. Dir. Kim Bartley e Donnacha OBriain. Irlanda. 2003. 74 min. DIAMANTE de sangue. Dir. Edward Zwick. Estados Unidos. 2006. 143 min. IMPRIO do Sol. Dir. Steven Spielberg. Estados Unidos. 1987. 154 min. O GRANDE ditador. Dir. Charles Chaplin. Estados Unidos. 1940. 124 min. SOLDADO annimo. Dir. Sam Mendes. Estados Unidos. 2005. 125 min. SYRIANA: a indstria do petrleo. Dir. Stephen Gaghan. Estados Unidos. 2005. 126 min. TERRA. Dir. Alastair Fothergill e Mark Linfield. Alemanha/Estados Unidos/Inglaterra. 2009. 96 min. UMA VERDADE inconveniente. Dir. Davis Guggenheim. Estados Unidos. 2006. 100 min. Textuais ABREU, M. P. O Brasil, o GATT e a OMC. Poltica externa, So Paulo, Paz e Terra, v. 9, n. 4, mar./maio 2001. ALMEIDA, P. R. Os primeiros anos do sculo XXI: o Brasil e as relaes internacionais contemporneas. So Paulo: Paz e Terra, 2002. 116

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Unidade III

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Informaes: www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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