Sons Do Grande Sertão.
Sons Do Grande Sertão.
Sons Do Grande Sertão.
APRESENTAO dO Cd
dedicadas apresentao de um registro sonoro, fisicamente identificado como CD, devam trazer, em forma de amostragem, informaes sobre sons captados timbres, autores, conceitos, histrias grifadas, tcnicas utilizadas, direo de arte envolvida, intencionalidade de forma, propsitos. Sob a direo de Ivan Vilela, o CD recebeu sugestes de Wagner Dias, Marily Bezerra e Heinz Dieter Heidemann. Tornou-se uma realidade graas ao entendimento da Petrobras da relevncia em patrocinar um indito projeto sobre a repercusso no campo musical da obra do romancista de Cordisburgo. Pode-se dizer que a compilao de Sons do grande serto, udio que acompanha esta edio da revista estudos avanados, nasce da tentativa de concentrar, minimamente, inquietaes sonoras provocadas, por um lado, pelo estudo da obra de Joo Guimares Rosa, e, por outro, pelo transbordamento derivado desse lugar grandioso e transcendente, parte do que restou do mundo original1, o chamado grande serto. Na faixa 1 aparecem insinuados tessituras, histrias, formas e conceitos. A viola sertaneja, de arame, caipira, cabocla ou de feira, grudada nas mos de Renato Andrade, anuncia, de certo modo, o gestual caudaloso do Velho Chico, o rosto do Andrequic, os olhares da Taboca, o apreo de Manelim do Urucuia, as notas da Inhuma, o cheiro do Paredo, a cor do Mutum, o sabor e o significado do Morro da Gara. Na faixa 2, no timbre do professor Antonio Candido, os versos da Cano de Siruiz, presentes no Grande serto: veredas, Urubu vila alta, mais idosa do serto: padroeira minha vida vim de l volto mais no ..., recebem tambm altura meldica. Em nota enviada editoria de estudos avanados, Antonio Candido tece um pequeno fio de histria:
A melodia divulgada neste nmero no a Cano de Siruiz, que ningum sabe de fato como possa ser. Quando estava sendo preparado um CD2 com a leitura de trechos de Grande serto: veredas por Jos Mindlin, Davi Arrigucci e eu, transpus para os versos de Guimares Rosa a melodia de uma velha cano mineira que minha me ouvia em menina, entre 1900 e 1906, na cidade de Barbacena, onde morava ento com a sua famlia. Era cantada por um lavador de assoalhos, Antonio Lino, entre outras que ficaram em nossa memria familiar. A letra original a seguinte: Gente vamo rez Por alma do Pai Carreiro, Que l vai subindo o morro Sem carro e sem candeeiro.
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Por isso mesmo Eu no quero carre, O carreiro pega o boi Mas no pega o marru, O carreiro pega o boi Mas no pega o marru. Voc pega o boi pintado na porteira do curr. O mais curioso que a minha adaptao se espalhou, quem sabe por meio do CD, de tal modo que, segundo me contaram, hoje a pseudo-Cano de Siruiz foi adotada na prpria regio do autor...
Na faixa 3, Ivan Vilela em Paisagens transmite o ambiente do local, uma paisagem da alma, introspectiva, num ir e voltar a lugares distintos. Na faixa 6, em A fora do boi, o compositor funde a fora do animal fora do ritmo (boi) e s linguagens modal e tonal, num entrelaar rtmico de textura densa. Um aboio precede a entrada dessa msica trazendo mais nitidez paisagem imaginada. Ele e sua viola so acompanhados por Ricardo Matsuda (violo), Roberto Peres (caxixi) e Dalga Larrondo (cermica). Na faixa 15, o mesmo violeiro traduz o universo de Rosa em Valsa para viver um grande amor, msica que traz o sentimento e a dor de um amor vivido, sentido e no consumado entre Riobaldo e Diadorim. O imaginrio desperto em cada compositor pela obra roseana faz nascer frutos diversos. Na faixa 4, Rodrigo Delage, jovem compositor mineiro, prepara, a partir de coletas prprias, um Canto de vaqueiros, nas vozes de Pena Branca e Chico Lobo, cantadores-violeiros que trazem em seus cantos a beleza e a fora das fontes onde beberam. Na faixa 11, ainda relatando um ofcio sertanejo que caminha para a extino, o prprio Rodrigo executa, com acompanhamento de Carlinhos Ferreira no tambor roncador, a composio Na ponta da zagaia. Esta uma longa lana usada no enfrentamento com onas na regio. Zagaieiro o guerreiro que, em posse dessa arma, acua e encara a besta-fera comedora de gentes e criaes. De criana ele aprende a mover um s olho e manter o outro fixo, olhando em frente. Quando acuada, a ona observa os olhos de seu oponente instante a instante. Descuido percebido, num timo ela o ataca. Treinado, o zagaieiro desvia um de seus olhos enganando a ona, que salta sobre a ponta da zagaia. Esta, fixa ao cho, interpe-se entre os combatentes e acolhe a ona que a abraa. Rodrigo, com a viola, desenha o embate acompanhado pelo roncador que nos remete ao esturro do bicho. Na faixa 5, transcrevemos depoimento dado pelo contador de estrias Jos Maria Gonalves, morador de Cordisburgo-MG:
gostoso a gente ouvir nas nossas andanas, pelas paisagens sertanejas, o som do serto. Os passarinhos cantando, como agora estamos ouvindo essa fogopag fazendo esse fundo musical e vrios passarinhos. Mesmo o vento passando entre as rvores. O vento levantando as filhas, assobiando nos paredes, entre as montanhas...
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Wagner Dias, compositor afeito ao mundo de Rosa, integrante do Estrdio Quarteto, recria na faixa 7, com uma beleza roseana, instantes e sensaes do primeiro encontro de Riobaldo e Diadorim em sua composio Rito.
Primeiro encontro, meu balano Medo e coragem na passagem Peroba e rio, meu desafio E as mos atadas no ar...
Em Som de passarim, na faixa 12, Wagner traz numa ambientao sonora, natural e sertaneja, o tocante Miguilim, que sonhado em seu cotidiano ao lado da me e brincando com seu irmo, Dito. Na voz de lida Marques, acompanhada pelos msicos Fernando Machado (violo), Pedro Ribeiro e Andr Magalhes (percusso), saboreamos a beleza simples de:
Vai Miguilim e diz sua me: Mutum to bonito!, vai...
E adiante tem a msica uma mudana sbita de andamento onde irrompe um galope. Galopando ao lado do irmo Dito vai Miguilim:
E no Papavento o Dito galopando, no Preto vai o Miguilim. J vaqueiro vai aos dois acompanhando para que no corram assim. Tantas cores no caminho, galopando, muito som de passarim, J vaqueiro vai aos dois acompanhando para que no corram assim.
No foi por acaso que inmeros violeiros desenharam nas cordas de seus instrumentos trechos e sensaes da obra de Guimares Rosa. Tavinho Moura, compositor de prolas que perpassam os anos, descobre na viola uma nova maneira de nos contar acerca de suas belezas sonoras. Na composio Manuelzimda-cra, na faixa 9, ele traz um momento do Grande serto: veredas, quando Riobaldo e Diadorim, escondidos, esperam chegada de tropas e armamentos. No nada fazer, observam os passarinhos na beira do rio. Manuelzinho-da-cra o nome de um desses pequenos alados canoros. No fluir de sua viola e do violo de Beto Lopes, declama:
Que bonito um barquinho saindo da barra, descendo pelo rio afora. Que bonito o Manuelzinho da Cra cruzando a boca do Urucuia e querendo chegar l na cachoeira do Poo Fundo, no riacho do Alegres, no crrego da Viva, no ribeiro do Sumidouro, no riacho do Galho, l, l onde tem Caboclo Dgua.
Para este CD foram escolhidos ponteados de viola, canes, narrao de textos, fala de gente da regio e sons da paisagem do cerrado. Foi selecionado um aboio, colocado na faixa 10 e interpretado pelo grupo paulistano Nhambuzim, com arranjo para vozes, violo, baixo, piano e percusso. No canto de Edson Penha, Joel Teixeira e Sarah Abreu se escuta:
Rebero das guas clara, Bebed das andorinha, Pensamento dessa moa, Meu corao adivinha...
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Nessa verso, a voz introdutria do vaqueiro Manuelzo, extrada de gravao feita em vdeo, pelo jornalista e fotgrafo Joo Correia Filho, em trabalho de concluso do curso de jornalismo, na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Noutro lugar, por outro caminho, dando andamento sua dissertao de mestrado Paisagem sonora do espao migrante, Rodrigo Passos Felicssimo recolheu uma diversidade de sons, principalmente em Morro da Gara MG, a partir de oficinas concebidas no Projeto Guimares Rosa Lugares, patrocinado pela Petrobras, no ano de 2005. Uma equipe formada por Julio de Paula, Regina Porto e pelo prprio Rodrigo Felicssimo desenvolveu atividades com moradores da regio em torno de temas como: a sensibilidade da escuta, o conhecimento de antigos e novos formatos sonoros, o treinamento em equipamentos de gravao, as tcnicas de captao, o registro de depoimentos e a captao da prpria paisagem sonora. Parte do udio desse trabalho foi cedida ao IEA para ajudar a compor esse CD, que apresentamos nas faixas 8 e 14. A viola, no passar dos anos e no fermentar das culturas, acabou se tornando porta-voz de grande parte da expresso cultural do povo do centro-leste do Brasil. Isolado muitas vezes de tudo e de todos, o sertanejo encontra na viola sua companheira no registro de histrias que as mos no sabem escrever. Em versos rimados e metrificados, ele perpetua com fidelidade detalhes dos acontecidos fazendo com que sua histria seja lembrada e seus atos repetidos pelos descendentes que vm no curso dos tempos. Na faixa 13, Paulo Freire aparece com a msica Seca. Com as participaes de Mrio Manga (violoncelo) e Adriano Busko (percusso), esse tema pode sugerir o incio da travessia do Liso do Suuaro, a matana dos cavalos pelas mos dos Hermgenes, o julgamento de Z Bebelo ou mesmo o pacto de Riobaldo com o Tinhoso, cenas do Grande serto: veredas. O final de Grande serto: veredas, na voz de Jos Mindlin, na faixa 16, encerra a proposta do CD. Desse modo, indicado um fim em forma de travessia. Uma travessia para outras possibilidades sonoras similares e diversas apresentada. Segue o convite ao brinde. E da, ir ouvindo ...
Notas
1 Frase de Jos Mindlin, anotao de entrevista concedida pesquisadora e atriz Mariana Huck. 2 Sete episdios do Grande serto: veredas, CD dirigido por Marily Bezerra.
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Grupo Nhambuzim Voz e berrante Edson Penha Voz e violo Joel Teixeira Voz Sarah Abreu Percusso Andr Oliveira e Rafael Mota Baixo Itamar Pereira Piano e arranjos vocais Xavier Bartaburu Viola Rodrigo Delage Roncador (tambor de ona) Carlinhos Ferreira Estrdio Quarteto Voz lida Marques Violo Fernando Machado Violo e viola Wagner Dias Percusso Pedro Ribeiro e Andr Magalhes Viola Paulo Freire Violoncelo Mario Manga Percusso Adriano Busko de Paula)
Viola Ivan Vilela Violo Ricardo Matsuda Percusso Roberto Peres Voz e viola Rodrigo Delage Voz e viola Chico Lobo Voz Pena Branca Percusso Carlinhos Ferreira Voz Jos Maria Gonalves
5 Narrativa sobre o serto (Jos Maria Gonalves) 6 A fora do boi (Ivan Vilela)
Viola e arranjo Ivan Vilela Violo Ricardo Matsuda Cermica Dalga Larrondo Caxixi Roberto Peres
15 Valsa para viver um grande amor (Ivan Vilela) Estrdio Quarteto Viola e arranjo Ivan Vilela Voz lida Marques Violo Ricardo Matsuda Violo Fernando Machado e Wagner Dias Rabeca Luiz Henrique Percusso Pedro Ribeiro e Eduardo Contrera Baixo acstico Pedro Macedo 16 Palavras finais de Grande serto: veredas, de Joo Guimares Rosa 8 Paisagem sonora I Aves (Julio de Paula) Voz Jos Mindlim 9 Manuelzim-da-cra (Tavinho Moura) Viola Tavinho Moura Violo Beto Lopes
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Errata
no texto de apresentao do Cd sons do grande serto, publicado na edio anterior de Estudos Avanados (nmero 58, p. 83-87), no foi informado ao leitor que a msica Cano de Suruiz, reproduzida na faixa de nmero 2, foi a composta pelo msico e compositor Luiz Henrique Xavier, a partir da melodia folclrica cantada e adaptada por antonio Candido, para o Cd distribudo em 1977, da coleo Ler e ouvir, 1 Guimares Rosa, 7 episdios de Grande serto: veredas, nas vozes de antonio Candido, davi arrigucci Jr. e Jos Mindlin, dirigido por Marly da Cunha Bezerra e Maria de Lourdes nogueira Porto.
O arquivo disponvel sofreu correes conforme ERRATA publicada no Volume 21 Nmero 59 da revista.