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George Lucas: Uma vida
George Lucas: Uma vida
George Lucas: Uma vida
E-book735 páginas11 horas

George Lucas: Uma vida

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Sobre este e-book

Biografia minuciosa sobre um dos maiores gênios da história do cinema. Em maio de 1977, um filme de ficção científica independente com alto orçamento estreou em apenas 32 cinemas norte-americanos. Idealizada, escrita e dirigida pelo pouco conhecido George Lucas, a produção intitulada Star Warsrapidamente gerou filas que se estendiam por quarteirões, bateu recordes de bilheteria e deu início a uma nova maneira de fazer filmes. Como se Star Wars já não tivesse sido impactante o suficiente, George Lucas também consolidou outra franquia de filmes blockbuster com Indiana Jones, transformando completamente o universo dos efeitos especiais. Brian Jay Jones oferece um fascinante olhar da história de vida do cineasta, passando pela infância, seus sucessos e fracassos profissionais, a criação de um império cinematográfico independente e a rotina no rancho Skywalker.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de nov. de 2017
ISBN9788576848387
George Lucas: Uma vida

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    George Lucas - Brian Jay Jones

    Tradução

    Alexandre Martins

    Celimar de Oliveira

    Gabriel Oliva Brum

    Raquel Zampil

    1ª edição

    RIO DE JANEIRO | 2017

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    J67g

    Jones, Brian Jay, 1967-

    George Lucas [recurso eletrônico] : uma vida / Brian Jay Jones ; tradução Alexandre Martins ... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Best Seller, 2017.

    recurso digital

    Tradução de: George Lucas : a life

    Formato: epub

    Requisitos do sistema: adobe digital editions

    Modo de acesso: world wide web

    Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-7684-838-7 (recurso eletrônico)

    1. Lucas, George, 1944-. 2. Diretores e produtores de cinema - Estados Unidos -

    Biografia. 3. Livros eletrônicos. I. Marques, Alexandre. II. Título.

    17-45821

    CDD: 927.9143028

    CDU: 929:791.43.071.2

    Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Título original

    GEORGE LUCAS: A LIFE

    Copyright © 2016 by Brian Jay Jones.

    Copyright da tradução © 2017 by Editora Best Seller LTDA.

    Publicado mediante acordo com a Little, Brown, and Company, Nova York, Nova York, USA. Todos os direitos reservados.

    Adaptação de capa: Guilherme Peres

    Editoração eletrônica: Abreu’s System

    Imagem de capa: Getty Image

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios empregados.

    Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela

    EDITORA BEST SELLER LTDA.

    Rua Argentina, 171, parte, São Cristóvão

    Rio de Janeiro, RJ – 20921-380

    que se reserva a propriedade literária desta tradução.

    Produzido no Brasil

    ISBN 978-85-7684-838-7

    Seja um leitor preferencial Record.

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    Atendimento e venda direta ao leitor [email protected] ou (21) 2585-2002.

    Para Barb

    (A Força é intensa nela.)

    Sumário

    Prólogo: Fora de controle Março de 1976

    PARTE I: ESPERANÇA 1944-1973

    1. Diabinho mirrado 1944-1962

    2. Geeks e nerds 1962-1966

    3. O cavalo certo 1967

    4. Radicais e hippies 1967-1971

    5. Loucuras de verão 1971-1973

    PARTE II: IMPÉRIO 1973-1983

    6. Sangrando na página 1873-1976

    7. Tenho um mau pressentimento sobre isto 1976-1977

    8. Contra-atacando 1977-1979

    9. Céus ameaçadores 1979-1983

    PARTE III: O RETORNO 1983-2016

    10. Brilho vazio 1983-1994

    11. Um universo digital 1994-1999

    12. Otimismo cínico 1999-2005

    13. Desapegando 2005-2016

    Agradecimentos

    Notas

    Bibliografia selecionada

    Prólogo

    Fora de controle

    Março de 1976

    R2-D2 recusava-se a funcionar.

    Não era teimosia da parte do droide — característica que tornaria o personagem querido por milhões de fãs de Star Wars em todo o mundo. Na verdade, quando o primeiro dia das filmagens de Star Wars começou, na manhã de 22 de março de 1976, no deserto tunisiano, R2- -D2 havia parado de funcionar. Suas baterias já haviam descarregado.

    O pequeno droide não era o único problema. Vários outros robôs, operados por controle remoto pela equipe por trás das câmeras, também não estavam funcionando direito. Uns tombavam, outros nem chegavam a se mexer, enquanto os sinais de outros sofriam interferência de transmissões de rádio árabes que reverberavam pelo solo do deserto, fazendo com que disparassem em total descontrole pela areia, ou com que se chocassem uns contra os outros. Os robôs enlouqueciam, trombavam uns nos outros, caíam, quebravam, disse Mark Hamill, o ator bronzeado de 24 anos que interpretava o herói Luke Skywalker. Eram necessárias várias horas para ajeitá-los de novo.¹

    O diretor do filme, um californiano taciturno e barbado de 31 anos chamado George Lucas, simplesmente aguardava. Quando um robô funcionava adequadamente, ainda que por um único momento, Lucas filmava tanto quanto podia, até o droide parar de novo. Em outras ocasiões, a unidade com defeito era puxada por um fio invisível até que a linha arrebentasse ou o droide caísse. De qualquer forma, não tinha importância: Lucas planejava consertar tudo isso na sala de edição. Na verdade, era onde ele queria estar, e não ali, apertando os olhos por trás de uma câmera no meio do deserto.

    Era o primeiro do que viriam a ser 84 longos e excruciantes dias filmando Star Wars — vinte dias para além do prazo. E desde o início as filmagens foram praticamente um desastre. Eu estava muito deprimido com aquela situação toda, disse Lucas.²

    A infelicidade do diretor devia-se, em parte, ao fato de ele sentir que já havia perdido o controle do próprio filme. Ele responsabilizava os executivos sovinas da 20th Century Fox, que seguravam a verba ao longo de todo o projeto, negando-lhe a quantia necessária para garantir que tudo funcionasse. Os engravatados da Fox estavam céticos; insistiam em que a ficção científica era um gênero morto e que os acessórios, figurinos e efeitos especiais eram caros demais. Na visão do estúdio, Lucas conseguiria se virar com um orçamento baixo e simplesmente resolveria os problemas com seus robôs no decorrer das filmagens. A Fox não disponibilizava o dinheiro até ser tarde demais, declarou Lucas, irritado. Todos os dias perdíamos cerca de uma hora por causa daqueles robôs, e não teríamos desperdiçado todo esse tempo se tivéssemos mais seis semanas para terminá-los, testá-los e deixá-los em perfeito estado antes de começarmos.³

    Não eram apenas os robôs de controle remoto que estavam lhe causando problemas. Anthony Daniels, ator britânico com formação clássica escalado para o papel do droide de protocolo C-3PO, estava infeliz dentro de seu apertado figurino de plástico dourado reluzente, e incapaz de ver ou ouvir muita coisa. A cada movimento, ele esbarrava em algo pontiagudo ou cortante — coberto de cicatrizes e arranhões, suspirou ele — e, quando caía, o que acontecia com relativa frequência, tudo o que podia fazer era esperar que alguém da equipe reparasse e o ajudasse a levantar.⁴ Na primeira semana de filmagem, Daniels já temia não chegar inteiro ao final do filme. Foi muito, muito difícil fazer tudo caminhar, disse Lucas anos depois. A verdade é que os robôs simplesmente não funcionavam. C-3PO trabalhava de forma dolorosa… Eu não conseguia fazer R2 andar mais de alguns metros sem se chocar com algo… Tudo era um protótipo… tipo, ‘Caramba, vamos construir isso — não temos dinheiro, mas vamos tentar fazer isso funcionar’. Mas nada funcionava de fato.⁵ Lucas jurou que jamais entregaria de novo o controle de seus filmes a executivos de estúdios. O que eles sabiam sobre fazer filmes? Eles dizem às pessoas o que fazer sem dar qualquer justificativa, reclamava Lucas. Cedo ou tarde, decidem que sabem mais sobre fazer um filme do que os diretores. Mandachuvas de estúdio. Não dá para enfrentá-los, porque deles é que vem o dinheiro.

    Se Star Wars desse certo, uma coisa, sem dúvida, teria de mudar: ele controlaria o dinheiro.

    Ainda assim, havia coisas que ele jamais controlaria, por mais que desejasse. O clima incrivelmente imprevisível da Tunísia, por exemplo, não estava facilitando a produção. Na primeira semana de filmagem, começou a chover no vale de Nefta pela primeira vez em sete anos e não parou por quatro dias. Equipamentos e veículos atolaram na lama, o que tornou necessária a ajuda do Exército tunisiano para retirar tudo do lodo. Em geral, fazia frio pela manhã e um calor escaldante à tarde, e Lucas começava a maior parte dos dias com seu casaco marrom e as mãos enfiadas nos bolsos enquanto olhava pelo visor da câmera; à medida que o sol subia no céu, ele tirava o casaco, colocava os óculos escuros e dirigia seus atores vestindo camisa xadrez, com um boné de beisebol protegendo o rosto. Quando não estava chovendo, os ventos derrubavam os cenários, deixando o rastejador da areia em pedaços e soprando o set, como disse um membro da equipe, para longe, quase até a Algéria.

    E parecia que a areia entrava em tudo, irritando olhos, esfolando peles e se enfiando por praticamente toda fenda e fissura. Embora Lucas mantivesse suas câmeras Panavision envoltas em plástico para que não fossem danificadas pelo vento e pela areia, ainda assim a lente de uma delas estava quase estragada. Ele tinha problemas com os equipamentos e também estava com azar — pura e simplesmente azar. Um caminhão pegou fogo, danificando vários robôs. Quando não podia contar com caminhões, Lucas transportava os equipamentos no lombo de burros.

    Ao final das duas primeiras semanas de filmagens, Lucas estava exausto. Com os contratempos constantes causados pelo clima ruim, por droides defeituosos e figurinos que não serviam direito, ele tinha a sensação de que só havia conseguido filmar cerca de dois terços do que gostaria — e não estava feliz com o material. As cenas eram cortadas constantemente por conta de todo esse drama, disse Lucas, e eu não achava que estavam muito boas. Estava tão frustrado que não compareceu a uma festa que ele mesmo dera para marcar o fim das filmagens na Tunísia, trancando-se em seu quarto de hotel para chafurdar na própria infelicidade. Eu estava seriamente deprimido na ocasião, pois nada dera certo, suspirou ele. Tudo dera errado. Eu estava desesperadamente infeliz.

    Pouco mais de um ano antes da data marcada para estrear nos cinemas, se é que um dia estrearia, o projeto Star Wars era uma bagunça e o filme seria terrível.

    Lucas tinha certeza disso.

    PARTE I

    ESPERANÇA

    1944-1973

    1

    Diabinho mirrado

    1944-1962

    Odesfavorecido vitorioso — e quanto mais promissor e menosprezado melhor — era uma narrativa que George Lucas sempre adorou. Lucas gostava de pensar que havia um azarão triunfante entre seus antepassados, algum criminoso, ou alguém que fora deportado da Inglaterra ou da França, disse ele a um repórter. Contudo, não é segredo que Lucas gostava de ser enigmático; isso está praticamente em seu sangue. Minha família veio de lugar nenhum, explicou certa vez. Ninguém sabe de onde vieram.¹

    Como parte da quarta geração de californianos da família, Lucas conseguia traçar sua ascendência ainda mais longe que a maioria dos americanos, com as raízes de sua árvore genealógica fincadas no fundo do solo de Modesto, Califórnia, após percorrerem Arkansas, Illinois e Virgínia quase um século antes da Revolução Americana. Mas acaba aí, insistiu Lucas, sem se estender no assunto. Não importava se ele tinha vindo de uma linhagem de fazendeiros coloniais, sapateiros ou pedreiros, e não era de seu feitio olhar para trás. Estou sempre meio que vivendo para o amanhã, para o bem ou para o mal, declarou ele. É uma peculiaridade minha.² Porém, havia algo de que ele tinha certeza. É ótimo não ter nascido príncipe, observou Lucas certa vez. Sou grato por isso. De fato, acredito que, neste país, é possível fazer qualquer coisa se você se dedicar.³

    Dedique-se. Era o tipo de advertência que George Lucas Sr. — o pai metodista de Lucas, que vinha de uma cidade pequena — poderia ter feito. E que provavelmente fez, balançando o dedo enfático diante do rosto de seu único filho.

    Conforme seu filho o descreveu mais tarde, George Lucas Sr. era um sujeito muito antiquado… o típico comerciante de cidade pequena que você veria num filme.⁴ Como proprietário da papelaria mais bem-sucedida de Modesto — e, ainda por cima, presidente do Departamento de Varejistas —, George Lucas Sr. era inteligente, conservador, um pilar para a comunidade local. E vinha trabalhando duro — dedicando-se — praticamente por toda a vida.

    George Walton Lucas Sr. nasceu em 1913, em Laton, Califórnia — na época, tal como agora, pouco mais do que um ponto no mapa ao sul de Fresno —, o único menino em meio ao bando de filhas de Walton e Maud Lucas. Walton, operário de campo petrolífero, era também diabético e, em 1928, quando o filho tinha 15 anos, morreu de complicações decorrentes da doença — que pularia uma geração até o neto famoso de Walton. Um ano após a morte de Walton, Maud mudou-se com George Sr. e sua irmã mais velha, Eileen, duas vezes, primeiro para Fresno, que ficava perto, e depois mais de 140 quilômetros passando pelo vale de San Joaquin até Modesto, onde George Sr. moraria pelo resto da vida.

    Fundada em 1870 entre os trigais que ladeavam o rio Tuolumne, Modesto foi erguida como uma das últimas paradas na Central Pacific Railroad, ferrovia que saía de Los Angeles rumo à capital, Sacramento, ao norte. Na verdade, os fundadores da cidade insistiram em chamar o novo povoado de Ralston, em homenagem a William Ralston, diretor da Central Pacific. Contudo, Ralston recusou a homenagem, um gesto de humildade que supostamente teria inspirado o nome da nova cidade: Modesto.

    Apesar do nome, essa pequena cidade tinha grandes ambições, que refletiam a atitude otimista da Califórnia, assim como sua tendência à gratificação imediata. Na época em que foi formalmente estabelecida, em 1884, havia 25 construções no local, em sua maioria negócios cujos proprietários — prevendo as várias oportunidades que surgiam para quem vivia perto da ferrovia — simplesmente haviam levado para Modesto suas casas e escritórios das vizinhas Paradise City ou Tuolumne City.

    Modesto não se apressou em se tornar uma metrópole — chegaria a cem mil habitantes somente na década de 1980 —, mas, à medida que crescia, levava a sério seu orgulho cívico e, no início do século XX, já se vangloriava dos gramados bem cuidados e das roseiras coloridas de seus moradores, assim como de seu comprometimento com a educação e a cultura. Em 1912, seus orgulhosos habitantes ergueram um grande arco para receber os visitantes quando entrassem na Ninth Street com seus automóveis — uma invenção nova e exótica que ninguém tinha certeza se pegaria — e passassem debaixo do lema da cidade em luzes incandescentes: ÁGUA, RIQUEZA, FELICIDADE, SAÚDE.⁵ Era um lema tão direto quanto os moradores dali.

    Quando George Lucas Sr. chegou a Modesto com a mãe e a irmã, em 1929, a população havia crescido para quase 14 mil habitantes, espalhados por uma série de loteamentos quadriláteros planos, típicos das cidades do Oeste. À medida que os Estados Unidos entravam na Grande Depressão, George Sr. dividia seu tempo entre as aulas na Modesto High School e um trabalho como aprendiz de mecânico em uma oficina de máquinas de escrever, já exercendo esse ofício aos 16 anos. No censo de 1930, tanto Maud quanto Eileen listaram suas ocupações como nenhuma, o que fazia de George a única e muito necessária fonte de sustento para a irmã e a mãe viúva.⁶ Portanto, ganhar a vida era uma responsabilidade que George Sr. levava muito a sério. Não havia tempo para ficar à toa, para preguiça ou para sonhar acordado. George Sr. decidiu que estudaria direito e se tornaria advogado, esforçando-se na escola para tirar boas notas. E, ainda assim, na Modesto High School, o jovem sério — empertigado, de cabelos ondulados escuros e um corpo magricela feito para ternos abotoados — apaixonou-se à primeira vista por uma garota de sua aula de história e, sem perder tempo, informou à mãe que iria se casar com ela, mesmo ainda sem saber seu nome.⁷

    Depois de algumas perguntas, George descobriu que se apaixonara por Dorothy Bomberger, uma jovem que pertencia a uma das famílias mais antigas e proeminentes de Modesto. O fato de o filho famoso deles mais tarde declarar-se um californiano da quarta geração devia-se inteiramente à sua linhagem como um Bomberger, uma família cujas raízes nos Estados Unidos eram anteriores à Declaração da Independência. Durante gerações, os Bomberger fizeram investimentos discretos em imóveis, o que lhes traria riqueza e reputação. No século XX, vários dos Bomberger eram donos e administradores de propriedades por todo o vale de San Joaquin — e o pai de Dorothy, Paul, possuía ainda outros investimentos em companhias de grãos e concessionárias de carros —, o que os tornava uma das famílias mais conhecidas e prósperas do vale. As atividades dos Bomberger eram assunto constante das colunas sociais do Modesto Bee and News-Herald.

    Dorothy era uma beldade morena de olhos escuros, esguia e um tanto frágil, mas um bom partido — e ela e George formavam um casal bonito, popular e completamente dedicado. No último ano de colégio, ambos estrelaram a peça da turma, uma comédia em três atos intitulada Nada além da verdade,⁸ e George atuou como presidente da classe, tendo Dorothy como sua vice-presidente. Após a formatura, estudaram juntos por um breve período na Modesto Business College, onde George entrou para a fraternidade Delta Sigma, enquanto Dorothy continuou a participar do Clube de Garotas da Phi Gamma.⁹ George não tardou a conseguir um emprego na Lee Brothers, uma das papelarias mais novas — embora ainda pequena — de Modesto, atendendo os clientes em uma loja apertada na Tenth Street. Para sua surpresa, descobriu que realmente gostava do ramo da papelaria. Foi pura sorte, disse ele anos depois. Eu nem mesmo tinha certeza do que ‘papelaria’ significava.¹⁰ Seus planos de estudar direito foram, então, abandonados.¹¹

    Em 3 de agosto de 1933, George Sr. e Dorothy casaram-se na Igreja Episcopal Metodista local. Dada a ligação com os Bomberger, o evento foi chamado de casamento de amplo interesse pelo jornal local, que relatou em minúcias os preparativos e o envio de convites para a cerimônia.¹² George tinha 20 anos; Dorothy, 18 — e o jovem casal começou a vida a dois com os Estados Unidos oficialmente no meio da Depressão. E, embora Dorothy fosse instruída e bem relacionada, George, com sua crina metodista conservadora eriçada, não permitiu que a esposa trabalhasse. Trabalhar — dedicar-se — e sustentar uma família eram obrigações do homem. Então, George trabalharia, enquanto Dorothy ficaria em casa e cuidaria dos filhos, que, George tinha certeza, seriam inevitáveis.

    Pouco depois do casamento, os Lucas mudaram-se para Fresno, onde George conseguiu um emprego na H.S. Crocker Co., Inc., uma das maiores papelarias da Califórnia. O trabalho pagava US$75 por semana, uma quantia respeitável em uma época em que uma geladeira nova podia custar US$100.¹³ Porém, Dorothy sentia falta de sua família, de modo que, em 1934, após somente cinco meses em Fresno, eles voltaram para Modesto, onde George encontrou trabalho na principal papelaria de Modesto, a L.M. Morris Company.¹⁴

    A L.M. Morris, fundada por um grupo de irmãos em 1904, era uma das papelarias mais antigas da região. LeRoy Morris comprara o negócio de seus irmãos em 1918, mudara o nome para L.M. Morris Company e tornara a loja um alicerce do centro de Modesto, onde permaneceria no mesmo endereço, na I Street, por quase sessenta anos. Quando George Sr. começou a trabalhar lá, em 1934, a empresa estava celebrando, com orgulho, seu 30º aniversário.¹⁵

    A Morris era especializada em móveis de escritório, máquinas de escrever e calculadoras, mas, ao longo dos anos, diversificou-se, acrescentando filmadoras e projetores, livros infantis e brinquedos e um departamento de presentes do qual seu proprietário vangloriava-se como repleto das últimas novidades. Como sempre, George Sr. dedicou-se com afinco — Eu gostava do tipo de cliente que aparecia, explicou ele mais tarde — e logo se destacou entre os 12 melhores empregados da Morris.¹⁶ E claro, quando LeRoy Morris colocou um anúncio gigantesco no Modesto Bee, no final de 1934, lá, logo abaixo da foto do próprio Morris, havia uma foto de George Sr, olhando para os leitores com um leve sorriso no rosto.¹⁷

    George era mais do que esforçado; era ambicioso e astuto, e sabia o que as pessoas queriam. E o fato de ele e LeRoy Morris terem se dado bem de imediato sem dúvida ajudou — ambos provavelmente estavam cientes de que precisavam um do outro. Embora Morris, com 52 anos, tivesse duas filhas casadas, não tinha um filho homem, nenhum sucessor para quem pudesse passar o negócio.¹⁸ Enquanto isso, George Sr. — que perdera Walton Lucas para a diabetes havia menos de uma década — não tinha pai, nenhuma figura paterna, nenhum legado familiar para herdar. Cada um preenchia um papel para o outro. Era uma relação sutil e complexa de mentor-aprendiz, exatamente o tipo que o próprio filho de George Sr. viria a desejar — e explorar na tela dos cinemas — décadas mais tarde.

    As coisas iam bem o suficiente para que, pouco mais de um ano após ter sido contratado por Morris, George Sr. mencionasse ao patrão, com certa ousadia, que esperava ter uma loja própria, ou pelo menos parte de uma, quando tivesse 25 anos.¹⁹ Assim, em 1937, quando ainda George Sr. ainda tinha 24 anos, Morris ofereceu ao seu esforçado protegido 10% do negócio, visando a uma eventual parceria plena. George afirmou que não tinha dinheiro para investir na firma, mas Morris não queria saber. Você assinará uma promissória declarando que me deve tal quantia, disse Morris ao jovem. Esse negócio não será bom se não compensar.²⁰ Detendo uma parte efetiva da empresa, George Sr. começou a trabalhar seis dias por semana, determinado a corresponder à devoção profissional e paterna de Morris.

    Enquanto George Sr. estava concentrado nos negócios da L.M. Morris, Dorothy cuidava da vida familiar com a mesma dedicação. No final de 1934, ela deu à luz a primeira filha, chamada Ann, seguida, dois anos depois, por uma segunda filha, a quem deram o nome de Katherine, mas que todos sempre chamariam de Katy ou Kate. Com a família aumentando e os negócios prosperando, George comprou um lote no número 530 da Ramona Avenue, nos limites de Modesto, e, usando US$5 mil emprestados pelos pais de Dorothy, construiu uma res­peitável casa térrea de estuque que tinha certeza de que ele e Dorothy encheriam com mais filhos.

    Contudo, duas gestações em três anos custaram caro à saúde de Dorothy. Delicada desde sempre e provavelmente sofrendo de pancrea­tite, Dorothy sentiu que cada gravidez era mais difícil que a anterior, forçando-a a passar longos períodos deitada em repouso — a ponto de, após o nascimento de Kate, os médicos a aconselharem a parar de ter filhos.²¹ Porém, ela e George continuariam tentando engravidar pelos próximos oito anos, sofrendo pelo menos dois abortos espontâneos.

    Por fim, no final de 1943, Dorothy engravidou de novo, dessa vez de um bebê que daria à luz. Assim, às cinco e meia da manhã de 14 de maio de 1944, um domingo — uma manhã agradável e límpida do Dia das Mães —, Dorothy deu à luz um filho. Talvez percebendo que, com a saúde fragilizada de Dorothy, aquela seria sua única chance de usar o próprio nome, George desistiu do nome Jeffrey, que antes fora cogitado para o recém-nascido, em favor de um nome mais apropriado a um herdeiro: George Walton Lucas Jr. O bebê era muito pequeno — pesava somente 2,66kg —, mas era saudável, e debateu-se tanto quando a médica assistente o colocou sobre a barriga de Dorothy que ele quase lhe escapou das mãos. Não o deixe cair, advertiu ela. Esse é o único filho homem que tenho!²²

    Tal como seus pais, George Jr. era moreno e tinha olhos escuros, assim como outra característica marcante na linhagem dos Lucas: orelhas que tendiam a ser salientes. Na verdade, as de George Jr. eram mais proeminentes do que a maioria, e uma delas era até meio mole — uma deficiência que o pai resolveu rapidamente colando-a com fita. Ele a acabaria chamando de uma boa orelha,²³ mas as orelhas de George Jr., que apontavam para cima e para fora, sempre seriam uma de suas características predominantes. [Ele] era um rapazinho mirrado de orelhas grandes, recordou sua irmã Kate com ternura.²⁴

    Mirrado. Era um dos muitos diminutivos que Lucas passaria décadas ouvindo. Quando bebê, [ele] era muito pequeno, disse sua mãe. Um amendoim, na época.²⁵ Com 6 anos, Lucas pesava quase 16kg; no ensino médio, alcançaria sua altura máxima, de 1,67m, e mal pesaria 45kg. Um diabinho mirrado, disse o pai.²⁶

    A irmã mais nova, Wendy, nasceria três anos depois, o último bebê que Dorothy teria. Talvez, como era possível prever, as duas gestações tenham lhe esgotado, e, durante boa parte da infância de George Jr., Dorothy passaria longos períodos entrando e saindo de hospitais ou confinada a uma cama. Sua saúde meio que desceu ladeira abaixo, recordou Kate. As crianças ficaram principalmente aos cuidados de uma governanta extrovertida, chamada Mildred Shelley, que todos chamavam de Till. Ela podia ser rígida e ligeira com as costas da mão, mas também era expansiva e engraçada, contando histórias em um sotaque sulista arrastado, e as crianças dos Lucas a adoravam. Graças a Till, disse Kate, nunca ficamos sem uma figura materna.²⁷ Porém, era George Jr., acreditava ela, que tinha um lugar especial no coração da governanta. Ele era o único menino na família, era meio que o queridinho de todos. ²⁸ Quanto a George Jr., ele sempre falaria com afeição da animada Till. Tenho sentimentos de muita ternura em relação àquela época, afirmou ele — sem dúvida uma recordação efusiva vinda de Lucas, famoso por seu jeito taciturno.²⁹

    Em 1949, quando George Jr. tinha 5 anos, LeRoy Morris — cumprindo sua promessa de uma década atrás — vendeu a L.M. Morris Company a George Lucas Sr. Eles anunciaram a transação em 26 de janeiro nas páginas do Modesto Bee, e em seguida Morris aposentou-se — morrendo de forma inesperada sete dias mais tarde.³⁰ Ele era um dos cavalheiros de Deus, disse George Sr. sobre seu parceiro, pai substituto e benfeitor. Ele me preparou para, aos poucos, assumir seu negócio.³¹ Agora, George Sr. pretendia fazer o mesmo com o próprio filho. Se tudo corresse conforme o planejado, George Jr. trabalharia duro — iria se dedicar —, entraria para a empresa e, aos poucos, assumiria o negócio da família. Era uma meta ambiciosa, que também se mostraria um grande motivo de discórdia entre pai e filho.

    Para George Lucas Jr., crescer em Modesto como filho do dono de papelaria mais próspero da cidade nunca foi uma vida ruim. No entanto, Lucas permaneceria sempre ambivalente, e teria sentimentos levemente conflitantes, sobre sua infância. Tive minha dose de traumas e problemas, disse ele posteriormente, mas, ao mesmo tempo, aproveitei bastante minha infância.³² Às vezes, seu pai o irritava; a cada verão, obrigava o filho a usar um corte escovinha, um ritual que Lucas odiava. Meu pai era rígido, observou Lucas mais tarde, embora até mesmo essa lembrança se mostrasse um tanto confusa. "Quero dizer, ele não era rígido demais, acrescentou. Ele era razoável. E era justo. Meu pai era extremamente justo.³³ Justo ou não, no final das contas Lucas lembra-se de ter passado a maior parte da infância muito bravo" com o pai.

    Embora a companheira de infância mais dedicada de Lucas provavelmente tenha sido sua irmã mais nova, Wendy, ele tinha um grupo estável de amigos, que incluía seu melhor amigo, John Plummer, que Lucas conheceu quando tinha 4 anos e permaneceria próximo por toda a vida, e George Frankenstein, um pouco mais velho. Os três sempre brincavam juntos na residência de Lucas, na Ramona Avenue, e mesmo Plummer e Frankenstein mantinham distância do dono da casa. Minha lembrança é de nunca irritá-lo, disse Frankenstein sobre o pai de Lucas. Digo, se você fizesse algo que o tirava do sério… Ele era o tipo de pessoa que só dava uma chance.³⁴ Como disse John Plummer, toda vez que o Sr. Lucas aparecia, dávamos um jeito de nos esconder.³⁵

    Ainda assim, havia vantagens em andar com o filho do dono de uma papelaria: George Jr. podia pegar os brinquedos e bugigangas mais novos diretamente das prateleiras da loja do pai. Ele tinha todos os brinquedos, disse Frankenstein, e estava sempre disposto a dividir.³⁶ ­George orgulha-se especificamente de compartilhar um gigantesco trem Lionel de três motores que, admitiu, ocupava quase todo o meu quarto, percorrendo cenários elaborados em miniatura que ele havia criado usando soldadinhos, carrinhos de brinquedo e ervas e plantas pequenas arrancadas do quintal.³⁷ Em determinado momento, conseguiu inclusive pegar o concreto de um depósito de madeira local, que ele e seus amigos despejaram em moldes feitos à mão para formar pequenas construções pelas quais o trem pudesse passar em disparada. Posteriormente, construiria dioramas — que sempre chamou de ambientes —, exibindo-os em um estojo de madeira com tampa e laterais de vidro. Sempre tive interesse em construir coisas, disse Lucas, então eu tinha um pequeno galpão nos fundos com várias ferramentas, e criava jogos de xadrez, casas de boneca e carros, um monte de carros de corrida que empurrávamos para lá e para cá, descíamos morros e tudo o mais.³⁸

    Um de seus projetos mais memoráveis — realizado com a ajuda do sempre disposto Plummer — foi uma elaborada montanha-russa de tamanho infantil construída com o auxílio de um rolo de cabo telefônico para puxar o carrinho até o topo de uma ladeira inclinada, quando, então, era solto e descia chacoalhando por outra série de rampas até o solo. Não sei como não matamos ninguém, confessou Plummer.³⁹ Provavelmente tinha só 1,20m de altura, mas nós a construímos. Foi divertido, um grande evento; todas as crianças da vizinhança apareceram. E nós meio que ficamos conhecidos por fazer coisas assim. George era criativo. Não era um líder, mas era muito mais imaginativo… Ele sempre aparecia com um monte de ideias.⁴⁰

    Quando era bem novo, eu adorava faz de conta, disse Lucas. "Mas era o tipo de faz de conta que usava todos os brinquedos tecnológicos que eu podia arranjar, como aeromodelos e carros. Imagino que uma extensão desse interesse tenha levado ao que depois veio ocupar minha mente, as histórias de Star Wars."⁴¹ No entanto, não houve muito na minha infância que tenha me inspirado no que passei a fazer como adulto.⁴² Ou pelo menos era o que sempre afirmaria.

    Ao contrário de um amigo e colaborador posterior, Steven Spielberg, que tornou infâncias mágicas o foco de muitos de seus filmes, Lucas jamais teve uma visão romântica ou idealizada dessa época. Eu estava bastante ciente de que crescer não era agradável; era simplesmente… assustador, disse Lucas posteriormente. Eu me lembro de passar boa parte do tempo infeliz. Não infeliz de verdade — eu aproveitei minha infância. Mas acho que todas as crianças, pelo lugar que ocupam, sentem-se deprimidas e intimidadas. Apesar de eu ter me divertido bastante, minha impressão mais forte era de que eu estava sempre atento à ameaça do monstro maligno que espreitava logo depois da esquina.⁴³

    Às vezes, os monstros eram as outras crianças de seu próprio quarteirão, que praticavam bullying e intimidavam o pequeno George Jr., segurando-o para tirar seus sapatos e jogá-los no meio dos irrigadores dos gramados. George nem sequer revidava, deixando que sua irmã Wendy espantasse os agressores e recolhesse seus sapatos molhados.⁴⁴

    Faz sentido, então, que, ao longo de boa parte de sua vida, o diminuto Lucas buscasse figuras de irmãos mais velhos para servirem como mentores e protetores. Um dos primeiros foi o noivo de Ann, sua irmã mais velha; Lucas era absolutamente afeiçoado a ele. É uma das maneiras de aprender, reconheceu mais tarde. Você se liga a alguém mais velho e sábio do que você, aprende tudo o que ele têm para ensinar e parte para realizar as próprias coisas. Quando o jovem foi morto na Coreia, Lucas ficou arrasado. Não é de espantar que ele sempre olhasse para a própria infância com emoções levemente conflitantes. Foi uma infância normal, árdua, reprimida, repleta de medo e agitação por todos os lados, assinala. Mas, no geral, eu a aproveitei. Foi boa.⁴⁵

    Ele era igualmente ambivalente sobre Modesto. Durante anos, uma leve vergonha marcaria o modo como ele falaria de sua cidade natal. Ainda que viesse a abraçar com orgulho seu status como um filho de Modesto — e seu filme Loucuras de verão tornaria a cidade praticamente um destino turístico —, nas primeiras décadas de sua vida Lucas sempre se sentiu um pouco constrangido por suas raízes. Quando perguntavam de onde era, respondia de maneira ambígua e não muito específica: ­Califórnia. Caso insistissem, ele admitia que vinha do norte da Califórnia ou às vezes era um pouco mais preciso com sul de São Francisco antes de murmurar, por fim, Modesto.⁴⁶ Porém, ele sabia que sua cidade natal tinha encantos. "Era como se Modesto tivesse saído das obras de Norman Rockwell na revista Boys’ Life… onde se juntavam folhas nas tardes de sábado e se acendiam fogueiras, diria Lucas mais tarde. Algo bem típico da cultura americana."⁴⁷

    E, para um garoto que cresceu na década de 1950, essa cultura americana também envolvia idas frequentes à escola dominical — uma obrigação que Lucas logo começou a odiar. Quando tive idade suficiente, 12 ou 13 anos, eu me rebelei contra isso.⁴⁸ Na verdade, mesmo quando criança, Lucas já tinha uma relação complicada com Deus; aos 6 anos — idade em que a maioria das crianças O vê simplesmente como um benevolente homem barbudo no céu —, Lucas teve uma experiência mística muito profunda que moldaria o modo como passaria a encarar a espiritualidade na vida e no trabalho. Era centrada em Deus, recordou. Lucas se viu perguntando: ‘O que é Deus?’. Porém, mais do que isso, ‘O que é a realidade? O que é isso?’ Como se você parasse e dissesse de repente, ‘Espera um pouco… O que é esse mundo? O que nós somos? O que eu sou? Como funciono nisso, e o que está acontecendo aqui?’⁴⁹ Eram perguntas que ele digeriria com certa dificuldade, exploraria e, com a criação da Força em Star Wars, tentaria responder em seus filmes.

    Tenho sentimentos fortes sobre Deus e a natureza da vida, mas não me devoto a uma fé em particular, disse Lucas posteriormente.⁵⁰ Apesar de ter sido criado como metodista, ficara mais intrigado com as cerimônias na igreja luterana alemã de Till, onde os fiéis ainda usavam chapéus largos e toucas e falavam em um tom carregado de sotaque e reverencial. Lucas era fascinado pela formalidade das cerimônias deles, muito parecidas com uma peça elaborada em que todos sabiam seus papéis. A cerimônia fornece algo essencial para as pessoas, reconheceu.⁵¹ Ele sempre permaneceria academicamente curioso a respeito das religiões organizadas, e suas opiniões sobre Deus e religião continuariam a evoluir com o passar do tempo.⁵² Ele acabaria descrevendo sua religião como uma mescla de metodismo e budismo. (É o Condado de Marin, disse ele em 2002, referindo-se às inclinações de esquerda da área. "Somos todos budistas aqui.")⁵³ Contudo, por ora, ele permaneceria um metodista devoto, ainda que frustrado. O pai não aceitava que fosse de outra forma.

    Por pior que fosse a escola dominical, para Lucas ela não chegava aos pés das aulas regulares. Ele se lembra de ter ficado aterrorizado em seu primeiro dia de aula na John Muir Elementary School — uma sensação de pânico total, como a chamou —, e as coisas não melhorariam muito: Nunca fui muito bom na escola, então nunca fiquei muito entusiasmado com ela.⁵⁴ No começo, parecia promissor. Ele se saiu bem. Ele era inteligente, observa Dorothy Elliot, sua professora do segundo ano. [Mas] George era… quieto como um ratinho. Ele jamais falava, a não ser que você lhe dirigisse a palavra.⁵⁵ No entanto, para Lucas, simplesmente não havia muito na escola sobre o qual valesse a pena falar. Um dos maiores problemas que tive, mais do que qualquer outra coisa, é que eu sempre queria aprender algo diferente do que estava sendo ensinado, disse ele. "Eu ficava entediado."⁵⁶ Embora gostasse das aulas de educação artística e tenha atuado com empenho na peça do terceiro ano — onde apareceu por último na lista de alunos —, Lucas odiava matemática, sua ortografia era terrível, e a escrita seria sempre um processo dolorosamente lento. Mesmo no ensino médio, teve de contar com a ajuda da irmã Wendy, três anos mais nova, para revisar seus trabalhos, à procura de erros.

    Lucas pode ter tido dificuldades com a ortografia e com a escrita, mas gostava de ler, uma atividade provavelmente encorajada por sua mãe, que passou longos períodos de recuperação acompanhada de um livro, entrando e saindo de hospitais. Quando era pequeno, sua mãe lia com frequência para ele os contos de fadas dos Irmãos Grimm; porém, quando foi deixado por conta própria, os gostos de Lucas seguiram para o lado das histórias de aventuras, como Raptado, A ilha do tesouro e A família Robinson. Ele também reuniu uma coleção enorme de livros da série Landmark, composta por títulos históricos e biografias escritos para leitores mais jovens. Eu era viciado [neles], disse Lucas. Eu costumava adorar ler aqueles livros. Foi o início de um amor duradouro pela História… Quando eu era criança, passava muito tempo tentando relacionar o passado ao presente.⁵⁷

    Lucas admitiria mais tarde: Eu não era de ler muito.⁵⁸ Porém, isso também não era de todo verdade. Além da série Landmark, havia outra coisa que Lucas colecionava e devorava: revistas em quadrinhos. Nunca tive vergonha de ler quadrinhos, disse ele.⁵⁹ Lucas descobriu as HQs em um momento em que estavam vendendo aos milhões em quase todo gênero imaginável, de romance e faroeste a crime e terror a super-heróis e ficção científica. John Plummer, cujo pai tinha contato com o dono da banca de jornal local, levava para casa pilhas de quadrinhos toda semana, sem as capas e marcadas como não vendidas. George costumava sentar na minha varanda o tempo todo só lendo quadrinhos, recorda-se Plummer.⁶⁰ Mesmo muito tempo depois de Plummer ter sido chamado para entrar e jantar, George permanecia sozinho na varanda, curvado sobre sua pilha de quadrinhos, lendo atentamente.

    Mais tarde, George e sua irmã Wendy passaram a juntar suas mesadas para comprar os próprios quadrinhos, dez por 1 dólar, e em pouco tempo tinham uma coleção grande o suficiente para que seu pai construísse um galpão no quintal com um espaço dedicado somente a eles. George e Wendy jogavam colchas no chão dentro do galpão e ficavam sentados durante horas lendo quadrinhos.⁶¹ Não era de admirar que Lucas fosse atraído por eles; dadas as suas dificuldades com ortografia e escrita, seu estilo de aprendizado era claramente mais visual do que verbal. Os quadrinhos eram histórias contadas através de imagens,⁶² disse ele, e observa que foi nos quadrinhos seu primeiro contato com os chamados fatos estranhos e com um vocabulário exótico, palavras como brioche.⁶³Nos melhores momentos de Lucas, seu próprio estilo de contar histórias imitaria o brilhantismo espalhafatoso das páginas dos quadrinhos: palavras e imagens trabalhando juntas para impulsionar a ação, com pouco tempo para discursos ou monólogos.

    Talvez de forma um tanto previsível, Lucas preferia os quadrinhos de ficção científica aos de super-heróis. Eu gostava de aventuras no espaço, admitiu.⁶⁴ Ainda que Lucas possa ter aproveitado a arte suntuosa de Wally Wood e as histórias de ficção científica com algo mais na revista imensamente popular da EC chamada Weird Science, preferia o policial intergaláctico mais pitoresco da DC, Tommy Tomorrow, que aparecia regularmente nas páginas finais da Action Comics, também do Superman. Plummer achava que compreendia as preferências do amigo. Uma das coisas que tirávamos dos quadrinhos… eram os valores, tão importantes para nós, disse Plummer. Havia os mocinhos e os bandidos. Acho que isso o marcou bastante.⁶⁵

    Porém, se Lucas tivesse de escolher um personagem favorito, ele não seria encontrado nas páginas de uma revista em quadrinhos de ficção científica. Era o Tio Patinhas, o tio sovina e viajante do Pato Donald, que estrelava sua própria revista em quadrinhos, Walt Disney’s Uncle Scrooge, publicada mensalmente pela Dell. Escritas e desenhadas por Carl Barks, as histórias do Tio Patinhas eram inteligentes, engraçadas e genuinamente sofisticadas. Nelas, Barks enviava o Tio Patinhas e um elenco elaborado de personagens pitorescos em aventuras nas minas de ouro da América do Sul, no alto de montanhas no Extremo Oriente, no fundo do mar, viajando para o passado ou para o espaço.

    Lucas adorava as histórias — haveria um pouco do espírito aventureiro do Tio Patinhas de ir de um continente a outro no DNA de Indiana Jones — e era fascinado não só pelas proezas do Tio Patinhas, mas também pelo seu jeito descaradamente capitalista. Em vez de trabalhar duro, trabalhe com inteligência, esse era o lema do Tio Patinhas, e suas histórias eram repletas de planos engenhosos que, em geral, deixavam-no ainda mais rico e bem-sucedido. No mundo do Tio Patinhas, trabalhar duro compensava, sim — assim como a inteligência e o desejo de fazer algo de uma forma que ninguém tivesse pensado antes. A ética do Tio Patinhas refletia a do artista-escritor Carl Barks, que pregava honra, honestidade [e] permitir que outras pessoas acreditem em suas próprias ideias, sem tentar colocar todos à força dentro de um mesmo molde.⁶⁶

    Lucas achava isso tudo muito empolgante e inspirador. Para mim, o Tio Patinhas… é um indicador perfeito da psique americana, observou ele posteriormente. Há tanta coisa nele que é precisamente a essência dos Estados Unidos que chega a ser inacreditável.⁶⁷ Assim, de certa forma, as lições que Lucas aprendeu com o Tio Patinhas iriam moldar o tipo de artista e homem de negócios que ele se tornaria no futuro: conservador e determinado, acreditando intensamente na própria visão e indo atrás dela com dinamismo, enquanto, ao mesmo tempo, nutria uma pontada de nostalgia por épocas melhores, que podiam ou não ter existido. Anos mais tarde, quando estava começando a acumular uma fortuna que iria rivalizar com a do próprio Tio Patinhas, uma das primeiras ilustrações que Lucas compraria seria uma página da arte original de Carl Barks para uma revista do personagem — um reconhecimento modesto de seu precursor dos quadrinhos.

    Além de Carl Barks, havia outro artista que Lucas adorava e que criava o mesmo tipo de história contada em imagens que ele admirava em Barks, ainda que em um formato um pouco diferente. Sempre que tinha uma oportunidade, Lucas ia atrás de exemplares do Saturday Evening Post, para admirar as capas fotorrealistas pintadas de forma deslumbrante pelo ilustrador Norman Rockwell. A obra de Rockwell para o Post era propositalmente catártica, com garotos e garotas nadando, patinando no gelo, juntando folhas, jogando bola, subindo em árvores ou celebrando felizes o Natal ou o Dia da Independência. Mesmo que estivessem fazendo travessuras, eles raramente ficavam encrencados, e eram observados com ternura por pais e figuras de autoridade compreensivos. Lucas ficava encantado com os detalhes das obras de Rockwell; era como uma tira em quadrinhos comprimida em um único quadro, e tentar entender a história inteira que o artista estava contando em uma pintura tornou-se uma espécie de jogo. Cada ilustração [mostra] o meio ou o final da história, e é possível ver o início, mesmo ele não estando lá, disse Lucas. É possível ver todas as partes ausentes… porque aquele único quadro conta tudo o que é necessário saber.⁶⁸

    Rockwell, segundo Lucas, oferecia uma sensação do que os Estados Unidos estavam pensando, quais eram os ideais [dos americanos] e o que havia em seus corações.⁶⁹ Não importava que Lucas nunca tivesse pulado em um lago ou visto um Natal com neve, ou que mal soubesse jogar beisebol; aquelas pinturas eram retratos da vida como devia ser. Lucas jamais seria piegas sobre a própria infância, mas podia se mostrar bastante emotivo sobre aquela que ele poderia ter tido em uma pintura de Rockwell. Décadas mais tarde, assim como ocorrera com a obra de Carl Barks, Lucas também colecionaria a arte de Rockwell. Para Lucas, era algo raro e valioso: arte que de fato o sensibilizava.

    Em maio de 1954, George Lucas Jr. completou 10 anos e, naquele verão, foi acrescentado algo ao lar dos Lucas que mudaria sua vida para sempre: uma televisão.

    Durante seus primeiros dez anos, George — como milhões de americanos na época — sentava-se no chão, na frente do rádio, impressionado com os dramas radiofônicos, muitos dos quais usavam efeitos sonoros incrivelmente elaborados e convincentes. Sempre fui fascinado pela fantasia do rádio, disse Lucas mais tarde. Eu adorava ouvir e imaginar como seriam as imagens.⁷⁰ Ele gostava em particular de suspenses como Inner Sanctum e The Whistler, assim como de aventuras como O cavaleiro solitário. O rádio, disse ele, desempenhou um papel importante na minha vida. Contudo, não seria nada comparado à televisão.⁷¹

    John Plummer foi o primeiro a conseguir um aparelho. Em 1949, o pai de Plummer levou para casa uma pequena TV Champion, que ele colocou na garagem, então construiu alguns bancos para que os vizinhos pudessem sentar e assistir às lutas de boxe. O próprio pai de George ficou intrigado, mas estava cético; ele esperaria alguns anos até que a tecnologia melhorasse antes de investir em um produto tão caro. Embora George Jr. assistisse quanto podia de televisão na casa dos Plummer, teria de esperar mais cinco anos para ter a própria TV.

    Porém, quando a conseguiu, ele não sabia bem o que fazer com ela. O problema, conforme Lucas recordou, era que não havia muito a que assistir na televisão.⁷² Ainda assim, o Modesto Bee fazia questão de informar as programações televisivas todos os dias, listando o que era exibido em canais como o KJEO, de Fresno, e o KOVR, de Sacramento, que tinham sinais fracos demais para que fossem bem sintonizados em Modesto. Era necessário ter paciência e um pouco de destreza para sintonizar os poucos canais com sinais mais fortes — principalmente o KRON, de São Francisco, e o KTVU, de Stockton —, mas, quando Lucas conseguia sintonizá-los, não queria mais desligar. Nunca mais.

    Assim como gerações de outras crianças, Lucas acordava nas manhãs de sábado para assistir aos desenhos, sentado de pernas cruzadas na frente da TV com seu gato.⁷³ A TV podia ficar ligada o dia inteiro, exibindo programas de jogos e telejornais, jogos de beisebol e comédias — e George Sr. tivera o cuidado de instalá-la em um suporte giratório, para que a família pudesse virá-la na direção da sala de jantar e assistir durante as refeições. À noite, era sintonizada em programas mais sérios, como o drama de tribunal Perry Mason, ou em faroestes, como Have Gun, Will Travel, que Lucas nunca perdia.⁷⁴

    Porém, os programas de TV de que Lucas se lembra com mais carinho eram aqueles blocos de meia hora de programação local nos finais de tarde e inícios de noite que as emissoras, em busca de conteúdo, simplesmente preenchiam com episódios de filmes antigos em série.⁷⁵ Havia faroestes e aventuras na selva, policiais comuns e da polícia montada canadense, espiões e óperas espaciais, todos em episódios de meia hora feitos praticamente para a televisão — e que terminavam em ganchos, garantindo que os telespectadores sintonizariam na tarde seguinte. Filmes em série eram os eventos mais importantes, disse Lucas. Eu adorava principalmente os seriados de Flash Gordon.⁷⁶

    Produzido pela Universal, na década de 1930, os três seriados de Flash Gordon — baseados na famosa tira de Alex Raymond — foram produzidos em pouquíssimo tempo e a um custo baixo, com acessórios, cenários e figurinos emprestados de outros filmes de terror e ficção científica da Universal. E eram ficções no sentido mais puro e simples da palavra, absurdas e exageradas, mas sinceras, onde Flash enfrentava Ming, o Impiedoso, e acabava salvando a galáxia. Se eu parar para pensar no que realmente gostava quando era criança, eu diria que eram aqueles seriados, aquele jeito bizarro de encarar as coisas, disse Lucas. Acho que nunca deixei de gostar deles. Aqueles seriados serão sempre algo de que me lembrarei, apesar de serem terríveis de um ponto de vista técnico.⁷⁷

    Lucas fez parte da primeira geração criada na frente da televisão — um fenômeno da cultura popular que mudaria para sempre a maneira como o público se relacionava e respondia ao seu entretenimento. Programas de TV eram rápidos, convenientes e descartáveis, disponíveis ao clique de um botão e um giro do seletor. Com blocos de apenas meia ou uma hora para contar uma história — e com comerciais interrompendo a narrativa —, os enredos televisivos precisavam avançar depressa, impelindo a história adiante, geralmente à custa do desenvolvimento dos personagens. Prender a atenção do público não era fácil e, caso houvesse longos períodos sem ação, os telespectadores girariam o seletor da TV para mudar de canal, à procura de algo melhor. À medida que a televisão ficava mais barulhenta e rápida, algumas sutilezas tornavam-se antiquadas ou, no mínimo, desafiadoras. Isso mudaria fundamentalmente a maneira como Lucas — e outros cineastas de sua geração — contaria histórias com uma câmera cinematográfica.

    Além disso, pela primeira vez não era necessário ir ao cinema para ver filmes; George podia vê-los em sua própria sala de estar, girando a TV para a sala de jantar quando necessário, para garantir que não perderia um só momento. Lucas lembrava-se de assistir a uma série inteira de faroestes na televisão, filmes de John Wayne, dirigidos por John Ford, antes que eu soubesse quem era John Ford, acrescentando: Acho que eles tiveram muita influência no modo como passei a gostar de filmes.⁷⁸

    Quanto a ir ao cinema assistir a filmes… bem, Lucas raramente fazia isso. "Tínhamos alguns cinemas em Modesto. Eles exibiam A bolha assassina e Lawrence da Arábia e coisas assim."⁷⁹ Mas esses filmes não o impressionavam. Mesmo na adolescência, Lucas estava mais interessado no que estava acontecendo dentro do cinema do que na tela. Eu ia ao cinema principalmente… para ir atrás de garotas, admitiu ele.⁸⁰ Embora se lembrasse de assistir a alguns filmes memoráveis na TV ou nos cinemas de Modesto — O planeta proibido, Metrópolis, A ponte do rio Kwai —, no geral filmes eram simplesmente uma distração agradável, e não uma inspiração.

    O jovem Lucas pode ter sido ambivalente em se tratando de filmes, mas havia um entretenimento, um lugar, na verdade, pelo qual ele era muito encantado. Eu adorava a Disneylândia, confessou — tal como, aparentemente, o pai, que levou a família inteira de avião até o sul da Califórnia para estarem lá na abertura do parque, em julho de 1955.⁸¹ Os Lucas ficaram em Anaheim durante uma semana, hospedados no Disneyland Hotel, e visitaram o parque diariamente — algo que se tornaria uma tradição corriqueira. Com suas locações e brinquedos temáticos e imersivos, de imediato o lugar causou forte impressão em George, então com 11 anos. Eu passeava pelo parque. Visitava as atrações e os carros de choque, os navios a vapor, os estandes de tiro, os passeios na selva. Eu estava no paraíso.⁸²

    Na década de 1950, a Disneylândia era muito diferente do parque focado em montanhas-russas e atrações emocionantes que é hoje, mas ninguém, naquela época ou atualmente, projetava atrações como os famosos Imagenheiros da Disney. Um dos brinquedos mais engenhosos era o Foguete para a Lua, que atraía visitantes com a promessa de uma viagem virtual de ida e volta até o satélite. A parte mecânica era simples, mas convincente: os passageiros sentavam-se em um pequeno teatro redondo com janelas enormes — que, na verdade, eram telas de vídeo — instaladas no chão e no teto, passando a sensação de que viam o céu aberto e a lua através da janela no alto e a Terra cada vez menor através da janela abaixo enquanto voavam pelo espaço. Décadas mais tarde, quando Lucas teria a oportunidade de desenvolver uma atração com o tema de Star Wars para os parques Disney, usaria uma configuração semelhante à do Foguete para a Lua: telas de vídeo que funcionam como janelas em uma espaçonave, onde, então, as imagens eram sincronizadas com a melhor tecnologia de movimentos para transmitir aos passageiros uma experiência de viagem espacial ainda mais convincente e fascinante. Contudo, por ora, o foguete de Disney era emocionante o suficiente — e, ao voltar para Modesto, o garoto que odiava escrever pôs mãos à obra para relatar, empolgado, suas aventuras na Disneylândia para um novo jornal local.

    O jornal era o Daily Bugle, e foi um dos que Lucas ajudou a fundar naquele verão, com um amigo de 10 anos, Melvin Cellini. Após assistir a um programa de TV em que vários personagens tentavam bolar um nome para um jornal, Cellini inspirou-se a criar o próprio jornal e procurou Lucas para que fosse um colaborador. A primeira edição, que Lucas e Cellini distribuíram de graça na Muir Elementary School, em 4 de agosto, anunciava a si mesma com uma manchete grande que dizia: MELVIN CELLINI FUNDA JORNAL, NOMEIA GEORGE LUCAS COMO PRINCIPAL REPÓRTER.⁸³

    Os garotos tinham entusiasmo, mas produzir um jornal diário — inclusive imprimindo cem exemplares de cada edição — era algo muito trabalhoso. O jornal será distribuído de segunda a sexta, anunciaram. Mas nesta sexta-feira não será publicado porque a prensa quebrou. Lucas, cujos instintos de faça você mesmo já estavam dando as caras, convenceu depressa o pai a deixá-los usar as prensas na L.M. Morris para o Bugle, com a promessa de que quaisquer despesas seriam reembolsadas. Porém, o efeito da novidade desapareceu em menos de uma semana. "O Daily Bugle está encerrando suas operações, relataram os meninos aos leitores. O Weekly Bugle será publicado somente às quartas-feiras. Com as mesmas notícias. E, conforme enfatizaram, eles não estavam contratando. Não precisamos de repórteres, impressores ou jornaleiros. Não fazemos assinaturas."⁸⁴

    Apesar das dificuldades, um jornal publicado por crianças era novidade o bastante para aparecer nas páginas do Modesto Bee, inclusive com uma foto de George e Cellini posando, curvados, sobre uma edição do Weekly Bugle enquanto conversavam. Lucas, com o corte escovinha e vestindo uma camisa descolada com estampas tropicais, já sabia o que era preciso para vender sua imagem como repórter principal do Bugle e colocara um lápis recém-apontado atrás da orelha direita.⁸⁵

    O Bugle logo fechou as portas — mas, embora Cellini tivesse ficado desapontado com a perda de receita que previra com a venda de cerca de duzentos exemplares por semana a 1 centavo por edição, Lucas não se incomodou. Ele não participara da empreitada pelo dinheiro, declarara ao Bee. Tudo o que ganhasse com o Bugle ele planejava devolver ao jornal, pagando a quaisquer entregadores que tivessem e reembolsando a L.M. Morris pelos custos de papel, tinta e estênceis.⁸⁶ Embora Lucas talvez não tivesse percebido ou apreciado, seu pai — e o Tio Patinhas — lhe ensinara bem: pense diferente, acredite em si mesmo e, quando puder, invista em si mesmo. Mas pague as suas dívidas.

    Lucas demonstrou discernimento comercial semelhante para administrar sua mesada. Debaixo do teto do pai, o dinheiro tinha de ser merecido, e George Jr. e suas irmãs deviam executar algumas tarefas em troca de suas mesadas. A principal tarefa semanal de George Jr. era cortar a grama com um gigantesco cortador rotatório manual, algo com o que ele tinha dificuldade e logo passou a temer. A coisa mais frustrante é que era uma grama difícil de cortar e eu era um garotinho.⁸⁷ Ele acabaria juntando dinheiro suficiente cortando grama e, com um pequeno empréstimo da mãe, Lucas conseguiu comprar um cortador movido a gasolina, que tornou a tarefa muito mais fácil. Lucas havia descoberto aquilo de que precisava para resolver um problema e, então, usou seu dinheiro para resolvê-lo. Invista em si mesmo. Seu pai ficou impressionado, ainda que a contragosto.

    Porém, por mais bem-intencionado que George Sr. pudesse ser, distribuindo mesadas com sermões sobre frugalidade e trabalho duro, ele e seu filho jamais chegariam a estimar um ao outro de fato. Ele nunca me ouvia. Era o queridinho da mãe, disse George Sr. sobre seu único filho homem. Se ele queria uma câmera, ou isso ou aquilo, conseguia. Era difícil entendê-lo.⁸⁸ Quanto mais tentava transmitir seus valores metodistas de velha guarda ao filho, mais seu filho se rebelava ou o frustrava. Ele era um tipo de homem conservador que se fez pelo próprio esforço, disse Lucas posteriormente sobre o pai, com vários preconceitos extremamente irritantes.⁸⁹

    Para o pai, as tensões com o filho devem ter sido particularmente frustrantes — sobretudo porque a empresa que ele esperava lhe passar estava prosperando. Na verdade, em 1956, o negócio estava a todo vapor. Naquele ano, George Sr. transferiu a L. M. Morris para um novo local, no número 1.107 da I Street — a primeira mudança de endereço da empresa em cinco décadas — e abriu a Lucas Company, o único fornecedor das novas copiadoras em toda a região. Com o crescimento da empresa, George Sr. também foi à procura de um novo endereço residencial com um refinamento mais adequado. A casa na Ramona Avenue foi vendida, e os Lucas mudaram-se para um imóvel térreo grande com piscina, cercado por 13 acres de nogueiras, no número 821 da Sylvan Road. O novo lar dos Lucas ficava a apenas 8 quilômetros da Ramona Avenue — mas a quilômetros de Modesto, e, para George, poderia muito bem ficar em outro planeta.

    Lucas ficou muito irritado com a mudança, como disse mais tarde. Eu era muito apegado àquela casa [na Ramona Avenue].⁹⁰ Isso abalou seu humor. Ele começou a mudar, recordou John Plummer. Começou a prestar mais atenção a discos. Estava se tornando mais introspectivo. Ele começou a se tornar um pouco baderneiro… a seguir alguns dos garotos de má influência. Lucas ficou indignado com essa sugestão em particular. "Eu andava com todas as turmas, disse ele. Eu era pequeno e engraçado. Era fácil de se dar comigo. Eu fazia amigos com bastante facilidade."⁹¹ Ou era o que ele pensava. Entretanto, a verdade era que Lucas, como milhões de adolescentes, havia descoberto o rock’n’roll.

    Lucas tivera aulas de música em uma ampla gama de instrumentos e, apesar de não ter dado continuidade a nenhum deles, adorava música. Quando era criança, gostava das marchas de John Philip Sousa, percebendo, de forma intuitiva, a importância dos temas, e adorando o modo como uma boa marcha alta podia fazer o coração bater mais forte. Porém, sua vida mudou em setembro de 1956, quando Elvis Presley rebolou e rosnou durante quatro músicas no Ed Sullivan Show. Quando Elvis apresentou-se em São Francisco, em outubro de 1957, Lucas estava lá.⁹² Para ele, o rock — e Elvis — havia chegado para ficar. Todos os dias depois da escola, Lucas se fechava em seu novo quarto na Sylvan, lia os quadrinhos que adorava, comia barras Hershey e bebia Coca-Cola, enquanto sua pequena vitrola tocava rock and roll. No decorrer da década seguinte, juntaria uma coleção gigantesca de discos de rock.⁹³

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