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Quando ela desaparecer
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E-book332 páginas4 horas

Quando ela desaparecer

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Sobre este e-book

"QUAL A ARMA MAIS LETAL DO MUNDO? OS SEGREDOS DAS PESSOAS." Do autor de O CASAMENTO e COLEGA DE QUARTO Uma garota de dezesseis anos desaparece durante uma excursão escolar. Mas não se trata de qualquer garota. Dois anos atrás, ela esteve à beira da morte, e quando foi encontrada, ninguém acreditou que sobreviveria. Agora, há dois meses desaparecida, não restam dúvidas de que esteja morta. Rastros de sangue e um colar arrancado são as únicas pistas. Pressionados, os policiais estão desesperados por respostas, mas ninguém na longa lista de suspeitos parece ter forte motivação para cometer um crime. Até que o caso vira de cabeça para baixo e segredos muito bem enterrados emergem para revelar o lado cruel de um lugar aparentemente tranquilo. No meio de tantos possíveis culpados, os inocentes é que estão mais aflitos… porque alguns deles começaram a morrer. Bonini cria uma história empolgante sobre uma garota misteriosa, os segredos que cerca seu desaparecimento e uma jornalista procurando respostas. De ritmo acelerado e impossível de largar! Charlie Donlea, autor de A Garota do Lago, Deixada para trás e Não confie em ninguém Um livro rápido, furioso, repleto de reviravoltas e surpresas que farão você se perguntar: "o que foi isso que acabou de acontecer?". Quando Ela Desaparecer é um um thriller viciante e um retrato de uma jovem misteriosa - uma jovem bem mais complicada do que qualquer um imaginaria. Fãs de suspenses inteligentes e com personagens marcantes vão comemorar." AJ FINN, autor do best-seller mundial A Mulher Na Janela.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de mar. de 2023
ISBN9786586041927
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    Quando ela desaparecer - Victor Bonini

    Capa

    quando ela desaparecer

    Mapa do Parque Cecap

    victor bonini

    Quando

    ela desaparecer

    Logo da Faro Editora

    copyright © faro editorial,

    2019

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer

    meios existentes sem autorização por escrito do editor.

    Diretor editorial pedro almeida

    Preparação luiza del monaco

    Revisão barbara parente

    Capa e projeto gráfico osmane garcia filho

    Imagem de capa elisabeth mochner | trevillion images

    Imagens de miolo depositphotos

    Produção digital celeste matos | saavedra edicoes

    Logo da Faro Editora

    Sumário

    Capa

    Primeiras palavras

    PARTE I

    PARTE II

    PARTE III

    PARTE IV

    Primeiras palavras

    Dedico este livro a quatro pessoas.

    Primeiro, a Conrado Bardelli. Sem ele, este livro-reportagem não existiria.

    Também ao doutor Charlie Vosperatto, delegado titular da Seccional de Guarulhos, de quem recebi tantas informações sobre um dos inquéritos policiais mais comentados do estado de São Paulo nos últimos anos.

    E a meus pais, por formarem quem eu sou. Como eles se esforçaram para isso...

    Especialmente meu pai. Ele era do tipo que educava os filhos não apenas por obrigação, mas porque nos via como possíveis grandes pessoas, com os olhos de um artista que se entusiasma com a tela conforme ela vai ganhando formas, cores e se concretizando como uma obra-prima.

    Entre tantas frases e ensinamentos, ele costumava dizer que as pessoas só se unem na desgraça. Não me entenda mal: ele nunca foi rabugento. Pelo contrário, era um homem otimista que preferia explorar o ouro de cada um. Foi muito querido, como confirmei entrevistando quem o conheceu. E sábio. Talvez tenha sido esse seu maior pecado — querer pressentir demais, esperar o melhor dos outros, manipular informações achando que tudo no mundo se desdobraria da forma como ele imaginava na sua cabeça extremamente lógica.

    Sábios sobrevivem ao tempo. Mas são caçados enquanto vivos.

    Incrível pensar na coincidência agora. As pessoas só se unem na desgraça. Todos nós, moradores de Guarulhos, sentimos o ditado na pele, especialmente os que moravam no Parque Cecap. É um bairro com toda a cara de cidade do interior, com moradores que nasceram aqui, vão passar a vida toda aqui e se consideram mais cecapianos do que guarulhenses. Viver aquilo foi muito intenso. Sofremos juntos. Torcemos juntos. Queríamos ao menos o corpo da Kika — a nossa Laura Palmer, a desaparecida da série Twin Peaks —, um corpo, com sorte, para que a mãe pudesse organizar o velório e dizer: Adeus.

    Foi então que a desgraça não só nos uniu, como espalhou o pânico. E eu, filha do sábio, fui castigada por extensão.

    Talvez você se lembre desse caso por causa das notícias de sete anos atrás. Eu era a garota que, na volta da escola, teve a traumática experiência de encontrar o corpo no meio do mato. Primeiro, eu só sabia pensar nas meias molhadas dela e no ovo de chocolate quebrado. Uma garota de dezesseis anos se transforma quando vê o rosto desfigurado de uma colega morta. Mas dane-se eu. Quando os policiais chegaram, eu não pensava em mim. Não pensava em trauma, não pensava nas noites que se seguiriam com aquele rosto ensanguentado me observando ao pé da cama. Naquela hora, eu só conseguia repetir: Meu Deus, tem um maníaco matando meninas no Cecap.

    Este livro-reportagem é uma homenagem e um atentado contra as fake news do caso Kika. Elas rondam a internet ainda hoje. Não à toa. Naqueles dias, foi tudo muito confuso, com informações sobrepostas umas às outras, como se assistíssemos a uma peça com cenas fora de ordem. É isso o que você vai sentir nestas páginas, leitor. A começar pela forma como cada um dos fatos foi sendo noticiado pelos meios de comunicação.

    Só peço que, ao longo da história, você não se incomode se eu começar a falar muito do meu ponto de vista ou deixar meus julgamentos poluírem suas opiniões. Sei que uma jornalista deveria preservar certa distância dos fatos para manter a isenção. Mas, em algumas partes, não consegui evitar. Me envolvi demais. Tenho meus motivos.

    Sarah

    PARTE I

    OS FATOS DETERMINANTES

    O silêncio dos mortos diz: Adeus. O silêncio dos desaparecidos diz: Encontrem-me.— Gone, Baby, Gone, Dennis Lehane

    EMBORA

    Oito pessoas desaparecem por hora no Brasil. Este livro-reportagem é sobre uma dessas pessoas.

    Entre 2007 e 2016, mais de 693 mil cumpriam suas rotinas e, de uma hora para a outra, sumiram.* Esse número deve ser ainda maior, uma vez que vários casos sequer são registrados.

    Só do que se tem notícia foram 24 mil no estado de São Paulo entre 2013 e 2014.** Quase metade desses desaparecidos são crianças e jovens com idades entre zero e vinte anos. No caso das mulheres, a grande maioria se vai quando a vítima tem de catorze a dezessete anos.

    Experimente ir à delegacia de uma grande cidade e perguntar sobre as investigações de desaparecidos. Você provavelmente verá pilhas e pilhas de inquéritos em aberto e policiais exaustos por não terem estrutura nem efetivo suficientes para tantas ocorrências.

    Algumas delas são de pessoas que fogem por conta própria e acabam reaparecendo quando bem entendem. Os motivos mais comuns são brigas, adultério, viagens e estresse. Quando voltam, vários ressurgidos sequer notificam a polícia, e resolvem dar satisfação apenas quando seus documentos são cancelados.

    Mas há outra parcela expressiva que nunca mais retorna. Pode ser porque a vítima tenha sofrido algum acidente ou doença. Pode ser que tenha sido forçada a se afastar. Nesse item, se enquadram o sequestro e o assassinato. Às famílias, resta procurar, colaborar com a polícia e esperar.

    Esperar. É a tortura de qualquer parente nessa situação. Muitas vezes, esperam para sempre. Seus amados foram embora e nunca mais voltarão.


    * Os dados foram compilados em 2017, num estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pedido do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

    ** Perfil de pessoas desaparecidas no estado de São Paulo. Fernando Poliano, Rafael Stern, Julio Trecenti, Eliana Vendramini, 16 de março de 2016.

    MISS

    22/11/2009

    Centro Cultural Adamastor

    O nome de Francisca Silveira do Carmo — ou Kika, como sempre foi conhecida — viraria manchete nas páginas policiais em duas ocasiões, uma em 2010 e outra em 2012. Mas, antes disso, ela foi destaque no caderno Cotidiano do jornal Sentinela de Guarulhos. Matéria do dia 23 de novembro de 2009:

    GAROTA DO CECAP É ESCOLHIDA MISS GUARULHOS JUVENIL

    A premiação tinha sido na noite anterior no teatro do Centro Cultural Adamastor. Na hora de anunciar a vencedora, as cinco finalistas se abraçaram, Kika uma delas. A plateia já tinha um bom palpite. Kika era a mais bonita. Kika era a mais confiante. Não foi surpresa quando seu nome ecoou pelas caixas de som. As outras quatro garotas soltaram os braços, engoliram doído. Pareceram sofrer uma dupla derrota. Kika chorou enquanto vestia a faixa e ajeitava a coroa. Com o microfone nas mãos, disse que recebia o prêmio em nome das amigas finalistas.

    Nenhuma delas quis ficar no palco para presenciar esse momento.

    A vencedora dedicou o título à mãe e a Laíssa Pontes, uma garota com síndrome de Down que, embora eliminada na primeira fase, havia conquistado a simpatia dos guarulhenses por seus incessantes sorrisos e pela força de vontade. Kika convidou Laíssa para subir ao palco e vestir a faixa. Queria Laíssa nas fotos também. Deu-lhe um abraço apertado, chorou com ela em meio às risadas espontâneas. O público aplaudiu de pé.

    Inês Santana, uma das organizadoras do evento, fez um sinal de positivo para Kika na lateral do palco. Inês já tinha sido Miss; sabia que tipo de gesto pegava bem.

    Kika pediu licença e deu espaço para Laíssa ter seu momento de fama.

    Então olhou para a plateia e encontrou alguém com o olhar. Abriu um sorriso ainda maior e piscou para essa pessoa, o sorriso de quem compartilha uma piada interna. A mãe achou que tivesse sido para ela, mas viu que estava enganada. Era para alguém que estava algumas fileiras atrás. Um rapaz, talvez? A mãe procurou, procurou, mas não conseguiu identificar o garoto sortudo naquela multidão eufórica.

    Quando olhou de volta para Kika, viu que a filha tinha perdido o sorriso. Os lábios murchos não combinavam com a pose de quem acabara de ser coroado. A expressão parecia de... seria susto mesmo?

    Atrás das cortinas, minutos depois, Inês aproveitou os poucos segundos sozinha com Kika para lhe dizer que a vitória era merecida e que a atitude de dar espaço a Laíssa tinha sido muito nobre.

    — Agora, só presta atenção no entorno, tá? Eu já estive no seu lugar antes. Tanta coisa boa assim sempre atrai negatividade.

    O sorriso de Kika quebrou. Ela pareceu uma garotinha.

    — Mas eu não tenho culpa se as outras têm inveja. Eu lutei pela faixa.

    — Eu sei. Eu não tô falando isso por causa delas. Eu tô falando por você, Kika. Eu tenho medo de que alguém possa te machucar.

    ADEUS

    20/05/2012

    Casa na Vila Barros

    Dois anos e meio depois. Domingo, 20 de maio de 2012, por volta das 15h30.

    O sargento Nestor Moreira daria várias entrevistas ao longo da semana seguinte e apelidaria aquele sobrado na Vila Barros de A Casa dos Horrores. Por vários motivos: os gritos ouvidos pela vizinhança, o vaso em pedaços, a mão manchada de sangue na parede, o depósito dos fundos na mais densa escuridão... E a cena que o esperava do outro lado da porta envernizada no andar de cima.

    Na hora de passar por ela, o sargento Moreira se lembra apenas de ter deixado a pistola calibre 0.40 cair de seus dedos amolecidos. Pela segunda vez naquela tarde, pensou: Este é o dia mais importante da minha carreira. E olha que ele já tinha cumprido mais de trinta anos na Polícia Militar. Um profissional experiente acaba desenvolvendo uma régua própria para medir a gravidade de cada ocorrência. Aquela atingia o grau máximo na escala. O desenrolar seria imprevisível.

    Esse foi o dia em que o destino de Kika foi selado. O dia em que o aviso de Inês Santana mais fez sentido.

    E pensar que toda essa sucessão de surpresas, combustão do caso que ganhou o título de maior mistério do ano no estado de São Paulo, começou de maneira tão pequena: com uma reclamação de barulho para o 190.

    ENCONTREM-ME

    16/03/2012

    Moinho do Café

    Dois meses antes.

    No ano de 2012, mais de 88 mil pessoas desapareceram em todo o Brasil. Entre tantos esquecidos, o caso de Kika ganhou destaque midiático. A vítima, afinal, tinha perfil ideal para estrelar manchetes: jovem, branca, mulher e perseguida.

    Francisca Silveira do Carmo, ou Kika, desapareceu no dia 16 de março de 2012, sexta-feira, duas semanas depois de completar dezesseis anos. Foi durante uma excursão do colégio particular onde estudava, o Álvares de Azevedo, de Guarulhos. Uma das tradições da escola era levar alunos do segundo ano do ensino médio a um sítio localizado no limite entre Mogi das Cruzes e Itaquaquecetuba para verem na natureza o que tinham aprendido nas aulas. O terreno é enorme, com verde a se perder de vista. O nome ainda é o mesmo dado no batismo nos anos 1940: Moinho do Café. A diferença é que de vinte anos para cá o plantio do café deu lugar à cultura de vegetais e temperos exóticos, vendidos a restaurantes da região metropolitana.

    O dono, em 2012, era Lúcio Pineda, um agricultor sem qualquer proximidade com jovens. Mas como velho conhecido do diretor da escola e veterano naquela tradição, sabia exatamente o que mostrar aos estudantes: as estufas com plantas raras, os estábulos, os campos onde as vacas e os porcos andavam livremente, o pomar florido com seus insetos — e onde os estudantes podiam criar suas próprias armadilhas para capturar espécies — e, como gran finale, um extenso lago nos fundos do sítio habitado por peixes de todos os tamanhos, rãs, capivaras, garças e quero-queros. Pescar era permitido.

    Mas os alunos não queriam saber de pesca. Pareciam gostar mais da flora que da fauna naquele sítio. Nos trinta minutos de intervalo que tinham, aproveitavam para se embrenhar na mata fechada ao redor do lago e ficar longe dos olhos dos professores. Os namorados não perdiam um minuto.

    Kika falou em conhecer a mata. Uma das alunas — Elaine Campos, uma garota de óculos e traços finos que depois prestou depoimento à polícia e afirmou ser a amiga mais próxima de Kika — disse que suspeitou de suas intenções.

    — Ela não falou direito comigo, só perguntou de costas se eu queria ir junto. Só que, tipo, ela não parecia muito... Parecia que tava falando por falar, sabe? — Ela fez aspas com as mãos em seu depoimento ao delegado Lauro Jahib, do Setor de Homicídios da Delegacia Seccional de Guarulhos.

    — Como assim?

    — Eu tenho certeza de que a Kika só me chamou pra ir andar com ela pra me dizer que ela tava indo andar. Mas queria que eu ficasse.

    — Por que ela faria isso?

    Elaine mordeu um pedaço da unha enquanto pensava.

    — Ela meio que sempre faz isso. É um jeito de chamar atenção quando ela vai encontrar um cara e, tipo, quer que eu fique sabendo. Talvez até pra me deixar com ciúme.

    — Tem certeza?

    — Sério, eu conheço a Kika.

    — Você parece meio ressentida...

    — Ressentida? Nossa, não. Juro. É só que eu me acostumei com isso. A Kika era assim.

    — Era?

    — É assim. — Elaine bateu na boca e fechou os olhos, perdida num amargo constrangimento ao lado da mãe, que acompanhava o depoimento. — Desculpa, não sei por que eu falei isso, eu...

    — Tudo bem. — O delegado fez uma anotação no caderno sem que percebessem. — Mas por que a Kika faria isso?

    — Oi?

    — Isso de te chamar pra ir só pra te deixar com ciúme. Ela por acaso foi encontrar com alguém que você... bom, algum menino que vocês duas já...?

    Elaine fez cara de quem já tinha entendido a pergunta.

    — Não, não, não. A gente não tem... os mesmos interesses.

    — Meninos diferentes?

    — Digamos.

    — Digamos como? A Kika gosta de que perfil? São vários, pelo que ouvi.

    — Ah, o senhor ouviu? Então deve saber dos caras com quem ela já ficou.

    — Eu pedi uma lista pro diretor, mas eu ainda não entendi a questão do ciúme. Algum... pretendente seu tava na mata também?

    — Não, eu já disse, não é nada disso. Ela me chamou pra ir só pra conseguir atenção.

    — Atenção a troco de quê?

    A mãe de Elaine, Felícia Campos, se intrometeu pela primeira vez:

    — Doutor, não é melhor deixar isso pra depois? Ou baixar um pouco o tom? A minha filha...

    — Deixa, mãe — Elaine falou, por uma parte envergonhada pelo pedido de Felícia, por outra grata por saber que havia alguém de confiança a seu lado em um ambiente tão hostil quanto aquela delegacia. — A Kika fez tudo aquilo porque, falando bem sério, ela é total attention whore.

    — Total o quê?

    — Olha, eu só sou a mais ligada à Kika porque, na real, ela não tem ninguém próximo dela. Tipo, uma amiga de verdade. Se ela fica rodeada é sempre por meninos.

    — Isso porque ela é, não sei, arrogante?

    — Não. Talvez. Não acho que seja bem isso. Ela é arrogante às vezes, mas eu acho que você não tá entendendo muito bem qual é o motivo e qual é a consequência.

    O diretor da escola bem que tinha dito ao delegado que Elaine era uma de suas alunas mais inteligentes. Ela se perdia nos próprios raciocínios enquanto tentava montar um retrato de Kika.

    — O que eu quero dizer é que ela é uma menina mega de boa. Só que, tipo, ela é linda, linda, linda. E aí você sabe como são as meninas...

    — Inveja?

    — Devem ter te contado sobre a vez em que a Kika...

    — Já ouvi, sim.

    — Então. Aquilo foi... Se você olhar bem, do jeito que foi... — Ela foi caindo no silêncio, a boca aberta para falar, mas as palavras se recusando a sair do jeito que a dona queria.

    — Eu entendo. Aquilo foi pura maldade.

    — Você entende mesmo? — Elaine mordeu o lábio, em dúvida.

    — Isso é filme da Sessão da Tarde, todo mundo já viu. A Kika chama dez vezes mais atenção do que todas as outras. Aí ferrou. Nessa de empoderamento, tem mulher que não quer saber de companheirismo. É batalha por beleza e por curtidas.

    Elaine respirou fundo. Obviamente não concordava.

    — Você tem que acreditar que aquilo que aconteceu há dois anos foi porque todas as meninas odeiam a Kika por um motivo maior, que nem elas sabem explicar. Elas nem olham pra cara da Kika. Nunca olharam. Ou se olham é pra tirar um puta sarro ou xingar ela de, sei lá, biscate.

    — Filha.

    — Mas é verdade, mãe. No fundo, ela é uma coitada. Acho que a reação natural dela a esse ódio todo foi virar uma menina pedante, egoísta, que precisa de atenção. Uma menina que, às vezes, chega a ser insuportável.

    — E você ainda diz que é amiga dela?

    — Eu disse que às vezes ela chega a ser insuportável. Ela é uma pessoa legal. A culpa não é dela... Eu entendo ela.

    — Então você acha que ela só te chamou pra ir andar porque queria dar a entender que ia pra mata encontrar algum menino. Um menino que você não sabe quem é. É isso?

    — Colocando assim pode parecer bizarro. Mas nossa, é isso. Ela deu a entender que aquele passeio na mata era insignificante porque queria dizer exatamente o contrário.

    Elaine viu Kika entrar desacompanhada na mata durante o intervalo. A partir daí, não soube mais da garota.

    Meia hora depois, o diretor e o professor de biologia encerraram o intervalo e chamaram os alunos para fazer uma fila. Era o fim do passeio. Mas no momento de contar os nomes, perceberam que faltava um. Quem? Demorou até que dessem pela ausência dela, talvez porque Kika não tinha amigos que sentissem sua falta.

    — Não é possível que ninguém viu a Kika — foi o que disse o diretor Sandro Meireles quando caíram na realidade; quando a leveza do passeio começou a se esvair e as pessoas perceberam que alguma coisa séria poderia ter acontecido. Sob a vista do grupo todo, Sandro tinha dado voltas naquela imensidão verde esperando avistar a silhueta da garota perdida no horizonte do fim da tarde. Em seguida, tinha convocado os próprios alunos a ajudar, pedindo até que se arriscassem nas margens do matagal. Lúcio, dono do sítio, voltou dizendo que não havia sinal da garota no estábulo, na estufa nem no pomar.

    Passou-se uma hora. O professor de biologia insistiu em ligar para a polícia.

    — Sandrão, não é nem pra avisar que é emergência. Não é isso. É mais porque eles são experts nesse trabalho, e em maior número. A gente encontra a menina rapidinho com a ajuda deles — foram as palavras do professor Celso Bottura, como registrado em depoimento à polícia.

    Mas Celso estava errado. Não encontraram a menina.

    Os alunos voltaram para a escola e foram recebidos por pais ansiosos. Queriam saber por que o ônibus tinha demorado tanto. A única que teve um palpite foi, justamente, a mãe que não viu a filha descer do ônibus. Maria João aproximou seu metro e

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