Confissões de um pregador
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Sobre este e-book
Como elemento central no culto cristão, a pregação da Palavra exige vocação, talento, dedicação e joelhos no chão. Augustus compartilha seu rico aprendizado em abordagem prática sobre diversas questões que, indevidamente tratadas, podem minar uma pregação eficaz, com consequências danosas para o pregador e os ouvintes.
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Confissões de um pregador - Augustus Nicodemus
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A prioridade da pregação
Quero começar este livro falando sobre minha convicção básica na área de pregação: ela é a prioridade no culto. Com isso, não estou minimizando o valor da oração, dos cânticos ou dos sacramentos, mas apenas confessando o pressuposto de que, dentre os demais elementos do culto cristão, a pregação da Palavra de Deus deveria receber a primazia. Embora o Espírito Santo use todos os elementos do culto para nossa edificação, acredito que é pela pregação que Deus fala mais direta e claramente conosco quando estamos reunidos com seu povo para adorá-lo publicamente. Embora esse ponto me pareça claro, estou a par das controvérsias que o cercam, algumas das quais veremos em seguida.
O culto cristão
Ao longo de sua história, a igreja cristã vem se debatendo com disputas, discussões e discordâncias quanto a alguns importantes aspectos relacionados com o serviço divino. A organização versus a liberdade na liturgia constitui um exemplo. Até que ponto podemos organizar e estruturar a ordem ou a sequência dos atos de culto sem coibir a espontaneidade dos participantes? Ou, mais grave, até que ponto a própria ideia de preparar uma liturgia antecipadamente já não representa uma limitação à liberdade do Espírito de Deus em dirigir o culto como ele deseja?
Igrejas, movimentos e grupos dentro do cristianismo têm assumido, às vezes, lados radicalmente opostos nessa questão. De um lado, temos liturgias elaboradas minuciosamente e realizadas por ministros paramentados de acordo com o calendário eclesiástico e as estações do ano, as quais exigem formalidade, seriedade e reverência. De outro, temos cultos sem nenhuma ordem ou sequência preestabelecidas, em que as coisas acontecem ao sabor da inspiração momentânea do dirigente, supostamente sob a orientação do Espírito de Deus. Já presenciei cultos representativos de ambas as visões. Felizmente, onde predomina o bom senso e o desejo de seguir os princípios bíblicos para o culto a Deus, adota-se uma liturgia que busca usar o que há de melhor dos dois esquemas, unindo seriedade reverente a liberdade exultante. Esse é o modelo que, pessoalmente, entendo ser o melhor.
Outro exemplo é a tensão existente entre ofício e participação. Quem deve dirigir o culto a Deus? Quem pode participar ativamente na liturgia? Apenas os que foram ordenados para isso, isto é, pastores e presbíteros? Ou qualquer membro da comunidade? Ao longo da história, essas questões têm recebido variadas respostas por parte de diferentes grupos. Encontramos igrejas cujo entendimento reside no fato de que apenas os que foram treinados adequadamente e posteriormente autorizados (ordenados) pela igreja podem liderar o serviço divino. Outros grupos, como os quacres do passado e alguns movimentos quietistas modernos, rejeitam a própria ideia de ofício e dispensam qualquer ordem ou liderança no culto público. E há ainda igrejas evangélicas brasileiras que apresentam variações desses extremos.
Entendo como caminho correto a manutenção no culto de uma liderança claramente bíblica de presbíteros e pastores, e ao mesmo tempo a busca, entre os não ordenados, daqueles que possuem dons públicos e se mostrem capazes, após treinamento adequado, de participar ativamente da liturgia.
Outra tensão: formalismo versus simplicidade. Relacionada com esta vem a tensão entre solenidade e alegria. Esses extremos na verdade não se excluem. Todos fazem parte do culto bíblico, muito embora em sua história a igreja cristã tenha por vezes enfatizado uma coisa em detrimento de outra. Como sempre, a busca pelo equilíbrio bíblico deve marcar a liturgia das igrejas evangélicas.
Mas existe ainda outra tensão, talvez em um nível mais profundo, que representa um sério desafio para a liturgia da igreja e que nos aproxima do tema deste livro. Refiro-me à tensão mente versus emoção. Ou, mais exatamente, qual o lugar da mente no culto? Pode-se cultivar o entendimento e o crescimento intelectual sem perder de vista o papel do coração no culto? Um culto só é realmente espiritual se a mente for deixada de lado e o coração envolvido inteiramente? O pregador só será usado se expressar profundas emoções do púlpito ou se manifestar profundo conhecimento teológico e argumentos racionais?
Muitos grupos evangélicos, hoje, responderiam sem hesitar que a mente acaba por representar um obstáculo à experiência da verdadeira adoração, e que deve ser deixada de lado para que as emoções fluam livremente. Desse ponto de vista, as partes do culto, e especialmente a pregação, devem facilitar a experiência litúrgica. A pregação acaba sendo relegada a plano secundário, substituída por relatos de experiências pessoais, ou, quando feita, geralmente se configura por uma coleção de casos, exemplos e experiências, intermediados aqui e ali por trechos bíblicos nunca expostos e explicados, mas citados como prova.
Essa tendência de priorizar as emoções e desprezar o papel do entendimento no culto e na pregação é bem antiga. Paulo precisou corrigir o desequilíbrio litúrgico dos coríntios e a ênfase deles na participação, no uso dos dons, na liberdade e na pouca atenção à instrução e ao uso da mente.¹ Modernamente, percebe-se sem muito esforço a tendência de enfatizar participação, louvor, testemunhos e dramatizações, em detrimento da pregação da Palavra durante os cultos dominicais de muitas igrejas.
É essa última tensão que tem questionado mais radicalmente a natureza, a necessidade e o propósito da pregação nos cultos. O presente capítulo não visa responder a todos os aspectos da questão, mas destacar o que mais nos parece fundamental: que desde o início Deus usou pregadores, mestres da Palavra, expositores bíblicos, como veículo de revelação da sua vontade ao seu povo. Por isso a pregação nunca deve ser relegada a plano secundário no culto, mas sempre ocupar o lugar central.
Para demonstrar a centralidade da pregação no culto divino, faremos um breve estudo no Antigo e no Novo Testamento do qual extrairemos várias lições de cunho prático para nós, pregadores, e para você, leitor.
Noé
Sabemos muito pouco acerca do culto público a Deus antes de Moisés organizá-lo com as instruções recebidas de Javé no Sinai. O primeiro pregador de quem temos notícia no Antigo Testamento é Noé. O apóstolo Pedro nos informa que Noé, além de justo e temente a Deus, era também um pregador. Pedro se refere a ele como pregador da justiça
(2Pe 2.5, NAA). Segundo as palavras do próprio Pedro em sua primeira carta, ficamos com a impressão de que Noé, pelo Espírito de Cristo, pregava aos pecadores de sua geração durante o tempo em que construía a arca (1Pe 3.18-20).² O próprio Senhor Jesus fez uma comparação entre a sua geração e a geração da época de Noé, dizendo que ambas seriam surpreendidas pelo juízo divino (Mt 24.37-39). Na comparação, Jesus era para a sua geração perversa e incrédula o que Noé havia sido para a geração perversa e incrédula de sua época, pregador da justiça divina, anunciando à sua geração o arrependimento e a conversão a Deus. Podemos concluir que, mediante a pregação de Noé, Deus manifestou ao mundo antigo, de antes do dilúvio, a sua verdade, chamando-o ao arrependimento.
Os patriarcas
Mais adiante, encontramos outro pregador, Abraão, chamado de profeta
pelo próprio Deus (Gn 20.7). Profeta é alguém que fala em lugar de outro. Essa designação pode significar, entre outras coisas, que Abraão era, em sua geração, o porta-voz de Deus. E de que forma Abraão transmitia a seu povo a vontade que Deus lhe dava a conhecer? Não é difícil de imaginar. Abraão costumava celebrar cultos ao redor dos muitos altares que edificou, para oferecer sacrifícios e invocar o nome do Senhor (Gn 12.7,8; 13.4,18). Nessas ocasiões, ele ministrava a seu povo. De acordo com Gênesis 18.17-19, Deus escolheu Abraão para que determinasse a seus filhos e aos filhos de seus filhos que guardassem o caminho do Senhor, praticando o que é certo e justo
(Gn 18.19). A fim de que isso acontecesse, Abraão teria de comunicar a seu povo qual era o caminho do Senhor.
Há uma tradição interpretativa entre os judeus de que Deus revelou a Lei a Abraão, antes mesmo de revelá-la a Moisés. Abraão teria recebido e guardado a Lei, e foi essa Lei que ele transmitiu a seus filhos. Evidentemente essa tradição não tem apoio bíblico, visto que o Antigo Testamento considera como o início da Lei a sua entrega no Sinai, 430 anos depois de Abraão. Mas uma coisa parece certa: Abraão instruía regularmente seu povo nos caminhos do Senhor, como profeta que era, anunciando-lhes o desejo de Javé durante os cultos celebrados ao redor do altar. Ali Abraão lembrava-os das promessas que Deus lhe havia feito, das bênçãos e dos deveres da aliança, e transmitia-lhes a vontade divina. Mais uma vez vemos como Deus transmitiu sua verdade através de um pregador. Embora não possamos provar, não seria muito supor que Isaque e Jacó continuaram a tradição, pregando aos descendentes de Abraão e transmitindo a tradição que nele se iniciou.
Moisés
Com Moisés, o culto a Javé foi formalmente organizado. Até aqui Deus ainda não havia revelado a seu povo, em detalhes, como desejava ser adorado, mas no Sinai Deus transmitiu a Moisés como essa adoração deveria ser feita. Um tabernáculo deveria ser construído de acordo com instruções detalhadas. Sacerdotes e levitas deveriam ministrar ali, de acordo com leis que regulavam desde suas vestimentas até a composição do incenso a ser oferecido. Os sacrifícios, também regulamentados, foram classificados em diferentes tipos de ofertas e oblações. Determinou-se o calendário religioso, com festas e dias santos, e o desejo de Javé de ter um local único para o culto, na terra que havia prometido.
A instrução do povo na Lei de Deus foi atribuída aos sacerdotes e levitas, que diariamente deveriam pregar no tabernáculo. Deus determinou a Arão que ele e seus filhos ensinassem ao povo a diferença entre o puro e o impuro, transmitindo-lhes os mandamentos e estatutos do Senhor (Lv 10.8-11). Mais tarde, em seu cântico de despedida, Moisés reconheceu diante de Deus que os levitas ensinaram teus estatutos a Jacó, deram tuas instruções a Israel
(Dt 33.10).
Moisés, entretanto, era o grande pregador das assembleias, quando todo o povo se reunia para ouvir a Palavra de Deus. Aquele que era pesado de boca e pesado de língua
quando Deus o chamou (Êx 4.10, NAA), veio a ser poderoso em palavras e ações
(At 7.22). Foi primeiramente legislador, pois recebeu e transmitiu as leis de Deus ao povo; mas foi também pregador, pois essas leis foram transmitidas ao povo mediante seus sermões. O livro de Deuteronômio é o registro dos sermões de Moisés na planície de Moabe, antes que o povo entrasse na terra prometida. O livro começa dizendo que é o registro das palavras de Moisés (Dt 1.1), frase que é repetida em 29.1. Ao final, repete-se mais uma vez que as palavras de Moisés foram registradas no livro (Dt 31.24; 32.45).
Os estudiosos têm notado que Deuteronômio difere de Levítico e Números por ter uma forma sermônica. Isso se deve ao fato provável de que o livro reflete os sermões de Moisés ao povo, nas planícies de Moabe (29.1), preparando o povo para entrar na terra. Os estudiosos por vezes dividem o livro em: a) Primeiro sermão, capítulos 1—4; b) Segundo sermão, capítulos 4—28; c) Terceiro sermão, capítulos 29—33.
O que desejo mostrar é este aspecto não raro esquecido da vida daquele grande líder: Moisés era um grande pregador. Ele fez da proclamação pública o meio para transmitir a vontade de Deus ao povo de Israel no deserto, por quarenta anos, e o meio para preparar esse povo para entrar na terra prometida. Deuteronômio é o registro dos seus sermões nessa ocasião, conservando a forma como tais palavras foram entregues.
Os sacerdotes
Depois de se tornar uma monarquia, Israel reconhecia três ofícios ou funções oficiais pelos quais Deus se manifestava: o sacerdote, o sábio e o profeta. Os três são mencionados no livro do profeta Jeremias:
Então o povo disse: Venham, vamos planejar um jeito de nos livrarmos de Jeremias. Temos vários sacerdotes, e também homens sábios e profetas. Não precisamos que ele nos ensine a lei, e não precisamos de seus conselhos e profecias. Vamos espalhar boatos a seu respeito e ignorar o que ele diz
.
Jeremias 18.18
É importante entendermos as circunstâncias em que os inimigos de Jeremias disseram essas palavras: eles estavam irados com as profecias de Jeremias de que a nação de Israel seria invadida, o templo destruído, os sacerdotes e os profetas mortos (ver Jr 8.1; 13.13; 14.18; 23.11 etc.). Essas palavras suscitaram a ira do povo exatamente porque os sacerdotes, sábios e profetas eram considerados canais da revelação divina, os meios pelos quais Deus falava ao seu povo. Sem eles, o povo ficaria sem saber a vontade de Deus, ficaria sem direção. Julgavam que Deus jamais deixaria seu povo sem revelação, sem esses meios de comunicar-se com ele. Daí planejarem matar Jeremias, por considerarem falsa a sua profecia.
Infelizmente o povo estava errado e Jeremias, certo. Mas nosso foco aqui é o papel que essas três funções desempenhavam em Israel e como o desempenhavam. Comecemos com o sacerdote. Os sacerdotes e levitas foram encarregados por Moisés de ensinar a Lei ao povo durante os cultos públicos. Era deles a tarefa de ensinar a Israel todos os estatutos que Deus havia mencionado por intermédio de Moisés (Lv 10.8-11). Em Malaquias 2.7, o sacerdote é chamado de o mensageiro do Senhor
. A palavra empregada para mensageiro
(mal’ak) indica alguém encarregado de levar uma mensagem da parte de uma autoridade. O sacerdote era visto como mensageiro e porta-voz do Senhor dos Exércitos. De seus lábios e de sua boca os filhos de Israel deveriam esperar o conhecimento e a instrução do Senhor.
Nem sempre essa dimensão do ministério sacerdotal é lembrada. Pensa-se mais no sacerdote do Antigo Testamento como alguém que oferecia sacrifícios regulares e intercedia pelo povo. No entanto, além de oficiar os rituais o sacerdote era um ministro da Palavra, um mensageiro, um pregador. Era considerado em Israel aquele por meio de quem Deus manifestava sua vontade. Era um intérprete e um pregador da Lei. Essa função sacerdotal de pregar e ensinar a Palavra de Deus nunca foi abandonada, e temos indícios dela durante a monarquia.
É interessante notar que, durante as reformas religiosas, os reis tementes a Deus se preocupavam primeiramente em restabelecer os levitas e sacerdotes, pois estes ensinavam a Lei de Deus ao povo. Para promover a reconstrução do templo e a reforma da verdadeira religião em Israel, o rei Josafá mandou, junto com os príncipes, sacerdotes e levitas a fim de que estes ensinassem ao povo a Lei do Senhor em toda a extensão do seu reino. O resultado foi um grande despertamento espiritual (2Cr 17.1-9). O rei Ezequias tratou de restaurar o sacerdócio dos levitas tão logo assumiu o trono (2Cr 30.22-27). Assim também fez o rei Josias (2Cr 35.1-3).
Talvez o exemplo mais conhecido de sacerdote pregador seja Esdras. Ele era um escriba versado na Lei de Deus (Ed 7.6) e pregador da Palavra. Ele e outros sacerdotes e levitas instruíram o povo de Deus que havia voltado do cativeiro para Jerusalém durante aquele memorável reavivamento espiritual registrado no livro de Neemias (8.1-8). Isso mostra como Deus esperava que, por meio da exposição de sua Palavra pelos sacerdotes e levitas, seu povo fosse instruído, reformado e edificado.
Os sábios
O segundo meio pelo qual Deus se revelava a seu povo no Antigo Testamento eram os sábios, conforme vemos no texto de Jeremias mencionado acima. Essa classe especial de pessoas havia se desenvolvido durante a monarquia. Já na época de Jeremias, haviam tomado lugar ao lado dos sacerdotes e profetas como uma das maiores influências morais e religiosas em Israel. Aparentemente, a obra deles era formular planos e dar conselhos sobre como ter uma vida bem-sucedida e sempre de acordo com a Lei de Moisés. Nem todos os estudiosos do Antigo Testamento pensam que os sábios eram uma classe especial e reconhecida. Tratava-se apenas de pessoas de inteligência incomum, procuradas por seus conterrâneos para conselhos. Não podemos discutir esse assunto em profundidade aqui, mas qualquer que tenha sido o caso a presença e atuação dos sábios em Israel é muito clara.
Os sábios de Israel eram homens experientes, hábeis e vividos, que ensinavam a sabedoria prática de Deus ao povo. Em contraste com os sábios do Egito e da Babilônia, não praticavam ocultismo, astrologia ou adivinhação, mas para eles o temor do Senhor é o princípio da sabedoria
(Pv 9.10).
É muito importante destacar que a fonte da sabedoria deles era a Palavra de Deus, quer escrita, quer ainda em forma oral, falada pelos profetas. A literatura produzida pelos sábios que acabou em nosso cânon, como Eclesiastes, Jó, Provérbios e alguns dos salmos, são aplicações práticas da Palavra de Deus. A sabedoria consistia exatamente nisso, em encarar a vida do ponto de vista da Lei, em tomar decisões diárias que estivessem de acordo com os estatutos do Senhor, em viver o dia a dia nos caminhos da Palavra. Os sábios geralmente ficavam à entrada da cidade ou nas praças, onde eram consultados, e respondiam sempre em termos da Lei do Senhor. Muitos deles viviam nas cortes. Alguns eram, também, escribas.
Os sábios geralmente ministravam e expunham provérbios (ditos práticos, curtos, com ditames para a vida pessoal e para a bem-aventurança), monólogos (como Eclesiastes) ou diálogos (como Jó) em que discutiam a relação entre Deus e o ser humano, e o sentido da existência. Tudo analisado e investigado à luz da Lei de Moisés.
O exemplo mais conhecido de sábio é o rei Salomão, cuja sabedoria encontramos em Provérbios. Duas coletâneas de provérbios são atribuídas diretamente a ele nesse livro (Pv 10.1—22.16; 25.1—29.27). Como o principal contribuidor, a ele é atribuída a coleção completa (Pv 1.1). O nome de Salomão está também associado ao livro de Eclesiastes. O livro começa com a frase: Palavras do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém
(Ec 1.1, NAA). É significativo que o nome hebraico desse livro seja o Pregador
, ou Qohelet. Essa palavra vem da raiz qa’al, assembleia
, e significa aquele que fala (prega) à assembleia do povo de Deus. A frase inicial, que bem poderia ser o título do livro, sugere que Salomão destilava sua sabedoria pregando para as grandes assembleias do povo, expondo as implicações e os princípios práticos da verdadeira sabedoria.
Meu ponto, mais uma vez, é que o trabalho dos sábios se baseava na Lei. Pela exposição das implicações práticas dela, os sábios orientavam o povo quanto ao que fazer diariamente. Mais uma vez vemos como a exposição da Palavra de Deus tinha lugar central nos planos de Deus para revelar sua verdade e edificar seu povo.
Os profetas
A terceira categoria à qual o texto de Jeremias 18.18 se refere é a dos profetas. Enquanto o sacerdote era um expositor da Lei e o sábio um conselheiro sobre os caminhos de Javé, o profeta era instrumento de novas revelações, veículo da Palavra de Deus. É isso que caracteriza o profeta. A palavra profeta (nabi) significa basicamente, como já mencionamos, aquele que fala em lugar de outro (ver Êx 4.14-16 com 7.1).
Os profetas transmitiam a Palavra de Deus primariamente por meio da proclamação. Eram essencialmente pregadores. Não é difícil perceber isso. O profeta Isaías considerava seu ministério a proclamação da Palavra de Deus ao povo, pela qual o braço do Senhor seria revelado (Is 53.1). Ao declarar a vinda do Messias, Isaías se refere ao método pelo qual isso haveria de ocorrer: levar as boas-novas ao povo, o que se concretizaria pela pregação (Is 61.1). Dadas as denúncias feitas aos falsos profetas, que pregavam mentiras ao povo, vemos que era pela pregação que os profetas — falsos e genuínos — executavam seu trabalho (Jr 23.31; 28.1; Ez 21.29).
O profeta era essencialmente um pregador, que recebia e transmitia a viva Palavra de Deus ao povo. Esse ponto às vezes não é tão notado por causa da concepção popular equivocada de que a função principal do profeta no Antigo Testamento era predizer o futuro ou revelar coisas secretas no passado ou no futuro das pessoas. Deixemos bem claro que essas coisas faziam, sim, parte do ministério dos profetas. Entretanto, não eram a maior parte. Os profetas dedicavam-se especialmente a expor a Palavra de Deus ao povo e chamá-lo ao arrependimento. Eles geralmente surgiam quando os sacerdotes se haviam corrompido e os sábios haviam seguido a ganância. Os profetas surgiam como enviados por Deus para o momento de crise, quando a vida espiritual da nação estava em perigo e a verdadeira religião em risco de ser engolida pelo baalismo ou pelo culto a divindades pagãs. Os profetas, então, anunciavam ao povo os termos da aliança com Deus e relembravam a história de Israel, como Deus sempre punira a desobediência e recompensara a obediência. Também lembravam ao povo as ameaças de Deus em caso de desvio e apostasia, chamando-o ao arrependimento.
Os grandes profetas — Isaías, Ezequiel e Jeremias — gastaram mais tempo exortando o povo ao arrependimento pela proclamação do castigo iminente de Deus e da sua misericórdia para com os que se arrependem do que predizendo as coisas futuras. Se os livros que foram escritos em nome deles, e que estão no cânon da Bíblia, refletem corretamente a proporção entre a pregação exortativa e o anúncio profético, resta pouco espaço para dúvida. Basta conferir no livro de Isaías, por exemplo, quanto mais espaço é dedicado às pregações exortativas do profeta do que ao anúncio do que haveria de vir. E mesmo ao anunciar as coisas futuras, os profetas faziam-no pregando e conclamando ao arrependimento. Eram pregações escatológicas, enraizadas na Lei e com implicações morais. Eles não entravam simplesmente em transe e falavam ao povo durante as visões, mas primeiro tinham as visões e depois as transmitiam ao povo pela proclamação ou exposição, e suas implicações.
Em suma, podemos perceber que foi mediante a pregação de homens escolhidos e chamados para esse fim que Deus manifestou sua vontade à igreja debaixo da Antiga Aliança. Parece-nos claro que a pregação não é meramente um método, mas um meio que envolve diretamente o pregador, sua vida e personalidade, e que foi adaptado para a proclamação da verdade divina. Embora não concordemos com as premissas das modernas teorias de comunicação, penso que elas estão corretas ao afirmar que o meio é a mensagem
.³ Mais do que somente as palavras, a mensagem de Deus incluía sua entrega por homens pecadores e fracos, transformados e capacitados pelo poder do Espírito Santo para transmiti-la.
As sinagogas
Entre os principais acontecimentos do período intertestamentário está o surgimento das sinagogas. Não sabemos com exatidão em que circunstâncias elas apareceram pela primeira vez. O que sabemos é que já eram parte da vida religiosa de Israel no início do ministério do Senhor Jesus. A dificuldade em conhecer sua origem se deve ao fato de que não são mencionadas nos livros apócrifos escritos antes de Cristo. O que podemos dizer é que elas surgiram durante o período em que a nação de Israel estava no exílio, longe do templo de Jerusalém, onde se davam os sacrifícios e o ensinamento da Lei. A consciência de que a desobediência à Lei havia sido a causa do desterro despertou o desejo dos judeus de retornar à leitura da Lei (ver Ne 8).
Sinagoga
vem de uma palavra grega que significa reunir coisas ou pessoas. As sinagogas surgiram, portanto, como locais onde os judeus se juntavam para orar, ler as Escrituras e ouvir o ensino e a exortação baseados nas Escrituras pelos mestres de Israel, geralmente levitas ou escribas. Mais tarde, durante o judaísmo rabínico (período que começa antes de Cristo), as sinagogas tornaram-se centros de estudo da Bíblia. Nelas, a atividade central consistia na leitura e na exposição da Lei. Não sabemos ao certo como eram esses encontros. Aparentemente, seguia-se uma ordem que incluía orações, ofertas, leitura da Lei e dos Profetas, seguida de sua exposição, e bênção. Nessa liturgia, a exposição bíblica era central. Foi por meio da exposição da Palavra que Deus manteve viva a fé de seu povo no período intertestamentário.
Nos tempos do Senhor Jesus
A centralidade da pregação pode também ser observada no ministério do Senhor Jesus, o pregador por excelência. Quando ele surgiu pregando na Palestina, as sinagogas já eram uma parte da vida dos judeus. O Senhor ia regularmente às sinagogas da Galileia, onde ensinava e pregava o reino de Deus. Muito embora ele curasse os doentes e fizesse milagres, era principalmente pela pregação e pelo ensino que realizava seu ministério (Mt 4.23; 9.35; 13.54; Mc 1.21,39; 6.22; Lc 4.16ss; 4.44; Jo 6.59). É certo que a encarnação e as atividades do Senhor são entendidas no Novo Testamento como a revelação de Deus ao seu povo (Jo 1.1-3; Hb 1.1-3). Suas palavras e seu ensinamento são igualmente tidos como revelação. Ele é o profeta aguardado por Israel que viria declarar ao povo de Deus a sua vontade (Jo 6.14; 7.40). Aquele que é a Palavra encarnada transmitiu a verdade de Deus ao povo, indo por toda parte, ensinando e pregando. Com isso, o Senhor confirmou a pregação como meio escolhido por Deus para transmitir a verdade a seu povo.
Percebemos que o Senhor usou diversos recursos didáticos em seu ensino, como parábolas, por exemplo. Há excelentes estudos feitos por pesquisadores sobre sua didática. Não é esse nosso ponto agora, mas cabe destacar que foi mediante a pregação que Jesus desempenhou seu papel como o profeta e o mestre esperado por Israel. Não queremos minimizar o papel na revelação dos milagres e da própria presença do Senhor como a Palavra encarnada, mas parece-me evidente que foi através de seu ensinamento que ele nos revelou a vontade do Pai.
Essa revelação foi registrada de forma inspirada e infalível pelos escritores que nos legaram o Novo Testamento. Assim, fica difícil separar Cristo das Escrituras, como alguns estudiosos pretenderam. Entre eles está o conhecido Karl Barth, já falecido, cuja obra e pensamento influenciaram muitos. Mais adiante, mencionaremos o jargão bem conhecido hoje, segundo o qual Cristo é a chave hermenêutica da Bíblia
, que em certa medida faz essa separação entre Cristo e a Palavra.
O trabalho missionário
Os primeiros missionários fizeram da pregação o principal meio para transmitir o evangelho. Sinais e prodígios acompanhavam a pregação dos apóstolos, mas sem a exposição da verdade de Deus tais feitos sobrenaturais tornavam-se ineficazes para transmitir a verdade, como Paulo e Barnabé perceberam em Listra (At 14.8-18). Muito embora o milagre das línguas atraísse as multidões em Jerusalém, no dia de Pentecostes foi pela pregação de Pedro que milhares se converteram (At 2). A cura do aleijado despertou a atenção da multidão, mas foi pela pregação de Pedro que mais pessoas foram acrescentadas à igreja (At 3).
Quando se viram perante a necessidade de se ocuparem com as questões sociais da igreja crescente, os apóstolos tomaram medidas urgentes para não se desviarem do que entendiam ser sua missão principal: a oração e o ministério da Palavra (At 6). Diante do sinédrio, Estêvão expõe as Escrituras do Antigo Testamento, no mais extenso sermão registrado no Novo Testamento, mostrando como a rejeição dos judeus a Cristo era a continuação do padrão de desobediência do Israel de outrora (At 7). Embora Deus tivesse deixado claro por meio de visões e comunicações diretas do Espírito que os gentios deveriam ser incluídos na igreja, foi pela pregação de Pedro que isso se concretizou (At 10).
Em suas viagens missionárias, Paulo plantava igrejas seguindo uma estratégia padrão, que consistia em ir à sinagoga local, participar do encontro e expor as Escrituras aos presentes, como ocorreu claramente em Tessalônica. Durante três sábados, Paulo visitou a sinagoga da cidade e, como era costume, nas três ocasiões lhe foi concedida a oportunidade de falar. Lucas descreve as pregações de Paulo como arrazoadas, exposições e demonstrações a partir das Escrituras com o fim de persuadir os judeus a crerem que o Cristo esperado por eles era Jesus, a quem ele, Paulo, anunciava (At 17.1-4). Em Corinto, seu método evangelístico foi pregar Cristo, e este crucificado, em demonstração do poder do Espírito Santo (1Co 2.1-5). Muito mais poderia ser dito, mas penso que é desnecessário multiplicar textos, visto que é claro no livro de Atos que a expansão da igreja cristã em seus primórdios se deu por meio da pregação da Palavra, constatação que deveria nos levar a refletir, hoje, sobre a relação entre pregação e evangelização.
O culto da igreja apostólica
Não era só na obra missionária que a pregação ocupava lugar central. O mesmo ocorria nos cultos cristãos, que seguiram em linhas gerais o padrão dos encontros realizados nas sinagogas. Os primeiros cristãos eram todos judeus da Palestina ou da Diáspora (a partir de Pentecostes) e estavam familiarizados tanto com as sinagogas quanto com o templo. As atividades litúrgicas no templo tinham para eles um sentido escatológico, cumprido em Cristo e na igreja. A carta aos Hebreus, por exemplo, entende o serviço divino no tabernáculo como sombra e tipo de Cristo e da igreja. Foi do encontro realizado na sinagoga aos sábados que os cristãos extraíram os elementos e princípios do culto cristão, à exceção da celebração da Ceia, reminiscente dos sacrifícios executados no templo. O templo e sua liturgia tinham valor teológico para os cristãos, mas não litúrgico. Os principais elementos do culto da sinagoga passaram a fazer parte do culto cristão, como oração, coleta, disciplina, leitura e exposição das Escrituras. A isso foram acrescidos a celebração da Ceia e os cânticos.
Nos cultos cristãos, portanto, manteve-se a prioridade da Palavra, lida e exposta. O Senhor Jesus havia determinado aos discípulos que ensinassem aos demais — primariamente pela exposição das Escrituras, no poder do Espírito (Lc 24.44-49) — a guardarem tudo que ele havia ordenado. Em obediência, eles foram por toda parte ensinando e pregando o reino de Deus, instruindo os discípulos nos ensinamentos do Senhor.
É importante lembrar que o apóstolo Paulo destaca como vitais para a igreja os dons dos que ministram ao povo por meio do ensino e da exposição das Escrituras. Deus concedeu apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres a sua igreja para edificá-la e fortalecê-la na verdade, a fim de evitar que se desviasse pelos falsos ensinamentos (Ef 4.10-16). Mais adiante trataremos especificamente dessa passagem e da relação do pregador com esses ofícios e ministérios.
Paulo coloca o profeta acima do que fala em línguas, pois ele edifica a comunidade pela exortação (1Co 14.1-4). A igreja deve reconhecer de forma especial os presbíteros que se afadigam no ensino da Palavra de Deus (1Tm 5.17). Como vimos, os profetas do Antigo Testamento desempenhavam seu ministério especialmente pela pregação da Palavra de Deus, expondo a vontade dele a seu povo. O ministério dos profetas neotestamentários deve ter seguido na mesma proporção. Expunham ao povo o sentido cristológico das Escrituras do Antigo Testamento, demonstrando como as antigas promessas se cumpriram em Cristo.
Resumindo, Deus usou no período bíblico diferentes pessoas: profetas, sábios, escribas, sacerdotes, apóstolos, pastores e mestres. Embora esses títulos apontem para ênfases e ministérios diferentes, uma coisa é central em todos eles: a pregação (exposição) e o ensino da Palavra de Deus.
Na verdade, podemos afirmar que a Bíblia, em termos de sua produção humana, é uma grandiosa empreitada hermenêutica, cujas obras foram usadas, expandidas e expostas pelos autores posteriores. Na base da Bíblia, temos a Torá, a Lei de Deus revelada a Moisés, que a proclamou a todo o Israel e cujo registro encontramos no Pentateuco. Diretamente a partir da Torá, nasceram os livros que hoje chamamos de históricos, sapienciais, poéticos e proféticos. Os históricos são, em grande medida, sermões sobre a história de Israel e registram o funcionamento dos termos da aliança, revelada na Torá, na história do povo. Os sapienciais revelam a sabedoria prática de quem anda de acordo com a Lei de Deus. Os livros poéticos expressam a piedade segundo a Lei. E os livros proféticos, por sua vez, expõem a Lei de Moisés, declarando e proclamando ao povo as promessas e os compromissos da aliança, como encontrados na Torá.
O Novo Testamento, por sua vez, é a coleção de escritos que dá continuidade aos temas do Antigo Testamento, anunciando seu pleno cumprimento em Jesus Cristo. O Novo Testamento é, ao mesmo tempo, o registro da proclamação de Cristo, de que o reino havia chegado, e a exposição do significado da morte e ressurreição do Senhor. Existe, do ponto de vista literário, uma interdependência estreita e inseparável entre as diversas partes e gêneros literários da Bíblia, uma dependendo da outra, uma expandindo e pressupondo a outra. E o mais interessante é que o processo ou o principal meio para que essa literatura se formasse foi a pregação, a proclamação ou a exposição da revelação de Deus a seu povo.
Em nossos dias
Aparentemente, como dissemos, em boa parte do meio evangélico hoje a pregação expositiva, profunda, séria e direta da Palavra de Deus não tem recebido a primazia que merece. Em igrejas de várias tradições e linhas teológicas, o pregador tende mais a agradar as pessoas e a fazê-las se sentirem bem na igreja, pois fica evidente em muitos cultos a disparidade de tempo dado ao pregador frente a outras partes, como testemunhos, corais, solistas, cantores, dramatizações, coreografias e assim por diante. Certa vez fui convidado a pregar em uma igreja, que era tradicional. Quase duas horas após o início do culto, o pastor local, sentado a meu lado, inclinou-se para mim e sussurrou em tom de desculpa: Depois desse cantor é sua vez de pregar, o senhor tem cerca de dez minutos, pois acabou ficando muito tarde
. Chegado o momento da pregação, levantei-me, saudei a igreja, li um versículo, fechei a Bíblia, orei e me sentei. Levei cerca de dois minutos no total. Provavelmente eu não deveria ter reagido dessa forma, mas como pregador convidado senti profunda indignação por ter me deslocado de tão longe e receber apenas dez minutos para expor a Palavra. No entanto, minha indignação deveria ter ocorrido pelo fato de a pregação da Palavra de Deus não receber o lugar e o valor corretos no culto daquela igreja. É esse descaso pela pregação bíblica no culto que explica parcialmente a ignorância de muitos membros de igreja sobre pontos básicos do evangelho, a vida cristã superficial e a facilidade com que o erro religioso se infiltra e ganha aceitação entre os evangélicos.
Não há uma solução fácil para esse problema, que é extremamente complexo. Ele começa na liderança das igrejas e se estende para os seminários e concílios. Há pouca ênfase na preparação adequada dos pregadores. Muitas igrejas não conseguem manter seus pregadores em tempo integral, de forma que eles precisam trabalhar secularmente para sustentar a família, restando-lhes pouco ou nenhum tempo para o preparo dos sermões.
Creio que os pastores e pregadores deveriam decidir que a pregação é a parte mais importante do culto de sua igreja. Deveriam se dedicar mais ao estudo e à preparação de sermões profundos e instrutivos, regados com oração e elaborados na dependência de Deus. Os membros das igrejas, por sua vez, deveriam cobrar mais de seus pastores no quesito pregação, encorajá-los a se preparar melhor, a estudar e, se possível, ajudá-los a fazer cursos teológicos de aperfeiçoamento.
Afinal, a pregação da Palavra de Deus está no centro do ministério pastoral.
¹ Para detalhes sobre as instruções de Paulo aos coríntios acerca do culto, ver O culto espiritual, 2ª ed. revisada e aumentada (São Paulo: Cultura Cristã, 2017).
² Eu disse ficamos com a impressão
porque 1Pedro 3.18-20 é reconhecidamente muito difícil de interpretar, como as mais diferentes opiniões dos estudiosos confirmam. Daí a cautela para não ser dogmático em um ponto difícil. A ideia de que a passagem significa que Cristo, pelo Espírito Santo, pregou por intermédio de Noé aos pecadores do mundo antigo, enquanto a arca era preparada, é bastante aceita pelos estudiosos conservadores, e é a que adotamos aqui.
³ O meio é a mensagem
é uma frase cunhada pelo teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan e o nome do primeiro capítulo de seu livro Os meios de comunicação como extensões do homem (São Paulo: Cultrix, 1969), publicado originalmente em 1964.
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A vida do pregador
Existe uma relação próxima entre o pregador e sua mensagem. Ainda que Deus, em sua misericórdia, use a pregação apesar das falhas do pregador, é muito claro nas Escrituras que ele se apraz em usar de maneira mais eficaz aqueles pregadores cuja vida é compatível com a mensagem que pregam. Vejamos alguns aspectos da vida do pregador capazes de impactar diretamente sua obra como proclamador da Palavra de Deus.
Oração
Comecemos com a vida de oração do pregador. Existem várias passagens na Bíblia que mostram a relação entre oração e pregação. Por exemplo, os apóstolos estabeleceram como prioridade de seu ministério a dedicação à oração e ao ministério da Palavra (At 6.4). Os pregadores precisam se dedicar intensamente não apenas à preparação dos sermões, mas também à oração e intercessão diante de Deus por seu ministério e pelos ouvintes. As duas coisas andam juntas.
Quando os primeiros cristãos experimentaram o início das perseguições dos judeus em Jerusalém, reuniram-se para orar. Entre outras coisas, pediram que Deus os capacitasse a continuar pregando a Palavra àquele povo incrédulo (At 4.23,29,31). Quando na prisão, Paulo pediu orações para que continuasse a pregar livremente a Palavra de Deus com toda intrepidez (Ef 6.18-19). As duas coisas aparecem juntas na declaração do profeta Samuel ao povo de Israel: Quanto a mim, certamente não pecarei contra o Senhor, deixando de orar por vocês. Continuarei a lhes ensinar o que é bom e correto
(1Sm 12.23). Como ministro da Palavra de Deus, Samuel considerava um pecado deixar de orar pelo povo e instrui-lo.
É conhecido o fato de que, enquanto Charles Spurgeon pregava nos cultos de sua igreja, um grupo de membros reunia-se em uma sala anexa intercedendo fervorosamente, em oração, pela conversão de pecadores e pela edificação do povo de Deus. Não é de admirar os efeitos da pregação de Spurgeon e de seu alcance em todo o mundo. Centenas e centenas de pessoas se convertiam a cada ano por meio de suas pregações, e apesar de sua grande eloquência ele atribuía esse sucesso às orações de seu povo.
Por mais bem preparado que o pregador esteja, por mais que ele tenha estudado o seu sermão, por mais eloquente e carismático que seja, sem oração suas pregações terão pouco efeito na conversão de pecadores e na santificação do povo de Deus.
A Bíblia não estabelece um tempo de oração para os pregadores, nem locais específicos ou modos distintos de orar. O que ela ensina é que devemos orar sem cessar, em todos os tempos e ocasiões, em todos os lugares (Ef 6.18; 1Tm 2.8). Isso vale para os pregadores. Eles devem aproveitar toda oportunidade que tenham para gastar tempo em oração diante de Deus. O mais proveitoso é que separem diariamente um tempo específico para isso, e que perseverem. Para evitar distrações, o ideal é que o pregador tenha um local separado para orar. E, é claro, deve desligar seu celular e outros dispositivos que porventura o distraiam dessa disciplina espiritual tão importante.
Durante os anos de meu ministério tenho procurado reservar diariamente um tempo para comunhão com Deus por meio