Dona Ceiça
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Dona Ceiça - Laís Figueiredo
Dona Ceiça
...e seus amores
Dona Ceiça
...e seus amores
Laís Figueiredo
Niterói, RJ, Brasil, 2021
Capa, arte e diagramação: Bia Rosas
Publicação: Clube de Autores
Formato: ebook/impresso
Dedicatória
Às minhas netas, Lorena e Valentina,
que também são netas da minha amiga
Maria da Conceição.
Agradecimentos
Agradeço à minha amiga Maria da Conceição da Silva Branco que, com suas histórias e causos, embora muitas vezes repetidos, mas sempre fascinantes, encheram minha mente de ideias, contribuindo para que eu criasse a história, não menos fascinante de Maria Conceição Soares,
a Dona Ceiça.
"Mulher da roça eu o sou, sou semente, sou pedra. Pela minha voz cantam todos os
pássaros do mundo"
Cora Coralina
Personagens
Dona Ceiça – protagonista e narradora D. Filó/Clara – mãe de Dona Ceiça Clarinha – bisneta ouvinte
Margô – empregada da casa e ouvinte
Carol – filha de Jana, mãe de Clarinha Madá ( Madalena) - a prima amiga Alicinha – amiga
Os filhos
José – marido de Ângela
João – marido de Sandra
Jorge
Janaína (a Jana) - esposa de Rubens
Jacira (a Jaci) - esposa de Marcelo
Jurema (a Juju) – mãe de Milena
Jupira (a Jupi) – esposa de Arthur
A Mágoa
Sou mineira das Minas Gerais. Vim de cidade do interior, da qual tenho muito orgulho. Fui menina levada, alegre, muito brincalhona e namoradeira. Sinto saudades da minha infância! Livre, solta, correndo pelos campos com meus irmãos e minha prima Madalena, a Madá.
Madá era filha única dos meus padrinhos, pessoas ilustres da terra, tratados por doutores
. Viviam viajando!
Quando a filha fez cinco anos fixaram residência na nossa cidade, de onde minha madrinha era oriunda.
Um dia, dindinha apareceu em nossa casa e após um delicioso lanche da boa cozinha mineira, na qual mamãe e vovó eram especialistas, disse que o motivo da visita era um pouco delicado:
Então comadre, deixe para depois! O café está esfriando
, disse mamãe.
A mesa posta na sala de jantar era comprida e rodeada de cadeiras altas e estofadas de um tecido grosso
com estampas de borboletas coloridas num fundo azul-escuro. Sobre a toalha branca de linho, usada somente para visitas importantes, estavam as iguarias: bolo de fubá, de chocolate, a manteiga feita por vovó, broas, pãezinhos de queijo, a coalhada, o biju, as compotas de doce de abóbora e de mamão verde, o doce de leite da Zefa, ajudante de mamãe na cozinha, o tradicional queijo de minas e três tipos de geleias. O café quentinho, sucos de frutas, o leite e o chocolate. Não faltava o licor de jenipapo que vovó levava dias fazendo. A minha presença ali só era permitida para que Madá não se sentisse só, no meio dos adultos. Raramente as crianças faziam parte da mesa. Neste dia, meus irmãos lancharam no quintal.
Ah! Nosso quintal, que lembrança boa! Era ali que reinávamos enquanto papai e mamãe cuidavam do nosso pequeno comércio, uma pensão que servia almoço, de onze às três da tarde, a uma clientela que ocupava as mesinhas e outra que levava seu almoço para o local de serviço. Um entra e sai alucinante de segunda a sexta-feira.
Sob o olhar não muito vigilante da tia Zefa, fazíamos as nossas pequenas e grandes travessuras.
Corríamos por entre as árvores e subíamos em algumas, brincávamos nos balanços feitos por papai, com muito amor, para nós. Vez por outra um tombo, um escorregão e
um berreiro dos meninos; eram menores que eu. Vovó largava a máquina de costura e corria nos acudindo com alguma pomadinha milagrosa, um colinho e dois beijinhos.
Brigava com a tia Zefa que não cuidou de nós.
– Bisa, acorda!
– Não tô dormindo.
– Afinal, o quê sua madrinha queria?
– Calma, Clarinha! - diz Margô, a faz-tudo da casa.
Mesmo sem querer, pressionada pela curiosidade das duas, continuei a história que sempre me deixa triste.
Ao terminar o lanche, enquanto vovó e tia Zefa retiravam a mesa, mamãe convidou a dindinha para conversarem na sala de visitas e ordenou que eu levasse Madá para brincar na varanda.
Minha priminha, sempre alegre, iniciava logo uma brincadeira e falava sem parar. Passou-me sua boneca, que dizia ser minha afilhada pois tinha olhos verdes iguais aos meus. Eu, que sempre fui atenciosa com ela, estava distante. Meus olhos e ouvidos presos na sala de visitas onde dindinha sussurrava encabulada o motivo de sua visita. Não consegui ouvir o que ela disse, mas estremeci ao berro de minha mãe:
Ceiça, arrume suas coisas. Você vai morar com sua madrinha. Vai fazer companhia a Madá.
– Bisa, ela não perguntou se você queria ir?
– Clarinha, naquele tempo, criança não tinha querer.
– Nossa, bisa! Ainda bem que nasci só agora!
Para Clarinha não me ver triste, fui para o quarto com o pensamento que me atormenta há anos: mamãe nunca me amou! Papai era muito bom, seu único defeito era amar mamãe demais. Tudo que ela fazia ou dizia, ele assinava embaixo.
Vovó só tinha mamãe de filha e embora nos amasse muito não ousava discutir suas ordens. Tinha medo de acabar no asilo de velhos, mas isso papai jamais permitiria, era a única hora que ele fazia valer sua condição de homem da casa. Sempre a defendia contra mamãe. Levei anos pensando ser ele o filho de vovó.
O Batizado
Geladeira cheia! Dispensa também. Dia após dia, fico ansiosa pela chegada de algum filho, de um dos netos ou até mesmo da bisneta que, quando os avós ou os pais estão ocupados, é esquecida durante horas aqui.
A vida de minha bisneta Clara é muito parecida com a minha. Ou somos o centro da atenção por determinadas horas ou somos esquecidas por completo. Ambas só damos despesas; ela com vacinas, babá, plano de saúde, brinquedos, creche… Eu, com plano de saúde, remédios, hospital, companhias para aqueles momentos que ninguém está disponível…
Vez por outra, ambas escutamos: tem que levar
Clara ou mamãe (eu) ao salão de beleza!. Sim, a avó dela, minha filha, escolheu esse nome mesmo sabendo da mágoa que carrego de minha mãe. A primeira, para cortar as madeixas e ficar ainda mais linda do que já é, mostrando a sociedade on-line como é amada e querida por seus avós e pais. A segunda, para dar um trato aos
cabelos e unhas e ficar mais apresentável, mostrando a sociedade on-line como é amada e querida por seus filhos e netos.
Família grande! Filhos, netos, sobrinhos, afilhados e eu me vejo só, ou quase só, se não me restasse a companhia da também solitária Clara. Irmãos, já não os tenho mais! Resta-me uma irmã bem mais velha que