A Natureza E A Graça
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A Natureza E A Graça - Santo Agostinho
Santo Agostinho
A Natureza
e a
Graça
Tradução: Souza Campos, E. L. de
Teodoro Editor
Niterói – Rio de Janeiro – Brasil
2018
A natureza e a graça
Santo Agostinho
Dois rapazes nobres e cultos, ex-pelagianos convertidos pelo bispo de Hipona, tinham lhe enviado uma obra de Pelágio em forma de diálogo, onde a graça era sacrificada em prol da natureza.
Agostinho logo começou a refutação a esse livro. Ele estabelece que a justiça de Deus não consiste dos mandamentos, mas do socorro da graça de Jesus Cristo. A natureza humana foi criada sã e pura, mas, desde a rebelião primitiva, ela precisa do socorro do médico.
O socorro de Jesus Cristo, sem o qual não há salvação, não é a retribuição do mérito, mas uma concessão gratuita e, por isso, é chamado de graça.
Como todos pecaram, o conjunto do gênero humano pôde ser condenado sem injustiça da parte de Deus.
Introdução¹
Chegou-me às mãos um livro de Pelágio, onde ele defende, com todos os argumentos que ele pôde encontrar, a natureza humana, contra a graça de Deus que justifica os ímpios e nos faz cristãos.
Assim, o livro no qual eu o respondi, defendendo a graça, não como contrária à natureza, mas como libertadora e governadora dessa natureza, eu intitulei A natureza e a graça.
Nesse livro eu defendi, como sendo realmente de São Xisto, bispo de Roma e mártir, palavras que Pelágio atribuía a ele. Eu acreditei nele, mas, soube mais tarde que essas palavras não eram de Xisto, o cristão, mas de Sextus, o filósofo.
Esse livro começa assim: Queridos filhos Timásio e Tiago, o livro que vocês me enviaram, fazendo uma trégua em meus trabalhos, eu li rapidamente, é verdade, mas com toda atenção.
Dirigido a Timásio e Tiago
Capítulo 01
A justiça humana e a justiça divina.
Queridos filhos Timásio e Tiago, o livro que vocês me enviaram, fazendo uma trégua em meus trabalhos, eu li rapidamente, é verdade, mas com toda atenção.
O autor desse livro me pareceu inflamado por um zelo ardente contra aqueles que, invés de tornar a vontade humana responsável pelos pecados que ela comete, acusam a própria natureza humana e querem encontrar nessa natureza uma desculpa para todos os seus erros.
Ele se ergue energicamente contra a doutrina que escritores, até mesmo pagãos, condenaram severamente, quando eles disseram: É erradamente que o gênero humano se queixa de sua natureza
².
Por outro lado, para tornar sua tese mais fácil, ele cobriu com todos os exageros possíveis a tese de seus adversários.
No entanto, temo muito que toda sua verborragia se volte em favor daqueles que Desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus³.
Após estas palavras, o Apóstolo nos diz que justiça é essa que ele menciona: Cristo é o objetivo da Lei, para justificar todo aquele que crê⁴.
Portanto, essa justiça não consiste no preceito da Lei, que é capaz apenas de incutir o medo, mas na ajuda da graça de Jesus Cristo, para a qual deve nos conduzir o medo inspirado pela Lei e, esta é a única utilidade que ela pode nos propiciar⁵.
É nisso que repousa a justiça de Deus e é do que é preciso se convencer, se há o interesse em saber por que se é cristão, pois, se a justiça se obtém pela Lei, Cristo morreu em vão⁶.
Mas, se não foi em vão que Jesus Cristo morreu, o pecador só pode encontrar a justificação naquele que justifica o ímpio, de tal sorte que a sua fé lhe é imputada em conta de justiça⁷. Pois, todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus e são justificados gratuitamente por sua graça. Esta é a obra da redenção, realizada em Jesus Cristo⁸.
Todos aqueles então que não acreditam ser daquelas pessoas que pecaram e que precisam da glória de Deus, não podem saber por qual motivo são obrigados a ser cristãos, pois aqueles que estão saudáveis não precisam de médico. Esta necessidade só existe para aqueles que estão doentes. Foi por isso que Jesus Cristo não veio chamar os justos, mas sim os pecadores.⁹
Capítulo 02
Se é possível ser justo sem a fé em Jesus Cristo, essa fé não é, de forma alguma, necessária à salvação.
Se a natureza humana, saída da carne do primeiro prevaricador, pode se bastar para cumprir a Lei e atingir a perfeição da justificação, ela deve estar inteiramente segura da recompensa, ou seja, da vida eterna, mesmo que, em uma determinada época ou em uma determinada nação, ela tenha sido privada de qualquer fé na redenção futura do Messias.
De fato, Deus é essencialmente justo e ele não poderia privar os justos da recompensa da justificação, se não lhes foi dado nenhum conhecimento sobre o mistério do Verbo¹⁰.
Como eles acreditariam, se não ouviram falar? E como eles poderiam ouvir falar, se ninguém lhes pregou? Como está escrito: Como invocarão aquele em quem não têm fé? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão falar, se não houver quem pregue? Logo, a fé provém da pregação e a pregação se exerce em razão da palavra de Cristo¹¹.
Mas, é mesmo verdade que não ouviram? Por toda a terra se espalha o seu ruído e até os confins do mundo a sua voz¹².
No entanto, esperando que esse prodígio se realize, esperando que a pregação do Evangelho chegue até os confins do mundo, é preciso se perguntar, se há nações, por menor que seja seu número, que não ouviram nenhuma pregação, o que se tornará ou se tornou a natureza humana em um estado de coisas assim?
Você diria que, sem a fé no Deus onipotente, que criou o céu e a terra e por quem ela sente que foi feita, ela levará uma vida santa, com um cumprimento perfeito da vontade de Deus, sem ter nenhuma noção da fé na paixão e na ressurreição de Jesus Cristo?
Diante disso, eu só tenho que lhe dar a resposta que deu o Apóstolo àqueles que associavam a justificação à Lei: Se a justiça se obtém pela Lei, Cristo morreu em vão¹³.
Se o Apóstolo falava da Lei dada por Deus somente à nação judaica, com muito mais razão ele não poderia dizer da lei da natureza gravada no coração do gênero humano inteiro?
Se a natureza opera a justificação, então não foi inutilmente que Jesus Cristo morreu?
Mas, se não foi inutilmente que Jesus Cristo morreu, ninguém pode atingir a justificação, nem se livrar da justa vingança do Altíssimo, sem a fé e o sacramento do sangue de Jesus Cristo.
Capítulo 03
A natureza, criada na inocência, foi depois manchada pelo pecado.
O ser humano foi criado sem mácula ou defeito. Mas, Adão se tornou culpado e toda sua posteridade precisou ser curada, por que ela não é mais saudável.
Apesar de sua queda, ainda lhe restam bens que fazem parte de sua constituição, de sua vida, de sua inteligência e esses bens ele os recebeu da mão de seu Criador.
O vício permaneceu, mergulhando nas trevas e enfraquecendo esses bens naturais e tornando necessárias a difusão da luz e a aplicação do remédio. Mas, esse vício não é obra de Deus, pois esse vício da parte de Adão foi o resultado do desregramento de seu livre arbítrio e da parte dos seres humanos, ele é a consequência do pecado original. Por consequência, nossa natureza viciada tem direito a um castigo legítimo.
Sem dúvida que nos tornamos uma nova criatura em Jesus Cristo, mas, éramos como os outros, por natureza, verdadeiros filhos da ira divina. Mas Deus, que é rico em misericórdia, impulsionado pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em consequência de nossos pecados, deu-nos a vida juntamente com Cristo, pela graça de quem fomos salvos!¹⁴
Capítulo 04
A graça gratuita.
Ora, essa graça de Jesus Cristo, sem a qual nem as crianças e nem os adultos podem ser salvos, não nos é dada em razão de nossos méritos, mas de uma maneira absolutamente gratuita. Daí vem seu nome: graça.
Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus e são justificados gratuitamente por sua graça. Esta é a obra da redenção, realizada em Jesus Cristo¹⁵, diz o Apóstolo.
Daí se segue que, aqueles que não foram