Um Rosto de Amor
De Luís Vilhena
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Sobre este e-book
Valerá a pena percorrer o mundo? Será que poderá salvar o amor?
Edu, um homem simples que entrega a poesia da sua vida à natureza e ao mar, livre e apaixonado pelo amor, viaja no tempo para procurar dignificar a vida do filho. Quando menos esperava, não hesita em salvar a vida a Adli, uma enfermeira dedicada, que procura ser feliz e fiel ao seu coração. Porém, um fim de semana, antes de um acontecimento inesquecível, acabaria por transformar as suas vidas e o seu rosto de amor.
Pedro, um homem de sucesso, traído pela luxúria da vida, não aceita o rosto do seu filho e culpa Adli pela sua infelicidade.
Um Rosto de Amor é um romance apaixonante que liga os destinos de Edu e Adli para sempre. Depois de dias muito difíceis, o amor acontece no “sítio das pedras”.
“O primeiro olhar é o mais absorvente e fica para sempre.”
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Um Rosto de Amor - Luís Vilhena
Agradecimentos
Quero agradecer efusivamente à minha mãe, pelas palavras de amor que escrevo; sem o seu amor não seria possível; apesar de ausente, está sempre presente. Agradecer à minha esposa Lara, pelo carinho e amor que me dá todos os dias, cuja força do amor está presente neste romance. Aos meus filhos, pela força do meu viver e crer. Quero agradecer, de modo particular, a amável dedicação da Ana Paula Coelho e da Célia Maria Martins, por terem realizado uma primeira revisão, pela paciência de lerem todas as palavras e pela minha incorreção. Agradecer à poetisa Graça Canhão, com enorme gratidão, pelas suas singelas palavras escritas neste prefácio. Agradecer à minha nova editora Cordel D’ Prata, por acreditar na minha obra e pelo investimento e reconhecimento à minha escrita. E finalmente agradecer-te a ti que leste este meu romance; sem ti, não faria sentido escrever. Muito obrigada por me continuares a seguir. Prometo que o meu próximo romance, o qual já estou a escrever, será mais profundo, porque eu quero estar mais perto de ti. Muito Obrigado.
Prefácio
O homem é tão somente aquilo que ama e sonha.
E amando é tudo,
E sonhando pode amar ainda mais.
A incoerência da vida ou o pretexto do destino
Desalinhados da vontade humana
Tropeçam na pressuposta perfeição terrena
Tão utópica como irreal,
São os desaires do ego
Sem pré-aviso
Desmorona sem clemência
Desfigurando o orgulho
Em prepotência e insensatez.
O amor é o tudo do nada que somos,
E sendo tudo
Tem no rosto o reflexo do ser amado
E na alma a chama que incendeia
Essa fogueira
Amar.
Um Rosto de Amor é um romance envolvente e, apesar de ficção, poderia ser uma história verídica, que revela com credibilidade as fragilidades humanas e a capacidade de amar.
O autor, de cariz poético, proporciona ao leitor páginas de uma escrita fluída e emotiva, despertando sentimentos e emoções.
A poetisa,
Graça Canhão
O amor é o caminho que nos leva à esperança.
José Tolentino Mendonça
Prólogo
Há histórias de vida e há vida com histórias que nos preenchem a alma, como se pudessem fazer delas a nossa própria vida, alterando os nossos sonhos e a nossa forma de viver. São histórias que o tempo nunca apaga, nunca rasga, mas que a vida assim determina.
O que mais importa na vida não é o tempo que temos para viver, mas o tempo que temos para amar e sonhar.
Em meados de fevereiro, estava um frio tempestuoso e insultuoso quando peguei no carro. Desloquei-me com a minha família à minha santa terra e cidade rainha, Serpa raiana, rodeada por muralhas romanas e vestida de ruas brancas de limpeza e pureza.
Acordei bem cedo, abri os olhos e, pelo meio das frinchas da persiana, saía uma luz que iluminava quase todo quarto. Sobre o vidro, espreitava uma humidade que fazia transparecer um frio de rachar. Já não estava habituado àquelas manhãs frias e húmidas do Alentejo. No cimo da igreja sobejava um pássaro de asas pretas, um bico amarelo melado de cinzento e um canto de galanteio, um canto de esperança ou de provocação.
Levantei-me e preparei-me para o pequeno-almoço que a pensão Arco-íris me oferecia. Do quarto, fazia-se ouvir uma conversa que vinha da sala do pequeno-almoço. Procurei uma mesa para o meu filho, para a minha esposa e para mim.
Esperava-me uma manhã difícil. Tinha assuntos e decisões difíceis de tomar, fossem elas quais fossem, nenhuma seria a melhor. Ao sabor das notícias, preparava um pão com manteiga e uns deliciosos biscoitos alentejanos, enquanto a senhora continuava a falar. Tinha um cabelo louro, preso por um gancho que lhe fazia aparecer algumas madeixas brancas. Um rosto enrugado pelo tempo, aparentava uns belos 80 anos. Na sua meia-idade, eu não duvidaria da sua beleza. A sua memória fez-me alguma inveja. Falava com uma das funcionárias das suas recordações em jeito de memórias, num discernimento e num grande atrevimento das suas vivências amorosas, o que é pouco habitual, sobretudo nas mulheres. Voltada para a funcionária, que compunha a mesa com bolos tradicionais, dizia-lhe que o filho que tinha era a cara do pai, que não poderia rejeitar. Continuava com a sua conversa para a empregada:
– Ontem, um senhor de manhã meteu-me conversa. Foi tão atrevido que me pediu o número de telemóvel e eu dei-lho. Então, não é que à noite me telefonou a dizer que gostou muito de falar comigo? Já não tenho idade para isso…– risos.
A forma feliz com que falava sobre a sua vida despertou-me interesse e perguntei-lhe o nome. Chamava-se Maria Adelina. A conversa tornou-se hábil, ora falava do passado ora do presente. Procurava casa para viver, mas não encontrava. Eu poderia ter uma solução para ela, mas rapidamente desviei o pensamento, pois não era isso que eu queria. Foi então que me começou a contar a sua verdadeira história de amor.
Retirou uma carta, mais enrugada do que o seu rosto, e começou a ler:
Hoje fui bem cedo falar com as pedras, bem sabes do que estou a falar… Sentei-me à beira-mar para te escrever algumas palavras, não sei se alguma vez as vais ler, quem me dera que sim. Queria dizer-te que fiz as minhas pazes com a dor, mas tu, às vezes, ainda me apanhas desprevenido e não consigo evitar de pensar:
Se tivéssemos tido mais tempo!". Não consigo evitar sorrir ao redescobrir-te, mesmo sentindo as cicatrizes, dos espinhos e das feridas, que o tempo me vai deixando. Foi aqui neste sítio paradisíaco, lembras-te?
A primeira vez que te beijei! E que beijo.
A primeira vez que senti um verdadeiro amor! Uma chama que estava apagada. Bem sabes que o meu amor por ti veio do nada, como uma pequena borboleta que pousa sem nada esperar, sem interromper o silêncio.
Minha querida, o pôr-do-sol já não brilha como brilhava, e a água já não reflete a luz tão rosada. Os peixes sentem a minha solidão e já não dançam como faziam, junto aos nossos pés.
Volta para mim, quero sentir novamente o brilho do teu olhar, o mimar do teu sorriso.
Se me deres mais uma oportunidade… prometo amar-te todos os dias.
Ninguém me olhou como tu, tão profundamente. Ninguém como tu me fez acreditar que vale a pena sonhar. Fizeste-me acreditar que não é preciso ver o rosto para amar, porque conheci o teu interior.
Onde quer que estejas, faz o que te peço.
Fecha os olhos! Porque eu já os fechei.
Saboreia o que tenho para te dizer porque eu nunca mais me vou esquecer.
O maior amor por ti não é o amor fácil, de beijo húmido, voraz e apaixonado, como o primeiro, o mais difícil de esquecer… O teu sorriso é lindo e encantador.
Sabes que sou um homem sonhador, mas deixa-me desejar que é possível o nosso amor. Tudo o que tenho para te dar é apenas amor e, se acreditares nele, não hesites em voltar para aqui.
Deixa somente interrogar-te mais uma vez:
«Preferes viver num palácio de pedras preciosas, como uma rainha traída pela vaidade da vida, ou numa cabana de pedras despidas, como uma rainha cheia de amor?»
Responde-me apenas o que o coração te disser.
Volta… por amor tudo é possível.
Edu Lourenzo"
A expressão de felicidade e saudade acentuou-se no seu rosto. Espalhava um sorriso deslumbrante. As minhas emoções fluíam, persuadidos por aquelas palavras apaixonadas, e não resisti em perguntar-lhe:
– E ele voltou?
O meu olhar paralisou, e os meus pensamentos congelaram-se, até que a senhora Adelina retirou mais um papel semirrasgado e enrugado e começou a ler mais um dos poemas que ele lhe dedicara:
ARMONA
Tempestade à beira-mar
Aproximei-me junto à janela, uma tempestade no mar.
Numa sublime onda espreitei e avistei-te, à beira-mar.
Vi no teu olhar uma pálida harmonia, eu não entendia.
Desenhei na janela um traço contíguo de desespero.
Pintei as asas da tua alma, mal eu sabia a paixão que trazia,
mas não entendia.
Quando me olhaste pela primeira vez,
Apaixonei-me pelo teu amor e nesse mesmo instante senti uma onda de calor.
Edu Lourenzo
– Foi a última vez que o vi antes de um acontecimento que me marcou toda a minha vida – disse-me a senhora.
Fiquei maravilhado com aquelas palavras e cresceu em mim uma grande curiosidade e entusiasmo para saber o desenrolar do seu amor e escrever sobre ela, até porque tinha acabado de lançar um livro de poesia.
Aproximei-me da senhora Maria Adelina, peguei-lhe na mão e dei-lhe um beijinho em sinal de respeito. Delicadamente, ela disse-me:
– O senhor parece um bom homem de família, deve mimar muito a sua mulher!
Eu ri-me para ela e disse-lhe:
– Pergunte à minha mulher, ela poderá responder-lhe melhor a essa pergunta!
Aquelas palavras de paixão entusiasmaram-me. Sentei-me ao seu lado e pedi à senhora Maria Adelina que me contasse a sua história de amor. Foi então que me começou a contar de quando conheceu Eduardo Lourenzo junto à ilha Deserta.
PARTE I
Foi no silêncio das pedras que escutei a voz do coração.
CAPÍTULO 1
Quinta-feira, 9 de setembro, era, aparentemente, um dia normal para Maria Adelina, mais conhecida por Adli, em vésperas de partir para o sul do país e de se despedir dos seus últimos dias de solteira. Terminara o turno da manhã no bloco de pediatria, que era a sua especialidade. No final da tarde, tinha mais uma aula de yoga e depois ia preparar o saco para o fim de semana que se avizinhava.
Adli estava ansiosa para chegar à ilha da Armona; afinal, era o seu último fim de semana como solteira, e, além do mais, sempre que ia à ilha, os seus avós proporcionavam-lhe boas recordações. A avó Guilmar tinha uma grande adoração por Adli. Eram sempre fins de semana alucinantes. Desta vez, tinha uma surpresa maior para a neta.
Sexta-feira, 6:30 da manhã: os pais de Adli, a mãe, Madison (Madi) Ferreira, e o pai, Oliver Ferreira, tinham partido uma hora antes para a estação de Campanhã, no Porto, para levar Adli de viagem para a Armona.
A primeira viagem que Adli fizera sozinha tinha sido há 10 anos, quando tinha os seus conservados 15 anos. Madi e Oliver estavam desde essa altura em Portugal, vindos do Canadá. Depois de mais de 20 anos de poupanças no Canadá e de vários negócios no ramo imobiliário, Madi e Oliver refugiaram-se numa linda quinta que adquiriram em Viana do Castelo. Nos últimos anos, o senhor Oliver dedicou-se à vinha e conseguiu implantar no mercado um dos mais reconhecidos vinhos do norte do país: Quinta da Tapada, Madison & Oliver
, um vinho verde cujo sabor é reconhecido pelo elevado número de exportações conseguidas.
Um fumo intenso e um apito bastante sonoro esgueiravam-se. Adli, sobre a janela, segurava ao colo o cão, Poutchie, e acenava aos pais, despedindo-se, à medida que o comboio ia ganhando velocidade. Breves segundos, e a imagem retinha-se no pensamento.
Uma longa viagem de Viana do Castelo até Olhão. Adli estava muito cansada, mas muito animada, porque ia para a sua ilha favorita.
Adormecera e acordara com uma lambidela de Poutchie, quando o comboio se deslocava a alta velocidade sob os túneis que atravessavam a serra algarvia. Era a primeira vez que Poutchie fazia uma viagem. Adli confortava-o como se fosse também ela confortada.
Já tinha saudades de Pedro Coutinho, seu noivo. Pedro não se tinha ido despedir de Adli, pois tinha um encontro com um cliente para vender uma casa e não poderia perder o negócio. Pedro preparava-se também para, dali a uns dias, ir uma semana de despedida de solteiro com os amigos. O destino era Las Vegas. Quem não estava muito contente com essa estadia era Adli, pois eram muitos dias e, por duas vezes, já tinham interrompido o namoro. Pedro já tinha tido alguns casos de traição. Adli não queria pensar nisso. Agora também se ia divertir. Além do mais, agora era diferente, pois estavam a escassos dias do casamento.
Estava quase a chegar a Olhão; acabara de passar a doca de Faro, seriam apenas uns minutos. Aquele trajeto junto à ria e o cheiro das salinas traziam-lhe as melhores recordações de criança. Poutchie abanava o rabo e lambia Adli de contentamento.
Faltavam poucos metros para chegar à estação e, ao fundo, estavam os seus avós, Guilmar (Gui) e António (Tó). Eram mais ou menos 13:05, sentia-se um calor tórrido.
Os avós abraçaram Adli, como se não a vissem há um ano, todavia era apenas desde a Páscoa, a última vez que tinham ido a Viana do Castelo. Pegaram na mala de viagem e deslocaram-se pelas ruas estreitas até chegarem ao porto mar. Poutchie vinha atrelado em Adli e cheirava tudo sempre que tinha oportunidade.
Estava uma fila enorme para tirar os bilhetes de barco para o acesso à ilha da Armona. O avô deslocou-se para a fila, enquanto Adli e a avó esperavam. Adli perguntou à avó:
– Será que o Poutchie pode ir?
– Claro! Não vês? – a avó apontou para o barco, onde já havia algumas pessoas com cães. Adli ficou mais descansada.
Sentaram-se na primeira fila do ferryboat para chegarem primeiro à ilha da Armona. As gaivotas planavam e, à medida que se aproximavam em redor do barco, Poutchie ladrava e assustava-as.
Adli sentia-se feliz por estar junto dos seus avós. A avó sentiu isso nela e perguntou-lhe se estava preparada para se casar. Olhou para Tó e exclamou:
– Lembras-te dos dias que antecederam o nosso casamento?
– Eu recordo-me de ir trabalhar esses dias todos na vinha! Parece que foi ontem!
Perpendicular às suas cabeças, o sol estava irradiante e abrasador; deveria estar perto de 38º. Adli estava muito cansada e sentiu a necessidade de se descalçar; Poutchie aproveitou e lambeu-lhe novamente os pés.
Gui não parava de conversar, queria saber pormenores do casamento, que se ia realizar dali a pouco mais de uma semana, mas Adli apenas abanava a cabeça, enquanto apreciava o mar. A ondulação quase não existia; o barco deslocava-se como se estivesse num rio, e o vento mal se fazia sentir. Apreciou os aviões a baixa altitude até chegarem à pista. Era uma vista maravilhosa.
Eram quase 13:45 quando Adli chegou a casa da avó. Era uma vivenda cor de areia que se estendia por uns 400 m². Tinha um pequeno baloiço, construído pelo avô quando ela era criança, uma área coberta para o barco e ainda uma zona com plantação de pequenos produtos hortícolas.
Pousou os sacos e deixou que Poutchie fosse explorar o exterior da casa.
Sentou-se e fez apenas um telefonema aos pais, mas estes não atenderam. Enviou uma mensagem a Pedro:
"Amor, cheguei. Estou exausta, vou descansar. Depois ligo, bjs!"
Adli adormeceu, sentada, e Poutchie, aos seus pés, também.
Passada cerca de uma hora, Adli acordava com o cão a ladrar sem cessar.
– O que tens? Para! – dizia Adli.
Percebera que, no pequeno teto de vidro do hall, os gatos passavam de vez em quando. Poutchie teria de se habituar.
Enquanto a avó compunha a mesa com fruta e cereais de que Adli gostava, o seu avô Tó tinha ido preparar o barco novo para surpreender Adli. A surpresa dos avós estava a ser preparada minuciosamente: uma pequena viagem à ilha Deserta no barco a estrear.
Entretanto, Adli preparava-se para ir ver o pôr-do-sol. Sempre que vinha à Armona, não perdia um único momento daquele pôr-do-sol. Desta vez, tinha uma companhia, Poutchie.
Desde a casa da sua avó até à beira-mar, tinham de passar por vários cafés e restaurantes. À medida que se aproximava, o cheiro da maresia entupia-lhe o nariz. Era uma boa sensação; as recordações oscilavam na sua memória. Lembrou-se da avó quando a chamava para o jantar, do avô que adorava pescar ao pôr-do-sol.
À medida que avançava na passadeira em direção à praia, Adli reparou no restaurante que tinha aspeto de estar a ser remodelado, pela pintura fresca e os andaimes separados. Entrou e sentou-se numa mesa onde se conseguia ver parte da ria e do mar.
A dor de cabeça começava e pesava sobre ela; talvez viesse uma daquelas enxaquecas. Antes que isso acontecesse, preveniu-se e pediu um café.
– O cão não pode estar aqui, não viu o sinal, minha senhora?
– Desculpe – respondeu ela educadamente.
Recomendou a Poutchie que esperasse por ela na rua, que obedeceu sem reservas.
– Obrigado – respondeu-lhe o empregado Zé Maria.
Encostado ao balcão, Eduardo (Edu) Lourenzo, apoiado pelo cotovelo e de tronco seco e nu de bronzeado escuro do sol, bebia uma imperial. O cabelo comprido tocava-lhe quase nos ombros; o seu corpo atlético e conservado, protegido apenas por uns calções azuis, tornava-o ainda mais charmoso. Observava Adli desde que ela se sentara e não se conteve:
– Tem um cão muito obediente!
Adli tinha os olhos fitados na água, e a sua mente estava ausente, a uns 700 quilómetros de distância, pelo que não ligou àquela observação.
O olhar de Edu intensificou-se sobre ela de tal forma que ela sentiu que estava a ser observada. Pediu mais uma imperial, enquanto, com uma mão, ajeitava o cabelo retalhado de madeixas brancas e, com a outra, dava mais um golo.
Subitamente, os olhares de ambos cruzaram-se no mesmo caminho. Adli tentou disfarçar, mas não foi a tempo. Incomodado, Edu permaneceu fixo e sentiu algo estranho.
O primeiro olhar é o mais absorvente e fica para sempre.
Observou-a novamente, olhando-a com mais cuidado: o rosto, os lábios, o queixo e o nariz. Sentiu, pela primeira vez, o coração acelerar um pouco, mas não compreendeu.
Eram os olhos e algo por detrás deles.
Poutchie era pequeno, um cão aventureiro. Avançava em direção à praia sem medo. Estava um final de tarde paradisíaco e a linha do horizonte confundia-se com o mar e o céu. Adli costumava ver estas imagens em revistas, agora estava a vê-las na realidade.
Enquanto Poutchie fazia loucas corridas atrás das andorinhas do mar, ziguezagueando nos contornes da água na areia, que subia e descia ao sabor das ondas, Adli descalçou-se e aproximou-se lentamente da água. Colocava a ponta dos pés com medo de que a água estivesse como de costume em Viana. Verificou rapidamente que a água estava em sintonia com o final de tarde deslumbrante. A temperatura da água deveria estar a 22º, o que era muito comparado com o gelo das águas do Norte. Não se conteve muito tempo e mergulhou como se estivesse numa piscina. Deu algumas braçadas e relaxou a boiar naquela água límpida.
Junto à água, mas sem coragem para ir ter com a dona, estava Poutchie. Ladrava em forma de contentamento. Adli sentia-se reconfortada à medida que se aproximava de Poutchie que a lambia para se refrescar.
Sentara-se, sem nada a seu redor, o silêncio cobria-lhe o rosto. Nesse instante, pensava em Pedro, queria que ele ali estivesse. Sentiu um sabor amargo, como se qualquer coisa não estivesse bem. Lembrava-se dos conflitos que já tivera com Pedro, tudo por causa de ciúmes. Pedro era um homem muito charmoso, a sua presença era eletrificante para qualquer mulher. Seria por essa razão que Adli não sentia a sua confiança?
Adli sabia contornar esses pensamentos, era uma enfermeira que sabia lidar bem com o bem-estar. Fechou os olhos e respirou, pondo em prática a meditação. Recordou-se das suas sessões de yoga, de que era professora. Abriu os olhos e aproveitou para apreciar o pôr-do-sol.
As horas estavam a passar muito rapidamente e estava na hora de ir para casa, pois não queria, no primeiro dia, preocupar os avós.
Estava a chegar a casa, quando ouviu o som do toque do seu telemóvel e lembrou-se que deveria ser Pedro. Mas, quando lhe pegou, verificou que era a sua mãe, Madi.
– Sim, mãe!
– Adli, já chegaste? Não disseste mais nada! Ficámos preocupados.
– Telefonei, mas ninguém atendeu, e como estava muito cansada acabei por adormecer!
– Olha, o teu pai diz para te divertires, mas tens de ter cuidado, o teu casamento é daqui a uns dias, sabes disso!
– Claro, mãe, estou com os avós, não se preocupem… é só o fim de semana.
Poutchie abanava o rabo, como se fosse um sinal de aprovação.
A avó já tinha a mesa posta, e, do lado da marquise, ouviam-se os espirros do avô, que tinha rinite alérgica.
– Avozinha, adoro este peixe! Foi o avô que pescou?
Do outro lado, o avô respondeu:
– Sim, Adli. Há pouco, enquanto te observava ao pôr-do-sol, apanhei estes robalos. Sabes que a Armona não é como Viana do Castelo, onde as águas são muito frias.
– Avô, quando posso ir pescar contigo?
– Amanhã mesmo! Às 6 da manhã, a maré está convidativa… vamos a um sítio! Surpresa…
Os olhos de Adli aumentaram de volume, e sorriu de felicidade.
– Onde vamos pescar? No alto mar?
– Não, Adli; a tua avó enjoa, por isso vamos para um local de que vais gostar! Mas é surpresa!
Poutchie lambia um osso e abanava o rabo, contente, em sintonia com a felicidade de Adli.
CAPÍTULO 2
Uma luz intensa piscava sobre o ecrã do telemóvel, eram 7 da manhã. Adli abriu um olho e fechou o outro para suportar a luz. Tinha uma mensagem no telemóvel:
Minha querida, ontem não tive oportunidade de te telefonar! Fiz um bom negócio, vai-nos ajudar muito!
Não eram essas as palavras que Adli queria ouvir, mas já estava habituada à secura do romantismo de Pedro. O que importava era que o amava e estava disposta a tudo.
O amor é a única coisa que me faz viver e eu amo-te
Poutchie parecia que entendia, mordia-lhe os chinelos com vontade de brincar. Adli sentava-se no sofá e, na marquise, ouvia novamente os espirros do avô.
– Avô, tem de tomar qualquer coisa para essa alergia!
– Não te preocupes, minha filha, o mar limpa tudo! Isto deve ser da humidade.
A avó estava a tratar da sua higiene matinal, e Adli não perdeu tempo, começou a tratar do pequeno-almoço, mas antes foi dar uns cereais especiais ao cão.
– Eu e a tua avó, desde que nos reformámos, passamos a maior parte do tempo aqui sem ninguém! Quando tu estás aqui, a casa fica cheia! Os teus pais quase que não vêm cá, vivem para a vinha! Mas hoje é um dia especial – prosseguiu o avô.
– Porquê, avô? Ninguém faz anos, pois não?
– Não! – o avô não se conteve e contou-lhe: – Vamos passar o dia à ilha Deserta!
Era uma ilha que ficava ainda a uns minutos de viagem, mas era um verdadeiro sítio paradisíaco. Adli apenas tinha ido uma única vez, em pequenina.
– Nunca fui lá, pois não, avô?
– Já não te recordas, eras muito pequena! Foi lá onde encontrei a tua avó! – disse o avô, recontando a história de como se tinham conhecido.
Tó e Gui eram filhos de pescadores da ilha do Farol, tinham-se conhecido naquelas águas tépidas e límpidas. Após vários anos de namoro, pela falta de trabalho, Tó foi trabalhar para as vinhas no Porto. Casou e acabou por ficar com Gui a viver em Viana do Castelo. Foram sempre muito trabalhadores. Tudo o que iam conseguindo poupar fora para adquirir a quinta onde os seus filhos, incluindo Madi, tinham sido criados.
Madi e o marido, Oliver, tinham sido obrigados, mais tarde, a emigrar para o Canadá, onde se dedicaram ao ramo imobiliário. Após a sua partida, Gui e Tó mudaram-se novamente para o Sul e Tó reconstruira a casa na Armona, que os seus pais lhe tinham deixado, onde Adli ia desde pequenina.
A ilha Deserta era um local privilegiado para Gui e Tó. Sempre que lá iam sentiam-se com menos 40 anos. Os acontecimentos faziam parte do passado, mas as sensações e emoções estavam bem presentes.
Adli ouvia o avô com grande admiração e ficava cada vez mais desejosa de regressar à ilha.
– Vamos, quero aproveitar o fim de semana!
A avó certificou-se de que não faltava nada: o chapéu de sol, a água fresca…
O avô já tinha ido à frente para preparar a surpresa a Adli. O avô tinha 70 anos, mas tinha um bom porte atlético e dispunha de agilidade, preparando com toda a astúcia o momento crucial.
Quando se apercebeu que Adli estava a uns 100 metros, pendurou-se no mastro do barco e gritou:
– Adli, vem depressa, estou aflito!
Ela correu, em desespero, e, vendo o avô pendurado, nem se apercebeu da beleza do barco. Estava tudo magnífico. Tinha um coração gigante na mão a dizer no rodapé: Este barco é para ti, Adli!
. Tó era um avô maravilhoso e não deixava nada para o dia seguinte.
Não deixes de amar hoje o amor que não podes amar amanhã.
O avô, com um bronzeado aterrador e pendurado no mastro daquele barco, parecia um jovem marroquino, não fosse o cabelo branco que se avistava ao longe. Tinha mandado colocar, ao redor do barco, com carateres especiais e letras grandes, "Happy Adli on the island of Armona".
Adli, quando viu que o avô estava bem, respirou e, ao contemplar tamanha surpresa, ficou sem palavras, inerte e estupefacta. Abraçou o avô como quem abraça alguém que não vê há muitos anos.
– Adoro-vos, nunca irei esquecer! – e conteve-se para não chorar.
Poutchie levantava as patas como os cavalos nas touradas. Com grande felicidade, Adli percebera o contentamento do seu cão. Pegou-o ao colo e entrou no barco. O avô puxou a alavanca do motor de 2000 cavalos e pô-lo a trabalhar.
O mar estava calmo, com alguma sujidade natural, fazendo transparecer caldo verde. As algas cobriam os peixes por debaixo, e Poutchie ladrava sempre que via um em movimento; estes desviavam-se mais rápido do que se tinham aproximado.
Estava uma manhã lindíssima. Enquanto se afastavam da ilha, sobre águas mais profundas, o sol refletia na água cristalina e calma. Naquele momento, apetecia a Adli falar com Pedro, mas sabia que não era possível, pois não havia rede móvel. Ainda perguntou ao avô se no barco haveria alguma antena especial, mas não teve sorte na resposta.
Com os seus cabelos vistosos, secos do tempo, desviados pela velocidade do barco, que lhe caíam sobre as costas, a avó Gui sorria para Adli.
Os seus pensamentos soltos e limpos de amor eram semelhantes à luz que se fundia no barco acabadinho de estrear. O avô colocava o piloto automático e o barco, a baixa velocidade, fazia um trajeto meticuloso. A três metros de distância, Tó olhava para Gui e para Adli com rosto de felicidade.
O lugar pode ser importante para a felicidade, mas a felicidade não se importa com o lugar.
Era a frase que o avô queria escrever naquele momento, como escrevera quando se pendurou no mastro. Faltavam ainda umas milhas,