Simpósio 70 anos!
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Sobre este e-book
Anne Lise Di Moisè S. S. Scappaticci
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Simpósio 70 anos! - Anne Lise Di Moisè Sandoval Silveira Scappaticci
Simpósio 70 anos!
EDIÇÃO COMEMORATIvA 70 ANOS SBPSP
Editora Anne Lise Di Moisè Sandoval Silveira Scappaticci
Organizadora do evento Marta Foster
Corpo editorial Celia Maria Blini de Lima, Edoarda Anna Giuditta Paron, Evelyn Finguerman Pryzant, Flavio Verdini, Maria Aparecida Angélico Cabral, Luis de Paiva Silva, Maria Luiza Lana Mattos Salomão, Mariana Eizirik, Orlando Hardt Junior e Patrícia de Campos Lindenberg Schoueri
Conselho consultivo Arnaldo Chuster (sprj), Elena Molinari (spi-Pavia), Elisa Maria de Ulhoa Cintra (puc), Giuseppe Civitarese (spi e Apsa), Ignácio Gerber (sbpsp), José Martins Canelas Neto (sbpsp), Leopold Nosek (sbpsp), Luca Trabucco (spi), Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho (sbpsp), Luiz Meyer (sbpsp), Luiz Tenório O. Lima (sbpsp), Maria Helena S. Fontes (sbpsp), Maria Olympia Ferreira França (sbpsp), Marina F. R. Ribeiro (ipusp), Mario Giampà (sbpsp e spi), Olgaria Matos (usp e Unifesp), Paulo Cesar Sandler (sbpsp), Renato Trachtenberg (sbpdepa),Vincenzo Bonaminio (spi)
Assessoria e divulgação artística Andreia Carmo, Fabio Malavoglia, Norma Melhorança, Paolo Scappaticci
Diretoria da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Presidente Carmen C. Mion
Secretária geral Marta Foster
Diretora científica Ana Maria Stucchi Vannucchi
Diretora administrativa Thais Szterling Rosenthal
Diretor financeiro: Cassio Rotenberg
Primeira secretária Miriam Altman
Diretor de Cultura e Comunidade João Augusto Frayze-Pereira
Diretor de Atendimento à Comunidade Darcy Antonio Portolese
Diretora regional Glaucia Maria Ferreira Furtado
Produção Ide
Secretária Fabiana Santos
Imagens Centro de Documentação e Memória Maria Ângela Gomes Moretzsohn
da sbpsp
Produção da capa, edição e produção gráfica Mireille Bellelis | Bellelis Comunicação
Revisor Willians Calazans
Preparação de texto e tratamento das imagens Mireille Bellelis
Simpósio 70 anos!
© 2022 Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Editora Edgard Blücher Ltda.
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenação editorial Jonatas Eliakim
Preparação de texto e tratamento das imagens Mireille Bellelis
Capa Leandro Cunha
Imagem da capa iStockphoto
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar
04531-934 – São Paulo – SP – Brasil
Tel.: 55 11 3078-5366
www.blucher.com.br
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras,março de 2009.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Simpósio 70 anos! / Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. – São Paulo : Blucher, 2022.
242 p.
Bibliografia
ISBN 978-65-5506-459-9 (impresso)
ISBN 978-65-5506-460-5 (eletrônico)
1. Psicanálise 2. Sociedade Brasileira de Psicanálose de São Paulo I. Título
cdd 150.195
Índice para catálogo sistemático:
1. Psicanálise
Prefácio 70 anos de psicanálise
Anne Lise Di Moisè Sandoval Silveira Scappaticci
¹
É com grande prazer que, junto com a editora Blucher, publicamos o evento comemorativo dos 70 anos da existência da Sociedade Brasileira de Psicanálise São Paulo, promovido pela atual diretoria da sbpsp.
A Ide comemora seu 45º aniversário, sua primeira publicação foi em 1975. É uma revista de interação entre psicanalistas e outras disciplinas, entre psicanálise e cultura, a Ide tornou-se uma aventura aprofundada da psicanálise, contém em suas páginas o anseio pelo objeto psicanalítico – na ética, ao perseguir a verdade e na estética, no sentido de sua efemeridade. Anseio tão necessário neste momento de temor crescente e ameaçador de catástrofes. Para tal feito elegemos o mito da Odisseia como conceito norteador de nossa linha editorial. Conceito que unifica várias temáticas e, assim, reúne um pensamento editorial que, de outra forma, permaneceria disperso em vários temas avulsos.
Escrita aproximadamente 650 a.C., a Odisseia é um dos primeiros textos da literatura ocidental. Mais ainda, é a própria criação da linguagem que mescla nuances de dialetos da Grécia arcaica. O tom mítico da narrativa confunde o elemento histórico com aquele fantástico. Os mitos são o patrimônio da humanidade dentro de cada um, acervo de relatos de viagens que sempre podem ser reinventados, imaginados. Nessa concepção felliniana do mito, a Odisseia aproxima-se ao Édipo, tragédia ressignificada por Freud como eixo central da psicanálise.
Como editora da Ide, ao enfatizar esse evento no bojo da revista, saliento o íntimo relacionamento entre as manifestações artísticas e a psicanálise. Qual tem sido, como diria Sócrates, no campo das ideias, nosso progresso, quando pensamos na arte da maiêutica?
A verbalização, método predominante de comunicação que dispomos em nosso trabalho, não é necessariamente superior, ou até mesmo mais eficiente, do que outros meios expressivos, como a música, a pintura e, até mesmo, um rabisco de uma criança. Nossa atividade acompanha Proust quando diz que um artista é compelido a recriar pela necessidade de recuperação de algo perdido, retirar das sombras alguma fina recordação intelectual.
A psicanálise pede, com frequência, recursos representativos que o analista, não sendo artista, não possui. Para mitigar essa limitação (ou se preferirmos, sua finitude), os primeiros analistas, como Freud, Melanie Klein, Wilfred Bion, Donald Winnicott, Jacques Lacan, André Green, Durval Marcondes, Virgínia Bicudo, Lígia do Amaral, entre outros, nunca tiveram pruridos em tomar emprestadas as representações de todos os campos do conhecimento, a começar pela literatura poética. Resulta, portanto, que a psicanálise não deixa de ser uma forma de expressão artística do psíquico, uma atividade autopoiética, autocriativa, ou como tenho insistido, uma autobiografia.
Esse momento inaugural da psicanálise no Brasil chega conjuntamente com outros, como no marco da Semana da Arte Moderna em 1922 e depois, na Antropofagia de 1927. A rara conjunção de um ponto de encontro poético entre a expressão literária, a musica, a pintura parece ir surgindo iluminando o horizonte e inspirando a imaginação de compositores, pintores, artistas e psicanalistas. Uma constelação que pré-anuncia outros e novos movimentos, uma esperança que ainda nos constitui.
Podemos pensar, portanto, a respeito desse evento como uma publica-ação
muito especial, única de seus autores e dos pioneiros de nossa Sociedade disponibilizando generosamente seu testemunho autobiográfico quanto à importância que a psicanálise foi adquirindo em suas vidas, em nossas vidas, um patrimônio da humanidade. Sabemos que a psicanálise – ciência do mistério, do desconhecido, do incerto, enfim, do Inconsciente – ao enfatizar nossa vulnerabilidade, nossa condição humana de solidão e dependência (Melanie Klein) pode chamar para si ódio e repúdio, aversão à realidade psíquica. Nesse sentido, seu caminho nunca foi e jamais será fácil, pois depende muito da possibilidade de cada um de suportar sua condição de humanidade. Assim, tal efeméride e sua justa comemoração é uma oportunidade de confraternização, de união de esforços e de gratidão por termos a oportunidade única de trilharmos nossas vidas tendo ao nosso alcance uma ferramenta tão importante.
Este volume comemorativo é composto por nossos autores que disponibilizam aqui seu precioso testemunho do dia 11 de setembro de 2021: Carmen C. Mion, Dora Tognolli, Marta Forster, Ana Maria Stucchi Vannuchi, Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, Gláucia Ferreira Furtado, Elias Mallet da Rocha Barros, Darcy Antonio Portolese, Leopold Nosek, João Augusto Frayze-Pereira e outros, de reconhecido valor cultural, colaboradores incansáveis da psicanálise: Élisabeth Roudinesco, Ádelia Bezerra de Meneses, Oswaldo Giacóia Junior e Ricardo Fabbrini.
Assim, contemos, como fez Freud, com o patrocínio de Goethe, de Shakespeare, dos poetas, dos filósofos, dos matemáticos, de nossos analistas, de nossos pais, façamos nosso aquilo que herdamos!
Membro efetivo e analista didata da
sbpsp
. Editora da revista Ide, pós-doutora em Psicologia Clínica
(usp)
, Doutora pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp Epm. Psicóloga Clínica, La Sapienza di Roma. [email protected]
Abertura do simpósio sbpsp 70 anos!
História, liberdade e psicanálise Os 70 anos da sbpsp
Marta Foster², São Paulo
Setenta anos de história é um belo número! Embora esse número seja grande o suficiente para comentar muitas coisas sobre ele, não é matemática que irei abordar. Aqui, vou escrever sobre nossa decisão de realizar um simpósio, o Simpósio 70 Anos!, para comemorar o ingresso da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (sbpsp) à International Psychoanalytical Association )ipa) em 1951.
Podemos pensar que a história é o mais importante, e então teríamos uma rica trajetória sobre a qual nos debruçar. Mas sob as densas camadas dessa história existe uma outra questão mais profunda: por que a história é importante?
Elisabeth Roudinesco, psicanalista e historiadora, em sua conferência História da psicanálise
, enfatizou a importância da história como aproximação ao princípio da realidade, na medida em que, ao investigar, o historiador vai construindo o fato histórico, oriundo de diferentes pontos de vista e vários processos de investigação. Ela se debruça sobre os fatos que compõem o movimento psicanalítico e também sobre as características pessoais dos analistas, alegando que muitas vezes essas características pessoais trazem fatos desconfortáveis e desidealizadores. Na sua experiência, os analistas rejeitam os fatos trazidos, pois não suportam entrar em contato com as dificuldades pessoais dos grandes mestres. Segundo Roudinesco, a psicanálise francesa estaria estagnada por essa razão, acrescida da oposição a uma abertura e flexibilização necessárias. O futuro da psicanálise, conclui, está no México, na Argentina e no Brasil, em função da fertilidade trazida por diferentes modos de trabalhar psicanaliticamente as diferentes teorias que se fertilizam mutuamente, e as aplicações da psicanálise tão necessárias numa sociedade tão desigual como a nossa.
Nesse clima de trocas francas de opiniões e conhecimento, que despertou o interesse dos participantes, acrescentamos a história da psicanálise de São Paulo, trazida por Carmen Mion, e do Instituto Durval Marcondes, apresentado por Dora Tognolli, que mostraram que nossa Instituição representa um acúmulo de vivências, experiências, movimentos, ideologias, teorias e relações, que vão se movimentando através do tempo e criando essas substâncias que vão se transformando e criando nossa história, nossos 70 anos.
Pouco depois, diria até em seguida, fomos apresentados com brilhantismo à literatura, através de Adelia Bezerra de Meneses, que nos instiga com sua proposta de fazer convergir tudo a uma prática de interpretação. Mostra que o denominador comum entre psicanálise e literatura é a palavra, que nos confere o poder de nomear. Cita Alfredo Bosi: O poder de nomear significava para os antigos hebreus dar às coisas a sua verdadeira natureza, ou reconhecê-la. Esse poder é o fundamento da linguagem, e, por extensão, o fundamento da poesia
(1977, p. 114). Para Adelia, a leitura do humano, a leitura do social, desvela a natureza humana, seja na individualidade incontornável da pessoa, seja nas grandes configurações da história e da cultura.
Na sequência, Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho nos apresenta como a literatura nos permite vivenciar intensas e significativas experiências emocionais, ao trazer dois trechos literários que exemplificam de forma impactante a ideia de reciprocidade estética, explicando que se trata daquele frisson ou vertigem que acompanha a ascensão e a queda de uma experiência emocional, ou seja, os movimentos arrebatadores em direção ao infinito, em contraste com o trajeto coartado pela finitude entre libido elegíaca e libido sensual. Podemos dizer que a emoção foi o denominador comum presente naquele momento.
Ao sermos apresentados ao tema psicanálise e ciência por Oswaldo Giacoia Junior e Elias M. da Rocha Barros, entramos em contato, como nos diz Giacoia, com o enfoque dado por Freud, especialmente em Totem e tabu, que nos possibilita observar passagens específicas desse texto como invariantes que conferem um denominador comum e um caráter científico à psicanálise. A psicanálise, enfatiza Rocha Barros, é uma ciência que tem como diferencial o fato de que, através do contato analista-analisando, é possível extrair, pela experiência emocional, o conteúdo da formação de significados apreendidos pela transferência, em Freud, e a identificação projetiva, em Klein. Com essas bases, desses autores e de outros como Winnicott, pôde-se construir um aparelho mental para contactar áreas profundas da mente e gerar a apreensão de elementos para o conhecimento e o desenvolvimento emocional.
Nas duas últimas conferências, Ricardo Fabbrini e Leopold Nosek conversam conosco sobre psicanálise e arte, na qual Fabbrini apresenta o conflito de imagens na contemporaneidade a partir da reflexão estética de Jean Baudrillard. Mostra que a imagem hegemônica na sociedade da simulação total é o simulacro: imagens planas, sem enigma, sem mistério, sem face oculta. A partir dessa constatação, indaga se nesse tipo de sociedade ainda é possível a produção de uma imagem-enigma, uma imagem que force o pensamento
, no sentido de Gilles Deleuze, algo que rompa o previsível e o convencional. Também analisa uma série de imagens e obras, refletindo sobre o drama da percepção e o destino da imagem na contemporaneidade, que está no centro da reflexão estética atual.
Nosek se refere aos tempos de inquietação que se abatem sobre o viver cotidiano, e nos diz: A arte é como um farol, ela vai dar a dimensão de quem eu sou, de como estou, do que está acontecendo. Ela me permite uma reflexão que precede nas figuras que ela propõe, ela precede a organização do conceito
. Nesse sentido, a observação do movimento da estética, o movimento da arte, sempre será importante. A arte é o território no qual existe a maior agilidade de apreensão do que está acontecendo no mundo, seja nas artes figurativas, seja na música. Ao falar que a sombra do observador modifica as cores que o camaleão absorve de seu ambiente
, põe em questão a objetividade que muitas vezes se busca. Diz:
eu queria saber em que campo eu me movimentava na psicanálise, afinal era uma ciência, uma estética, uma literatura? Comecei a pensar que nesta construção metafórica, literária e efêmera que é a participação analítica, a psicanálise seria uma arte, mas uma arte muito peculiar, porque em conjunto com o paciente teríamos um momento de iluminação, mas teríamos uma enorme frustração logo a seguir …
E cita o paradoxo: a psicanálise seria uma arte muito radical e muito contemporânea, uma arte e uma estética.
Essa densidade histórica da psicanálise, que conversa e necessita de outras áreas do saber, impacta a sociedade através dos tempos. Muitas vezes, a psicanálise é acusada de ser elitista, de atingir poucas e privilegiadas pessoas, mas, se voltarmos à matemática e observarmos os números que podem se multiplicar com os 70, e ao pensarmos que hoje somos 503 membros associados e 359 membros filiados, podemos falar em alguns milhares de atendimentos individuais, cursos e supervisões ao longo de sua história. Acreditamos que uma pessoa que passou por um processo de análise consistente tem um resultado positivo em suas relações – com a família, com grupos e com a sociedade.
Outra verdade conhecida é a de que a psicanálise demanda liberdade para ser plenamente exercida. Regimes fechados, ditatoriais ou autoritários perseguem ou simplesmente proíbem a prática da psicanálise. Dessa forma, quando falamos em uma longa trajetória de crescimento e atuação impactando a sociedade, ao contrário dos que dizem que é elitista e individualista, nós a exercemos nos alimentando da liberdade, num processo de se alimentar e ao mesmo tempo de propiciar a liberdade de pensamento para possibilitar uma vida plena de experiências.
Então, uma prática que se alimenta da liberdade naturalmente se alinha aos que defendem a plena liberdade de pensamento no país. Nestes tempos em que as liberdades são questionadas, o peso de uma entidade que há 70 anos exerce a liberdade se faz sentir como nunca, e tivemos a felicidade de conhecer nossa história, observar nossa trajetória e debater esses aspectos em alto nível, justamente neste momento histórico em que alguns tentam obscurecer as conquistas democráticas que nosso país conquistou. Feliz coincidência. E que venham outros 70 anos, e muitos mais, de liberdade de pensamento, da qual a psicanálise é uma das grandes contribuintes.
Nenhuma comemoração como esta pode deixar de lado os agradecimentos: aos palestrantes; aos participantes – foram 341 inscritos; à equipe de colaboradores da sbpsp; à equipe de comunicação e divulgação; e, especialmente, ao dedicado trabalho dos nossos diretores das diretorias científica, de atendimento à comunidade, regional,