Dois Mundos E Um Destino
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Dois Mundos E Um Destino - Danilo Soares Marques
Dois Mundos
e
Um Destino
Danilo Soares Marques
2020
"Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas mortas ou vivas será mera coincidência".
PRÓLOGO
Na nossa vida muitas surpresas agradáveis nos aguardam, mas também grandes tristezas em alguns momentos.
Quando nascemos entramos nesse magnífico passeio sem saber o seu destino e nem quando chegaremos ao fim, pois isto não nos é dado saber. Muitas pessoas farão este trajeto apenas a passeio, outras encontrarão no seu caminho somente tristezas e ainda outras circularão por ele prontos a ajudar quem precise.
Assim é a vida, cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, despedidas, porém, jamais, retornos.
Façamos essa viagem então, da melhor maneira possível, tentando nos relacionar bem com quem está ao nosso lado, procurando em cada um deles o que tiverem de melhor, lembrando sempre que em algum momento eles poderão fraquejar e precisaremos entender, porque provavelmente também fraquejaremos e com certeza haverá alguém que nos acudirá com seu carinho e sua atenção.
O grande mistério afinal é que nunca saberemos em que ponto da vida isto acontecerá, muito menos nossos companheiros de jornada, nem mesmo aquele que está ao nosso lado.
Façamos com que a nossa estada nessa vida seja tranquila, que tenha valido à pena e que quando chegar a hora de encerrarmos o percurso o nosso lugar vazio traga saudades e boas recordações para aqueles que prosseguirem a viagem.
A história passa-se no Sudeste brasileiro na primeira década do século XXI e seus personagens pertencem a mundos diferentes, tanto sociais como culturais, mas com um só sentimento e um só destino.
DOIS MUNDOS E UM DESTINO é uma fantástica viagem através de turbulentos caminhos da alma humana.
Conquistas, fracassos, derrotas e vitórias, alegrias e decepções.
Uma sociedade dividida social e culturalmente, mas unidas por um mesmo sentimento: solidariedade.
Divirta-se e emocione-se com os personagens de mundos opostos. Viaje por paisagens e lugares os mais diferentes.
Saboreie as mais deliciosas receitas das cozinhas regionais e internacionais. Deguste os melhores vinhos e champanhes.
Sobreviva em lugares inóspitos e descanse em luxuosos hotéis e pousadas. Seja nosso convidado neste passeio emocionante e cultural.
O Autor.
CAPITULO I
Eram os primeiros anos do novo século, período de medos e incertezas. O ano estava apenas começando e os rumores sobre o fim do mundo ganhavam força nas conversas de fim de tarde da população da pequena cidade do interior.
Falava-se que o mundo acabaria, porque alguém havia achado uma tal pedra que previa a extinção da raça humana.
Uns diziam que o sol explodiria, outros que haveria uma nova era do gelo e havia quem acreditasse numa invasão alienígena.
Monte do Carmo ardia sob o escaldante sol de janeiro. As ruas tortuosas e com calçamento irregular lembrava de longe as antigas cidades do século XIX.
Nas ruas as pessoas olhavam nos olhos, se cumprimentavam. Quem chegava de fora era notado pois não fazia parte da paisagem singela daquela pequena cidade do interior. Todo mundo conhecia todo mundo, e se chamavam pelo nome. Velhos ou jovens, as pessoas se cumprimentavam; bastava fazer o mesmo percurso, dobrar a mesma esquina ou caminhar na mesma rua, e logo nascia um cumprimento complacente. E era assim que as pessoas se comportavam na aconchegante Monte do Carmo.
Fincada nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, tendo aos pés o Rio Preto, Monte do Carmo guardava em suas ladeiras difíceis de subir, em suas praças, em suas casas simples alguma coisa de enigmático. A magia se transformava e o mistério assumia formas diferentes dentro de cada ser humano.
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo era uma construção de 1875 que estava ligada à própria história da cidade e tinha na sua paisagem casas antigas enriquecendo ainda mais sua história.
A cidade era servida por um terminal rodoviário, possuindo no seu interior lanchonetes, lojas de artesanato, guichês e sanitários. Durante o seu tempo de existência já passou por várias reformas, e mesmo assim encontrava-se em péssimas condições. Recentemente foram iniciadas várias obras que pretendiam deixar mais bonito e agradável aquele lugar bastante frequentado.
Apesar do calor, soprava um vento morno vindo do norte, prenúncio, segundo os mais antigos, de chuva forte.
As crianças brincavam embaixo de uma árvore, e do outro lado da rua uma babá cuidava de uma menininha de no máximo três anos de idade que brincava com sua boneca. Dava para escutar ao longe a buzina do pipoqueiro; os tico-ticos faziam a festa no monte de areia jogado à frente de uma construção inacabada. Era possível se escutar uns trinados de pássaros que saltitavam nos galhos de algumas árvores.
Subindo a rua principal em direção à rua da feira, a mais ou menos duzentos metros de distância, desembocava-se numa ruela estreita, sem calçamento. A rua ficava no plano e, quando chovia, encharcava e ficava tal qual um pântano.
A casa simples, caiada de uma cor que outrora fora branco, mas que agora estava amarronzada pela ação da chuva e da poeira, ostentava na sua fachada um número 55 pintado sobre papelão e coberto com plástico.
Na varanda xaxins de samambaias enfeitavam e arejavam o ambiente, numa falsa sensação de natureza.
Pela porta azul tinha-se acesso à pequena sala pintada de amarelo aguado. No silêncio escutava-se apenas o tique-taque do velho relógio de madeira esquecido ao lado da janela.
No centro, havia uma pesada mesa redonda de madeira fosca, rústica, de um marrom escuro atravessado por listras mais claras e assimétricas. Sobre a mesa, um antigo vaso branco de porcelana, com seu esmalte já meio corroído pelo tempo e decorado com finos ramalhetes de rosas vermelhas, abrigava seis flores grandes e amarelas, de pétalas aveludadas e pistilos brancos ainda úmidos. Diante da mesa havia um grande sofá em estilo antigo, cujo estofado azul escuro era repleto de manchas pretas. Em uma pequena almofada quadrada listrada de verde folha e bege repousava desleixadamente uma toalha branca. Nela, um início de bordado representava uma pequena casa rosa de portas e janelas azuis à margem de um rio de águas tranquilas que nascia num vale verdejante. Em uma das paredes, um único retrato: a foto de um homem em idade avançada pele levemente bronzeada e cabelos grisalhos curtos.
Os lábios rudemente fechados sob um bigode cuidadosamente aparado; o nariz reto lhe dava um ar petulante e astuto. Vestia um terno negro e a gravata era de um vermelho berrante sobre a camisa branca; seus olhos, apesar de parados, pareciam observar pacientemente o silêncio em que a sala estava imersa.
***
O cheiro de temperos exalava na pequena cozinha. O calor do forno penetrava nas suas entranhas e o suor formava pequenas gotículas na sua testa bronzeada pelo sol de verão.
Carolina, ou Carol como era conhecida pelos amigos era uma rapariga de dezenove anos; era morena, desse moreno pálido; os grandes olhos negros, vivos e travessos; a mimosa boca facilmente sorria pondo à mostra duas ordens de belíssimos dentes; era alta e esbelta, o andar livre e desembaraçado.
Ela não era feia; amorenada, com os seus traços acanhados, o narizinho malfeito, mas galante, e, a sua aparência transmitia um ar de bondade passiva, de indolência de corpo, de ideia e de sentidos. A natureza colocou-lhe na cabeça um tabloide homeopático de inteligência, um grânulo de memória, uma pitada de raciocínio – e plantou a cabeleira por cima. Uma cabeleira negra, lisa e brilhante como os pelos de um corcel negro depois de uma grande corrida.
Preparando a receita que sua mãe lhe ensinara, sonhava com uma vida melhor numa cidade maior, em um mundo melhor. Sonhava casar, mas não com alguém daquele lugar pequeno, mas com alguém com cultura e de preferência com dinheiro, muito dinheiro.
Gostava de andar bem arrumada, unhas feitas, cabelos escovados, pele hidratada. Cortava, recortava, reformava suas roupas, pois novas não podia comprar. Seu pai, que juntamente com o irmão mais velho eram os únicos que sustentavam a família. Não ganhavam lá essas coisas, mal dava pra comer e pagar as contas que, por sinal, eram muitas. Seu irmão, rapaz de 21 anos, até se esforçava, mas não conseguia um emprego fixo, duradouro. Vivia de fazer biscates, um conserto aqui, outro ali.
Balançou a cabeça como se, com este gesto, quisesse espantar seus pensamentos. Concentrou-se na receita que sua mãe lhe ensinara. Ainda dava para ouvir a voz de sua mãe lhe explicando o passo-a-passo desta iguaria.
Comprou uma peça de carne de segunda, pois de primeira não podia, para assar no forno. Era uma carne que, apesar de barata, muito lhe agradava para esse fim (assada).
Na feira comprou batatas, pimentão e tomilho. No mercado, sal, azeite e vinho branco. Fez uma pasta com a massa de pimentão, sal (pouco), azeite e o tomilho esfarelado. Besuntou a carne com essa pasta e colocou num tabuleiro de barro.
Juntou o vinho, cobriu com papel alumínio e levou ao forno durante duas horas. Sempre que achava necessário regava com o molho que se formou. Ao fim desse tempo juntou umas batatas novas pequenas, e envolveu no molho. Aumentou o calor do forno e deixou assar as batatas sem o papel de alumínio. Foi o tempo suficiente para a carne ficar com a textura de se comer à colher. Simplesmente "brutalíssima"...como diria sua mãe. Serviria com uma salada verde e arroz branco. Desligou o forno e começou a arrumar a mesa, pois logo o pai e o irmão estariam chegando. Não demorou muito para ouvir a voz dos dois adentrando a sala e como sempre falando em altos brados, costume este que ela detestava e não raro era motivo de muitas brigas.
Sua mãe não viria para o almoço, pois arrumara uma faxina pra fazer e iria almoçar na casa da patroa. Carol pedia a Deus