70 Anos De Solidão
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70 Anos De Solidão - José Rossini Costa Machado
Êxtase
A luz do castiçal lentamente se apaga,
Nossas mãos ansiosas se encontram,
O odor que na taça o vinho exala,
Excita ainda mais os nossos corações.
A transparência do robe acetinado,
Acentua a nudez da virginal donzela...
Enchendo de volúpia o meu corpo,
Que, sôfrego, arqueja ao lado dela.
Agasalho-me, em seu colo angelical,
Absorvendo a divinal fragrância
Que emana dos sentimentos puros,
Que o amor do seu corpo exala.
Levitando entre o sonho e a realidade
Desse amor excelso que acasala,
Desfaleço em êxtase supremo,
Como um escravo débil de senzala.
Outono Triste
Nesse outono a poesia perdeu a elegância,
Sem o brilho e o lirismo de outras estações.
Não se fala de amores nem de paixões, e
eclodiu na alma espasmos de dor e ânsia.
O cenário atual é de profunda desolação!
E o nosso povo alegre perdeu a esperança,
Pois a dor da perda que ficou na lembrança
Deixou cicatrizes indeléveis no coração.
Nesse outono triste o poeta desolado chora.
Pois seus versos perderam a singular emoção,
Como as flores de um final de estação
Na chegada taciturna e rigorosa do inverno.
Não há, pois, motivo algum para celebração!
A alma desfigurada está imersa em tristeza,
Nossa gente vive agora tantas incertezas,
Que o sorriso desapareceu da face humana.
Ao Som dos Atabaques
Ao som hipnótico dos atabaques,
Os pés descalços, ágeis e belos;
O contorcer de corpos tão singelos,
Enchem de mistério o umbral da sala.
Corpos flutuam num ritual sagrado,
Iluminados pela luz mística das velas.
Deusas negras cujas silhuetas revelam
A beleza sensual de seus antepassados.
Ouço suas vozes no canto aos orixás,
E o odor do suor e do incenso no ar,
E a bela negra que traz tatuada,
Nos rijos seios o rosto de Iemanjá.
E seu longo vestido branco de rosas,
Que bailam como as ondas do mar.
Devaneios
Eu queria ser como o mar que amedronta.
Eu queria ser como o vento que sopra forte
E a montanha que desafia o tempo.
Eu queria ser como o sol cuja luz nunca apaga
E a sequoia gigante que reina por sobre a floresta.
Eu queria ser como a lua rainha soberana da noite
E o aconchego de uma criança no ventre
de uma mulher.
Eu queria ter asas e poder voar alto, acima dos meus
sonhos.
Eu queria ter esses poderes e poder zombar da morte.
Eu queria que a humanidade tivesse melhor sorte,
E que os homens fossem eternas crianças.
Canto Apocalíptico
Fui batizado, mas o coração continua pagão.
Oh, tarefa ingente e árdua essa de não acreditar,
De querer, mas não conseguir enxergar e nem
sentir, uma divindade reprimida dentro de mim.
Lavei os pés nas águas santificadas do Rio Jordão,
Pisei no mesmo solo que João andou e pregou.
Subi a colina de Gûlgaltâ, onde Jesus crucificado,
Num suspiro de agonia e dor, entregou a alma ao Pai.
Vi romeiros manifestarem ardorosa devoção,
Vi olhos angustiados que buscavam oração.
Ouvi várias línguas e devotados beduínos em suas
peregrinações.
Vi Herodes no muro das lamentações, maculando
o templo sagrado do judaísmo.
Vi o Cristo entre eles a olhar e a se compadecer,
Vi o final de tarde se entristecer por sobre as mesquitas.
Vi o triunfo de Roma sobre a Judéia,
Vi o povo da Galileia carregando nos ombros
o Messias.
Vi mulheres que oravam por seus filhos
nas sinagogas.
Vi uma cruz resplandecer no Gólgota,
Mas acreditem, Jesus não volta!
Porque a humanidade não merece redenção.
Pois tem o coração endurecido e mal.
Hão de ficar para sempre perdidos, obsoletos,
Nessas terras que foram um dia lar dos santos,
dos escribas, dos fariseus e dos hipócritas.
Porque no céu também existe revolta!
E de tanta falta de fé do homem, e maldade,
As portas do paraíso se fecharam para nós.
Que triste fim esse da humanidade!
Que paradoxo intrigante!
Batizada, mas com a alma pagã.
Farsa
Inventei tantos disfarces para a minha dor!
Desnudei a alma e embriaguei-me de solidão.
E mesmo diante de tão grande inquietação,
Mantive sempre um sorriso no meu rosto.
Se não fui, quis parecer feliz a qualquer custo!
E esconder do mundo todo o meu desgosto.
Quis ser sempre de tudo o oposto, ainda que,
por dentro, todo o meu ser estivesse de luto.
Nunca os meus olhos verteram uma lágrima!
Nem diante da morte expressei algum lamento.
Nem interjeições de espanto ou sofrimento!
Guardava comigo, engolia à seco, disfarçava!
Não fraquejei um só instante, quis ser forte! Mas
quando te perdi, meu amor, tornei-me tão fraco!
Retrato da Alma
Se o rosto é o retrato da alma,
Devo me afastar do espelho
Para não ver a alma em desespero
Refletida em meu desfigurado rosto.
Já não existe em mim a mocidade,
E minha alma resoluta se afastou,
E diante do espelho não me vejo,
Pois o espelho da alma se quebrou.
O tempo inexorável desgasta tudo!
O homem, o ferro o aço e a natureza.
Tudo se transforma e nada é absoluto
nesse mundo repleto de incertezas.
O homem, sem norte, aposta no escuro.
Tentando ser feliz de todas as maneiras.
Tem consciência que um dia vai morrer!
A sua vida é um jogo. Uma roleta russa.
Sonhos Quiméricos
Se nas noites de solidão eu não sonhasse
Contigo entrando no meu quarto pálida e nua.
E na minha cama, sem pudor, tu te deitasse,
Como uma meretriz qualquer da rua!
E se nos meus sonhos eu não te amasse,
Não te tomasse em meus braços à luz da lua.
Se o teu corpo, ponto a ponto, eu não beijasse,
Certamente eu morreria de paixão ou loucura.
É só nos sonhos que abrando a dor e a saudade,
E que me sinto feliz com a vida e o mundo.
Onde eu fujo, literalmente, da realidade,
E não tenho que sofrer para te amar muito.
Se nas noites de solidão eu não sonhasse, meu
coração de tanto chorar se afogaria em soluços.
Confusão Mental
Passo boa parte do meu tempo dedilhando
as teclas do computador.
Tentando me reestruturar, escrevendo o que
me vem na mente.
Querendo viver o presente, sem me prender
as auguras do passado...
Sobrevivente único! Empedernido marujo à
deriva nesse barco.
Enfrentando a cada dia o vaivém das marés.
Mas sobrevivendo como um bravo, lutando,
impondo resistência, e sempre de cabeça erguida.
Uma luta sem tréguas. Um homem querendo
se libertar de seus medos e angústias. Querendo
ser livre! Para poder continuar, para não esquecer
que ainda tem um sobrenome, seu único legado.
Sei que essas palavras não têm muito sentido...
Mas a vida! A vida tem sentido?
Nesse meu filosofar nada teorético, acho que sim,
outras vezes, que não...
Comporto-me como ateu, outras vezes como um
crente fervoroso.
E nessa corda bamba vou me equilibrando, seguindo
a minha travessia... e por mais cuidado que tenha,
As quedas são inevitáveis e, vez por outra, me
esborracho no chão!
E quando o tombo acontece eu desperto dessa letargia!
Cônscio de minha realidade. De ser apenas um homem
cativo e cheio de vícios, e que um dia vai morrer