A pintora de henna
De Alka Joshi
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Sobre este e-book
Fugindo de um casamento abusivo, Lakshmi, de dezessete anos, acaba indo parar na vibrante Cidade Rosa de Jaipur, nos anos 50. Ali, ela se torna a artista de henna — e confidente — mais requisitada pelas mulheres da alta sociedade indiana. Mas, guardando os segredos dos ricos, ela jamais pode revelar os seus próprios...
Conhecida por seus desenhos maravilhosamente intrincados e pelos conselhos sábios, Lakshmi deve agir com discrição e cuidado para evitar as fofocas invejosas que poderiam destruir sua reputação e acabar com seu sustento. Enquanto persegue o sonho de ser independente, ela é surpreendida por seu marido, que a localizou depois de muitos anos e ainda trouxe uma jovem espirituosa a tiracolo — uma irmã que Lakshmi nunca soube que tinha.
De repente, a vida que ela criou para si com tanto cuidado é ameaçada. Lakshmi está determinada a seguir em frente e conquistar tudo o que deseja, mas o passado pode se colocar em seu caminho. Com personagens vibrantes, cenários suntuosos e prosa envolvente, A pintora de henna é uma leitura inesquecível.
"Rico em detalhes e cheio de sabores e texturas, A pintora de henna é um fabuloso vislumbre da cultura indiana nos anos 1950." - BookPage
"Um livro eloquente e emocionante… Joshi equilibra com maestria o desejo de autodescoberta com a necessidade de amor familiar." - Publishers Weekly
"Um romance de estreia admirável e interessante sobre um tema necessário — o equilíbrio entre família e ambição pessoal —, que permite aos leitores escapar para um lugar repleto de prazeres sensoriais." - San Francisco Chronicle
"Joshi construiu um vislumbre fascinante do passado, com uma heroína obstinada pela qual vale a pena torcer." - Booklist
"Uma história inspiradora que salienta o poder da família. Para fãs dos romances de Kristin Hannah." - Library Journal
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A pintora de henna - Alka Joshi
Tradução
Cecília Camargo Bartalotti
1ª edição
fioRio de Janeiro-RJ / Campinas-SP, 2022
Verus Editora.Título original
The Henna Artist
ISBN: 978-65-5924-071-5
Copyright © Alka Joshi, 2020
Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reproduzir em todo ou em parte, em qualquer meio ou forma. Edição publicada mediante acordo com Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são produto da imaginação da autora ou usados de forma ficcional. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, instituições comerciais, eventos ou locais é coincidência.
Tradução © Verus Editora, 2022
Direitos reservados em língua portuguesa, no Brasil, por Verus Editora. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora.
Verus Editora Ltda.
Rua Benedicto Aristides Ribeiro, 41, Jd. Santa Genebra II, Campinas/SP, 13084-753
Fone/Fax: (19) 3249-0001 | www.veruseditora.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
J72p
Joshi, Alka
A pintora de henna [recurso eletrônico] / Alka Joshi; tradução Cecília Camargo Bartalotti. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Verus, 2022.
recurso digital
Tradução de: The henna artist
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5924-071-5 (recurso eletrônico)
1. Ficção indiana. 2. Livros eletrônicos. I. Bartalotti, Cecília Camargo. II. Título.
22-76678
CDD: 828.99353
CDU: 82-3(540)
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
Revisado conforme o novo acordo ortográfico.
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Atendimento e venda direta ao leitor:
Para minha mãe, Sudha Latika Joshi, que apoiou minha independência.
Para meu pai, Ramesh Chandra Joshi, que cantava para mim as mais doces canções de ninar.
O viajante tem que bater
em cada porta estrangeira para chegar à sua,
e tem que percorrer todos os mundos exteriores
para alcançar o santuário mais íntimo no fim.
— Do poema Viagem para casa
, de Rabindranath Tagore
Quando a Deusa da Riqueza vem lhe dar a sua bênção,
não saia da sala para lavar o rosto.
— Provérbio hindu
Sumário
Personagens
Prólogo
PARTE UM
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
PARTE DOIS
Sete
Oito
Nove
PARTE TRÊS
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
PARTE QUATRO
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Epílogo
Agradecimentos
A história da henna
A receita de Radha para a pasta de henna
O sistema de castas
Bolas de baati (receita de Malik)
Rabri real (receita do palácio)
Personagens
Lakshmi Shastri: artista de henna de trinta anos, moradora da cidade de Jaipur.
Radha: irmã de treze anos de Lakshmi, nascida depois que esta saiu de sua aldeia.
Malik: criado de Lakshmi, um menino de sete ou oito anos (ele não sabe ao certo); mora no centro superpovoado da cidade com a tia e os primos muçulmanos.
Parvati Singh: dama da sociedade de trinta e cinco anos, esposa de Samir Singh, mãe de Ravi e Govind Singh, prima distante da família real de Jaipur.
Samir Singh: arquiteto renomado de uma família rajapute de casta elevada, marido de Parvati Singh e pai de Ravi e Govind Singh.
Ravi Singh: filho de dezessete anos de Parvati e Samir Singh, estuda no internato Mayo College (a poucas horas de Jaipur).
Lala: criada solteira de longa data na casa dos Singh.
Sheela Sharma: filha de quinze anos do sr. e sra. V. M. Sharma, um casal brâmane rico de origem humilde.
Sr. V. M. Sharma: empreiteiro oficial da família real de Jaipur, marido da sra. Sharma, pai de quatro filhos, sendo a mais nova Sheela Sharma.
Jay Kumar: amigo solteiro de Samir Singh dos tempos de Oxford, médico atuante em Shimla (nos contrafortes dos Himalaias, a onze horas de viagem de Jaipur).
Sra. Iyengar: proprietária do imóvel onde Lakshmi mora em Jaipur.
Sr. Pandey: vizinho de Lakshmi e outro inquilino da sra. Iyengar, professor de música de Sheela Sharma.
Hari Shastri: marido separado de Lakshmi.
Sra. Joyce Harris: jovem inglesa, esposa de um oficial do exército britânico que é parte da equipe de transição em Jaipur para a saída do Raj britânico.
Sra. Jeremy Harris: sogra de Joyce Harris.
Pitaji: pai
em híndi.
Maa: mãe
em híndi.
Munchi: velho da aldeia de Lakshmi que a ensinou a desenhar e ensinou Radha a misturar tintas.
Kanta Agarwal: esposa de vinte e seis anos de Manu Agarwal, educada na Inglaterra, originalmente de uma família culta de Calcutá.
Manu Agarwal: diretor de manutenção da família real de Jaipur, marido de Kanta, educado na Inglaterra; tem parentesco com a família Sharma.
Baju: velho criado familiar de Kanta e Manu Agarwal.
Marajá de Jaipur: título representativo pós-independência, a mais alta posição de realeza na cidade, rico em terras e em dinheiro e dono de vários palácios em Jaipur.
Naraya: construtor da nova casa de Lakshmi em Jaipur.
Marani Indira: madrasta do atual marajá, viúva do marajá de Jaipur, sem filhos, também chamada de rainha viúva.
Marani Latika: esposa do atual marajá, trinta e um anos, educada na Suíça.
Madho Singh: periquito da marani Indira.
Geeta: viúva, amante de Samir Singh.
Sra. Patel: uma das clientes de henna fiéis de Lakshmi, proprietária de um hotel.
Prólogo
Ajar, estado de Uttar Pradesh, Índia
Setembro de 1955
Seus pés pisam de leve a terra dura, as solas calosas insensíveis aos pequenos seixos e ao barro endurecido ao longo da margem do rio. Sobre a cabeça, ela equilibra um mutki, o mesmo jarro de argila que usa para carregar água do poço todos os dias. Hoje, em vez de água, a menina está carregando tudo que possui: um segundo conjunto de anágua e blusa, o sári1 de casamento de sua mãe, Os contos de Krishna que seu pai lia para ela, com as páginas gastas por anos de manuseio, e a carta que chegou de Jaipur mais cedo nessa manhã.
Quando ouve as vozes das mulheres da aldeia a distância, a menina hesita. As fofoqueiras estão conversando, contando histórias, rindo, enquanto lavam sáris, coletes, anáguas e dhotis.2 Mas, quando a avistarem, ela sabe que vão parar e encarar, ou cuspir no chão, implorando para Deus protegê-las da Menina do Mau Agouro. Ela lembra a si mesma da carta, segura dentro do mutki, e pensa: Tudo bem. Será a última vez.
Ontem as mulheres estavam enchendo os ouvidos do líder da aldeia: Por que a Menina do Mau Agouro continua morando na casa do professor quando precisamos do lugar para o novo mestre? Em total silêncio por medo de que elas entrassem e a arrastassem para fora pelos cabelos, a menina ficou imóvel dentro das quatro paredes de barro. Não havia ninguém para protegê-la agora. Na semana passada, o corpo de sua mãe tinha sido queimado com os ossos de outros animais mortos, a pira funerária dos pobres. Seu pai, que era o professor da aldeia, abandonara as duas havia seis meses e pouco depois se afogou em uma poça rasa na margem do rio, tão bêbado que provavelmente nem sentiu o ferrão da morte.
Todos os dias na última semana, a menina ficou esperando nos limites da aldeia pelo carteiro, que esporadicamente vinha de bicicleta da aldeia vizinha. Nessa manhã, assim que o avistou, ela correu de seu esconderijo, assustando-o, e perguntou se havia alguma carta para sua família. Ele franziu a testa e mordeu a bochecha, os olhos reumosos a examinando atrás das lentes grossas dos óculos. Ela percebeu que ele sentia pena dela, mas também parecia zangado; a menina estava lhe pedindo algo que só o chefe da família deveria receber. Mas ela enfrentou o olhar dele sem piscar. Depois que finalmente lhe entregou o gordo envelope de papel vegetal endereçado a seus pais, partiu com muita pressa, evitando seus olhos e pedalando para longe o mais rápido possível.
Agora, com o corpo ereto, os ombros para trás, ela passa pelas mulheres na margem do rio, que a encaram. Ela sente o coração acelerado dentro do peito, mas continua, reta como uma cana-de-açúcar, o mutki na cabeça, como se estivesse indo para o poço dos agricultores, a três quilômetros da aldeia, o único poço que tem permissão para usar.
As fofoqueiras não sussurram mais; elas gritam umas para as outras: Lá vai a Menina do Mau Agouro! No ano em que ela nasceu, os gafanhotos comeram o trigo! A irmã mais velha largou o marido e nunca mais ninguém a viu! Sem-vergonha! No mesmo ano a mãe ficou cega! E o pai começou a beber! Desgraçada! Até a cor da menina é suspeita. Só Angreji3-walli têm olhos azuis. Será que ela é mesmo uma de nós? Será que é mesmo desta aldeia?
A menina muitas vezes se perguntou sobre essa irmã mais velha de quem elas falam. Aquela cujo rosto ela vê apenas como uma sombra em seus sonhos, cuja existência seus pais nunca reconheceram. As fofoqueiras dizem que ela deixou a aldeia treze anos atrás. Por quê? Para onde ela foi? Como escapou de um lugar onde as fofoqueiras estão de olho em cada movimento seu? Será que partiu na calada da noite, quando as vacas e as cabras estão dormindo? Dizem que roubou dinheiro, mas ninguém na aldeia tem dinheiro. Como conseguiu se alimentar? Alguns dizem que ela se vestiu como homem para não ser parada na estrada. Outros, que fugiu com um rapaz de um circo e agora vive como dançarina de nautch,4 dançando no Distrito do Prazer a quilômetros de distância, em Agra.
Três dias atrás, o velho Munchi coxo de uma perna, seu único amigo ali, a alertou de que, se ela não desocupasse a casa, o líder da aldeia insistiria que se casasse com um agricultor viúvo ou a mandaria embora.
— Não há mais nada aqui para você — Munchi-ji5 falou. Mas como ela poderia ir embora, uma menina órfã de treze anos sem família nem dinheiro?
Munchi-ji disse:
— Tenha coragem, bheti.6 — Ele lhe contou onde ela poderia encontrar o cunhado, o marido que sua irmã mais velha tinha abandonado havia tantos anos, em uma aldeia próxima. Talvez ele pudesse ajudá-la a localizar a irmã.
— Por que eu não posso ficar com você? — ela perguntou.
— Isso não seria apropriado — o velho respondeu gentilmente. Ele ganhava a vida pintando desenhos em folhas secas de peepal. Para consolá-la, lhe deu uma pintura. Irritada, ela quase jogou a folha de volta nele, até ver que a imagem era do Senhor Krishna dando de comer uma manga à consorte, Radha, sua xará. Era o presente mais belo que ela já havia recebido.
Radha diminui o passo quando se aproxima da eira. Quatro bois em cangas andam em círculos em volta de uma grande pedra plana, debulhando trigo. Prem, que cuida dos bois, está sentado com as costas apoiadas na parede, dormindo. Sem fazer barulho, ela passa depressa por ele e segue a trilha estreita que leva ao templo de Ganesh-ji. O santuário tem uma passagem pequena e, dentro, uma estátua do Senhor Ganesh. Há presentes dispostos em volta dos pés do Deus Elefante: um coco-verde, cravos-de-defunto, um pequeno pote de ghee,7 fatias de manga. Um cone de incenso de sândalo solta uma espiral lânguida de fumaça.
A menina deposita a pintura de Krishna feita por Munchi-ji na frente de Ganesh-ji, o Removedor de Todos os Obstáculos, e implora que ele remova a maldição da Menina do Mau Agouro.
Quando ela chega à aldeia do cunhado, dezesseis quilômetros a oeste, a tarde está quase no fim e o sol se moveu para mais perto do horizonte. Ela está suando através da blusa de algodão. Seus pés e tornozelos estão sujos de terra, a boca seca.
Ela entra na aldeia, cautelosa. Agacha em moitas e se esconde atrás de árvores. Sabe que uma menina sozinha não será tratada com gentileza. Procura por um homem que seja como o que Munchi-ji descreveu.
Ela o vê. Ali. De cócoras sob a árvore banyan, de frente para ela. Seu cunhado.
Ele tem o cabelo grosso, oleoso, preto como carvão. Uma cicatriz longa e irregular serpenteia do lábio inferior até o queixo. Ele não é jovem, mas também não é velho. A camisa está manchada de curry e seu dhoti está sujo de pó.
Então ela nota a mulher agachada na terra na frente do homem. Ela está com o cotovelo apoiado em uma das mãos, o antebraço pendendo em um ângulo estranho. Sua cabeça está completamente coberta com o pallu8 e ela conversa com o homem em voz baixa. Radha observa, imaginando se o cunhado tem uma nova esposa.
Ela pega uma pedrinha, joga nele e erra. Na segunda vez, acerta na coxa, mas ele só balança a mão, como se estivesse espantando um inseto. Ele está escutando a mulher atentamente. Radha joga mais pedrinhas e consegue acertá-lo várias vezes. Por fim, ele levanta a cabeça e olha em volta.
Radha avança para a clareira, para que ele possa vê-la.
Os olhos dele se arregalam, como se ele estivesse vendo um fantasma.
— Lakshmi?
Notas
1 Sári: traje drapeado feminino comum, feito com um tecido de quatro a oito metros de comprimento.
2 Dhoti: tecido retangular, sem costuras, geralmente branco, com quatro a seis metros de comprimento, enrolado em volta da cintura e das pernas, usado por homens. Depois que parou de usar ternos, Mahatma Gandhi sempre usava um dhoti, para incentivar os costumes indianos em vez dos britânicos.
3 Angreji: a língua inglesa.
4 Nautch: dança.
5 Ji: tratamento respeitoso. O acréscimo de ji ao nome de uma pessoa (por exemplo, Ganesh-ji, Gandhi-ji) indica respeito e reverência.
6 Bheti: filha; também tratamento afetuoso para uma menina ou moça.
7 Ghee: manteiga clarificada ou manteiga da qual a água foi removida.
8 Pallu: a ponta decorada de um sári, usada sobre o ombro.
PARTE UMUm
Jaipur, estado do Rajastão, Índia
15 de novembro de 1955
A independência mudou tudo. A independência não mudou nada. Oito anos depois que os britânicos se retiraram, tínhamos agora escolas governamentais gratuitas, água corrente e estradas pavimentadas. Mas Jaipur ainda me parecia igual ao que era dez anos atrás, na primeira vez que pus os pés naquele solo poeirento. No caminho para nosso primeiro compromisso da manhã, Malik e eu quase colidimos com um homem carregando sacos de cimento sobre a cabeça quando uma bicicleta cortou entre nós. O ciclista, que segurava uma escada de dois metros embaixo do braço, fez uma carroça puxada por um cavalo bater de lado em um porco, que correu guinchando para uma viela próxima. Em certo ponto, paramos para esperar a passagem de um grupo barulhento de hijras. Os homens de batom vestidos com sári foram cantar e dançar na frente de uma casa para abençoar o nascimento de um menino. Estávamos tão acostumados com os odores da cidade — cocô de vaca, fogo de cozinha, óleo de coco para os cabelos, incenso de sândalo, urina — que mal os notávamos.
O que a independência mudou foi o nosso povo. Isso era visível na postura das pessoas, o peito estufado, como se finalmente pudessem se permitir respirar. Via-se isso no modo como elas andavam, com decisão e orgulho, para seus templos. No modo como pechinchavam, mais vigorosamente do que antes, com os vendedores no bazar.
Malik assobiou chamando uma tonga. Ele era um menino pequeno, magro como um caniço. Seu assobio, alto o suficiente para ser ouvido até Bombaim, sempre me pegava de surpresa. Ele colocou nossos pesados tiffins,9 os recipientes de metal para comida, dentro da charrete e o tonga-walla10 nos levou de má vontade pelos cinco curtos quarteirões até a propriedade dos Singh. O porteiro ficou observando enquanto descíamos da tonga.
Antes da independência, a maior parte das famílias de Jaipur morava em conjuntos residenciais superlotados no centro da velha Cidade Rosa. Mas gerações de Singh sempre haviam morado em uma extensa propriedade fora dos muros da cidade. Eles eram da classe governante — rajás e príncipes menores, oficiais comissionados do exército —, havia muito acostumados com privilégios, antes, durante e mesmo depois do domínio britânico. A propriedade dos Singh ficava em uma larga avenida margeada por árvores peepal. Muros de dois metros e meio de altura com cacos de vidro no alto protegiam da vista a mansão de dois andares. Uma varanda de mármore adornada de buganvílias e jasmins se estendia pela frente e pelas laterais de cada andar e refrescava a casa no verão, quando Jaipur podia ficar tão quente quanto um forno tandoor.
Depois de o chowkidar11 dos Singh testemunhar nossa chegada de tonga, descarregamos nossas coisas. Malik ficou de papo com o porteiro enquanto eu seguia pelo caminho pavimentado de pedras no meio do amplo gramado bem cuidado e subia os degraus também de pedra para a varanda de Parvati Singh.
Naquela tarde de novembro, o ar estava frio, mas úmido. Lala, a criada mais antiga de Parvati Singh e babá de seus filhos, me recebeu à porta. Ela puxou o sári sobre o cabelo em sinal de respeito.
Eu sorri e uni as mãos em um namastê.12
— Você tem usado o óleo de magnólia, Lala? — Em minha última visita, eu havia entregado discretamente a ela um frasco do meu remédio para calos na sola dos pés.
Ela escondeu um sorriso por trás do pallu enquanto estendia o pé descalço e o virava para mostrar o calcanhar liso.
— Hahn13-ji — riu de leve.
— Shabash14 — eu a parabenizei. — E como vai sua sobrinha? — Lala trouxera a sobrinha de quinze anos para trabalhar na casa dos Singh havia seis meses.
A velha senhora franziu a testa e o sorriso desapareceu. Mas, quando abriu a boca para responder, a patroa chamou lá de dentro.
— Lakshmi, é você?
Rapidamente, Lala se recompôs, sorriu tensa e assentiu com a cabeça: Ela está bem. Depois se virou para a cozinha e se afastou, deixando-me seguir sozinha para o quarto de Parvati, onde eu já havia estado muitas vezes.
Parvati estava sentada junto à escrivaninha de jacarandá. Ela conferiu o delicado relógio de pulso dourado antes de voltar para a carta que estava escrevendo. Rigorosa com a pontualidade, ela detestava atrasos. Eu, no entanto, estava acostumada a esperar enquanto ela rabiscava um bilhete para Nehruji ou terminava um telefonema com um membro da Liga Indo-Soviética.
Pus meus tiffins no chão e arrumei as almofadas no divã de seda creme de Parvati enquanto ela selava a carta e chamava Lala.
Em vez da velha criada, quem apareceu foi a sobrinha de Lala. Ela manteve baixos os olhos grandes e escuros, as mãos apertadas na frente do corpo.
Parvati franziu a testa. Examinou a menina e, após a mais breve das pausas, lhe disse:
— Teremos um convidado para o almoço. Vamos servir boondi raita.15
A menina empalideceu e pareceu estar passando mal.
— Não temos iogurte fresco, MemSahib.16
— Por que não?
A menina oscilou, constrangida. Seus olhos buscaram uma resposta no tapete turco, na foto emoldurada do primeiro-ministro, no bar com fundo de espelho.
Quando Parvati falou, as palavras foram como vidro, claras e afiadas.
— Vamos servir boondi raita no almoço.
O lábio inferior da menina tremeu. Ela lançou um olhar suplicante para mim.
Eu me virei para as janelas que davam para o jardim dos fundos. Parvati era minha patroa também, e eu tinha tanta condição de ajudar a menina quanto a pele de tigre pendurada na parede.
— Hoje peça para Lala trazer o chá. — Parvati dispensou a menina e se acomodou no divã. Agora eu podia começar sua henna. Ocupei meu lugar costumeiro na outra ponta e segurei as mãos dela.
Antes de eu vir para Jaipur, minhas senhoras contratavam mulheres da casta17 sudra para fazer os desenhos de henna em suas mãos e pés. Mas as mulheres dessa baixa casta pintavam o que suas mães haviam pintado antes delas: pontos, traços, triângulos simples. Apenas o suficiente para ganhar um pagamento modesto. Meus desenhos eram mais complexos; eles contavam histórias das mulheres a quem eu servia. Minha pasta de henna era mais fina e fluida que a mistura que as sudras usavam. Eu tinha o cuidado de esfregar uma loção de limão e açúcar na pele das minhas senhoras antes de aplicar a henna, o que fazia a pintura durar semanas. Quanto mais escura a henna, mais uma mulher era amada pelo marido — ou pelo menos era o que minhas clientes acreditavam —, e meus desenhos elaborados cor de canela nunca decepcionavam. Com o tempo, minhas clientes passaram a acreditar que minha henna podia trazer maridos desgarrados de volta para sua cama ou um bebê para seu útero. Por causa disso, eu podia pedir um preço dez vezes mais alto que o das mulheres sudras. E o recebia.
Até mesmo Parvati creditava o nascimento de seu filho mais novo à minha habilidade com a henna. Ela havia sido minha primeira cliente em Jaipur. Quando engravidou, vi as páginas da minha agenda serem preenchidas com mulheres conhecidas dela, a elite de Jaipur.
Agora, enquanto a henna em suas mãos secava e eu fazia o desenho nos pés, Parvati se inclinou para a frente para observar, até nossas cabeças quase se tocarem, seu hálito doce com o perfume da noz de betel.18 Seu suspiro quente roçou minha face.
— Você me disse que nunca esteve fora da Índia, mas eu só vi essa folha de figo em Istambul.
Prendi a respiração e, por um instante, senti de novo o velho medo. Nos pés de Parvati, eu havia desenhado folhas de figueira turca, tão diferente de sua prima rajastani, a banyan ou figueira-de-bengala, cujo fruto acanhado só servia para os passarinhos. Na sola dos pés dela, destinadas apenas aos olhos do marido, eu estava pintando um grande figo, carnudo e sensual, partido ao meio.
Eu sorri enquanto levantava os olhos para os dela e empurrei seus ombros, gentilmente, de volta para as almofadas do divã.
— É isso que seu marido vai notar? Que os figos são turcos? — respondi, erguendo uma sobrancelha.
Peguei um espelho em minha bolsa e o segurei junto ao arco de seu pé direito, para que ela pudesse ver a pequenina vespa que eu havia pintado ao lado do figo.
— Seu marido com certeza sabe que cada figo precisa de uma vespa especial para fertilizar a flor lá no fundo.
Suas sobrancelhas se elevaram em surpresa. Os lábios, pintados de uma cor de ameixa escura, se separaram. Ela riu, uma risada com gosto, que sacudiu o divã. Parvati era uma mulher bonita, com belos olhos e uma boca generosa, o lábio superior mais cheio que o inferior. Os sáris com cores de pedras preciosas, como o de seda fúcsia que ela usava naquele dia, iluminavam sua pele.
Ela enxugou o canto dos olhos com a ponta do sári.
— Shabash, Lakshmi! — disse. — Nos dias em que você faz a henna, Samir não consegue ficar longe da minha cama. — A voz dela trazia a sugestão de tardes passadas em lençóis frescos de algodão, as coxas do marido quentes junto às dela.
Com esforço, expulsei a imagem da mente.
— É como deve ser — murmurei, antes de retomar o trabalho no arco de seu pé, um ponto sensível na maioria das mulheres. Mas ela estava acostumada com a aplicação e nunca balançava meu palito de bambu.
Ela riu.
— Quer dizer que as folhas de figo turco permanecem um mistério, assim como seus olhos azuis e sua pele clara.
Nos dez anos em que eu a servia, Parvati nunca havia deixado esse assunto de lado. A Índia era uma terra de íris pretas como carvão. Olhos azuis exigiam uma explicação. Haveria um passado sórdido? Um pai europeu? Ou, pior ainda, uma mãe anglo-indiana? Eu tinha trinta anos, nascida durante o domínio britânico e acostumada a ouvir insinuações sobre minha ascendência. Nunca deixei os comentários de Parvati me provocarem.
Coloquei um pano úmido sobre a pasta de henna e despejei um pouco de óleo de cravo na palma da minha mão. Esfreguei as mãos para aquecer o óleo e peguei as mãos dela para remover a pasta de henna seca.
— Considere, Ji, que uma ancestral minha pode ter sido seduzida por Marco Polo. Ou por Alexandre, o Grande. — Enquanto eu massageava seus dedos, flocos de pasta de henna seca caíam na toalha, embaixo. O desenho que eu havia pintado em suas mãos começou a surgir. — Quem sabe eu também tenha sangue de guerreiro, como o seu, correndo pelas minhas veias.
— Ah, Lakshmi, fale sério! — Seus brincos de ouro e pérola em forma de sinos dançaram alegremente quando ela soltou outra risada. Parvati e eu havíamos nascido nas duas castas hindus mais altas, ela xátria, eu brâmane. Mas ela jamais poderia me tratar como igual, porque eu tocava os pés das senhoras quando fazia as pinturas de henna. Pés eram considerados impuros e só deviam ser manipulados pela casta inferior, os sudras. Então, embora a casta dela havia séculos confiasse à minha a educação de seus filhos e a realização dos ritos espirituais, aos olhos da elite de Jaipur eu era uma brâmane decaída.
Mas mulheres como Parvati pagavam bem. Não dei atenção à alfinetada enquanto removia o resto da pasta de suas mãos. Com o tempo, eu havia poupado bastante e estava muito perto de conseguir o que queria: minha própria casa. Teria piso de mármore para refrescar meus pés depois de um dia inteiro atravessando a cidade. Tanta água corrente quanto eu quisesse, em vez de precisar implorar à proprietária para encher meu mutki. Uma porta cuja chave só eu teria. Uma casa que ninguém poderia me forçar a deixar. Aos quinze anos, eu tinha sido tirada da minha aldeia para me casar quando meus pais não tiveram mais condições de me sustentar. Agora eu podia sustentar a eles, cuidar deles. Eles não haviam respondido a nenhuma das cartas ou presentes em dinheiro que eu lhes mandara ao longo dos anos, mas certamente mudariam de ideia e viriam para Jaipur quando eu lhes oferecesse uma cama em minha própria casa, não? Meus pais finalmente veriam que tudo acabara dando certo. Até que pudéssemos estar juntos de novo, eu manteria meu orgulho sob controle. Afinal Gandhi-ji não havia dito Olho por olho e o mundo acabará cego?
O som de vidro quebrado nos assustou. Vi uma bola de críquete rolar pelo tapete e vir parar na frente do divã. Um momento depois, Ravi, o filho mais velho de Parvati, entrou pelas portas da varanda, trazendo com ele o frio de novembro.
— Bheta!19 Feche logo essa porta!
Ravi sorriu.
— Eu lancei a bola com efeito e o Govind não estava preparado. — Ele viu a bola perto do divã e a pegou.
— Ele é tão mais novo que você, Ravi. — Parvati era muito tolerante com seus filhos, especialmente com o menino mais novo, Govind, a criança que, em sua opinião, era com certeza produto das minhas aplicações de henna (eu não fazia nada para desestimular essa ideia).
Desde a última vez que eu o vira, Ravi estava mais alto e com os ombros mais largos. O queixo e o maxilar quadrados, tão parecidos com os do pai, tinham uma tonalidade mais escura. Ele devia ter começado a se barbear. Com a pele rosada e os cílios longos que herdara da mãe, era quase bonito.
Ele jogou a bola no ar e a pegou com uma mão atrás das costas.
— Está na hora do chá? — Poderia ser seu pai falando, tão semelhante era o inglês de internato.
Parvati tocou o sininho de prata que deixava ao lado do divã.
— Você e Govind tomem o de vocês no gramado. E diga ao chowkidar que precisamos de um walla para trocar a vidraça.
Ravi sorriu e piscou para mim ao sair. Ele fechou a porta com tanta falta de cuidado que outro fragmento de vidro caiu. Eu o observei correr graciosamente pelo gramado. Três jardineiros, com panos enrolados na cabeça, estavam capinando, regando e aparando os arbustos de hibiscos e as trepadeiras de madressilva no jardim dos fundos.
O aparecimento de Ravi foi a transição perfeita para o que eu queria fazer ali. Mesmo assim, era preciso avançar com cuidado.
— Ele veio do internato para casa?
— Hahn. Eu queria que Ravi me ajudasse a cortar a fita de inauguração do novo gymkhana.20 Você sabe como é Nehru-ji, como ele deseja modernizar a Índia. — Ela suspirou e pousou a cabeça na almofada, como se estivesse sendo assediada por telefonemas diários do primeiro-ministro. E, até onde eu sabia, ela estava.
Lala entrou com uma bandeja de prata. Enquanto eu tirava de um tiffin os petiscos salgados que havia feito especialmente para Parvati, a ouvi falar para a velha senhora:
— Eu já não lhe disse para mandá-la embora? — Sua voz era de repreensão.
A criada uniu as mãos em oração e tocou-as nos lábios.
— Minha sobrinha não tem para onde ir. Eu sou a única família dela agora. Por favor, Ji. Nós estamos nas suas mãos. Não poderia reconsiderar?
Eu nunca tinha visto Lala tão aflita. Desviei o olhar, com receio de que ela estivesse prestes a cair de joelhos. Havia um altar para o Senhor Ganesh em uma mesinha ao lado da cama de dossel. Uma guirlanda de gardênias e outra de folhas de tulsi21 estavam enroladas em volta da estátua, atrás de uma diya22 acesa. Por mais moderna que gostasse de se mostrar, Parvati passava todas as manhãs orando para os deuses. Houve um tempo em que eu rezava para a deusa de meu nome, Lakshmi, a Deusa da Beleza e da Fortuna. Maa adorava contar a história do agricultor brâmane que ofereceu sua foice, seu único bem, à deusa. Em gratidão, ela lhe deu um cesto mágico que produzia comida sempre que ele desejasse. Mas essa era apenas uma história, tão verdadeira quanto qualquer outra que Maa me contava, e, aos dezessete anos, eu dei as costas para os deuses, do mesmo jeito que agora desviava o olhar do altar de Ganesh.
Parvati ainda estava falando com Lala.
— Eu não gostaria de perder você também, Lala. Providencie para que a menina vá embora ainda hoje. — Ela olhou firme para Lala, até que a criada baixou a cabeça,