O vento nos salgueiros
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Sobre este e-book
Kenneth Grahame
Kenneth Grahame was born in Edinburgh in 1859. He was educated at St Edward's School, Oxford, but family circumstances prevented him from entering Oxford University. He joined the Bank of England as a gentleman clerk in 1879, rising to become the Bank's Secretary in 1898. He wrote a series of short stories, married Elspeth Thomson in 1899 and their only child, Alistair, was born a year later. He left the Bank in 1908, the year that The Wind in the Willows was published. Though not an immediate success, by the time of Grahame's death in 1932 it was recognised as a children's classic.
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O vento nos salgueiros - Kenneth Grahame
Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da Ciranda Cultural
© 2021 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
Traduzido do original em inglês
The Wind in the Willows
Editora
Michele de Souza Barbosa
Texto
Kenneth Grahame
Tradução
Alessandra Esteche
Preparação
Walter Sagardoy
Revisão
Tatiana Vieira Allegro
Produção editorial
Ciranda Cultural
Diagramação
Linea Editora
Design de capa
Imaginare Studio
Imagens
Barco desenhado por Freepik
Ron Ellis/FotoStock
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
G742v Grahame, Kenneth.
O vento nos salgueiros / Kenneth Grahame; traduzido por Alessandra Esteche. - Jandira, SP : Principis, 2021.
192. p. ; ePUB. - (Clássicos da Literatura Mundial).
Título original: Wind in the willow
ISBN: 978-65-5552-705-6 (E-book)
1. Literatura infantil. 2. Aventura. 3. Experiências. 4. Amizade. 5. Moral. I. Esteche, Alessandra. II. Título.
Elaborado por Lucio Feitosa - CRB-8/8803
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil : 028.5
2. Literatura infantil : 82.93
1a edição em 2021
www.cirandacultural.com.br
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada em sistema de busca ou transmitida por qualquer meio, seja ele eletrônico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização do detentor dos direitos, e não pode circular encadernada ou encapada de maneira distinta daquela em que foi publicada, ou sem que as mesmas condições sejam impostas aos compradores subsequentes.
A margem do rio
A Toupeira trabalhara arduamente a manhã inteira, faxinando sua pequena casa. Primeiro com vassouras, depois com espanadores; depois em escadas e degraus e cadeiras, com um pincel e um balde de cal; até ficar com pó na garganta e nos olhos, respingos de cal por todo o pelo preto, as costas doloridas e os braços cansados.
A primavera dançava no ar lá em cima e na terra lá embaixo, e até mesmo ao seu redor, penetrando em sua casa escura e humilde com o espírito de descontentamento e o anseio divino. Não foi de admirar, então, quando ela de repente largou a escova no chão e disse:
– Droga!
E:
– Maldição!
E também:
– Que se dane a faxina!
Saiu de casa apressada, sem nem ao menos vestir o casaco. Algo lá em cima a chamava imperiosamente, e ela se dirigiu ao pequeno túnel íngreme que correspondia, em seu caso, à entrada de cascalhos dos animais cujas residências eram mais próximas do sol e do ar. Então ela arranhou e arrastou e raspou e esgaravatou e de novo esgaravatou e raspou e arrastou e arranhou, mexendo ativamente as patinhas e resmungando para si mesma:
– Subindo! Subindo!
Até que, finalmente, pop!, seu focinho saiu para a luz do sol e ela rolou na grama quente do grande prado.
– Muito bom! – disse a si mesma. – Isso é melhor que faxinar!
O calor do sol golpeou seu pelo, brisas suaves acariciaram sua testa e, depois da reclusão do porão em que vivera por tanto tempo, o canto de pássaros felizes atingiu seus ouvidos entorpecidos quase como um grito. Pulando com as quatro pernas de uma vez, sentindo a alegria de viver e o prazer da primavera sem a faxina, ela seguiu seu caminho pelo prado até chegar à sebe do outro lado.
– Espere! – disse um coelho idoso em uma fenda. – Seis pence pelo privilégio de passar pela estrada particular!
Ele foi derrubado em um instante pela Toupeira impaciente e desdenhosa, que correu pela lateral da sebe provocando os outros coelhos, os quais logo vieram espiar de seus buracos para ver qual era o motivo da confusão.
– Hum, coelho com molho de cebola! – a Toupeira comentou zombeteira, e sumiu antes que os coelhos pudessem pensar em uma resposta satisfatória.
E eles começaram a reclamar uns com os outros.
– Como você é BURRO! Por que não disse a ela que…
– Bom, por que VOCÊ não disse…
– Você podia ter lembrado que…
E assim por diante, como de costume; mas, é claro, já era tarde demais, como sempre.
Tudo parecia bom demais para ser verdade. Aqui e ali, a Toupeira vagou agitada pela pradaria, pelas sebes, atravessando os pequenos bosques, encontrando por toda parte pássaros construindo, flores brotando, folhas rebentando – todos felizes, olhando em frente e atarefados. E, no lugar de uma consciência inquieta alfinetando e sussurrando faxina!
, ela só conseguia sentir a alegria que era ser o único cão vadio entre aqueles cidadãos atarefados. Afinal, a melhor parte de uma folga talvez não seja o próprio descanso, mas ver todos os outros trabalhando ocupados.
Ela já considerava sua felicidade completa quando, vagando sem rumo, de repente parou à beira de um rio cheio. Nunca tinha visto um rio antes – aquele animal esguio, sinuoso, encorpado, correndo e gargalhando, agarrando coisas com um gargarejo e largando-as com uma risada, para se lançar sobre companheiros que mal haviam se libertado e já eram agarrados e levados novamente. Tudo era tremor e tremedeira – luzes e brilhos e centelhas farfalhavam e giravam, tagarelavam e borbulhavam. A Toupeira estava enfeitiçada, arrebatada, fascinada. À beira do rio, corria como uma criança pequena corre ao lado de um homem que a mantém enfeitiçada por histórias instigantes; e, quando enfim se cansou, ela se sentou à margem, e o rio seguia tagarelando, uma procissão que murmurava as melhores histórias do mundo, enviadas pelo coração da terra para ao fim serem contadas ao mar insaciável.
Sentada na grama olhando para o outro lado do rio, um buraco escuro na margem oposta logo acima da beira da água chamou sua atenção, e, sonhadora, ela passou a pensar como aquela moradia seria agradável e confortável para um animal com poucos desejos e fã de uma pequena residência à beira do rio, acima do nível da água e longe do barulho e da poeira. Enquanto ela observava, algo claro e pequeno pareceu reluzir no centro do buraco, desaparecer e então brilhar mais uma vez como uma estrelinha. Mas dificilmente poderia ser uma estrela em uma situação tão improvável; e era brilhante e pequeno demais para um vaga-lume. Então, enquanto ela observava, o ser deu uma piscadela, e assim declarou se tratar de um olho; e um pequeno rosto começou a crescer aos poucos ao seu redor, como uma moldura ao redor de uma imagem.
Um rostinho marrom, com bigodes.
Um rosto redondo e sério, com o mesmo brilho nos olhos que de início chamara sua atenção.
Orelhinhas elegantes e pelo sedoso e grosso.
Era o Rato-d’Água!
Então os dois animais se levantaram e se entreolharam com atenção.
– Olá, Toupeira! – disse o Rato-d’Água.
– Olá, Rato! – disse a Toupeira.
– Quer vir até aqui? – perguntou logo o Rato.
– Ah, CONVERSAR assim já é o bastante – respondeu a Toupeira, um tanto apreensiva, por ser nova no rio, e na vida ribeirinha e seus costumes.
O Rato não disse nada, mas se abaixou e soltou uma corda e a puxou; então subiu levemente em um barquinho que a Toupeira não tinha visto. Era pintado de azul do lado de fora e de branco do lado de dentro, e tinha o tamanho exato para acomodar dois animais; e logo tomou conta do coração inteiro da Toupeira, embora ela ainda não compreendesse totalmente seu uso.
O Rato remou ligeiro e logo chegou à outra margem. Então estendeu a pata dianteira enquanto a Toupeira descia com cuidado.
– Apoie-se ali! – disse o Rato. – Agora, salte!
E a Toupeira, para sua surpresa e êxtase, de repente se viu sentada na popa de um barco de verdade.
– Tem sido um dia maravilhoso! – disse, enquanto o Rato afastava o barco da margem e voltava a remar. – Sabe, eu nunca estive em um barco na vida.
– O quê? – gritou o Rato, a boca aberta. – Nunca esteve em… você nunca… bom, eu… o que tem feito da vida, então?
– É tão bom assim? – perguntou a Toupeira, tímida, embora já estivesse quase convencida ao se recostar em seu assento examinando as almofadas, os remos, as forquilhas e todos os acessórios fascinantes, e sentindo o barco balançar levemente.
– Bom? É a ÚNICA coisa – disse o Rato-d’Água, solene, inclinando o tronco para a frente para remar. – Acredite, minha jovem amiga, não há NADA, absolutamente nada, que valha tanto a pena quanto ficar à toa em barcos. Simplesmente à toa – ele prosseguiu, em tom onírico – à… toa… em… barcos; à toa…
– Olhe para a frente, Rato! – gritou a Toupeira de repente.
Era tarde demais. O barco acertou em cheio a margem. E o sonhador, o alegre remador, caiu de costas no fundo do barco, os calcanhares no ar.
– … em barcos… ou COM barcos – o Rato continuou calmamente, se levantando com uma gargalhada agradável. – Dentro ou fora deles, não importa. Nada na verdade parece importar, esse é o charme da coisa. Quer saia, ou não; quer chegue ao seu destino ou a outro lugar, ou nunca chegue a lugar algum, você está sempre ocupada, e nunca faz nada específico; e ao terminar há sempre algo mais a fazer, e você pode fazer se quiser, mas seria muito melhor que não fizesse. Escute! Se não tem mesmo nada mais a fazer esta manhã, por que não descemos o rio e passamos o dia juntos?
A Toupeira sacudiu os dedos dos pés de pura alegria, abriu o peito com um suspiro de plena satisfação e recostou-se feliz nas almofadas macias.
– QUE dia estou tendo! – disse. – Vamos logo!
– Espere um minuto, então! – pediu o Rato.
Ele laçou com a corda uma argola no cais, subiu até seu buraco e, após um breve intervalo, reapareceu cambaleando sob uma cesta gorda de vime.
– Enfie isso embaixo dos seus pés – ele disse à Toupeira, colocando a cesta dentro do barco. Então soltou a corda e tomou os remos de novo.
– O que tem dentro? – perguntou a Toupeira, se contorcendo de curiosidade.
– Tem frango frio – respondeu o Rato brevemente –, línguafriapresuntofriobifefriopepinoemconservasaladapãofrancêsagriãosanduíchescarneenlatadarefrigerantelimonadaáguacomgás…
– Ah, pare, pare – gritou a Toupeira em êxtase. – É demais!
– Você acha mesmo? – perguntou o Rato, sério. – É apenas o que eu sempre levo nesses pequenos passeios; e os outros animais sempre me dizem que sou mesquinho e MAL levo o suficiente!
A Toupeira não ouviu uma palavra do que ele dizia. Absorta na nova vida em que estava entrando, inebriada com o brilho, a ondulação, os aromas e sons e a luz do sol, passou uma pata na água e sonhou longos sonhos acordada. O Rato-d’Água, como o bom companheirinho que era, seguiu remando e evitou interrompê-la.
– Gosto muito de suas roupas, minha amiga – comentou depois de mais ou menos meia hora. – Vou comprar um terno de veludo preto qualquer dia, assim que tiver dinheiro.
– Me perdoe – disse a Toupeira, se recompondo com esforço. – Você deve achar que sou muito grosseira, mas tudo isto é novo para mim. Então… isso… é… um… rio!
– O Rio – corrigiu o Rato.
– E você mora mesmo à beira do rio? Que vida feliz!
– À beira dele e com ele e nele – respondeu o Rato. – É irmão e irmã para mim, e tias, e companhia, e comida e bebida, e (naturalmente) banho. É meu mundo, e não quero outro. O que ele não oferece não vale a pena ter, e o que não conhece não vale a pena conhecer. Deus! Os momentos que passamos juntos! No verão ou no inverno, na primavera ou no outono, sempre com emoção e diversão. Quando é época de cheia em fevereiro, e meu porão está abarrotado de bebidas que não são boas para mim, e a água marrom escorre pela janela do meu melhor cômodo; ou de novo quando a água baixa e revela manchas de lama que cheiram a bolo de ameixa, e os juncos e as ervas daninhas entopem os canais, e posso vasculhar a maior parte de seu leito seco e encontrar alimentos frescos, e coisas que pessoas descuidadas derrubam de barcos!
– Mas não é um pouco chato às vezes? – a Toupeira atreveu-se a perguntar. – Só você e o rio e ninguém com quem conversar?
– Ninguém com quem… Bom, não vou ser duro com você – disse o Rato, paciente. – Você é nova aqui, e é claro que não sabe. O leito do rio é tão populoso hoje em dia que muitas pessoas estão indo embora: ah, não, não é mais como antes, não mesmo. Lontras, martins-pescadores, mergulhões-pequenos, frangos-d’água, todos eles por aí o dia todo e querendo que você FAÇA alguma coisa… como se já não tivéssemos nossos próprios afazeres!
– O que é AQUILO? – perguntou a Toupeira, agitando uma pata em direção a uma paisagem de arvoredos que emoldurava um dos lados do rio.
– Aquilo? Ah, é só a Floresta Selvagem – respondeu o Rato brevemente. – Não vamos muito lá, nós, os ribeirinhos.
– As pessoas… as pessoas não são BOAS lá? – perguntou a Toupeira, um tanto nervosa.
– Beeem – respondeu o Rato –, deixe-me ver. Os esquilos são legais. E os coelhos… alguns deles, mas os coelhos são uma mistura. E tem o Texugo, claro. Ele vive bem no coração da floresta; e não viveria em nenhum outro lugar, nem que lhe pagassem. O bom e velho Texugo! Ninguém mexe com ELE. É bom que não mexam – acrescentou expressivo.
– Por que, quem MEXERIA com ele? – perguntou a Toupeira.
– Bem… é claro que… existem outros – explicou o Rato hesitante. – Doninhas… e furões… e raposas… e assim por diante. São bons de certa forma… sou muito amigo deles… conversamos um pouco quando nos encontramos, e tal… mas às vezes eles extrapolam, não há como negar, e aí… bem, não se pode confiar neles, essa é a verdade.
A Toupeira sabia muito bem que era contra a etiqueta animal se preocupar com possíveis problemas futuros, ou mesmo fazer alusão a eles; então desistiu do assunto.
– E além da Floresta Selvagem? – perguntou. – Onde tudo é azul e turvo, e se vê o que talvez sejam colinas, ou talvez não, e algo como a fumaça de cidades, ou seria apenas o deslocamento das nuvens?
– Além da Floresta Selvagem fica o Mundo Selvagem – disse o Rato. – E isso é algo que não tem importância, nem para você nem para mim. Eu nunca fui lá, e nunca irei, e nem você, se tiver algum juízo. Nunca mais fale disso, por favor. Bom! Finalmente chegamos ao nosso remanso, onde vamos almoçar.
Deixando o riacho principal, eles entraram no que à primeira vista pareceu um pequeno lago. A relva verde cobria a encosta em ambas as margens, raízes de árvores marrons serpenteantes reluziam sob a superfície da água calma, e à frente delas o ombro prateado e a queda espumosa de uma barragem, de braços dados com um moinho d’água, gotejante e inquieto, que sustentava com seu giro um moinho cinza, preenchendo o ar com um murmúrio relaxante, lento e suave, mas com pequenas vozes nítidas falando alegremente de tempos em tempos. Era tão lindo que a Toupeira juntou as patas dianteiras e suspirou:
– Minha nossa! Minha nossa! Minha nossa!
O Rato levou o barco até a margem, amarrou-o, ajudou a Toupeira ainda sem jeito a descer em segurança e tirou a cesta. A Toupeira insistiu em servir tudo sozinha, como um favor; e o Rato ficou muito contente em fazer sua vontade, e se esparramar na grama e descansar, enquanto a amiga animada sacudia a toalha e a estendia, tirando todos os pacotes misteriosos um a um e dispondo seu conteúdo organizadamente, ainda ofegante:
– Minha nossa! Minha nossa! – exclamava a cada nova revelação.
Quando tudo estava pronto, o Rato disse:
– Agora, pode atacar, velha amiga!
E a Toupeira obedeceu com alegria, pois tinha começado a faxina bem cedinho naquela manhã, como de costume, e não tinha parado para um bocado ou um trago; e tinha passado por muita coisa desde aquele momento distante que agora parecia ter acontecido muitos dias antes.
– O que você está olhando? – logo perguntou o Rato, quando o pico da fome que sentiam já estava quase aplacado, e os olhos da Toupeira se desviaram da toalha por um instante.
– Estou olhando – respondeu a Toupeira – as bolhas que vejo viajando na superfície da água. É algo que me parece engraçado.
– Bolhas? Ah! – disse o Rato, e gorjeou alegre e convidativo.
Um largo focinho reluzente apareceu na beira do rio, e a Lontra içou-se para a margem e sacudiu a água de seu casaco.
– Sujeitinhos gulosos! – observou, avançando em direção à comida. – Por que não me convidou, Ratinho?
– Aconteceu de