Box Cabala: Reflexos e Refrações (1-4)
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Sobre este e-book
O autor aborda assuntos como resiliência, perseverança, saúde, alegria e sexualidade.
Cabala e a arte de manutenção da carroça
Quando algo que você esperava não dá certo, você lamenta, mas segue em frente, revendo processos ou aproveitando novas oportunidades criadas pelo "problema"? Ou se atormenta pensando no que poderia ter feito para evitá-lo, ficando paralisado, sem saber o que fazer, ou, pior, insistindo em agir da mesma forma – e que fatalmente irão levá-lo ao mesmo erro? Em geral, boa parte das pessoas vive o segundo caso. A falta de habilidade em lidar com as expectativas e a tentativa permanente de evitar o risco levam as pessoas a mergulhar no que o rabino Nilton Bonder chama de tsure, termo em iídiche para a aflição gerada pelos infortúnios. Diante desse cenário, o rabino indica que a solução é abraçar o risco e incorporá-lo, para que ele possa ser gerenciado, já que ele não pode – nem deve – ser evitado.
Cabala e a arte do tratamento da cura
Neste livro, o autor faz uma reflexão sobre a questão da cura. Em sua abordagem "sistêmica" sobre cada um dos assuntos desta série, Nilton Bonder, decompõe o tema da cura em quatro esferas de atendimento aos males humanos – a dor, o sofrimento, a solidão e o desespero. Segundo o autor, conhecer as particularidades de cada um destes diferentes domínios revela um potencial terapêutico. Assim como grandes avanços na medicina ocorrem ao esmiuçar características específicas de uma doença reduzindo os efeitos colaterais do tratamento, também o entendimento mais profundo dos vários aspectos da aflição humana oferece alívio e eficiência no processo curativo.
Cabala e a arte de preservação da alegria
O terceiro livro da série se dedica a mostrar que a alegria é um dom presente em cada um de nós, e não um atributo que alcançamos graças a um elemento exterior: a compra de uma casa, a conquista de um reino, o nascimento de um filho, a cura de uma doença. Podemos estar felizes ou tristes, podemos ter sido bem-sucedidos ou termos fracassado em algum empreendimento, não importa: aprender a preservar a alegria com a qual já nascemos é o que ensina o rabino Nilton Bonder neste livro. Para tanto, ele se vale de várias pequenas histórias, comentando cada uma delas à luz dos ensinamentos da Cabala, mas dá destaque ao conto Os sete pedintes, uma narrativa em que mendigos – aqueles que aparentemente pouco ou nada têm – são os heróis que vão ajudar diferentes personagens a recuperar a alegria perdida.
Cabala e a arte de apropriação do sexo
Este livro nos coloca frente a frente com um assunto vital: o sexo. A partir de ensinamentos da cabala, Nilton Bonder nos mostra que o sexo é, antes de tudo, uma experiência de desfrute de si mesmo e de encaixe com o outro. Embora o ato sexual, assim como o desejo, requeira esse outro com o qual vamos nos relacionar, é a partir do nosso corpo e das nossas percepções que verdadeiramente experimentamos o sexo e a maneira como ele, ao florescer, pode estar ligado ao divino que habita em cada um de nós.
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Box Cabala - Nilton Bonder
A meu vô Pedro,
carroceiro pelas paragens
entre Cruz Alta e Passo Fundo
SUMÁRIO
Para pular o Sumário, clique aqui.
INTRODUÇÃO
Num pé só
O RISCO
Tsures happens
A carroça
A Cabala
As histórias
I
Físico – LAMA
Um ou seis cavalos?
Emocional – BURACO
Saindo do lugar
Intelectual – REVÉS
O cavalo morreu
Espiritual – ESCASSEZ
Para além da carroça
II
Descidas
não esforço (Antilama)
Paradas
nichos (Antiburaco)
Outras carroças
competição (Antirrevés)
Subidas
propósito (Antiescassez)
Risco
conclusão
APÊNDICE
Perspectivas da carroça
INTRODUÇÃO
Num pé só
A intenção deste livro é ser econômico.
Econômico em conteúdo porque fala sobre manutenção e gestão; e econômico em forma porque trata de oferecer um escrito reverberante – mais extenso nas entrelinhas que no texto.
Esse é um desafio absoluto a um rabino. Rabinos são palavrosos, como versa a anedota sobre o rabino que inicia seu discurso explicando: Antes de falar, gostaria de dizer algumas palavras.
Ou como bem pontuava o filósofo Blaise Pascal em carta a um amigo: Por falta de tempo, lhe escrevo este longo texto.
O sucinto é laborioso, o simples é labiríntico.
Um livro ponte aérea
não é um atendimento ao fast, mas o reconhecimento de um mundo entupido não só de plásticos, como também de palavras. Escrever palavras passou a não mais demandar o gasto de papel; as palavras se tornaram partículas que não ocupam espaço, perderam peso.
Dizer algo enquanto se está num pé só
é um conceito milenar na tradição judaica. Tal como no relato do sábio Hilel que, ao ser desafiado a sintetizar toda a Torá, enquanto estivesse num único pé, disse: Não faça ao outro o que não quer que façam a você. Aí está toda a Torá, e o resto é comentário – vá e estude!
O resto
é fundamental, mas nasce desse pequeno manancial que se faz rio e deságua em oceanos.
O RISCO
A intenção deste livro é abordar o risco.
Ao experimentar a sensação animal de perigo, o ser humano criou a ideia de risco, um instrumento interpretativo fantástico, medular para nossa evolução. A partir desse instinto, forjou-se uma ferramenta para lidar com ameaças e antecipar adversidades. Risco significa traço
, com o qual se pode demarcar inconvenientes que existem para um lado ou para o outro. No plano vazio do destino, o ser humano traçou um risco e tentou, desde então, não tirá-lo de sua mira.
Para além da aptidão de perceber essa linha e conhecer o risco
, o ser humano desenvolveu intimidade com a noção de imprevisto e incidente, razão pela qual a noção de que shit happens, ou de que existe uma lei de Murphy, provoca imediata identificação. Porém, para total surpresa de nossa espécie, o risco não é para ser evitado. Flertar com o risco mostrou-se um recurso inestimável para nossa civilização.
O perigo não é apenas um dispositivo da sobrevivência, mas a epiderme que roça a vida. Para além da lesão ou da letalidade que pode causar, o risco nos expõe e aproxima da própria vida e de tudo que lhe diz respeito. A boa gestão revelou-se não como a arte de evitar o risco, mas de expor-se a ele.
TSURES HAPPENS
Infortúnios acontecem. Eles não são produtos do caos, mas da consciência. Nossas expectativas são atropeladas porque podemos fazer escolhas, mas não controlamos os resultados. Se não fosse pelo poder de escolha, o resultado nunca seria um infortúnio. Seria, no máximo, um obstáculo – a parte difícil ou custosa de uma tarefa sem qualquer conotação de valor.
Tsures é a palavra do dialeto iídiche que melhor designa infortúnios, elevando-os ao seu potencial máximo que é a aflição
. Um aflito é alguém com algum problema potencializado pela antecipação de uma saída que não vem. Parte da aflição está no desconforto em si; e parte, na ausência de um alívio que havia sido previsto. Se o foco estivesse apenas na moléstia, sem a presença da expectativa, a aflição, o tsures, deixaria de se manifestar. Para dar conta da adversidade, é necessário esforço. Já o tsures requer a anulação da expectativa.
Em matéria de risco, a parte mais difícil é a do tsures. A tortura está em imaginar que se deveria ter feito isso ou aquilo
e, por discernimento, evitado o desconforto em questão. Este é o custo pessoal mais alto que pagamos na gestão. O lócus desse sofrimento pode ser tanto a consciência quanto o sujeito da ação, basta que exista alguma expectativa. A raiva nunca vem à tona devido ao que aconteceu, mas porque um determinado fato poderia ter sido evitado.
Para a raiva, assim como para a mágoa, é fundamental a aceitação de que uma determinada coisa teria acontecido de qualquer maneira. Sabe por quê? Porque aconteceu. Tudo que já aconteceu é, por definição, o que deveria ter acontecido. Se continuarmos revisitando o ponto da encruzilhada onde poderíamos ter tomado um caminho diferente, o senso de tsures ganha força.
Qualquer tentativa de decidir sobre algo que já aconteceu, além de inócua, confunde a gestão. O passado e sua experiência são um legado, não um tempo. Gerir significa fazer a partir do presente momento.
Shit happens, mas tsures é evitável. A arte de manutenção da carroça é a capacidade de reverter tsures em shit. Shit é o objeto da gestão.
A CARROÇA
A carroça foi um aplicativo fundamental.
Claro, a roda foi um dos maiores inventos. Fazer rolar e produzir roldanas iria revolucionar o mundo. E o fato de a roda tocar constantemente o chão num único ponto, produzindo instabilidade para qualquer lado, revelou um incrível potencial cinético. Havia algo de smart na roda a ser aplicado.
A carroça consiste em acoplar rodas a uma estrutura, e a elas uma força motriz animal. Inovação, engenharia e energia atreladas e bingo, um gesheft (um negócio), um aplicativo para prospectar novos negócios. E, assim, o ser humano abandonou o labor da natureza, fosse como coletor, agricultor, pastor ou pescador, e avançou sobre o comércio e o serviço.
Antes de o mundo se concentrar em metrópoles e dispor de avançados meios de comunicação, a carroça era a loja-escritório e a empresa. De um ponto de vista simbólico, a carroceria representava o produto/mercadoria, as rodas, o marketing e o cavalo, as vendas. O mercado, por sua vez, era o caminho por onde transitava a empresa, enfrentando entraves e contratempos.
A CABALA
Cabala significa nada mais do que interpretar
. Conhecer aquilo que não é literal parecerá, a um leigo, como uma mágica, quando é apenas uma leitura que lhe é invisível. Para quem não sabe cifras, arrancar música de uma pauta é surpreendente. Cabala são técnicas de interpretação.
A forma mais básica de se fazer isso é pensar por dualidades. A linguagem faz isso com os antônimos. Nada ilumina melhor o conceito de gordo
do que o de magro
. Assim, alto
e baixo
, ou bom
e mau
, rico
e pobre
se autodefinem e ampliam um o conceito do outro.
Em seu recurso mais elementar, a Cabala faz a mesma coisa apenas aumentando a complexidade, como numa equação de segundo grau. Ela duplica a dualidade e produz uma espécie de tetralidade
. A ideia é que algo possa ser mais bem compreendido se visto em quatro diferentes instâncias capazes de clarificar-se mutuamente. Um exemplo de modelo em quatro estágios são as estações do ano: primavera, verão, outono e inverno.
Na Cabala, essa técnica pode ser ampliada: pode-se ir de um modelo de quatro para outros mais complexos – de sete, 10 ou até 49 dimensões ou mundos. Em nosso caso, faremos uso do modelo mais básico, que é o da tetralidade.
Enquanto a dualidade se utiliza de um contrário para produzir seus efeitos, na tetralidade o desafio é encontrar um sistema capaz de decompor um objeto em quatro esferas, as quais poderão lançar luz umas sobre as outras.
E o sistema proposto pela Cabala para quatro dimensões é: a dimensão física, a emocional, a intelectual e a espiritual. Elas permitiriam fracionar uma dada manifestação em seus vários aspectos, ampliando a capacidade de cognição sobre ela.
AS HISTÓRIAS
Dizia o rabino Carlebach Carlebach que muitos se equivocam, achando que as histórias servem para fazer dormir quando, na verdade, sua maior função é fazer acordar.
A história é um causo, um fato, com a peculiaridade de o protagonista ser uma pessoa genérica, que sou eu, e de acontecer num tempo indefinido (era uma vez
), que é agora.
Eu
e agora
são as potências das histórias. Diferentemente de uma ideia pensada como um objeto, a história nos contém no presente.
Nas histórias, a narrativa é apenas um recurso para revelar o sistema sobre o qual se dá um causo ou um padrão. Sua moral não se relaciona com a narrativa, mas com a estrutura sobre a qual acontece a história.
Juntemos então o risco, a carroça, a Cabala e a história para falarmos sobre manutenção. Faremos isso observando shit (o contratempo) nas quatro esferas: a física da lama, a emocional do buraco, a intelectual do revés e a espiritual da escassez.
Quem souber gerir a lama, o buraco, o revés e a escassez terá aprendido A arte de manutenção da carroça.
I
Físico
LAMA
(Volatilidade)
Um ou seis cavalos?
Esta é a grande pergunta do mundo físico: Como lidar com a lama?
De um lado, está a escolha por um olhar afiado e cauteloso, buscando evitar a lama; de outro, a preferência por se antecipar, garantindo recursos para sair dela. Um é previdente no presente, o outro, no passado. Ambos estão certos! E nenhum deles sozinho tem a resposta.
Reb Meir ensina que nem todas as áreas enlameadas precisam ser atravessadas, e aposta na atenção e na agilidade para contornar os trechos enlameados e evitá-los. Tal tática se mostra muito eficiente, por exemplo, para a fala. Nem tudo deve ser dito e podemos evitar territórios muito pantanosos pelo simples zelo que tenhamos com palavras. E também nem tudo deve ser feito: o simples fato de que dispomos de aptidão para fazer algo não deveria levar necessariamente à ação. Mas só a disciplina e a continência do pensamento podem nos impedir de falar e fazer o que não é necessário. Reb Meir ensina que a potência pode produzir uma lama que não é shit, mas tsures. Ou seja, uma lama que não é uma contingência externa, algo que estava na estrada, mas um evento produzido por atitude.
Reb Israel, por sua vez, nos ensina que, por mais cuidadosos que sejamos, haverá momentos em que nos veremos atolados na lama. Nesses momentos terá sido fundamental guarnecer-se de competências para se desatolar. Tal tática se mostra muito eficiente, por exemplo, para as finanças. A lama, nessa esfera, pode se tornar uma areia movediça quando não provisionamos recursos. O pecúlio é muito mais valioso na condição de insumo do que de consumo. Não estar munido é desconsiderar que "happens, que de fato
acontece" e que shit é parte da realidade. Não poder remediar é uma situação que se deve evitar a todo custo, uma vez que isso favorece o senso de tsures ao suscitar pensamentos do tipo eu deveria ter....
.
Como num jogo de canastra, de um lado a estratégia simples e eficiente de comprar uma única carta do monte e tentar bater o mais rapidamente; de outro, a tática de comprar o lixo e tentar fazer a maior pontuação possível. Para a escolha de um ou de outro sistema você dependerá da argúcia de entender quais cartas estão na sua mão. Assim como a fala e a ação bem caminham com o zelo, ou as finanças com a previsão, caberá a você escolher que tipo de carroça vai se adequar melhor à estrada à sua frente.
Mesmo assim, por mais vigilantes que sejamos e por mais preparados que estejamos, haverá momentos em que a lama prevalecerá. Nesses momentos, não há outra saída a não ser descer da carroça e entrar na lama junto com o(s) cavalo(s) e empurrar. Importante registrar, porém, que a experiência desses momentos não será mais na condição de shit, de um incidente, mas sim de aceitação da essência daquilo que é uma estrada. A mesma terra que dá sustentação também produz a lama.
Do ponto de vista sistêmico[1] da gestão, essa primeira dimensão de volatilidade (espaço físico) demanda foco na agilidade para escolher a estratégia mais adequada.
1 Em um ponto de vista sistêmico, um único aspecto interfere e afeta todos os demais, seja um ente ou uma entidade, seja um corpo ou uma corporação.
Emocional
BURACO
(Incerteza)
Saindo do lugar
Lama é diferente de buraco, assim como físico é diferente de emocional.
A lama detém a carroça por falta de atrito, e o buraco detém a carroça por desordem.
A lama é o estado físico da própria terra umedecida. O buraco é uma súbita falta de chão, causando desequilíbrio. Para a primeira, a questão é a mobilidade: para o segundo, a estabilidade.
O problema na dimensão física é produzido por algo físico, ou seja, a cinética da roda é anulada pela inércia da lama; na dimensão emocional, o que ocorre é produzido por algo emocional, uma aflição por conta de desordem. A interrupção é causada, portanto, não por uma barreira física, mas emocional.
A autonomia está para o físico assim como o controle está para o emocional. Os buracos representam os obstáculos imateriais, os vazios nos quais caímos buscando controlar o incontrolável. Representam as interrupções desnecessárias que atendem à insegurança, à procrastinação e à negação.
A ordem não pode ser uma medida pontual, e aquele que se desesperar na primeira desordem não irá longe. A vida é cheia de altos e baixos, e o pior que podemos fazer para nossa estrutura emocional é ficarmos eufóricos nas subidas e deprimidos nas decidas. Euforia e depressão são estresses, e a única coisa que pode desfazer essa montanha-russa emocional são as lições do buraco.
A lição do segundo carroceiro é saber trabalhar com prazos maiores para que se tenha estabilidade. O caminho é sempre instável, e caberá ao gestor produzir estabilidade num dado somatório de buracos. Diferentemente da lama que interrompe a viagem, o buraco precisa de um cálculo tal que o final da jornada termine com o último buraco rearrumando os melões.
Não temer instabilidades e entender que os resultados virão ao longo do tempo é a gestão mais importante nesse mundo emocional. Representa, em última análise, saber administrar o próprio desejo de controlar as coisas.
Na gestão sistêmica, o foco nessa dimensão de incerteza (espaço emocional) está em minimizar trabalho desnecessário, evitando preocupações e detalhamentos excessivos, e dispor de agilidade na projeção de resultados ao longo de toda uma jornada.
Intelectual
REVÉS
(Complexidade)
O cavalo morreu
A surpresa do discípulo diante da ausência de conexão entre causa e efeito é típica dessa dimensão, que aqui chamamos de complexidade. Como pode o cavalo morrer e as coisas prosperarem? Até então o cavalo era o objeto da bênção, claramente a parte produtiva de seu negócio. O rabino desvenda, nesse território de complexidade, que o cavalo havia se bandeado de solução a problema.
Muitas vezes é difícil estabelecer uma ligação que nos faça enxergar estruturas de nosso negócio como contraproducentes. Os resultados apontam para isso, mas achamos que se trata de ineficiência ou má gestão. As bênçãos, assim, vão se fazendo inúteis, representando apenas as ações tomadas para mascarar a questão e as negações que nos levam a delongas. O conceito de agilidade tem importância nessa dimensão, uma vez que costumamos procrastinar na tomada de decisões, iludidos pela percepção de que o cavalo é peça fundamental ao empreendimento.
A história não nos permite saber qual foi a medida substitutiva ao cavalo
. Talvez porque esse seja um detalhe ou uma especificidade que não caberia numa narrativa como essa. Afinal, as histórias são sempre enunciados, não soluções. Lembremos que um bom enunciado tem um valor genérico muito maior do que uma boa resposta. A história, porém, parece mais interessada em revelar outro aspecto: o revés.
O conceito de revés está profundamente associado ao de tsures. Parece que a percepção de que algo danoso aconteceu está implícita na impotência do discípulo diante dos fatos. Na realidade, o que ocorreu foi produto da própria dinâmica de um empreendimento. Tal como a vida, os processos econômicos interagem mutuamente e geram modificações. E estas são de natureza muito distinta das variações ou das alternâncias. Em nosso tempo, por exemplo, a dita Revolução Digital matou muitos cavalos. A tal ponto de diversos pensadores se alinharem ao sentimento do discípulo, tratando-a como Digital Disruption, a ruptura digital. Essa mudança está longe de ser uma desgraça ou uma fatalidade, como a morte de um cavalo faz supor. São novos ventos que demandam reposicionamentos estruturais.
Daí a importância de se retirar o revés do lugar de tsures e posicioná-lo no lugar de shit, ou seja, de desafios de gestão. Também é importante perceber que os maus resultados só conseguem apontar alternâncias, não permitindo que sejam identificados os reveses. Os reveses estão atrelados ao sistema. Por isso, não importa quantas bênçãos seu cavalo receba, ele simplesmente já será parte do problema. Ações para restaurar eficiência não trarão resultado, e serão necessárias mudanças efetivas. A agilidade
está na coragem e na precisão de matar seu próprio cavalo. E para tal será necessário perceber que ele já estava morto.
O contrário da agilidade é a procrastinação, uma patologia que evita a tomada de decisões por temor ao erro, quando o maior dos erros é não tomar decisões. Onde se vê tsures, problemas, é fundamental enxergar shit, oportunidades para crescer.
Mas agilidade, aqui, não é a capacidade de repor o cavalo morto por uma inovação externa
. O fato de o discípulo não apresentar o substituto que o levou ao sucesso indica que sua reposição aconteceu por recursos internos a seu negócio. Aqui a história aponta para algum processo de auto-organização proveniente do próprio negócio, e não de um fator externo. A ordem tem possibilidades de se autorrecompor, desde que o cavalo seja retirado de cena. Como um organismo livre de um tumor, os elementos do sistema podem agora incorporar shit como um ativo do negócio e se reestruturar de forma mais profunda. A dimensão intelectual representa sempre o recurso de dentro, nunca o de fora.
Para a gestão sistêmica, agilidade significa mais foco na auto-organização e menos na tomada de decisão hierárquica. Lideranças têm por vezes maior apego a memórias e experiências bem-sucedidas do passado (cavalos), apresentando maior dificuldade em identificá-las como parte do problema. No entanto, elas ainda têm uma participação importante na motivação por uma bênção. Parte do mérito na resolução de problemas da história está na insistência de que há algo errado não apenas no resultado, mas na eficiência do negócio como um todo, requerendo ações efetivas.
Espiritual
ESCASSEZ
(Ambivalência)
Para além da carroça
Nessa singela história há uma proposta do tipo soma não zero
. A ocupação de um espaço é normalmente percebida como um parâmetro limitado. A escassez de espaço parece ser um dado objetivo incontestável, tal como uma torta só pode render tantas fatias quanto realmente possuir.
Sem negar essa evidência, o rabino não propõe mais espaço a partir do próprio espaço. O recurso a utilizar é amar mais uns aos outros
. Para além do significado literal – de que a camaradagem, a cooperação e a boa vontade sejam capazes de ocasionar um espaço extra –, o rabino está apresentando um novo modelo.
A única forma de transformar escassez em alguma forma de abundância depende do talento de alterar as próprias referências, lançando-se mão de outra plataforma de entendimento.
Várias estratégias poderiam ter sido