Dilmês: O idioma da mulher sapiens
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Sobre este e-book
Ao esmiuçar os mais estapafúrdios conceitos e raciocínios já formulados por uma figura pública brasileira, esta sátira política honra a melhor tradição do gênero com uma viagem ao centro do saara cerebral de Dilma Rousseff. Já em meados de 2009, no exato instante em que a funcionária pública mineira de origem búlgara começou a se apresentar aos brasileiros como presidenciável, era possível notar que havia algo de errado naquele discurso no qual palavras eram despejadas a esmo, sem dar liga a uma única ideia à altura do cargo que postulava.
A partir dos discursos presidenciais transcritos na íntegra pelo Portal do Planalto, Celso Arnaldo Araujo, pioneiro na análise sintática e política da língua falada pela presidente da República, destrincha e documenta os verdadeiros espetáculos de comédia bufa protagonizados pela dramática inaptidão da oratória de Dilma.
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Pré-visualização do livro
Dilmês - Celso Arnaldo Araujo
1ª edição
2015
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A69d
Araujo, Celso Arnaldo
Dilmês [recurso eletrônico] : o idioma da mulher sapiens / Celso Arnaldo Araujo. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Record, 2015.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
Inclui Sumário
ISBN 978-85-01-10718-3 (recurso eletrônico)
1. Dilma Rousseff - Brasil. 2. Sátira política. 3. Língua portuguesa - Gramática. 4. Livros eletrônicos. I. Título.
15-28608
CDD: 469.7
CDU: 811.134.3’42
Copyright © Celso Arnaldo Araujo, 2015
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direitos exclusivos desta edição reservados pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: 2585-2000.
Produzido no Brasil
ISBN 978-85-01-10718-3
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Atendimento e venda direta ao leitor:
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Sumário
Prefácio. O português de Dilma
(Deonísio da Silva)
Introdução. No começo era o verbo
1. Dilma fala: Pra mim sê pré
2. A bichinha palanqueira
e a imensa capacidade
do dilmês — que controla até avião
3. A sapiência da Mulher sapiens foi chacoalhada pela caxirola
4. A única mulher que hesitou entre o balé e o Corpo de Bombeiros — e se tornou presidente
5. A mãe do PAC é metade do mundo — e mãe da outra metade
6. A casa do espanto é própria de Dilma: mostra nossa capacidade de viver e de morrer
7. Dilmês é como a gripe de Dilma: Uma doença que ataca cada um de nós
8. Todas as artes do dilmês cabem num pendrive: é a penacoteca
de Dilma
9. Dilmês: um serial killer das letras alheias
10. Papéis secretos do governo Dilma: os únicos escritos conhecidos em dilmês
11. A volta ao mundo em dilmês: do soldado búlgaro desconhecido ao dentifrício mágico
12. O dilmês faz as contas: há dois países com mais de 1 trilhão de habitantes e 4 para 13 dá 7, fora o resto
13. Durante os comprimentos mais compridos do mundo, dona Maria entrou no discurso errado
14. Antologia do dilmês: (quase) o melhor do pior
15. Não esqueçam o que falei
Prefácio
O português de Dilma
Deonísio da Silva
Eram os confusos, mas esperançosos, anos 1980. Aurélio Buarque de Holanda pensou em incluir o verbo malufar
e o substantivo malufício
nas novas reedições do Dicionário Aurélio.
Um dicionário é mais conhecido pelo povo como pai dos burros. Todavia, muitas palavras cujo significado desconhecemos não estão lá. Outras, como as duas citadas, variantes de roubar e de malefício, ainda não foram incorporadas.
Os dicionários já estavam desatualizados quando surgiu o dilmês, o português de Dilma. E a coisa piorou. Até a dicção da presidente dificulta a busca das palavras nos dicionários. Não adianta procurar. Sua sintaxe é quase insolente.
É verdade que o povo brasileiro continua ouvindo e falando muitas palavras que não estão nos dicionários, pois sua habilidade verbal é impressionante, não apenas no uso daquelas que aprendeu, senão também no manejo daquelas que inventa a cada dia. Mas não entende o dilmês.
Por isso, este livro de Celso Arnaldo é indispensável. Aqui, ninguém será derrubado pelo tédio, sempre um mau presságio, que marca tantas declarações de nossa presidente. Nem será ofendido pelos crimes de lesa-língua, presentes nos ataques a este maravilhoso patrimônio herdado dos portugueses.
Celso Arnaldo detona o estilo presidencial: Com sentenças que, levadas ao pé da letra, sem uma rigorosa revisão, seriam barradas da ata de reunião de condomínio de um conjunto habitacional do Minha Casa, Minha Vida, Dilma foi impondo o dilmês ao mundo civilizado.
Será que o português de Dilma entra na categoria do enriquecimento de nossa língua? Não, a Mulher sapiens e o elogio da mandioca, uma das grandes conquistas da humanidade
não são provas da extraordinária criatividade dos brasileiros, que não se fecharam a imigrantes vindos de todo o mundo, entre os quais estão presentes os búlgaros nos ancestrais de Dilma Rousseff, como antes estiveram os tchecos nos de Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Os imigrantes e seus descendentes deram à língua portuguesa do Brasil não apenas milhares de novas palavras, mas também inimagináveis recursos de expressão. Todavia, mesmo que os brasileiros saibam como poucos acolher palavras novas e modos renovados de dizer as coisas, o dilmês foi rejeitado. Por isso, Celso Arnaldo afia as unhas farpadas: O búlgaro torna-se uma língua de cantiga infantil diante do atormentado dilmês — idioma assemelhado ao búlgaro por sintaxe genética.
Ele nos mostra que este povo não merecia uma presidente que fala como Dilma. Ela não é desconexa apenas no modo de governar. Também no quesito da fala são notórias suas agressões à lógica e à sintaxe. E como lhe fazem falta a cordialidade e o jogo de cintura!
Seu antecessor, que não estudou porque não quis, aliás, sabia comunicar-se com uma eficiência extraordinária no exercício da Presidência da República, mesmo tropeçando na norma culta do português, principalmente quando posto em contraste com seu antecessor, de quem disse o insuspeito Darcy Ribeiro que era um luxo ter um presidente como Fernando Henrique Cardoso.
Por motivos freudianos, era esperado que, quando a mulher viesse para o proscênio do poder, as coisas melhorassem. Se fosse mãe, melhor ainda. A mãe cuida da casa, e o Brasil é a nossa casa, a casa de todos. Ledo engano!
Os antigos gregos, que forneceram os étimos de economia
, pela junção de oikos
, casa, e nomos
, ordem, achavam, entretanto, que a esperança era um mal. Porque podia nos enganar acerca do futuro. Os sábios helenos exemplificaram com um mito esta crença desconcertante. Na caixa ou jarro de Pandora, a esperança foi o único mal que não conseguiu escapar.
Sem exagero, este livro só encontra equivalente nos antigos Febeapás de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo pelo qual era mais conhecido, nos anos 1960, a década que mudou tudo, o jornalista Sérgio Porto, que cunhou a sigla com o fim de designar o Festival de Besteira que Assola o País
.
Devemos a Augusto Nunes mais esta revelação. Foi ele quem abrigou os saborosos textos de Celso Arnaldo, um autor que não chateia os leitores, não precisa mostrar que sabe ou como sabe, e faz do texto uma trincheira contra a ignorância. Este livro é um presente para quem quer entender o Brasil. Ah, sim, e é muito bem escrito.
Introdução
No começo era o verbo
Tive — como é mesmo a palavra? — uma epifania. Até hoje não sei se palavra tão solene, geralmente reservada a súbitas descobertas filosóficas, pensamentos iluminados, revelações de altas manifestações do espírito, aplica-se realmente ao que senti naquele momento — até porque acho que nunca mais terei uma nova epifania diante de qualquer outro fenômeno. Pensando bem: só agora sei que tive mesmo uma epifania ao ouvir Dilma falando pela primeira vez.
Lembro bem. Eu estava na cozinha, mais precisamente no fogão, misturando qualquer coisa. Ao lado da geladeira, a TV de 14 polegadas cumpria sua função de pano de fundo, sem merecer minha especial atenção. Mas o acaso — só pode ser — programou o velho aparelho. A voz que então vinha dele, ao longe, introduzia uma descoberta que, para mim, se transformaria num processo epistemológico — para empregar outra palavrinha que só se usa uma vez na vida.
Era uma senhora discorrendo sobre as maravilhas do pré-sal. Só fixei minha atenção e descobri do que ela falava porque a extraordinária forma daquela fala, que captei sem muito esforço, conduziu-me automaticamente ao conteúdo. Aí entra a tal epifania — o súbito entendimento ou compreensão de algo
me fez interromper os trabalhos sobre o fogão e me concentrar na velha TV, depois de aumentar-lhe o volume no controle remoto. Então, a coisa começou a fazer sentido. Ou não.
Era um canal do governo, uma certa TV NBR, especializada em discursos, eventos e entrevistas oficiais para uma única audiência: o traço. Ganhou a minha atenção, naquele momento. Era setembro de 2009 — um domingo, creio. E uma senhora austera e altiva, de óculos e tailleur, num tom de voz acima do normal para o contexto, dava uma aula PowerPoint de pré-sal a uma plateia de engravatados.
O tema exposto não era de meu especial interesse — o modo de exposição, sim. Aflorava, naquele momento epifânico, o instinto de quem, como jornalista de revista semanal por quase trinta anos, habituara-se a ouvir e captar os mais diversos padrões da sintaxe em língua portuguesa — de garranchos vocais a esculturas oratórias. Aquilo era diferente. Era fora do padrão. Um ponto fora da curva.
Não tenho a mais vaga lembrança de alguma sentença que tenha me chamado mais a atenção naquela exposição na TV oficial. Foi o conjunto da obra que impactou. A senhora do pré-sal dava a impressão de ir buscar seus raciocínios numa camada mais profunda que a do seu tema no dia — e o que vinha à tona não era nada bom. Aliás, era extraordinário. Frases que começavam, mas não terminavam, perdendo-se em rodeios desesperantes. Outras que terminavam mal tinham começado. Palavras que redundavam e se encavalavam, desafiando qualquer sequência. Enfim, a notável falta de clareza passava a impressão de uma especialista não especializada no tema que tentava explanar.
A estranheza foi ainda maior porque, em tese, ela era uma superexpert no assunto. Os créditos na base da tela da TV identificavam a oradora: Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil do governo Lula e ex-ministra das Minas e Energia. Sim, a mesma Dilma que os cronistas políticos de Brasília já ventilavam como a candidata de Lula à sua sucessão — depois que a escolha mais natural, José Dirceu, fora alvejada de morte pelos desdobramentos do mensalão.
O fato é que saí muitíssimo mal impressionado de meu primeiro encontro com Dilma Rousseff. Concedi, porém, o benefício da dúvida a quem podia ser nossa primeira presidente mulher: fora um mau dia dela. Estava nervosa por algum motivo, só podia ser. Algo a perturbara, antes da palestra, afetando seu discurso. Uma autoridade desse nível, ex-ministra do pré-sal e de todas as outras energias, e agora uma espécie de chanceler dos subterrâneos do governo Lula, não poderia falar daquele jeito. Não demorou muito para, ouvindo-a em outros contextos, sobre os mais variados assuntos, concluir que a Dilma do pré-sal era a da superfície também.
A pré-candidata passou a ter em mim um fiel seguidor — em carne e osso, não nas redes sociais.
Um fenômeno clássico, na acepção kantiana do termo, é próprio do mundo como nós o experimentamos. A Dilma que publicamente passou a experimentar
o Brasil com sua estranha novilíngua era um fenômeno. Em tese, uma pessoa que pensava o Brasil daquela forma não poderia comandar o país — mas isso não foi detectado na época pela mídia e pela oposição. Para mim, em particular, ouvir Dilma — sim, era eu —acabaria se tornando um hábito. Eu diria: uma obsessão com método.
Nos breves intervalos de minha atividade jornalística, passei a prestar atenção à agenda da provável candidata, que àquela altura cruzava o Brasil levando mensagens que não recomendariam um candidato a vereador em Centro do Guilherme, interior do Maranhão, onde 95,32% da população vive em extrema pobreza.
Uma porcentagem que equivalia a seus pensamentos. Como este: Nós precisamos de uma coisa importante em nosso país, que é nossa autoestima. Olhar para nós mesmos e sabê (sic) que esse país conta fundamentalmente conosco.
Nessas pequenas pílulas da Dra. Dilma, estava a raiz do idioma que dali a meses passaria a governar o Brasil: palavras de um estrato mais culto, como autoestima
e fundamental
, pegando carona num pensamento indigente, que era a tônica de suas declarações, agravada por uma tendência a cacoetes de vulgarismo, como corruptelas (você = ocê) e o desprezo ao infinitivo dos verbos. Não era apenas, contudo, uma questão de gramática, mas de gestão. Esse povo que pode e teve (sic) muitas vezes desempregado. Nós não queremos isso. Nós queremos todos os brasileiros empregados.
Uma presidente que queria ver todos os brasileiros empregados, incluindo bebês de colo e pacientes de casas de repouso, acionaria automaticamente o sinal de alerta, ao estilo Apolo 13: Brasília, temos um problema.
Comecei a despachar esses momentos Dilma
a Augusto Nunes, titular absoluto da seleção principal do jornalismo brasileiro — também um cultor da boa língua e um atento crítico da estupidez política, então assinando uma coluna de enorme repercussão no site da revista Veja. Impressionado, ele passou a publicá-los como posts assinados por mim.
Dilma era uma fonte inesgotável. Com o tempo, não satisfeito em apenas coletar o que os jornais reproduziam, passei a pesquisar as atuações de Dilma em vídeos e áudios disponibilizados na internet. Perdi horas destrinchando discursos e entrevistas dela pelos rincões do Brasil — manifestações das quais, imagino, ninguém tomara conhecimento fora do Palácio. Àquela altura, admito, já havia sido estabelecida minha dependência mental ao dilmês, pelo que ele tem de mais fascinante: seu poder de empobrecer qualquer raciocínio.
Minhas breves notas sobre frases isoladas publicadas na coluna de Augusto Nunes transformaram-se, logo, em crônicas extensas, nas quais dissecava terríveis discursos e entrevistas dela, do bom-dia ao até logo. Em janeiro de 2010, o Portal do Planalto facilitou minha vida. Passou a publicar todos os discursos e entrevistas de Dilma na íntegra — sem correções, além da eliminação dos vulgarismos. Sopa no mel. O material tornara-se abundante. E ainda mais convidativo. Eram vários discursos e incontáveis entrevistas por semana. E, em todos, tomava corpo uma hipótese: a indicação de Dilma à Presidência fora um grande equívoco. Um erro de pessoa.
Augusto transformou-me num personagem: o Caçador de Cretinices. O apelido traía um viés de humor — quase sempre involuntário — que meus textos incorporavam ao falar de Dilma. Depois, o titular da coluna também pespegou um apelido em Dilma — o Neurônio Solitário. Enfim, consagrou-se o nome do novo idioma da política brasileira: dilmês. Mas o humor, nesse caso, ia até certo ponto. Independentemente de suas aparições desastrosas, ela crescia nas pesquisas.
E, mesmo que no fundo torcesse para que aquilo fosse adiante, de tempos em tempos, durante o desenrolar da campanha, eu e Augusto — ele, na criação da maioria dos títulos de meus posts e também em textos próprios — passamos a dar um tom um pouco mais austero às exposições das dilmices.
Em 16 de maio de 2010, cinco meses antes do primeiro turno das eleições presidenciais, a coluna destacava: Celso Arnaldo sobre Dilma Rousseff: a desmontagem da farsa exige mais que uma galhofa.
Eu resumia:
Há oito meses, ouço tudo o que Dilma diz em público. Não lhe ouvi ainda uma frase inteligente. Um raciocínio límpido, criativo. Uma tirada esperta. Um jogo de palavras que faça sentido lógico e tenha algum requinte metafórico. Uma boa ideia própria. Uma resposta satisfatória e sincera. Um pensamento superior que denote um juízo superior sobre nossas mazelas e nosso futuro. Um cacoete de estadista. Uma réplica ferina.