A Revolução Coreana: O desconhecido socialismo Zuche
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A Revolução Coreana - Paulo G. Fagundes Visentini
Nota do Editor
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A Revolução Coreana
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Pedro Angelo Pagni
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Rosa Maria Feiteiro Cavalari
Editores-Adjuntos
Anderson Nobara
Leandro Rodrigues
Paulo G. Fagundes Visentini
Analúcia Danilevicz Pereira
Helena Hoppen Melchionna
A Revolução Coreana
O desconhecido socialismo Zuche
Coleção Revoluções do Século 20
Direção de Emília Viotti da Costa
© 2015 Editora Unesp
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva – CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Revolução coreana 951.9304
2. Revolução coreana 94(519.3)
Editora afiliada:
[5]
Apresentação da coleção
O século XIX foi o século das revoluções liberais; o XX, o das revoluções socialistas. Que nos reservará o século XXI? Há quem diga que a era das revoluções está encerrada, que o mito da Revolução que governou a vida dos homens desde o século XVIII já não serve como guia no presente. Até mesmo entre pessoas de esquerda, que têm sido através do tempo os defensores das ideias revolucionárias, ouve-se dizer que os movimentos sociais vieram substituir as revoluções. Diante do monopólio da violência pelos governos e do custo crescente dos armamentos bélicos, parece a muitos ser quase impossível repetir os feitos da era das barricadas.
Por toda parte, no entanto, de Seattle a Porto Alegre ou Mumbai, há sinais de que hoje, como no passado, há jovens que não estão dispostos a aceitar o mundo tal como se configura em nossos dias. Mas, quaisquer que sejam as formas de lutas escolhidas, é preciso conhecer as experiências revolucionárias do passado. Como se tem dito e repetido, quem não aprende dos erros do passado está fadado a repeti-los. Existe, contudo, entre as gerações mais jovens, uma profunda ignorância desses acontecimentos tão fundamentais para a compreensão do passado e a construção do futuro. Foi com essa ideia em mente que a Editora Unesp decidiu publicar esta coleção. Esperamos que os livros venham a servir de leitura complementar aos estudantes da escola média, universitários e ao público em geral.
Os autores foram recrutados entre historiadores, cientistas sociais e jornalistas, norte-americanos e brasileiros, de posições políticas diversas, cobrindo um espectro que vai do centro até a esquerda. Essa variedade de posições foi conscientemente [6] buscada. O que perdemos, talvez, em consistência, esperamos ganhar na diversidade de interpretações que convidam à reflexão e ao diálogo.
Para entender as revoluções no século XX, é preciso colocá-las no contexto dos movimentos revolucionários que se desencadearam a partir da segunda metade do século XVIII, resultando na destruição final do Antigo Sistema Colonial e do Antigo Regime. Apesar das profundas diferenças, as revoluções posteriores procuraram levar a cabo um projeto de democracia que se perdeu nas abstrações e contradições da Revolução de 1789, e que se tornou o centro das lutas do povo a partir de então. De fato, o século XIX assistiu a uma sucessão de revoluções inspiradas na luta pela independência das colônias inglesas na América e na Revolução Francesa.
Em 4 de julho de 1776, as treze colônias que vieram inicialmente a constituir os Estados Unidos da América declaravam sua independência e justificavam a ruptura do Pacto Colonial. Em palavras candentes e profundamente subversivas para a época, afirmavam a igualdade dos homens e apregoavam como seus direitos inalienáveis: o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Afirmavam que o poder dos governantes, aos quais cabia a defesa daqueles direitos, derivava dos governados. Portanto, cabia a estes derrubar o governante quando ele deixasse de cumprir sua função de defensor dos direitos e resvalasse para o despotismo.
Esses conceitos revolucionários que ecoavam o Iluminismo foram retomados com maior vigor e amplitude treze anos mais tarde, em 1789, na França. Se a Declaração de Independência das colônias americanas ameaçava o sistema colonial, a Revolução Francesa viria pôr em questão todo o Antigo Regime, a ordem social que o amparava, os privilégios da aristocracia, o sistema de monopólios, o absolutismo real, o poder divino dos reis.
Não por acaso, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional da França, foi redigida pelo marquês de La Fayette, francês que participara das lutas pela independência das colônias americanas. Este contara [7] com a colaboração de Thomas Jefferson, que se encontrava na França, na ocasião como enviado do governo americano. A Declaração afirmava a igualdade dos homens perante a lei. Definia como seus direitos inalienáveis a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão, sendo a preservação desses direitos o objetivo de toda associação política. Estabelecia que ninguém poderia ser privado de sua propriedade, exceto em casos de evidente necessidade pública legalmente comprovada, e desde que fosse prévia e justamente indenizado. Afirmava ainda a soberania da nação e a supremacia da lei. Esta era definida como expressão da vontade geral e deveria ser igual para todos. Garantia a liberdade de expressão, de ideias e de religião, ficando o indivíduo responsável pelos abusos dessa liberdade, de acordo com a lei. Estabelecia um imposto aplicável a todos, proporcionalmente aos meios de cada um. Conferia aos cidadãos o direito de, pessoalmente ou por intermédio de seus representantes, participar na elaboração dos orçamentos, ficando os agentes públicos obrigados a prestar contas de sua administração. Afirmava ainda a separação dos poderes.
Essas declarações, que definem bem a extensão e os limites do pensamento liberal, reverberaram em várias partes da Europa e da América, derrubando regimes monárquicos absolutistas, implantando sistemas liberal-democráticos de vários matizes, estabelecendo a igualdade de todos perante a lei, adotando a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), forjando nacionalidades e contribuindo para a emancipação dos escravos e a independência das colônias latino-americanas.
O desenvolvimento da indústria e do comércio, a revolução nos meios de transporte, os progressos tecnológicos, o processo de urbanização, a formação de uma nova classe social – o proletariado – e a expansão imperialista dos países europeus na África e na Ásia geravam deslocamentos, conflitos sociais e guerras em várias partes do mundo. Por toda parte os grupos excluídos defrontavam-se com novas oligarquias que não atendiam às suas necessidades e não respondiam aos seus anseios. Estes extravasavam em lutas visando tornar mais [8] efetiva a promessa democrática que a acumulação de riquezas e poder nas mãos de alguns, em detrimento da grande maioria, demonstrara ser cada vez mais fictícia.
A igualdade jurídica não encontrava correspondência na prática; a liberdade sem a igualdade transformava-se em mito; os governos representativos representavam apenas uma minoria, pois a grande maioria do povo não tinha representação de fato. Um após outro, os ideais presentes na Declaração dos Direitos do Homem foram revelando seu caráter ilusório. A resposta não se fez tardar.
Ideias socialistas, anarquistas, sindicalistas, comunistas ou simplesmente reformistas apareceram como críticas ao mundo criado pelo capitalismo e pela liberal-democracia. As primeiras denúncias ao novo sistema surgiram contemporaneamente à Revolução Francesa. Nessa época, as críticas ficaram restritas a uns poucos revolucionários mais radicais, como Gracchus Babeuf. No decorrer da primeira metade do século XIX, condenações da ordem social e política criada a partir da Restauração dos Bourbon na França fizeram-se ouvir nas obras dos chamados socialistas utópicos como Charles Fourier (1772-1837), o conde de Saint-Simon (1760-1825), Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), o abade Lamennais (1782-1854), Étienne Cabet (1788-1856), Louis Blanc (1812-1882), entre outros. Na Inglaterra, Karl Marx (1818-1883) e seu companheiro Friedrich Engels (1820-1895) lançavam-se na crítica sistemática ao capitalismo e à democracia burguesa, e viam na luta de classes o motor da história e, no proletariado, a força capaz de promover a revolução social. Em 1848, vinha à luz o Manifesto comunista, conclamando os proletários do mundo a se unirem.
Em 1864, criava-se a Primeira Internacional dos Trabalhadores. Três anos mais tarde, Marx publicava o primeiro volume de O capital. Enquanto isso, sindicalistas, reformistas e cooperativistas de toda espécie, como Robert Owen, tentavam humanizar o capitalismo. Na França, o contingente de radicais aumentara bastante, e propostas radicais começaram a mobilizar um maior número de pessoas entre as populações urbanas. Os socialistas, derrotados em 1848, vieram a assumir a liderança [9] por um breve período na Comuna de Paris, em 1871, quando foram novamente vencidos. Apesar de suas derrotas e múltiplas divergências entre os militantes, o socialismo foi ganhando adeptos em várias partes do mundo. Em 1873, dissolvia-se a Primeira Internacional. Marx veio a falecer dez anos mais tarde, mas sua obra continuou a exercer poderosa influência. O segundo volume de O capital saiu em 1885, dois anos após sua morte, e o terceiro, em 1894. Uma nova Internacional foi fundada em 1889. O movimento em favor de uma mudança radical ganhava um número cada vez maior de participantes, em várias partes do mundo, culminando na Revolução Russa de 1917, que deu início a uma nova era.
No início do século XX, o ciclo das revoluções liberais parecia definitivamente encerrado. O processo revolucionário, agora sob inspiração de socialistas e comunistas, transcendia as fronteiras da Europa e da América para assumir caráter mais universal. Na África, na Ásia, na Europa e na América, o caminho seguido pela União Soviética alarmou alguns e serviu de inspiração a outros, provocando debates e confrontos internos e externos que marcaram a história do século XX, envolvendo a todos. A Revolução Chinesa, em 1949, e a Cubana, dez anos mais tarde, ampliaram o bloco socialista e forneceram novos modelos para revolucionários em várias partes do mundo.
Desde então, milhares de pessoas pereceram nos conflitos entre o mundo capitalista e o mundo socialista. Em ambos os lados, a historiografia foi profundamente afetada pelas paixões políticas suscitadas pela guerra fria e deturpada pela propaganda. Agora, com o fim da guerra fria, o desaparecimento da União Soviética e a participação da China em instituições até recentemente controladas pelos países capitalistas, talvez seja possível dar início a uma reavaliação mais serena desses acontecimentos.
Esperamos que a leitura dos livros desta coleção seja, para os leitores, o primeiro passo numa longa caminhada em busca de um futuro em que liberdade e igualdade sejam compatíveis e a democracia seja a sua expressão.
Emília Viotti da Costa
[11]
Sumário
Apresentação da coleção [5]
Sumário [11]
Lista de siglas e abreviaturas [15]
Introdução [17]
1. Nacionalismo, comunismo e as origens da Revolução Coreana [27]
Uma pequena península entre grandes impérios [27]
A Coreia monárquica, do isolamento à abertura forçada [28]
Nacionalismo e comunismo nas origens da Revolução Coreana [33]
A Guerra da Ásia e seu impacto na Revolução [40]
2. Divisão, guerra civil e Guerra da Coreia (1945-1953) [47]
A Guerra Fria e a divisão da Coreia (1945-1948) [47]
Reformas socializantes na RPDC e apoio à Revolução Chinesa [56]
Dos conflitos no sul à diplomacia da Guerra (1948-1950) [63]
A Guerra da Coreia (1950-1953) [66]
3. O socialismo em meio país: reconstrução e socialismo Zuche (anos 1950-1960) [75]
Efeitos da guerra, reconstrução e implantação do socialismo [75]
A situação internacional no pós-guerra e a economia norte-coreana [76]
Do marxismo-leninismo ao Zuche [81]
Os fundamentos político-diplomáticos do Zuche [87]
4. Da cisão sino-soviética à aliança sino-americana (anos 1960-1970) [93]
A Coreia do Norte diante da rivalidade sino-soviética [93]
A barganha e a reconstrução econômica [96]
Kim e Mao diante do revisionismo soviético [99]
O Zuche como desenvolvimento econômico industrial [102]
O Zuche como diplomacia autonomista [106]
A Coreia do Norte e o Terceiro Mundo [109]
A RPDC e o tabuleiro asiático [111]
5. Do apogeu às adversidades (anos 1970-1980) [115]
A RPDC diante da aliança sino-americana [115]
As transformações econômicas nos anos 1970 [119]
As dificuldades dos anos 1980 [123]
Da Nova Guerra Fria à Perestroika de Gorbachov [127]
A RPDC diante da crise soviética [130]
6. Solidão e tragédias: a Marcha Penosa e o Songun (anos 1990) [135]
O impacto do fim da URSS e a Marcha Penosa [135]
Relações econômicas entre a RPDC e a China [138]
A diplomacia triangular China-RPDC-Coreia do Sul [142]
A ascensão de Kim Jong Il, a morte de Kim Il Sung e o Songun [145]
A estratégia nuclear: dissuasão e diálogo
com os EUA [148]
Do apogeu das negociações às novas tensões [155]
Os mercados privados, o relaxamento do controle político e as reformas econômicas [161]
7. Byungjin: defesa, economia e modernização [169]
A segunda transição norte-coreana [169]
É possível uma modernização sem reformas? [173]
A busca da segurança num mundo em crise [176]
A República Popular Democrática da Coreia vista por dentro [183]
Conclusão [187]
Bibliografia [191]
[12]-[13]
[15] Lista de siglas e abreviaturas
[17]
Introdução
A guerra é um professor severo.
Tucídides
Mantenham seus pés firmemente plantados
nessa terra e observem o mundo.
Sejam a confiável espinha dorsal
da Revolução Songun, apoiados numa mente
nobre e num conhecimento profundo.
Kim Jong Il aos universitários
A Revolução Coreana, bem como a República Popular Democrática da Coreia (RPDC, ou Coreia do Norte) dela resultante, constituem realidades quase desconhecidas e, no contexto da guerra ideológica de propaganda política, as experiências mais caricaturizadas da história (inclusive por segmentos da esquerda). No primeiro caso, isso decorre tanto da carência de informações como de desenvolvimentos inesperados de um pequeno país totalmente encravado entre grandes potências, o qual, em decorrência da Revolução Chinesa, adquiriu súbita importância estratégica. Já no caso da RPDC, o fato de haver sobrevivido à guerra de extermínio (1950-1953), o primeiro conflito que os Estados Unidos não venceram, bem como ao próprio fim da Guerra Fria, ocorre uma demonização permanente, com uma sistemática campanha de desinformação e ridicularização do país.
Estudada em profundidade e vista por dentro, a RPDC surpreende e impacta até os estudiosos ou iniciados, pois o trabalho destrutivo da mídia afeta a percepção inclusive dos mais [18] honestos analistas. Um encarte turístico do jornal China Daily (Pequim) de 28 de julho de 2014 convidava o leitor: Visite a Coreia do Norte e conheça o passado
. Não tão passado, pois sua urbanidade combina prédios residenciais de estilo soviético com um futurismo arrojado, de ficção científica – arranha-céus ultramodernos e praças, monumentos e avenidas amplas, limpas e imponentes. Pyongyang é uma cidade ímpar, na época da mesmice da globalização. E o regime é mais complexo e flexível do que imagina o moderno
jornalista autor do artigo, que ignora serem as conquistas e estruturas do passado
(socialismo) o que está permitindo à China se tornar uma potência.
Assim, a Coreia do Norte é conhecida entre nós de forma caricatural – parque jurássico do stalinismo
e regime fechado, à beira do colapso, dinástico e irracional, oprimindo um povo faminto enquanto gasta milhões em um projeto nuclear e em uma arquitetura megalomaníacos. Todavia, o Estado eremita ou país do tranquilo amanhecer constitui um regime socialista de matriz asiática, extremamente nacionalista, que mescla as influências do lendário imperador Jumong, de Confúcio, de Marx e Engels, de Lenin, de Stalin e do general prussiano Clausewitz com a de Kim Il Sung, o líder revolucionário. Mas suas origens remontam à resistência anticolonial e nacionalista contra o Japão, bem como às lutas sociais dos camponeses, explorados e oprimidos pelos japoneses e pela nobreza fundiária coreana (Yangban). Portanto, a Revolução Coreana é um fenômeno sociopolítico