a perverção do céu: A batida 9E, #1
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Sobre este e-book
Primeiro livro da série A batida essa obra de Ghesia Morett é um livro que vai prender sua anteção do começo ao fim.
Eu nunca deveria ter olhado, é a primeira lei no inferno das trevas.
Baronte é um demônio que perverte o homem há séculos. Adabel é um anjo de amor, empatia e misericórdia. Nami é uma menina chinesa, órfã e trabalhadora, que só tem Yucki, sua avó. Dassiel é o anjo da guarda de Nami e o irmão de confiança de Adabel, que não descobre até que seja tarde demais o quanto ele está apaixonado por seu protegido. Esses personagens cruzam suas existências por causa de um milagre impossível: a batida de um coração, que pula chocante no peito do demônio enquanto ele tropeça em Adabel em sua luta por uma alma inocente. A partir daí tudo mudará não apenas para eles, mas também o jogo entre o céu e o inferno. Eles serão presos por um milagre que nenhum lado pode entender, nem a si mesmos, e o mundo pode acabar pagando o erro de suas dúvidas.
Se você acredita que o amor vai além dos preconceitos físicos. Se você acredita que um coração pode aprender a amar sobre todas as coisas; é a sua história Intriga, amor e um fato real que ninguém esqueceu.
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a perverção do céu - ghesia morett
A PERVERSÃO DO CÉU
GHESIA MORETT
Obra registrada em propriedade intelectual. Protegidos e reservados os direitos do autor.
DEDICADO AOS TRÊS PILARES QUE SUSTENTAM O MEU UNIVERSO, E ÀS ESTRELAS CINTILANTES QUE SEMPRE ME APOIARAM, APRECIANDO AS LETRAS DO MEU CÉU.
Muito obrigado a todos eles.
––––––––
Um agradecimento especial a minha querida e talentosa designer Mar Laguna Checa, que sem dúvida alguma em sua cabeça e em seu coração, me permitiu usar a magia de sua pintura na capa como base, porque assim que a vi, soube que era exatamente o que queria para definir meu livro em um único olhar. Muito obrigado por não colocar qualquer impedimento a esse sonho.
M.R.C.
Ghesia Morett
PRÓLOGO
Para você, que vai começar esta história, quero que você saiba que eu adoraria que você a tornasse tão sua quanto é minha. Eu escrevi para isso. Para esta pergunta, algo perdido em um universo complexo e maravilhoso, foram transmitidas para mim de uma maneira especial, querendo que os detalhes menos importantes sejam fornecidos com sua poderosa imaginação, e sabendo que a beleza é relativa para cada um, nós deixamos esse livre arbítrio para sua própria escolha, dando apenas pequenos toques de atenção.
Nesta história, a essência é procurada, não o assunto. Talvez, pareça um pouco esmagadora a princípio, mas são os personagens que o carregam e contam para você, do ponto de vista deles e de seus sentidos, dizendo a cada um o que naquele momento os traz ou os conduz, a seu modo particular e original.
Não procure aqui capítulos propriamente ditos como os que está acostumado. Esta história é muito única para isso. Se estabelece por fases, segundo o momento crucial que atravessam os personagens. Dentro dessas fases encontrará seus nomes no topo e saberá quem está falando, como eu, quando a escrevia.
Esclarecidos estes pontos para que não fique perdido em um limbo estrutural, o deixo para aproveitar e saboreá-la para sua satisfação sentado/a em seu lugar favorito, de onde espero levar-lhe por caminhos apaixonados, cruéis e impiedosos algumas vezes ou maravilhosos outras, nesta mistura de grandeza e escuridão de instintos internos, mas que são tão difíceis de trazer a tona.
Uma saudação afetiva.
Ghesia Morett
PERSONAGENS NARRADORES
BARONTE: Demônio, transgressor de almas.
ADABEL: Anjo do amor, piedade e empatia.
NAMI: Humana, mulher asiática que cruza em seus caminhos.
DASSIEL: Anjo do amor, compreensão e misericórdia.
DANIEL: Filho de Maya e Albert Smith.
Secundários importantes, não narradores:
Yucki: Idosa chinesa, avó de Nami.
Simon: Filho caçula de Maya e Albert Smith.
Índice
PRIMEIRA FASE
A QUEDA....................................7
1. Baronte...........................................8
2. Adabel ........................................21
3. Nami........................................33
4. Baronte.........................................46
5. Nami .......................................59
6. Adabel .....................................66
SEGUNDA FASE
O PACTO....................................71
7. Baronte......................................72
8. Nami .......................................82
9. Dassiel ......................................89
10. Baronte....................................97
11. Nami ....................................118
12. Baronte...................................128
13. Dassiel ..................................147
14. Baronte..................................160
15. Nami.....................................169
16. Baronte...................................175
TERCERA FASE
AS TORRES DE PODER...............179
17. Adabel .................................180
18. Baronte................................185
19. Nami ....................................199
20. Baronte.................................203
21. Dassiel ..................................209
22. Nami ....................................213
23. Baronte.................................219
24. Dassiel ..................................224
25. Baronte.................................229
26. Nami ....................................237
27. Adabel ..................................242
28. Dassiel .................................247
29. Daniel ...................................251
30. Nami ...................................260
31. Daniel ..................................266
32. Adabel .................................274
33. Baronte.................................280
34. Nami ....................................289
PRIMEIRA FASE
A QUEDA
BARONTE
É muito estranho para mim, escolher entre a mesquinharia do mundo, a alma mais machucada e limpa. Não sei onde escolher os cheiros e sabores de espíritos inquietos e ansiosos, para poder mergulhá-los na perdição mais requintada, e saboreá-los como uma delícia da perversão, condenando-os ao inferno dos sentimentos de maldade e culpa, torcendo-os em fogo lento na sujeira do tempo perdido, que para eles é curto e para mim, apenas espaço infinito.
Nós demônios somos assim. Vagabundos famintos pelo mal, recriando-nos no homem, entre suas sombras dolorosas e pútridas, enchendo-nos de seus pecados, vagando de nosso abandono em seres limpos de inocência ou total ignorância, prometendo-lhes diferentes e insaciáveis gostos de vida, para recolher suas almas em nossas cestas de deveres.
O egoísmo de nosso profundo sofrimento só é perdoado na maldade distorcida que conseguimos arrastar desses seres materiais e grosseiros, nascidos da carne e pela carne concebidos. São todos pecados originais, expelidos ao mundo terreno com o perdão da vida, que os deixa limpos envoltos em merda, entre os gritos e o sofrimento de uma mãe que os expulsa de seu mundo perfeito retirando-os de entre suas pernas
Criaturas repugnantes, sempre lutando contra seus próprios instintos animais. Miscelânea de misturas, que se contradizem com o fervor de verdades desconexas. Precipitado em desejos e sonhos, tropeçando nas pedras, realidades do material impossível de mover na terra que eles pisam com tanta firmeza.
Sua Graciosa Majestade, fez bem em dar-lhes uma alma de consciência, para distinguir o bem do mal, mas serve apenas como referência. Eles se recriam no belo, e quem não? Pessoas iludidas esperam ser estrelas no céu noturno, quando são apenas pedaços de terra. Ligados uns aos outros por terra que se desfaz na menor tentação, tornando-os poeira e cinzas estéreis.
Se soubessem desta condenação, buscariam com desespero a salvação e o pagamento de suas sentenças num mundo de trabalho forçado, recolhendo recompensas e arrancando até suas veias para reparti-las entre seus pares, dando à luz do amor, sem confundir-se com sensações luxuriosas e obscenas.
Mortais idiotas. Insensatos. É tão fácil pegar seus desejos e transformá-los em sujeira e maldade escura... sua conduta tão dócil quando atendem às suas necessidades ocultas e perversas, que às vezes prefiro encarar as almas mais lúcidas, apesar de ser cegado com sua luz. Olhando entre brechas de tristezas o ponto mais fraco, para fazê-los cair na confusão mais desesperada, levando-os à loucura, cobrindo sua luta perfeita com o mal justificado. Resíduos de perplexidade e amargura, que me satisfazem no mais profundo com suas negações de crenças e existências puras.
Eles não veem a nossa guerra, dificilmente percebem a luta, não a entenderiam. E sua Graciosa Majestade, que não podemos nomear com nossas línguas, está cansada de segurar suas rédeas, vendo-nos perder batalhas enquanto escondemos a vitória de nossa raça, expulsos dos flashes de sua Graça.
Somos halos de fumaça negra, sussurros de desagrado, infinitas falhas entre ódios e medos; desejos de brilhos tão dourados quanto uma moeda para eles, entre rancores e inveja, sempre almejando o impossível, o próximo. É fácil fazê-los acreditar por muitos meios, soberbos e únicos. Profetas de um milhão de deuses verdadeiros em suas consciências, submissa a encontrar por meio do sacrifício fácil a gratidão do céu.
Somos como terroristas sorrateiros que dão ideias perversas em suas mentes predispostas ao encanto divino, torcendo-os entre fios de seda e depois transformando-os em correntes. Ligando-os ao pecado do impuro, mostrando-o como um presente de liberdade cheio de suspiros sujos, deixando-os convencidos e felizes para liberar suas armas desencadeadas de ódio justo. Enquanto, estamos os esperando como raposas, para nos atirarmos neles quando atravessarem o umbral de nossa porta, e nos saciarmos famintos por suas almas-perdidas segurando-as com nossas garras experientes, saciando-nos com sua infinita dor e perplexidade, compartilhando seus poucos pertences e belas lembranças ou belas experiências, deixando-os impregnados em milhares de chamas de dor. Nada resta deles, exceto suas leves camadas de tristeza.
Será que as delícias do mal são menos requintadas porque são flores mortas?
Uma vez entrei num corpo, desejando me envolver como eles nos sentidos de sua carne latejante, mas o tormento da contradição é muito grande. Mesmo para nós é difícil resistir nesse assunto. Seus sentimentos são como facas, misturando-se com chuvas e incêndios acertando as paredes da pele. É quando somos mais fáceis de distinguir e mais fracos. Mais de um dos meus iguais foi banido ao nada com suas armas de orações e canto, destruindo-os com um espírito de luz tirado de uma fé persistente e cega, abrindo a escuridão que nos mantém.
Mas já é o suficiente de cobrir-me em pensamentos, ele está lá, eu vejo isso. Sozinho, entre todos que o cercam, no meio do pátio, com a mochila nas costas. Menino pequeno em convicções, traído por mil promessas que nunca foram cumpridas. Seus pais amorosos o confundiram com seu amor cego, fazendo-o acreditar em filmes e histórias que ele era o herói da história, até que alguns o fizeram ver a realidade do mundo cruel, a razão mesquinha verdadeira para sua existência. Agora é uma alma solta e temerosa, com feridas de frustração e impotência, apodrecendo ideias perversas em sua mente. Cada vez mais perturbado. Só precisa de um pouco de atenção, um último empurrão... e será meu.
Aproximo-me deslizando entre os outros, desconectando-me de suas vozes e pensamentos insípidos e egoístas, cada um em suas pequenas e tolas visões de vida
Restavam poucas almas tão limpas como essa, e já estou saboreando sua traição, reunindo em seu espírito por todo esse tempo, que resistiu a mim até poucos dias atrás em que sofreu a infelicidade do erro humano, caindo no pecado da soberba ao acreditar-se melhor que os outros. Agora sua mão é minha mão. Me alimento de seu ódio de sua raiva, tão justificados pelos socos e risos de alguns idiotas, tão frustrados quanto ele nesta vida. Aproveito cada respiração de sofrimento que saem de seus lábios, enquanto entra na enorme prisão de almas onde vivem as mais ferozes decepções; sua escola.
Ele vai para sua sala de aula de apreensão, para sua mesa de incompreensão, sentado em silêncio em sua cadeira de tormentos. Tem muito assumido. Seu desespero já tocou o fundo e sua mente apenas segue o pensamento induzido. A liberação de sua dor em todos eles é a justificativa de seu pecado. Agora ele, será o único professor.
Esperamos pacientemente que entrem e fechem a porta, com uma professora despótica e apática. Cansada de aguentar tanta estupidez de adolescentes que já não tem nenhuma graça, dizendo o sagrado bom dia, sem nenhuma vontade de começar, até vê-los sentados e comportados.
Suas mãos tremem, percebo em todo seu corpo, nervoso e prepotente, procurando em sua bolsa a faca de cozinha grande que pegou esta manhã em sua casa. Quase a tem e lhe sussurro um suspiro de firmeza para reforçar seus desejos.
—Baronte, —uma luz celestial me expulsou das paredes, me levando ao pátio e queimando-me ao dizer meu nome; fazendo-me esconder na escuridão de um canto oculto do sol daquela luz. —Eu vi você, não se escondas demônio dissimulado.
Essa luz ofuscante está se aproximando e minha escuridão se encolhe nas rachaduras da parede, escondendo-me para não desaparecer no nada.
—Não volte a se aproximar dele, — o ouço dizer, agarrando-me a parede entre o cimento e o tijolo, entre o pó e as teias de aranha, retorcendo-me na dor de ouvir sua voz celestial e piedosa. —É apenas um jovem que tem que aprender. O dom do amor é inútil se não for conquistado com o coração. Deixe estar e procure uma outra alma-perdida demais para voltar, ou juro que vai me ver te tirar do inferno e fazer você desaparecer.
Me resigno nas profundezas do meu ser escuro, sabendo que Adabel é mesmo capaz de fazê-lo, e amaldiçoo meu impulso desesperado de recorrer às migalhas desta alma que, depois de tanto esforço, estão tirando das minhas mãos, quando quase tinha o gosto do fel entre meus dentes, já cravados nele.
Por um momento, só um, me atrevo a olhar um pouco para verificar sua preparação, esperando que vá embora. Está do outro lado do pátio, voltando pra dentro para acalmar seu protegido. A luz mais distante me permite distingui-lo.
O sofrimento em mim é imenso para poder perceber algo de uma beleza tão profunda. Envolvendo tudo ao seu redor em aromas de sândalo e jasmim, rosas e gardênias, de mil flores frescas do Éden; com brilhos incandescentes de pureza que não suporto e que passam pela minha pele demoníaca fazendo-me cair dentro dela.
Eu o vi, ficou gravado em meus olhos vermelhos, arrancando o véu de ódio que os cobria. Vi suas asas de luz definidas pela luz radiante sua essência tecida com bondade. Contorço-me em meu desprezo entre esta parede, tentando recuperar meu mal angustiado. Mas, continuo preso, encolhido em minha escuridão, incapaz de acreditar em tudo que sinto por dentro, com uma surpresa tão grande mal consigo entender.
Um batimento cardíaco, só um batimento cardíaco, e senti que queima em mim como um raio de luz radiante que me faz morrer e me dá a vida, tudo em um mesmo instante.
Tenho que fugir enquanto posso. Sempre consegui fugir a tempo, nunca cheguei tão perto e agora me arrependo. Devia ter deixado que se livrasse de mim há muito tempo. Agora estou despedaçado e vou ter que voltar para o inferno do meu desgosto.
Sabendo o que você é, é um sustento e um sucesso, mas vê-lo nesse espelho... é devastador. Aceitá-lo, é impossível, depois de estar tão perto do perfeito. Agora vejo meu ser desprezível se contorcendo em lamentos de horror, sentir-me cair com tão plena consciência, a imensa solidão do inferno.
Pude ser como ele, pude ser assim esplendoroso, e me deixei cair na escuridão do ciúme e da eterna amargura da inveja, deleitando-me com os restos podres da humanidade; na viscosa luxúria do poder eterno e nas erupções do prazer do mal dos outros.
Sim, sou um demônio, mas aquele anjo, de quem tantas vezes reneguei e escapei, me deixou cego.
*
Nunca devia olhar, é a primeira lei no inferno da escuridão. Se ele descobrir, me corrigirá com longas torturas de extrema crueldade. Agora devo me esconder até dos meus ou saberão disso. Imediatamente vão perceber, verão que meus olhos pararam de ser frios e sujos. Meu casaco de trevas não tem mais a mesma cor, nem o mal se apodera com a mesma força, e meu único desejo é vê-lo novamente, preciso dele por dentro.
Adabel, meu pior inimigo, de quem tanto fugi e de quem ri em minhas espertas e audaciosas fugas, agora me consumiu em seus perfis de luz e encantos de cantor de jingles. É como ter saído de frio eterno e aproximar as mãos congeladas do calor de um fogo reparador. Só de olhá-lo consola a alma, perdoa os pecados, e alivia a dor das feridas com sua calma.
O que aconteceu comigo? Vi um coração errado, perdido... e deixei escapar. Por quê?
Não me agrada, isso é tudo. Não me satisfaria pegar seus pequenos pedaços vis de sangue e repulsa, escorrendo da sua respiração a dor e o ódio por um amor enganoso que o fez cair no esquecimento. Já era uma alma rude e perdida—«que outro se ocupe dele»— pensei com relutância, cortando desajeitadamente a minha própria perplexidade.
Tenho que fazer algo para o atrair, para poder falar com aquele anjo que me condenou ao purgatório. Tenho que lhe perguntar... tenho que saber... tenho que entender... ou serei somente cinzas jogadas pelo vento; pigmentos minúsculos que permanecerão presos no chão para que os mortais os pisem com seus pés, como se fossem areia de um deserto.
Isto não. Não quero estar a altura deles, é muita punição e... no entanto, me vestiria com suas peles apenas para poder tocá-lo, protegido por sua carne cheia de sentidos.
Ele me perverteu com seu céu e agora me sinto com um mendigo.
Definitivamente, estou perdido.
*
As ruas sujas e molhadas pelas quais caminho com meus pés humanos agora se mostram com outros olhos, estes nos quais estou dentro. Cada vez me acomodo mais em seus sentidos palpáveis, notando cada fibra, cada molécula que me contém neste ser. O tato, o olfato, a visão do mundo... é tão diferente de sentir os elementos através da pele, que me confundo com todos esses sentidos misturando-se com sentimentos do espírito. No começo me retorciam de dor, agora já os assimilei e controlo.
Ele me encontrou e me condenou a isto, à vida ruim dos meios mortos, a sofrer sua dor, a procurar em desespero o encontro com o anjo e fazê-lo cair. Ele, o que não quer que digamos seu nome, invejoso por nossas bocas não poderem pronunciar o nome do Outro.
Me arrastou com uma única ordem até sua caverna de pecados lambidos no fogo eterno me esmagando a seus pés depravados, desprezando minha mudança, furioso com a minha dor e o erro cometido; vendo como o batimento cardíaco queimou meus lábios para contar a verdade da minha história.
Como você pode enganar o demônio Rei, se não com a virtude do mentiroso?
E então, conto meu plano, entre verdades e mentiras implacáveis.
Eu o procuraria, eu iria convencê-lo e o faria cair, dando-lhe suas asas, só Ele.
Perverteria o seu céu, como esse ser perverteu o meu inferno, e nos livraríamos de nossas essências tornando-se carne, morrendo em sua dependência podre do tempo contado. O amaria até os restos da existência humana que ele me deu ou poderia ter, é só o tempo em vagens para nós, fazendo-o sofrer essa ferida em todo seu ser, como eu sofri. O que mais poderia fazer, se não me sacrificasse por... Ele?
Minha verdade mentirosa o satisfez, já que ele não tinha nada a perder, e o poder de novas asas, respirando ar em sua ganância, encheu-o como novo. Me deixou escapar ileso, condenando-me a habitar em corpos até que cumprisse minha promessa, entregando-lhe o presente que lhe ofereci.
Estúpido de mim, agora estou assim, cheio de necessidades tão materiais e urgentes que mal consigo viver. O tempo é meu mais letal inimigo, e tudo que penso é como fazer Adabel me ver entre tantos humanos, tão insuportáveis e perdidos, como esse em que me converti.
*
Ando e ando, percorri meio mundo e estou cansado, ferido, sem esperança, molhando-me na chuva caindo, devagar e melancólica. Olhando paras as nuvens cinzentas do céu, procurando com meus olhos um sinal, um leve movimento, algo que me dê coragem e segurança para encontrar uma pista... e continuar seguindo.
Sinto o frio que molha minhas roupas e alcança meus ossos, enquanto vejo os seres humanos se refugiarem em suas moradias chamadas casas. Saboreio a chuva, passo minha língua através dos lábios molhados e grito ao vento e ao silêncio, arrastado pela necessidade frustrante da minha alma me sentir perto, mesmo que seja apenas isso.
—Estou aqui Adabel, vem a mim, covarde—. Grito na nossa língua, furioso e desesperado—. Se é capaz, tenha misericórdia desse ser que condenou a esse pedaço de carne—. Suplico com todo meu desânimo.
Mas só o barulho da chuva me responde, me fazendo sentir um profundo abandono.
Perdido, estou perdido e meus olhos deixam escapar o desespero, percebendo que o corpo me falha e os joelhos dobram-se para o sentimento, enquanto cubro meu rosto com as mãos para tentar me refugiar e conter aquela dor. Mas tudo é insuficiente para mim, enquanto choro como uma criança atormentada e ferida.
Sinto uma mão sobre meu ombro, e esse consolo, misturado com curiosidade e espanto, me leva a olhar para a criatura que se atreveu a se aproximar de mim.
—Jovem, o que há de errado? Você precisa de um abrigo?
A misericórdia da velha que me pergunta me deixa sem palavras. Nunca tinha sentindo nada assim, nada e ninguém fez algo parecido pra mim.
Ela me cobre com seu guarda-chuva e pega minhas mãos ajudando-me a levantar, não consigo entender sua atitude, me deixando ser agredido por sua compaixão para sobreviver com mais uma respiração. Seguro suas mãos enrugadas e quentes, apoiando me levantando até vê-la abaixo dos meus olhos, em altura superior à sua estrutura óssea decrépita, enquanto ela não para de sorrir com gentileza me encorajando a resistir.
Nunca esperei que, nas ruas de Pequim, onde a depravação ruge em todos os cantos, encontraria uma joia perdida de compaixão.
—Parece doente, —me diz com olhos preocupados, —venha e não fique aqui jovem, ou logo andará entre os mortos.
Ela me guia com passos mais determinados que os meus até uma velha porta de madeira meio podre. Passamos por um pequeno pátio e subimos algumas escadas até um pequeno apartamento com dois quartos. Enquanto isso, sigo em silencio, confuso e perdido no meio dos sentidos e sentimentos. É limpo e isolado, embora quase não haja móveis com o que é necessário para uma existência austera. Isso me confunde mais.
Olho para a senhora, como se estivesse com pressa, ela se apressa para tirar as toalhas de um pequeno armário e as coloca em minhas mãos depois de limpar meu rosto com elas. Parece acreditar que devo ser alguém doente, ou lhe falta alguma coisa na cabeça, porque sua ternura se parece com aquela oferecida a um menino perdido na tempestade.
Um menino de capa de chuva entra correndo, chamando a velha, perguntando se ela encontrou o cachorro perdido. Surpreso com a minha presença, fica na porta, olhando para mim com horror quando a velha se aproxima. Ele fugiu assustado sem dizer nada, nenhum grito veio de seus lábios abertos pelo terror.
Ele me viu, com seu olhar puro, minha essência foi refletida. Este ser escuro, feito de cinzas queimadas pelos fogos do ódio que queimam imensamente no inferno, onde sempre se alimentam eternamente. Viu meus olhos vermelhos sangue se cravarem nos dele. Viu minhas asas de perversão girarem em meu torso, presas neste recipiente enganador.
Mil sentimentos se misturam em mim, entre o desgosto de mim mesmo e o ressentimento de ser desprezado por algo tão pequeno. A raiva se apodera de mim, enquanto a velha parece surpresa e preocupada com a reação de ingenuidade que escapou há um momento.
Em outra ocasião, esperaria a solidão do seu quarto abrigando-me na escuridão. Recitando enquanto dorme pesadelos de jogos de morte horríveis, procurando entre sua alma inocente as pequenas queixas, os desejos mais doces e mais sugestivos, transformando os pecados em chamas sem sua mente, para fazê-la sofrer seu próprio desprezo e escutar seus gritos de terror no meio da noite, regozijando-me com minha própria desgraça, alimentando-me de sua miséria.
A velha me olha, ainda sem entender, balançando a cabeça sem saber o que procurar, parecendo confusa. Fecha a porta e depois volta até mim.
—Farei sopa quente—. Me diz depois de um momento tocando minhas mãos já secas—. Está gelado, você ficará bem, criatura—. Ela diz preocupada e complacente.
Olho pra ela enquanto a mesma faz seu trabalho, acendendo o pequeno fogão, trabalhando na pequena cozinha enquanto me recomenda sentar à mesa, sob a qual há um fogão a gás coberto com uma espécie de toalha de mesa grande e pesada que retém o calor. Meu corpo humano se consola ao notá-lo, e mais animado, me adapto à espera descobrindo os movimentos das minhas entranhas precisando de algo mais do que pensamentos insensatos. Meu estômago reclama, enviando gemidos de saudade quando começa a cheirar os vapores de comida.
A senhora me lança olhadelas de quando em quando sorrindo ao comprovar minha necessidade urgente de alimento, suportando impaciente a fome que me acomete. Mas esta que sinto é diferente, é fácil de saciar, deixando tempo para o resto. Não é essa sempre desafiadora, insuportável e contínua, que aperta a alma deixando-a sempre na ponta dos dedos, derretendo-a na maldade, e que só a acalma por um momento. Me parabenizo por perceber que essa constante besta desapareceu do meu ser e sorrio para a velha, notando aquela estranha careta no rosto pela primeira vez.
Uma vez que estamos sentados à mesa, e já com o corpo mais quente, sentindo o conforto do calor, a senhora coloca a tigela na minha frente, me deixando ansioso para reprimir a necessidade urgente desse corpo.
A velha, irritada, me bate gentilmente na mão com alguns pauzinhos compridos, apontado para mim aqueles que estão em minhas mãos. Não poso acreditar na minha falta de jeito ao tentar usá-los. Mas ela, paciente, vem e me ajuda a saber como pegá-los e comer com eles. É um sofrimento, se não a visse acenar com paciência muito mais satisfeita pelo meu esforço, os jogaria para fora da janela, ou os cravaria furiosamente os olhos. Mas este corpo recusa categoricamente uma besta tão selvagem, controla meu espírito e consola-se em seus olhos felizes e seu sorriso satisfeito, quando eu finalmente consigo levar um monte de macarrão à minha boca.
—Não sabe falar menino? Ou não pode? —me pergunta curiosa e voltando para sua compaixão—. É uma pena em um jovem bonito.
Só então, me dou conta da forma do meu novo invólucro. Não estou acostumado a me olhar no espelho. Não sei ainda como estou do lado de fora, tão acostumado a não me ver, exceto nos olhos aterrorizados dos homens no final de sua existência. Acalmada um pouco a necessidade do estômago, uma curiosidade premente me faz levantar e olhar no pequeno espelho que fica ao lado da entrada, em frente à porta. Ali vejo o rosto que me esconde. O de um homem jovem e bonito, mas emaciado, confuso e negligenciado. Um pouco faminto, mas com mais cor nas bochechas graças ao calor e à comida recentemente ingerida. Abro meus lábios e vejo que a fileira de dentes amarelos e afiados desapareceu.
Sorrio satisfeito. Então posso me mostrar a ele. Adabel não verá mais o meu corpo escuro, ficará escondido por trás dessa carne, com formas corretas e macias, perfeitas e encantadoras. Masculino, mas longe da fealdade que eles escondem.
Até aquele momento, além de saber que era um macho de sua espécie, nada mais estava certo em minha mente. Já era muito difícil para mim poder me mover dentro do invólucro, como se me preocupar com algo mais fosse superficial.
A única coisa que pode me trair são os olhos, que permaneceram naquela cor verde, estranhos e refulgentes, indicando que venho da cobra velha e sorrateira que propôs o primeiro pecado ao homem.
Mais seguro e conformado, sento-me novamente à mesa com minha nova amiga, determinado a extrair de sua sabedoria as preocupações da alma humana, os acordes do corpo para equilibrá-los com a mente e o espírito. Minha tarefa é muito difícil e requer todo o meu esforço se quiser chamar, não apenas sua atenção, mas fazê-lo cair nas batidas do coração. Prendê-lo neste mundo terreno e imperfeito para fazê-lo apenas nosso, dos dois, condenados um ao outro no delicado martírio do amor.
Quão estranho é ser capaz de pegar essa palavra em minha mente, quando antes regurgitaria, impossível de aceitar na minha essência maligna.
Quero que sinta o que sinto. Quero que sofra essas amargas ansiedades e se entregue a mim, tão desejoso e ajoelhado quanto eu me submeti a elas. Tão imerso nessa infelicidade de ansiedade contínua, onde a dor se condensa nos espasmos do sangue, como eu. Que renuncie a tudo, exceto para ser visto e entretido em