WOW!: O primeiro contato
De Pablo Zorzi
4/5
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Sobre este e-book
Numa noite de 1977, o estudante de astrofísica Jerry Laplace vê sua vida virar do avesso quando, no Observatório da Universidade de Ohio, recebe o sinal Wow!, que finalmente pode comprovar a existência de vida extraterrestre.
Preso numa rede de intrigas e segredos, sem saber em quem confiar, Jerry precisa encontrar um meio de sobreviver enquanto é perseguido por agentes do governo que tentam a todo custo ocultar a descoberta.
Com uma narrativa eletrizante, Pablo Zorzi prende o leitor da primeira à última página nesta trama repleta de reviravoltas, que liga fatos reais do passado a uma história que envolve não apenas a possibilidade de vida fora da Terra, mas também lendas de antigas civilizações e sociedades secretas.
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WOW! - Pablo Zorzi
1ª edição
Rio de Janeiro-RJ / Campinas-SP, 2019
Editora
Raïssa Castro
Coordenadora editorial
Ana Paula Gomes
Copidesque
Katia Rossini
Revisão
Cleide Salme Ferreira
Capa
André S. Tavares da Silva
Fotos da capa
Acervo de André S. Tavares da Silva
Projeto gráfico e diagramação
André S. Tavares da Silva
Juliana Brandt
ISBN 978-85-7686-717-3
Copyright © Verus Editora, 2019
Direitos reservados em língua portuguesa, no Brasil, por Verus Editora. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou >quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora.
Verus Editora Ltda.
Rua Benedicto Aristides Ribeiro, 41, Jd. Santa Genebra II, Campinas/SP, 13084-753 Fone/Fax: (19) 3249-0001 | www.veruseditora.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Zorzi, Pablo, 1987-
Z81w
Wow! o primeiro contato [recurso eletrônico] / Pablo Zorzi. - 1. ed. - Campinas [SP] : Verus, 2019.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-7686-717-3 (recurso eletrônico)
1. Ficção brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
19-58373
CDD: 869.3
CDU: 82-3(81)
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
Revisado conforme o novo acordo ortográfico
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Atendimento e venda direta ao leitor:
Eu não acredito em destino, sorte ou qualquer coisa do gênero. E lhes asseguro que não foi nada disso que me fez encontrá-la. Ainda assim, gostaria de poder escrever o nome dela no céu, desenhando as letras enquanto arrasto estrelas com os dedos, para que o mundo todo visse. É evidente que não posso. Dessa forma, em vez de uma exibição mítica, dedico Wow! a ela, cujo medo do que há além contribuiu para que uma ideia se tornasse um livro, e cujo amor muito auxiliou para que eu me tornasse quem sou.
Provavelmente eu não teria me perdido na vida sem ela e encontraria outros caminhos para trilhar. Mas tenho certeza de que meus caminhos seriam menos encantadores e fariam com que eu tivesse aceitado ser menos do que poderia.
Para Naiana
Sumário
Prólogo
1
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Agradecimentos
PrÓlogo
20 de agosto de 1977 - 00h46
— Vamos, acorde! — Eliot bateu com a ponta do dedo na orelha de Jerry.
— É sua vez de jogar.
Jerry estava estático, pensativo, com o taco de bilhar na mão direita e o olhar fixo num quadro do Jack Daniel’s pendurado na parede do bar. Ao voltar para o jogo, debruçou-se na mesa e mirou a bola que restava. Era uma tacada difícil, mas, para quem tinha pressa de sair, derrubá-la foi moleza.
— Pra mim a noite termina agora — disse enquanto a bola se dirigia ao buraco.
O animado som ambiente tocava Kiss Me Quick
, de Elvis Presley, encontrado morto em sua mansão quatro dias antes.
— Eu ainda vou ficar mais um pouco — Eliot falou.
Jerry fez um gesto negativo quando percebeu o olhar atento do amigo em uma mulher de cabelos castanhos e calça apertada sentada numa mesa próxima, bebendo um dry martini. Eliot tinha se casado havia quatro meses e seria pai em breve, mas nem isso o impedia de flertar com outras mulheres sempre que saíam para beber.
— Tá legal — Jerry murmurou e tomou outro gole de cerveja. — Nos vemos na semana que vem?
— Ainda não sei, cara — a reposta veio em tom incerto. — A Diana está querendo visitar os pais dela antes do nascimento do bebê. Provavelmente vou ter que pegar uns dias de folga.
— Vá se acostumando. Daqui a algumas semanas você será o que menos vai dar ordens em casa.
Eliot riu.
— Falando nisso, comprou o terno para o batizado?
— Não aquele que comentei. O preço estava demais pra mim. Comprei outro, mais em conta. — Jerry olhou através da janela. Nuvens carregadas pairavam no céu, molhando o asfalto numa garoa incessante. — Vou dar o fora antes que o tempo piore. Não faça nenhuma besteira!
— Deixa comigo, cara. Boa noite.
A chuva passageira, que se mantinha fina até aquele momento, engrossou quando Jerry estava chegando ao estacionamento. Ele precisou apressar o passo para não ficar ensopado, mas não foi rápido o bastante para chegar seco ao carro, um Renault Dauphine 1961 que havia herdado da mãe.
Alguns metros longe do veículo, com os ombros encolhidos debaixo de um poste, um homem barbado com capa de chuva tragava um cigarro quase apagado, tentando disfarçar, mas era perceptível que seu olhar estava atento. Jerry pôs a chave na ignição e deu partida duas vezes para que o motor roncasse. Ele coçou a testa quando engatou marcha a ré e viu o mesmo homem embarcar depressa num Maverick azul, que disparou pela avenida, quase batendo em um carro estacionado.
Onze quadras pouco movimentadas separavam o bar de sua casa. Na última esquina, com as ruas quase desertas, o barulho compassado do limpador de para-brisa embalou seu pensamento quando parou no sinal vermelho. Lembrou que precisava ir ao banco na manhã seguinte, além de dar um pulo na universidade para conversar com o supervisor a respeito do que tinha descoberto horas antes, naquela noite. O trovão que ouviu segundos depois o alertou de que a luz verde tinha acendido, então acelerou para entrar à direita. Assustou-se. Teve que frear quando uma ambulância lhe cortou a frente, entrando na rua. A sra. Perez deve ter enfartado de novo, imaginou. Estava curioso para saber o que acontecia na vizinhança.
Ficou surpreso ao se aproximar e avistar três carros de polícia e uma ambulância parados na frente da sua garagem. Além do Maverick azul estacionado do outro lado da rua, com o homem misterioso observando toda a movimentação. Havia paramédicos entrando e saindo da casa e, na calçada, alguns policiais com guarda-chuva interrogavam os vizinhos.
Avançou devagar e estacionou atrás de uma das viaturas. Antes que desligasse os faróis e desembarcasse, dois policiais corpulentos se aproximaram.
— Sr. Laplace?
— Sim, sou eu — Jerry respondeu, um tanto desconfiado. — Algum problema?
— Pode sair do carro, por favor?
Enrugou a testa ao perceber que todos o encaravam.
— O que está acontecendo? — indagou, virando o pescoço para enxergar a repentina movimentação na porta, onde dois paramédicos empurravam uma maca com um corpo coberto em direção à ambulância.
— É o que esperamos que responda. — O policial mais alto pegou as algemas enquanto o outro o revistava. — Saia do carro e ponha as mãos na cabeça.
Jerry obedeceu. Ficou espantado, dominado por uma sensação de impotência que o paralisou por completo, conforme os guardas passavam a mão por sua cintura e pernas. Manteve-se em silêncio, sentindo a chuva lhe ensopar as roupas, enquanto os vizinhos ao redor cochichavam e apontavam, como se estivessem diante de um criminoso.
— Ele está limpo — o policial que o revistara anunciou.
Jerry suspirou, mas o breve momento de alívio terminou quando o policial grandalhão apontou o brilho da lanterna para o banco de trás do Renault Dauphine, onde havia uma pistola 9 mm enrolada num pano ensanguentado, com apenas o cano aparecendo.
— Jerry Laplace — o seguraram pelo braço e algemaram —, você está preso pelo assassinato do professor Joseph Currie. Tudo o que disser poderá ser usado contra você...
1
Universidade de Ohio, Observatório do SETI
Um dia antes
A noite estava abafada demais para que Jerry Laplace, aspirante a astrofísico e voluntário no projeto SETI, aparecesse no estágio vestindo camisa social abotoada. Naquele dia em especial, ele precisou se esforçar para encontrar a chave que abriria o Observatório. Tinha sido um longo e cansativo dia de estudos para as provas finais, e a noite, como de costume, não prometia nenhuma surpresa que pudesse espantar o sono estampado em seus olhos, escondidos sob os óculos.
Meses antes, numa manhã pouco diferente de outra qualquer, enquanto seus colegas de faculdade se reuniam para discutir detalhes da festa de formatura, da qual ele não participaria por falta de dinheiro, Jerry encontrou numa pilastra do corredor da universidade um panfleto anunciando que o Observatório estava com vagas abertas para voluntários que tenham interesse em conhecer o universo
.
Não foi um caso de amor à primeira vista, mas a necessidade de preencher algumas horas extracurriculares que lhe faltavam no fim do semestre o fez arrancar o panfleto e guardar na mochila. No dia seguinte acabou se inscrevendo, imaginando que aquela seria uma boa oportunidade para enxergar o cosmos por outro ângulo que não a enxurrada de números com os quais era obrigado a conviver durante as aulas. Aliás, era isto que esperava quando escolheu cursar astrofísica: conhecer as maravilhas do universo, decifrar os mistérios das estrelas, viajar com os cometas, não passar horas fazendo cálculos que no fim apenas o deixavam com mais dúvidas.
A sala do Observatório ficava no campus da universidade, numa construção sem janelas distante algumas dezenas de metros do prédio principal. Quando a porta pesada de metal rangeu, um jovem acadêmico que passava por perto acelerou o passo e sumiu na escuridão do campus. Jerry o observou até que estivesse distante, então respirou fundo, pensando em deixar a porta aberta para arejar o ambiente.
— O que fazemos aqui é importante, por isso a porta deve permanecer fechada durante o expediente — repetiu em voz baixa as palavras do supervisor. — São regras da universidade.
Largando a mochila de couro na cadeira, logo sentiu o calor daquele lugar abafado tomar conta de seu corpo. Nem o ventilador de teto instalado havia poucos dias foi capaz de espantar a sensação. Uma gota de suor teve que escorrer em sua testa para que despertasse e arregaçasse as mangas da camisa.
Quando sentou na cadeira estofada e viu os mesmos farelos de bolacha da semana anterior espalhados pelo chão, hesitou e pensou no que ele, um aspirante a cientista, estava fazendo naquele lugar onde o êxtase da empolgação acontecia a cada vinte dias, quando o supervisor aparecia para verificar se os voluntários estavam cumprindo horários e fazendo o que lhes cabia.
O projeto SETI, que diziam ser financiado por um fundo científico da universidade, apesar de parecer algo complicado, tinha um objetivo bastante simples: analisar sinais de rádio recebidos do espaço por radiotelescópios.
Logo após ter sido aceito como voluntário, tendo conseguido a melhor nota na prova de admissão, Jerry foi convidado para assistir a uma palestra conduzida pelo renomado professor Herschel Shapley, membro titular da Academia Científica Americana e indicado ao Prêmio Nobel de Física oito anos antes.
— Se existe alguma forma de vida inteligente extraterrestre no universo — o professor começou —, é bem possível que tente se comunicar através de ondas de rádio. — Sua voz grossa ribombava nas paredes da sala com uma fluência que demonstrava amplo conhecimento.
— Se são inteligentes, por que não enviam sinais de TV? — indagou um espertalhão que durou só dois dias no projeto.
Herschel Shapley, um homem alto com barba rala, cabelos brancos e olhos verde-escuros, ergueu a sobrancelha e perguntou se alguém gostaria de responder.
— Porque é cientificamente comprovado que ondas de rádio são a forma de transmissão mais rápida conhecida — um dos voluntários respondeu.
— Perfeito — o professor assentiu. — Assim como outras ondas eletromagnéticas, elas viajam à velocidade da luz no vácuo.
Jerry se lembrava da resposta como se a tivesse ouvido poucos instantes atrás, embora já não acreditasse como naquele dia.
Era noite de sexta-feira e faltava uma semana para a festa de formatura de sua turma, para a qual nem sequer tinha sido convidado. Três meses tinham se passado desde que entrara no Observatório pela primeira vez, e nenhum sinal havia sido encontrado. A descrença era tamanha que antes de dormir, todos os dias, ele pensava qual seria a desculpa que usaria para se desligar de uma vez por todas do projeto.
Quando abriu a lata de refrigerante que tinha na mochila, o líquido borbulhou e derramou, deixando uma marca alaranjada no chão. Um gole bastou para que descobrisse que a bebida havia esquentado tanto que ficou intragável. Acomodou a lata na bancada de madeira, ao lado dos computadores.
Respirando fundo, tirou os óculos e baforou nas lentes antes de limpá-las na calça. A seu lado havia uma pilha de registros não conferidos. Folhas e mais folhas impressas de papel perfurado, processados por um computador IBM 1130, que precisavam ser analisadas.
As primeiras onze folhas datavam de 14 de agosto, cinco dias antes, e traziam informações minuto a minuto sobre os dados recebidos pelos radiotelescópios.
— Isso que eu chamo de empolgação! — Jerry desabafou ao passar os olhos e ver o mesmo de sempre. Centenas de longas sequências dos números um, dois, três e quatro.
Numerais baixos representavam um ruído natural de fundo. O zumbido de um sinal comum. O eco do Big Bang, como o professor Shapley costumava dizer.
Demorou exatos doze minutos para analisar as onze folhas do dia 14 e nem esperou para começar a analisar as do dia seguinte, querendo terminar logo com aquilo.
15 de agosto de 1977.
Apenas numerais baixos durante a manhã e a tarde. Era a sétima folha das nove daquele dia. Seus olhos fracos precisaram de uma breve pausa naquele momento. Tirou os óculos e empurrou a cadeira para baixo do ventilador. Até um gole do refrigerante arriscou beber. Enquanto olhava para cima, para as hastes giratórias, o telefone tocou. Isso acontecia eventualmente, mas nada que empolgasse. Devia ser o supervisor querendo saber se o voluntário estava cumprindo o horário.
— Projeto SETI — Jerry atendeu, mas só ouviu um ruído do outro lado da linha. — Quem está falando? — indagou ao perceber que não respondiam.
Ouviu alguém respirando.
— Quem fala? — tentou mais uma vez.
A ligação caiu.
Antes de devolver o fone ao gancho, matutou sobre o real motivo que o levava a continuar naquele lugar, onde o auge da noite era uma ligação muda. Já tinha completado as horas extracurriculares e a colação de grau estava próxima. Não encontrou nada que pudesse prendê-lo ao estágio. A verdade era que mal lembrava a razão de ter escolhido cursar astrofísica. Se a memória não lhe pregava peças, remoeu, tinha sido o tio John a dar o palpite sobre essa profissão ainda quando Jerry estava no ensino primário. É um belo trabalho
, ele dissera. Sua mãe concordara. Estudar as estrelas, os planetas e as galáxias. Foi para isso que concluiu o curso, não para atender telefonemas e verificar números impressos.
Tédio.
A impressora barulhenta puxou mais papel para registrar novos dados. O som estridente o alertou de que estava na hora de voltar aos números. Sem demora, pegou diversas folhas e recomeçou. Foi na penúltima página do dia 15 de agosto que o enfado habitual foi abalado por algo impressionante. Jerry chegou a esfregar os olhos com o que viu.
— Mas que merda é essa? — sussurrou, abismado, fazendo uma pausa anormal entre as palavras. Sua pulsação acelerou tanto que ele precisou relaxar os braços e respirar fundo.
Aquilo que estava impresso no fim da página não se parecia com nada que tivesse visto. Os números baixos tinham se misturado com letras numa coluna vertical de sequências alfanuméricas. Isso representava um sinal quase trinta vezes mais potente que os ruídos de fundo. Captado às 23h16 do dia 15 de agosto, o sinal recebido de algum ponto do universo durou setenta e dois segundos, até desaparecer gradualmente.
Com muito esforço, Jerry conteve a empolgação.
— Devo estar vendo coisas. — Desviou os olhos para a parede e voltou a mirar a folha, constatando que aquilo era mesmo real. E tão nítido que um êxtase repentino tomou conta de seu corpo. Um verdadeiro contato? Aquele acontecimento era extraordinário. Tanto que, vendo a sequência de letras e números, Jerry as circulou com caneta vermelha. — Wow! — falou alto e escreveu no papel em seguida.
2
Athens, Ohio
20 de agosto de 1977 - 1h16
De madrugada, algemado no banco de trás da viatura, Jerry parou de falar depois de tentar convencer os dois policiais de que não tinha ligação nenhuma com o crime do qual estava sendo acusado. Vendo a luz dos postes ficar para trás enquanto o motorista acelerava além do limite, observou os pingos de chuva que escorriam em linhas tortas pelo vidro lateral. Abaixou a cabeça, aproximando-se da grade que o mantinha isolado dos policiais.
— Para onde estão me levando? — perguntou.
— Para onde acha que levamos os acusados de assassinato? — o policial no banco do carona respondeu.
Voltando a se recostar no estofado que fedia a suor, Jerry enrugou a testa ao perceber pelo vidro traseiro a aproximação de uma camionete escura que dava sinal de luz e ultrapassava outros veículos sem se importar com as leis de trânsito.
— Temos companhia. — O motorista acelerou um pouco, lançando olhares para o espelho retrovisor.
— Deve ser um maluco bêbado — o outro homem da lei emendou. — Depois de deixar este aqui na delegacia, nós vamos atrás dele. Vou anotar a placa — continuou, tirando um bloco de notas do porta-luvas.
— A camionete não tem placa. — Jerry estava com o corpo virado, olhando através do vidro fumê.
Houve um momento de tensão.
— Puta merda! Pode estacionar — o policial na carona pediu, quando se virou para olhar. — São os federais — revelou, guardando o bloco. — Os filhos da puta sempre tentando levar o crédito.
O motorista desligou o sinal luminoso e procurou um espaço para estacionar. Ainda percorreu cerca de quinhentos metros antes de parar na frente de um supermercado. Em instantes, a camionete escura encostou atrás, e dois homens de terno desembarcaram. Jerry viu que um deles era branquelo e mal-encarado, enquanto o outro tinha pele morena e barba malfeita.
Os dois chegaram pela calçada.
— Boa noite — o policial atrás do volante cumprimentou e forçou a manivela para abrir o vidro.
— Boa noite. — As palavras do moreno soaram soberbas quando mostrou o distintivo dourado. — Este é o acusado do assassinato na casa da Rua Mill? — Curvou o corpo para observar o rosto de Jerry pelo vidro lateral.
— Sim. O prendemos há poucos minutos — o policial respondeu após breve hesitação. — Estamos levando para interrogatório na delegacia.
— Não será necessário. — Foi o branquelo quem falou dessa vez. — Fizeram um ótimo trabalho, mas nós assumimos a partir daqui.
Jerry mal teve tempo de entender o que estava acontecendo e o moreno abriu a porta traseira, puxando-o para fora e levando-o até a camionete. Forçando os olhos para averiguar o que ocorreria em seguida, viu o branquelo conversar com os policiais por mais alguns segundos. Quando tudo parecia estar resolvido, o federal colocou a mão na cintura, de onde tirou uma pistola com silenciador, e disparou contra os policiais. Em seguida observou os arredores e voltou para a camionete com o rosto sério.
Preso no banco de trás, Jerry se apavorou. Por que ele matou os policiais? Embora a chuva deixasse a temperatura agradável na madrugada, gotas de suor começaram a escorrer em suas costas. Temendo pela própria vida, pensou em abrir a porta para escapar, mas antes que pudesse tentar o branquelo já estava a seu lado com a arma apontada.
— Onde está a folha com o sinal? — o agente perguntou com o dedo firme no gatilho. — Onde está?!
O coração de Jerry disparou.
— Eu não... — tentou falar, mas o federal o agarrou pelo pescoço e enfiou a ponta da arma em seu ouvido.
— Onde está a merda da folha? — Havia repulsa na voz.
— No bolso — revelou, quase sem ar. — No bolso de trás.
O braço forte do agente lhe forçou a cabeça contra o banco enquanto remexia nos bolsos de sua calça.
— Encontrei. — O homem mirou a folha de papel dobrada. — Obrigado pela cooperação, sr. Laplace — falou antes de lhe dar uma forte coronhada na lateral da cabeça.
3
Athens, Ohio
20 de agosto de 1977 - 8h09
Jerry se viu deitado numa cama macia com lençóis limpos quando despertou com a cabeça latejando. Ouviu pássaros arrulhando e sentiu um cheiro agradável de jasmim, trazido para dentro do quarto pela brisa que balançava as cortinas de seda da janela. Seus olhos estavam embaçados, mas isso não o impediu de forçar os cotovelos na cama para sentar e observar o cômodo. Nada do que viu lhe pareceu familiar. Tateou o criado-mudo em busca dos óculos.
— Está procurando isso? — ouviu uma voz masculina.
Estreitando os olhos para melhorar o foco, enxergou um velho de roupão vermelho levantando de uma poltrona xadrez. Remoendo as vagas lembranças de medo da noite anterior, se recostou na cabeceira, temeroso, até que o homem chegou perto o bastante para que o borrão tomasse contornos mais definidos.
— Dr. Shapley? — Jerry lhe lançou um olhar surpreso.
O professor assentiu e se abaixou.
— Não lembra como chegou aqui, não é? — Shapley tratou de lhe entregar os óculos, que encontrara no chão, ao lado da cama. — Você estava bem atordoado ontem, quando te trouxeram. Imaginei que ficaria confuso.
Jerry alisou o queixo sem dizer nada. Sentia palpitações cardíacas anormais e, por um instante, teve falta de ar.
— Preciso do meu remédio — pediu. — Eu deveria ter tomado uma hora atrás. — Sua língua ficou dormente. Um sintoma clássico de atraso na medicação.
Apesar de jovem, Jerry sofria de insuficiência cardíaca. Uma doença que descobrira muito cedo, ainda quando criança, que faz com que o coração não consiga bombear sangue suficiente para o corpo. A falta de medicamento duas vezes ao dia fazia com que sentisse tontura, falta de ar e palpitações.
— Vou providenciar — o professor o acalmou.
— Tenho comprimidos no bolso da camisa — Jerry apontou.
O velho foi em busca do remédio.
— Vou te deixar à vontade para se vestir — falou, assim que Jerry colocou as pílulas na boca. — Quando estiver pronto, desça ao meu escritório. Se não encontrar, peça a um dos criados que te guie.
Os passos do professor na escada fizeram Jerry fechar a porta e ir depressa ao banheiro em busca de água. Ao passar pela janela, um barulho compassado de tesouras lhe chamou a atenção. Lá fora, um jardineiro aparava as plantas ao lado de uma construção menor, que parecia uma garagem. Mais ao longe, avistou diversas árvores e lavouras de algodão. Certamente estava numa fazenda ou algo do gênero. Como vim parar aqui?, pensou, recordando aos poucos os acontecimentos da madrugada.
Não demorou a entrar no banheiro e sair vestindo suas roupas secas, estendidas no box. Receoso, olhou para fora mais uma vez quando passou pela janela, para garantir que tudo estava bem. Os infortúnios da noite anterior martelavam em sua mente, deixando-o assustado e ao mesmo tempo curioso para saber como havia chegado àquela casa. Em busca de respostas, desceu ao primeiro andar da mansão e logo encontrou o professor Herschel Shapley no escritório, sentado numa confortável cadeira de couro na frente de uma estante repleta de livros acadêmicos.
Houve um momento de silêncio petrificado enquanto Jerry se acomodava diante da escrivaninha de madeira. Com olhar arrebatado, encarou o velho antes de enrugar a testa e forçar uma tossida, tentando chamar atenção. Não adiantou. O professor parecia tranquilo, embora as linhas desenhadas no rosto mostrassem que estava concentrado, folheando um livro de capa dura como se procurasse uma página específica.
— Poderia me contar como vim parar aqui? — Jerry curvou o corpo, quase se debruçando sobre o tampo da escrivaninha.
Shapley nem piscou.
— Doutor? — emendou com voz mais firme.
— Oh! Me perdoe — Shapley se desculpou e desviou a atenção do que fazia. — Pode repetir?
— Perguntei como vim parar aqui.
Outro instante de silêncio. A atenção do doutor voltou para o livro, como se nada além daquilo importasse.
— Garoto, você sabia que em 3200 a.C. a tribo africana dos dogons já afirmava que a Terra gira em torno do Sol, Júpiter tem quatro luas e Saturno é cercado de anéis? — o professor tagarelou, desconversando sobre a indagação.
Jerry fungou. Não estava no clima para discutir astronomia, menos ainda a possibilidade de que uma civilização decrépita tivesse tais conhecimentos científicos.
— Veja. — Shapley folheou o livro até chegar a um mapa estelar de duas páginas. — Sabe que estrela é esta? — apontou.
— Sirius — Jerry palpitou, bufando. Não pôde deixar de ver, anotada a lápis no canto do mapa, uma sequência alfanumérica que aparentava ser coordenadas geográficas.
— Ela mesma — o professor concordou, fechando o livro depressa. — Até hoje o calendário dos dogons se baseia num ciclo de cinquenta anos. Os sacerdotes da tribo afirmavam que isso se deve ao fato de Sirius ser orbitada por uma anã branca, densa e compacta, chamada Sirius B, cujo movimento de translação dura cinquenta anos. — Ele parecia empolgado.
— Isso é bem interessante, doutor — Jerry murmurou, sem entender o motivo daquela aula de história —, mas o senhor pode me contar quem foi que me trouxe aqui?
Shapley o ignorou outra vez.
— Interessante mesmo é saber que faz poucos anos que os cientistas descobriram que Sirius B é, de fato, uma anã branca muito densa e compacta — explicou. — Mas o melhor de tudo é o seguinte: Sabe qual o tempo de translação de Sirius B em relação a Sirius?
Aquilo estava parecendo um melodrama interminável.
— Cinquenta anos? — Jerry palpitou, mexendo as mãos. Não conseguia disfarçar a falta de interesse no assunto.
— Cinquenta anos, quatro meses e vinte e quatro dias — o professor respondeu com voz empolgada. — Os dogons não tinham nenhum telescópio milionário, caçavam com paus e pedras e ainda assim sabiam de tudo isso há mais de cinco mil anos.
Jerry não precisou se esforçar para entender que o professor estava insinuando a existência de vida alienígena inteligente. Só não entendia o motivo daquilo, visto que ambos trabalhavam no projeto SETI. É isso que fazemos, não é?
— É uma história fascinante. — Ele ameaçou levantar. — Mas podemos discutir isso depois?
— Bem... — Shapley não se desviava do foco. — Pensei que quisesse saber como os dogons tinham conhecimento dessas coisas.
— Tudo bem — Jerry entrou na conversa, contrariado. — Como a tribo sabia?
Os olhos de Shapley brilharam.
— Os dogons atribuíram esse conhecimento aos deuses Nommo, extraterrestres de Sirius, que os visitaram e os ensinaram a viver em sociedade — ele explanou. — Os sacerdotes ainda dizem que esses deuses um dia voltarão para reclamar controle sobre a Terra.
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