Os defensores de Deneb e a espada na pedra
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Os defensores de Deneb e a espada na pedra - Manuella S. B. Queiroga
solitários."
1
O despertar
Faltava menos de um dia para o inverno rigoroso, enfim, acabar e para o Baile de Primavera começar.
A atmosfera no palácio estava agitada, a correria com os preparativos se juntava à ansiedade, mas ninguém estava mais ansioso do que Fernando, que ficou a maior parte do inverno ao lado da adormecida Sofia, pois queria ser o primeiro a dar as boas-vindas à amiga. Enquanto ele passava o dia na enfermaria, os seus amigos ajudavam na preparação da festa.
– Francesco! – gritou Demétrio. – Não é para comer, e sim para ajudar na distribuição dos enfeites. E Hortênsia, pare de dar os doces a ele e volte já para a cozinha.
– Desculpe, senhor – disse o casal ainda rindo e se afastando cada um para um lado.
– Nem acredito que só se passaram três meses – refletiu Neride. – Aconteceu tanta coisa em tão pouco tempo…
– O mais engraçado é que eu nem senti o fuso horário – comentou Pietro.
– Agora nós dois temos um lar fixo! – exclamou Leila. – Foi muita bondade de Serafina e Demétrio dar um quarto para cada um aqui no palácio. Você não acha, Pietro?
– Muita bondade… – repetiu Pietro enojado. – E o ano de vocês é esquisito – retrucou para Neride. – Bem esquisito! Primeiro ano na escola e já houve um ataque alcyoniano, e participamos de uma batalha sangrenta. Fala sério, tem lugar mais legal?! – completou animado.
– Não esquece que houve uma explosão – lembrou Leila com sarcasmo.
– Isso não tem graça, Leila – repreendeu Kael.
– Pietro, sobe aqui na escada para ajudar a Rita com os enfeites lá em cima – pediu Griffin. – Eu estou ocupado e você parece não estar ajudando em nada.
– Sem problemas – respondeu Pietro, já pondo o pé no primeiro degrau. – Só preciso que alguém segure para mim, para poder me dar apoio.
– Deixa que eu seguro – ofereceu-se Serena.
– Se afasta, garota! – gritou ele.
– Não confia em mim, amor? – indagou ela com um falso tom de meiguice.
– Não!
– Não?! – indignou-se ela, lançando um olhar malicioso para o namorado e balançando com força a escada de madeira que segurava.
– Aaahh! Para de balançar! Como você é idiota.
– Me chama de idiota de novo e balanço tão forte que você vai ser arremessado daí de cima.
– Só fala – desafiou Pietro.
Com o comentário ousado, Serena não resistiu e fez menção de voltar a sacudir a escada.
– Aaaahhh! Parei! Parei! – Pietro apressou-se a avisá-la.
– É bom mesmo – disse Serena em tom firme.
– Pirracenta – resmungou ele.
– O que foi que você disse? – indagou Serena em tom perigoso e apurando ao máximo os ouvidos.
Pietro se limitou a resmungar mais alguma coisa parecida com Nada, não é nada
, mas isso foi só para se livrar de outra discussão com a namorada.
– Bom… – começou Kael a fim de acabar com a situação constrangedora que o casal provocara. – Estou ansioso para voltar ao colégio.
– Sério?! Não tinha nada melhor pra comentar não? – retrucou Serena sem ânimo.
– Serena! – chamou-a Leila em tom de advertência.
Kael encolheu os ombros em sinal de vergonha antes de começar a se explicar:
– Ah, sei lá! Coisas novas, matérias novas, gente nova…
– Tá! – exclamou Serena. – Me convenceu. Já eu não estou nem um pouco com a metade da sua ansiedade.
– Vocês podem dar aulas experimentais para o primeiro ano, não é mesmo? – perguntou Leila parecendo interessada no assunto.
– Sim. Os professores escolhem os melhores da turma, aí depende de os alunos quererem ou não. Eu sou uma que não vai querer nem se me implorarem – afirmou Serena passando longe da modéstia.
– Você nem vai ser chamada – intrometeu-se Pietro lá de cima. – Sei nem por que está se achando tanto.
Serena fechou a cara, fez um movimento brusco com os braços que ainda seguravam a escada e, no instante seguinte, Pietro havia se soltado e despencado lá do alto. Pólux estava chegando para se juntar ao grupo e quando abriu a boca para falar Pietro aterrissou em seus braços, os quais, graças ao reflexo rápido do elfo, o apanharam na hora exata.
– Mas o que é isso?! – perguntou Pólux atordoado.
– Por que não voou, Merlin? – caçoou Serena às gargalhadas, dobrando-se de tanto rir. – Ai, minha barriga!
– Você vai ver! – explodiu Pietro pulando para o chão.
Serena correu para além dos corredores a fim de fugir de um Pietro vermelho de raiva que vinha no seu encalço.
– Nem parecem namorados – comentou Neride acompanhando o casal até sumir de seu campo de visão.
– Chega de papo – disse Serafina, vindo ao encontro dos garotos. – Temos muito trabalho a fazer e quase nada de tempo – alertou-os. – Tudo ficou para a última hora – lamentou-se mais para si mesma do que para os demais, que tinham agora as atenções direcionadas a ela.
– Nem almoçamos – queixou-se Griffin.
– Tem lanches na cozinha, mas não podem parar o trabalho, hein? – avisou a rainha e depois se afastou apressada, de vez em quando gritando advertências a alguns criados em seu caminho.
O grupo entrou na cozinha e logo se deparou com o caos. O cômodo estava agitado e bagunçado, onde muitos cozinheiros e ajudantes andavam por todos os cantos e direções carregando extensas bandejas, enormes panelas e diversos ingredientes em excesso de quantidade.
– Aqui! – chamou-os Hortênsia.
– Trabalhando muito? – Kael riu.
– Eu gosto de cozinhar – respondeu enquanto dava um sanduíche na boca de Francesco.
– Vocês estão muito melosos ultimamente – disse Pietro com uma careta.
– Nem bem chegou e já vem fazendo comentários de tal tipo – desaprovou Neride acompanhando o casal recém-chegado à cozinha.
– Falando nisso, a Vega anda muito quieta neste inverno – observou Leila. – Ela nem ficou conosco essa manhã. Na verdade, sequer apareceu hoje.
– Deve ser por causa do Lucas. Olha como está o Fernando por causa da Sofia – respondeu Griffin com ar de quem sabe das coisas.
– Não é por isso não – disse Pólux. – É que meu pai teve uma conversa com ela sobre o namoro dela com o Lucas. De alguma maneira, ele acabou descobrindo tudo.
– E qual é o problema? – retrucou Leila. – É por ela ser muito nova?
Leila não estava muito segura de si quando deu a sugestão, pois já se passara tempo suficiente para ela conhecer bem o seu rei, porém a garota ainda tinha esperanças de Demétrio deixar sua ignorância de lado.
– Meu pai é um pouco conservador – começou Pólux com ar cansado. – Ele ainda vive na regra do passado em que a raça élfica não se misturava com nenhuma outra; por esse motivo, mostrou-se tão contra o casamento de Loriel com Astridy.
– A Vega não o enfrentou? – indagou Leila com expressão incrédula.
– Ele é nosso pai, como vamos enfrentá-lo? Se ele não aceita esse tipo de relacionamento, o que podemos fazer? – respondeu Pólux mostrando a Leila que todos os caminhos não tinham saída, porém não percebia o erro que acabara de cometer, mas não demorou muito a ficar sem saber.
– Você tem toda a razão, ou melhor, ele que tem – disse Leila friamente com os olhos cheios de lágrimas. – Vocês não podem sujar seu sangue com qualquer um. – Após isso, virou-se e saiu da cozinha.
– Hã?! – exclamou Pólux. – O que aconteceu?!
– Já que o Lucas não está, eu faço a vez dele – falou Francesco. – Perdeu a garota outra vez – concluiu com uma mão no ombro do amigo.
– Mas… Eu não entendi.
– Pólux! – gritou Neride inconformada. – Você não percebe o que acabou de fazer? Você acabou de dar um fora nela! Acabou de dizer que nunca vai poder ficar com ela e o motivo disso: seu pai não a achar boa o suficiente para você. Fala sério! – Ao terminar de gritar, ainda ficou parada na frente de Pólux de braços abertos esperando o amigo falar alguma coisa.
Pólux, porém, continuou calado e com a mesma expressão desentendida de antes, então Neride resolveu sair da cozinha também, indo atrás de Leila.
– Fala sério, hein, Pólux?! – disse Rita de braços cruzados e boca franzida, e, assim como Neride, saiu da cozinha.
– Vou tentar conversar com a Leila – avisou Hortênsia indo embora e sendo seguida por Serena.
– Basta uma ficar irritadinha pra todas ficarem também – reclamou Pietro. – Eu, hein!
Fernando apoiou o rosto nas mãos. As pálpebras pesavam e pouco a pouco foram se fechando, mas algo lhe chamou a atenção fazendo o sono ir embora. A mão pálida de Sofia, a mesma do ferimento, mexeu-se como se tivesse tomado um repentino choque. Fernando ergueu a cabeça e olhou atentamente para o rosto quase sem cor da garota. Ela abriu os olhos, piscou algumas vezes para se acostumar à claridade há muito tempo não vista. Os seus olhares se encontraram e Sofia se abriu em um largo sorriso ao ver o rosto amigo.
– Você está bem? – indagou Fernando preocupado e aliviado ao mesmo tempo.
– Estou – respondeu ela passando a mão direita sobre o ferimento cicatrizado do antebraço esquerdo. – Ficaram três cicatrizes enormes e feias.
– Você lembra?
– Me lembro de escorregar para dentro de uma toca; no instante seguinte, o meu braço queimou de dor, aí vieram a escuridão e um silêncio eterno.
– O importante é que você está bem. Seu estado era grave, mas você é mais forte do que pensei.
– Te venço em qualquer luta – disse Sofia com um sorriso fraco. – O que aconteceu enquanto estive adormecida? – Tornou a ficar séria.
– Ah! Aconteceu tanta coisa. Nem sei por onde começar – falou ele mexendo nos cabelos.
A noite havia chegado e o inverno dera lugar à primavera.
A brisa já soprava mais quente, as flores começaram a desabrochar repentinamente, a neve foi derretendo e a grama verde aparecendo. Os vaga-lumes foram surgindo no ar e as fadinhas millits saíram de seus esconderijos para acompanhá-los nessa noite maravilhosa.
Os jardins do palácio tinham lanternas com vaga-lumes que pendiam sob os galhos das árvores; foram postas uma mesa enorme com o banquete delicioso e muitas outras pequenas para os convidados se acomodarem; contrataram uma orquestra que se achava no canto oposto tocando melodias agradáveis para passar o tempo, pois logo mais se apresentariam no grande Baile de Primavera.
– Vega, o que houve? – perguntou Leila preocupada quando enfim encontrou a amiga. – Parece tensa.
– Não é nada – respondeu a elfa secamente tentando se desvencilhar dela e retomar seu caminho.
– Parece nervosa – comentou Neride olhando para a elfa, que não parava de torcer as mãos. – E está mais pálida do que normalmente é – finalizou um tanto intrigada.
– Já disse que não é nada – Vega reafirmou e em seguida se afastou para perto do banquete.
Leila e Neride trocaram olhares desconfiados.
– Ela deve estar preocupada com o Lucas – concluiu Neride sem muita certeza, porém queria poder se conformar com algo.
– Ela não precisa descontar na gente – retrucou Leila irritada.
– Olha lá! – exclamou Hortênsia em alto e bom som.
Todos acompanharam a direção para onde o braço de Hortênsia apontava e avistaram, na entrada do palácio, duas silhuetas conhecidas.
– Sofia! – gritou Nora contente, correndo ao encontro da irmã.
Sofia e Fernando passaram pelo arco florido na entrada do jardim e Sofia foi recebida aos abraços e beijos de seus familiares, amigos e colegas.
– Que saudade! – disse Neride abraçando a amiga com força.
– Também estou. Nê, você está apertando demais!
– Não tiveram tempo de se arrumar, estou vendo! – Neride riu ao ver que Sofia ainda trajava a mesma roupa que lhe haviam posto enquanto estava adormecida, e Fernando ainda estava com a roupa simples de manhã.
– Depois eu é que tenho comentários desagradáveis em determinadas horas – disse Pietro.
Neride lançou ao amigo um olhar irritado e preferiu não falar nada, afinal ele estava certo.
– Você está muito pálida! – Nora, com as mãos no rosto da irmã, demonstrou uma preocupação exagerada. – Não está em condições de ficar aqui. Deve descansar.
– Não vejo a luz do sol há uns três meses. – Sofia riu. – Eu praticamente hibernei. Mas estou bem, obrigada por se importar.
Ao longe do jardim, as árvores eram tão grossas e juntas que chegavam a formar um bosque, e de lá apareceram muitas pessoas caminhando juntas: eram os lobisomens. Lucas vinha abraçado com seu pai, os dois cansados, esgotados, com olheiras e arranhões em excesso.
– Thiago! Lucas! – gritou uma mulher bonita perto do arco de saída dos jardins, depois correu ao encontro do filho e do marido.
– Margot! – Suspirou o homem, acolhendo a esposa nos seus braços.
– Que saudade! – disse a mulher enchendo os dois de beijos.
– Eu também estava, mãe – comentou Lucas, tentando se desvencilhar dos apertos dela.
Lucas deixou seus pais conversando e foi para perto dos amigos.
– Que falta que você faz, hein?! – Griffin o abraçou.
– É horrível – queixou-se, sendo a primeira coisa a falar quando voltou à companhia dos amigos. – Coitada da minha mãe. Não sei como ela aguenta isso.
– O que é ela? – perguntou Leila.
– Uma sereia.
– O Lucas é metade sereia. – Pietro riu, acompanhado por Fernando.
– Calem a boca! – Lucas riu também. – Eu não herdei as características e habilidades dela, não!
– Nossa! Pietro, você é muito infantil! – Serena manteve um tom de superioridade na voz.
– Quais são as novidades? – perguntou Lucas sorrindo, mas a felicidade foi embora ao ver as cicatrizes no braço de Sofia. – Fui eu quem fez isso, não?
– Foi. Mas já está tudo bem – disse Sofia com sinceridade.
– Não, não está. Estou me sentindo péssimo, olha só o que eu fiz! Eu te ataquei. Nunca havia atacado ninguém, e quando essa infelicidade acontece é justo com a minha melhor amiga. Me desculpa.
– Eu sei que não era você – Sofia falou calmamente. – É claro que está desculpado.
– Por minha culpa você vai sofrer a vida inteira como eu – continuou Lucas sem dar atenção ao que Sofia lhe dissera. – Eu te transformei em um lobisomem.
2
A marionete do rei
Lucas se afastou dos amigos e caminhou sem rumo até ver Vega a um canto com seus pais e a corte élfica.
– Oi – cumprimentou tocando no cotovelo da namorada.
Vega se assustou, deu um pulinho e se virou de olhos arregalados.
– Lucas! – sussurrou ela surpresa, depois olhou de relance para o pai e seguiu o namorado para perto da orquestra.
– Você está bem? – perguntou ele.
– Estou. E você?
– Melhor agora. Vamos para outro lugar, aqui eu não estou conseguindo nem ouvir minha própria voz.
Os dois caminharam para um lado mais tranquilo da festa e ficaram um de frente para o outro. Lucas se aproximou mais, segurou na cintura dela e fechou os olhos, mas Vega se desvencilhou.
– O que houve? – perguntou Lucas confuso. – É a minha aparência? Meu cheiro…? – Inspirou e expirou algumas vezes antes de chegar a uma conclusão. – Não está ruim! – disse meio ofendido.
– Não é nada disso – afirmou Vega sem ânimo.
– Então o que é? Por favor, me fala.
Vega hesitou com o olhar distante, observando alguém atrás de Lucas, que percebeu e se virou. O garoto, então, teve sua resposta ao ver, a uma pequena distância, Demétrio ainda conversando, mas o rei havia mudado de posição de modo a conseguir olhar para o casal. Lucas deixou a irritação tomar conta dele, balançando a cabeça e mordendo o lábio, sem conseguir olhar para a namorada. Ele estava inconformado com a situação em que acabou indo parar.
– Lucas… – tentou argumentar Vega, mas não conseguiu prosseguir.
Lucas fechou os olhos com a finalidade de se acalmar e continuou balançando a cabeça.
– Eu não consigo acreditar – disse ele por fim, com as mãos na cabeça.
– Eu posso explicar…
– Não! – explodiu ele, fazendo Vega recuar um passo com os olhos arregalados de espanto. – Eu pensei que você tinha mudado seu modo de pensar, ou melhor, parado de ser a marionete de seu pai.
– Eu não sou marionete – afirmou Vega em tom ofendido.
– É, sim! Você me iludiu – ele desdenhou. – Ou eu é que sou muito idiota.
– Mas você tem que entender o meu lado também.
– Entender que não sou bom o bastante para você, de sanguezinho puro? Ou pelo menos é o que seu pai acha, né?
– Não. Lucas…
– Eu errei ao pensar que você ouviria mais o seu coração… Como pude ser tão tolo?
Vega não respondeu, apenas olhou para os olhos de Lucas e baixou a cabeça com um grande suspiro. A garota abriu a boca para argumentar, mas ele a interrompeu:
– Como pude amar alguém que não tem coração? E ainda achar que mesmo assim retribuiria o que eu sentia.
As ásperas palavras de Lucas pesaram no peito de Vega.
– Eu não quero isso… – disse ela com lágrimas escorrendo pelo rosto. – Eu quero ficar junto de você, mas é impossível.
– Impossível? Só se tornou impossível a partir do momento em que deixou seu pai falar por você.
– Só se for um relacionamento escondido dele – continuou Vega como se Lucas nada tivesse acabado de falar. – Enquanto ele não estiver aqui no palácio ou quando estivermos na escola…
– Me recuso a ficar com alguém que sente vergonha de mim.
– Vergonha? Eu não tenho vergonha de você. Eu gosto muito de você, Lucas, daquele outro jeito – declarou-se ela com um sorriso sem graça e pegando na mão dele. – Nós dois sentimos algo especial um pelo outro…
Lucas se desvencilhou.
– Achei que eu sentia – disse ele secamente antes de ir embora sem olhar para Vega.
Lucas andava a passos decididos, bufando de raiva, e encarou Demétrio ao passar por ele. Nunca sentira tanto ódio por alguém como naquele momento. O homem arruinara seu relacionamento. O rei o encarava também, mas se resumiu a apenas lhe lançar um olhar de superioridade e triunfo.
Vega continuava imóvel, sem reação, o olhar vidrado no lugar em que antes estivera Lucas, só se mexendo quando sentiu uma mão tocar seu ombro.
– Lucas! – exclamou a garota em tom baixo e esperançoso. O seu coração acelerou e ela sentiu um frio perpassar a boca do estômago, porém, quando se virou, viu apenas o seu pai postado ao seu lado.
– Muito bem. Fico feliz que tenha aceitado o meu conselho – disse ele calmamente. – Só que isso fica apenas entre nós. Se sua mãe perguntar o porquê do rompimento do namoro, invente qualquer mentira.
– Pai – chamou ela, ainda com o olhar vago.
– Sim?
– Isso não era o que eu queria.
– Mas foi preciso. Nós, elfos, temos que nos preservar.
– Mas eu não acho que foi o certo a se fazer.
– Na vida, temos que fazer escolhas difíceis para o nosso bem maior – recomendou Demétrio pomposo. – Preciso ir, minha filha, ainda hoje terei uma conversa com o rei élfico da luz, assuntos importantes a tratar. A propósito, estou orgulhoso de você – disse por fim antes de partir.
– Que assuntos? – perguntou intrigada, saindo do transe.
– Seu irmão anda impossível, mas vou trazê-lo à realidade assim como trouxe você.
– Fala sério! – resmungava Leila. – Eu não acredito que o Pólux falou aquilo para mim. E ainda tem a cara de pau de me chamar para dançar – reclamou de braços cruzados.
– Esquece isso – disse Neride. – O Baile de Primavera do palácio junta todo mundo do reino de Deneb.
– E?
– Que está cheio de meninos lindos por aí.
– E o Neithan está de olho em você – comentou Hortênsia com uma piscadela.
– E ele está vindo pra cá! – explodiu Neride mexendo as mãos freneticamente. – Leila, ele está a finzasso de você!
– Oi – cumprimentou-as o colega.
– Oi! – As garotas estavam eufóricas.
– Leila, eu vim até aqui porque…
– Porque… – incentivou-o Neride a continuar, fazendo gestos com as mãos para que ele prosseguisse.
– Eu vim até aqui porque gostaria de saber se… se…
– Ah, fala logo! – Neride não se aguentou.
– Se você ficasse quieta, ele até continuaria tranquilamente! – Hortênsia se irritou com Neride. – Vem, Nê. Vamos deixar o garoto a sós com a Leila.
As duas se levantaram de seus lugares e afastaram-se, com Neride os espiando a cada passo que dava. Por fim, elas se postaram a um canto não muito perto, mas também não muito longe da mesa em que estavam.
Neithan hesitou por um momento antes de prosseguir.
Leila lhe deu um sorriso encorajador.
– Não liga… – tentou amenizar a situação, envergonhada. – Ela é assim mesmo.
– Você acha que eu não sei?! – devolveu Neithan com um sorriso divertido. – Ano passado ela passava a maior parte comigo e com o pessoal por conta do namoro com o Arthur, e pode ter certeza de que ela não mudou o seu jeito.
Leila sorriu, por mais que não tivesse achado muita graça no comentário do colega, mas não queria parecer antipática, ainda mais porque ele estava prestes a lhe fazer um convite.
– Mas eu não vim aqui para falar da Neride – começou Neithan com seriedade. – Leila, o que você me diria se eu te chamasse para dançar comigo outra vez? – A ênfase nas últimas palavras dizia respeito à festa de boas-vindas do ano passado do Colégio, a primeira e única vez que ele havia lhe feito o mesmo pedido, sendo bem-sucedido.
– Eu diria que danço – respondeu Leila corando ligeiramente e não conseguindo conter o sorriso que crescia em seus lábios.
Já o sorriso de Neithan foi de orelha a orelha. Seu peito estufou tanto que dava a impressão de que explodiria de alegria dali a poucos segundos, porém ele se limitou a estender seu braço para Leila, a fim de que esta pudesse enganchar o seu no dele e, assim, irem à pista de dança. E foi o que fizeram.
No caminho, Leila lançou um olhar significativo para Neride, que foi mais de agradecimento pelo que acabava de lhe acontecer. Em resposta, a amiga tinha um enorme sorriso no rosto e fazia sinal positivo com os polegares. E foi rumo à pista de dança que o casal, sem nada notar, acabara de passar à frente de um grupo de meninos em que se achava o príncipe Pólux enciumado com a cena.
– O que é isso, Pólux? – estranhou Lucas vendo o amigo ficar nas pontas dos pés, espichar-se ao máximo e ainda esticar o pescoço até não poder mais.
– O que você estava vendo? – perguntou Griffin curioso, virando a cabeça para todos os lados possíveis na esperança de encontrar o que chamara tanto a atenção de seu amigo. – Ai! Me deu torcicolo agora! – queixou-se massageando a região do pescoço afetada.
A risada debochada de Lucas seguiu a reclamação de dor de Griffin.
– Só ri porque não foi com você! – ralhou Griffin irritado, virando-se bruscamente na direção de Lucas. – Ai! Eu não devia ter me virado tão rápido. – A lamentação foi motivo para mais risadas de Lucas. – Ah, pode se acabar de rir aí. Eu já nem ligo mais… – contou tristonho.
– E então, Pólux! O que nos manda?! – Lucas ainda não havia desistido de saber o que deixara Pólux bolado.
– Vocês não viram?! – exclamou o príncipe indignado. – Neithan acabou de passar com a Leila, e eles estavam de braços enganchados! Foram para a pista de dança!
– Se acalme – disse Kael. – Eles só vão dançar. Nada de mais nisso.
– Só vão dançar… – repetiu Pólux, ironizando o tom calmo com que falara Kael.
Na verdade, Pólux ainda continuava com ar de quem levara um soco na cara, e mais enciumado do que nunca.
– Bom… Eu adoraria ficar aqui na companhia de vocês, mas já vou indo, pessoal – avisou Pietro, olhando nervoso para o lado e saindo o mais depressa que pôde.
– O que foi essa agora? – perguntou Griffin confuso e sem ânimo.
– Pode ser porque a Vicência estava logo ali – concluiu Lucas, apontando com o polegar e abafando a risada. – Falando nisso… O Fê se deu bem, hein?!
– Que bom – concordou Kael com sinceridade, olhando de longe o amigo dançando, rindo e brincando com Sofia.
– Pelo menos ele – disse Lucas com ar sonhador ao observar de longe o contente casal. – Mas e você e a Neride, Kael?
– Ah! A impressão que eu tenho é de que sem o Arthur sobrou eu.
– Claro que não! Não diga uma coisa dessas! Ela gosta de você, sim – afirmou Lucas firmemente, como se tivesse sido ofendido. – Se quiser eu ajudo, sou um bom cupido – completou levantando as sobrancelhas umas três vezes seguidas.
– Muito obrigado – agradeceu Kael achando graça do último comentário do amigo. – E você já falou com a Vega? Ou ainda não a achou?
– Isso não rola mais – revelou Lucas sem emoção.
– Como assim?
– Ela me deu um fora! – explodiu ele com um longo suspiro.
– Como assim?! – repetiu Kael.
Lucas contou toda a conversa com a princesa, controlando ao máximo a raiva que ainda sentia. Kael o ouviu e permaneceu em silêncio.
– Enfim… – disse Lucas para quebrar o gelo. – Ei, Griffin, você conhece aquela garota ali? – perguntou se virando e apontando para uma fada morena de cabelos compridos, cacheados e castanhos, assim como seus olhos, e de asas azuis.
– Quem? Aquela ali? Não – respondeu Griffin indiferente. – Por quê? – indagou desconfiado.
– Ela não para de olhar para cá, em especial para você. Achei esquisito e quis saber. Você me conhece e sabe como eu sou curioso.
– Nunca a vi na vida até o momento – disse Griffin mal-humorado. – Como eu já estava com a ideia de ir dançar com a Rita… vou chamá-la agorinha mesmo. Quem sabe assim essa garota para de olhar.
À medida que o tempo passava, a noite ia ficando mais gostosa e a pista de dança enchia, talvez pelo medo que algumas pessoas tinham de não conseguirem aproveitar o começo de um novo ano.
Pietro e Serena estavam junto da multidão, e Vicência não perdia a oportunidade de esbarrar no ex.
– Eu juro! Se ela fizer isso de novo, eu viro um soco na cara dela – rugiu Serena.
– Relaxa! Deixa ela pra lá – aconselhou Pietro. – Não comece o ano arrumando uma briga.
– Tudo irá depender dela – rumorejou Serena ao lançar um olhar perigoso para Vicência.
E quanto a Lucas, Pólux e Kael, estes estavam sentados numa mesa afastada da zombaria do baile. Os três não conversavam, tinham os olhares vagos e os pensamentos perdidos. Kael suspirou, quebrando o silêncio que caiu sobre o trio. Pólux, que roía as unhas nervosamente e tinha os olhos vidrados na multidão, olhou para Kael. Lucas limpava os óculos na blusa e os colocou para também olhar para o amigo.
– Vamos mesmo ficar aqui sem fazer nada? – perguntou Kael. – Estamos parecendo os excluídos. – Ele riu.
Pólux e Lucas riram também.
– Vamos deixar as meninas fazerem isso com a gente? – quis saber Kael com um sorriso provocador.
– Para você é fácil falar – retrucou Pólux. – A Neride te ama e está aí para você, só não sei por que ainda não fez nada…
– Não foi você quem levou um belo de um fora. – Lucas juntou-se a Pólux.
– Minha irmã terminou com você? – espantou-se Pólux.
– Sim! – Lucas bufou. – Por culpa do seu pai, que fica fazendo a cabeça dela. – Ele controlou-se muito para não correr o risco de xingar Demétrio na frente de Pólux.
– Ele não faz – afirmou Pólux, empertigando-se na cadeira.
– A quem quer enganar? – perguntou Kael. – Olha o que você falou para a Leila mais cedo.
Pólux encolheu os ombros e baixou os olhos.
– Eu não soube disso – contou Lucas curioso. – Quero ficar sabendo do que aconteceu mais cedo.
– O bonitão aqui falou que o pai não aceita relacionamentos entre raças diferentes e praticamente acabou falando para a Leila que nunca vai poder fazer nada para mudar isso, ou seja, jamais poderão ter algo a mais do que uma amizade.
– Nossa! – exclamou Lucas arregalando os olhos.
– Na hora nem pensei. E agora eu a perdi para o Neithan – amargurou-se Pólux. – Ele está de olho nela desde o ano passado.
– E você não fez nada para mudar isso – disse Lucas com sinceridade.
– Eu sou um idiota – afirmou Pólux não esperando contradições vindas de seus amigos.
Antes que Kael e Lucas dissessem mais alguma coisa para tentarem mudar o ânimo de Pólux, já que se sentiam mal com a autodescrição do amigo, uma coisa diferente acabou acontecendo com eles, ou melhor, alguém novo com informações novas veio falar com eles:
– Hola! – cumprimentou-os animado um garoto magricela, pálido, de cabelos castanhos cacheados que lhe caíam até os ombros, de olhos castanho-esverdeados, barba no queixo e chapéu preto na cabeça com uma pena grande presa nele. O rapaz tinha diversas tatuagens que diziam muito sobre ele: uma bússola dentro do antebraço esquerdo, uma âncora no braço direito perto do ombro, um terço na mão direita, uma âncora e uma cruz nos dedos. – Me puedo sentar?
– Claro! Fique à vontade – apressou-se Pólux a responder.
– Soy Miguel Ponce de León.
À menção do nome do recém-chegado, os três garotos trocaram olhares significativos e mexeram os lábios na formação de palavras com a intenção de não emitirem som para que apenas eles mesmos se entendessem.
– Sou Pólux Sadriph.
– Kael Zórin.
– Eu sou Lucas Albert. Tatuagens legais.
– Tengo más algumas – disse Miguel.
– Caramba! – admirou-se Lucas. – Mostra aí.
Miguel se levantou, subiu a blusa e virou de costas, mostrando o local onde havia um navio. Depois, virou de lado e em sua cintura havia um mapa da região do Triângulo das Bermudas.
– Você é descendente de Ponce de León? – perguntou Kael, mesmo já sabendo da resposta, a julgar pelo sobrenome do menino, e olhando atentamente para o mapa desconhecido que retratava outro mundo.
–