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Corrupção: Parceria degenerativa
Corrupção: Parceria degenerativa
Corrupção: Parceria degenerativa
E-book101 páginas2 horas

Corrupção: Parceria degenerativa

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Sobre este e-book

A corrupção é o fenômeno político sobre o qual mais se reclama no Brasil. A mídia expõe escândalos que parecem apenas se acumular, sem chegar a lugar algum. Candidatos falam em "acabar com a corrupção". O Judiciário parece omisso em punir corruptos, embora tenha avançado nessa questão.
Há uma intensa – e silente – competição para definir o que é corrupção. Clóvis de Barros Filho e Sérgio Praça propõem aqui um debate, fundamentado na filosofia e na ciência política, sobre os diversos aspectos que envolvem a corrupção e seus efeitos.
O ato corrupto é, por definição, fruto de uma parceria. Em que medida esse ato tem efeitos negativos? É possível encontrar efeitos positivos da corrupção? O livro responde a essas e outras indagações.
Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de set. de 2016
ISBN9788561773946
Corrupção: Parceria degenerativa

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    Corrupção - Clóvis de Barros Filho

    livro.

    PARTE 1

    A CORRUPÇÃO COMO

    PROBLEMA FILOSÓFICO

    A impossibilidade de ser corrupto

    O Brasil é um país corrupto; A sociedade brasileira é corrupta; Os políticos são corruptos; Fiscais são corruptos; Joaquim é corrupto etc. São frases repetidas com grande frequência. Quando são contestadas, argumenta-se com base na própria realidade julgada: Não são todos; Nem sempre; Você não tem como provar. Ora, independentemente dos fatos e da comprovação empírica, existe nessas afirmações um problema conceitual, que nada tem a ver com o comportamento do país, da sociedade, dos políticos e fiscais ou de Joaquim. O verbo ser – presente em todas essas afirmações – exige um complemento necessário, essencial ao sujeito. Que não muda, portanto. Assim, você poderia dizer que o círculo é redondo, porque ser redondo é da essência do círculo. Todo círculo será redondo em qualquer circunstância. Permanece redondo para continuar sendo círculo.

    Esse verbo ser significa algo diferente do verbo estar, porque o estado é transitório. Não é essencial para que o ser seja o que é. O estado poderia ser outro e o ser continuaria sendo. Assim, a cera está líquida e é cera. Pode mudar de estado e estar sólida. Continua sendo cera. O estado muda, mas o ser jamais. Assim, todos concordaremos que a frase João está doente não quer dizer a mesma coisa que João é doente. Nesta, se não houver doença, não há João. Na primeira, João pode se curar sem precisar deixar de ser quem é.

    Agora, fica claro o problema das afirmações que desvirginam esta página. Nada pode ser corrupto, tampouco estar, porque a palavra corrupção não indica nem uma essência nem um estado. Indica um processo. Uma transformação. Um deixar de ser. Sua própria negação. Algo que era, mas não é mais. A rigor, a corrupção não é nem aquilo que era nem aquilo em que se converteu. É a própria conversão. A mudança em si. Por tudo isso, nada pode ter a corrupção como essência, já que denuncia o seu fim. Dessa forma, não há como ser corrupto. Por isso, o Brasil, sua sociedade, os políticos e fiscais, como também Joaquim, poderão, no máximo, estar em vias de corrupção. Assim como nós, autores deste livro, e você, caro leitor.

    Seja como for, essas afirmações – em circulação nos diversos espaços de discussão – seguirão seu curso. Continuarão enunciadas e ouvidas, repetidas indiscriminadamente em redes polifônicas, garantindo que é o que justamente deixa de ser, oferecendo permanência ao que é trânsito, assegurando estabilidade à própria mudança. E é justamente a ressignificação descrita que converte essas afirmações em juízo ético, atribuição de valor às ações humanas, individuais e coletivas, carregado de negatividade.

    Corrupção: Uma questão ética

    Discursos muito diferentes – sobre a ética dos dias de hoje – atravessam o nosso cotidiano. Alguns denunciam o fim dos valores. O colapso de toda referência prática com pretensão universal. Sem normas ou imperativos a respeitar e desprovidos de virtudes, assistimos atônitos ao eclipse do dever, à liquefação da moral. Neste mundo, as pessoas se tornaram assumidamente instrumentos. Ortopedizadas como pés em palmilhas pela topografia das exigências institucionais sem condição de vontade, boa ou má. Desmoralizadas em suma.

    Outros discursos analisam este mesmo mundo de forma quase oposta. Teríamos alcançado o ápice do desenvolvimento moral. Depois de séculos regidos por restrições e coerções tuteladas por éticas irracionais, por morais dogmáticas – escoradas no argumento de autoridade ou em instâncias suprassensíveis –, hoje, a racionalidade moral e os discursos normativos com pretensão universal parecem ter se instalado definitivamente.

    Por fim, alguns discursos, ao rejeitar os dois primeiros, asseguram que as democracias liberais patrocinam uma vida moral bastante pujante, regida pelo pragmatismo – objetivado na busca de resultados ou metas –, salpicado aqui e acolá de utilitarismo – felicidade do entorno, incluindo plantas e animais – e de certo respeito a princípios morais – também chamados de valores. Estes terão mais chance de ser respeitados se não atrapalharem a concentração do capital e o acúmulo de recursos.

    Por trás de tamanha diversidade na análise da ética contemporânea, alguns implícitos parecem estar sempre presentes. Obviedades que merecem lembrança. Servem de guia. Iluminam a complexidade. E enriquecem qualquer especulação sobre o nosso tema da corrupção.

    Toda ética implica renúncia. Abrir mão de alguns dos próprios interesses, apetites ou desejos em nome de uma convivência mais harmoniosa. Abdica-se do que beneficia a primeira pessoa do singular, mas compromete os interesses da primeira pessoa do plural. Primazia do nós sobre o eu. Vitória da vontade geral sobre a vontade singular, do interesse público sobre os múltiplos e esparsos interesses privados.

    Situações corriqueiras ajudam a entender essa perspectiva. Imagine um casal das antigas. Um homem e uma mulher. Em matrimônio. Compartilham quarto, banheiro, roupas de cama, toalhas etc. Esse compartilhamento faz parte da convivência. Numa situação dada, um dos membros desse casal, por conta de uma higiene pessoal malfeita, suja a toalha de uso comum. Ora, essa sujeira pode ter várias explicações. O hábito de terminar a limpeza na toalha, afinal, aquele cônjuge sempre fez isso. Ou um desleixo inusitado de alguém excepcionalmente apressado.

    Há nessa prática do agente sujismundo um conforto. No caso do hábito, a segurança, rapidez e eficiência de fazer o de sempre. No caso da pressa inusitada, acelerar um procedimento, chegar mais rápido. Em contrapartida, por conta dessa conduta confortável para quem age, fica desconfortável o uso da mesma toalha pelo outro membro do casal, o que compromete a convivência.

    O cônjuge que sujou a toalha preferiu garantir a sua própria comodidade em detrimento da melhor convivência possível. Para que esta fosse preservada, ele teria de fazer o que nunca fez, abrir mão do conforto de uma prática reiterada. Ou suportar o desconforto de um procedimento mais lento, o constrangimento de chegar atrasado. O fato é que ele optou por garantir o próprio prazer e comodidade em detrimento da convivência do casal.

    Você, que visualizou bem essa situação, poderia ampliá-la só um pouquinho. Imaginemos juntos, agora, não mais um casal, mas um grupo de amigos. Colegas estudantes. Desses que moram na mesma casa. Estudam na mesma universidade. Cujas famílias residem em outra cidade. Esses jovens costumam constituir aquilo que no jargão estudantil se chama república. Nesse caso, em vez de duas pessoas envolvidas na relação, talvez tenhamos dez, quinze.

    Os comportamentos de cada uma poderão estar alinhados ao que essas quinze entendem como a melhor convivência possível. Esta deve ser protegida pelas quinze. São elas que discutem e decidem quais as condutas aceitáveis, garantidoras de uma boa convivência, e aquelas que poderão comprometê-la. E, uma vez definidas e classificadas as condutas segundo esse critério, o que se espera é que se convertam em referência prática. Que funcionem como normas. E que cada um dos membros da república as respeite.

    É claro que, no dia a dia, haverá situações concretas em que os apetites, os desejos, as pulsões e as inclinações de cada um os estimularão a transgredir as normas, isto é, agir de maneira desalinhada com aquele entendimento de boa convivência. Como, por exemplo, intimidades com convidados

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