Dentro Doida: Pequenas histórias
De Carol Pimentel e Xico Sá
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Sobre este e-book
"Cuidado com essa mulher! Como quem não quer nada, Carol Pimentel vai nos arrastando para o epicentro do redemoinho. Como quem leva a um prazer com algum risco, algum desejo além do vermelho e do amarelo do sinal do pecado. " — Xico Sá
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Dentro Doida - Carol Pimentel
2012
Anoiteceu
A cabeça doía de tanto pensar naquilo, a mesma coisa. Parecia ouvir a própria voz repetindo as palavras, mas não tinha som. Um pedido, uma súplica. Nem bem sabia para quem. Qualquer um que captasse e pudesse ajudar: santo, anjo, Deus, capeta, universo, lei da atração. Ou quem sabe uma telepatia que o fizesse perceber, como num estalo, um impulso, que não, não podia viver sem ela. Tentava acreditar que ele conseguiria senti-la de onde estivesse, sofreria, tomaria uma decisão, de novo, rápido assim. E pronto, tudo acabou. Quer dizer, não acabou mais. Foi um engano. O que tinha terminado continuou sendo. Tudo está como no cotidiano de sempre, ele foi pegar o jornal na porta e já volta. Vou fazer o café, café para dois.
Não. Meu Deus! Eu preciso de ajuda, algum milagre, por favor. Trago a pessoa amada em três dias
, ela leu. Três dias? Como isso poderia acontecer? Que caminho lógico a cabeça dele traçaria para chegar à conclusão de que tinha feito uma bobagem? Quem conseguiria fazê-lo perceber, sentir isso? Em três dias? Eu esperaria. Sim, eu aceito as condições do milagre. Se soubesse que ele estaria de volta um minuto após as 72 horas, eu esperaria.
No primeiro dia dos três, eu acordaria e banho, água para limpar, lavar, tirar a sujeira toda, o lixo. Na cabeça, xampu em dobro, com força. E então cremes, esfoliantes, hidratantes, tonificantes: suavizar. Ah, música. Instrumental, para que nenhuma letra interferisse no nosso momento. Leve e não muito alta. Os vizinhos não devem ter percebido nada do fim, foi tudo tão civilizado, tão polido. Que não percebam também o retorno, ele voltando, como se nunca tivesse ido.
À tarde eu iria ao shopping. Comprar uma coisinha aqui, roupinha, uma graça, um cheiro, um decote para ganhar elogio. Sorvete, livraria, encontraria uma amiga dos tempos da escola e contaria que estava casada há dois anos. Pensava, claro, em ter filhos um dia, menino e menina. Mas depois, estamos nos curtindo primeiro, aproveitando a vidinha a dois: viagens, jantares, surpresas, sexo a qualquer hora. Temos nossos problemas, brigas, como todo casal, é parte do pacote, mas sempre fica tudo bem.
Depois de tanto vai e vem, ansiedade gritando, chegaria em casa exausta, veria um filme sem dar muita atenção e dormiria, acordaria tarde. Nestes dias de espera pela pessoa amada não se trabalha. O mundo para. O meu. Não é fácil sentar e aguardar, mesmo que seja por algo muito bom.
O segundo dia seria um pouco mais tenso, afinal a chegada, a volta tão desejada, suplicada, se aproxima: experimento roupas, faço graças na frente do espelho, testo caras, digo frases interessantes, lembro que ele adorava aquela minha gargalhada de quando nos conhecemos. Gargalho, com a cabeça meio de lado, valorizando o perfil esquerdo, meu melhor. E olho de soslaio para o espelho. Ficou bom, pareceu natural — pensaria. E, sim, aquela roupa combinava com tudo, cores fortes, ousadas, demonstravam a segurança que sempre tive. Embalagem decidida, seria hora de ir ao supermercado. Salmão fresco, risoto de limão e uma, duas garrafas de vinho. Compraria taças novas para brindar com ele, muitas vezes, antes de cair na cama, juntos. Ainda na lista, chocolates, frutas, pães para o café da manhã. Pronto, finalmente o dia teria passado. Deitaria, mas nada de pregar o olho, eu estaria muito feliz para isso.
Às cinco da manhã do terceiro dia, depois de rolar e rolar na cama, eu levantaria e, ok, uma caminhada no parque atrás da nossa casa, nossa, seria uma boa ideia. Zanzando, água de coco, vento no rosto, bateria um sono. Mas, mesmo assim, não daria para dormir