Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $9.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

26 poetas hoje
26 poetas hoje
26 poetas hoje
E-book259 páginas2 horas

26 poetas hoje

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

26 poetas hoje, publicado em 1976 como resposta dos poetas jovens aos anos de chumbo, volta agora às prateleiras virtuais, exclusivamente em formato digital e definitivamente publicado.

Vários dos poetas que despontavam com vigor durante a década de 1970 foram lançados aqui. Hoje são nomes consagrados da literatura brasileira moderna.

De lá pra cá, o Brasil mudou, mas não muito. E os artistas que se arriscavam ontem continuam nos ajudando a pensar este novo-velho país.

26 poetas hoje percorreu o caminho de livro visionário a livro mítico, sem perder sua energia contestadora, presente tanto na forma quanto no conteúdo dos poemas.

Com organização de Heloisa Buarque de Hollanda, inclui poemas de Ana Cristina Cesar, Francisco Alvim, Carlos Saldanha (Zuca Sardan), Antonio Carlos de Brito (Cacaso), Roberto Piva, Torquato Neto, José Carlos Capinan, Roberto Schwarz, Zulmira Ribeiro Tavares, Afonso Henriques Neto, Vera Pedrosa, Antonio Carlos Secchin, Flávio Aguiar, Geraldo Eduardo Carneiro, João Carlos Pádua, Luiz Olavo Fontes, Eudoro Augusto, Waly Sailormoon (Waly Salomão), Ricardo G. Ramos, Leomar Fróes, Isabel Câmara, Chacal, Charles Ronald de Carvalho (Charles), Bernardo Vilhena, Leila Miccolis e Adauto de Souza Santos.
IdiomaPortuguês
EditoraHB
Data de lançamento20 de mai. de 2016
ISBN9788584740994
26 poetas hoje

Relacionado a 26 poetas hoje

Ebooks relacionados

Poesia para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de 26 poetas hoje

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    26 poetas hoje - Ana Cristina Cesar

    1975

    Francisco Alvim

    Muito obrigado

    Ao entrar na sala

    cumprimentei-o com três palavras

    boa tarde senhor

    Sentei-me defronte dele

    (como me pediu que fizesse)

    Bonita vista

    pena que nunca a aviste

    Colhendo meu sangue:

    a agulha enfiada na ponta do dedo

    vai procurar a veia quase no sovaco

    Discutir o assunto

    fume do meu cigarro

    deixa experimentar o seu

    (Quanto ganhará este sujeito)

    Blazer, roseta, o país voltando-lhe

    no hábito do anel profissional

    Afinal, meu velho, são trinta anos

    hoje como ontem ao meio-dia

    Uma cópia deste documento

    que lhe confio em amizade

    Sua experiência nos pode ser muito útil

    não é incômodo algum

    volte quando quiser

    * * * *

    O riso amarelo do medo

    Brandindo um espadim

    do melhor aço de Toledo

    ele irrompeu pela Academia

    Cabeças rolam por toda parte

    é preciso defender o pão de nossos filhos

    respeitar a autoridade

    O atualíssimo evangelho dos discursos

    diz que um deus nos fez desiguais

    * * * *

    Greta

    Estou vivendo meus grandes dias

    O Império terá sido mesmo

    uma fazenda modesta e ordenada mas sem povo

    Aqui, penteando este caroço de manga

    sobre o mármore da pia da cozinha,

    me lembro daquela mangueira ao lado do curral

    e de suas mangas-rosa

    Para chegar até lá

    a gente atravessava antes um pátio de pedras –

    entre o curral e a casa

    em cujas gretas um dia

    alguém viu desaparecer uma urutu cruzeiro

    * * * *

    Postulando

    A primeira providência

    é ver se há um cargo

    Se tiver, ele há de querer entrevistá-lo

    Ao meio-dia o candidato estará aqui

    o senhor querendo

    ficarei também para recebê-lo

    O telegrama dizia porque meu nome não fora aprovado

    razões de segurança, denúncia de um amigo

    que virou meu inimigo

    Foram corretos comigo

    deixaram-me ver o telegrama

    Não entendi

    Dois meses antes me haviam chamado de volta

    para responder a inquérito

    Saí limpo

    Ainda comentaram

    passou no exame, meu velho

    É bom que você saiba

    que tenho de fazer a consulta

    Um dia desses por que não saímos?

    * * * *

    Revolução

    Antes da revolução eu era professor

    Com ela veio a demissão da Universidade

    Passei a cobrar posições, de mim e dos outros (meus pais eram marxistas)

    Melhorei nisso –

    hoje já não me maltrato nem a ninguém

    * * * *

    Almoço

    Sim senhor doutor, o que vai ser?

    Um filé-mignon, um filezinho, com salada de batatas

    Não: salada de tomates

    E o que vai beber o meu patrão?

    Uma Caxambu

    * * * *

    Quem fala

    Está de malas prontas?

    Aproveite bastante

    Leia jornais; não ouça rádio de jeito nenhum

    Tudo de bom

    Não volte nunca

    * * * *

    Aquela tarde

    Disseram-me que ele morrera na véspera.

    Fora preso, torturado. Morreu no Hospital do Exército.

    O enterro seria naquela tarde.

    (Um padre escolheu um lugar de tribuno.

    Parecia que ia falar. Não falou.

    A mãe e a irmã choravam.)

    * * * *

    Eu toco pratos

    À minha esquerda

    violas ondulam um areal imenso

    À minha direita

    ossos de baleia cavucam as cáries do ar

    Maestro e pianista desfecham o último ofício:

    vai terminar o expediente

    Na platéia um fole arqueja

    * * * *

    Ordenha

    Os dedos flácidos

    acompanham trôpegos

    o embate da testa

    Ordenham esta idéia

    e mais aquela outra

    espremem bem a teta

    Longe o telefone

    acorda um latido –

    o bastante afinal

    para que a córnea escorra

    sobre a fronha

    * * * *

    Leopoldo

    Minha namorada cocainômana

    me procura nas madrugadas

    para dizer que me ama

    Fico olhando as olheiras dela

    (tão escuras quanto a noite lá fora)

    onde escondo minha paixão

    Quando nos amamos

    peço que me bata me maltrate fundo

    pois amo demais meu amor

    e as manhãs empalidecem rápido

    * * * *

    Uma cidade

    Com gula autofágica devoro a tarde

    em que gestos antigos me modelaram

    Há muito, extinto o olhar por descaso da retina,

    vejo-me no que sou:

    Arquitetura desolada –

    restos de estômago e maxilar

    com que devoro o tempo

    e me devoro

    * * * *

    Com ansiedade

    Os dias passam ao lado

    o sol passa ao lado

    de quem desceu as escadas

    Nas varandas tremula

    o azul de um céu redondo, distante

    Quem tem janelas

    que fique a espiar o mundo

    * * * *

    Pássaros que são pedras

    O outono cobre de folhas

    a relva úmida e as poças no diminuto anfiteatro

    Na lembrança descobre

    revoada de pássaros numa tarde estival

    a meio caminho de Assisi

    Asas discêntricas abrindo o ar

    como pedras um lago

    * * * *

    Luz

    Em cima da cômoda

    uma lata, dois jarros, alguns objetos

    entre eles três antigas estampas

    Na mesa duas toalhas dobradas

    uma verde, outra azul

    um lençol também dobrado livros chaveiro

    Sob o braço esquerdo

    um caderno de capa preta

    Em frente uma cama

    cuja cabeceira, abriu-se numa grande fenda

    Na parede alguns quadros

    Um relógio, um copo.

    * * * *

    Hora

    Ar azul

    ave em vôo

    árvore verde do tempo.

    No açude

    onde mergulham sombras

    dois rostos (do pai, da filha)

    tremulam

    * * * *

    Encostei meu ombro naquele céu curvo e terno

    No lago as estrelas molhavam-se

    Sussurravam que meu abraço

    contivera a terra inteira e os ares

    * * * *

    Minha voz escuta tua voz

    dentro de meu corpo teu corpo

    árvores

    molhando meu sangue

    me abre

    * * * *

    Um homem

    De regresso ao mundo e a meu corpo

    As estradas já não anoitecem à sombra de meus gestos

    nem meu rastro lhes imprime qualquer destino

    Sou a água em cuja pele os astros se detêm

    A pedra que conforma o bojo das montanhas

    O vôo dos ares

    * * * *

    Carlos Saldanha

    Coessarte tradicional!...

    Mas qual...

    * * * *

    O poeta pras cadeiras

    O poeta cumprimenta o seu público,

    As cadeiras que não podem

    sequer dar-lhe uma salva de palmas:

    que têm braços, têm pés,

    mas não têm mãos a medir

    Na admiração contumaz

    Pra dar ânimo, enfim

    Que ânimo infusa, ninguém

    por certo João Limão

    se está querendo ser;

    Mas afinal algum interesse

    Mínimo que se desperte

    * * * *

    XIII

    Pesquisa utilitária

    De cem favoritos reais

    noventa e seis foram guilhotinados.

    É preciso conversar atentamente

    com os quatro que sobraram...

    * * * *

    Paisagem com movimentação

    Um pato deslizando

    em lago oval e roxo

    Ao crepúsculo

    onde meninas

    dançam Chopin

    Ou era só um carimbo?

    * * * *

    De binóculo

    Abaixando o copázio

    Empunhando o espadim

    Levantando o corpanzil

    Indiferente ao poviléu

    O homenzarrão abriu a bocarra

    fitando admirado

    a naviarra do capitorra

    * * * *

    Sonatina italiana

    A donzela órfã

    Seduzida e abandonada

    Soluça na neve.

    O velho sabujo

    De cartola de veludo

    Olha de longe...

    E gargalha.

    Foi ele que a desgraçou.

    Mas bêbado e cético

    Pouco se importa.

    E gargalha: Ah Ah Ah...

    * * * *

    Sapiencial Saturno

    O Supercilioso Valete de Copas

    achou refrutável

    o solipsismo de Saturno

    "Pois se só houvesse o vosso eu

    Como ireis comer

    os de vossos filhos?"

    O sapiencial velho

    coçando-se as barbas

    fazendo nogangas

    obliterar procurava

    o obnóxio sorriso:

    Justamente... Justamente...

    * * * *

    Os filósofos

    Ante o empolgamento

    que foi galvanizando

    sucessivamente

    os frades copistas,

    os geômetras,

    os astrônomos,

    os pálidos almirantes core suas lunetas,

    os monarcas augustos com suas esferas armilares,

    e os tabeliões

    Ante as maravilhas da Ciência

    e do Progresso Tecnológico,

    Aconteceu que

    os filósofos, pouco a pouco,

    com suas idéias vagas,

    suas caraminholas na cabeça,

    um após outro,

    entre chacotas mal disfarçadas,

    foram sendo jogados ao mar,

    tichipum, tichipum,

    por cima do parapeito do convés

    do Barco do Conhecimento

    que navega por mares ignotos,

    levando à proa

    a orgulhosa máscara

    de Francis Bacon...

    Cuidado, Capitão,

    Cuidado...

    * * * *

    Invocação

    Prestai-me vossas oiças,

    Oh Grandes Monarcas,

    Presidentes da República,

    e outros Chefes Supremos

    Que ditais os destinos da Humanidade

    da magnificência de vossos palácios

    e de vossos austeros gabinetes...

    Napoleão, quando tinha

    que saldar diferenças,

    algum tira-teima mais brabo,

    alguma pinimba com o Rei da Prússia,

    ou com o Tsar das Rússias, por exemplo,

    Napoleão

    vestia o chapéu de três bicos

    montava no cavalinho branco

    E lá ia ele

    pacacá, pacacá,

    À frente da turma,

    pra dentro da fumaceira,

    pra dentro do rolo,

    do fura-bucho,

    do arranca-toco,

    e do pega-pra-capar...

    * * * *

    O Soberano e o Astrólogo

    O Soberano deve suspeitar de tudo.

    E nem só o Soberano.

    De um Astrólogo não se pode fazer nada.

    De um Soberano tampouco.

    Em todo o caso,

    ao de coroa sempre se oferece

    a botija de azeitonas.

    O Soberano pode bancar a vítima.

    O Astrólogo deve bancar o louco.

    * * * *

    Zum e Metafísica

    Porque ó Venerável, existe o mal?

    Indaga o ressentido Bacamarte.

    Eu é que sei?, brada Malaquias,

    "Porque não é o mundo

    em forma de livro,

    com ilustrações sem sépia,

    ou hachurado grosso,

    ou escrito em papel de arroz?

    Enfim, vamos parar

    com perguntas tolas

    e vá me buscar uma cerveja".

    * * * *

    O milionário e o Zum

    Eu vim buscar a verdade do Zum

    Fala o

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1