24 de set. de 2011

O anticomunismo, arma estratégica da ideologia burguesa*

Sendo social e colectivamente produzida, a ideologia burguesa funciona como uma banca onde se vão buscar estruturas pré-fabricadas de sentidos que asseguram aos indivíduos uma estruturação e uma afirmação de si próprio como sujeito. Podemos dizer que o indivíduo abstracto burguês é um produto das relações de produção capitalistas e da ideologia burguesa que se apresenta como um pensamento que seria uma função de tal sujeito. Ou seja, a ideologia burguesa constitui um sujeito ilusoriamente criador de um pensamento, que é de facto fabricado algures.
O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo.
 
A ideologia burguesa é a ideologia da burguesia. Dizer isto parece ser uma banalidade sem consequências ou uma mera tautologia Mas talvez não o seja. É que uma das características básicas da ideologia burguesa consiste em recusar que seja uma ideologia e que seja referida a um sujeito social preciso, a burguesia.
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Assim, a maior parte das vezes, a ideologia burguesa tenta fazer-se passar por uma espécie de senso comum, ou por uma difusa doxa, uma espécie de «opinião pública» que atravessasse as fronteiras entre as diferentes classes. Todas essas formas de se considerar a si mesma, comportam gestos que visam recusar e dificultar a sua percepção como ideologia, ou seja, um conjunto de representações, imagens do mundo e valores que exprimem os interesses e as necessidades de reprodução das condições de existência de uma determinada classe social.
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A ideologia burguesa funciona, assim, como um conjunto de «evidências» destinadas a promoverem uma (falsa) consciência de si no mundo e na sociedade, por parte de indivíduos vivendo numa sociedade de classes antagónicas.
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Uma outra das suas características básicas que visa também dificultar a sua percepção como ideologia, que representa os interesses, os desejos e os fantasmas de uma classe social, manifesta-se no seu carácter intensamente contraditório, flexível, destinado a adaptar-se a um número extensível de conjunturas e a diferentes funções - sujeito.
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Sendo social e colectivamente produzida, a ideologia burguesa funciona como uma banca onde se vão buscar estruturas pré-fabricadas de sentidos que asseguram aos indivíduos uma estruturação e uma afirmação de si próprio como sujeito. Podemos dizer que o indivíduo abstracto burguês é um produto das relações de produção capitalistas e da ideologia burguesa que se apresenta como um pensamento que seria uma função de tal sujeito. Ou seja, a ideologia burguesa constitui um sujeito ilusoriamente criador de um pensamento, que é de facto fabricado algures.
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O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo. O que aqui pretendemos não é identificar todas as variantes do anticomunismo, mas apenas algumas, que estão mais activas no nosso país e em circunstâncias eleitorais.
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1) Sobre o tema do Trabalho

A – Os comunistas são apontados como os principais responsáveis pelo carácter atrasado da nossa economia, porque ‘não querem e não deixam os outros trabalhar’, ‘só fazem greves e não querem que se aumente a competitividade das empresas’.
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B – Os comunistas são «produtivistas»: privilegiam a quantidade da produção, em vez da sua qualidade da produção. Porque privilegiam a quantidade da produção, logo que se apanhem no poder aumentarão o horário e os ritmos de trabalho que agora contestam.
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Interessante é verificar como a ideologia burguesa manifesta um grande pudor linguístico e uma susceptibilidade semântica que a leva a procurar impor designações que recobrem as realidades chocantes da exploração capitalista com eufemismos ou fórmulas que escondam por exemplo a conflitualidade de classe e a oposição entre o trabalho e o capital. Assim, o capital esconde-se por trás de uma cortina de «empregadores» ( sem os quais, como se deduz do próprio corpo da palavra, não haveria emprego), de «empreendedores» (de onde se gera um nome que gostariam que substituísse o de capitalismo o de «empreendorismo») e os seus trabalhadores assalariados são «promovidos» a «colaboradores». A «flexibilidade», a «flexibilização», a «flexissegurança» e outras invenções terminológicas buscam esconder e retirar da discussão aquilo que está efectivamente em causa, a desregulamentação das relações de trabalho, a precarização do trabalho, o ataque desenfreado aos direitos do trabalho e ao trabalho com direitos.
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Aliás, a «criatividade semântica» é de tal modo um vício que até as designações oficiais, «técnicas», revelam esse tipo de pudor. É por isso que os trabalhadores assalariados são designados trabalhadores por conta de outrem – assim, procura retirar-se da exposição explícita e do exame crítico o salário e o salariato.

2) Sobre o tema da Organização

A primeira manifestação da intervenção ideológica burguesa está aqui na própria escolha da palavra: a organização, aquilo a que chamamos com orgulho «o colectivo partidário» é pela burguesia designado como máquina.
A – Há usos da palavra que são tidos como positivos, significando por exemplo que alguém ou uma instituição é dotado de um elevado grau de eficácia ou eficiência no desempenho de uma dada tarefa ou função: «Fulano é uma máquina»; «O PCP é aquela máquina».
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B – Entretanto, a expressão quando utilizada numa conversa com alguma extensão presta-se a um uso pejorativo e a uma significação negativa. É fácil encontrarmos contextos do uso da palavra, em que ela pretende representar o funcionamento mecânico, ou sem alma; os militantes organizados são apresentados como peças de uma máquina, treinados, como os elementos de um exército, a responderem, ou seja a obedecerem cegamente. Em outras ocasiões ainda, a palavra máquina pode significar organização e funcionamento burocráticos. O PCP é reduzido a ser um «aparelho», ou é um conjunto de pessoas, amalgamadas e dominadas por um «aparelho».
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O princípio de que ninguém deve ser beneficiado nem prejudicado pelo exercício de cargos públicos para os quais se foi eleito em representação do PCP, é apresentado como um traço de igualitarismo que penaliza o legítimo desejo individual de ascensão ou promoção social por mérito, e deixa esses representantes eleitos sujeitos à vontade do Partido, mais do que a representarem aqueles que os elegeram.
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3) «Os partidos são todos iguais»

Pode dizer-se que esta «fórmula» embora parecendo corresponder à experiência real que os eleitores têm dos partidos burgueses e da mistificação que é a representação formal na democracia burguesa, é desviada desse terreno e é posta a funcionar fundamentalmente contra o PCP. Porque o PCP é o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue, pelas regras explícitas do seu funcionamento, o PCP deveria ser a opção eleitoral de inúmeros leitores fartos de serem enganados pelos partidos em que têm votado. Entretanto a fórmula «são todos iguais» é usada particularmente por aqueles que, desesperados com o sistemático logro em que são levados a cair, não são ainda capazes de alterarem a sua opção de voto e votarem no PCP. A fórmula «são todos iguais» é assim uma espécie de seguro de vida para os partidos da política de direita que assim conseguem que os seus eleitores rigorosamente não vejam a diferença dos comunistas.
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O silenciamento, o discurso da exclusão e a invisibilidade dos comunistas
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O anticomunismo, enquanto arma fundamental da ideologia burguesa, indica a direcção e a orientação fundamental da sua estratégia de mistificação. Os seus diferentes temas visam assegurar a «invisibilidade» dos comunistas. Por isso, um dos eixos fundamentais do seu comportamento é o sistemático, prolongado e implacável silenciamento da sua voz, das suas propostas, da sua história, indiscernível da história do povo português no último século e da sua presença quotidiana na sociedade portuguesa.
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O silenciamento do PCP é assumido por um discurso que atribui ao excluído a responsabilidade por aquilo que é assim apresentado como a sua auto-exlusão. É o que o próprio PCP é, aquilo porque tem combatido e combate, que é a razão da sua (auto)-exclusão.
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A exclusão do PCP é, por outro lado, «justificada» porque o PCP «está fechado à realidade». A credibilização desta ideia passa por uma manipulação completa da realidade. Assim, o PCP não aparece na realidade portuguesa porque dela foi previamente retirado. A televisão não concede a palavra ao PCP, ignora acções, grandes reuniões, debates de propostas para os problemas do País, lutas um pouco por todo o país e em variadíssimos sectores da vida nacional, e depois conclui que o PCP está calado, não tem opinião, não é visível. Nos debates sobre os grandes temas económicos, políticos e sociais, frequentemente não há um comunista. O argumento, que podem explicitar, ou deixar que as pessoas o infiram: é o de que não há comunistas que sejam especialistas dessa matéria, ou que tenham ideias interessantes sobre aquela matéria. Isto torna-se mais escandaloso quando o tema parece trazer consigo os comunistas, os trabalhadores, a sua luta. Suponhamos uma luta de empresa ou a luta num sector profissional. Se é demasiado escandaloso não convidar nenhum representante dos trabalhadores, da CGTP ou dos comunistas, a dificuldade pode ser contornada convidando a participar um elemento da UGT, mesmo que nada efectivamente represente nessa luta ou nesse sector de actividade, ou um especialista universitário de «sociologia do trabalho» que represente os interesses patronais.
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A manipulação da realidade, a fabricação do consenso e a imposição da obediência
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A televisão e os media em geral apresentam as medidas que o Governo (seja ele um governo do PS, seja ele do PSD e do CDS) vem tomando como inevitáveis. Esta é uma das características que identificam a política de direita: a inevitabilidade é uma espécie de deus ex maquina que governa a situação política, social e económica portuguesa. A tentativa de convencer dessa inevitabilidade representa uma activa imposição da obediência, baseada na generalização de um falso consenso, que é sobretudo a obtenção, pela violência psicossocial e pela aculturação, de uma disposição para o consentimento. Esse consenso manipulado que se visa impor é também a partilha de uma outra ideia que não precisa de ser explicitada para ficar a pairar suspensa, ao nível sub-consciente dos espectadores, mas sempre que necessário pronta a ser reactivada, segundo a qual o capitalismo é a realidade, a ordem natural das coisas; e a realidade é um dado intransponível, imóvel e intransformável, contra o qual nada se pode fazer. O PCP ao não aceitar esta realidade, que representaria o final da evolução histórica, mostra assim estar fora da realidade.

A «realidade» é configurada pelos grandes meios audio-visuais de forma intensamente mistificadora. Desde os programas de informação ao conjunto da programação; tudo trabalha para impor uma noção de realidade.

A realidade é algo de inteiramente visível: é algo que se vê completamente, no ecrã de televisão, que mostra o que se passa (presente), ou o que se passou, (passado) e se pode passar (futuro).

Telenovelas, noticiários, diversos tipos de talk-shows, concursos, documentários, séries, filmes, tudo se homogeneíza num discurso uniforme e absolutamente dominante, que absorve qualquer reparo crítico, que tende a impor modelos de reconhecimento da realidade e padrões de comportamentos aceitáveis.

Toda a descrição da realidade é, neste quadro, subordinada à definição de objectivos a alcançar, num determinado momento. Os reality-shows, por exemplo, não se limitam a pôr ou a «dar» em espectáculo aquilo que é a realidade, mas constroem modelos de comportamento susceptíveis de serem reconhecidos e adoptados. As sondagens mais do que diagnósticos de um estado da opinião são construções tendentes a induzir determinados resultados. Os programas de entretenimento potenciam o que já é conhecido quanto aos valores e desejos maioritários e tendem a torná-los ainda mais maioritários.

É conhecido o fenómeno da espectacularização do político e da aplicação da lógica da publicidade comercial à propaganda política. São os efeitos de expansão de dois dos grandes valores da ideologia burguesa, que reflectem duas tendências do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo: a mercadoria – a tendência para a mercantilização de todas as relações sociais e humanas; e o espectáculo – a tendência para a espectacularização de todas as esferas da vida humana.

Estes dois valores e tendências exprimem a imposição de dois modelos da organização burguesa do viver social: o mercado substitui o diálogo e o confronto no espaço público, o espectáculo impõe a distância e promove uma satisfação ilusória dos desejos dos cidadãos reduzidos de participantes a espectadores.

A ideologia burguesa, jogando com estes dois valores, acaba por confundir o funcionamento do mercado capitalista com o funcionamento da democracia e este com o da representação.

São várias as formulações produzidas sobretudo na área das relações internacionais onde os representantes do imperialismo e das potências capitalistas identificam, numa confusão deliberada, as sociedades democráticas como «sociedades de livre mercado». Essa confusão é tal que para a ideologia burguesa dizer que as sociedades democráticas são sociedades de mercado e estas são necessariamente sociedades democráticas é rigorosamente equivalente, embora essa equivalência possa ser empiricamente refutada.

Por outro lado, pode dizer-se que a ideologia burguesa é uma idolatria da representação. A sua concepção da democracia tende a esgotar-se no mecanismo de representação, que introduz ou supõe uma separação inultrapasssável entre representantes e representados. Essa separação traduz-se numa forte desigualdade na participação e exercício do poder. A maioria da população só pode ser representada, a sua participação no poder limita-se à escolha de quem serão os seus representantes. A pressão das divisões de classe numa dada sociedade e os mecanismos de controlo da opinião procedem a uma evidente (e, contudo, silenciosa) selecção social dos representantes. Assim, os trabalhadores tendem a ser representados por indivíduos com outras origens e situações de classe.

É claro que as sociedades baseadas na exploração do trabalho e na opressão dos trabalhadores tudo fazem para autonomizarem a representação, da função pela qual ela é representação de outros. Assistimos então a uma manipulação da representação de tal forma empreendida que os representantes em vez de cuidarem da fidelidade àqueles que os escolheram para os representarem, constroem a representação como modelação retroactiva dos representados.

A representação pode então tornar-se um colossal embuste: os representantes escolhem e fabricam os conteúdos da representação; modelam e remodelam a vontade daqueles mesmos que os «escolheram» como seus representantes e que, nesse preciso momento, ficam sem efectiva representação.

*Este artigo foi publicado em “O Militante” nº 314, Set/Out 2011


Fonte:http://www.odiario.info/?p=2215




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23 de set. de 2011

O assassinato de um cantor popular

Víctor Jara – 28.09.1932 – 15.09.1973
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Grande cantor popular chileno, ele foi cruelmente assassinado nos primeiros dias da ditadura instaurada pelos militares liderados por Augusto Pinochet em 1973. O crime aconteceu no Estádio Nacional que servia de prisão para milhares de militantes. O relato chocante abaixo, que mostra a barbaridade do assassinato, foi retirado de No Olho do Furacão, do jornalista brasileiro Paulo Cannabrava, a partir de relatos de quem esteve lá.
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“Em um dado momento, Victor desceu para a platéia e se aproximou de uma das portas por onde entravam os detidos. Ali topou – cara a cara – com o comandante do campo de prisioneiros que o olhou fixamente e fez o gesto mimico de quem toca violão. Victor assentiu com a cabeça, sorrindo com tristeza e ingenuidade. O militar sorriu, contente com sua descoberta.
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Levaram Victor até à mesa e ordenaram que pusesse suas mãos em cima dela. Rapidamente surgiu um facão. Com um só golpe cortaram seus dedos da mão esquerda e, com outro, os da mão direita. Os dedos cairam no chão de madeira, ainda se mexendo, enquanto o corpo de Victor se movia pesadamente.
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Depois choveram sobre ele golpes, pontapés e os gritos: ‘canta agora… canta…’, a fúria desencadeada e os insultos soezes do verdugo ante um ‘alarido coletivo’ dos detidos.
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De improviso, Victor se levantou trabalhosamente e, com o olhar perdido, dirigiu-se às galerias do estádio… fez-se um silêncio profundo. E então gritou:
- Vamos lá, companheiros, vamos fazer a vontade do senhor comandante.
Firmou-se por alguns instantes e depois, levantando suas mãos ensanguentadas, começou a cantar em voz ansiosa o hino da Unidade Popular (Coligação de partidos de esquerda que apoiavam o governo de Allende), a que todos fizeram coro.
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Aquele espetáculo era demasiado para os militares. Soou uma rajada e o corpo de Victor começou a se dobrar para a frente, como se fizesse uma longa e lenta reverência a seus companheiros. Depois caiu de lado e ficou ali estendido.”
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Ano passado, 36 anos depois de seu assassinato, o povo chileno finalmente pode realizar o funeral público de seu grande artista.
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Um documentário da TV3 da Catalunha registra a ação da Funa, uma manifestação de militantes com objetivo de denunciar publicamente uma pessoa.
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Eles vão até a casa ou trabalho de torturadores e assassinos da ditadura denunciá-los perante seus vizinhos e colegas. No vídeo, a Funa de Víctor Jara, vai até o ministério governamental onde trabalha o ex-militar conhecido com El Príncipe, apontado como o comandante da barbaridade feita contra o cantor. No final, os militantes invadem o gabinete do assassino e o acusam cara a cara. Assistam o vídeo completo abaixo e o ápice da manifestação em:


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P.S. Este vídeo tem a duração de 30m. Se não puder assisti-lo na íntegra, avance o cursor até à marca de 19m30s, que é o momento exato em que se vê o desmascaramento daquele criminoso.

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20 de set. de 2011

Márcia Honorato não deve morrer


Nas comemorações realizadas em Nova York, em 11 de setembro passado, foi emocionante o momento em que se leram os nomes e os sobrenomes dos mortos no atentado às torres gêmeas do World Trade Center. Gravados na pedra, entoados em voz alta, era como se os presentes quisessem dizer: vocês desapareceram, mas estão conosco, em nossa memória, e nela e na pedra permanecerão enquanto os humanos tiverem capacidade de evocar.
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Quando tem nome e sobrenome, a morte de uma pessoa adquire uma espécie de espessura. Na identificação, uma tentativa de lutar contra o pó e as cinzas, o anonimato, o esquecimento.
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A bonita cerimônia fez-me recordar um livro de Yves Courrière, publicado há algumas décadas, bem escrito e documentado, sobre a guerra que os argelinos travaram pela independência, contra a pretensão colonialista da sofisticada e civilizada França. Referindo-se aos colonos franceses, mortos pela guerrilha argelina, o autor, sempre que possível, cuidava de identificá-los, com nome e sobrenome, proporcionando ao leitor uma sensação de mal-estar, como se conhecesse as pessoas que estavam morrendo. Uma experiência penosa, capaz de suscitar interesse e compaixão. No entanto, quando falava dos mortos argelinos - cerca de um milhão em 8 anos de guerra, muitos enterrados vivos, outros, queimados por bombas incendiárias -, talvez por desconhecimento, ou distração, ou simplesmente porque eram muito mais numerosos, os nomes eram quase sempre substituídos por números. Frios. Os números, frios. Em vez dos nomes, quentes. De sorte que a sensação que se tinha era que os argelinos passavam melhor e mais levemente para a eternidade do que os franceses. A chave da diferença era que uns tornavam-se anônimos, sem nome, nem sobrenome. Que os outros, os franceses, tinham.
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De fato, os nomes e os sobrenomes podem salvar um morto do esquecimento. Mas podem igualmente salvar uma vida.
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A vida, por exemplo, de uma pessoa que tem nome e sobrenome: Márcia Honorato. Felizmente, está viva. E esperamos que viva continue. Mas ela está ameaçada de morrer. Não de morte natural, mas assassinada.
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Quem é Márcia Honorato?
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Ela faz parte da Rede contra a Violência do Estado do Rio de Janeiro e também da Rede Nacional de Familiares das Vítimas do Estado.
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Desde 2005, há longos seis anos, quando policiais militares mataram 29 pessoas entre Nova Iguaçu e Queimados, resolveu entrar numa luta que não poucos consideram insana: levar à Justiça os responsáveis pelos desmandos. Cerca de dois anos depois, em abril de 2007, recebeu em casa a visita de dois homens. Um deles esfregou uma arma de fogo em seu rosto e perguntou: "Você é um anjo, está querendo morrer?" Ela teve então que se esconder: largou casa, filhos, família e atividade profissional. Perambulou por aí até que, um pouco mais de um ano depois, a partir de junho de 2008, inscreveu-se no Programa Nacional de Proteção aos Direitos Humanos/PNPDH, uma espécie de clandestinidade oficial, se o paradoxo é permitido, pois, em tese, clandestinos são, ou deveriam ser, os que vivem à margem da Lei, acuados pelo Estado. Mas, no caso de Márcia, enquanto os agentes da Lei, que a ameaçaram de morte, permaneciam trafegando e traficando à luz do dia, em nome do Estado, ela caiu na clandestinidade, protegida por um programa oficial.
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Mas a situação, em vez de melhorar, piorou. Não a encontrando mais, os caçadores ameaçaram sua família. Entraram na linha de mira os filhos, a sogra e o ex-marido, chamados impudicamente de "vítimas colaterais".
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De sedentários, com domicílio conhecido, todos viraram nômades. Pulando de galho em galho, em moradias provisórias, precárias, arriscadas. Sem teto e sem segurança. Sob proteção, mas desprotegidos, à deriva.
Em julho deste ano, Márcia tentou falar pessoalmente com a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, durante as homenagens que se fizeram às vítimas da Chacina da Candelária. Não foi possível. Disseram-lhe que o seu caso estava "resolvido". Que não fosse inadequada. Se continuasse importunando, poderia acabar sozinha.
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No último dia 12 de setembro, um dia depois das homenagens aos mortos de Nova York, ela foi novamente vítima de um duplo atentado: um automóvel - com as mesmas características - tentou atropelá-la duas vezes no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Seus ocupantes, ostensivamente, usavam capuzes. Entre uma e outra tentativa, apareceram outros PMs com atitudes intimidativas.
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Márcia está com a vida em perigo. Faz lembrar os versos amargos da poeta Dinha, do Parque Bristol, da periferia de São Paulo: "De aqui, de dentro da guerra, qualquer tropeço é motivo". Márcia tropeçou em mãos assassinas. Mas continua firme, embora tenha a morte anunciada, prometida e jurada. Ainda segundo a Dinha: "A morte te chama, te atrai, te cobiça".
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Ela tem um único trunfo: tem nome e sobrenome. Assim como as autoridades que têm responsabilidade por protegê-la: Dilma Rousseff, Maria do Rosário, Sergio Cabral, Eduardo Paes. Que detenham as mãos assassinas dos encapuzados, anônimos e sem-lei. É demasiado exigir-lhes que retirem Márcia da clandestinidade, recriando condições para que ela possa exercer efetivamente os direitos - que são seus - de cidadã?
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Veremos daqui a alguns dias a reedição do assassinato da juíza Patrícia Acioli? Márcia Honorato não deve morrer, não pode morrer e não vai morrer. Sob pena de esta cidade, apesar da Copa e das Olimpíadas, virar mesmo, como denuncia a poeta da periferia, um cemitério geral de pessoas. Mesmo que estejam vivas.

12 de set. de 2011

Debate de lançamento do livro Memórias, de Gregório Bezerra, no Rio de Jeneiro nova edição acrescida

nova edição acrescida de fotografias, textos inéditos e um único volume 
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13/09 - 10h - Rio de Janeiro (RJ)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ
Largo São Francisco, 01 – Centro
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Debate com Anita Leocadia Prestes (PPGHC/UFRJ e ILCP), Ivan Pinheiro (PCB), Joba Alves (MST) e Leonilde Servolo de Medeiros (CPDA/UFRRJ).
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Realização: Arquivo da Memória Operária do Rio/UFRJ, Instituto Luiz Carlos Prestes, Programa de Pós-Graduação em História Comparada/UFRJ e Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/UFRJ.
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Apoio: Boitempo Editorial
O evento contará também com uma pequena exposição fotográfico sobre Gregório Bezerra. Uma singela homenagem e um respeitoso tributo do Instituto Luiz Carlos Prestes a este ser humano que é "a genuína personificação dos explorados e oprimidos da nossa terra", nas palavras de Anita Prestes.

5 de set. de 2011

Cuba não reconhece o Conselho Nacional de Transição

O Ministério das Relações Exteriores efectuou a retirada do seu pessoal diplomático na Líbia, onde a intervenção estrangeira e a agressão militar da NATO agudizaram o conflito e impediram o povo líbio de avançar para uma solução negociada e pacífica, no pleno exercício da sua autodeterminação.


A República de Cuba não reconhece o Conselho Nacional de Transição nem nenhuma autoridade provisória e só dará o seu reconhecimento a um governo que se constitua nesse país de maneira legítima e sem intervenção estrangeira, mediante a vontade livre, soberana e único do povo irmão líbio.


O embaixador Víctor Ramírez Peña e o primeiro secretário Armando Pérez Suárez, acreditados em Tripoli, mantiveram uma conduta impecável, estritamente apegada ao seu estatuto diplomático, correram riscos e acompanharam o povo líbio nesta trágica situação. Foram testemunhas directas dos bombardeamentos da NATO sobre objectivos civis e da morte de pessoas inocentes.


Com o grosseiro pretexto da protecção de civis, a NATO assassinou milhares deles, desconheceu as iniciativas construtivas da União Africana e de outros países e, inclusive, violou as questionáveis resoluções impostas pelo Conselho de Segurança, em particular com o ataque a objectivos civis, o financiamento e fornecimento de armamento a uma parte, bem como a instalação de pessoal operacional e diplomático no terreno.


As Nações Unidas ignoraram o clamor da opinião pública internacional, em defesa da paz, e tornaram-se cúmplices de uma guerra de conquista. Os factos confirmam as advertências prévias do comandante em chefe Fidel Castro Ruz e as oportunas denúncias de Cuba na ONU. Agora sabe-se melhor para que serve a chamada "responsabilidade de proteger" nas mãos dos poderosos.


Cuba proclama que nada pode justificar o assassinato de pessoas inocentes.


O Ministério das Relações Exteriores reclama a cessação imediata dos bombardeamentos da NATO que continuam a ceifar vidas e reitera a urgência de que se permita ao povo líbio encontrar uma solução pacífica e negociada, sem intervenção estrangeira, no exercício do seu direito inalienável à independência e à autodeterminação, à soberania sobre os seus recursos naturais e à integridade territorial dessa nação irmã.


Cuba denuncia que a conduta da NATO destina-se a criar condições semelhantes para uma intervenção da Síria e reclama o fim da ingerência estrangeira nesse país árabe. Apela à comunidade internacional a impedir uma nova guerra, insta as Nações Unidas a cumprirem seu dever de salvaguardar a paz e proteger o direito do povo sírio à plena independência e autodeterminação.


Havana, 3 de Setembro de 2011.
O original encontra-se em www.cubadebate.cu/...


Esta declaração encontra-se em http://resistir.info/ .

O Clube dos Abutres de Paris e a guerra de emancipação nacional

por Carlos Aznárez 
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Não faltou nenhum dos convidados na foto de família promovida em Paris pelo presidente Sarkozy. Sorridentes, como se se tratasse de algum festejo, ostentando seus fatos e gravatas de marca, ali posaram desde o inefável secretário da ONU, Ban Ki Moon, até representantes de 73 países, dentre os quais não faltavam as senhoras Clinton e Merkel, até representantes da Rússia e da China, que tão pouco podiam perder o acontecimento. Não é preciso dizer que também um delegado de alto nível do Brasil e outro da Colômbia, em nome da América Latina cativa nas relações carnais com o Império e, é claro, os assimilados da União Africana, com a honrosa excepção da África do Sul, e os obsequiosos serviçais de uma Liga que se faz chamar de Árabe e que sempre tripudia contra os povos desse imenso território que outrora Gamal Abdel Nasser sonhou unir.


O acontecimento que convocava para aquilo que denominaram Clube de Amigos da Líbia era muito especial:   repartirem as enormes riquezas do território da Líbia que os seus aviões bombardearam durante mais de 120 dias, destruindo habitações, infraestrutura, escolas, universidades, hospitais e todo ser humano vivo que se lhes cruzasse no caminho. Cinquenta mil corpos queimados por bombas de fósforo e urânio empobrecido, dizem os números mais optimistas. Cinquenta mil inocentes arrasados pela cobiça dos "salvadores e defensores dos direitos humanos", só pelo facto de serem líbios e recusarem qualquer ataque à sua soberania como povo.


Em Paris estavam todos os que desfilam pelo mundo como pregadores da "paz", enquanto mobilizam seus mísseis nos aviões de uma nova Cruzada. Na realidade, o que foi gestado pelo novo "Bush europeu", Sarkozy, assemelha mais a um Clube de Abutres Carniceiros. Diante da carniça da destruição de toda a infraestrutura de uma nação, até ontem independente, eles afiavam suas garras para ficarem com os melhores nacos. Nesse âmbito, a revelação oportuna do diário francês Libération esclarecia porque o presidente francês se havia apressado a reconhecer o governo títere do Conselho Nacional de Transição, por volta de meados de Março deste ano, quando os mercenários de Bengazi (esses a que o jornalista Walter Martinez jocosamente qualificou com acerto como "o exército de Brancaleone") entretinham-se a fazer corridas de um lado para outro com veículos artilhados e desperdiçavam balas por toda a parte.


A parte do bolo que o CNT prometeu à França (o petróleo bruto que o solo líbio proporciona tão generosamente) era mais que tentadora e oscilava nos 35% da exploração total. Ao que certamente se somará uma percentagem semelhante do que se obtiver do ouro, outra das inúmeras riquezas do país invadido.


Sarkozy desmentiu timidamente o Libération, mas seus sócios já conhecem este tipo de manhas uma vez que as utilizam habitualmente.


Contudo, o positivo desta jornada de repartição de lucros com base na morte de milhares de líbios é que já não escondem suas tropelias – fazem-no publicamente à luz do dia e com taquígrafos. São a cara mais descarada da ingerência estrangeira num país. Bombardeiam, matam, roubam, distribuem o botim e se a situação obriga, brigam entre si por uma percentagem a mais ou a menos. Essa forma de actuar esclarece os leitores inteligentes que não estejam sob os efeitos do clorofórmio da quase totalidade dos mass media, que como sempre impuseram o discurso único sobre o "assunto Líbia". Esses media que falam de "regime de ditadura" ou de "crimes" quando se referem a Kadafi e não mostram o menor recato em considerar o ultra-milionário emir do Qatar ou numerosos dos integrantes do CNT que até ontem eram acusados de serem "terroristas".


Assim estão as coisas nesta Nova Ordem Europeia construída a poder de bombas. Ela por um lado demonstra a debilidade do império norte-americano e do seu presidente, que pela primeira vez em muitos anos teve de delegar a execução de uma agressão belicista e espoliadora nos seus colegas europeus, em consequência da imensa crise económica na qual estão imersos os Estados Unidos. E, por outro lado, assinala claramente que no seu afã de restabelecerem suas economias que caem a pique, os países que integram a Europa do Capital estão dispostos não só a saquear a Líbia como, no dizer do imperador Sarkozy e seu aliados, já pensam na Síria (à qual a UE bloqueou as vendas de petróleo) e no Irão, país a que acusam de "provável agressor nuclear" (Sarkozy dixit).


INVASÃO + MORTE = DEPENDÊNCIA


Neste quadro de interesses nauseabundos, há um factor que o império ocidental deverá ter em conta: os povos já não estão a dormir o sono dos justos, despertaram e querem terminar com esta equação de invasão mais morte igual a dependência. Aí está a experiência do povo egípcio ou o de Tunes e o do Iémen, mas também, como se verificou no Iraque invadido, muito em breve, talvez neste mesmo instante, ouviremos o rugir de dignidade da resistência líbia. Não só por Kadafi convocar seus seguidores para guerrear e dar aos invasores o que merecem, mas porque é a lei da vida: país invadido por forças militares colonialistas e por mercenários, convoca seus homens e mulheres a travarem novas batalhas, não só de auto-defesa como de emancipação nacional.


No plano internacional, onde não cabem só os que foram a Paris ao beija-mão de Sarkozy, restam muitos autênticos amigos do povo líbio, como a Venezuela, Cuba – que acaba de encerrar sua embaixada e desconhece o CNT –, Nicarágua, Equador, Bolívia e todos aqueles que recusam a NATO e seus sequazes.


Neste sentido, não há dúvida de que ainda não foi dita a última palavra sobre a Líbia.
O original encontra-se em Resumen Latinoamericano


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

2 de set. de 2011

Nos 100 anos de Vo Nguyen Giap*

“os imperialistas são péssimos alunos, demos-lhes lições durante vários anos na nossa escola, não aprenderam nada e foram repetentes durante tantos anos que tivemos que correr definitivamente com eles”
General Vo N’Guyen Giap
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Argel, 1975
 
O mítico general Vo Nguyen Giap cumpriu cem anos de idade. Quase tão venerado como Ho Chi Minh, estratega das grandes batalhas contra o colonialismo francês e a agressão estado-unidense, Giap é considerado um génio da logística e um político mobilizador de massas.
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Este lendário general vietnamita nasceu na aldeia de Una Xa, província de Quang Binh, a 25 de Agosto de 1911. Filho de um camponês que, embora sem terra, sabia ler e escrever e lutou durante toda a sua vida contra o regime colonialista imposto ao seu país.
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Ainda muito jovem, em 1926, começou a luta pela libertação do Vietname no instituto em que estudava. Aderiu ao Menh Dang do Tan Viet e, dois anos mais tarde, ao Quoc hoc, organizações clandestinas que faziam agitação contra a ocupação estrangeira.
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Em 1930 foi detido e condenado a três anos de prisão, mas foi libertado alguns meses mais tarde.
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Em 1933 entrou para a universidade de Hanói, de onde foi expulso dois anos mais tarde por realizar agitação revolucionária.
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Na universidade conheceu Dang Xuan Khu, que mais tarde adoptaria o pseudónimo de Truong Chinh, o principal ideólogo do comunismo vietnamita. Foi ele quem recrutou Giap para o Partido Comunista da Indochina.
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Em 1937 conseguiu concluir os seus estudos de Direito na universidade e começou a dar aulas de história num instituto em Hanói, embora o que fizesse na realidade fosse organizar os professores e os estudantes para a luta revolucionária.
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Em 1939 publica, juntamente com Truong Chinh, o seu primeiro livro, intitulado “A questão camponesa”, no qual analisam o papel que os assalariados rurais devem desempenhar no processo revolucionário, enquanto aliados do proletariado vietnamita.
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No ano anterior casara-se com uma tailandesa, Dang Thi Quang, militante comunista igualmente, e quando no ano seguinte o Partido Comunista da Indochina é ilegalizado Giap foge para a China, onde conheceu Ho Chi Minh e onde estudou as teses de Mao Zedong sobre a guerra popular prolongada e a guerra de guerrilha, que viria a aplicar magistralmente no seu próprio país.
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Mas a polícia francesa prendera a sua mulher e a sua cunhada para as utilizar como reféns para pressionar Giap e para o levar a entregar-se. A repressão foi feroz: a sua cunhada foi guilhotinada e a sua mulher foi condenada a prisão perpétua, vindo a morrer na prisão ao fim de três anos em consequência das brutais torturas a que foi sujeita. Os carrascos assassinaram também o seu filho recém-nascido, o seu pai, duas irmãs e outros familiares.
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Em Maio de 1941, na conferência de Chingsi (China), funda, juntamente com Ho Chi Minh, o Dong Minh (Liga Vietnamita para a Independência) mais conhecido com Vietminh, para congregar as forças anti-japonesas numa única frente de libertação nacional.
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Nesse mesmo ano Giap desloca-se para as montanhas do interior do Vietname a fim de dar início à guerra de guerrilha. Aí estabelece uma aliança com Chu Van Tan, dirigente do Tho, grupo guerrilheiro de uma minoria nacional do noroeste do Vietname. Giap inicia a construção do Tuyen Truyen Giai Phong Quan, um exército capaz de expulsar o ocupante francês e de sustentar o programa do Vietminh.
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Inicia uma campanha de dois anos de propaganda armada e de recrutamento, convertendo os camponeses em guerrilheiros combinando o treino militar com a formação política comunista. Em meados de 1945 dispunha já de cerca de 10.000 homens sob o seu comando e pode passar à ofensiva contra os japoneses que ocupavam todo o sudeste asiático.
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Em Agosto de 1945, juntamente com Ho Chi Minh, Giap dirigiu as suas forças para Hanói, e em Setembro desse ano Ho Chi Minh pôde proclamar a independência do Vietname, com Giap como comandante do exército revolucionário.
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Na guerra contra o colonialismo francês que se seguiu Giap demonstrou a superioridade da guerra popular sobre as forças imperialistas alcançado, em 7 de Maio de 1954, uma espectacular vitória na decisiva batalha de Dien Bien Phu, um vale situado a cerca de 300 quilómetros a oeste de Hanói onde as forças ocupantes francesas se tinham entrincheirado, confiantes na protecção das montanhas circundantes e na sua capacidade de derrotar as forças revolucionárias que tentassem descê-las. Não imaginavam que as forças de Giap fossem capazes de fazer subir peças de artilharia por de encostas quase inacessíveis.
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Após quase seis meses de cerco, dos 15.094 mercenários franceses concentrados em Dien Bien Phu apenas 73 conseguiram escapar, enquanto 5.000 foram mortos e 10.000 capturados. Giap e o general Denhg lançaram o assalto final que conduziu à expulsão definitiva dos franceses da Indochina. O exército de Giap e Denhg sofreu a baixa de 25.000 combatentes.
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Giap e Denhg derrotaram os imperialistas graças a uma acumulação logística extraordinária e a uma utilização eficaz e bem protegida da artilharia. Os 60 caças-bombardeiros B-29 norte-americanos enviados em apoio do efectivo francês falharam o seu objectivo, o que levou os imperialistas a admitir, segundo o criminoso plano do almirante norte-americano Radford e do general francês Navarre, o lançamento de bombas nucleares contra as forças revolucionárias.
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A campanha de Dien Bien Phu foi a primeira grande vitória de um povo colonial e feudal, com uma economia agrícola primitiva, contra um experiente exército imperialista apoiado por uma indústria bélica pujante e moderna. Os mais conhecidos generais franceses (Leclerc, De Lattre de Tasigny, Juin, Ely, Sulan, Naverre) fracassaram, um após outro, perante tropas constituídas por camponeses pobres, mas inteiramente decididas a lutar pelo seu país e pelo socialismo. Os governos de Paris foram também caindo, à medida que os seus generais eram derrotados naqueles arrozais distantes, deixando bem evidente a fragilidade da IV República.
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O Vietname ficou dividido e Giap foi nomeado ministro da defesa do novo governo do Vietname do norte que, ao mesmo tempo que prosseguia a guerra popular de libertação, se esforçava por construir uma nova sociedade, socialista.
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Como comandante do novo exército popular, Giap dirigiu a luta na guerra do Vietname contra os novos invasores norte-americanos no sul do país, que de novo teve início como uma guerra de guerrilha. Os primeiros soldados norte-americanos a morrer no Vietname resultaram do ataque a uma base militar Bien Hoa, a noroeste de Saigão, realizado pelo Vietcong em 8 de Julho de 1961. Nesse ano foram abatidos pelos guerrilheiros Vietcong mais de 1.000 lacaios do imperialismo americano, e anteriormente a 1961 já outros 4.000 tinham caído.
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Quatro presidentes norte-americanos sucessivos mantiveram a agressão contra o Vietname, deixando o rasto sangrento de 57.690 mercenários americanos abatidos, enquanto do lado vietnamita caíram 600.000 combatentes. Mas em 1973 os EUA forma finalmente obrigados a abandonar o país. O país foi reunificado dois anos mais tarde, depois de um tanque do exército revolucionário romper a vala de protecção da embaixada norte-americana enquanto os últimos imperialistas a abandonavam precipitadamente, fugindo de helicóptero do telhado do edifício.
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Giap foi a partir de então ministro da defesa do Vietname e membro de pleno direito do Politburo do Partido Comunista do Vietname, cargo que manteve até 1982.
Depois de abandonara estes cargos dirigiu a Comissão de Ciência e Tecnologia e, em Julho de 1992, foi-lhe concedida a mais alta condecoração do novo Vietname socialista, a ordem da estrela de ouro.
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O general Giap não foi apenas um mestre na arte de dirigir a guerra revolucionária, escreveu também sobre ela, publicando em 1961 a sua famosa obra “Guerra popular, exército popular”, manual da guerra de guerrilha baseado na sua própria experiência. Nela estabelece os três fundamentos básicos de que necessita um exército popular para alcançar a vitória na luta contra o imperialismo: direcção, organização e estratégia. A direcção do Partido Comunista, uma férrea disciplina militar e uma linha política adequada às condições económicas, sociais e políticas do país.
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Definiu a guerra popular como “uma guerra de combate para o povo e pelo povo, enquanto a guerra de guerrilha é apenas um método de combate. A guerra popular corresponde a uma concepção mais geral. É uma concepção de síntese. É uma guerra simultaneamente militar, económica e política”. A guerra popular não é realizada apenas pelo exército, por mais popular que este seja, mas sim por todo o povo, que deve participar e ajudar na luta, que necessariamente será prolongada.
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Como bom guerrilheiro, Giap sabia que o sucesso, quando existe uma desproporção de forças muito grande, se baseia na iniciativa, na audácia e na surpresa, o que exige que o exército revolucionário esteja continuamente em movimento. Destacou-se com um génio da logística, capaz de movimentar continuamente importantes contingentes militares, segundo os princípios da guerra de deslocações. Fê-lo contra os colonialistas franceses em 1951, infiltrando um exército inteiro através das linhas inimigas no delta do rio Mekong, e repetiu-o antecipando a ofensiva de Tet em 1968 contra os estado-unidenses, quando posicionou milhares de homens e toneladas de aprovisionamentos para um ataque simultâneo contra 35 centros estratégicos do sul.
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A batalha de la Drang (19 de Outubro – 27 de Novembro de 1965) foi uma das mais importantes para ambas as forças no decurso da guerra de libertação do Vietname. No seu decurso o general imperialista Westmoreland estava convicto de que a mobilidade aérea e a potência de fogo em grande escala seriam a resposta adequada à estratégia de Giap. Mas este colocou os seus efectivos tão próximo das linhas norte-americanas que os B-52 largavam as bombas em cima das suas próprias fileiras.
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As tácticas de guerrilha de Giap constituem ainda hoje uma das mais importantes fontes de informação do exército norte-americano para esmagar as forças revolucionárias. Os imperialistas dispõem de toda a informação, mas falta-lhes o mais importante: as massas que provocam com as suas macabras acções de saque e destruição. Estão conscientes de que se as massas se integram na guerra revolucionária estão perdidos. Por isso procuram evitá-lo e se esforçam por isolar do povo os destacamentos guerrilheiros, tanto através da repressão como da falsidade. Mas também sabem que não poderão manter indefinidamente nem uma coisa nem a outra…
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*Publicado em [email protected], 25 de Agosto de 2011

Fonte:http://www.odiario.info/?p=2192
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1 de set. de 2011

Falecimento Alaíde Pereira Nunes, em 1º/09/2011

Alaíde Pereira Nunes começou sua vida política nos anos de 1930, aos 16 anos de idade, quando da primeira tentativa de imposição da ditadura de Getúlio Vargas. Iniciou seu engajamento na luta pelo petróleo nacional, contra o entreguismo e o integralismo. No percurso foi presidente do Movimento Feminino pela Aliança Nacional Libertadora, na seccional de Campos, norte fluminense.

Logo após, em 1935, foi para a ilegalidade junto com seu companheiro de vida e de luta, Adão Manoel Pereira Nunes. Ficou nessa situação até a anistia que veio no ano de 1946. Entretanto, mesmo ilegal, em nenhum momento esmoreceu em sua luta contra as injustiças sociais, bem como pela integridade pátria.

Em 1946, com a anistia concedida por Getúlio Vargas, começaram a florescer novos movimentos políticos de oposição, pois Vargas tornou-se, em verdade, um ditador popular. E, sua luta continuava no território da oposição a esse regime que apenas parecia democrático, mas que na verdade não passava de um engodo.

E o tempo passou... Veio, então, o golpe de 1964, começando aí uma nova fase, quando Alaíde Pereira Nunes foi para o exílio, que durou quatro anos. No exílio sua luta resultou em muitos amigos – alguns que duraram toda uma vida – que chegavam e eram recebidos em sua casa, a qual se tornou, por assim dizer, um reduto de resistência e uma referência para os muitos brasileiros desalojados de sua terra.

Ao retornar ao Brasil, em 1968, tempos difíceis. No auge da ditadura militar que assolava nosso Brasil, tudo tinha que ser feito “por baixo dos panos”. Eram muitas as reuniões e as ajudas a amigos que precisavam se esconder para fugir das caçadas militares, amparadas pelo AI-5. Alaíde participou ativamente de toda uma luta de resistência ao terrorismo de Estado que se implantou no Brasil. Seu espírito revolucionário a impelia, cada vez mais, a lutar por esse país.

Em 1977, o Brasil vivia uma pseudo-abertura política, mas, ainda havia milhares de brasileiros presos e exilados. Foi criado, então, o Movimento Feminino pela Anistia, no qual se engajou imediatamente, para ajudar na libertação dos companheiros presos e dos que longe permaneciam, perdidos pelo mundo, sem identidade, distante da pátria que amavam, da língua... dos seus. No Movimento Feminino pela Anistia conseguiu-se muitas vitórias e a liberação de muitos companheiros.

Com o retorno de Leonel Brizola, em 1979, Alaíde ajudou, junto com seu companheiro Adão e outros tantos a fundar o Partido Democrático Trabalhista – PDT, onde permanece até hoje, sempre lutando contra as injustiças sociais e em prol de um melhor país.

A você, Alaíde, um exemplo de luta e de vida, as nossas homenagens!


JORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS / RJ - ANO 24 - N° 71 - abril 2010