Fernando Rodrigues Batista
“Há que proclamar Cristo acima dos punhos crispados dos verdugos, acima dos suspiros da besta infernal da perseguição”.
O decreto n. 7.037/2009 que aprovou o malfadado Plano Nacional de Direitos Humanos vem suscitando debates calorosos a respeito de vários de seus pontos. Todavia, salvo poucas exceções, a análise do malogrado documento é feita de forma fragmentária, olvidando-se sua essência, vale dizer, seu caráter notadamente anti-católico.
Esse caráter anti-católico fica evidente no “objetivo estratégico VI” do PNDH atinente ao “respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado”.
Inicialmente calha ressaltar que esta ofensiva contra a tradição cristã de nossa Pátria e contra os valores basilares do cristianismo possui amplitude universal.
Em 4 de novembro de 2009 o Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo deferiu o recurso apresentado por Soile Lautsi, cidadã italiana de origem finlandesa, que em 2002 havia pedido ao instituto estatal italiano em que estudavam seus dois filhos que retirassem os crucifixos das salas de aula.
A sentença prolatada pelo Tribunal de Estrasburgo – embasada por sua vez no Pacto de Lisboa - assegura que os crucifixos nas salas de aula constituem “uma violação dos direitos dos pais de educar seus filhos segundo suas convicções” e da “liberdade de religião dos alunos”.
A conferência episcopal italiana falou de “visão parcial e ideológica”, ressalvando que na decisão do tribunal “se ignora ou se descuida do múltiplo significado do crucifixo, que não é só símbolo religioso, senão também cultural”. Ademais, enquanto o Governo italiano anunciou que apresentou recurso contra a sentença, o mundo político manifestou quase unanimemente a falta de senso comum que embasa a medida, assinalando como “a laicidade das instituições é um valor muito distinto da negação do papel do cristianismo”.
De fato, a sentença do Tribunal de Estrasburgo, com a intenção de tutelar os direitos do homem, acaba por colocar em julgamento as raízes sobre a quais se fundam esses mesmos direitos, desconhecendo a importância do papel da religião – e em particular do catolicismo – na construção da identidade européia. Por outro lado, a decisão vem reafirmar antiga idéia naturalista – condenada por São Pio X - quando afirma a centralidade do homem na sociedade substituindo a Deus.
Os efeitos da decisão supradita não demoraram, e assim, com o apoio do PSOE (Partido Socialista “Obrero” Espanhol), a Comissão de Educação e Esporte do Congresso espanhol aprovou dia 2 de dezembro de 2009, por 4 (quatro) votos de diferença, uma proposta de lei, apresentada pela ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), a qual visa forçar o Governo a aplicar em todos os centros escolares a jurisprudência do Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo.
Cabe lembrar que na Espanha da Segunda República, no governo da Frente Popular onde 90% dos ministros eram maçons, o anticlericalismo se fez apresentar desgraçadamente. Neste governo se aprovou uma Lei para a expropriação de todos os bens das Igrejas. Também se criou uma lei através da qual se proibia a docência aos sacerdotes e nas escolas os crucifixos deveriam ser eliminados das salas de aula. Em face disso, o consagrado escritor Miguel de Unamuno detectava muito bem a raiz destas invectivas com palavras que se adequam perfeitamente aos dias de hoje:
“A presença do Crucifixo nas escolas não ofende a nenhum sentimento nem ainda ao dos racionalistas e ateus; e ao retirá-lo ofende ao sentimento popular até dos que carecem de crenças confessionais. O que se vai colocar onde estava o tradicional Cristo agonizante? Uma foice e um martelo? Um Compasso e um esquadro? Ou que outro símbolo confessional? Porque há que dizer claramente e disso teremos que ocupar-nos: a campanha é de origem confessional. Claro que de confissão Anti-Católica e Anti-Cristã. Porque de neutralidade é um engodo”.
A gripe “Anti-crucifixos” de que padecia a mãe italiana que negava que seus filhos estudassem em uma sala de aula com um símbolo religioso contagiou a esquerda da Espanha, ainda que isso não seja nada novo. Desde que o Governo de Zapatero assumiu o poder em 2004, tudo relacionado a religião, a família cristã, a vida desde a concepção, a liberdade de ensino, tem sido objeto de uma continua ofensiva.
A gripe não apenas atingiu a esquerda espanhola, mas também a brasileira, uma vez que não outra coisa objetiva o governo petista ao prescrever como ação programática do PNDH “desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União” com a finalidade de promover a “tolerância” e a “afirmação da laicidade do Estado”.
Conforme salientou Dalmacio Negro, catedrático espanhol e membro da Real Academia de Ciências Morais e Políticas, “as principais características do laicismo são o culto ao Estado e a ideologia progressista nihilista”.
Laicismo, diz o Dicionário de Política do saudoso jusfilósofo paulista José Pedro Galvão de Sousa, é uma “concepção filosófico-política que se assenta em radical indiferença à religião positiva e leva a pensar e agir como se Deus não existisse, fazendo-se valer essa atitude especialmente no âmbito das instituições públicas e da educação”.
No mesmo sentido, anota o jurista espanhol Miguel Ayuso, catedrático de Ciência Política e Direito Constitucional da Universidade Pontificia de Comillas e presidente da União Internacional de Juristas Católicos, que o termo laicismo denota o sufixo “ismo”, ligado a uma ideologia, a liberal, baseada na marginalização da Igreja das realidades Humanas e Sociais, vale dizer, supressão da Realeza Social de Cristo. Com efeito, o naturalismo racionalista posto em ação na Revolução liberal, e condenado pelo magistério da Igreja, recebeu entre outros o nome de laicismo.
Na prática, assevera ainda Miguel Ayuso, o que se está postulando é o agnosticismo político, que não pode se concretizar senão exigindo a submissão da Igreja (prévio esquecimento de sua missão de garante dessa ortodoxia pública) ao Estado: a “laicidade do Estado” sempre termina na “laicidade da Igreja”, vale dizer, na pretensão de que esta renuncie sua missão e se limite a oferecer seu “produto” (pura opção) dentro do respeito às regras do “mercado”.
Assim, a invectiva governamental pretende entregar a obra fundadora do catolicismo ao jugo da Revolução Universal, uma “potência anônima, ideológica, desencarnada, despersonalizadora” sobre a qual “o Estado absorve a Pátria”
Nossa época sofre de uma enfermidade predominante, e essa “enfermidade social” se chama laicismo. A natureza desta enfermidade já observava com sua habitual e peculiar lucidez o filósofo italiano Michele Federico Sciacca:
“O laicismo moderno, pura ou implicitamente desde seus primórdios, e ainda quando não o proclame abertamente, obedece a um princípio que, mais que uma abstração, diríamos que é uma superstição por um ídolo que lhe é essencial: o homem basta a si mesmo, e o mundo humano tem em si mesmo seu próprio princípio e seu próprio fim: é auto-suficiente. [...]. Concepção laicista da vida que significa, pois, concepção arreligiosa, humanismo absoluto, mundanismo radical; que tem por norma própria: pensar (ordem intelectual) e agir (ordem prática) como se Deus não existisse, deixando-o de lado na espera de anular sua mais distante imagem. Primeiro, destruição; logo, desprezo; por fim, radical esquecimento” (SIACCA, Michele Federico. “El laicismo, crisis de fe y de razón”, en La sociedad a la deriva. Actas de la XIV Reunión de Amigos de la Ciudad Católica, 6 al 7 de diciembre de 1975, Speiro, p. 224.)
Monsenhor Berataud, com acuidade escrevia que “não há direitos a proscrever o sobrenatural da vida de uma nação, pois é como exilar a alma do corpo, a graça da natureza, o Anjo de nossos passos. E quando isso ocorre, os países caem desabados e tombam sem sentido”.
Hoje vivemos em nossa Pátria uma Revolução que quer destruir todos os valores e esquecer nosso passado. Vivemos uma Revolução que de alguma maneira é mais perigosa que a situação que viveu a Pátria faz alguns anos, quando as guerrilhas armadas queriam apoderar-se do poder para impor-nos a bandeira vermelha do comunismo.Por isso temos que rezar ao Senhor para que nossa Pátria recorde que nasceu cristã, que nasceu católica, como pedia o Padre Alberto Ezcurra aos seus compatriotas argentinos, e que recorde que emergiu da Cruz dos missionários ao mesmo tempo que da espada dos conquistadores.