O Bengalão, que anda sempre ao contrário da corrente, foi passar a noite de Natal à mais improvável de todas as terras: foi consoar a Lisboa. E, como é seu hábito quando vai à Capital, fez a sua "peregrinationem ad loca dilecta". Foi às livrarias do Chiado, aos discos da FNAC, visitou as montras das pastelarias, comeu castanhas, desceu a Rua Augusta e foi ao Terreiro do Paço a ver se as naus já tinham regressado.
No Terreiro do Paço, esperava-o um espectáculo indecoroso: as tradicionais iluminações de Natal tinham sido substituidas por cerca de duas dezenas de bolas gigantes, iluminadas a azul, que serviam de propaganda à TMN.
Entendamo-nos, Leitor. O Bengalão não tem pelo Natal um respeito religioso. O Bengalão prefere a luta pela liberdade de expressão à luta contra a blasfémia, que não sabe bem o que seja. O Bengalão conhece Jesus, mas o Jesus d'O Bengalão não terá nascido a 24 de Dezembro, nem foi aquecido por uma vaca e um burro, porque o bom S. Francisco, no tempo em que vive o Jesus d'O Bengalão, ainda não inventou a piedosa mentira do presépio, nem é filho de uma virgem, porque ainda não foi cometido o Concílio de Niceia, nem tem o título de Christos, porque Paulo, o duríssimo Paulo, ainda não partiu para Damasco. O Jesus d'O Bengalão é muito mais parecido com o Doce Rabi de Eça de Queiroz e os seus Suaves Milagres são muito mais suaves do que milagres. O Jesus d'O Bengalão, se entrasse na Rua Augusta, mais depressa sorriria à mulher das castanhas do que ao azul frenético das luzes.
Não é, assim, qualquer sentimento de indignação religiosa que anima O Bengalão. Mesmo que a TMN declarasse, alto e bom som, que o anúncio de Gabriel a Maria, tinha sido enviado, ave maria xeia d graça, por SMS, usando os serviços da TMN, O Bengalão dormiria tranquilo, e acha mesmo que Jesus, o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura, havia de se iluminar num sorriso tímido.
Esta decoração causa a'O Bengalão uma dúvida e uma perplexidade. Pensa O Bengalão que a Câmara Municipal de Lisboa está a talvez a exagerar, depois da Praça das Flores e da Avenida da Liberdade, nas vezes em que aceita reservar para uso privado aquilo que é essencialmente público: a rua. E não se diga que a Câmara foi devidamente compensada, e através dela, os munícipes. Seguindo esse princípio, qualquer dia a estátua do Marquês será coberta de anúncios a um detergente, a de Camões dos de um oculista e entrar-se-á no cemitério do Alto de S. João por entre alas de cartazes com reclames de floristas.
A perplexidade tem a ver com a reacção, ou melhor, a não reacção, da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Os Senhores Bispos, sempre tão lépidos a recordar a'O Bengalão os ditames da sua moral gorda, e a censurar qualquer filme, qualquer livro, qualquer imagem em que se entreveja um seio ou se fale com menos reverência daquilo em que acreditam, agora calam-se. E O Bengalão não consegue deixar de se interrogar sobre se Suas Excelências Reverendíssimas não terão contrato com a TMN.
No Terreiro do Paço, esperava-o um espectáculo indecoroso: as tradicionais iluminações de Natal tinham sido substituidas por cerca de duas dezenas de bolas gigantes, iluminadas a azul, que serviam de propaganda à TMN.
Entendamo-nos, Leitor. O Bengalão não tem pelo Natal um respeito religioso. O Bengalão prefere a luta pela liberdade de expressão à luta contra a blasfémia, que não sabe bem o que seja. O Bengalão conhece Jesus, mas o Jesus d'O Bengalão não terá nascido a 24 de Dezembro, nem foi aquecido por uma vaca e um burro, porque o bom S. Francisco, no tempo em que vive o Jesus d'O Bengalão, ainda não inventou a piedosa mentira do presépio, nem é filho de uma virgem, porque ainda não foi cometido o Concílio de Niceia, nem tem o título de Christos, porque Paulo, o duríssimo Paulo, ainda não partiu para Damasco. O Jesus d'O Bengalão é muito mais parecido com o Doce Rabi de Eça de Queiroz e os seus Suaves Milagres são muito mais suaves do que milagres. O Jesus d'O Bengalão, se entrasse na Rua Augusta, mais depressa sorriria à mulher das castanhas do que ao azul frenético das luzes.
Não é, assim, qualquer sentimento de indignação religiosa que anima O Bengalão. Mesmo que a TMN declarasse, alto e bom som, que o anúncio de Gabriel a Maria, tinha sido enviado, ave maria xeia d graça, por SMS, usando os serviços da TMN, O Bengalão dormiria tranquilo, e acha mesmo que Jesus, o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura, havia de se iluminar num sorriso tímido.
Esta decoração causa a'O Bengalão uma dúvida e uma perplexidade. Pensa O Bengalão que a Câmara Municipal de Lisboa está a talvez a exagerar, depois da Praça das Flores e da Avenida da Liberdade, nas vezes em que aceita reservar para uso privado aquilo que é essencialmente público: a rua. E não se diga que a Câmara foi devidamente compensada, e através dela, os munícipes. Seguindo esse princípio, qualquer dia a estátua do Marquês será coberta de anúncios a um detergente, a de Camões dos de um oculista e entrar-se-á no cemitério do Alto de S. João por entre alas de cartazes com reclames de floristas.
A perplexidade tem a ver com a reacção, ou melhor, a não reacção, da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Os Senhores Bispos, sempre tão lépidos a recordar a'O Bengalão os ditames da sua moral gorda, e a censurar qualquer filme, qualquer livro, qualquer imagem em que se entreveja um seio ou se fale com menos reverência daquilo em que acreditam, agora calam-se. E O Bengalão não consegue deixar de se interrogar sobre se Suas Excelências Reverendíssimas não terão contrato com a TMN.