Certa vez, a Mentira e a Verdade encontraram-se.
A Mentira, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe:
– Bom dia, dona Verdade!
Ciente de seu caráter, a Verdade, ouvindo tal saudação, foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou para o alto, não havia nuvens de chuva, os pássaros cantavam, não havia cheiro de fumaça na mata e tudo parecia perfeito.
Tendo se assegurado de que realmente era um bom dia, respondeu:
– Bom dia, dona Mentira!
– Está muito calor hoje, não é mesmo? - disse a Mentira.
Realmente o dia estava quente demais. Desse modo, vendo que a mentira estava sendo sincera, começou a relaxar e baixar a guarda. Por qual razão haveria de desconfiar, se a Mentira parecia tão cordial e "verdadeira"? Diante do calor insuportável, a Mentira, num gesto de aparente amizade, convidou a Verdade para juntas se banharem em um poço.
Como não havia mais ninguém por perto, a Mentira despiu-se de suas vestes, pulou na água e, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe, insistentemente:
– Vem, dona Verdade, a água está uma delícia, simplesmente maravilhosa.
O convite parecia irrecusável. Assim sendo, dona Verdade, sem duvidar da Mentira, despiu-se de suas vestes, pulou na água e deu um bom mergulho.
De repente, a Mentira sai da água, põe as roupas da Verdade e foge sorrateira. A Verdade sai do poço furiosa, porém sempre muito ciosa de sua reputação, recusa-se a vestir-se com as roupas da Mentira, e não tendo outra opção que lhe fosse coerente, saiu nua a caminhar na rua para encontrar a Mentira.
O Mundo vendo-a toda nua, vira o olhar com desprezo e raiva.
Desde então, a Mentira viaja pelo mundo todo vestida como Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade, e o mundo não quer de maneira alguma ver a Verdade nua e crua.
A Verdade sai do poço - Jean-Léon Gérôme 1896