É exatamente meia-noite. Procuro as palavras e encontro o silêncio. Um domingo-segunda. Estou no décimo primeiro andar e vejo Fortaleza por todos os lados. Diante dos meus olhos, um avião acaba de decolar em direção ao céu apinhado de estrelas. A vastidão me cerca. Finalmente, posso manter os pés acima do chão. Encontrei um lugar no mundo sem a mínima conexão com o espaço. E não é aqui, é um todo canto em que viajo e volto. Sou andante como as águas de um rio. Margeada apenas por um guarda-corpo que cria uma imagem turva de limite, de fronteira. Não sabia que além de guarda-roupa também inventariam algo denominado guarda-corpo - um muro vazado que circunda espaços da cobertura de edifícios. Acho que sabem o que fazem, nem sei o que seria se não houvesse entre o céu e a amplidão esse artifício criado para me guardar. É que não tenho um lugar nesse mundo, já disse. Sou de passagem, todos os dias do ano. Eu invento o novo e acabo atravessando cada dia que tropeço. Por muito tempo, sequer conseguia estar nas alturas. Onde segurar? Imaginava, com uma certeza mais que justa, que seria irremediavelmente lançada ou levada pelo vento. Nem sabia de Deus. Mudou. Ele sabe de mim. Fico próximo do precipício e me misturo à paisagem. Estou conectada. Fios de afetos de todas as cores, espessuras e tamanhos me vinculam e me cobrem. Encontro-me nos tantos de amores que me visitam e ficam. São eles que ligam a terra e nunca, ou quase nunca soltam o fio da pipa que ganha os céus a cada vento. Pequenos novelos de delicadezas, cuidados, encantamentos e enlaçamentos. Ontem mesmo, ao beijar um amor partido me deixei ir. Dói saber que vai e fica. Acabei de me distrair no enlevo do sabor quente desse beijo. “Eu faço os versos e nem rasgo”. Para que? Pois como eu vinha dizendo, gosto mesmo é da festa do ano novo. Corro, corro e fico hipnotizada com os fogos de artifícios e as lágrimas caem embaladas por tanta beleza. Eu sou grata, sempre fui. Esses fios me nutrem e me afagam inclusive os que se foram. Em cada dia desse ano eu me vi em lugares que guardam um mesmo nome: amor. Isso mesmo, amor, sem nenhum temor em ser piegas. Sem distinção de quantidade, tamanho e volume nomeio alguns deles: Isadora, Neide, Osmar, Tiago, Alex, Davi, Lucas, Bruna, Ceiça, Lucíola, Pedro, Márlia, Mariana, Cristina, Crisvany, D. Cosminha, Léo, Lídia, Camila, Gigio, Thiago, Márcia, Ana(s), Pryscilla, Fayga, Cláudia, Lana, Carol (s),Germana, Tainá, Joyce, Bety, Fabiana, Paulo, André...
Um brinde à vida, nova apenas quando sentimentos em doses altas fazem vicejar, todos os dias, o gosto de reinventá-la. Um brinde ao mundo que vejo aqui de cima e me acolhe, mesmo que o medo permaneça. Agora, o relógio marca 1.15 da madrugada do dia 29 de dezembro. Estou só e povoada. Lá fora, sem nenhuma rajada de fogos vejo um sinal: eu fiz essa passagem. É novo.