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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Morre James Bond, nasce o ALUPEP

Não estranharia nada se o dia 14 de Fevereiro fosse consagrado como o "Dia do Camaleão" ou o "Dia do macaco de imitação"! Irão, caros leitores, perceber as razões da minha tirada à medida que eu for desenvolvendo este artigo.

A 14 de Fevereiro de 1989 morria o homem que se vê na fotografia em cima, a segurar dois maçaricos-esquimós (Numenius borealis). Este cientista, foi um ornitólogo amante de pássaros tropicais, que escreveu: A Field Guide to the Birds of the West Indies, publicado pela primeira vez em 1936. Ilustre desconhecido! Porém, seu nome foi "roubado" por Ian Fleming (confissão aqui) que dele deu vida ao mais famoso espião de todos os tempos: James Bond.

Ao que parece, por mais fidedigna que seja a cópia, sempre esta acaba por adquirir a sua própria identidade, e como tal se diferencia do original. Mesmo na clonagem isto acaba por acontecer. Veja-se o caso da célebre ovelha Dolly que se tornou famosa e poucos sabem da ovelha original. Dolly era suposta viver mais seis anos do que ela... porém, teve de ser abatida aos 6 anos (a 14 de Fevereiro de 2003) por sofrer de doença típica das ovelhas velhas (suas células tinham um DNA de 12 anos). Vejam o vídeo a seguir:

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Precisamente um ano antes, (a 14 de Fevereiro de 2002) nascia o primeiro animal de estimação clonado: a gata c/c, carbon copy ou Copy Cat. Tratou-se do nono animal clonado na história da clonagem.

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Mas, esta imitação que de forma darwiniana se transforma progressivamente em algo individualizado e com possibilidade de reprodução sob nova identidade, não se limita a seres materiais. Vejamos um caso "não material" que teve lugar em 14 de Fevereiro de 842: o dos Juramentos de Estrasburgo (Sacramenta Argentariae):
"Os Juramentos de Estrasburgo (Sacramenta Argentariae) marcam o nascimento da língua francesa. É nestes juramentos de ajuda mútua pronunciados em 14 de fevereiro de 842 entre dois netos de Carlos Magno, a saber, Carlos o Calvo (Charles le Chauve) e Luís o Germânico (Louis le Germanique), contra o irmão deles, Lotário I, que se encontra a primeira testemunho da existência de uma língua falada na França que era claramente separada do latim, a língua romana antepassada do francês" [tirado daqui]
Mas a língua portuguesa teve também um momento de glória a 14 de Fevereiro de 1990: o da aprovação do Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa

No entanto, hoje 14 de Fevereiro de 2010, é Domingo gordo de Carnaval!

Vou propor um novo traje para a escrita da língua portuguesa:

o ALUPEP!

ALFABETO UNIFICADO PARA A ESCRITA DO PORTUGUÊS

Isto, porque a argumentação dos arautos do alfabeto fonológico para a língua cabo-verdiana, era a de que os cabo-verdianos eram incapazes (um autêntico atestado de incompetência e de mediocridade) de escrever bem a língua portuguesa por não saberem quando o x se lia che, cse, zz, ssi ou eix, ou quando s valia c ou z. Como o problema não foi resolvido por se aceitar o bilinguismo, e o ALUPEC foi imposto, só me resta propor que a língua portuguesa passe a ser escrita com um alfabeto fonológico: o ALUPEP.

A partir dexte mumentu já komesei a uzar u alfabetu funulójiku. Vai ser um marku istóriku nexta sidade da Praia. Oje é dia du Sãu Valentin y todux ux namuradux extão à prokura de prezentex para oferta. Bem guxtaria de vê-lux maxkarádux, kon beisux silikunadux a tentar akêlex beijux de "txintxiróti".

14 de Fevereiru é também um dia de muitux asasinatux y masakrex, bem komu de medidax de intulerânsia kontra a liberdade de expresãu.

Kreiu ke vou fikar pur aki, poix nãu guxtaria de ter um mandadu de kaptura extilu fatwa, emitidu pur sei lá ke dirijente pouku demukrátiku ke pur aí abunda, tal a sorte de Salman Rushdie kon seux Versíkulox Satânikux. Foi a 14 de Fevereiru de 1989 (nu mexmu dia em ke Bond faleseu!) ke lhe foi lansada a tal ordem de ezekusãu!

Antex purém de vux deixar, guxtaria de vux prezentear kon uma belísima futugrafia dux anux trinta, onde se podem ver kriansas vextidax de karnaval a rigôr, em frente da kâmara munisipal da sidade da Praia:

Adeux, ke já me bateram à porta kon akele mandadu de apreensãu du meu komputador!

domingo, 8 de novembro de 2009

Alupequeando por aí

Acabo de receber um boletim muito interessante, "BANCADA", onde vem transcrito um artigo meu sobre a "Problemática do ALUPEC num ambiente bilingue". O boletim é o nº zero do grupo parlamentar do Movimento para a Democracia e foi publicado em Outubro de 2009.

Assim, é com prazer que vos apresento o artigo que escrevi, não só para o conhecerem, como também para tirarem as vossas conclusões a respeito de eventuais inverdades e interpretações falaciosas desses "africanistas extraterrestres" a que me referi no "post" anterior. (NB: excepção que faço a esta regra)

Este artigo diz respeito a uma análise transdisciplinar (e não linguística) sobre a adopção do ALUPEC como instrumento de alfabetização em simultâneo com o alfabeto etimológico usado para o Português. A meu ver é incompatível com a adopção do bilinguismo. Voltarei a aprofundar este assunto no blog sobre transdisciplinaridade (que é uma das minhas especialidades!)

Eis o artigo (cliquem nas figuras e poderão lê-lo sem problemas).
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domingo, 29 de junho de 2008

O Badio entre o Betacismo e o Metaplasmo

Vou falar-vos da versão mais lógica e menos conhecida da origem da palavra "badiu" , que tem vários significados mas que hoje identifica o habitante da ilha de Santiago de Cabo Verde.

Mas,... quem sou eu para resolver falar de assuntos de linguística, se a minha formação é da área das chamadas ciências exactas?

Em primeiro lugar, neste blog, os artigos têm sempre o tal cunho pessoal e não devem ser considerados artigos científicos. Em segundo lugar, eu sempre me desenvencilhei bem em matemática (a disciplina em que melhores notas apanhava) o que me estimulava as células cinzentas da região cerebral também responsável pelos dotes linguísticos. É assim que apanhei o gosto pelo estudo da origem das palavras e a nossa língua cabo-verdiana me trouxe e traz um campo fértil e "gostoso" de pesquisa (deveras transdisciplinar) nesse domínio.

A rigor, o "badiu" designa o camponês do interior da ilha de Santiago. Tanto mais que as expressões (antigas) "badiu di fora" (de fora da cidade), "badiu burro" (retratando o carácter campónio do iletrado indivíduo) e "badiu di pé ratchado" (indicando as gretas das ourelas dos descalços pés, próprias do contacto desses mesmos pés, com a lama pedregosa dos campos cultivados) reforçam a natureza campesina do mesmo. Hoje estas expressões não têm cabimento.

A vida difícil acabou por levar o "Badiu" a migrar para outras ilhas (sec. XIX e seguintes) onde os habitantes os identificavam como oriundos da ilha de Santiago, generalizando o termo a todos os habitantes dessa ilha, incluindo os da cidade da Praia. Estes, até aos anos setenta do século XX, sabiam que o termo "badiu" lhes servia para designar os que provinham do interior de Santiago.

Vejamos agora a explicação mais conhecida da origem do termo "badiu" que em língua portuguesa se diz "badio". NB: usarei doravante o termo português badio e sem aspas.

Premissa nº1: muitas palavras do cabo-verdiano com sílabas começadas pela letra b, provieram de palavras do português com sílabas começadas pela letra v : baca, bento, cabalo, balenti, bedjo, nobo, nabadja, nabega, coba, bruga, besgu, etc. O fenómeno linguístico em causa é conhecido por betacismo

Premissa nº2: muitos escravos conseguiam fugir e deambulavam pelas montanhas e vales recônditos de Santiago. Eram chamados de "negros fujões".

Construção da explicação da origem da palavra: Esses negros fujões passavam privações e se organizavam para vir assaltar as casas na cidade e roubar comida. "Lá vêm aqueles vadios, desgraçados, fogo neles!" exclamavam as autoridades portuguesas em face dessas ocorrências. E a palavra vadio foi rapidamente passada pelos cabo-verdianos, para badio.

Esta é a versão conhecida e que, a meu ver, "mete água" por todos os lados:
  • O betacismo não é tão presente assim, que possa ser generalizado. Há muitos mais casos de conservação do v na passagem do português para o cabo-verdiano, do que à primeira vista parece. Aliás, se vadio desse badio, então porque não diríamos badiachi em vez vadiachi, ou "forti bâdia, nha guenti!" em vez de "forti vâdia, nha guenti!"
  • A maioria dos termos em b de que falamos, transitou já com o b do linguarejar dos colonos portugueses de origem nortenha, que diziam (e dizem): binho, bamos, bentania, biola, etc. E não vejo nortenhos dizer "os badios são aqueles que andam a badear por aí"
  • Mal vejo os camponeses cabo-verdianos a interiorizar um termo que era depreciativo e até pejorativo.
  • Como poderiam vadiar os camponeses, se por o serem nestas ilhas, se tornavam forçosamente sedentários e não nómadas?
  • A maior parte dos defensores do badio proveniente de vadio, não são Badios! (infiram vocês o resto)
Agora vou contar-vos a cena que na minha juventude presenciei e que desde então me convenceu do quão verossímil seria uma outra explicação.

Assisti a um momento cultural no então Instituto Cabo-verdiano do Livro, nos finais da década de setenta (do século passado). Ali se encontravam alguns intelectuais cabo-verdianos, entre os quais Felix Monteiro. Este, no decorrer de um debate, apresentou a seguinte "tese" sobre uma outra origem do vocábulo badio:

Badio vem de baldio, tendo havido a queda da letra l.

A argumentação era a de que os camponeses (estamos já no século XVIII) que forneciam frescos à cidade, cultivavam-nos nos arrabaldes da mesma ou seja nos terrenos baldios, também designados apenas por baldios.

Frases como: "vamos à praça comprar as hortaliças dos baldios (terrenos)" eram interpretadas pelos demais como "...hortaliças dos Baldios (grupo de pessoas)

A transformação linguística subjacente (supressão de fonemas) é conhecida por Metaplasmo e no caso vertente, onde o som que desaparece está no meio da palavra é uma síncope.

Baldio passa a Baldio (com o a mudo), a Badio, e a Badiu

Esta é a versão que mais faz sentido, pois:
  • O significado de camponês de "fora" se coaduna com o do habitante dos baldios.
  • A transformação por síncope é mais natural do que a por betacismo
  • A conotação não é sentida pelos próprios como desprestigiante (logo facilmente adoptada pelos mesmos).
  • Identificar alguém como baldio (dos arrabaldes) é mais evidente (traje e função na sociedade) do que identificá-lo como vadio (negro fujão).
  • Os terrenos baldios estavam "na moda" no tempo do Marquês de Pombal e foram ao longo dos anos em Portugal, sempre objecto de política agrária, polémica e referências.
  • Os habitantes da cidade da Praia não se consideravam Badios!
Vou então deixar-vos reflectir sobre:

O absurdo do Badio porvir de Vadio
&
A lógica e o fazer sentido, do Badio porvir de Baldio

Só encontrei uma referência na Internet que fale da origem baldio; mas ela é em língua alemã. Ei-la aqui